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3 Kant: a liberdade, o individuo ea repuiblica Regis de Castro Andrade Nontase que as donas de casa de KOnigsberg, na Prissa,acerta- /vam seus telgios pela passagem de Kant pelas ruas. Verdade ou ito, a anedota descreve o homem. Em sua longa vida, Kant jamais quebrou a rtina do seu trabalho como profesor da univer Sidade local, e jamais afastou-se da sua pequena cidade, onde nas- ‘eu em 1724 e onde morteu, solteir, a0s 79 anos. io hi, pois, muito o que dizer sobre a vida do f6sof0. Cos- tuma-se faze referéncia 4 sua origem modesta — seu pai era seleiro =e ao ambiente de trangia auseridade edisciplina do protestan tismo pietista, no qual fi educado. Desde cedo aprendeu a desde- that a dogmitica religosa ea cultivar a integridade pessoal como norma suprema de conduta. E bem possivel que esses primeiros ‘anos tenhart-no influenciado na vida e a obra. Sua vida foi regrada © uniforme. Sua flosofia moral é uma celebrardo da dgnidade ind- Vida ‘© contraste entre a vida trangila de Kant © as convulsBes da histéria européia em seu tempo permite-nos vislumbrar as condi es de trabalho dos intelectuas sob o absolutisme ilustrado. No longo reinado de Frederico, o Grande, morto em 1786, a Priss ‘onheceu um periodo de prosperidade © moderaizaedo administa- tiva, Nesse quadro,¢ sob vigilancia do principe, loresceu a vida Imtelectuale protegeu-se a univesidade, Segundo o proprio Kant, talera.olema de Frederico Ino tato com 0s cidados letrados: “Rs ciocinem quando quiserem e sobre o que quiserem, mas obedecam’ ‘Kant foi um espectador atentoe emocionado do grande drama revolucionirio europeu. A Revolugio Francesa entusiasmou-0; @ decapitagdo de Luis XVI enchev-o de horror. Seus escrito, rigoro- 505 ¢sistemétcos, sobre as cones de intligiilidade do mundo ‘da vida moral, refetem, no esptitoetantas vezs na letra, 0s dss fios imensos de sua época: dar forma racional a um novo mundo nascente das entranhas da Europa milena; contrapor as inertezas <éa nova Europa plebéia,indvidualsta, liga, e contudo irreversivel, aldumas certeas de razdo capazes de restabelecer, 0 menos no pen- samento, a socibildade dilacerada ea paz entre as nagSes. ‘Kant no efa um aristoeata, nem um revolucionsrio; no teve paricipardo politica de qualquer tipo. Era um scholar. Sua reputagdo intelectual era enorme, Sabe-e, por testemunho de seus alunos, que suas aulas cram eruditas e vivas. A seus cursos acorriam pessoas de toda Alemanha. Suas principals obras, em particular fas t8s grandes Critcas — da Razdo pure, da Razdo pritica ¢ do Juizo — sho obras da maturidade. Flas foram publicadas em 1787, 1786 e 1990, respetivamente, entre os seus sesentae setenta ‘anos. Costumava queixar-se da brevidade da vida; temia faltar-Ihe ‘tempo para completar sua obra, Em todo caso, a julgar pelo lugar ‘que ocupa na hierarquia dos grandes pensadores, sua vida fol exe plarmente produtiva A filosofia da moral © conhecimento raconal, diz © a dignidade do individwo Kant, verse sobre objetos ou sobre suas préprias leis. Ha dois eéneros de objetos: a natureza, que € 0 objeto da fisica, © a Tiberdade, que € 0 objeto da filosofia moral ov ética. O conhec- mento das lis d8 propria razto, por sua vez, constitu a léica; esse conhecimento € puramente formal, isto, independente da expe- sitncia, A fisia a tia Iidam com o mundo objetivo. Maso cone mento empirico nesses dois grandes ramos da filosofia tem seu fundamento em corpos de prinipios puros, que a raz estabelece previamente a qualquer experitncia; estes principos, definidos prior, sto a condicto de possibilidade de qualquer expertncia racional (f. GMM, p. 88). A ciéncia desses principios Kant deno- ‘mina metafisica, © principio segundo 0 qual “todo evento tem uma causa’, por exemplo, nlo pode ser provado (embora possa ser coz™ mado) pela experigncia; mas, sem el, aexpecitcia da natureza, portanto a ciénca da fsica, seria impossvel. Da mesma forma, a metafisica da moral estabelece que, embora nio sea possivel pro- var que o ser humano, enquanto ser racional,¢ livre, sem a idéia de liberdade, a experiénciae o conbecimento do mundo moral seria impossiveis (f. GMM, p. 115). ‘A metafisea da moral, como flosofia moral pura, & dividida ‘em dus partes. A primera diz respeito & justiga; a segunda, 2 tude. Ambas tratam das leis da iberdade, por oposicdo as lis da ‘atureza; mas a legalidade se distngue da moralidade pelo tipo de ‘motivo pelo qual as normas slo cumpridas. A mera conformidade 4a apo & norma caracteriza a legalidade; para que a agio seja ‘moral, & preciso que a apdo se realize pelo dever. As lee juridicas so externas a0 individuo, ¢ podem coag-o ao seu cumprimento, {A leis morais, tomando obrigatérascertas aes, fazem a0 mesmo tempo da obrigacio 6 mobil do sea cumprimento (ef. MED, p. 19; Terra, pasin). (© bindmio interioridade/exterioridad, proprio do jusnatura- lismo e da ilustracdo implica, no plano politico, a delimitaro do poder pablicoe a afrmario vigorosa do indviduo face a ele. Trata- se de eliminar do pensamento juriico a exigéncia de conformidade interna ds leis do Estado, e de defini a esters invielvel da conscin- sia individual (€f. Bobbio, 1984, p. 57-8. “A chave da filosofia ‘morale politica de Kant”, escreveu um comentador, “a sua con- cepsio da dignidade do individuo" (f. Ladd, p. IX). A dignidade (Calor intsinseco, sem equivalente ou prego) do homem exté em que, ‘como ser rational, nfo obedece sendo as leis que ele prdprioestabe: leceu. © hiomem ‘fim de si mesmo" (cf. GMM, p. 102). Tal €0 fundamento do seu direitoinato & iberdade, e de todos os demas direitos politicos, bem como, em iikima andlise, dos imperativor ‘moras da replica e da paz. Toda a filosofia kantians do direito, da polticae da histéria epousa sobre essa conceprdo dos homens como seres morais: les ddevem organizar-se segundo 0 direito, adotar a forma republicans ‘de governo eestabelecr a paz internacional, porau ais so coman- dos priori da razio, © nfo porque sejam ites. Cabe, portanto, neste ponto, uma breve referéncia 8 dourina do imperativo eategé- rico, que é & peda angular de todo 0 edificio da flosofia moral de Kant. © Imperative A norma moral tem a forms de um imperativo eategérico —categérco. O comando nela contigo assnala @ relaplo entre um dever ser que a razio define objetivamente¢ 0s méveis humanos, os quai, por sua constituigic subjetiva, do conduzem necessariamente& realzagdo daquelafina- Tidade moral. 0 comando moral €categérico porque as agSes a ele conformes slo objetivamente necessrias, independentemente da Sua finalidade material ou substantva particula Nisso reside sua diferenga com respeto aos imperatives hipatétcos, que deiner @ neqessdade de ume certa a¢do para a consecugio de um objetivo desejado pelo individuo (ef. GMM, p. 81-2). A necessidade objtiva do comando catesorico fax referéncia a que o dever moral vale para fodos os homens enguanto seresracionals, o mb, ou princ- plo subjetvo da aco, que pode variar segundo a situagdo ou o ind Viduo, ndo determina o valor moral da ago. A conduta moral, por- tanto, évinculada # uma norma universal. O ritéro para a defini- so da boa conduta ¢ formal: a moralidade da agdo consist presi Sameate na sua universalidade segundo raz8o (que implica a dese: {sbilidade da sua universlizapao). A matéra ea forma do comando se interpenetram: © mobil & a propria deseabilidade de universaliza- 40 (€f. Paton, p. 52; GMM, p. 136-7). Essa interpenetrapdo se deve a que as apées humanas tém sempre contetdos substanivos ‘Assim secompreende a férmula kantiana da Lei Universal, ou impe- rativo categérico: “Aja sempre em conformidade com 0 principio subjetivo, tal que, para voeé, ele deva ao mesmo tempo transfor mar-seem let universal” (ef. GMM, p. 8). (0s motivos materiis de nosses apSes serdo, pois, acitos ou rejeitados segundo possimos ou no desejar que se constituam em leis internamente vincuantes. © Imperativo “no mentités”, por ‘exemplo, nto deve ser obedecido em razio das consequéncas do ‘seu cumprimento — pode-se, alts, imaginar situagdes em que seja vantajoso mentir — mas porque nao poderiamos\racionalmente esejar que a mentira, endo a verdade, se transformasse em norma eral de conduta. ‘A formula geral de moralidade enunciads acima ndo decorre 4a observagdo empirica da natureza humana; la & um enunciado 1 priori da rerio, Dela se deduz uma outra ida: a de que, sendo lunlversis, as normas morais que nos conduzem slo elaboradas por nds mesmos enquanto seres racionals. Ou seja: a humanidade, © cada um de ns, & um fim em si mesmo. Retoma-se 0 argument | exbogado antes sobre a dignidade do indivi. Seo agente racio- nal é verdadciamente um fim em si mesmo, ele deve ser 0 autor das leis que observa, e € isso que consul seu supremo valor (cf. ‘GMM, p. 98; Paton, p. 34-5) Ora, obedecer is suas préprias leis ser live, Sepue-se um pequeno resumo da doutrna kantiana de liberdade ‘Antes, porém, cabe um breve comenttio sobre 0 contento polémico dessa doutrina. Kant opde-seexplictamente ao wiltarismo ‘como doutrina moral em que as leis reguladoras do comportamento slo insirumentais com respeto aot valores maternis dat ages ‘humanes, ou com respeito 20 objetivo universal de “felicidade™ Se 0s valores sto associados as inclinagdes subjetiva, sust Kant, ainda que sob a forma genérca de “felicidade”, les ndo sio (por isso mesmo) definides pela razdo,e, se os homens deixam-se forienar por eles, ndo so livres. 86 a conduta racionalmente fun- ada € compativel com a dignidade humana (cf. Murphy, p. 38-40 44). Aldm disso, a moral ulitarista¢ incompativel com a justiga (Gobre a qual se falard abaixo). A definigdo empires, e portanto arbtriria, do que seja bom ou mau para os homens, leva a uma ‘tuago em que aqueles que tém o poder de impor tal definigao ‘oprimem os que dela dscordam. Compreende-se também que, def- ido o que é “bom” e 0 que € “mau” por aqueles que tm o poder de fazé4o, tudo o mais, ¢ em particular @ ordem juridics, torma-se instrumento dos valores adotados. Ora, a consituicto jutdica, como veremos, & ela mesma um imperative moral, ¢ portanto um Alliberdade externa A liberdade, em Kant, ¢ « lberdade @ a autonomis de apr segundo leis. AS leis descevern relapdes de causa e efeto. Portanto (0 homens so livres quando causados a agit. Como se resolve © parente paradoxo? Nos seresracionals a causa das agdes € 0 seu répeio arbtrio (por oposigdo a0 mero desejo ou inclinagéo que ‘no elo cbjetos de escolha). Num primeira sentido, portanto, a liberdade€ # auséncia de determinaydes externas do comportament. Esse 0 conceit negativo de liberdade, Dal decorre uma definica0 “mais riea e mais feril". Se as agdes so causadas, obedecem a leis (Que sto “as condigdeslimitantes da Uberdade de apo") (ct GMM, p. 98 114). A liberdade da vontade nao ¢ determinada por leis da natureza; mas nem por isso escapam ao império de um certo tipo de leis. Se assim ndo fosse, as apes humana sriam nfo-causs- das, e 0 conceto de “liberdade da vontade” seria contraditério con igo mesmo. A liberdade tem les: e se esss leis ndo so externa ‘mente impostas, #6 podem ser auto-imposas, Ese €0 conceito pas ‘le designa a liberdade como aufonomia, ou a propriedade dos sees racionais de legsiarem para si préprios. A legislado racional é por sua propria natureca uma legislagdo univer- sal: Ora, as leis universais s40 a8 les morals (ef. Acton, . 45-6; ‘GMM, p. 114). Liberdade e moralidade e — antecipando as proje: Bes dessa vinculagdo concetual — politica e universaidade so Inissociaves ‘As observacdes fits até aqui tratam, ainds que de modo -sumério, dos fundamentos da filosofia moral de Kant, e introduzem (© exame da sua doutrina do dirt. Esse exame, por sua vez, € indispensivel para a compreensio do concelto kantiano da trans- ‘fo do estado de natureza & sociedade civil A doutrina Normalmente, 0 dreto é “o corpo daquelas les do direito susceptiveis de tornarse externas, isto €, extema- mente promulgadas” (ef. MEJ, p. 33). Toda ¢ ‘qualquer lei impoe deveres; mas o cumprimento desses deveres pode ou nfo ser coativamente exigido. No primeiro caso, trata-se de leis moras; no segundo, de normas juridcas. Nesse argumento, ‘a moral abrange odieito (cf. Tera, p. 51-2; Bobbio, 1984, p. 65-8). (© fundamento de ambos 0s tipos de les € a autonomia da vontade, a refencia a ese fundamento moral & consitutiva do direto, ‘Mas isso ndo autoriza «dizer que toda lei posiiva deva vincuar- se internamente aos suetos. Uma coisa ndo implica a outra. Ideal ‘mente, pode-se supor uma situacdo em que as duaseseras se super- PPonham, ¢ em que, portato, a conformidade & Ii postva mani- feste externamente a conformidade interna a0 dever que ela expli- cita. Mas o controle imperfeito da razdo sobre as paixtes impede {ue isso ocorra. Tal éairremovivel condigao humana. A distinga0 subsite. Quanto aos deveres moras, 08 homens s40 responsiveis perante si mesmos; na esfera juridica, sio responsives perante 0s ddemais. A Uberdade moral se aleanga pela eliminagdo dos desejos « incinagBes que impedem a adequagdo da conduta 20s comandos 4a razdo; a Iiberdade juridica consste em ndo ser impedido externa- mente de exerer seu proprio arbiro. ‘Como no podia deixar de ser, Kant ndo est interessado no ireito positvo, mas na idéia, ou no concrto universal a priori do Aircto. O objeto da reflexdo sto as relagesiterpessoais, ov a soci billdade. A questo ¢ esta: qual € 0 principio da legslasao que cordena as rlagbesintrpessoais segundo a justia? Se a jstiga € 0 “conjunto das condigBes sob as quals o arbitio de um pode ser undo ao arbtrio de outro segundo uma lei universal de liberdade”, © principio, ou a “lei universal do dieito”, € 0 sepuinte: “Age exter ramente de tal manera que o livre uso de teu aritsio possacoexis- tir com a liberdade de cada um segundo uma lei universal” (cf. MBJ, p. 345). A relaco jurdica diz respito, antes de mais nada, 2 relagio extema com 0 outro. Essa relagdo envolve dois sujetos ‘capazes ¢responséveis,cujas pretensdes sobre um objeto devem ser jutiicamente coordenadas. O mébil da ago de cada um € a preten- ‘lo externamente manifestads; no ato jurdico, no interes saber ‘qual a pretensio interna de cada um, Enfim, decaradas as preten bes, a justiga da transagdo nlo se avalia pelos benefcios que cada dela. Nio tem sentido, por exemplo, dizer que tal operagio de compra e venda “oi injusta porque 0 prefo foi muito ato”. ‘que importa € 3 forma do ato juriden: a conformidade a uma norma {gue se alia a todos, e culo prinepio (ou juridicidade) est em garan- tir aos dois contratantes 0 livre uso dos seus arbitros (ef. MES, p. 34; Terra, p. 51-2). Convém atentar para as implicasSes poltcas tetas da doutrina kantiana do direto. Em outras concepsds, © ‘ito subordna-ea certs valores materia: «ordem plblica (come ‘em Hobbes, ou nas varias modalidades do pensamento autoritrio), (04 a igualdade (como, por exemplo, nas coneeppdes que erigem @ ““justga social, as reformas de estrutura ou 0 bem-estar socal como valores supremos da aslo legislativa do Estado). Segundo Kant, a socidade se organiza conforme a justia, quando, nela, cada um tem a liberdade de fazer 0 que quiser, contanto que no interiranalberdade dos demais, Kant ¢possivelmente o mais sido € radical teérico do libealsmo. A relagdo entre a sua filosofia ‘mora, aqui resumida, © sua flsofia politica pode ser definida ‘numa’ frase: 0 diteto, como legslaio constitutive da sociedade justa e mattia por exceléncia da atividade politica, ealiza no plano das relagbessociis, agullo que constitu essencalmente o homem: a Tiberdade, tanto no sentido negativo como positivo do termo. As normas juriicas so unversis; elas obrigam a todos, inde pendentemente de condigtes de nastimento, riqueza ete. Quem viola fa liberdade de outrem ofende a todos os demas, e por todos seré oagido a conformar-se a lei e compensar os danos causados. A coersdo ¢ pare integrante do direto; a liberdade, paradoxalmeate, requer a coergio. Dus sio as condigbes para 0 ws0 justo da coer (0. A primeira € a seguinte: "Se um certo exercicio da liberdade um obsticulo @ liberdade (de outrem) segundo as leis universais [sto 6, se €injusto},entdo 0 uso da coersto para opor.se a ee [1 € justo" (ef. MEJ, p. 35-6). A segunda decorre da universalidade {fs es violadas: a coergdo sé é justa quando exercida pea vontade ‘eral do povo unido numa sociedade civil (ef. MES, p. 65). Direito privado Como jusnaturalista, Kant dstingue entre @ direito pablico a ei natural e 2 lei postva (segundo a fon- te) e entre direitos inatos e adquridos (se. sgundo sua exigiblidade dependa ow nio do seu acolhimento na lei positiva) AS leis naturas se deduzem de principios @ priori; elas ‘io requefem promulgagéo publica e consituem 0 dreto privado. ‘As segundas expressam a vontade do leislador. Sio promulgadas € consituem o ditito publico. Nao se poderia, com cxreza, dedu- ir da distingdo ene as fontes do dirito naturale do direto pos tivo que esses dois ramos constituem corpos jurdicos dissociados tum do outro, ¢ menos ainda que Kant sustenta, no diteito publico, luma tese do positivismo jurdico. A vontade do legislador, em Kant, ndo ¢ o arbitrio do poder estatel, mas a vontade geral do Povo unido na sociedade civil. Embora tenham fontes diferentes, portanto, o dreto privado e o dircito publico tim o mesmo funds. ‘mento: & autonomia da vontade. Por iso mesmo, as vras partes 4s filosofia moral de Kant possuem uma “forma arquitetOnia"; elas consituem um "sistema". O direito publico, ou postvo, no € idéntico ao direito natural; mas € necessiio pressupor a exisén- cla de um nexo sistematico entre eles, através do qual o principio comum da jusica come liberdade opera, em grau maior ou meno, a esfera do dirito positive constitu, dessa forma, a sua juridi dade (ef. MEJ, p. 47-8; Ferraz Jt. p. 7-23). A distngdo kantiana ‘entre dircito privado e piblico resulta a existncia, no estado de natureza, de um certo tipo de sociabilidade natural derivada da racionalidade humana: “O estado de natureza nio € oposto ¢ con- trastado ao estado de sociedad, mas & sociedade civil, porque no ‘estado de natureza pode haver ua sociedade, mas nfo uma socie- dade civil" (¢f. MEJ, p. 48). A armagio subseqdente pressupée essa distingo. O direito privado: 0 ponto de partida ¢ a distingao entre fundamentagio 2 posse fisica e a posse inteligivel. A juridica do "meu posse juriica correspond a esta iltima: e do “tou” ter diteto a um objeto significa que uso do que & mex por outra pessoa, mesmo quando eu ndo o esteja utilizando, constitul uma ofens. ‘A posse empitica, por sua vez, & frtuitae baseada na voatade uni- lateral do posuidor. Como se observa, a posse jurdica "faz abstra- ‘40 de todas as condigdes da posse empitica no espago e no tem- po” (eu cariterfortuito ¢ sua unilateralidade) Ela é puramente Tacional. Ora, a possblidade de proibirlegtimamente 0 uso do ‘meu objeto por parte de todos os demais, mesmo quando nfo o ull. lizo, pressupde, necessriamente, 0 acordo de todos ot demas. E neeessiio, portnto, pensar que, orginalment, todos tém a posse coletiva de todos os bens, e que a base legal da posse individual & © ato da vontade coletiva que a autriza (ef. MEJ, p. 56-60; Mar- use, p. 85-7) ‘Tudo isso nos ensina que no estado de natureza os homens no se relacionam apenas segundo a fora de cada um. Se assim fosse, no haveria pose jurdica. Contudo, 05 homens so dotados de rari de paixdes. O estado de natureca ¢ instdve: NGo ha nele um juz ‘com competéncia para decidir com forea de lei as controversias sobre direitos”. Por esa azo, a posse de jure no estado de natureza &sem- pre provisria, Para que seja definitva, ou peremptria, deve set arantda por uma autoridae superior (cf. MEI, p. 767) Acconstituigéo 0 dircto pibico ¢ 0 direito postivo, da sociedade civil emanado do leysiador para a regulacio © 0 direita publico dos nexécios privados (ustica comutat va) © das relagdes entre a autoridade Diblica € 0s cidadaos Gustica distributive). Os individuos que se re ‘ionam em conformidade com les publicamente promulgadss cons- tituem uma sociedade civil (status civil); vista como um todo em relagio aos membros individuais, a sociedade civil se denorsina Estado (clvtes) ef. MES, p. 78)-Os terms “sociedade civil” « "Es. tado”, portato, referense ao mesmo objeto, considerado de pon- 15 de vista distintos, 'A transi & Sociedade civil € um dever universal e objetivo, porque decorre de uma ideia a priori da raxto. E certo que os Thomens no estado de naturezatendem a hostlizar-se; mas a passa- ‘gem de um estado a outto nko obedece a motivos de utilidade. ‘Tratase de um imperativo moral: estado civil ¢ a realizagdo da {dia de liberdade tanto no sentido negative como positive, Pressupondo-se necessariamente a juridcidade proviséria do «estado natural, ato pelo qual se “constitu” 0 Estado é 0 contrato orisindrio,concebido como idéia« priori da razio: sem essa ida, ‘no se poderia pensar um leisador encarregado de zelar pelo bem ‘omum, nem ckdadios que se submetem voluntariamente as leis vigentes. Em outras palavras, ‘somente aidéia daquele ato permite- ‘nor conceber a lepitimidade do Estado” (ef, MEI, p. 80). iree- vane, portano, saber se tal contrato foi ou ndo realizado de fato na histéria (cf. MEJ, p. 111) Als, para sermos precsos,contrato origindrio nfo “constitu” a socedade; clea explica tal como ela deve se. A idéia do contrato remete no & origem mas ao padrao racional da socedade, isto, remete a algo fora da historia, e ndo no passado. Kant & claro sobre esse ponto na seguinte passagem: “[O contratoorigindrio}ndo ¢o principio que estabelece 0 Estado; antes, €0 principio do governo politico e contém o ideal dalegisa- 0, da administragdo eda justga publica legal” (ef. Ladd, p. XXX: Terra, p. 55). A negagéo do direito Fsse procedimento metodotégico tem do resisténcia ou de desdobramentos teércos e politicos revoluglo muito importantes. Kant afiema que ‘a base da legitimidade & 0 consenso; ‘mas 0 consenso ¢ entendido.como suposto tebrico necesirio. Com isso, a latiude de interpretagdo do fendmeno numa siteapio con- eta qualquer & infnita. Na exposipdo do argumento, nfo se faz sequer a dstngdo entre consensoexplicto etéito, como em Locke; s€ hd Estado, hd consenso. Na mesma ordem de consideragdes, se © contrato ¢ uma ideia, todos os Estados exstentes nela te funda: mentam, por imperfeitos que sejam:; dela procuram aproximar: dela participam. Em conseqiénca, os cidadtos nto podem opo S@ a0s seus governantes em qualquer hipdtese. A teoria kantiana 4a obrigagto politica, vinculada a sua concepgdo apriorstica do contrato, estabelece 0 dever de obeditncia as leis vigentes, ainda ‘que els Sciam injustas. Nisso, ele difere de Hobbes, para quem a6 leis do soberano so sempre juss, e por isso devem ser rexpetadas, cede Locke, que admiteo dito de resisténca no caso deli injustas. Kant retorna a essa questdo em virias pastagens, nlo sem uma certavacilagdo e flutuagdo do argumento. Aqui ele delara: “A mais leve tentativa (de rebelar-se contra o chefe do Estado} é ta taigdo,e «um traidor desa espécie [..] ndo pode ser apicada [pena menor que a morte”. Al, ele admite que o destronamento do monarea pode ser excusivel, embora nio permissive: “O povo podria ter pelo menasalguma desculpa por forca fo destronamen- {o] invocando 0 direto de necessidade (caus necesstatis).O argu- ‘mento basico da reeusa do direlto de revolugio, contudo, persise, fe apresenta-se em tris verses. A primeira € a seguine: “Para que © povo possa julgar a suprema autoridade politica (..] que tem a forga dale, deve ser con- siderado como jf unificado sob a vontade lepslativa gral; potan- to" em vrtude do pactoorigindro sem o qual ndo e podera con- «eber 0 povo dessa maneira — ‘seu julgamento nfo poderia deri 4 julgtmento do presente chefe de Estado” (ef. MEJ, p. &4). ‘Numa interpretagdo menos rgids, poderiamos dizer que, se hd Esta- do, ele contém um principio de ordem segundo leis, e, por pior que sea, deve ser resguardado, porque representa um progrsso em dire. so a0 Estado ideal. A segunda versio esté na “Paz perpeua”. Se (08 dzeitos do pov sio violado, nlo ha injustica em depor 0 sobe- ‘ano. Mas seo povo fracas é punido, também no pode reslamat de injustia. A’ questo, em termos dos fundamentos da justga, decidese como se segue, Neahuma Consttugdo pode outorgar 80 ovo o direto& revolta, sob pena de contradize-se a si prépria. Pi tanto, a evola€ ileal. Isso se demonsira como se segue: se arevlta ocorrer, ela tem de serseeretamente preparada. O chefe do Estado, 20 contriio, afirma publicamente seu poder supremo, incontrasté- vel; tal €a sua obrigardo, porque ele deve comandar 0 povo contra agresses externas. Ora, 0 prindpio da publcidade ¢ constitutivo 4o direto piblico, c, por consegunt, na situsso de revola,confron- tam-se uma vontade particular e uma vontade geal. O suczso even- tual de uma revolta apenas demonstra que a necessria suposgao de que soberano desnha, efeivamente, 0 poder supremo era falsa, a questio da justien nfo se coloca (ct. PP, p. 130+). A tercera versio do argumento encontrase em “Sobre o dtado popular.” 1 ahi do contato ogni] bigs todo lagaadr a conde os ts como podende tt so eeanaa 6 vont Slt de {ota o po va ren ge todo rule, encanto a foes at Aimelgsot, cont por au vot armagao da vntad oi {a tabs paar de toque da tagtinidage de tde pot Se, Com evo, area 6) ae sls impor es foo pov posta Giese drtormnada de sles ve er Reedtaamente 0 pigia a pobre ean tendo ¢ t,o slnlogncts poste! Sirs pore prove, ano tomos 9 deer de consi fst] rep sea ‘A posibiidade ou impossibiidade de que uma Ie sa just se ava- lia por refenca as rinciposracionais do diet, eno &efetiva ‘manifestacto popular sobre a questo. O exemple que nos da Kant tno mesmo ena ita o ponto. No caso de dereardo de um imposto de guerra proporcional a todos, 0 pove nlo pode oporse sob argumento de que a guerra nio Ihe parece indepensvel, por: ue “do Ibe compete emir julzo sobre # questo". Mas se 0 Imposto real sbre alguns nfo sobre outon, ali & injuta€ pode ser contestaa (cf TP, p. 3940) O Estado liberal Kant, como Rousseau, recusa 0 dilema hhobbesiano: liberdade sem paz ov paz ‘mediante submissio a0 Estado. Ambos compatibilizam tericamente (0s dois termos(liberdade e Estado) mediante o concito de autono- mia: as leis do soberano sto as leis que nos demos @ és préprios. “Masha entre os dois autores uma diferenca fundamental. Rovsseau formula uma certa versio de um Estado democrético; Kant é um teérico do liberalsmo (ef. Bobbio, 1979, p. 68). Kant concebe Estado como um instrumento (necesstrio) da liberdade de sujeitos Indviduais, Rousseau descreveo surgimento de um Eu comum sobe- ‘ano; liberdade se identifica com autonomia, ue do ponto de vista do individuo se exercesomeate na medida em que integra o sujito coletivo. Em Kant, a autonomia deduz-se da liberdade negativa, ©-8 preserva e garante. A liberdade como nlo impedimento no estado de natureza é peciria, e requer 0 exerecio da autonomi, A reconciliagdo dos homens consigo mesmos enguanto sees livres necesita a promulgagio publica das leis universais, que manifesta 1 dlsposigao de todos e de cada um de viver em liberdade, Essa construgdo tebrice tem notiveis implicagdes politcss, 5 esbocadas acima. No sistema kantiano, nega-e as autoridades pilblicas 0 dever eo direito de promover a felicidade, o bem-estar 00, de modo geral, os objetivos materisis da vida individual ou Social, A razdo disso a seguinte: a leislagdo deve assentar sobre prncipios universaseestdves, a0 passo que as preferénciassubje- tivas alo varidves de individuo a individuo ¢ cambiantes no tem- po. Além disso, a ninguém & dado o direito de preseever a gutrem 2 receite da sua felcidade. O que deve, entdo, fazer 0 Estado? ‘Ao Estado incumbe promover o bem pulbico; © bem piblico é a manutengdo da juriicidade das relagdes interpessoais. Nas pala- vas de Kant ‘A maxima satus pubies,suproma ciate lex est permanece em Sun valge imutavel een sun auloridade mae o bem pubic, que dave ser atenigo acima de tude, @praciamente a constiigdo legal que garane a cade um sus berdae ara 6 a. Cor i80, Continua lta a cada um buscar su felieidade com Ie aprouve, Sempre que ago vole a Iberdade eral om conformidade com ‘portant 0 dato doe outros censoring ot TP, ph ssa passagem expande ¢ esclarece a formula adoteda por Kant nos Elementos: “As leis do dircto piblico referem-se apenas & forma jurdica da convivéncia entre os homens” (cf. MEJ, p. 71; Bobbio, 1984, p. 135). Em dois casos o Estado ¢ autorizado a adotarpolitcas de conteido substantivo. A autoridade piblica deve provera subsis- {éncia dos que no podem viver por seus préprios meios (porque 4 sua propria existéneia depende de que eles fagam parte da socie- dade, dela recebendo protegdo e cuidado). Se, fora disso, “0 Estado estabeleceu leis que visam diretamente a flicidade fo bem: estar dos cidadios, da populagio etc.) 60 nfo se faz a titulo de estabelecimento de uma constituigéo civil, mas como meio para garantr 0 Estado juridico |...] pata que 0 povo existe como epublica”. Compreende-se que, ndo endo um dever constitutive do Estado, essas medidas dependem exclusivamente do julgs- ‘mento pessoal (prudéncia) do governante (cf. MEI, p. 92-3; TP, p. 401). Accidadania Quando unidos para legisar, os membros da sociedade civil so denominados cidaddos. S80 caractersticas dos cidadios a autonomia (capacidade de conduzi- se segundo seu proprio arbitrio), a igualdede perante ale (no se Aiferenciam entre si quanto a0 nascimento ou fortuna) ea iadepen- dencia (capacidade de sustentar-se a si préprios) (ef. MEJ, p. 789; TP, p. 30; PP, p. 93-4). Essa concepgdo de cidadania tem por base os direitos inatos&liberdade e &igualdade, Trata-se, naturalmente, de uma iia reguladora; mas ela tem conseqinciasprticas media. tas, Nenhuma Constiuicdo, por exemplo, podria autorizar a es vidio, por ser ela absolutamente incompativel com ot principios da justia. Nesse sentido, 0 dspositivo consttucional de reconbeci- ‘mento da cidadania parece ser auto-apicdvel, Mas cle 0 € apenas em parte, De fato,estabelecida a sociedade segundo o direito, nem todos os seus membros qualificam-se para a atuagio politica ata és do voto, ou sea, para a cdadania ating, Ni se qualificam of ‘ue vivem sob a protest ou sob as ordens de outrem, como os empregados, 0s menores eas mulheres; esses sdo cidaddos passivos. ‘Temos aqui uma dbvia contradigfo entre o conceito puro decidada- nia ¢ 0 conceito de cidadania passva, ou entre a leis do dirito naturale as do direto positivo. Kant tenta resolver essa contradi- ‘fo pela refirmagdo do atributo da igualdade em nova formulacio: ‘or igualdade deve-se entender a igualdade de oportunidades. “As leis vigentes, diz Kant, "no podem ser incompativeis com as leis naturais da liberdade e da igualdade que corresponde a ess igual- dade, segundo as quai todos podem elevar-e da situacdo de cida- «0s passivos ao de cidados ativor” (cf. MEI, p. 80). ArrepGblica A melhor forma de Estado — 0 Estado ideal — a repiblica, Seria talvez ocioto, a esta altura, lertar para que a “replica” kantiana é uma ideia objetivamente necessriae universamentevélida; seus aributos slo deduzidos de princpios a priori, e no inferidos de observasdes empiricas. Nao ‘obstante, essa ida, como de resto todas as idéas da filosofia moral de Kant, tem conseqincias priticas, no sentido de importarem ‘comandos aos cidadios ¢ aos governantes. Kant é muito clara ares- Deitodiso: a repiblice € 0 “espinto do contratoorigndrio”, pelo ‘qual os governantes se obrigam a aproximar-se, praticamente, da iia de uma Consttuisdo politia legtima. Quais slo os atribatos dessa Constituicdo? Na Constituisd leitima, ou republicana (a) a Tei é autGnome, isto é, manifesta a vontade do povo, e no a von- tade de individuos ou grupos particulars e (b) cada pessoa tem a posse do que é seu peremptoriamente, visto que pode valer-se da ‘coagdo pblica para garantir seus direitos. O prinepio da Constitui- ‘fo republicana 6 a iberdade;nela se conjugam a soberania popu: Tar (a Vontade leislativa autOnoma)e a soberania do individuo na cesfera juridicamente limitada dos seus interesese valores particua- res (ef. MEJ, p. 11.3; PP, p. 93-7. ‘A repiblica € a methor Consttuigio do ponto de vista do ‘modo de tuncionamento da sociedade (forma regimins), indepen: dentemente de quem: governa (forma imperil) (cf. PP, p. 95). A rigor, o Estado pode ser monérquico,arstocrético ou democritico; © que importa ¢ que sea republiano. A repiblica opde-se x0 despo- tismo, no & monarguia (cf. PP, p. 96-7). Pois bem: © principio politico do republicanismo & a separacdo entre os poderesexecutivo {a adminstragio) ¢ legislativo, No despotism, o soberano executa ales que le mesmo decretou. Bisa questo requer alguma elaboraedo. Como se observou ‘cima, o bem do Estado como unio do povo segundo suas prdprias leis (cvitas) — por oposio ao bem individual — € sua autonomia ‘com espeita a todo e qualauer ineresse particular ou poder extern. Em outras palavras, para que se preserve a liberdade politics, ¢ necessrio que a esfera publica mantenba-se rigorosamente imune 4 influéneias partculaes ou privadas. Para que ese supremo valor politico (que é a0 mesmo tempo moral ejuridco) se realize, éimpe- rativo que ele assuma a forma que a razio a prior Ihe recomenda. ‘Essa forma € a tripatiao do poder estatal. Em resumo, a dedugio a seguinte: 0 legislativo (a autoridade soberana) emite puros ‘comandos universais, ou leis. © governante (rex, princeps), ele mesmo submetido as leis, nfo pode legisla; ele executa os coman- dos gers em situagSes cambiantes, através de decretoseregulamen- tes. O judicicio aplica a lela casos individuais apés julgamento pelo jr. A deducto ¢silogistca: uma premissa maior, uma menor 8 conclusio (ef. MEI, p. 78-84). Essa arquitetura politica pro- move a cooperacio entre as poderes — pode-se supor que Kant ‘luda aqui a ganhos deefciéncia no desempenhoestatal — © impede ‘que um poder usurpe as atribuigdes do outro e instaure o despotismo. ode-se sustentar que a 4a forma repiminis& a demonstraio da iracionalidade (eda imo- ralidade) do despotsmo enquanto poder indeterminado, A soberania una; mas em Kant & uma unidade determinade. Ela se constitu ‘como sintese dos seus momentos paticulares (os ts poderes). Os poderes negam-se mutuamente (subordinam-se" uns 40s outros) 4 soberania do Estado contéms, portato, sua prépria nega. Isso, na prtia, significa que o poder do Estado € mediado por instti- ‘6es poitias; esas instivuigdes sho necessariamente representtivas, ‘porque a soberania jd ndo se encontra encarnada numa s6 pessoa, ‘num 6 érpio do Estado, numa 56 clase. Se a vontade geral se compée de vitias parts, é evidente que sua unidade s6 pode ser ‘representada.O despotisino, pelo contrério, & uma vontade indete- rmnada, nfo contradtéra; © déspota€ a unidade abstata do povo, sob forma, por exemplo, do monarca absoluto por ditto divino ‘ou da vontade popular tal come foi concebida em certos momentos da Revolucto Francesa, ‘As conclusdes a que chegou Kant nfo eram novidade no momento em que ele escrevia. O interes de sua obra est, entre ‘utras cosas, na fundamentacdo que dé A replica, na poigmica implica com Rousseau na afirmacso da primazia do individuo (0 que se contraporia a Hobbes e, depois, a Hegel © a Marx). A propésito,caberia recordar o principio orientador de todo o edi: Gio politica kantiano. A forma republican realiza o imperativo ategorico da vida social: A combinacdo {das relagdes de coorde- nagdo e subordinagdo entre os poderes]assegura a cada um 0 que justo ede direto” (ef. MES, p. 81), Para encerrar esta seqdo sobre a repiblica, cabe uma referén- cia as condigées da. mudango poica. J4 sabemos que Kant negs terminantemente a0 povo 0 direto a revolusdo. Como coneliar, portanto, a constatazio de imperfeigSes constiusionas e o dever de aperiigoar as consttuigSes no sentido republicano? A resposta simples: as reformas necesirias dever ser efetuadas pelo sobe no, através do poder leislaivo, e 6 por ele. Os dois processos sto ‘qualitativamente dstntos: a revolugdoaltera, ou substitu, a Cons titugdo pela via direta da insurregéo popular; as reformas sao {ntodusidas pelos poderesesabelecdos, por via institucional, mesmo ‘que envolvam a deposicao do chefe do exccutivo (cf. MEJ, p88). ‘Com base na sua concepcdo de reforma, Kant opde-se 20 "dirito de oposigdo popular” através de deputados. Uma coisa ¢ sobe ‘ano, a vontade unida do povo; outta coisa € 0 povo, que se com- ‘Ge de opines ¢interesss particularesdiverss (‘a unanimidade 46 se aleanga na guerra”), Cada deputado encarns aquela vontade; « por isso nto thes & permitido, segundo um prinepio de justiga, ‘gir por instgasdo dieta de seus eleitore. A filosofia da histéria No plano mais geral da Glosofia como progresso da da histéra, Kant procura demons- humanidade trar que a humanidade progrde © ‘que 0 progresso humano s6 pode Ser um aperfeicoamento moral. Mas como garantr que progtedi mos se no somes “inerente¢ inalteravelmente bons"? Curioss- mente, Kant admite que, para demonstrar a nossa predisposigao ‘0 progresso moral, € necessiro buscar na hitéria um evento cam- probatério. Esse evento deve tet sido produzido pelos homens agindo livtemente. Ademais, no se deve consideré-o como causa do progresso, no setido de que, ocorrendo, seguem-se avangos pr ticosimediatos prvisves. Este evento serdt8o-somente um signa a predisposigdo moral dos homens 20 progresso, cujot efeitos, embora ndo previsiveis no tempo, se fardo sentir inevtavelmente na histéra. E qual ¢ esse evento? a simpatia pela causa da liber- ddade nos grandes confrontos revoluciondrios. A simpatiaé um bom signo porque ela ¢ universal (manifesta-se em todos 08 paises) © desinteressada (em virios pases, manifesta ara arepressio poi tica). Naturalmente, Kant tem em mente a Revolugdo Francesa, ‘que desperta no coragio dos especadores uma simpatia que ‘© entusiasmo”:escolhemos eatusisticamente lado da justia (pols {odo povo tem o dreto de dar-se uma Constituigao)¢ dt republica Gorque ¢ a melhor Consttuigdo € porque ela cra obstculos & guerra ofensiva) (ef. “An old question.” p. 142-6. ‘Num outro trabalio, o progress se apresenta como passagem do estado de tutela & msioridade: 0 aprendizado da razio (ct. “What is enlightenment?” p. 4). Nessa verso, o procedimento & dedutivo e as conclusdes sfo muito otimistas. A histria universal, fem suma, €a histéria natural do progresso da razfo, tal como s¢ ‘observa no enstio Zdéia para uma histéria universal. organizado em forma de nove feses encadeadas. A primeira tese, com suas rs- Sondncas arstotdicas, jt deina entrever o percureo © 0 resultado do argumento: “Todas as capacidades naturals de uma cratura S80 destnadas a desenvolver-se completamente aé a sua fnalidade natu- ral”, Trata-se, portanto, de um processo inevitivel. A segunda tese sustenta que o desenvolvimento das faculdades raionais se observa tng raga humana como um todo, ¢ no em trajetéras indviduais. ‘A tercia ese apresenta 0 progreso como raconalizagdo do mundo, ‘em particular das relagbes sociais e politica, tal como indicam fs teses subseqientes, A histéria humana tende para 0 “Estado per feitamente constituido” (ef. Idea, p. 11-26). A dialética kantiana importa reter aqui o significado geral da histéria ddo pensamento Kantiano sobre 0 pro- : ‘gresso humano: a politica, como ati- vidade de elaboragio e aperfeigoamento constitucional, & um pro- ‘cesso de raconaliapdo das relagSes entre os homens ¢ entre os Esta- dos. Mas 0 progres no é um processo répido, nem indotor. Ele lento, enganoso e sobretudo contradirio. A humanidade avanga, por efeito da contradtoriedade das opinides, dos nereses particu. ares e dos inteessesnacionas. ‘As opinides devem entrechocar-se livemente. Kant def ‘esse ponto de vista em ""O que € a ilustrago?”. Mas 0 que sgni- fica exatemente isto? Desde logo, & preciso nil nos enganarmos ‘com 6 que se poderia denominat“ailusdo reolucionéria’”. © povo febelado, s0b a lideranca de politicos ilustrados, pode derrubar fam tirano, mas iso ndo altera seu nivel cultural (ef Idea, p. 93). Em conseqdtnea, “novos preconceltos substitu os antigos para rear as grandes masasignorantes” (cf. “What is enlightenment?” 1.3). 0 verdadeiro camino € a liberdade, e, coneretamente, a liber: ‘ade de opinido e de imprensa. O soberano no é dino, e pode tear; énecessirio, portanto,conceder aos cidados, com o benepld- {to do proprio eoberano, 0 drsto de emitir publcamente suas opi hides e a liberdade de excrever. O alargamento do debate piblico & ‘condigao do progresso (cf. TP, p. 47 ‘Outra mola do progresso 0 conflito de interests individuss, bem como de interessesnacionais. Aqui, 0 progresso aparece como zmera resultant nfo intencional da interacdo humana; ele manifesta tama “finalidade secrta da natureza", Sem o'*natural antagonismo entre os homens”, escreve Kant, “todas as excelentes capacidades naturais da humanidade permaneceriam para sempre adormecidas {ro agradegamor, porianto, & natureza, pela incompatbilidade, pela cruel vaidade competitiva, plo insacldvel descjo de posse € ‘ominagio (prdprios dos homens)" (ef. Idea, p. 16). Da mesma forma, © progress em diresdo & paz internacional contém em si © ‘momento necessirio da guerra: slo as guerras que, “depois de devastapses, revolupbes e até a completa exaustdo, conduzem [0s homens] aquilo que a razko podera ter ensinado a cles desde oini- co fo)” (Ch Ide, p. 18-9), © entendimento Kantiano do “‘antagonismo natural” & bas- tante peculiar no campo do jusnatualismo, Em Hobbes, Rousseat ¢ Locke, 0 antagonismo tem signo negatvo, seja porque é a anti- tese da sociabilidade, seja porque nfo traz nada de bom, O antago- nism kantiano nfo € incompativel com a sociablidade natural nem com a sociedade civil — nisso ele se diferencia dos dois primeiros autores ctados. Ademais — e nso ele se diferencia dos és —, ele ribui ao antagonismo humano uma funglo positiva: a competigio «a guerra nfo se rlacionam &justigae & paz como termos imedia- tamente antitéteos, mas como mediagbes do progresso, Nio seria excessvo descobrir no pensamento kantiano sobre a histria uma espe de alti da iustrapto", em que a razio progride no pelo confronto da razKo consigo propria, como em Hegel, mas pela negatividade persstente das paixdes humans. Note-se,enfim, que «4 dedugdo kantiana de padres ideais — que na pollca em particu- lar funcionam como idtias reguladoras que se impdem pratcamente ‘os governantes — nfo parece conduzir a afirmago de que eles se realizaréo fatal ¢ coneretamente na histria. Antes, pode-se arguit ‘que 0 hiato entre a raxdo ea matéria da existEncia social é elemento constitutive do sistema kantiano. A filosofia de Kant sobre 0s movels do progresto é um elogio da divergfncia e da competicdo. O homem Kantiano se assemelha ‘40 homem que, em Adam Smith, por exemplo, visa inaximizar seu Iucro no mercado e, a0 fazE-lo, promove a prosperidade geral. A natureza, para um, 0 mereado, para outro, desempenham ambos Tungdo de ‘mado invsive". Desve ponto de vista, Kant € 0 mais ‘moderno” dos pensadoreslberais lisicos. Ele nfo apenss declara «soberania do individuo como leptima filosoficamente 0 individuo empreendedor. Nao se trata, é claro, para o autor, de celebrar 0 ierese particular enquanto tal, mas de reconeliar ot particular ‘mos em choque com a idéa de uma sociedade justa. No plano da tora do direito, a sociedade jusa (a sociedad regulada por leis ‘emanadas da vontade geral) & pressuposta, e as ages individuals, ‘manifestam apenas a subjtividade de cada um no exeeiio de sua iberdade negativa. No plano da eoria da histri, a socedade ideal emerge progressivamente das agdes individuals enquanto exerccio 4a liberdade natural, pré-contratual, qual, se nfo instauraimedia~ tamente um estado de perfitainjustia, envolve, nfo obstante, @ ‘expropriagio, 0 dominio e a guerra (relacdes de poder). Acconfederago 0 pemanesto kano sobre as el dos Etados res. teens Ean cnn no : {on arqutconicanente de se His —— politica. Mas nele se produz um deslo- cient de tse, Asti se eo verdad segundo 2 Icnuual go progres morals mass itrengo pica cle Tan spunc «recto face necnrn pra ques rite a ge Tah Agate ds parse corre, nessvement, 50> © Impot d vlna mend it Tm sev ena Par perpian, de 1795, Kant isa o& omens tsradoy do seu eno tobe # nese pro dap Asin como incre sos nds constsrsc em focesde ci, ‘ever on Enados,enqanto psoas mori, pacar ent 0 fm Sas hestdaes de aor om rio eeabler, des fora t comunidad ute itreasonl HS, tosai cnreos 205 con. teats omaiona ¢0ltereronal ~ algunas deren. Em princi ner 0 tom ¢fatidcenteRobbesan: "0 estado de ur ene os homes vend ad ad na ¢ 0 xa stra © ado natural eum nado de geste” (PP, p92) Podese spor ue ee tom pessimist rita 0 quar de incesies gues nt Europ, que Kan em sab os aos O “ tad aural de gua ness coe refrese 2 eles entre Entaon tr guns Kan parece ope qual rago de urdiide temo provobria Por onepite,oestaco de atrera nv pas- Stpem pres contre nna tna de penumbra ene a Ma ¢ ota “segunda diferensa tem intima rag com a primis bora defaindo a per eome am prinspo morale prio" Tarlo moral prea dene de nor comands inessvelmene no vend pera (MEI, p a8) cain eee das host ads reaver wn coro ea, en simplemente ea, ete 3 potted © pincio da pz deve mateazarse efetvament fama "conederaso os ado res segundo aa de ma ga das Noyes para me Ein, Lia das Nae cons titui um soberano por sobre os Estados nacionais; por isso, ele pode ser desfeito, e deve ser refeito de tempos em tempos (cf. MEI, p. 116) 'Arelativa materilizagio da idéia da paz aparece também na teflexdo sobre os farores que contribuem para o fim das guerras Por um lado, a paz depende de que em cada pais os poves tenham- se organizado em sociedade juridca. Seo pacto originrio em cada pals cra a repablica, o pacto que constitu a Liga das Nagées pres: supde a replica como regime politico nos paises contratants. A razio disso € simples: a povo nao interessa a guerra e, quando ‘pode manifestars lvremente sobre a questo, declara-se conta ela, (cf. PP, p. 945). Nesse argumento, Kant associa 0 proceso da paz 0 longo e contraitério proceso natural de constitu do Estado segundo a justia. Isso nfo impede, contudo, o chamamento & agdo Politica intencional. Anda que possamos entrever na fermario da Liga das NagOes o trabalho pacente da natureze, a intervenglo poli- tica se faz necessria: “O estado de paz deve ser estabeleido" PP, p. 92). E bem & manera da llustragdo, Kant reserva aos filéso- fos um papel bem determinado no procesto de estabelecimento da paz, No pacto entre os Estados, ele recomenda a inclusto de uma clusula sereta ~ ela deve ser secreta para no causarconstrangi- ‘mento aos governantes — dispondo que “a opinito das filésofos seja considerada pelos Estados beligerantes” (cf, PP, p. 115). ‘A relapto entre politica © moral se explicita nessa passagem, «nas paginas que se seguem. Se se deduz que dever moral ¢ ines: ‘apavel, nfo se pode ao mesmo tempo dizer que nko ¢ possivel cum- prio: ndo hi, portanto, conflito entre morale politica. Mas esses dois concitos nd sio idénticos. A moral referese & douttinated- rica do direto; a politica, & doutrina pritiea do direito. A potica, ‘orientando-se pelos mandamentos incondcionais da razto, envolve ‘escotha prudente dos meios adequados & consecugio dos seus fins. De fato, nio & de esperar, nem é desejavel, que ‘8 tis flosofem © 0s filésofos reinem". Kant justifca sua posigdo dizendo que 0 oder corrompe o livre julgamento da raz8o, Pode-se acrescentar 05 fldsofos, em sua “'pureza de pombas”, corromperiam a neces: Tia “astcia das serpentespoliticas” (ef. PP, p. 116-7). lia e re lidade mantém-se externas uma a outra. A essa tadigto intelectual se associardo Bernstein e Weber, entre outros. A reunifcagdo do ‘ideale do racional seré obra de Hegel, Marx e Rosa Luxemburg, cada um a sua mancira Bibliogratia ACION, H. B. Kon’ moral philosophy. London, Maca, 1970 Bec, L. W. Editors intoduction. In: KaNt,E. On histor. Indanapoks, ‘Bobs Meri, 1977 Bosno, N. Diteto e Estado no pensamento de Emanuel Ken. Brasilia, ‘Unb, 1988. modelo ginsaturaisico. I: ___& Bovexo, M. Soi Stato ‘ala foseflapotica modern. Milano, I Saggiatre, 199. Feinaz Je, Teco S. Conceto de sistema no diet. Sto Paulo, Edsp Revista dos Tebunais, 1976, Kast, E, Groundwork of the metaphysc of morals (GMM). Trad. do ale ‘aio de HJ. 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O jursta ndo poderé responder fa tais questdes a menos que, por um instante, ele abandone os Principios empiricos e investigue a fonte desses juizos na razio pura, a fim de assentar os fundamentos de qualquer leislagdo positiva possivel [.. ‘O conecito de diceito, na medida em que diz rspeito 2 uma obrigagio correspondente (iso é, 0 conceito moral de dirio), Ox weston das aba de Kant au spreuenados fram adios ds verdes em {np dat ean de The mospicalumont of pe “whats her ‘ten "ia fora wea nt rom omnptan po we Pe [al eat « Goundwor ofthe mapa of ray nada Bog ‘aia, Ae frsaer ce The etapa ements of sie, "ere Pa og or ten ene Ronee Preece agen Alo elder eughennen? ede frac ory rom 3 coumope Stn pin of es foram eae Sadr rene om popu fa {a reps por Fan de Sos Fernandes © pr Rodeo ven ot Jit Gor Redo Tert era fees itopaa As plas Oo ieee enches hn do nor pre ecm ‘tise dorsratalhoy oe has, corespondsndo x pasta a to ‘ie Rinpte Prose Atelier Wsnencta Beri OE 19 aplicase primeiro apenas as relagdes externas e préticas de uma pessoa a outra, na medida em que as agdes dela podem ter influen- cia sobre uma outra(mediata ou imediatamente). Segundo, 0 con- cxito de direito nto expressa a relacao do arbitrio de uma pessoa A voiedo do outro consequentemente também nio expressa a rela- ‘lo & mera caréacia), como seria o caso das agdes de benevolencia ou caridade; a0 contririo, expressa apenas a relagdo a0 arbittio do outro. Terceiro, 0 conctito de direito ndo leva em conta a maté- ria do arbitrio, ito é 0 fim que a pessoa pretende atingit por meio do objeto de seu arbitrio [... O dirt, portanto, & 0 con- junto das condicBes sob as quais 0 arbirio de uma pessoa pode ‘er combinado com o arbitsio de uma outra segundo uma lei uni versal de iberdade. © principio universal do direto (230-231) ““E justa toda ago ou méxima da acdo que possa permitir 4 coexisténcia da liberdade do arbitrio de um com a liberdade 4 outro segundo uma lei universal Se, portanto, minha aco ou minha condigdo em geral pode coexistr com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, entdo, quem me impedir de realizar esta agio ou de manter mina condicio comete uma injustia contra mim, na ‘medida em que esse impedimento (esa opasigda) nfo pode voe- ist com a lberdade segundo leis universais Segue-se também daquele principio que nfo se pode exigir ‘de mim que adote como uma das miahas maximas este prineiplo de todas as maximas, isto ¢, fazer desse principio @ méxima da minha a¢do. Pois qualquer um pode ser livre, mesmo que eu seja inteiramente indiferente a sua lberdade, ow mesmo que ‘em meu coracio eu deseje prejudicé-io, contanto que eu ado The cause dano através de uma apdo externa. Que a minha ‘maxima seja agir segundo o dirlto ¢ uma exigencia da ica (€ io do direto) Segue-se que a lei universal do diteto é: aja externamente de maneira que o livre uso de seu arbitrio possa coexistir com 4 liberdade de todos segundo uma lei universal ‘A autorizagdo para usar a cosreto ‘6 vinculada 20 deeto (231) Qualquer oposgso que neutralize o impedimento de um efeto promove ese efetoe &compative com ele. Ora, tudo que ¢injusto ¢ um impedimento a liberdade segundo leis universais. Contudo, 2 ‘coerydo & um impedimento ou oposiglo Siberdade. Conseqiente- mente, se um certo uso da prOprialiberdade for um impedimento 4 Hberdade segundo leis universas (sto €, for injusto), entdo 0 uso 4s coergéo para impedi-lo ¢ compativel com a liberdade segundo Jes unversis, na medida em que &a prevene4o de um impediment 4 liberdade; ou seja,& justo. Segue, pelo principio da contadi- ‘Ho, que ao diretoestévinculada uma autorizago para usar a coer- ‘Ho contra quem o viol. Exiete apenas um dirito inato (237-238), A liberdade Gindependéncia de constrangimento exerido pelo arbitrio de outrem), na medida em que posss coexstir com a lber- dade de cada um dos demais de acordo com uma lei universal, & 0 direito unico e original que pertence a cada ser humano em virtude dd sua humanidade, Repousam no principio da liberdade inata (e nko sto de fato dele dstntos, j que membros da divisio sob um conceito superior 4e dreto) 08 seguintes direitos: a igualdade nat, isto &, no poder ser obrigado por outros a fazer mais do que e pode também, rec- procamente, obrigélos a fazer. Dai também os atributos de um ser hhumano ser 0 sev prdprio senhor (su juris) e da mesma forma Ser ‘um homem repreensive! Gust), na medida em que, antes de qual- ‘quer ato juridico, nfo praticoa injustia contra ninguém. Final- mente, também, 0 direto de fazer alguma coisa aos outros que, por si mesma, nao tire o que € deles,€ que no traria se eles pr pris ndo quisesem se submeter a ela; da mesma forma, comunicar fs pensamentos a outros ou contar-ihes ou prometerthes alguma ‘coisa, nfo importando se © que ¢ dito ¢ verdadero ou falso ¢ deso- esto (verilogulum aut falsiloguium), pois cabe a eles decidir se que rem ou nfo creditar no que ouver, {Divisdo do dreto} (242) A suprema divisio do direito (Natreeh?) nfo pode ser entre 4ireito natura e diteito social, como pensam alguns, mas entre direito naturale dicito civil. O primeiro chama-se direto privado; ‘© segundo, direto puiblico. 0 estado de natureza tio & oposto a0 ‘estado de sociedade, mas &sociedade civil, pos, no estado de natu: reaa, pode haver uma sociedade, mas nio uma sociedade evil (@ ‘qual assepura a propriedade através do dirsto pblico. Por iso, ‘0 direto no estado de natureza chama-e direito privado, ‘A propriedade de colsas externas somente 6 possivel ‘numa sociedade jurdicamento rogulada (255-256), Quando declaro (por palavras ou ator): “Quero que uma coisa extema seja minha’, com isso decaro obrigatério para todos os demais que se abstenham da utlizag2o do objeto do meu arbitio. ‘Tratase de uma obrigagdo que ninguém teria ndo fosse esse meu sto juridico. Contudo, subentende-se nessa pretensio 0 reconheri- mento de estar reciprocamente obrigado para com cada um dos demas a respetar 0 que € dele A obrigagdo aqui envolvida decorre de uma regra universal da relapio juridica externa. Conseqdente- ‘mente, ndo estou obrigado a respeitar a propriedade dos outros, se 0s demais nfo me garantem, em troca, que agirdo exatamente de acordo com o mesmo principio relativamente 20 que € meu. sa garanta ndo exge um ato juridico especial; ela est conida no coneeto de ser externa e jurdicamente vinculada a um dever fem razio da univesaidade — e, logo, também da reciprocidade = de uma obrigasdo derivada de uma regra universal ‘Ora, em relagto a uma posse externa e contingent, uma von- tade unilateral no pode servir como uma le oerctiva para todos, pois isso seria uma violagdo da liberdade segundo les universais Portanto, somente uma vontade vinculando a todos — isto é, uma vontade coletva, universal (¢omum) e dotada de poder — é capaz de fornecer a necessiia garantia, A condigio de subordinayao & ‘uma legisla externa universal (sto , piblica)contendo poder € 4 sociedade civil. Conseqientemente, somente numa sociedade civil ‘podem existe um meu e um seu externos Conclusd: se deve ser de jure possivel possuir um objeto ‘externa come préprio, nto deve-se permite também que sujito ‘brigue cada tum dos demais — com os quals entre em conflto sobre a questio de decidir se um dado objeto ¢ seu — a entrar, junto com ele, numa sociedade sob uma Consiuigdo civil. No estado de natureza pode exist propriedade ‘externa, mas ela 6 apenas provisoria (256-257) ‘Numa socisdade sob uma Consttuisdo civil, © dirito natural {Gso 6, 0 dieto que pode ser dedusido de princpios a priori para tal, Sociedade) no pode str revogado pelo su dco postive. Consequen- femente, permanece em vigor o principio juriico segundo qual tuigdo chil formece a sitapdo juridca sob a qual a propriedade de ‘cada um Ie €assegurada, mas sem estipuare determina qual ja la, ‘Assim, toda garantia j4 pressupge a propriedade de alguém (a quem ela € garantida). Poranto deve-se admitr a possibllidade da propriedade externa — 0 que & seu e meu — antes que a Const- tuiglo civil tenka sido estabelecda (ou sem levila em considera- ‘o), simultaneamente de um direito de obrigar a todos aqueles ‘Som quem nos relacionamos de algum modo ingressar, junto ‘conosco, numa Sociedade sob uma Constituicdo onde a sepuranca da propriedade externa possa ser assegurada, ‘A posse, na perspectivae prepararto da socedade civil cujo fundamento 36 pode sera li da vontade geral — ese al posse & ‘compativel com a possbilldade de tal li —, é uma posse provisria dde jure, Em contraste com exta, a poste numa sociedade civil efe- ‘iva 6 uma posse peremptéria Se 0 sujeito est dsposto ¢ desejoso de ingressar numa socie- dade civil, entio, ates de nelaingresar, ele pode resistrlegiima- mente aqueles que no concordam e desejam perturbéclo em sua posse tempordra, (Ele pode fazer isto legimament] porque, mesmo ‘que a vontade de todos os outros quera impor-the a obriacio de esistr de uma posse particular, ainda assim trata-e de uma von- tade meramente unilateral e, como tal, tem exatamente t8o povca ferca legal para negar sua posse quanto ele, por se lado, tem para afirmé-ia (pois a forga legal apenas pode se encontrar na vontade setal). Eniretanto, a pessoa em questao tem primazia sobre as ‘demas peo fato de que concorda com a introdusdo © 0 estabelesi- mento de uma sociedade cv Em suma, o modo de possuir algo externo como seu no estado de natreza & 8 posse fisica, a qual implica a presunedo juridica de ‘que, através da unio da vontade de todos na legisla public, ea posse se converteré em posse de jure. Enquanto tal no se day a posse € comparativamente consderada como de jure. (Defingfo do dreito pabtico] (311) 0 conjunto daquelas les que requerem promulgasio publica «fim de produzir uma situapio juridica¢ chamado dlreto publico. Portanto, o diteto piblico é um sistema de leis para uma nario isto & uma coletvidade de homens — ou para um conjunto de nagBes. Visto que se influenciam reeiprocamente, para que os homens e nagbes patiipem do dreto vigente requer- uma condi- fo juridca da sociedade. Ou seja, necesstam viver numa soci Gade subordinada a uma vontade que os una — uma Constituipdo (Consttwio. Quando os individuos numa nagdo relacionam-se dessa ‘manera, constituem uma sociedade civ! (sanus civil). Encarada ‘como totalidade em relagdo a seus proprios membros, essa socie- ‘dade civil chamavse Estado (civitas). Devido & que 0 Estado, por sua pr6pria forma, é uma unio que procede do interes de todos em participar de uma sociedade juridicamente regulada, ele & cha- ‘mado republiea (es publicg latus sic dct). Em relagio a ovtras rages, contudo, um Estado é chamado simplesmente um poder (otenta) — dai a palavra “potentado". Quando ha uma prtensio 4e hereditariedade comum, ele ¢ também chamado nacionalidade (en {Diets no estado de naturezal (312) Embora a experitncia nos ensine que 0s homens si violentos ‘e propensos a lutar uns com os outros antes do advento da legs ‘9 coerctva externa, ndo & a experitcia e, portanto, nenhum ato que torna necessira a coerco piblica. Ao contrrio, mesmo imaginando que os homens s20 sempre neturalmente bons e virtuo- $05, laquela necessidade}repousa o priori na idéia racional de um Estado ndo regulado juridicamente em que, antes do ordenamento piiblico da sociedade, homens, nagdes ¢ Estado individuals nao podem ter ceteza de sua seguranca contra a violéncia mitua, por- ‘que cada um terd seu proprio direto de fazer 0 que Ihe parece justo ‘2 bom para si, de maneira interamente independente da opinito ‘dos outros, Consequentemente, sua primeira deciso, se nto deseja renunciar a todos 0s concitos de justia, expressa-se no principio de que deve abandonaro estado de natureza, no qual cada um segue f sua propria eabega, ¢ deve unir-se a todos os demais (com os uals entra em contato ¢ aos quais nfo pode evita), sujeitando-se 1 uma coereo piblica legal externa. Portanto, ele tem de ingressar ‘num estado de soriedade no qual o reconhecimento do que Ihe per tence deve ser leglmente estabelecido e a ele assegurado por umn poder que nfo € o seu préprio, mas um poder exterior. Ou seja, antes de qualquer outra coisa, deve ingressar numa sociedade civil bal {0 Estado civil (313) ‘Um Estado (civitas)¢ unido de um conjunto de homens sob as leis do dreto. Na medida em que essas eis slo necessirias a ‘Prove deduzidas dos concitos de dreto externo em geral (sto & ‘do provém do seu estabelesimento positive), a forma do Estado é ‘4 de um Estado em geral, isto €, a idéia do Estado como ele deve set segundo os princpios puros do diteito. Essa idéia serve de _padrdo (norma) para a eftiva unito dos homens em repiblicas Cada Estado contém em si mesmo trés poderes, sto 6,2 Uni ade da vontade geral € composta de t8s pessoas (rls poltea). ‘A soberania estd na pessoa do legislador; @ poder executvo esté ra pessoa do governante (em conformidade com a le) © poder judi cidrio (que reconhece a cada um o que legalmente Ihe perience) esté 1a pessoa do juz (potesaslegistaroria,recori, et julciaria).Essas tres pas assert ei ts proposes em um slogsmo pré- gir segundo a I, isto &, o principio de subsungio & lei, € a pre- rissa menor, ¢ a adjudlcopdo (a sentenga), que desara 0 dirito vigente no eso em questio, & a conclsio, 10 poder logisativo e 0 ckdadlo} (313-315) © poder legislativo somente pode ser atribuido & vontade una. do poro. Visto que todo direto procede deste poder, ele nfo pode de mancira alguma cometr injustiga a ninguém. Quando alguém legisla para outrem, sempre € possivel que cometa uma injustia; ‘mas isso nfo € possivel quando alguém legisla para si mesmo (pois volent non Jit injuria). Donde somente a vontade una ¢ consensual 4e todos — isto €, uma vontade geral una do povo pela qual cada lum decide 0 mesmo para todos e todot decidem © mesmo para cada um — pode legislr. ‘Os membros de tal sociedade (socitas civil), isto €, de um Entado, que estdo unidos para o fim de elaborar les, so chamados cidadéos (ves) Tes sh os atibuts juridicosinseparavelmente vt culados & natureza do cidadio como tal: primeito, a liberdade legal de obedecer somente a Ie qual ele deu seu consentimento; segundo, 8 igualdade civil, que consite em lover, entre seus concidedaos, ninguém superior a ele, mas apenas outra pessoa, possuindo ele a Taculdade moral de obrigtla juriicamente tanto quanto ela pode ‘obrigo; tere, o aributo da independéncia civil, plo qual o cia do deve sua existéncia e sustento ndo ao arbirio de uma outra pes soa, mas a seus propros direitos © poderes como um membro da repiilica (donde sua propria personslidade civil ndo pode se repre sentada por uma outra pessoa em quesides que envolvam direitos) A capacidade de votar caracteriza 0 cidadio. Para estar apto fa votar, uma pessoa deve se independente; nfo apenas partcipar ‘da replica, mas ser um membro dela, st &, por seu proprio abi toi ser uma parte ativa da replica Essa qualidade torna neessé- fia a ditingfo entre cidadtos ativos ecidadios passives, embora 0 ‘imo conceito paresa contradzer 0 conceito de cdadio em geal (0s exemplos seguintes podem servr para esclarecer esa dificuldade: tum aprendiz de comerciante ou artesio; um empregado (nao a ser- Vigo do Estado); um menor (naturalitr vel ever, todas as mulhe- tes de modo geral os que dependem de outrem (que nto seja 0 Esfado) para o seu sustento (subsisténcia eproterdo) — todas essas pessoas careem de personalidade civil.) Essa dependéncia com respelto & Vontade de outros € desi- sualdade que ela envolve nio sdo, de manera alguma, ineompat ‘eis com a liberdade ¢ igualdade proprias dos homens enquanto eres humanos, 05 quais, em conjunto, constituem um povo. Ao contrario, & apenas se conformando com esa stuagdo que © povo pode se tornar um Estado e adotar uma Constituigéo civil. Con- fudo, sob essa Constiulggo, nem todos qualiicam-se igualmente para ter 0 drcto de votar, isto ¢, para serum cidadao ¢ nfo sim- plesmente um sito. Se éverdade que, enquanto elementos pass tas do Estado, podem sinda assim exigir que 05 outros os trate Segundo as es daliberdadeejgualdade natras, disso nao se depreen- 4e que tenham o dirito de conduziro Estado, de elaborar etrabe- Thar para aintrodueio de les partculares na qualidade de cidadsos ativos; depreende-se apenas que, quaisquer que sejam as lis acorda- das pelos cidados, ndo podem ser incompatveis com a leis natu- tals da liberdade e com a igualdade que se harmoniza com ess liber- dade, a saber, a igualdade segundo a qual cada um € capaz de pas- sar da cidadania passiva a cidadania ativa, {0 contratooriginéro) (316-316) (0s tts poderes do Estado sto dignos de respeitoe, enquanto necessrios i formagio do Estado (Constituisdo), conforme se deduz a iia de Estado em geral, s40 dlgnidades estaais. Bes encaraam fa relagdo entre um soberana universal (que, do ponto de vista das kris da iberdade, s6 pode ser 0 povo unido) e o conjunto dos ind- duos enquanto sites, isto &, 2 relasto ene 0 comandont (impe- rans) € 0 que obedece (subditus). 0 ato pelo qual 0 proprio povo se ‘constitu em Estado — embora, na verdade, apenas a dé de Esado, segundo a qual pode ser pensada a sua legtimidade — ¢ 0 contrato ‘origindrio. Segundo 0 contrato orsinrio, todos (omnes et singul) no povo abrem mao de sua iberdade externa a fim de reavea de ‘novo como membros de uma repibica, iso é, enquanto povo visto como Estado (univers). Portanto nao podemos dizer que no Estado ‘um homem tenha sacrficado uma parte de sua liberdade externa Inata por algum propésito particular; a0 contrario, deveros dizer due ele abandonou completamente sua liberdadeselvagem, sem ei, fim de recuperi-la por inte num émbito de relagds legals de Adependncia, isto é, numa socedade juridicamente reguads, 4 que esta dependéncia deriva de sua prOpria vontade lgiatva IRolagdes mituas entre os tre podares) (318) 0 trés poderes do Estado esto relacionados entre si de wr ‘maneiras. Primero, considerados como te8s pessoas morais, so coordenados (porestaes'coordenata), isto &, um serve de comple- ‘mento 20s outros para que se complete @ Consitulgdo do Estado (complementum ad suffcientiam).. Segundo, so subordinados (Gubordinata) uns aos outros de tal forma que wm nda pode usur- par a funpio dos outros, que ali esfo para ajudé-o. Ao invés disso, cada um tem seu proprio principio, isto é, emborateaha poder de mando enquanto pessoa particular, somente 0 faz condicionado pela vontade de uma pessoa superior. Terelro, a combinagio das dans relapdes asegura a cada sito 0 que ¢ justo ede direto. tl 1A boa disposipo (das Hell] do Estado} (318) ‘Assim, exstem tts poderesdistinos(potestaslegislatora,exe- ‘utoria,judiciara)stravés dos quais 0 Estado (evitas)adquire sua autonomia, ito é, forma-te e mantém-se de acordo com as les da liberdade. A boa dsposicdo do Estado consiste na sua unio (sls ‘elpublice suprema lex es), embora nlo deva ser confundida com (© Demestar ((das Woh] ea felicidade dos seus cidadios, pois estes podem talvez ser alcancados mais fel e comodamente no estado ‘Se natureza (como Rousseau sustentava) ou mesmo sob um governo despérico. O que se designa pela expressio ‘a boa disposicdo do Estado" é a situapdo em que a Constituigio se conforma estreita- mente aos prinepios do direito, iso é, o estado de coisas que a ‘azo nos obrigs a buscar através de um imperativo ategoric. [Resist autoridede suprema 6 Hgall (320), dever do povo suportar mesmo os abusos mais intolerdveis ‘or parte da leislacdo suprema. O fundamento disso € que aresis- {@ocia a legislagdo suprema s6 pode ser legal, ov seja, temos de pens-la como destruicio da Constiuigo legal, pos para legiima. Jn seria necessdria uma lei piblica que a permitise. Ou seja a legis Jago suprema teria de estipular que nfo € suprema e que, no mesmo julzo, 0 povo, como sidito, se tornaria soberano daquele @ quem € subordinado. A contradiydo aqui torma-se evidete se nos pergun- tarmos quem poderia servir de drbtro nessa disputa entre 0 povo «© 0 soberano (porquanto do ponto de vista juridico, eles ainda so «duas pessoas morais distintas) (Nessa disputa]& claro que 0 povo ‘quer agir como drbito em causa propria. {0 Estado ideal] (340), ‘Nao obstante, tem de ser possvel ao soberano mudar a Cons- tituiedo vigente caso ela no esejaintiramente de acordo com & {dia do contratooriginéro, introdurindo, por melo dessa mudanca, 4 forma consitucional, que € essencil para que 0 povo consitua ‘um Estado. Essa mudanga ndo pode ser tal que 0 Estado passe de ‘uma forma a outra; nao € possvel, por exemplo, que os aisocrs tas concordem entre si para submeterse a uma autocracia, para converter-se numa democracia ou vice-verss, pois, atsim fazendo, 0 soberano estaria agindo como se fosse uma questéo de sua livre escolha © agrado a deisio sobre qual tipo de Constituigdo ele quer {que 0 povo obedera. Mesmo st 0 soberano deidisse transformar- se numa democracia, cometeria uma injustiga para com 0 povo, Porque o préprio povo pode abominar esa forma de Constitugéo, e julear que uma das outras duas Ihe é mais benéfca, ‘As formas do Estado sfo apenas a ler (litera) da legislacto origindria da sociedade civil, podem permanccer — jd que peren- ‘em aos mecanismos da Consttuigfo do Estado — enquanto forem ‘encaradas, por meio de velhos costumes (e, portanto, apenas subjet- ‘vamente), como necesérias. Contudo, 0 espiito daquele conrato ‘origndrio (anima pact origina) acareta para a autoridade const- ‘ida a obrigacdo de conformar a forma de governo & ida do con- ‘rato ¢, por consegunte, de reformislo de mancira continua € dua, s¢ isto ndo puder ser feito de uma s6 vez. Dessa manera, 0 [Extado tomard a forma da dnica Constiuigdo legitima, a saber, & repiblica pura. Assim, aquelas antigas formas empiricas (positva- mente definidas na legisiacio) do Estado, cua nia serventia¢sujei- {aro povo, tm dese transformadas na forma origindra (acional), que &a unica que Faz da liderdade o seu principio e, na verdade, condi do uso da coergdo. A coerdo ¢necessria para a Consitui- ‘0 jurigica do Estado em sentido proprio e, quando isso tver sido fealizao, o esprito da Consituipd também teré se tornado a letra. Essa Coasttuigdo (repubicana]éa nica Consttugo politica luradoura, na qual a lei ¢ autBnoma e nfo esta vinculada a nenhuma pessoa em particular. Ela € 0 fim iltimo de todo o direto pblico ‘© tinca situagdo em que cada pessoa recede 0 que Ihe € devido peremptoriamente ‘Toda repiblica verdadira € e ndo pode ser outra coisa sendo um sistema representativo do povo, para a defesa dos seus direitos, [Essa defesa se faz em nome do préprio povo, através da unido de todos os cidados, por meio de seus representantes (deputados). 0 que 6 a ilustragdo (35-40) A itustragdo (Anfklarung) €@saida do homem de sua menori- dode, da qual ele ¢ 0 prépro responsével. A menoridade€ a incap Cidade de fazer uso do entendimento sem a condugdo de um outro. © homem é 0 préprio eulpado dessa menoridade quando sua causa reside nfo na falta de entendimento, mas na falta de resolugdo € coragem para sto sem a condugio de um outro. Sapere aude! “Tenha coragem de usar seu praprio entendimento!” — esse € 0 ema da iustrapio, reguga ¢ covardia sio as razdes pelas quais uma to grande parcela da humanidade permanece ne menoridade mesmo depois Aue a natureza a liberou da condo externa (naturaliter maioren- rns); © esas sio também as razdes peas quais € to fécil para ‘outros manterem-se como seus guardides. E eSmodo ser menor. Se tenho um livro que substiui meu entendimento, um dizetor espi- ritual que tem uma conscincia por mim, um médico que decide sobre a minha dita e asim por diante, nfo preciso me esfrsar. io preciso pensar, se puder pagar: outros prontamenteassumirio por mim o trabalho penoso. ‘Que a passagem & maioridade seja vida como muito difeil € perigora pela maior parte da humanidade (e por todo 0 belo sexo) ddevese a que os guardies de bom grado se encarregem da sua tela, Inicialmente os guardides domesticam 0 seu gado, certf- camse de que essascriaturas plicidas ndo ousario dar um nico ‘asso sem seus cabrestos; em seguida, 0s guardides Ihes mostram ‘© perigo que as ameaca caso eas tentem marchar sozinas. Na ver- dade, esse perigo ndo € to grande. Apds algumas quedss, as pes- soas aprendem a andar sozinhas. Mas cai uma vez as intimida € ‘comumente as amedronta para as tentativas ultriores. muito difel para um individuo isolado libertar-se da sua rmenoridade quando ela tornow-se quase a sua naturea [.). Mas que o piblico se eslarea a si mesmo & muito perfit- mente possvel; se lhe for assegurada alberdade, € quase certo que Jss0 ocorra.. Sempre haverd alguns pensadores independentes, ‘mesmo entre os guardides das grandes massas, que, depois de trem te libertado da menoridade, dsseminardo o esprito de reconheei- ‘mento racional tanto de sua propria dignidade quanto da vocardo de todo homem para pensar por si mesmo, Mas notese que 0 piiblico, que de inicio foi redusido & tutla por seus puardides, ‘obriga-os a permanecer sob jugo, quando ¢ estimulado ase rebelar por guardides que, eles propris, sd incapazes de qualquer ilustra ‘40. Isso mostra quio nocivo & semear preconceltos; mais tarde, ‘oltam-se contra seus autores ou predecesores. Sendo assim, ape- 5 lentamente © pablo pode alcangar a iustragio. Talver a

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