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A clinica, a relagdo psicoterapéutica e€ O manejo em Gestalt-terapia LILIAN MEYER FRAZAO_ KARINA OKAJIMA FUKUMITSU LoRGS.1 $ summus editorial 1 Meyer Fraato © Karina Okajima Fulumitsu (ergs) A vida nao é constante, sendo por isso preciso viver da seguinte maneira: cu nao sei do lé c entio, mas no aqui-agora estou com voce. Enfim, 0 momento para o término pode acontecer quan- do o cliente se autorizar a reinventar-se solitariamente ¢ a ar- car com sua invengio de ser to somente como é. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Busse, ALR.“ 5). Gest Ercwecovex, RH. Hondamentos dat as, 1987, Fazio, L, Avlas do tos iversidade de Si oria paradoxal da crap: teoras, téenicase a psicanslitia. Hyenen, R. De pessoa a pessoa: psicotenapi Jouano, .C.A arte de restaurar histriaslibertando o 1998. 98 Suramus, Ti, Gesal-terapia explicada. Sio Pi ANP. estate 1997, 3 Gestalt-terapia na clinica ampliada Segundo relatério da Organizacio Mundial da Satide (OMS, 2001) sobre a satide no mundo, 0 testemunhou uma evolugdo na atengao a satide, sobretudo a mental, que se traduziu em um movimento voltado para o respeito aos direitos humanos dos individuos com transtor- nos mentais ¢ para o desenvolvimento de novas formas de abordat 0 softimento mental em um processo responsével de desinstitucionalizagao. ‘Compreendida como “um conjunto de transformagées de praticas, saberes, valores culturais e sociais” (Brasil, 2005, p. 1),a reforma psiquidtrica constituiu-se como um processo politico € social complexo, criando novos recursos de inter- jtimo meio século vendo fora dos contornos e limites do consultério e da insti- tuigdo hospitalas, integrando a comunidade como espago de pacto social. Esses novos dispositivos da atenc&o primaria em satide, nas palavras de Silveira (2003, p. 24), “[-] devem ser compteendidos como estratégias agenciadoras de novos vin- 163 Lian Meyer Frazdo © Karina Okajima Fukumitsy (orgs) culos ow de novas significagdes na rede de contratualidade do sujeito em seu existir”. No Brasil, a énfase dada & atengio priméria em satide, associada ao movimento da reforma psiquidtrica, levou a reestruturacao dos servigos de satide mental e A conceituagio das equipes multiprofissionais nesse ambito, incorporando, consequentemente, os psicdlogos nos seus quadros efetivos (Spink, 2007). Nesse processo de reestruturagao € criago de novos dispositivos de atengao satide mental, surgem os Cen- tros de Atengo Psicossocial (Caps), trazendo o enfoque de ica psicossocial. O trabalho em satide mental passa a incidis, cada vex mais, sobre um campo que é excéntrico ao hospital, Sua atuago se amp do do contexto das clini- cas e dos hospitais para o das trocas sociais com a comunida- de loc: Nesse panorama, a atuacdo do Gestalt-terapeuta fica vin- culada a uma demanda institucional; espera-se que ele desem- penhe um papel de trabalhador social dentro dos movimentos de satide, estabelecendo conexdes intra e/ou interinstitucio- por meio de algumas estratégia saber: apoio para a insergio social, visita domicilias, grupos terapéuticos ¢ operatives, oficinas terapéuticas, acompanha- mento terapéutico e intervengdes de rua, entre outras. Assim, nai trae extramuros, a na satide pablica o Gestalt-terapeuta é chamado a atuar fora dos espagos tradicionalmente constitufdos para isso, sendo seu papel mediar a tensio entre a disfungo psiquica e a dis- funcio social, de forma que 0 funcionamento social possa in- tegrar a disfungdo psiquica (Silva, 2007), Em outros termos, trabalhar com atengio primaria em satide traz, para o Gestalt-terapeuta, 0 desafio de abdicar dos 164 ‘Acnca, 3 rele psicaterapbuticae/o manejo em Gestalt-terapia saberes consagrados, “da atitude-padrao, previsivel e contro- Jada de quem trabalha entre quatro paredes, para se langar em um espago aberto de atuagdo, sem fronteiras demarcadas ¢ sem medidas prévias de tempo” (Palombini, 2004, p. 24). Convida-o a ir onde a clientela vive ¢ a estar diretamente no tetritério onde os conflitos acontecem, lidando com um sujei- 5 enfim, a to no mais apartado da sua realidade sociofami lidar com uma pratica cotidiana que o coloca face a face com a complexidade da vida e the demanda ages para as quais ago ha um manual orientador. Estamos falando da construgdo de um novo modelo de atuagio clinica, qualificada como “ampliada” - uma clinica no mais pensada a partir de um a priori individual, mas de uma perspectiva jeitos ¢ coletividade (Morei- ra, 2007), pela qual se busca produzir um didlogo entre 0 mundo ¢ 0 sujeito, seu mundo psiquico e a cultura. Uma clini- a psicoldgica voltada para a atengio primdria em satide cujo foco do trabalho ¢ 0 sujeito integral, sendo o processo savide- -doenga compreendido nio apenas sob o enfoque psicol6gico, mas também econdmico, social ¢ politico. Nas palavras de Cardoso, Mayrink ¢ Luczinski (2006, p. 16), “o desenvolvi- mento de uma pratica pertinente com esse contexto © com uma visio de homem enquanto um ser de miiltiplos aspectos (biopsicossocial-espiricual)”. Esse enfoque holistico, defendi- do por Perls (1977, 1988, 1997, este ao lado de Hefferline & Goodman), ao trazer 0 conceito de campo unificado, campo organismoambiente, rompe 0 dualismo mente/corpo € pes- soa/mundo, concebendo o homem como uma totalidade or- ‘ganismica que nao pode ser considerada independente do am- biente no qual esta inserta. Assim, a clinica ampliada convida lética entre 165 ian Moyer Frs2S0. Karina Okajima Fukurteu (orgs) a.um fazer clinico que, embora mantenha as atitudes de obser- vagio e escuta originérias do conceito de clinica, inclui as ages sociais ea rede de relagdes da vida do usuario. O Gestalt- -terapeuta é convidado a participar dos anseios e priticas da comunidade, passando a considerar todos os campos de neces- sidade da vida social e humana —educagio, trabalho, protegio ambiental, lazer, seguranca, alimentacao, moradia, respeito & vida e consideragao humana ~ fundamentais para a constru- io da saiide integral. Também chamada de “clinica psicossocial”, “clinica do a ampliada pode ser pensada como uma clinica psicossocial que integra a es- territério” ou “clinica da reforma”, a truturagGo psiquica e © pertencimento social, abarcando a complexidade das relagdes que definem as posigées dos tos no mundo, trazendo 0 desafio de dotar os individuos de ir is que thes permitam independén- jei- tum minimo de recursos v cia para as atividades da vida didria e para 0 exercicio da ci- dadania (Silva, 2008; Rabelo et al., 2005; Vietta, Kodato Furlan, 2001). Em termos gestilticos, podemos falar em uma proposta que busca a construgao do individuo como sujeito, 0 desenvolvimento da awareness de si como responsivel por sua existéncia e 0 seu impacto no coletivos o desenvolvimento da sua maturidade, ajudando-o a passar de um estado de de- pendéncia do suporte ambiental indispensivel & sobreviven- cia a um estado no qual ele seja capaz.de sustentar a si mesmo a partir da interagio com 0 meio. Nesse sentido, busea-se melhor qualidade de campo da satide. O objeto da pratica consiste na produgio do cuidado ¢ no mais na cura, ou na protegio da savide (Merhy, 2006). Essa produgao de cuidado ~ uma atitude de acolhi- ida no 166 ‘clinica, &telagao psicoterapeutica @ © manejo em Gestalt-torapia mento considerada por Ayres (2001) um eixo norteador das ages em satide mental na atencio bisica - é também enfatizada na Gestalt-terapia quando Brown et al. (1992) afirmam que a atitude de cuidado, estar cuidadosamente aten- to a forma de iniciar 0 contato com 0 outro, respeitando as diferengas e considerando qualquer contato um fato significa- tivo, €a esséncia da comunidade. ‘A Gestale-terapia, com sua énfase no desenvolvimento do potencial humano ¢ em sua maturagio, traz uma proposta te6rico-metodolégica que se ajusta a essa nova demanda, a0 buscar muito mais favorecer o processo de crescimento e a to- mada de consciéncia do que curar um sintoma (Sanchez, 2008). Para a Gestalt-terapia, estar saudavel é ter habilidades para lidar eficazmente com qualquer situago que se apresen- te no aqui-agora, alcancando uma resolugao satisfatéria de acordo com a dialética de formagao e destruigio de Gestalten (Latner, 1996), tanto no nivel micro das Gestalten individuais quanto no nivel macro das Gestalten coletivas (comunidade, grupos sociais). Esse processo continuo de formacdo e destrui- ‘cao de Gestalten, também chamado de processo homeostitico ou autorregulagio organismica, € definido por Perls (1988, p. 20) como “aquele pelo qual o organismo mantém o equili- brio e, consequentemente sua satide sob condigées diversas. A homeostase & portanto, o processo através do qual o organis- ‘mo satisfaz as suas necessidades”. Quando a necessidade nao for satisfeita, a Gestalt permanecerd aberta, gerando uma si- tuagiio inacabada, a qual mobilizaré, criativamente, 0 organis- ‘mo ~ individual ou societario ~ a fim de restaurar 0 equilibrio. Esse processo no se dé de forma aleatéria, sendo regido pelo principio da pregnancia ~ capacidade do organismo de 167 3n Meyer Frazao e Karina Okajima Fukumitsu (orgs,) encontrar a melhor resposta, a mais adequada no momento, levando em consideragao as préprias capacidades e os recur- sos do ambiente. Assim, para a Gestalt-terapia todo compor- tamento, individual ou coletivo, é um ajustamento criativo: ajustamento porque © organismo ¢ o ambiente entram em contato ¢ interagem, em um processo de acomodagao mituas criativo porque se configura como a melhor forma de expres- sio, dadas as préprias condigdes € as condigées do entorno, transformando ambiente ¢ individuo. Considerando que todo organismo traz, inerente 4 sua condigéo de existéncia, a capacidade de se autorregular, fa- zendo ajustamentos criativos no seu campo, um planejamento das ages de satide mental deve considerar as especificidades dos contextos dos territérios da vida cotidiana, resgatando os saberes ¢ potencialidades dos individuos e da comunidade para uma construgao coletiva de solugées. Vale ressaltar que © termo “territ6rio” € aqui utilizado designando nao apenas uma drea geografica, mas pessoas, instituigdes, redes e cend- rios nos quais a vida comunitaria acontece; um espaco dotado de identidade, onde o sujeito compartilha com seus pares sua versio sobre 0 mundo e suas tradigdes; ow seja, uma prévis especifica que s6 pode ser apreendida convivendo e partilhan- do com 0 grupo seu territ6rio identitério (Brundtland, 2001; Haesbaert, 2002; Monken e Barcellos, 2007). Ante 0 exposto, pode-se afirmar que a base dessa pratica de gestio do cuidado em satide mental é no apenas terapéu- tica como pedagégica, encontrando sua operacionalizagio, seu lécus de aco no tertitério. As priticas de satide, portanto, devem levar em consi- deragio a ambiéncia natural e a construida pela sociedade, 168 A clinica, arlapto psicaterapéutica © o manejo em Gestalt-terapla a relagio de campo organismo individual-grupo social/ meio, identificando como a populagao percebe os diversos tipos de ago no territério ¢ até que ponto as normas de utilizagao dos recursos dessa populagao ¢ do seu territério promovem determinados habitos, comportamentos ¢ problemas de satide. Tomando por base as sugestdes de Costa e Brandio (2005), pode-se afirmar que o campo de atuacao do Gestalt -terapeuta demanda: © oconhecimento das relagdes familiares, comunitérias ¢ institucionais; © a mobilizagio das redes sociai contatos, 0s lacos de pertencimento, as relagdes com ou- tros profissionais com os quais os usudrios e 0 proprio - as redes naturais de Gestalt-terapeuta trabalham; © a construcio de vinculos com as instituigdes € os Iide- res da comunidades * o desenvolvimento de agdes que visem @ autonomia ¢ A autogestdo; © a competéncia técnica para 0 manejo de intervengdes focalizadas; © levar em conta, ao montar € conduzir qualquer pro- posta de trabalho, a flutuacio da clientela e, consequen- temente, a necessidade de manter uma alta motivagao desta para que ela retorne. Assim, esse campo de atuagio demanda do Gestalt- -terapeuta um conjunto de habilidades e competéncias que Ihe permita desenvolver novos modelos de intervengac. 169 Llan Meyor Fras S0 e Karina Okajima Fukumitsu (ores.) Embora Ribeiro (2013) considere que o processo psicote- pico se transforma em uma ago social por levar o cliente a entrar em contato com a realidade que 0 cerca, a maior parte das propostas de intervengao, na clinica ampliada, est incluida no modelo da agio terapéutica. Baseada no modelo da entre- visca de nticleo de Wolk, Brito (2003) desenvolveu uma pro- posta de aco terapéutica definida como ago ou conjunto de agdes que visam 4 promogao de mudangas~ mudanga no sen- tido de possibilitar a awareness do individuo ou do grupo sobre o que esta acontecendo consigo € com 0 seu entorno, de modo que possa ressignificar-se e mover-se na diregio da me- thora da saiide ¢ da qualidade de vida. Trata-se de uma pro- posta que inclui aspectos informativos e educativos, nao se restringindo ao espago do consultério e da instituigio de sati- de, Nessa proposta, o trabalho terapéutico é voltado para a necessidade que emerge como figura no momento. Como propostas de ago terapéutica, podemos ineluir in- tervengoes de rua, grupos operativos, oficinas terapéuticas, grupos de atividades de suporte social, plantio psicolégico, intervengdes nos contatos informais dentro das instituigdes de savide, atendimento nuclear ¢ a grupo de familiares, visitas dos usuarios e/ou familiares, visitas institucionais e atividades co- munitérias, entre outras. Observa-se que grande parte das in- tervengées na clinica ampliada acontece em grupo. Ribeiro (1994, p. 41) reflete que “o grupo é um microcos- mo onde 0 cotidiano acontece, onde as relagdes negadas ou percebidas se fazem presentes”. Um modelo de trabalho geu- pal que propi inica ampliada ~ seja uma proposta psicoterépica ou de aco terapéutica ~ é 0 gru- iares, atividades de ensino, atividades de lazer com bons resultados na ‘clinica, a rolagto psicoterapéutica eo manejo em Gestal-terapia po tematico, no qual seus membros sao reunidos em torno de um tema definido a priori ou retirado da prépria demanda no momento. Na clinica ampliada, é mais comum trabalhar com grupos abertos e semiabertos. Em uma proposta de interven- Go grupal que faga a interface da Gestalt-terapia com a psi- cologia social, ‘© que se procura compreender € a constelagao de vinculos papéis, padrées, normas e pressbes grupais, a Questies de poder, conflito, expectativas etc. sfo tratadas 1 afetivo e fun- cion ‘enquanto pertencentes & situagio presente e a postura do terapeuta io favorece o aparecimento de fantasias a nfvel transferencial. A leitura dos eventos & predominantemente fenomenolégica e transversal. (Tellegen, 1984, p. 73) A énfase nas intervengdes focalizadas decorre do fato de que, por serem mais breves, possibilitam o atendimento a um maior niimero de pessoas; portanto, os atendimentos indivi- duais e de grupo precisam ser conduzidos em um modelo de curta duragio. Antes de ir a campo, 0 Gestalt-terapeuta deve mapear 0 territ6rio onde vai atuar, a fim de obter subsidios para 0 10 de fato voltado para as necessidades da clientela, bem como conse- desenvolvimento de um planejamento terapé: guir referéncias sobre como se inserir na comunidade para obter a adesio dos usuarios ¢ 0 apoio das redes locais as suas propostas de intervengio, Pensar em um planejamento terapéutico soa aparente- mente paradoxal a uma atitude fenomenolégica e, assim, cpistemologicamente incoerente com a Gestalt-terapia. Po- nm Lilla meyer Frazao e Karina Okajima Fukumitsu (orgs) rém, na minha concepgdo, fenomenologicamente pode-se pensar em um planejamento terapéutico em termos de uma hipétese processual a ser construida e revista ao longo de todo 0 proceso; no uma formulagio a priori a ser seguida pelo Gestalt-terapeuta, mas uma compreensio a posteriori, a partir do que vai sendo vivido a cada contato com 0 usuério, com a instituigdo ou com o préprio tertitério. ‘Ao longo da minha pritica como supervisora na rea da clinica ampliada, desenvolvi um modelo de hipétese proces- sual que apresento abaixo, explicando-o em seguida: Caracterizagao da clientela. Caracterizagio do trabalho e de seus objetivos. Caracterizagao do local onde o trabalho acontecera. Conflitos a ser abordados e conflitos a ser deixados de lado. Etapa do processo de contato em que a clientela se encontra. ‘Mapeamento do campo de forgas. Hipétese sequencial. Recursos disponiveis. evoaunun A primeira preocupacio do Gestalt-terapeuta deve ser conhecer a populagio com a qual vai trabalhar. A caracteriza- cdo da clientela envolve 0 mapeamento de seu modus vivendi, sua cultura, seus valores. £ uma populacdo ribeirinha, rural, urbana, quilombola, um assentamento, uma “cidade do lixo”, favela, invasiio? Qual o seu hist6rico, como essa comunidade, povoado, bairro se construiu? Que etnias estio presentes? Deve-se ter 0 cuidado de nao apenas identificar os grupos re- ligiosos locais ~ ¢ aqui nao estou diferenciando crengas e sei- tas de religides — como também conhecer seus preceitos, que 1 psicoterapéutia e 0 manejo em Gestat-trapia nortearao as fronteiras de valor dessa populagao. F preciso entrar em contato com figuras significativas ¢ liderangas, pessoas-chave para sua insergao no territério; mas também cas conhecer © habitante comum, nas diversas camadas € etdrias, para fazer um levantamento de necessidades que refli- ta a realidade local. ComemoragGes e eventos que mobilizam naturalmente a populagio, desvelando a sua cultura, so as- pectos relevantes que podem ser aproveitados como base para propostas de atividades. Apés o levantamento das necessidades dos usuarios e do campo de ago do drgio no qual o Gestalt-terapeuta esta in- serto, a proposta de trabalho comega a ser delineada, Trata-se de uma proposta de intervencio especifica, um plano de agio em médio ou longo prazo que envolver4 um escopo maior de ages. Definem-se entdo os seus objetivos gerais ¢ especificos ¢ as ages a ser desenvolvidas. E preciso ter clareza sobre impacto que 0 projeto como um todo e cada ago em si po- dem causar nos campos onde a clientela esta inserta. iso do local onde as agées vio ser realizadas: é aberto, fechado, na rua, na instituigao em que se trabalha ou em algum local da prépria comunidade? Que facilidades elou dificuldades pode oferecer? Entre os conflitos que foram detectados, quais serio © terceiro ponto a ser considerado é a caracter abordados, em que ordem, quais serdo deixados de lado? Para essa anilise, utilizo os critérios de impacto, urgéncia viabilidade: 0 nivel de impacto que esse conflito tem no gru- pofcomunidade, a urgéncia da sua resolugio, a viabilidade para ser abordado ¢ resolvido. O eritério de viabilidade € 0 mais significativo; mesmo que um conflito seja urgente e cau- se grande impacto no territério, se a viabilidade for zero, de- 173 3 Meyer Frazdo e Karina Okajima Fukumitsu (orgs) vera ser deixado de lado para nio causar desgaste ¢ conse- quente desmobilizagao por parte da equipe ¢ dos usuarios. Entre 0s conflitos que serio deixados de lado, € preciso ter claro que, embora eles no sejam abordados no momento, poderio ser retomados a posteriori. Quanto aos conflitos que no serao considerados por fugir da ingeréncia da equipe de trabalho, registre-se que so da algada das instancias gover- namentais ou de politicas locais. © proximo passo é identificar em que etapa do proceso do contato a clientela se encontra em relagao a necessidade a ser atendida. Para essa andlise 0 Gestalt-terapeuta pode usar o modelo de sua preferéncia: as quatro fases explicita- das por Perls, Hefferline ¢ Goodman (1997) ~ pré-contato, contato, contato final e pés-contato -; 0 ciclo gestiltico de experiéncia desenvolvido por Zinker (2007) - awareness, energia/acao, contato, resolugdo/fechamento, retraimento, “nova” awareness ~; 0 0 ciclo de contato construido por Ribeiro (2007) fluidez, sensagao, consciéncia, mobilizagao, acao, interagio, contato final, satisfacio, retirada. Apés a identificagio da etapa do contato na qual a clientela se encontra, é necessario identificar se a Gestalt esté interrom- pida nessa fase on se a clientela esta em processo, ainda se movendo dentro da fase, para passar a fase seguinte. Cada uma dessas circunstancias demandaré do Gestalt-terapeuta diferentes propostas de intervengao. Para a eficdcia da hipétese processual, € preciso também detectar as forcas impulsoras ~ aspects, polaridades, circuns- tincias presentes nos usuérios/territ6rio que facilitam a loco- mogio no campo, o fechamento da Gestalt —e as frenadoras ou restritivas = aspectos, polaridades, circunstdncias que também 174 ‘A ctica, a relagzo psicoterapéutica © manejo em Gestalt-terapia estio presentes no campo mas sio obsticulos & locomosio, dificultando o fechamento da Gestalt (Garcia-Roza, 1972). Com esses dados levantados, a hipétese sequencial vai sendo construida, Escolhi denominar de hipétese sequen- cial os questionamentos que o Gestalt-terapeuta fara sobre © proprio devir da sua proposta de trabalho: como o traba- Iho pode ser desenvolvido? Qual 0 primeiro passo? Como vai se desdobrar? © que pode acontecer se essa agéo for implementada? Com base em que dados dbvios se est de- senvolvendo essa hipétese? © que pode ser feito com 0 que se imagina que possa acontecer? Como o desenvolvimento dessa ago pode ser facilitado? Como evitar/neutralizar as forgas restritivas? Como manter/aumentar as forcas impul- soras? E importante lembrar que, como as hipdteses sao da ordem do imagindrio, devem ser confrontadas, ressignifica~ das ou reconstruidas pelos dados Sbvios da pratica ao lon- go do proceso. Nao se pode esquecer de fazer o levantamento dos recur- sos materiais, téenicos e humanos necessarios para a imple- mentagio das ages, bem como de que maneira e onde se pode obié-los. Trabalhar na clinica ampliada traz uma série de desafios a ser enfrentados pelos Gestalt-terapeutas. Em minha pesqui- sa de mestrado (Brito, 2012), observei que esses desafios re- sultam, principalmente, de cinco grandes fatores: 1 0 fato de a clinica ampliada ainda constituir um saber em construgio, ao mesmo tempo que gera o espaco para que o Gestalt-terapeuta descubra o seu fazer, traz.um sen- timento de inseguranga, uma ambivaléncia entre a inca- 15 Lian Meyer Frazdo e Katina Okajima Fukumitsu (orgs) pacidade e o empoderamento. Isto gera uma demanda de capacitagio e supervisio, de atualizagio continua. © contato com 0 outro, que apresenta uma realidade crua, de muita dor, miséria, desorga ragio psiquica, si- tuagdes extremas de exclusio social, traz 4 tona os no ditos, os fantasmas do profissional. Como bem coloca Hyener (1995, p. 122}, esse “[..1] € 0 desafio para o tera- peuta: no s6 apreciar total e profundamente a experién- cia do cliente, mas também manter seu préprio centro diante das experiéncias divergentes ¢ até conflitantes. Fa- zer a incluso”. Ou seja, um contato pelo qual o Gestalt- -terapeuta ¢ todo o tempo confrontado na sua subjetivi- dade por uma clinica que deixa & flor da pele seu mundo interno, além do enfrentamento de situagdes concretas de risco a sua higidez fisica, Um tipo de contato que é muito préximo e intenso com o usuario, em um contexto em que no ha “muros” ou hordrio atras dos quais 0 Gestalt- -terapeuta possa se esconder. Tudo isso lhe exigira, como pessoa € profissional, grande disponibilidade e alto nivel de suporte interno, ‘A multiplicidade de demandas da instituigdo, dos usud- rigs e da comunidade diante da escassez de psicélogos contratados nas unidades de satide, gerando uma sobre- carga da qual a jornada de trabalho nao dé conta. Isso demanda do Gestalt-terapeuta maior integragao com a equipe, disponibilidade ¢ conscigncia dos préprios limi- tes, niio como impedimento e sim como desafio para no- vas solug6es. Ainda no haver uma delimitagao clara do que seja 0 ter- rit6rio de cada profissio, além da falta de embasamento 176 ‘clinica, arelacio psicterapeutica © o manejo em Gestalt apa tebrico-prético para uma atuagio com equipes multipro- fissionais (Brundtland, 2001; Spink, 2007). Isso pode gerar no Gestalt-terapeuta dificuldade de delinear seu papel den- tro da equipe. Tal situaco pode ser agravada pelo fato de haver varios técnicos, de diferentes éreas, cesenvolvendo 0 mesmo tipo de atividade, o que talver desencadeie no pro- fissional uma crise de identidade, Na verdade, trabalhar com uma equipe multiprofissional traz 0 desafio de convi- ver com vatias linguagens, varios jeitos de lidar com 0 mes- mo fenémeno para aleangar um mesmo objetivo: a melho- ria da qualidade de vida do usuétio, sua insergio na comunidade, o resgate da sua dignidade como cidadao. Isso implica o reconhecimento de que os saberes, aborda- gens e atuages das diversas reas envolvidas no sao ex- cludentes, tendo pontos em comum; familiarizar-se com as especificagdes de cada trabalho e com a validagéo do papel do outro profissional, Trabalhar em equipe significa apren- der a riqueza da danca das alteridades. 5 _O impasse diante de questées politicas que fogem da sua ingeréncia como profissional, mas interferem em sua atuagao, seus valores e sua ideologia. Isso exige, de um lado, jogo de cintura e criatividade para driblar as ques- tes inerentes as instituigdes ptiblicas ~ fazer muito com um minimo de condigées. De outro, uma agao politica de mobilizagao social, Para Figueiredo (2004, p. 63, 165), 0 campo da clinica psicolégica deve ser definido por sua ética, significando que “ela est comprometida com a escuta do interditado e com a sustentagdo das tensdes ¢ dos conflitos. {...] Clinicar é, assim, ut fan Meyer Frario e Karna Okajima Fukui org) inclinarse diante de, dispor-se a aprender com, mesmo que a meta, em médio prazo, seja aprender sobre” . Busca-se, assim, um modelo de atuagio clinica que gere condigdes de uma es- cuta contextualizada, Uma contribuigéo que a Gestalt-terapia pode oferecer ao trabalho na clinica ampliada é a sua escuta fenomenolé- gica, na qual o profissional busca compreender o sentido do fenémeno com o qual lida ni com base em seus significa- dos, mas em como essa realidade esté sendo significada por aquele que a vivencia. © modo como o Gestalt-terapeuta faz qualquer intervengao, a qualidade da sua presenga, ofere- cendo acolhimento € confirmagio, jé sao, em si, fatores de promogio de satide. © Gestalt-terapeuta que trabalha no contexto da ampliada deve ter sempre como pano de fundo de qualquer aco pensada e/ou desenvolvida que a meta da abordagem é promover a livre e continua fluidez de formagao e destruigao de Gestalten, na qual a necessidade hierarquizada pelo organis- scja plenamente ‘mo, grupo ou sociedad que surge como figu experienciada, de forma que possa “dissolver-se em fundo (ser esquecida ou assimilada e integrada) e deixar a figura livre para a proxima Gestalt relevante” (Perls, 1992, p. 138). Fin: uma agio psicolégica e, embora as lutas sociais necessitem ando, é preciso lembrar que uma agio social niio incorporar os insights ¢ técnicas do universo psicolégico, mister que as condigGes sociais mudem para que se possa tra- balhar adequadamente, lidando sobretudo com as fungdes psicol6gicas. Como afirma Lichtenberg (1990, p. 66), “é ne- cessirio um clima social que encoraje o experienciar de emo- ‘Ges sociais intensas, antes que qualquer massa critica de in- 178 ‘clinica arelagte psicaterapeutica © 6 manejo em Gestalt-terapla dividuos arrisque atender abertamente a aspectos muito vulnerdveis de si mesmos”. ‘Ainda inspirada em Lichtenberg (ibidem, p. 205), consi- dero que as ages do Gestalt-terapeuta no contexto da clinica ampliada devem “estar imbuidas em uma atmosfera de espe- ranga, esperanga realista, no sentido que a luta é longa ¢ difi- mas que é possivel ser bem-sucedido a longo prazo se for- mos ativos, com nossos aliados, a curto prazo”. 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