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ecebido em 24172010, aprovado em 181072011 Sieponvel em as 2091 ‘valad peo ssiema double Ding review Er cenit loner Farah Jee Wi Ist ase. 3805 Accountability na Administracéo Publica: Modelos Teéricos e Abordagens Accountability in Public Administration: Theoretical Models and Approaches Arlindo Carvalho Rochat RESUMO © objetivo deste trabalho apresentar e discutir as diferentes abordagens da accountability frente aos diferentes modelos teéricos da administragao publica, Trata-se de um estudo de natureza exploratéria ¢ analitico-descritiva no qual se buscou nao s6 conhecer o signilicado da accovattability, mas, e principalmente, compreender como e porque a accortiability assume determinadas caracteristicas quando vista a luz dos modelos de aciministracao publica desenvolvidos por Ketll (2000) e por Denhardt e Denhardt (2007): 0 modelo classico ou da Administracao Piblica Tradicional; o modelo da Nova Gestao Publica; ¢ 0 modelo do Novo Servigo Pablico. Ademais, e como resultado dessa discussio, mostrar que as concepgses desses modelos apresentam sistematicos deficit de accountability. Nesse sentido, propoe-se, inicialmente, uma definicao para a acconniabilty como forma de desenvolver a discussao dos modelos teoricos considerados e, a seguit, como a accountability € concebida no Ambito de cada um desses modelos, Finalmente, considerando que a pratica e 0 proprio conceito de accourinbility sao questoes novasno ambito da sociedade brasileira, é necessario considerar ‘95 novos desafios propostos pelo tamanho e pela crescente complexidade das sociedades modernas aliados asnovas vis0es da administracdo publica trazidas por esses modelos. Tais desatios exigem novas formas de agir e de pensar a accountability que, além de estabelecerem ¢ reforcarem a confianca piiblica no desempenho governamental, o facam também, e principalmente, em relacao ao servigo publico e aos seus servidores, Palavras chave: Accountability; Modelos teoricos; Administracao publica. ABSTRACT This paper examines the appronches to accountability presented in different theoretical motes of public adhninstration tnd thy fhe concept takes ont daternine’ chnvnciersties in fese diferent mols: Traitional Public Adinistntion; New Public Maogement and New Public Serece. Ataysisrevenls systematic lapses or deficit of aconatabiity i alt af these models. We begin by providing m general defotion far the concept of accountability as a basis for developing the discussion of hoc accountability is trented in the contevé ofeach ofthese models. Given te fact that the practice of accountability and, indeed, the very concept of accountatality are new ines wexthin Brazition society, consideration 1s git to new challonges posed by the size and growing complexity of modern societies i the light of the mppronches to public administration embodied in the models under study. These chatlenges require new rays of thinking about and prneticing accountability inorder to establish and strengthen pre confidence in government performance inthe public Service andi publi seromts. Key words: Accountability; Theoretical models; Public administration, * Universidade do Estado de Santa Celerina ~e2aer@usese br Cicer asa «TE 82 ‘rind Carvalno Rocra 1 INTRODUCAO Muito se tem falado e escrito sobre account tability, Mas, nem sempre ao se tratar desse as- sunto o tema ¢ abordado sob uma perspectiva correta. E comum observar-se a mistura de con- ceitos ¢ abordagens relacionados a diferentes perspectivas e visoes da accountability para ten- tar explicar ou mesmo criticar fatos e procedi- mentos do cotidiano da administracao pitblica, ‘Um exempplo sao as criticas & atuagao e a0 desempenho dos érgaos de controle, especial- mente aos tribunais de contas no Brasil. Nao ¢ incomum ouvirem-se comentarios sobre a sua ineficiéncia, ressaltando que tais érgaos 56 se preocupam em fiscalizar a conformidade da execucdo dos gastos priblicos, deixando de lado outros aspectos importantes da atividade pi- blica, em especial os resultados, efeitos e impac- tos desses gastos para a sociedade. Ecerto que a maioria dos tribunais de con- tas limita-se a atuacao focada nos padroes tradi- cionais de controle, restritos 4 verificacao da conformiidade e da legalidade das despesas pri- blicas, como demonstram varias pesqutisas con- duzidas junto aos tribunais de contas estaduais brasileiros (Barros, 2000; Abrucio, Arantes, & Teixeira, 2005). Mas, dat a classifica-los como ineficientes, uma vez que nao respondem aos anseios de promocao da accountability daqueles que os imaginam atuando de forma “ampla e completa” em todos os aspectos “pertinentes” relacionados a ativicade piiblica, é nao entender a logica e o referencial te6rico, baseados nos quais os tribunais de contas foram criados, e que delimitam, ainda hoje, o seu funcionamento; ¢ desconsiderar todo 0 aporte te6rico que mode- Jou a administracao publica desde a sua origem; 6 desconhecer toda a construcao tedrica de Max Weber sobre as organizacoes buracraticas. Por outro lado, afirmar que, com base na priorizagao do desempenho em detrimento ou em substituicao ao controle dos procedimentos administrativos, representa e redencao e a rein- vencao do governo pode ser perfeitamente coe- rente ao se imaginar (e teorizar sobre) 0 governo como uma grande empresa. Mas tal afirmativa parecera descabida ao se considerar 0 governo sob qualquer outro angulo que nao o da esfera privada, como parecer também descabida se 0 governo for considerado como algo mais do que uma mera (ainda que complexa) organizacao ‘burocratica Quando se focaliza a nccowntiability funda- mentada numa perspectiva mais ampla, com base nao apenas nas suas formas e processos, mas em uma visao na qual suyja como um ins- trumento a servico dos ideais democraticos de sum pais, as posicbes daqueles que a vem como ‘uum mero instrumento de controle de resultados, ou daqueles que a supoem como um mero con- tole de processos garantidores da prestagao de servigos ptiblicos eficientes, podem ser facil- mente criticadas sob o argumento do desconhe- cimento e da desconsideracdo pela complexida- de das fungoes desempenhadas pelos adminis- tradores piiblicos nas sociedades contempora- neas, nas quais mais do que governar, os admi- nistradores priblicos tem o dever de buscar aquilo que Platao, Aristételes e Cicero trataram de “o bem comum’. E sao criticas coerentes na medida em que se percebe que a administracao priblica nao 6 constituida e nao pode ser discutida sob uma tinica abordagem, isolada cle seu contexto ted- rico e que, de igual forma, a accountability & con. cebida com base em variados espacos e mo- delos, e nao pode ser vista como um fenomeno tinico ou mesmo homogéneo e isolado do con- texto administrativo que Ihe da sustentacao. Mas, entaio, quem tem razao? Embora nao se pretenda responder a essa questao, € facil vis- fumbrar, ao se analisarem as concepgoes tedri- cas dos modelos de administracao piiblica, que cada um deles apresenta dilerentes perspectivas e visdes dos variados espacos e contextos admi- nistrativos em que a accountability & assumida. Porém, em todos eles ocorrem circunstancias em que nao 6 possivel perceber ou definir de que forma e para quem a accountability ou sera possivel. Dai, ser da essencia deste trabalho (1) buscar compreender como e por que a accourta- bility assume determinadas caracteristicas quando vista sob a 6tica de diferentes modelos tedricos da administracao priblica; e (2) mostrar que, a par das diferentes abordagens presentes em cada um dos modelos estudados, todos eles apresentam deficit de accountability. Conia Geta Garena Bria www Top D-H nal TATT 83 Accounabty ra Administra Pblca: Modelos Tericas e Abordaoens Trata.se, portanto, de um estudo de natu- reza exploratéria e analitico-descritiva, no qual se busca nao s6 conhecer © significado da accountability, mas, e principalmente, compre- ender e distinguir as suas diferentes abordagens no ambito dos tres modelos de administracao ptiblica discutidos: © modelo classico ou da Ad- miinistragao Piiblica Tradicional (APT); 0 mo- delo da Nova Gestao Priblica (NGP); e 0 modelo do Novo Servico Puiblico (NSP). Com base nesse objetivo, este artigo esta organizado em seis partes que se iniciam nesta introducao. Na segunda parte discute-se 0 con- ceito da accountability como forma de avaliacao ¢ responsabilizacio dos agentes ptiblicos. A. ter- ceira, a quarta ea quinta partes so dedicadas & apresentagao e a discussao de cada um dos trés ptincipais modelos te6ricos da administragao pit- blica, suas abordagens e deficit de accountability. A sexta parte do artigo é composta de uma sintese dessa discussao. Na sétima parte so apresenta- das algumas consideragdes finais ressaltando-se a nacessidade de mais pesquisas ¢ estudos com vis- tas a identificar, analisar e responder as muitas questoes que ainda envolvem a accowitability, mormente em face das novas propostas e aborda- gens tedricas que estao a exigir novas formas de agit e pensar a accountability que restabelecam e reforcem a confianca publica nao s6 no desempe- nho governamental, mas, e principalmente, no servigo ptiblico e nos seus serviciores. Finalmente, aoitava parte contém as referencias bibliograticas utilizadas para a elaboragao deste artigo. 2 ACCOUNTABILITY, UMA DEFINICAO, A democracia conforme se entende hoje, assenta-se no exercicio do poder soberano pelo povo e na extensao dos direitos de cidadania a todos os individuos. Se, anteriormente, os sobe- ranos eram 0s detentores do poder absohuto so- bre seus stiditos e somente respondiam por seus atos perante Deus, os representantes politicos nos estados modernos devem responder por seus atos perante 0 povo que os escolheu. Numa democracia, 0 voto dado a um representante politico nao Ihe concede poder soberano, mas, tao somente, a obrigacao de exercer o poder em nome e em beneficio do povo. (Bobbio, 2007) Cobia, Geneon Basle wT Essa evoluicao, no entanto, trouxe consigo novas responsabilidades para a sociedade, que se vit instada a responder por uma dupla obri- gacao: dos cidadaos, de manter uma estreita vi- gilancia sobre o uso do poder concedido aqueles que foram escolhidos para governd-los; e dos governantes de prestar contas das suas aces 05 cidadaos que os escolheram. Dai, um dos problemas mais importantes dos regimes de- mocréticos modernos consiste em desenvolver formas e instrumentos de accountability, isto processos de avaliagao e responsabilizagao per- manente dos agentes piblicos que permitam ao cidadao controlar exercicio do poder concedi- do aos seus representantes. E Bobbio (2007, p. 146) quem afirma que, “toda a historia do pensamento politico pode ser considerada como uma fonga, ininterrupta e apaixonada discussao em torno dos varios mo- dos de limitar 0 poder: entre eles esta o método democratico” Também Schedler (1999), ao escrever so- bre o tema, questiona: “Qual é a essencia da po- litica? Qual é a principal variavel da ciencia po- litica?” E ele mesmo responde: “O senso comum nos da uma resposta clara: 6 0 poder.” E com- pleta: “Mas como ja sabiam os teéricos classicos: na politica, primeiro vem o poder, em seguida, a necessidade de controla-lo”. Schedler (1999) afirma que os pensadores politicos témt se preo- cupado em saber como manter poder sob con- tole, como domesticé-lo, como evitar abusos, como submeté-lo a determinados procedimen- tos e regras de conduta, Para ele a accountability tomow-se o termo da moda porque expressa a preocupacao continua com a vigilancia em re- lacdo ao exercicio do poder e as consequentes restricoes institucionais sobre o seu exercicio. No entanto, se por um lado a accountability 6 fundamental para a preservagao da democra- cia, por outro é indispensavel 4 participacao dos cidadaos para que ela se realize. Ser cidadao num regime democratico significa possuir uma série de direitos, entre os quais a prerrogativa de participar da escolha de seus governantes ¢ de infhuir nas suas decisdes. Mas significa, tam- bém, uma série de obrigagoes sociais, entre as quais a de participar daquelas atividades dire- tamente vinculadas a selecao dos governantes ¢ pW eaanTaTT 84 ‘rind Carvalno Rocra da vigilancia sobre as suas acoes. Nesse sentido, a participacao 6 a acio empreendida pelo cida- dao no compartilhamento do poder com agen- tes pliblicos visando a tomada de decisao rela- cionada com a comunidade (Roberts, 2004). Xo entanto, a participacao para ser efetiva demanda informacées precisas e confidveis que petmitam ao cidadao construir um quadro refe- rencial da atuacao do governo e, a partir dai, atuar no sentido de exigir que os representantes expliquem as stas acoes, mudem sua forma de agit ou mesmo alterem os objetivos das politicas pliblicas. “Publicizar 0 que se faz, como se faze criar canais de contestacao integram uma di- mensao indispens4vel para que mecanismos de controle social da administracao possam ser efe- tivos.” (IPEA, 2010b, p. 194). Dai, a necessidade de cobrar respostas dos agentes ptiblicos em re- lacao aos anseios e as demandas da sociedade. De acordo com Schediler (1999), a ccoun- tability como forma de cobrar respostas dos go- vemnantes ocorre exatamente porque existem deficiencias nas informacoes que sao passadas a0 ptiblico, “Nese caso, a accountability (como aiswerability) pretende ctiar mais transparéncia em relagao a0 exercicio do poder’. E completa “Se o exercicio do poder fosse transparente, nao seria preciso que alguém fosse accountable. A de- manda por accountubiity origina-se da opaci- dade do poder.” (Schedler, 1999, p. 25). Mas, 0 que significa, efetivamente, a a- countability? O conceito tem sido tratado na lite- ratura de forma abrangente e variada. No en- tanto, a carencia le um significado mais preciso e de wma delimitacao tedrica mais clara, con- forme jé salientado por Ceneviva (2006), tem dificultado o seu entendimentoeasua discussa0 no pais Buscando uma compreensao melhor do conceit de accountability, Pinko e Sacramento (2008) empreenderam uma consulta aos dicio- narios de ingles, lingua da qual se originou o termo, para dai extrair um significado passivel de tradugao e verificagao em dicionarios do tipo Ingles - Portugues. Trabalhando com os dicionarios Oxford Advanced Learner's. Dictionary, Mertiam Webster's Collegiate Dictionary, Leamer’s Dic- tionary of Curent English e, posteriormente com os de Inglés-Portuguies, Vallandro e Vallan- dro e 0 Michaelis Dicionario Pratico, os autores conchafram: (Claro esta, portanto, que de acordo com as fon portugues para exprossar o termo accountability, havendo que trabalhar comma forma compos ta. Buscando tuma sintese, accoutabiity encerra a responsabilidade, a obrigacao e a responsa- bilizaczo de quem ccupa um cargo em prestar contas segundo os parametzos da lei, estando envolvida a possibilidade de énus, o que seria a pena para o nao camprimento desta dirotiva (Pinho & Sacramento, 2008, p. 2). Uma nogao de accowntabitity amplamente aceita diz respeito “al cumplimiento de una obligacién del funcionario piblico de rendir cuentas, sea aum organismo de control, al par- lamento o a la sociedad misma” (CLAD, 2000, p- 329) No plano geral, a accountability se realiza no proceso eleitoral, com 0 cidadao exercendo © seu poder para eleger os seus governantes ¢ representantes. Porém, ela também se realiza no dia a dia da atuacao dos agentes e das orga- nizacées ptiblicas. E ocorre nao s6 baseado nas diferentes instancias de controle no interior da estrutura do estado, mas também mediante o controle exercido pela imprensa, pelas organi- zaghes e associacoes da sociedade civil e pelos prOprios cidadaos, cujas acoes, de alguma for- ma, resultem algum tipo de constrangimento ou sancao (O'Donnell, 1988; Mainwaring, 2005; Rocha, 2008). Esses dois planos de agao da accourttabili- ty foramoriginalmente propostos por’ Donnell (1998) na atual classica divisao em accourtabili- ty vertical e horizontal. Na primeira, a socieda- de exerce o seu poder de premiar ou punir seus governantes e representantes mediante a sua manutengao ou retirada do poder por intermé- dio do voto direto em eleigdes livres, entre ou- tros mecanismos de pressao politica. J a accourt- tbility horizontal € definida como aquela que se efetiva mediante a mittua fiscalizagao entre 08 poderes (cliecks and balances), por meio de 6r- ga05 governamentais que controlam a ativida. de piblica e, principalmente, pela existencia de agéncias estatais com poder, vontade e capaci- Conia Geta Garena Bria www Top D-H nal TATT 85 Accounabty ra Administra Pblca: Modelos Tericas e Abordaoens tacao para supervisionar, avaliar e punir, se for © caso, agentes ou agencias governamentais (©Donnell, 1998) A questao do significado da accountability vertical ¢ horizontal, suscitada pela divisao pro- posta por O'Donnell (1998), tem sido tema de discussdo nos meios academicos, como o fez Schmitter (ano 1999, como citado em Kenney, 2005, p.61) ao argumentar que atores nao gover- namentais, tais como a nvidia, associagdes de classe, movimentos sociais, grandes empresas etc. deveriam ser incluidos como participes ma accountability horizontal. O'Donnell (ano, 1999 como citado em Kenney, 2005, p.61), por seu turno, afirma que a sua classificacao de nccoun- ‘ability vertical e horizontal corresponde auma distingao entre estado e sociedade. Assim, a ac- countability vertical @ exercida pelos atores so- ciais em relacao aos atores estatais, enquanto a accountability horizontal é exercida no interior do proprio estado pelas diversas agencias esta- tais. (Kenney, 2005). Portanto, a accountability vertical é produto da agao politica do cidadao e da sociedade, enquanto a accountability horizon- tal 6 produto de agéncias intemas ao estado. Mainwaring (2005) apresenta classificagao semelhante, Sua proposta distingue a accouttabi- lity eleitoral (ou dos eleitores) da accountability intraestatal. Essa classificacao, segundo o autor, € paralela a de O'Donnell (1998), porém esc mada da conotagao hierarquica e de indepen- dencia que tal metafora sugere, sem misturar os agentes da accountability (estado vs. sociedade), mas preservando a natureza da relagao (hori- zontal vs. vertical). No que diz respeito a accourt- ‘ability intraestatal, o autor explica que ela é usu- almente divida em tres tipos. O primeiro reflete relacaes do tipo “principal-agente”, nas quais um superior hierérquico (principal) designa um subordinado (agente) para cumprir uma deter- minada tarefa. O segundo tipo é constituido pelo sistema legal que estatui freios e limites a atua- cao dos agentes e esta a cargo do Judiciario. Por fim, 0 terceiro tipo ¢ constituido pelos orgaos e entidades com a funcao especitica de fiscalizar e controlar autoridades e organizacdes priblicas, a exemplo dos sistemas de controle interno e dos tribunais de contas no caso brasileiro. O autor também aponta que quaisquer formas de con- Cobia, Geneon Basle wT trole, mesmo nao dispondo da capacidade de sancdo direta em relacao aos agentes piiblicos, podem ser consideradas mecanismos de accout- tubility desde que acionem, de alguma maneira, mecanismos formais de sancao. Miguel (2005), seguindo a mesma linha de raciocinio, aduz que a accountability diz respeito A capacidade que os cidadaos tém de impor san- oes aos governantes, reconduzindo ao cargo aqueles que exerceram bem os seus mandatos e destituindo aqueles que nao o fizeram. E actes- centa que o exercicio da accountability se da pelo controle unituo entre os poderes, mas, sobre- tudo, por meio da prestacao de contas que os representantes devem a sociedade e submeten- do-se periodicamente ao seu veredicto. Também Abrucio e Loureiro (2004, p. 81) definem eecountability como “mecanismos insti- tucionais por meio dos quais os governantes 50 constrangidos a responder, ininterruptamente, Por seus atos ou omissdes perante os governa- dos”. Classificagdes constituidas de forma se- melhante podem ser apontadas nos trabalhos de Kenney (2005), Smulovitz e Peruzzotti (2005), entre outros A accountability pode ser entendida, ainda, como um proceso de avaliacao e responsabili- zacao permanente dos agentes piiblicos, que abrange tanto os eleitos quanto os nomeados ¢ os de carteira, em razao do minus priblico que Ihes é delegado pela sociedade (Rocha, 2008). Dessa forma, pode-se estabelecer um con- ceito para a accountability que enquadre tanto a perspectiva politica do uso do poder delegado, isto 6, a accomrtability vertical associada ao pro- cesso eleitoral, quanto a perspectiva institucio- nal do controle administrativo da acao governa- mental e da consequente prestacao de contas dos gestores piiblicos e sua sujeigao as sangoes, ou seja, a accountability horizontal associada ao controle institucional durante o mandato (O'Donnell, 1988; Abrucio & Loureiro, 2004). Nesse sentido, Rocha (2008, p.3), ao sinte- tizar varias definigbes, aponta a accountability como a “responsabilizacao permanente dos ges- tores ptiblicos em razao dos atos praticados em decorréncia do uso do poder que Ihes ¢ outorga- do pela sociedade”, desde que se estabeleca que a responsabilizacao se dé mediante algum tipo pW eaanTaTT 86 ‘rind Carvalno Rocra de sancao. Portanto, a accountability se realizaré “quando qualquer acto, independente da sua origem, venha a representar alguma forma de sansao, seja ela legal ou moral, e que se reflita em constrangimento ou embaraco efetivo a ati dade do agente piiblico.” (Rocha, 2008, p. 3-4). Importante observar que o cardter de obrigacao embutido no conceito de accountability caracteriza uma responsabilidad objetiva. Di- ferentemente da responsabilidade subjetiva, que vem de dentro da pessoa e se baseia na mo- ralidadee na ética, a responsabilizacao presente na accountability é objetiva, isto é, determinada por uma pessoa perante outra. E se tal respon- sabilidade “nao é sentida subjetivamente (da pessoa perante si mesma) pelo detentor da fun- sao ptiblica, devera ser exigida ‘de fora para dentro’; devera ser compelica pela possibilida- de da atribuicao de prémios e castigos Aquele que se reconhece como responsavel”. (Campos, 1990, p. 3-4). De qualquer forma, como alertam Pinho e Sacramento (2008, p.07), a compreensao do sig- nificado da accountability tem carater progres- sivo e, portanto, nao se esgota. A cada vez que ¢ estudada, acrescentam-se qualificagoes a0 termo” evidenciando a sua elastica capacidade de ampliacao para permanecer dando conta da- quilo que se constituina razao de seu surgimento: garantir que 0 exercicio do poder seja realizado, tao somente, a servigo da res publica.” Como proposicao, pode-se tomar que a accountability como conceito é central para a ad- ministragao publica, e a sua existencia como processo é fundamental para a preservacao da democracia. Todavia, ha que se considerar que a accountability nao é tio simples quanto parece, pois em cada contexto em que é definida parte de premissas diferentes, que devem ser conhe- cidas e reconhecidas para que se possa, de fato, compreendé la. jesse sentido, ao se estuclar a accountability com base nas diferentes visées da administragaio ptiblica, consubstanciadas nos trés_principais modelos teéricos desenvolvidos por Ketll (2000) e por Denhardt e Denhardt (2007), vé-se que a cada um deles correspond uma abordagem es- pecifica de accomntability, as quais serao os obje- tos da discussao ao longo dos proximos topicos. Por outro lado, é pertinente fazer-se uma ressalva sobre a utilizacao de modelos para es- tudar fenomenos complexos. Conforme alertam Salm e Menegasso (2009), “A tentativa de agru- par as praticas administrativas sob grandes ca- tegorias tem sido muitas vezes frustrante. [..]. Na raiz dessa frustracao, esta o grau de genera- lidade e amplitude que alcanca a administracao, bem como, 0 fato de modelos serem incapazes de abranger toda a singularidade da realidade. Galm & Menegasso, 2009, p. 104), Assim, ainda que com a utilizagao de mo- delos se possa, eventualmente, deixar de consi- derar partes da sealidade, seria muito dificil, quando nao impossivel, estudarem-se fenome- nos complexos da magnitude da administracio priblica, se simplificagoes e modelos nao fossem possiveis. Por obvio, pois, a escotha de modelos carece de justificacao. Resta ponderar, no en. tanto, sobre a escolha dos modelos propostos. Aadogao dos modelos da Administragao Publica Tradicional e da Nova Gestao Publica, inicialmente desenvolvidos por Ketll (2000), se justifica por serem modelos amplamente aceitos no meio académico e que articulam a adminis- tragao piiblica de forma bastante completa. Por outro lado, a opeao pelo modelo emergente pro- posto por Denhardt ¢ Denhardt (2007), 0 do Novo Servico Paiblico, ¢ importante nao s6 pela visdo acurada e critica que estes atitores tém do modelo da NGP, mas, e principalmente, pela contribuicdo teérica e pelo enriquecimento con- ceitual que trazem ao debate, nao s6 em telacao aos dois modelos anteriores, mas também em relacao ao modelo que defendem. Por fim, cabe ressaltar que a par da dis- cussao que 6 travada nos meios academicos so- bre a pertinencia das classificacoes da accownta- bility apresentadas pelos varios autores, e muito bem realgada por Ricardo Ceneviva (2006), con- siderar-se-4, para efeitos deste artigo, como ac- countability social aquela exercida diretamente pela sociedade (cidadaos e entidlades da socie- dade civil, inclusive imprensa) sobre os agentes ptiblicos eleitos, nomeados e permanentes; ¢ como accountability mstitucional aquela exerci- da pelo aparato do estado (poderes e érga0s) sobre os seus proprios Grgaos e agentes. Tal tti- lizagao, no entanto, serve apenas para argumen. Conia Geta Garena Bria www Top D-H nal TATT 87 Accounabty ra Administra Pblca: Modelos Tericas e Abordaoens tacao e diferenciacao do que se quer expressar, sem nenhuma pretensao de discutir ou validar a classificacao em si. Assim, a accountability sera institucional quando o processo de avaliagao e responsabilizacao se der no ambito do préprio estado; sera social quando praticado fora dos li mites estatais. 3 AACCOUNTABILITY NA ADMINISTRACAO PUBLICA TRADICIONAL Os fundamentos conceituais sobre os quais se consolidou o modelo te6rico da APT sao, em boa parte, decorrentes do pensamento de Woodrow Wilson, Frederick Winslow Taylor e Max Weber (Behn, 1998). Esse modelo esta presente nas grandes burocracias do estado ¢ € “em larga escala, 0 aparato que 0 estado posstii para produzir o servico piiblico. Suas origens sao as da burocracia, conforme concebida por Weber”, (Salm & Menegasso, 2009, p. 105). De modo geral, a légica que delineia o modelo ¢ concebida com base na premissa de que ha - e deve haver - uma perfeita distincao entre a decisao politica, a qual é responsabili- dade dos lideres politicos eleitos, e a execugao das politicas piiblicas, a qual ¢ da responsabi- lidade dos administradores. Nesse caso, os ad- ministradores sao fundamentalmente respon- saveis pelos processos de implementacao das politicas e respondem por essa implementacao perante os lideres politicos. Nas palavras de Behn (1998, p.28): (© Poder Legislativo estabeleceregras gerais para serem seguidas em varios processos,« unidades reguladoras em varias agéncias do executivo codificam-nas com regulagoes mais detalhadas, Asseauit, a agéncia passa a manter alguns regis- tos, para demonstar que segue tais processes fil econsistentemente, podendo eventualmente omitir um relatério resumido de tais registros Ao mesmo tempo, auditores examinam tais registros detalhadamente, verificando se todos (9 processos foram realmente seguidos (¢ de- tectando qualquer comportamento desonesto), Outros — jomnalistas, orzanizacdes de vigilancia o stalehotlers — também escrutinam a agencia com bastante cuidado, identificando as instancias onde a agéncia falhou ao implementar seus pro- Cobia, Geneon Basle wT prios processos. E quando um padrao de erros emerge, ou um caso particularmente notério € identificado, ou um erro pequeno mas atraente 6 descoberto, comités legislativos realizam audi- Encias e adotam agbes coreetivas, Nesse modelo a accountability se caracte- riza por uma visao hierarquica, formal e juridica da gestao publica. Essa visdo se assenta no pres- suposto de que os administradores nao agem e nao devem agir discricionariamente. Em vez disso, devem agir de forma absolutamente im- pessoal (ou seja, de forma completamente pro- fissional e totalmente desvinculada de qualquer viés politico ou ideolégico) na implementacio das leis, das regras e das normas estabelecidas pelo Legislative e seus agentes eleitos, pelos seus drgaos e agéncias e pelos tribunais, bus- cando as methores praticas administrativas. A ideia que baliza a concepcao da nceouat- tability na APT 6 a de que o bom resultado de uma politica ptiblica é a consequéncia do acerto da decisao politica sobre qual politica publica deva ser implementada, combinada a sua boa implementacao e posterior condugao ce forma correta, Como consequéncia, nao ha a necessi- dade de submissao dos agentes priblicos nao eleitos (nomeados e permanentes) ao processo de accountability social, dado que aeles nao com- pete discutir e decidir sobre as politicas puibli- cas, mas tao somente implementé-las de acordo com as leis e regras procedimentais, bastando, neste caso, para garantir o bom funcionamento do sistema, que sejam accountable quanto a con- formidade com as segras e procedimentos esta- belecidos (accountability institucional) ‘A APT concentra-se em assegurar, por- tanto, a accountability social apenas em relagao aos agentes eleitos, ¢ apenas foca sobre os admi- nistradores a accountability institucional, ja que se espera que sigam os padroes e estejam em conformidade com regras e procedimentos esta- belecidos. Dai, para que a accountability institu. cional se realize, ha a necessidade de se estabe- Iecerem padrdes de acdo objetivos, os quais 80 fixadlos pela lei, pelos regulamentos e pelas nor- mas procedimentais. Ademais, todo 0 proceso 6 concebido e conduzido, apés a existéncia de controles externos. pW eaanTaTT 88 ‘rind Carvalno Rocra Esta continua a ser, de certa forma, a ex- plicagao para a atuacao focada nos padrées tra- dicionais de controle, restritos 4 verificacao da conformidade das despesas priblicas que deter- mina a atuacao da maioria dos érgaos de con- trole, pois representa, ainda hoje, a visto mais comumente associada a accountability @ a res- ponsabilizacao dos agentes ptiblicos (Denhardt & Denhardt, 2007). Em resumo, no modelo da APT a accoun- tability & hierérquica e concebida com base na distingao entre a decisao politica, sob a respon- sabilidade dos Iideres politicos eleitos, sobre quais e como determinadas politicas pablicas sero implantadas, e a implementacao e execu- cdo dessas politicas priblicas, cuja responsabili- dade ¢ dos administradores publicos nomea- dos e permanentes. Nesse caso, os administra- dores sao basicamente responsaveis pelo pro- cesso de implementacao das politicas e respon- dem por essa implantacdo perante os Kderes politicos. JA estes tiltimos, como responsaveis pela decisao politica de qual e como a politica ptiblica devera ser implantada, serao accountable perante os eleitores, A.coeréncia da abordagem da accountability no modelo se da, portanto, depois da concepgao de que o resultado de uma politica ptiblica é a consequencia do acerto da decisao politica com- binada a sta correta implementacao. Nesse caso, a accountability sobre a decisao politica (so- cial) combinada a accountability sobre o processo (institucional) sera suficiente para garantir 0 re- sultado esperado. ‘A questao que se impoe é que, ainda que se pudesse considerar como real a separacao en- tte politica e administracdo, e mesmo que se considere que o administrador sempre ir im- plementar a politica publica da melhor forma possivel, ainda assim, nao se teria, necessaria- mente, a certeza de que os resultados esperados esto sendo (ou foram) obtidos. H4, portanto, de fato, permeando a concepcao tedrica do modelo, um deficit de accountability institucional, isto a falta de previsao em relacao a avaliacao da con- secuctio dos objetives propostos ¢ obtidos ao longo da implementacao das politicas ptiblicas. Essa concepcao de administracao pitblica refletida no modelo da APT, vem de ha muito sofrendo criticas por conta da sua incapacidade de oferecer resposta efetiva ao aumento cons- tante da demanda por mais servigos ptiblicos e de lidar com os custos crescentes desses mes- mos servicos. Por conta disso, jé nos anos de 1980, surgem presses por mudancas para su- perar as suas deficiencias. Como resposta surge © modelo da nova gestao ptiblica. (Salm & Me- negasso, 2008). 4 A ACCOUNTABILITY NA NOVA GESTAO, PUBLICA Esse segundo modelo, que tem em Allen Schick, David Osborn, Ted Gaebler e Al Gore, além de Bresser Pereira no Brasil, alguns de seus ptincipais autores (Salm & Menegasso, 2009), apresenta, num certo sentido, a mesma depen- dencia de medigdes objetivas e controles exter- nos que caracteriza a APT. A diferenca esta, em primeiro lugar, no pressuposto de que a buro- cracia tradicional é ineficaz porque seus contro- Ies focam recursos e nao resultados. Para os de- fensores da NGP, controlar os processos em vez dos resultados conduz a ineficiéncia. Para esca- par dessa ineficiencia, afirmam, ¢ necessério controlar 0s resultados e, nesse sentido, o mo- delo de mercado 6 superior ao modelo buroci tico do setor ptiblico e, portanto, deve ser emu- lado por este. Em segundo lugar, a diferenca se mani- festa também ao reconceituar o cidadao como “consumidor” e “cliente”. A éniase na acao de govermo, afirmam os defensores do modelo, deve ser a de atender as preferencias de seus clientes, expressas nas demandas dos consumi- dores pelos servicos oferecidos Por fim, em terceiro lugar, e de certa forma decorrente das anteriores, est a enfase em priva- tizar, sempre que possivel, a oferta dos servicos ptiblicos e tomar o fornecedor privado desses servigos 0 responsivel pela stia prestagao perante oconsumidor final (Denhardt & Denhardt, 2007) Hi, portanto, uma mudanca da perspectiva pela qual se olha a accountability, abandonando-se uma visao fundamentalmente piblica para ado- tar-se uma visdo essencialmente privada. A ac- countability se caxacteriza, nesse modelo, por uma visao tipicamente de mercado. Conia Geta Garena Bria www Top D-H nal TATT a9 Accounabty ra Administra Pblca: Modelos Tericas e Abordaoens Nos limites do mercado, isto 6, na esfera de acao da empresa privada, os resultados s4o 0 combustivel que movimenta e direciona a em- presa. E nesse ambiente, © administracdor-em- presario é 0 modelo. Esse administrador tem, por imposicao da sua propria condicao de em- presario, ou seja, de um administrador que tem por objeto a empresa e por objetivo levé-la a apresentar os melhores resultados possiveis, grande autonomia e poder de decidir quais as melhores formas de agir para atingir seus obje- tivos. No entanto, quando os defensores da NGP afirmam que o modelo de mercado ¢ supe- rior ao modelo burocratico do setor puiblico e, portanto, aquele deve ser emulado por este, es- t80 propondo, também, que se emule 0 seu mo- delo de administrador-empresdrio. Por conse- guinte, rompem o paradigma tao caro a APT da dicotomia entre a politica e a administracao, até por considerarem-no artificial na sua concepcao e inexistente na pratica. Ou seja, para os teéricos do modelo da NGP a implementacao de qual- quer politica ptiblica sempre iré exigir do admi- nistrador decisbes politicas e, portanto, poder discriciondrio, Sua argumentacao enfatiza 0 ra- ciocinio defencido por Beln (1998) para quem a implementacao de qualquer politica ptiblica ¢ inerentemente politica, sendo impossivel sepa- rar a administracao da politica e a administra- ao do estado. Nas palavras do autor: “Adm nistragao nao € s6 uma questao de eficiencia e regras racionais; mas envolve inerentemente es- collias politicas, [..] Nao importa 0 quanto ten- tem os lideres politicos do executivo e legisla- tivo, eles nao poderao desenvolver wm conjunto de politicas que serao aplicaveis a todas as si- tuacoes.” (Behn, 1998, p.16) Portanto, os tedricos da NGP argumen- tam e defendem que a discricionariedade por parte do administrador piiblico é nao s6 dese- javel como necesséria, j4 que estando na ponta do proceso, é ele que tem as melhores condi- oes de conhecer e atender, de forma imediata e com os melhores resultados, os desejos dos seus “clientes” e “consumidores”. Por consequencia, defendem nao ser razoavel do ponto de vista administrativo, nem eficaz do ponto de vista dos resultados, determinarem-se, a priori, re- gras e procedimentos a serem rigidamente se- Cobia, Geneon Basle wT guidos pelos administradores. Nem que se fi- xem, quando da formulacio de uma politica ptiblica, metas detalliadas a serem cumpridas pelos varios 6rgaos e agencias incumbiclas da sua implantacao. (Behn, 1998). O mais razoavel ¢ eficaz em ambos os casos, é dar auttonomia ao administrador e permitir que as metas sejam fi- xadas pelos proprios 6rgaos e agéncias, ainda que negociadas politicamente. © modelo da NGP concentra-se em asse- gurar 0s resultados da acao do governo, ainda que para tanto ~ ou exatamente por conta disso ~ a rigidez dos padroes, das regras e procedi- mentos possa e deva ser quebrada. Por outro lado, hé também aqui, a necessidade da exis- tencia de controles externas e de que se estabe- lecerem padroes de medicao objetivos para que a nccountability se realize. Agora ja nao mais ba- seados na lei, nos regulamentos e nas normas que definem ¢ estabelecem procedimentos, mas sim em padroes de desempenho e nos resulta- dos esperados. Importante observar, portanto, que o mo- delo pressupde um alto grau de discricionarie- dade na agao dos agentes ptiblicos nao eleitos (nomeados e permanentes), mas nao preve nem explicita os mecanismos pelos quais tais agentes serao accountable em relacao a sociedade (accountability social) quanto as decisbes politi- cas que ventham a tomar. Todavia, também é importante observar que tais mecanismos sao considerados e explicitados em relacdo aos re- sultados apresentados, na forma de auditorias de desempenho (accowrtability institucional) efetuadas pelos érgaos de controle do estado. Garzelay, 2002). Outro aspecto a salientar ¢ que a concep- ao do modelo nao expressa uma maior preocu- pacao com a accountability institucional quanto a conformidade das agoes as leis e aos regulamen- tos. Ao contratio, considera.a pouco relevante e, em geral, inibidora da acdo pré-ativa do ad- ministrador A discricionariedade, aliés, € um aspecto que preocupa os juristas que se dedicam ao es- tudo da administracao publica. Segundo Dallari (2006), quando a lei confere ao agente priblico uma competencia discricionaria, que, pela sua propria natureza pressupde uma pluralidade pW eaanTaTT 90 ‘rind Carvalno Rocra de decisoes e/ou comportamentos, os desvios de poder, isto 6, os atos praticados com finalida- de diversa daquela anunciada, sao facilitados. E os desvios de poder, completa Dallari, para além do vicio juridico, agregam o vicio ético, a intencao de enganar, pelo que sao violados, si- multaneamente, os principios da legalidade e da moralidade, (Dallari, 2008). A visao de accountability posta nesse mo- delo merece a critica de Bovens (2006). © autor considera que, segundo a ideologia da NGP, a accountability ¢ a0 mesmo tempo um instrumento € um propésito em si, pois além de um instru- mento para medir a eficiéncia/eticécia do go- verno, gradualmente passa a ser 0 proprio obje- tivo do governo. Uma das principais criticas ao modelo, no entanto, diz respeito a sua filosofia de mercado, isto é A perspectiva de subordinacao do aparato do estado as concepedes e atitudes préprias do setor privado, as quais, diga-se, nao foram capa- zes até agora de modificar substancialmente as préticas ou estabelecer novos padroes te6ricos para a administracdo publica. (DeLeon & Denthardit, 2000; Salm e Menegasso, 2009). A conchusao 6 que a concepgao da ccou- tability no modelo da NGP parte da premissa de que a implementacao de qualquer politica pi- blica exige do administrador um alto grau de discricionariedade. E esta é necesséria para que ele possa atingir os resultados desejados. A agao dos administradores ¢ verificada e avaliada nao nos processos, mas sim pelos resultados que ve- nham a apresentar. A coeréncia da abordagem da accountability no modelo se dé depois da concepcao de que ¢ © resultado que determina o rumo da acao. resultado € 0 objetivo da acao governamental. Para tanto, ¢ fundamental que o administrador tenha a possibilidade de decidir sobre quais re- sultados deve atingir e qual a melhor forma de atingi-los, e responda pelo sucesso on insuicesso da sia empreitada. Mas, nesse caso, como ques- tiona Behn (1998), ha que se ter muito claro: (1) se todos esta dispostos a aceitar, como regra geral, que os fins justificam os meios. Isto é, a0 se “flexibilizar” a aderéncia esttita do adminis- tradoras leis e normas procedimentais estabele- cidas, e na auséncia de mecanismos concretos ¢ especificos de accountability, como garantir a “razoabilidade” (ainda que apenas do ponto de vista administrative) da acao desse administra dor? (2) De quais resultados se esta falanco? “Quais 540 os melhores resultados e para quem? Quem decide que resultados o governo deve produzir? Quem ira certificar-se de quem res- ponderé pela producao desses resultados? ‘Como ira funcionar esse proceso de accowntabi- lity?”. Eainda: “E possivel permitir que servido- res com poder (evipowered) e capacidade de res- posta, tomem decisoes ¢ sejam inovadores e ainda [as] sim (sic) contar com accowittability de- mocratica?” (Behn, 1998, p. 38). O modelo, conforme se depreende da dis- cussio precedente, apresenta, em sua concep- (ao tebrica, deficit de accountability, quer social, principalmente em relagao ao poder discricio- nario dos agentes ptiblicos nao eleitos, como institucional, em relagao A conformidade da agao cesses mesmos agentes em relagao as leis e regulamentos. ‘A visao de accountability presente no mo- delo da NGP explica em grande parte 0 movi- mento que a partir do final dos anos 80 do sé culo passacto deflagrou algum nivel de mudanga na atuacao dos tribunais de contas e a adocao, ainda que de forma incipiente e cercada de mui- tas desconfiancas, de novas acées consubstan- ciadas na realizagao das Auditorias Operacio- nais (também conhecidas por Auditorias de Gest), as quais, nao por acaso, sto denomina- das em inglés de Performanice Auditing e, tam- bém nao por acaso, foram desenvolvidas e po- pularizadas nos paises que mais se destacaram na implantacao das teorias gerencialistas, nota. damente a Inglaterra, a Austrilia, a Nova Ze- Iandia, os Estados Unidos eo Canada (Barzelay, 2002; Rocha & Quintiere, 2008). 5 A ACCOUNTABILITY NO NOVO SERVICO PUBLICO O terceiro modelo de administracao pti blica, batizado por seus autores de Novo Servi. co Paiblico, constitui-se em uma nova proposta cujas origens remontam também aos anos de 1980, e que tem, entre outros, em H. George Fre- derickson, Car! J. Bellone, Lloyd G. Nigro, Fre- Conia Geta Garena Bria www Top D-H nal TATT u Accounabty ra Administra Pblca: Modelos Tericas e Abordaoens derick C. Thayer, Ross Clayton, Michael M. Harmon, David K. Hart e Robert B. Denhardt, e também em Alberto Guerreiro Ramos, seus principais autores. (Salm é& Menegasso, 2009) Partindo da premissa de que 0 governo nao deve ser conduzido como um negécio, mas sim como uma democracia, a administracao pi- blica € caracterizada por uma nova postura frente aos seus cesatios: a) servir aos cidadaos, nao aos consumiidores; b) buscar 0 interesse pri- lico; ¢) dar mais valor a cidadania do que ao empreendedorismo; d) pensar estrategicamente e agir democraticamente; e) reconhecer que a accountability nao é simples; f) servir ao invés de dirigir [ou controlar]; ¢ g) valorizar as pessoas e nao somente a produtividade. (Denhardt & Denard, 2007). Essa nova visao da administragao pitblica coloca 0 servidor pitblico diante de novas exi- gencias ¢ expectativas de atuacao. Essas novas exigencias e expectativas, que se poderia deno- minar de“dever”, consubstanciam-se em: servir a0s cidadaos e valorizar as pessoas, agir etica- mente, buscar o interesse priblico e defender os principios democraticos. Aconcepsao de ccountability no modelo do NSP ¢ multifacetada, pois reconhece que as fun- oes desempenhadas pelos administradores pi- blicos nas sociedades contemporaneas sao com- plexas. Nao descarta que medidas de controle de eficiencia e de resultados sao importantes, mas, destaca que elas sao insuicientes para abranger todas as expectativas quie a sociedade projeta em relagao aos actministradores pitblicos. Denhardt e Denhardt (2007), ao defende- rem o modelo do NSP, afirmam que 0 foco nos resultados, por si $6, nao satistaz a necessidade da accountability por normas e valores democré- ticos. Os autores enfatizam que focando os re- sultados as organizagées ptiblicas podem pro- duzir significativas melhorias em beneticio das pessoas as quais servem, todavia, isso nao signi- fica considerar que o desempenho e a orienta- a0 para os resultados deva ser 0 objetivo cen- tral norteador da acao governamental. A visto de accountability na proposta do NSP reconhece a sta complexidade e sugere uma reconceituagao do papel do servidor pri- blico como lider, antitriao e emissario do inte- Cobia, Geneon Basle wT resse ptiblico. Mais que isso, como alertam Denhardt e Denhardt (2007), os principios le- gais, constitucionais e democraticos sao a peca central da agao actministrativa responsivel, senclo © seu objetivo final assegurar a capacidade de resposta (responsividade) do governo as prefe- rencias ¢ necessidades dos cicadaos. Portanto, os valores trazidos pelo NSP incluem nao ape- nas “o que” o agente piiblico faz, mas “como” ele faz e “como” ele se comporta ao faze-lo. © modelo concebe a accountability baseda em uma dimensao mais ampla, que pode ser ca- racterizada, de certa forma, pela capacidade do agente pablico de compreender e de responder necessidades e as expectativas dos cidadaos. Analisando a concepcao teérica do mo- delo, verifica-se, aqui também, que nao sao defi- nidos mecanismos pelos quais os agentes puibli- cos nao eleitos (nomeados e permanentes) serao accountable para a sociedade em relacao as deci- s0es politicas que ventham a tomar (accountinbility social). Todavia, a accountability institucional em relacao a conformidade com as regras e pro- cedimentos administrativos estabelecidos e também pelos resultados apresentados, 6 reco- nhecida no modelo. Observe-se, entretanto, que o modelo nao define mecanismos de accountability relaciona- dos a capacidade de resposta (responsividade) e 05 novos valores que a reconceituacao do pa- pel do servidor ptiblico exige. Se determinados valores traduziveis em condutas sdo desejaveis € importantes para 0 exercicio da fungao pt blica, as “nao condutas” devem ser reprovaveis e sancionaveis. E, neste caso, cabe indagar “como” e“para quem’ o servidor sera accountable em relacao ao seu “dever” de servir. Ademais, esse “dever” envolve principios morais e éticos, © que, pela sua propria natureza, dificulta em muito 0 estabelecimento da accountability, prin- cipalmente a institucional, em relacao a esses servidores As criticas ao modelo do NSP sao funda- mentadasno ato de que, “embora contenha prin. cipios merecedores de consideracao por seu cunho democratico”, a proposta ainda requer ela- boracao para que possa ser implementada, pois ainda nao apresenta praticas administrativas con- sistentes. (Salm e Menegasso, 2009 p. 108). pW eaanTaTT 92 ‘rind Carvalno Rocra Em resumo, no modelo do NSP, a ac- countability & tida como multifacetada, absor- vendo nao s6 0 controle de conformidade as Ieis © as normas procedimentais da APT e 0 controle dos resultados da NGP, mas acres- centando um novo e fundamental compo- nente,o “dever” do servidor ptiblico. Todavia, nao deixa claro “como” e “para quem” 0 servi- dor sera recowntble em relagao ao seu “dever”, e como se dara esse processo. Ou seja, na me- dida em que o modelo assume como proprias as formas e proposigdes de accountability pre- sentes nos outros dois, e ainda que nao “im- porte” para si os deficit de accountability ja constatados naqueles modelos, deixar sem resposta, a questio dos deficit de accountability em relagao a responsivicade e as manifesta- oes do “dever” do servidor 6 UMA SINTESE As concepgdes de accountability podem ser agrupadas em trés planos: o hierérquico, que se consolida no controle da conformidade as leis e as normas procedimentais, conforme a tradicao da APT; o das regras de mercado, que se conso- lida no controle dos resultados, representado pela obtencao da maxima produtividade dos re- cursos priblicos com base nos conceitos de efict encia e eficécia/efetividade, como enfatizam os detensores da NGP; e 0 dos valores democrati- cos, como proposto no modelo do NSP, que enfa- tiza a complexidade da atuacao do servidor pi- blico e sugere uma reconceituacao do seu papel, na qual sobressaem as quest0es relativas a res- ponsividade, ao desempenho responsavel, & pos- tura ética, & defesa do interesse ptiblico e 4 acao comprometida com os principios democraticos. Em todos esses modelos, no entanto, cons- tatam-se deficit de accountability que se consti- tuem de diferentes abordagens da accountability propostas nesses modelos e decorrem da pré- pria forma como a administragao puiblica 6 vista e organizada, E esses deficit assumem importan- cia na medida em que prejudicam e eniraque- cem 0 préprio proceso de accountability. No primeiro modelo, da APT, ha wm dé- ficit de accountability institucional, consubstan- ciado pela falta de avaliacao objetiva da conse- cucao dos resultados propostos e obtidos ao Iongo da implementacao das politicas puiblicas. Jé 0 modelo da NGP apresenta um deficit de accountability social, principalmente sobre poder discricionatio atuibuido aos agentes ptiblicos nao eleitos, além de um deficit de accountability institucional em relacao a conformidade da acao desses mesinos agentes. Por fim, no modelo do NSP, se constatam os mesmos deficit de accou- tabiity social em xelacao ao poder discricionério dos agentes priblicos nao eleitos, como no mo- delo da NGP, mas, e mais importante, deficit de accountability institucional (e mesmo social) em relacao A responsividade e as manifestacdes do “dever" do servidor. E preciso destacar, no entanto, que as abordagens da accowrtnbility nos modelos estu- dados nao sao exclusivas nem mutuamente ex- cludentes. No modelo da APT, a énfase da accountability se da nos processos, mas nada im. pede que os resultados tambeém sejam neconurtabie De igual forma, no modelo da NGP a enfase da accountability se da nos resultados, mas nao ha qualquer impedimento para que os processos também sejam accountable. Todavia, ha que se considerar esta ques- tao com cuidado. Na concepcao do modelo da APT, 0 rigor no estabelecimento e na cobranca desde regras gerais até regulamentacdes deta- Ihadas a serem seguidas na implementagao das politicas puiblicas, acaba por dificultar a respon- sabilizacdo dos servidores pelos resultados al- cangados. E 0 argumento é simples. Se 0 servi- dor cumpriu rigorosamente as regras e os regu- lamentos que 0 conduzem na implantacao de determinada politica piiblica eos resultados ob- tidos nao sao os esperados, a conclusao é que ou a decisao politica estava errada on as normas de implementagao foram inadequadas, ou ambas as coisas, mas dificilmente se poder imputar algum tipo de responsabilidade ao servidor que seguit: as normas. “Porque deveria ele tomar para si a responsabilidade por um sistema con- cebido por alguém acima dele na hierarquia, sem mesmo pedir aos trabalhadores da linha de frente suas sugesties?” (Behn, 1998, p. 34), De forma inversa, na concepgao do mo- delo da NGP o rigor do controle aponta para os resultados. Nesse caso, o servidor é dotado de Conia Geta Garena Bria www Top D-H nal TATT 93 poder decisério para decidir qual a melhor forma de conduzir 0 processo de implantacao das po- liticas priblicas e, por consequéncia, se respon- sabiliza integralmente pelos resultados obtidos Mas ai nao cabe impor, e menos ainda exigir, 0 cumprimento de determinacoes legais, regras ¢ regulamentos rigorosos na conducao da implan- tacao de determinada politica publica. Questao diferente envolve 0 modelo do NSP. Nesse caso, o controle se realiza tanto no sministeo Publica: Modelos Tetrion e Abordagens proceso quanto no resultado, porém a énfase da accountability nao esté nem em um nem em outro, mas sim nos valores democraticos, cuja impor- tancia e centralidade estao na base da concep¢a0 do modelo. (Denhardt & Denhardt, 2007). As figuras a seguir sintetizam (1) as dife- rentes abordagens da accowttability em relacio a05 modelos estudados; e (2) 0s processos de accountability @ os seus respectivos deficit, evi- denciados em cada modelo. Canacteriagio Modelo Concepsio | Abordagen Responssbiidade dos Administadores | do Processo de ccounabiiy cu naa | Pola plementagio das polis pablicas | Accombiiy de APT | Hierarg ‘Conformidad perante os lideres politicos eleitos pprocessos Regis de elos rents das polices pablices | Avni de NGP Mercado Resultados ‘perante os lideres politicos eleitos resultados: er compet a manter una posta sp | __ Valores | Mulitaceada | tice defendero interes pablpeos | Acsntaiy Demcrsicos Principle democrstcos eatender an demonstca intrest dos cada. Fig 1- Modelos ios de adeistragto pac. Fonte: Eaboragio do autor Peocessoe de accountability Modelo na decisao ‘na implementacao ‘no resultado Dacia soe as pois Tmpementagio impesoal Rontaton sono piblicas 2 das politicas piiblicas = ss : = coneaquncia apr Sgnbityesinea wiysctwog : eine police poses i ie city scuba sectional ‘aston ob 2 renllados) TDecisiosobveaspolicas = mplmentagioc/alto 4, Resultados com aleivo pu grau de discricionariedade t secountitysobron ; 5 ett soe os Nop. | daciso pica rellndoe efit de ges sca sve s Seon ssn socal diene cco national instaconal eae ie Deciio sobs politics x Tmplementagio c/a gover” patie co Implomeniagao

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