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89 O Idoso Fragil Eduardo Ferriolli, Julio César Moriguti e Paulo F. Formighieri > Introducao Hi cerca de 30 anos ¢ reconhecida, por diferentes autores, ‘aexisténcia de um quadro de fragilizagio que acomete parte dos idosos, e cujo conceito vem se modificando ao longo do tempo, Em suas definigoes iniciais, 0 conceito de fragilidade era de natureza basicamente funcional, sendo classiicados como frigeis aqueles idosos com dependéncias em variados graus, Assim, Woodhouse (1988) definiu como fragilo idoso depen- dente de outros para as atividades da vida diéria ¢ Gillick (1989) classificou como frigeis as pessoas debilitadas, que nao podiam sobreviver sem o auxilio de outros. ‘Com o passar do tempo, e especialmente na itima década, © conceito de fragilidade do idoso evoluiu para proposighes de natureza nao mais exclusivamente funcionais, mas, agora, de base fisiopatoligica. Estudos de diversos grupos mostra~ ram, em idosos fragilizados, a redugio da reserva funcional € a disfungio de diversos sistemas orginicos, o que reduziria, acentuadamente, a capacidade de restabelecimento das fu {Goes apés agressbes de virias naturezas, a eliciéncia de me das terapeuticas e de reabilitagdo, a resposta dos sistemas de ‘efesa, a interagio com o meio e, em tltima analise, a capaci dade de sobrevida, Com esta nova abordagem conceitual, destacaram-se sobre- maneira, nos ttimos anos, as proposigies de Fried et a, que serio discutidas em mais detalhes ao longo deste capitulo. Em resumo, estes autores definiram a fragilidade como uma sin- rome de declinio espiral de energia, embasada por um tripé de alteragdes relacionadas com o envelhecimento, composto por sarcopenia, desregulagio neuroendécrina e disfungio imunoldgica. Os idosos portadores desta triade estariam pro- ppensos i redugao acentuada da massa muscular ea um estado inflamatério crénico que, se associados a fatores extrinsecos como a incidéncia de doencas agudas ou erdnicas, a imobili- dade, a redugao da ingestdo alimentar e outros, evariam a um ciclo vicioso de reducio de energia e aumento da dependéncia e suscetbilidade a agressores ‘A grande importincia desta mudanga de paradigma, passando-se de uma abordagem puramente funcional para a proposicio de um mecanismo fisiopatolégico comum aos estados de fragilidade do idoso, & que, a partir desta nova perspectiva, torna-se possivel investir em pesquisas que identifiquem vias finais comuns que levem a fragilidade € intervengdes que as modifiquem. Isto vem claramente acon: tecendo e diversos autores estudam,atualmente, os diferentes fatores de génese da fragilidade do idoso, sendo que além da confirmagio dos j relatados, outros fatores como resiliéncia psicologica, estrutura de apoio social, cognigio e genéticos vem sendo propostos. ‘Neste capitulo serio abordados: a epidemiologia da fragili- dade, aspectos fisiopatol6gicos, diagnostico, abordagem tera~ péutica e prevencio. > Epidemiologia A incidéncia e a prevaléncia da sindrome da fragilidade variam, em diferentes estudos, em fungio da definigao ado- tada para a sindrome, Segundo os critérios diagndsticos propostos por Fried & Walston, (que serio descritos adiante), a prevaléncia, repro- duzida por varios autores de localidades diferentes, varia de 25%, entre os idosos com idade entre 65 € 70 anos, a mais de 30% entre os idosos com 90 anos ou mais, Resultados prelimina- res de estudos realizados no Brasil, ainda em fase de publica ‘ao, sugerem niveis de incidéncia e prevaléncia semelhantes, quando adotados os mesmos critérios. Na cidade de Ribeirio Preto, segundo dados preliminares ¢ ainda néo publicados coletados por nosso grupo como parte de um projeto multi- céntrico de avaliagao da fragilidade entre idosos brasileiros (Rede de Pesquisa sobre Estudos da Fragilidade em Idosos Brasileiros, Rede FIBRA), a prevaléncia de fragilidade entre 385 idosos com média de idade de 74 anos, segundo os crité- rios de Fried etal, foi de 7.3% entre os homens e 10% entre as mulheres, Em diversos estudos, idosos classificados como frigeis apresentam maior taxa de hospitalizagao, sofrem mais que- ‘das, apresentaram piora nas atividades de vida didria e maior mortalidade, ou seja, estudos epidemioldgicos confirmam que «a presenga da fragilidade, conforme sua definigaio mais aceita atualmente, implica desfechos negativos ~ o que é elemento cessencial para sua classificagio como sindrome. » Fisiopatologia e fatores predisponentes © estudo da fsiopatologia da fragilidade é dificultado pela complexidade dos sistemas envolvidos e pela coexisténcia fre- quente de doengas agudas, cromicas e incapacidades. Segundo a teoria proposta por Fried etal, a sindrome seria embasada na reducao da atividade de eixos hormonais anabi licos, na instalagdo da sarcopenia e na presenga de um estado inflamat6rio erdnico subliminar (Figura 89.1). Estas trés alte ragoes, quando intensas o suficiente,interagiriam de maneira deletéria (p. ex. a inflamagio e as alteragoes hormonais indu- zindo a sarcopenia; esta, por sua vez, diminuindo a atividade fisica e promavendo mais inflamagiio ealteragies hormonais), precipitando a ocorréncia de um ciclo autossustentado de redugio de energia, perda de peso, inatividade, baixa ingestio alimentare sarcopenia. Diversos fatores, como doengas agudas € cronicas, alteragdes préprias do envelhecimento, efeito de ‘medicamentos, quedas e outras contribuiriam para que uma pessoa idosa entrasse no ciclo de fragilidade (Figura 89.2). Como afirmado anteriormente, esta teoria tem recebido boa aceitacao na comunidade cientifica, porém diversos auto- res t2m proposto 0 envolvimento de outros fatores na génese dda fragilidade. Como exemplos, Bortz propés a importancia dda carga genética, estilo de vida e doencas ou lesbes; Morley. propos como fatores etioldgicos da sindrome idade, genética € nivel educacional prévio, alem de prejuizo cognitive. Sio ainda Intamago erica Hospitaizagao —\ ‘Aleragio musculoesquoitica itocinas Bolango energéicn *.S peurentocin Se ei Estado cataboeo rewroendocrina Desnutigao regatvo fe ' See 4Peso ‘Anorexia do *--...Balango nitrogenado : ‘enwethecimento 1 Gasto energétic total [ negativo 1 Sensibiidade & Tiida fsa igs sabia ire Taegan jcoveia Ni a \ Imobilizag’o repens Donrastionincne MPR depressao) Dopercioea’ NT te ae Mecicapao (sedativos) Eventos estressantes Quedas gua 89.2Ciclo da fragilidade, conforme proposto por Fried etal. Obs forga muscular se associam a redugdo da atividade fisica e tedugao d {orga muscular. Viriosfatores entradas") se precipitam e perpetuam .erva-se a existéncia de um ciclo central, em que a redugdo da massa e da ia ingesto alimentar que, por sua vez, preipitam a piora da massa e da esse ciculo vicioso. Adaptado de Fried eta, 2001 1016 Tratado de Geriatriae Gerontologia Fica evidente, portanto, que, embora existam pontos de concordancia fundamentais acerca da fisiopatologia da sin- drome da fragilidade, diferentes fatores envolvidos na sua ppatogénese ainda se encontram em investigagio. » Caracteristicas clinicas e diagnéstico diferencial ‘As manifestagdes da sindrome da fragilidade propostas por Fried et al. sio: perda de peso nao intencional,fraqueza mus cular, fadiga, redugio da velocidade da marcha e redugio do nivel de atividade fisica. Essas manifestagdes serao discutidas mais detalhadamente em “Critérios diagnésticos” ‘Ainda que nio determinantes da presenca da fragilidade, sio frequentes, entre os seus portadores, anormalidades da marcha e balango, ocorréncia de quedas, sintomas depress: Vos, redugio da massa dssea, alteragdes cognitivas e déficits sensoriais. Também a vulnerabilidade a processos infecciosos ‘ou traumiticos e a ma resposta ds terapéuticas insttuidas sd0 caracteristicasfrequentes desta populagio. ‘A incapacidade ¢ a fragilidade apresentam similaridades Abordagem terapéutica Diversas modalidades de tratamento vém sendo propostas| para a sindrome da fragilidade, mas ainda nao esta disponi veis tratamentos especificos para a sindrome como um todo. Tratamentos medicamentosos embasados na_fsiopatologia desta condigdo (p. ex. anti-inflamatérios, reposigao hormo- nal, anabolizantes para reduzir a perda de massa muscular), embora ainda em fase de estudos, nao se mostraram, isolada mente, eficazes para a terapeutica As intervengdes atualmente propostas se baseiam especif camente em: + atividadefsica, para promover oaumento da massa mus: cular + suplementacao alimentar, para reduzira perda dle massa rmagra e promover a melhoria do estado energético + suplementagdes hormonais, buscando quebrar 0 ciclo da fragilidade em seus componentes relacionados com a desregulagio neuroendécrina + medicagGes de diversas naturezas, com atuagio em com- ponentes da fisiopatologia da sindrome (anti-inflamaté- ios, miostaticos, anabolizantes etc.) A intervengio mais bem estudada em relagdo & sindrome da fragilidade & a pritica de atividade fisia. A literatura evi- dencia, em seu conjunto, que o treinamento de forca isolado pode melhorar este parimetro mas, no conjunto, auumenta 0 risco de lesdes e ndo promove a melhora global do paciente. A combinagao de treinamento de forca com exercicios para fle- xibilidade, equilibrio ecapacidade aerdbica mostra mais bene- ficios nos estudos realizados até 0 momento que, resslte- ainda sio escassos. ‘A suplementagao alimentarisolada, conquanto importante para a manuten¢io do estado nutricional e promogio de sua melhoria, ndo apresenta beneficios bem demonstrados. Sua associacio a atividade fisica, por outro lado, apresenta evidén- updo 9.2 ales de crt para afd eens pala) e velocidad de marc attados por Fed 2001p deterinagio. da postvdade destes dos crttos dagnéstcos da sindrome da raglidade Yo Forga de preenséo palmar (FPP) Homens Mutheres IMC kgm) FPP kg) IMC tkg =m), FPP kg) 5240 <2 <230 «7 24110260 230 10260 $173 261280 530 26,1290 <18 > 780 =32 2290 oan \Velocidade da marcha (tempo para percorrer 4,6 m) omens Mutheres ‘Aura frm) Tempo (s) ‘nua erm) Tempo (s) 5173 a7 5159 27 21% 26 S 3159 26 1018 tratado de Geriatriae Gerontologia traram benéficas, 0s efeitos colaterais suplantando, de uma ‘maneira geral, 0s beneficios. A excegio relativa que se apre- senta é a suplementagio de testosterona, em homens frageis due apresentam deficiéncia deste horménio. Alguns estudos demonstram que, quando no contraindicada, a suplemen- tagio, associada 4 atividade fisica, apresenta efeitos benéficos paraa fragilidade ea qualidade de vida, No entanto, mais estu- dos sio necessirios em uma gama mais ampla de pacientes com fragilidade ‘Outras medicagoes para o tratamento da fragilidade ainda seencontram em estudo, nao estando indicadas, no momento, para o emprego na prtica clinica. ~ Prevencao ‘Uma vez que © tratamento da sindrome da fragiidade, ‘como se pode ver, é ainda consideravelmente limitado, a sua prevengio, quando possivel, é primordial Embora ainda nao existam preditores claros de quem evo- lied para fragilidade com o avangar da idade, estudos recen- tes mostram que a avaliagao funcional (p. ex. da velocidade ‘qualidade da marcha), mesmo em idades mais precoces, & ‘0 melhor preditor de fragilidade futura, © que nio parece se ‘onfirmar para a massa muscular em si ‘A prevencio da fragilidade inclui mudangas no estilo de Vida (quando indicadas), suspensio do tabagismo, da ingestio excessiva de aleool e da ingestio de substincias psicoativas, além do tratamento rigoroso de doengas crénicas € ripido de ddoengas agudas. Acrescentamos a essas medidas as recomen- dages proprias para a promogio do envelhecimento saudivel, como alimentagio balanceada e diversificada, manutengio de atividade fisica adequada ¢ 0 uso judicioso de medicamentos. Para a prevengio secundéria devem ser considerados,além dos itens anteriores, a prevengao de quedas, a correcio de per- das com érteses ea reposigio de vitaminas e minerais quando apropriado, além do tratamento judicioso de ‘as, dentro da visio integrada da Geriatria ¢ Gerontologia > Bibliografia Arantes PMM, Alencar MA, Diss RCet al. Aluasio da isoterapanasindrome ‘de frglidade: revisi sistema, Revista Brasilia de Fiteapia, 13, 369-375, 2009, Bandeen-Roche K, Xue QL Feeruci Let al. Phenotype of fray characteriza tion in the womens health and aging studies, Journal of Gerontology Sens ‘A Metical Science 61. 262 26,2008. Barailay Hl lan C, Moore Ta, nsulina Resistance and Inflammation as Precursors of Fraiy: The Cardiovascular Health Study. 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