You are on page 1of 19
Cartografia do cuidado em saude mental 277 no encontro entre agente comunitdrio de satide e usudrio I Jania Lurdes Pires Samudio, * Ana Clara de Freitas Dias Costa Martins, Leticia Carneiro Brant, *Cristina Sampaio | Resuumo: O estudo mapeou parte da produgdo de cuidado em satide mental que acontece no encontro centre Agente Comunitério de Satide (ACS) e usudtio na Atengao Primaria a Satide (APS). A metodologia utilizada foi a cartografia, fundamentada na esquizoanilise, teoria filosdfica de Gilles Deleuze Félix Guattari, cujo interesse é mapear as linhas de forca que conectam o objeto de estudo. Para a captura da producao de cuidado, realizaram-se grupos focais, com ACS de equipes de Estratégia Satide da Familia (ESF) de Montes Claros-MG. Como resultado, verificam-se deslocamentos no cuidado dos ACS, quande, saindo das linhas duras “profissionais psi cuidam” e “cuidar sem se envolver’, sio atravessados por linhas maledveis e de fuga, “oferecer escuta” € “pensar sobre 0 encontro com o usudtio”; contudo, ha reterritorializag4o por nova linha dura: “escutar no basta’. Aponta-se a potencialidade do ACS no cuidado em satide mental na APS: um trabalhador aberto & invengao de sua subjetividade ¢ & Reforma Psiquidtrica. Para tal, sao necessérios agenciamentos que contribuam para novas formas de cuidado em seu territério de trabalho, dando-lhes visibilidade e reconhecimento. > Palavras-chave: Agente Comunitario de Saiide; Saude mental; Cartografia. (DOK: tptx.\org/t0580/S0103-73312017000200006, Universisade Estadual de Montes Clos, Programa de Pés-Graduacdo em Cuidaco Primaria em Sade Montes Claros-M, Bros jansamudio@yahoo.com.br = Universicade Estadual oe Montes Cares, Curso de Graduagio em Medicina. Montes claro, eras anacloratdcosta@otma' com) > universisade Fstadual oe Montes Clare, Cure Graduasio em Mesicina. Montes clhros- MG, Brasil lelletbrant@gmail com, “ Unverscade Estadul de Montes Claro, Departamento de Saude Mental e Saude Cotetiva, Programe ce Pos-Graduagao em Cuidado Pimino em Sauce, Montes Claes-¥'6, Sas Gampaio, esting cor. ecebigo em: 12/08/2006 ‘provado em: 25/08/2016 E Introdugao O Agente Comunitério de Satide (ACS), profissional estratégico inserido na Atengao Priméria & Satide (APS), é parte fundamental para a implantagao das equipes de Estratégia Satide da Familia (ESE), bem como para o alcance de suas acoes. No Brasil, as primeiras experiéncias com o ACS aconteceram em 1987, no Ceara, O éxito dessa iniciativa para a populagdo levou ao surgimento do Programa de Agentes de Satide (PACS), que, posteriormente, se ampliou para assegurar a efetivagio dos principios do SUS (MENDES, 2012), originando, em 1991, o PACS nas regides Norte ¢ Nordeste do Brasil. Priorizava-se a assisténcia bésica & populagéo sem acesso a condutas médicas; por isso, realizava-se desde © cadastramento da populagio até ages de promogio ¢ protegéo da satide da crianga e da mulher, focando os casos mais vulneréveis (GIOVANELLA; MENDONGA, 2008). A atuacio abrangente do ACS gerou uma demanda por servigos de satide com tecnologia de maior densidade. Por isso, juntaram-se aos ACS médicos enfermeiros generalistas, compondo equipes responsaveis por uma populagéo adscrita territorialmente organizada por familias. Constituiu-se, assim, em 1994, 0 Programa Satide da Familia (PSF) como politica oficial da APS no Brasil (MENDES, 2012). Em 2006, pela Portaria n° 648/GM de marco de 2006, lancou-se a Politica Nacional de Atensio Basica, estabelecendo a revisio de diretrizes ¢ normas para a organizacao da Atengao Basica para o PSF e para o PACS. O PSF sua adequada implementagio sao estratégicos para a consolidagao do SUS, via participacao social, controle social ¢ municipalizacao. © ACS passou a ter uma posiggo singular dentro da equipe, pois sua proximidade com a comunidade o estimula & criagdo de vinculos, gerando a possibilidade de intervengées para o cuidado em satide, tendo em vista que sua atuagao objetiva ofertar qualidade de vida as pessoas (BRASIL, 2009) e constitui um elo entre a equipe ea comunidade (FORTES; SPINETTI, 2004). Tal situagao exige do ACS criatividade ¢ cumprimento néo mecanico de tarefas, visto ser necessdrio que lide com situagées de trabalho desafiadoras por estar inserido na mesma cultura e nas dificuldades das familias acompanhadas (LAVOR, 2010) Como a APS €a porta de entrada do sistema de satide (STARFIELD, 2002), inclusive para os casos de transtornos mentais ¢ usudrios de crack, lcool ¢ outras Physi Revista de Sade Coleriva, Rio de Jancico, 27 {2} 21-295, 2017 drogas, 0 ACS pode estar em contato direto com esses casos. Tal condigao é preconizada pela Politica Nacional de Saude Mental, cujo cuidado deve ser ofertado por uma rede de servigos de satide mental de base comunitéria de forma cficaz ¢ resolutiva, da qual a APS faz parte (BRASIL, 2001). Conhecida como Rede de Atengao Psicossocial (RAPS), essa rede de servigos se destina a pessoas com softimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, Aleool e outras drogas, no ambito do SUS, evidenciando que a complexidade desses casos exige um n&imero maior de dispositives articulados entre si. A RAPS orienta-se no paradigma da Reforma Psiquidtrica de desinstitucionalizago, uma vez que aposta na desconstrucio do aparato psiquidtrico compreendido como instituik jolpréticalsaberes reducionistas da complexidade do fendmeno da loucura, com vistas ao dircito a cidadania dos usudtios ¢ & criagéo de servigos substitutivos ao hospital psiquitrico, de base territorial (ROTELLI et al., 1990). AAPS compée a RAPS ¢ é constituida pelas 1) Unidades Basicas de Satide: 1.1) Equipes de Atengao Bésica; 1.2) Equipes de Atengao Basica para populacdes especificas: Equipe de Consultério na Rua e de apoio aos servigos do componente Atencao Residencial de Cardter Transitério; 1.3) Nitcleos de Apoio & Satide da Familia (NASE) ¢ 2) Centros de Convivéncia ¢ Cultura (BRASIL, 2013). Nas novas préticas de satide exercidas pelas equipes de Satide da Familia, © portador de transtorno mental também passa a ser visto como alguém que necesita de cuidados integrais, que Ihe proporcionem dignidade, resolutividade ¢ inclusao social. E no seu territério que esses cuidados podem acontecer, ainda mais quando se pensa na equipe de Satide da Familia, capaz de oferecer cuidados generalistas e de resolver situag6es que demandam intervengées imediatas; como aquelas associadas a0 uso prejudicial de dleool ¢ outras drogas, aos egressos de internagées psiquidtricas, a0 uso inadequado de benzodiazepinicos, aos portadores de transtornos mentais graves e as situag6es decorrentes da violencia ¢ da exclusio social (BUCHELE et al., 2006). O ACS € considerado profissional da ponta do sistema de satide, préximo das familias ¢ dos diversos pacientes, e, especificamente, daqueles com transtorno mental ¢ usudrios de crack, dlcool ¢ outras drogas, Capturar a produgao de cuidado que acontece no encontro entre ACS ¢ usudrio permite revelar sew trabalho no sentido dos afetamentos, isso quer dizer, dos efeitos da agio de um sobre outro a partir do encontro entre ambos; efeito que pode ser potencializador ou néo (ROMAGNOLI, 2003). Physls Revie de Satdde Colevva, Rio de Janeiro, 27 [2 217-295, 2017 279 a cuidade em saide mental noencontr entre agent comunitrie de aide eusadria 280 E ania turdes Estudos sobre 0 cuidado do ACS em satide constatam uma logica instrumental e estruturada por um saber técnico e biologicista. Suas capacidades inventivas acabam por ser capturadas por essa realidade (FERREIRA et al., 2009), Isso nos levou & questo norteadora desta investigacéo, sobre como isso acontece no campo da satide mental, sobretudo pelo ACS se constituir como mais um dos profissionais da Reforma Psiquidtrica. Metodologia Com a intengao de rastrear 0 cuidado em satide mental que acontece no encontro entre ACS e usudrio, ofertado no seu cotidiano de trabalho, utilizamo-nos do método cartogréfico, também chamado de cartografia. Este se fundamenta na esquizoandlise, teoria filoséfica proposta por Deleuze e Guattari, que concebe a realidade nao de forma fixa, hierarquizada ¢ simplificada, amparada numa verdade explicativa, conforme o modelo das ciéncias modernas, mas complexa, rizomitica e imanente (DELEUZE, 1974; ROMAGNOLI, 2009). Pensar por imanéncia ¢ rizomaticamente ¢ considerar que a realidade esté em constante transformagio ¢ é composta pelos planos das formas ¢ das forgas, que coexistem nesse processo. O plano das formas se refere ao institufdo, definido, bindrio (homem-mulher, rico-pobre), ¢ 0 plano das forgas diz respeito as linhas que afetam as formas, os objetos, ¢ os modelam. No entanto, essa configuracao é sempre momenténea, pois os planos esto em constante relagao de agenciamento (ESCOSSIA; TEDESCO, 2012). Trata-se, aqui, da nogao de rizoma, que tem como imagem, a partir da botanica, 0 “caule [...] subterrneo, horizontal, mais ou menos espesso, rico em reservas e com capacidade de produzir rafzes e caules em cada né; se distingue das raizes pela presenga de nés, gemas e escamas” (BRASIL, 2009, p. 327). Descrigéo que pode ser complementada: acontece um emaranhado sem delimitacao de comego ou fim, em que se podem percorrer diversas direcées, entrando ou saindo de qualquer ponto, sem definir uma unidade, mas sim a multiplicidade da variedade de conexées possiveis, Essa descri¢éo nos auxilia a acompanhar o pensamento de Deleuze ¢ Guattari (1996), no que se refere & consideragao da realidade como rizomatica, compreendida pelo atravessamento das formas e das forcas, como vimos acima, em uma composigio complexa, horizontal e de conectividade constante Physi Revista de Sade Coleriva, Ro de Jancico, 27{ 2} 27-295, 2017 Nessa perspectiva, seguir um rizoma é também fazer cartografia, proposta metodolgica que acompanha processos ¢ nao realidades dadas; por isso, se produzem dados ¢ nao se colhem dados, pois se investiga a processualidade produsao da subjetividade (KASTRUP, 2012). Seu objetivo ¢ “(...) desenhar a rede de forgas 4 qual 0 objeto ou fendmeno em questdo se encontra conectado, dando conta de suas modulagées e de seu movimento permanente” (BARROS; KASTRUP, 2012, p. 57). E isso que pretendemos conhecer, no encontro com o ACS: as forgas que 0 atravessam no cuidado em satide mental e que o produzem como trabalhador da Reforma Psiquidtrica. A subjetividade pode ser compreendida como formada por miiltiplos componentes de subjetivagio que se cruzam por conexées rizomaticas, associando-se ora a formas, ao que esté estabelecido, ora a forcas, a0 que promove a expanséo da vida, levando-se em conta as composigées jd feitas em determinadas circunstancias (PARPINELLI; SOUZA, 2005). Romagnoli (2014) esclarece ser indispensavel cartografar os planos das formas e das forgas que afetam o objeto de estudo, pois assim se denuncia como eles se apresentam ¢ como se organizam, além de se conhecer quando endurecem ¢ quando produzem vida por meio de seus rearranjos. Nesse contexto, o pesquisador se localiza na via da implicacao, compreendida como “[...] dispositivo de produgao ]” (ROMAGNOLI, 2014, p. 50), uma vez que pode desestabilizar as formas dominantes ¢ lancar novas possibilidades de conhecimento ¢ de transformagio [ paraas diferengas. Por isso, a cartografia, como pesquisa-intervencio, transforma a realidade investigada pelo fato de o pesquisador cartégrafo ser influencidvel no encontro com set objeto: é capaz de promover novas conexdes entre as diversas forsas que os constituem, por meio de suas tensdes, movimentos deslocamentos com vistas & criagéo de novos agenciamentos (ROMAGNOLI, 2009; KASTRUP; BARROS, 2012). Na busca dessa produgdo, participaram desta pesquisa 11 equipes de ESF, da zona urbana de Montes Claros, Minas Gerais. De cada uma dessas equipes, participou, mediante interesse ¢ disponibilidade, um ACS com, no minimo, um ano de exercicio na funsao, O primeiro movimento, na busca por mapear os afetos envolvidos na atuagao dos ACS, foi entrar em contato com o Secretério Adjunto de Satide, que autorizou a realizagao da pesquisa. Logo apés, os enfermeiros das unidades de Satide da Familia foram informados dessa autorizagéo, bem como dos objetivos da pesquisa participagéo de somente um ACS. Nesse momento, Physls Revie de Satdde Colevva, Rio de Janeiro, 27 [2 217-295, 2017 281 : E g E g 282 E ania turdes cles falaram da quantidade de casos de satide mental em seus territ6rios e de como alguns ACS cram mais envolvidos com eles, até citando seus nomes. Algumas dessas situagées se mostraram reais, quando, por exemplo, © nosso contato via telefone, disponibilizado pelo enfermeiro, com o ACS disponivel ¢ interessado em participar da pesquisa, revelou ser ele 0 mesmo citado pelo enfermeito. Mas, quando nao se confirmavam, ainda se mantinha a disponibilidade ¢ interesse, constatadas nas expressées que chamaram nossa atengéo: “Vai ser bom para aprender”; “Jé que pode ajudar a melhorar” (referindo-se a0 seu trabalho) Expresses que parecem demonstrar possibilidades ¢ desejo de deslocamento no cuidado em satide mental ofertado por cles. No contato com 0 ACS via telefone, novamente, esclarecemos sobre a pesquisa e a data do primeiro encontro, além de agradecermos pela disponibilidade Na ocasigo, os ACS confirmaram presenga para a primeira de trés entrevistas coletivas, quando preencheram uma ficha de identificagio com dados acerca da idade, formagdo, tempo de servigo, equipe de origem e participagdo em capacitagées em satide mental, Os 11 ACS constituiram-se de oito mulheres ¢ trés homens, com faixa etéria entre 23 e 64 anos, no exerc{cio da fungao de um a 13 anos. Seis tinham ensino médio completo, dois cursavam ensino superior ¢ trés tinham ensino superior completo; oito deles participaram do projeto Caminhos do Cuidado - Formagio em Satide Mental (crack, alcool e outras drogas)! e todos so integrantes de equipes de Satide da Familia localizadas em regiées periféricas do municipio de Montes Claros. Buscamos rastrear as formas e forcas em jogo no cuidado em satide mental ofertado pelos ACS no cotidiano de trabalho. Para isso, eferuamos entrevistas coletivas, a partir da concepgio de grupo expressa por Bartos (1994), em didlogo com Deleuze: dispositive capaz de provocar desconstrugées nos individuos que © compéem, com vistas 4 produggo de novos acontecimentos ¢, mesmo, de “[. reconstréi em suas histérias” (BARROS, 1994, p. 152). Isso porque 0 grupo descristalizagoes de lugares ¢ papeis que 0 sujeito-individuo constr tem a potencialidade de se desterritorializar ¢ se transformar, uma vez que a subjetividade compreendida como processo também é coletiva. Seu alcance é para além da polarizasao individuo-grupo, que remete aos opostos que se anulam; foi essa concep¢ao de grupo que nos orientou na produsio de dados desta pesquisa. Physi Revista de Sade Coleriva, Ro de Jancico, 27{ 2} 27-295, 2017 Os encontros aconteceram & tarde, de acordo com sugestées dos ACS, em trés semanas consecutivas. Cada encontro durou, aproximadamente, uma hora € meia, tendo acontecido em junho de 2015. No terceiro encontro, estiveram presentes 10 ACS, porque um deles havia se afastado temporariamente por conjuntivite. Registramos, no didrio de bordo, experiéncias que acompanharam o desenvolvimento da pesquisa, procedimento pertinente na cartografia, porque inclui tanto pesquisadores quanto pesquisados (PASSOS; BARROS, 2012), devido aos afetamentos que surgem no encontro entre ambos. O primeiro encontro aconteceu no dia 11 de junho de 2015, na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Chegamos mais cedo para organizar a sala © esperar pelos ACS; assim, nos preparamos para recebé-los, Buscar estar preparados parece ter sido uma tentativa de territorializar sentimentos de inseguranga e apreensio frente & desterritorializagdo que o método cartografico © a filosofia de Deleuze ¢ Guattari nos causavam, haja vista ser nossa primeira pesquisa cartogréfica, o que implicava encontros para além de andlises baseadas numa pretensa neutralidade. Consideramos que fomos to afetados por essa proposta metodolégica e filosdfica, até entio nova para nés, no sentido do bom encontro, que, tornou-se fundamental, para a realizagéo desta pesquisa, langarmo-nos & criagao de saidas inventivas. Os outros dois encontros aconteceram na Escola Técnica de Satide da Unimontes, respectivamente, em 18 ¢ 25 de junho de 2015, por se localizar em regido mais acessivel aos ACS. Continuamos a chegar mais cedo, como forma de organizar a sala ¢ nos preparar para o grupo; contudo, no terceiro encontro, j nos percebfamos mais leves frente as possibilidades que surgiam. Esses afetamentos a que fomos sujeitos refletem, também, uma formagio acostumada ao regramento da experiéncia de pesquisa, sustentada numa politica cognitiva com estabelecimentos prévios, segundo um modelo teérico- metodolégico com maior rigidez a ser seguida. Vivenciar a experiéncia da cartografia foi, é, colocar em xeque esses antecedentes ¢ nos depararmos com a produgéo de conhecimento e criagao, a partir de um novo modo de estar no mundo, de habitar um territério existencial — no caso, 0 grupo com os ACS =. £ também nos colocarmos numa outra posigéo com o conhecimento, pois hd uum movimento de coengendramento entre sujeito e objeto; nesta pesquisa, entre Phys Revive de Sadde Coletva, Rio de Janeiro, 27 [2] 211-295, 2017 283 a cuidade em saide mental noencontr entre agent comunitrie de aide eusadria 284 E ania turdes os ACS e nés. E, assim, parece se esclarecer a citacdo — com a qual, afirmamos, concordamos vivamente: “[...] a aprendizagem da cartografia nao é questéo de aquisigao de saber nem de transmissio de informagao. E preciso praticar a cartografia” (PASSOS et al., 2012, p. 201). O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comité de Etica da Unimontes, Parecer 1n°1.042.099/2015, e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre ¢ Esclarecido. Concordaram com a gravacio e filmagem das entrevistas coletivas, as quais foram, posteriormente, transcritas na {ntegra Resultados e discusséo O que se produziu de conhecimento sobre o cuidado em satide mental na APS no encontro com os ACS? O tragado do mapa dos afetos, o “entre” com os ACS, estampou, como plano das formas, um modelo de cuidado em satide mental instituido historicamente, como a responsabilidade do especialista psiquiatra, na presctiso de medicamentos, ¢ a do psicdlogo, na escuta, em atendimentos individuais ou em grupo. Percebemos, assim, utilizando-nos do termo deleuziano, uma transcendéncia do pensamento ao se delimitar as ages & psiquiatria © & psicologia, uma vez que tal modo de operar hierarquiza as relagdes de cuidado por meio da definigao de quem pode oferecer 0 medicamento ¢ a escuta ¢ quem nao © pode, Nesse sentido, o modo de pensar dos ACS acaba por repetir 0 modelo de quem pode cuidar: 0 hegemonicamente estabelecido, as ciéncias psi. Nesse rastrcio, apreendemos que o cuidado em satide mental segue a representagio de um modelo a ser seguido, sendo reproduzido o mesmo para todos, subjetividades formatadas em verdades estabelecidas, em conhecimentos reconhecidos cientificamente (FUGANTI, 1990; SCHOPKE, 2004). Isso fica claro quando os ACS explicitam sobre a importancia de se ter um psiquiatra e um psicélogo na equipe para cuidar diretamente dos casos de satide mental, pois afirmam que sua funsio cotidiana no € escutar sobre a histéria de vida do usuario: Ja forma da minha visita Ié[..] que tem horas que desvia da fungao...tem horas que ‘cu vou fazer 0 acompanhamento de uma situagao e cles comegam a contara histéria da vida ¢ [..] 0 qual tem hora que é a fungao é de um psicélogo ¢ eles comegam a falar coisas que é o proprio psicélogo que tinha que estar ali agindo |...] (GRUPO 1) Ja ha outros casos que deixam de ser acompanhados devido ao fim da Residéncia Multiprofissional em Saiide da Familia, da Unimontes, que possui consultorias em satide mental com psiquiatra c psicdlogo: Physi Revista de Sade Coleriva, Ro de Jancico, 27{ 2} 27-295, 2017 [..] foi lf, 0 psiquiatta [...] af trocou os medicamentos tal, acompanhou ela (..] levou © psicélogo Ig, tinha esse, esse momento de lazer com ela [...] essa equipe que tava li era. equipe ehhh ...cesidéncia [..] af sait a residéncia, entrou outra [..] af no momen: to no tem ninguém acompanhando, sabe? (GRUPO 1). E, ainda, quando os grupos de acolhimento e convivéncia deixam de acontecer porque o psicdlogo nio esta mais na unidade, como aparece neste trecho: Esse grupo Id mesmo tinha, agora no tem mais, porque a psicéloga foi embora, af nao tem (GRUPO 1). O plano das formas, nesse encontro com os ACS, parece estar constitufdo por linhas duras, estratificadas, nas quais, para Deleuze e Guattari (1996, p. 67), “[..] tudo parece contivel e previsto, o inicio ¢ o fim de um segmento, bem como a passagem de um segmento a outro”, So linhas duras, que formatam e definem os modelos, a normatizagio e 0 controle, mantendo uma relacao bindria entre opostos ¢, no caso do nosso territério existencial, o cuidado em satide mental ofertado por especialistas, Isso nao significa que as linhas duras sejam ruins; contudo, importa como sao experimentadas nas relages. Pois 0 desagradavel seria uma fixidez com vistas 4 sua reprodugdo, simplesmente (CASSIANO; FURLAN, 2013). Isso quer dizer que nao significa que seja ruim que os ACS sejam atravessados pelas linhas duras, mas, sim, como sio experimentadas essas linhas na relagéo com o cuidado em satide mental: apesar de duras, se transformam ou se mantém fixas? Modulam? Quando? Produzem vida? Como? Seguindo a cartografia, depreendemos, segundo Deleuze e Guattari, que 0 rizoma: [...] nao € feito de unidades, mas de dimensées, ou, antes, de diregées movedigas. Ele no tem comeco nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele eresce e transborda (...] 0 tizoma € feito somente de linhas: linhas de segmentaridade, de estratificagao, como dimensées, mas também linha de fuga ou de desterritorializagio como dimensio mé- xima segundo a qual, em seguindo-a, a multiplicidade se metamorfoseia, mudando de natureza (DEL GUATTARI, 1996, p. 32). Nesse sentido, por néo haver um eixo que preestabeleca as relagdes ¢ fluxos advindos entre os muitos que compéem o rizoma experienciado entre os ACS e nés, visto que todos e cada um somos formados por varios (DELEUZ GUATTARI, 1996), seguimos na produgio existencial desse territério. A alegria como poténcia de agir, em sentido spinozista (SPINOZA, 2008), surge quando a vida latente é capturada na explosio de linhas de fuga e agenciamentos. Conhecer Physls Revie de Sade Colevva, Rio de Janeiro, 27 [2 217-295, 2017 285 le uidadoem saide mental neencentr entre agente comunitirie de aside eusudrin 286 pela cartografia ¢, justamente, estar aberto ao devir a partir de singularidades do sujeito e do rompimento com constatagées dadas (KIRST eral., 2003). A realidade se mostra em produgio, quando, no grupo 1, a seguinte fala ¢ introduzida: L.-J assim sobre a satide mental voltando ao que nosso colega falou [sortiso] [...] eu até 'me fiz. como se fosse um psicdlogo, mas também eu percebi a fala dele, mas tem coisas que fala e o psicélogo que tem que ouvir sé que a gente tem que ter cuidado af, porque ‘a nossa fungdo como agente de satide é também escutar. né? As vezes tém pacientes - igual acolega falou: que a prépria senhora disse ‘mas eu quero que alguém me escute’ centio assim nesse tempo todo que cu t6 [dna minha equipe, a gente, nossa equipe aprendcu isso também. A gente para ¢ dé aqucla atengo para o paciente. © paciente quer conversar? Converse! Quer desabafar? Desabafe! [..] (GRUPO 1) E Nesse momento, hao escoamento pelo rizoma de linhas de fuga, a emergéncia © a sustentagao de forsas, que desterritorializam os estratos que comportam 0 especialista psicélogo como responsdvel pela escuta. O ACS percebe que hé contetidos que 0 psicélogo deve escutar, mas ha outros que cabem a ele, pois faz parte da sua fungio estar disponivel a escuta: langa-se, assim, & producio de vida. Nesse viés, Cassiano ¢ Furlan (2013) afirmam que as linhas de fuga sio ativas ¢ imprevisiveis, podendo até ser imperceptiveis, mas, mesmo assim, promovem mudancas. Seguindo outras direcées, a linha de fuga continuo a desterritorializar outros ACS, & medida que incorporaram a possibilidade de também escutar, por terem vinculo com o usudrio, como aparece no seguinte fragmento: [a] eu sei que ela precisa de uma pessoa que converse com ela, cla se sente bem quando a gente vai lie conversa com ela [..] As vezes, no caso que jé foi falado aqui, as veres ela td precisando de ser ouvida, que a gente escuta o que ela quer falar com a gente (GRUPO 1) Como apontam Deleuze e Guattari (1996), quando se dé uma ruptura pela linha de fuga, corre-se 0 risco de ela se organizar segundo reestratificacées, novamente dando poder a uma segmentaridade. Isso aconteceu quando alguns ACS insistiram que somente escutar nao basta, mas que preciso ser dito algo, tanto por eles ou pelo psicdlogo, ¢ que este seria o melhor profissional para fazé- lo. Percebe-se isso no fragmento de fala: [.-] porque nio é que a gente no queira ouvir, porque a gente ouve, conforme a gente [..J ouvir ajuda. Mas as vezes nio resolve s6 ouvir [...] (GRUPO 1), Constatamos, entéo, por meio do expandir das dimensées que constituem © tizoma, que as linhas duras ¢ flexiveis escorrem, ditigem-se a outros pontos Physi Revista de Sade Coleriva, Ro de Jancico, 27{ 2} 27-295, 2017 GUATTARI, 1996). Isso faz surgir idade de também escutar e valorizar isso em suas atividades, a partir do vinculo existente nao anteriormente percorridos (DELEUZ] outras ligagdes possiveis, a medida que os ACS declararam a possibi entre os usudrios ¢ eles. Deslocam-se da posicéo de “no é minha fungéo escutar” para “posso escutar”, Emerge, assim, a poténcia da vida a favor da construsio de um novo territério existencial, pois, nesse deslocamento, vislumbra-se a possibilidade de haver um rompimento possivel com identidades cristalizadas 3NOLI, 2003). Continuamos 0 rastreio do movimento das forgas que se agenciam no (no caso, “quem escuta é especialista psi”) (ROMA encontro entre os ACS e nés, Capturamos, nesse momento, o “entre” os ACS e 0s usudrios, Ambos compéem corpos que se atravessam ¢ so atravessados pelos planos das formas ¢ forgas; corpos que se atraem ou se repelem. Ao se atrafrem, dizemos de um bom encontro; Romagnoli (2009) aponta que bons encontros entre corpos séo capazes de promover a vida, uma ver. que impulsionam para © agir, para a mudanga, ¢ maus encontros mantém o individu refém de posicionamentos endurecidos. © acolhimento como bom encontro se dé numa agio de aproximagio, um ‘estar com’ ¢ um ‘estar perto de’ [..] se produz na relagéo com algo ou alguém, na aproximagio” (BRASIL, 2010, p. 06). E, nesse sentido, o acolhimento em satide ¢ pensado como movimentos de afeccdes capazes de produzir novos engendramentos que forgam problematizacées da vida, alterando as formas-subjetividades para langé-las a desvios, rupturas ¢ invengées. Mas, quando se repelem, podemos dizer de um mau encontro, de uma relacao objetificada entre sujeito ¢ objeto, entre ACS ¢ usudrio, em que ambos entrariam como intersubjetividades desconectadas, incapazes de promoverem agenciamentos e invengdes (NEVES; HECKERT, 2010) E 0 que se acolhe pelo ACS em satide mental? O que se deixa pasar pelos ACS? Rastreamos que os ACS podem nao acolher casos de satide mental quando se colocam numa posigo endurecida, tomada pelo plano das formas, esperando que a solusao do caso venha de outro profissional; que o usuario siga o estabelecido indo & consulta, tomando medicamento, ¢ seguindo as orientacSes dos profissionais. Conversei com a enfermeira, s6 que a enfermeira falou bem assim: ‘eu jé fui lé e vou fazer 0 qué?’ ‘eu no posso fazer nada’, Néo tomou nenhuma atitude em relagio & casa [..] a gente no sabe nome de filho, néo tem contato com parente dela nenhum pra fazer alguma coisa [.. ela disse que ia passar 0 caso pra psicdloga, s6 que até hoje Physls Revie de Satdde Colevva, Rio de Janeiro, 27 [2 217-295, 2017 287 a cuidade em saide mental noencontr entre agent comunitrie de aide eusadria 288 E ania turdes ela nao falou nada comigo e [...] a enfermeira nio fez nada até agora! Af eu mesmo, porque eu no tenho conhecimento do caso, néo posso fazer nada, 16 esperando a atitude da enfermeira pra ver 0 que eu fago (GRUPO 3) Ou, ainda, nao é diferente quando, no encontro entre ACS ¢ usudtio, o ACS reproduz a posicao de orientador as familias sobre o parente adoecido, afirmando que quem cuida é a familia. Os ACS ajudam acionando os demais profissionais da equipe (médico, enfermeiro e psicélogo) ou outros servigos, para que estes tomem a decisio do que deve ser feito. Definem, assim, 0 cuidado a ser ofertado em satide mental, inclusive por terem receio de se envolver com 0 caso, com © paciente e adoecerem também, Por isso, afirmam ser necessério haver uma separagao entre os lados pessoal ¢ profissional. Novamente, um modelo de acolhimento a ser seguiid Eu procuro no me envolver muito, nio (..] a primeira vez que vai visitar igual, eu, voce acaba pouco, assim, pensando, se vor® envolver muito, voce acaba ficando doen- te também...entZo vocé tem que ver com mais naturalidade (...] (GRUPO 3). ‘Como nosso encontro no acontece bascado na neutralidade ow na reprodusio, mas justamente na via do afetamento, nesse ponto rastreamos que o trabalho humano vivo dos ACS pode ser capturado pelo trabalho morto, Isso quer dizer que seu protagonismo ¢ autonomia podem ser envolvidos pelo aprisionamento da vida ¢ reprodugio, afetados pelas linhas duras que insistem: os demais profissionais e servigos ditam o que deve ser feito, na medida em que nao querem se envolver, Sabemos que o encontro entre ACS ¢ usudrio nao acontece de forma desertificada ou regular, em que ambos nao se tocam. Pelo contrétio, constatamos que, justamente por ser impossivel eles nao se afetarem, o ACS quer se manter distante. Mas seré isso possivel, sendo a realidade atravessada pela multiplicidade? Parece que nao, uma vez que a micropolitica do processo de trabalho se constitui do plano das formas e forgas que coexistem ¢ se atravessam. Por is 0, a presenga do trabalho vivo em ato pode forgar rupturas nessas posiges (NEVES; HECKERT, 2010; MERHY, 2014). Assim, evidenciamos ACS desapegados dessas reprodugées; criam se dizem felizes de suas invengSes, mas afirmam, chegar a ser malvistos por suas equipes ou mesmo, durante a entrevista coletiva, como demasiadamente envolvidos com os casos. Isso porque escutam, buscam, saber mais dos usudtios com os vizinhos, familiares ¢ profissionais, deixando Physi Revista de Sade Coleriva, Ro de Jancico, 27{ 2} 27-295, 2017 de fazer atividades na unidade para conversar com o usuério. Pensam em como podem ajudar e, assim, encontrar safdas inventivas para os casos. [..] eu vou buscar informagées sobre a esquizofrenia a partir da hora que ela me infor- ‘mou, eu vou procurar saber © que é, pra ver onde eu posso ajudar [..] pelo menos eu, independente de estar na minha 4rea ou no como agente, tenho que estar pedindo 3 familia. .conversando com a familia pra ver 0 que pode ser feito [..] é.. A vezes a gente fala assim: eu ndo me deixo envolver, mas no tem como eu nao preocupar; ele & um ser humano [..J, acho que parte de cada um pra ver 0 que pode ser feito..talver no envolver tanto, mas, pelo menos, preocupar com o ser humano (GRUPO 3). E, novamente, 0 rizoma se rompe, dessa vez por linhas maledvcis, destertitorializando estratos sobre o acolher, cuidar sem se envolver. As linhas de segmentaridade maledvel possuem “impulsos ¢ rachaduras na imanéncia de um tizoma, a0 invés dos grandes movimentos ¢ dos grandes cortes determinados” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 72). Essas linhas promovem desestratificagées relativas, sendo menos localizaveis, e compdem mais espagos de micropolitica, escapando mais por movimentos sorrateiros. Sendo assim, um dos ACS diz que o encontro entre eles, no espaco da pesquisa, o fez pensar como esté promovendo o seu encontro com os usuarios: [.-] parar um pouco e ver até que ponto a gente esti sendo profissional e esse pro- ce, sabe? } fissionalismo esté sendo é suficiente para o tratamento do pacien es, a gente precisa ser cambém um pouquinho mais humano [..] tem dias que estou sobrecartegada, e, por causa disso, vocé acaba sendo assim muito objetiva na sua visita [Je com essas falas de [..] (refere-se a uma das ACS no grupo) a gente para e pensa [..] vamos dar uma parada e ter um olhar diferenciado com o paciente (GRUPO 3). Rastreamos, assim, a potencialidade de um bom encontro entre os ACS e nés, a medida que desterritorializagées foram possiveis para a construcio de novas retertitorializag6es no cuidado em satide mental. E isso se fez porque as linhas que atuam na realidade estéo buscando conexées, langando-se aos afetamentos ¢ variagdes continuas de intensidade, sem se prendetem ao binarismo das relagées. E isso que permite a geragao de novos sentidos ¢ novas formas de expressio: desvencilhando-se da reprodugio, inventa-se a subjetividade, uma vez que cla é atravessada, rizomaticamente, por linhas duras, maledveis ¢ flexiveis (CASSIANO; FURLAN, 2013). Captur: terem sua subjetividade produzida, ¢ nao reproduzida. se, entio, a possibilidade de os ACS A subjetividade sempre € produzida nas relagdes, nunca é dada. E que 0 é relevante est no “entre” que se constréi no encontro entre sujeito ¢ coletividades variadas. Por isso, pode-se dizer da multiplicidade da subjetividade, uma vez Physls Revie de Satdde Colevva, Rio de Janeiro, 27 [2 217-295, 2017 289 le uidadoem saide mental neencentr entre agente comunitirie de aside eusudrin 290 E ania turdes que ela afeta ¢ sofre afetamentos nesses encontros. Afetamentos possiveis devido as linhas que se movimentam rizomaticamente nesse “entre”. A subjetividade, portanto, néo ¢ cristalizada, mas pode ser agenciada, recriada (GUATTARI, 1992). Podemos dizer que a subjetividade dos ACS parece ter sido agenciada no encontro que se dew no grupo de entrevista, no coletivo, ao expressarem a possibilidade de inventar no encontro com os usudrios, ou seja, “também escuté- Jos”, assim como “parar e pensar” sobre como esto cuidando do usuario. Compreendemos a cartografia como pesquisa-intervensio, um método capaz de acessar processos, estados ou formas instituidas e¢ modificd-las (PASSOS et al., 2012), a partir do encontro entre o cartégrafo e seu objeto de estudo. Isso porque o cartégrafo se lanca a experiéncia, nao estando neutro na relacdo com cla e nem carregado de um ponto de vista, pois se constitui de uma linha de forca que desestabiliza essa realidade, aumentando o grau de abertura do instituido a liberdade de criagéo (PASSOS; EIRADO, 2012). Parece ter sido 0 que aconteceu, quando, como pesquisadores-cartégrafos, nos langamos a possibilidade de conhecer 0 territétio existencial do cuidado em satide mental ofertado pelo ACS ¢ cartografamos fluxos endurecidos, mas que foram desestabilizados ¢ se expandiram as novas conex6es de cuidado em satide mental. Consideragées finais ‘A proposta desta pesquisa foi conhecer ¢ analisar os enconttos dos ACS com 0 cuidado em satide mental na APS, a partir do rastreio do plano das formas e forcas que os afetam. Foi possivel conhecer como se otganizam esses planos acessat tanto os entraves que podem endurecet o cuidado em satide mental como as possibilidades de se produzitem novas formas de cuidado. No proceso, os ACS mostraram-se abertos & produgo de suas subjetividades por meio do aprender, pois, desde o inicio do mapeamento dos fluxos, eles demonstraram esse interesse com a pesquisa. Contudo, as condigées de trabalho das quais participam slo desfavordveis a essas invencSes subjetivas, uma vez que compéem equipes transcendentes no cuidado em satide e satide mental. Quanto ao processo de subjetivagio dos ACS, foi-nos posstvel constatar movimentos favordveis A construgo de novos modos de cuidado em satide mental, por meio do registro de novos fluxos construidos nesse sentido no grupo, Physi Revista de Sade Coleriva, Ro de Jancico, 27{ 2} 27-295, 2017 como 0 “escutar” ¢ “pensar como tém cuidado”, O encontro, no grupo, entre os ACS, possibilitou agenciar fluxos e vislumbrar novas possibilidades de cuidado. Mas, como a realidade é rizomatica, constituindo-se de invengdes ¢, também, de estratos, constatou-se que estes nés aparece e precisam ser cuidados para que nao capturem a vida necesséria & criagao do cuidado em satide mental. Esta pesquisa apontou-nos a potencialidade do ACS no cuidado em satide mental na APS, sendo cle um trabalhador propfcio @ invengéo de sua subjetividade ¢, consequentemente, da Reforma Psiquitrica. Porém, para tal, precisa de agenciamentos que contribuam para novas formas de cuidado, os quais seriam interessantes de acontecer no seu préprio territério de trabalho, para dar- Ihe visibilidade ¢ reconhecimento. Por fim, como pesquisadores que acompanhamos processos, segundo a Cartografia, evidenciamos que conhecer a realidade ¢ acompanhar seu proceso de constituigio, pois nao se pode alcangar isso sem estarmos imersos no plano da experiéncia, Para conhecer sobre o cuidado em satide mental ofertado pelos ACS, somente caminhando com eles nessa construcao. E foi assim que, também, abrimo-nos as possibilidades de construgao invengao.? Referéncias BARROS, L. P. das KASTRUP, V. Cartografar ¢ acompanhat processos. In: PASSOS, E.; KASTRUP, Vs ESCOSSIA, L, (Org). Pista do mévodo da Cartografia: pesquisa-intervensio ¢ produsio de subjetividade, Porto Alegre: Sulina, 2012. p. 52-75. BARROS, R. D. B. Grupo ¢ Produgdo. In: LANCETTI, A. (org.). Saiide ¢ Loucura 4. Si0 Paulo: HUCITEC, 1994. p. 144-154. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecudria e Abastecimento. Glossdrio ilustrado de morfologia. Brasilia: MapalACS, 2009 . Ministério da Satide, Gabinete do Ministro, Portaria n* 3.088, de 23 de dezembro de 2011, republicada em 21 de mai de 2013, Insti a Rede de Atensio Psicossocial pata pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, dleool ¢ outras drogas, no Ambito do Sistema Unico de Satide (SUS). Brasilia (DF): Ministério da Satide, 2013. Physls Revie de Satdde Colevva, Rio de Janeiro, 27 [2 217-295, 2017 291 a cuidade em saide mental noencontr entre agent comunitrie de aide eusadria 292 nis Lutes Pres Samus el ______. Presidéncia da Republica - Casa Civil - Subchefia para Assuntos Juridicos. Lei n? 10.216, de 6 de abril de 2001. Politica Nacional da Satide Mental. Dispée sobre a protecao ¢ 0s dircitos das pessoas portadoras de transtornos mentais ¢ redireciona 0 modelo assistencial em satide mental. Brasilia (DF): Ministério da Satide, 2001 _. Secretaria de Atengio & Sade. Nuicleo Técnico da Politica Nacional de Humanizagio. Acolhimento nas priticas de produgdo de saiide. 2. ed. 5. reimp. Brasilia: Editora do Ministério da Satide, 2010. BUCHELE, F. et al. A interface da satide mental na atengio bdsica. Cogitare Enferm, Curitiba. v. 11, n. 3, p. 226-233, 2006. CASSIANO, M.; FURLAN, R. © proceso de subjetivagao segundo a esquizoanilise. Psicol Soc, Belo Horizonte, v. 25, n. 2, p. 372-378, 2013. DELEUZE, G. A légica do sentido, Sao Paulo: Perspectiva, 1974. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platés: capitalismo ¢ esquizofrenia. v. 3. Rio de Janeiro: Ed 34, 1996. ESCOSSIA, L. da; TEDESCO, S. O coletivo de forgas como plano de experiéncia cartogréfica. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCOSSIA, L. (Org). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervengio e produgio de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012. p. 92-108. FERREIRA, V. S. C. et al. Processo de trabalho do agente comunitério de satide € a reestruturagao produtiva. Cad. Sande Publica, Rio de Janeito, v. 25, n. 4, p. 898-906, 2009. TI, S. R. O agente comunitério de satide e a privacidade das informagées dos usuarios. Cad. Satide Publica, Rio de Janciro, v. 20, n. 5, p. 1328-1333, 2004. FUGANTI, L. A. Satide, desejo ¢ pensamento, Satide Loucura, Sio Paulo: Hucitec, n. 2, p. 19-82, 1990. GIOVANELLA, L. MENDONGA, M. H. M. Atencio Primdria a Satide. In: GIOVANELLA, L. et al. (Org.). Politicas ¢ Sistema de Satide no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008. p. 575-625. GUATTARI, F. Da produsio da subjetividade. In estético, Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 11-44 — Caosmose: um novo paradigma KASTRUP, V. O funcionamento da atengio no trabalho do cartégrafo. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCOSSIA, L. da (Org). Pistas do método da cartografia: pesquisa- intervensio e produsio de subjetividade, Porto Alegre: Sulina, 2012. p. 32-51. KASTRUP, V.; BARROS, L. P. da. Movimentos-fungées do dispositivo na pritica da cartografia. In: PASSOS, E. KASTRUP, V.; ESCOSSIA, L. (Org). Pistas do método da cartografia: pesquisa- intervengio ¢ produgio de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012. p. 76-91. KIRST, P. G. et al. Conhecimento ¢ cartografia: tempestade de posstveis. In: FONSECA, T. M. G; KIRST, P. G. (Org). Cartografias ¢ devires: a construgio do presente. Porto Physi Revista de Sade Coleriva, Ro de Jancico, 27{ 2} 27-295, 2017 LAVOR, A. C. H. O agente comunitério: um novo profissional da satide. In: BRASIL. Ministério da Satide. Secretaria de Atengio & Sade. Departamento de Atengio Basica Memérias da saiide da familia no Brasil. Brasilia: Ministério da Satide, 2010. p. 16-19. MENDES, E. V. O euidado das condigées crénicas na atengao primdria & sattde: 0 imperativo da consolidagao da Estratégia da Satide da Familia. Brasilia: Organizagao Pan-Americana da Satide, 2012. MERHY, E. E. Satide: a cartografia do trabalho vivo. 4. ed. Sao Paulo: Hucitee, 2014. NEVES, C. A. B.; HECKERT, A. L. C, Micropolitica do processo de acolhimento em satide. Estud. Pesg. Psicol., Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 151-168, 2010. PARPINELLI, R. S.; SOUZA, E. W. EF. de, Pensando os fendmenos psicolégicos: um ensaio esquizoanalitico. Psicol. Estud., Maringé, v. 10, n. 3, p. 479-487, dez. 2005. PASSOS, E.; BARROS, R. B. A cartografia como método de pesquisa-intervengao. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCOSSIA, L da (Org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervengao ¢ producéo de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012. p. 17-31 PASSOS, E.; EIRADO, A do. Cartografia como dissolugio do ponto de vista do observador. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCOSSIA, L da (Org,). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervencdo e produgdo de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012. p. 109-130. PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCOSSIA, L da. Posfécio - sobre a formagio do cartégrafo e ______.. Pistas do mésodo da cartografia: pesquisa incervencio e producio de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012. p. 201-205, © problema das politicas cognitivas. ROMAGNOLI, R. C. A cartografia e a relasio pesquisa e vida. Pricol. Soc., Florianépolis, v. 21, n. 2, p. 166-173, 2009. ______. 0 conceito de implicagao ¢ a pesquisa-intervengio institucionalista. Psicol. Soc., Belo Horizonte, v. 26, n. 1, p. 44-52, 2014 ______- Os encontros e a relagio familiar: uma leitura deleuziana. Arg. Bras. Pricol., Rio de Janeiro, v. 55, n. 1, p. 21-30,2003. ROTELLI, F; LEONARDIS, O.; MAURI, D. Desinsticucionalizagio, uma outra via Trad. Fernanda Nicécio, In; NICACIO, F. (Org.). Desinstisucionalizagao, Sio Paulo: Hucitec, 1990. p. 17-59. SCHOPKE, R. O pensamento como ultrapassamento da razio clissica. In: SCHOPKE, R. Por uma filoxofia da diferenca: Gilles Delewze, 0 pensador némade, Rio de Janciro: Contraponto; EDUSP: Sao Paulo, 2004. p. 19-42 SPINOZA, B. de. Etica. Belo Horizonte: Auténtica, 2008. STARFIELD, B. Atengdo Primdria: Equilibrio entre Necessidades de Saiide, Servigos € Tecnologia. Brasilia: UNESCO-Ministério da Satide, 2002, Physls Revie de Satdde Colevva, Rio de Janeiro, 27 [2 217-295, 2017 293 294 Notas "0 Miniscétio da Sate, em parceria com a Fundagio Oswaldo Cruz, o Grupo Hospitalar Conceigio ea Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS) ofereceu, entre 2013 a 2014, 0 curso de Formagio em Satide Mental, com énfase em crack, alcool ¢ outras drogas, para ACS e Auxiliares ¢ Técnicos de Enfermagem em todo 0 territério nacional, Disponivel em: 2 J.L.P. Samudio participou de todas as etapas da elaboragio do artigo: concepcio do estudo, plane jamento, coleta de dados, andlise e interpretagio dos dados e redacio do artigo. A.C.F.D.C. Martins ¢ L.C. Brant participaram do planejamento do estudo, coleta e anilise de dados e redagio do artigo Vania Lures Pires Samadi C.A, Sampaio orientou todas as etapas da pesquisa, participou da concepsio do estudo, planejamen- to, coleta ¢ interpretagio de dados, redagio ¢ revisio critica do artigo. Physi Revista de Sade Coleriva, Rio de Jancico, 27 {2} 21-295, 2017 Abstract Map-making in mental health care in meeting of health community agent and users ‘The study mapped part of the production of mental health care that happens in the meeting between ‘Community Health Agent (ACS) and users in Primary Health Care (PHC). The methodology used was cartography, based on schizoanalysis, the philosophical theory of Gilles Deleuze and Felix Guattari, whose interest is to map the lines of force that connect the object of study. To capture care production, focus groups were conducted with ACS from the Family Health Strategy (ESF) teams of Montes Claros-MG, Brazil. As a result, there is dislocation in the care of ACS, when, leaving the hard lines "psi professionals care" and "care without getting involved," are crossed by malleable lines and escape, “offer listening” and “thinking about the encounter with users”. However, there is reterritorialization through a new hard line: "listening is not enough”. The potential of ACS in mental health care in APS is pointed out: a worker open to the invention of his subjectivity and to the Psychiatric Reform. In order to do this, it is necessary to organize agencies that contribute to new forms of care in their territory, giving them visibility and recognition. > Keywords: community health agents; mental health; cartography. Physi Revita de Sade Coleive, Rio de Jancieo, 2/22/7288, 2017 295 da cuidade em saide mental no encontr entre agente comunitrie de idee usadria

You might also like