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Roberto Schwarz AO VENCEDOR AS BATATAS Forma literdria e processo social nos inicios do romance brasileiro CAL Livreiria [Al buas Cidades editorallli34 L. As idéias fora do lugar Toda ciéncia tem principios, de que deriva o seu sistema. Um dos principios da E da Economia Politica é 0 trabalho livre. Ora, no Brasil domina o fato “impolitico e abomindvel” da escravidao. Este argumento — resumo de um panfleto liberal, contem- poraneo de Machado de Assis! — pée fora 0 Brasil do sistema da ciéncia. Estévamos aquém da realidade a que esta se refere; éramos antes um fato moral, “impolitico e abomindvel”. Gran- de degradac4o, considerando-se que a ciéncia eram as Luzes, 0 Progresso, a Humanidade etc. Paras artes, Nabuco expressa um sentimento comparavel quando protesta contra o assunto escra- yo no teatro de Alencar: “Se isso ofende o estrangeiro, como nao humilha o brasileiro!”?. Outros autores naturalmente fizeram o raciocinio inverso. Uma vez que nao se referem & nossa realida- de, ciéncia econémica e demais ideologias liberais é que sao, elas sim, abomindveis, impoliticas e estrangeiras, além de vulnerdveis. 1A. R. de Torres Bandeira, “A liberdade do trabalho ¢ a concorréncia, seu feito, sao prejudiciais & classe operdtia?”, in O Fururo, n° 9, 15/01/1863, Macha- do era colaborador constante nesta revista. 2 A polémica Alencar-Nabuco (otganizacio ¢ introdugao de Afranio Cou- tinho), Rio de Janciro, Tempo Brasileiro, 1965, p. 106. ‘Ao vencedor as batatas “Antes bons negros da costa da Africa para felicidade sua e nos- sa, a despeito de toda a mérbida filantropia britanica, que, es- quecida de sua prépria casa, deixa motrer de fome o pobre ir- mao branco, escravo sem senhor que dele se compadeca, ¢ hipé- crita ou estélida chora, exposta ao ridiculo da verdadeira filan- tropia, o fado de nosso escravo feliz”. Cada um a seu modo, estes autores refletem a disparidade entre a sociedade brasileira, escravista, e as idéias do liberalismo curopeu. Envergonhando a uns, itritando a outros, que insistem na sua hipocrisia, estas idéias — em que gregos e troianos nao reconhecem o Brasil — sao referéncias para todos. Sumariamente est4 montada uma comédia ideoldgica, diferente da européia. F. claro que a liberdade do trabalho, a igualdade perante a lei e, de |modo geral, o universalismo eram ideologia na Europa també mas Id correspondiam as aparéncias, encobrindo o essencial — a exploracao do trabalho. Entre nés, as mesmas idéias seriam falsas num sentido diverso, por assim dizer, original. A Declaracao di Direitos do Homem, por exempl scrita em parte na C< itituicao Brasileira de 1824, nao s6 nao escondia nada, com wa. mais abjeto o instituto da escravidao.4 A mesma coisa par: professada universalidade dos principios, que transformava em lescandalo a pratica geral.do faver. Que valiam, nestas circuns- tancias, as grandes abstrag6es burguesas que usdvamos tanto? Nao descreviam a existéncia — mas nem sé disso vivem as idéias. Re- 3 Depoimento de uma firma comercial, M. Wright & Cia., com respeito & crise financeira dos anos 50, Citado por Joaquim Nabuco, Um estadista do Impé- ria, vol. I, Sao Paulo, 1936, p. 188, ¢ retomado por S. B. de Holanda, Ratzes do Brasil, Rio de Jancito, José Olympio, 1956, p. 96. 4B, Viotti da Costa, “Introdugao ao estudo da emancipagio politica”, in C..G. Mota (org,), Brasil em perspectiva, Sao Paulo, Difel, 1968. z As idéias fora do lugar fletindo em direcao parecida, Sérgio Buarque observa: “Trazen do de paises distantes nossas formas de vida, nossas instituigées € nossa visio do mundo ¢ timbrando em manter tudo isso em, ambiente muitas vezes desfavordvel ¢ hostil, somos uns dester- rados em nossa terra”>, Essa impropriedade de nosso pensamento, jue nao é acaso, como se verd, foi de fato uma presenga assidua, wessando e desequilibrando, até no detalhe, a vida ideoldgi- ca do Segundo Reinado. Freqiientemente inflada, ou rasteira, ri- dicula ou crua, e sé raramente justa no tom, a prosa literéria do tempo é uma das muitas testemunhas disso. Embora sejam lugar-comum em nossa historiografia, as ra- z6es desse quadro foram pouco estudadas em seus efeitos. Como é sabido, éramos um pals agrério ¢ independente, dividido em | latifiindios, cuja producdo dependad do trabalho escravo por um lado, ¢ por outro do mercado extern te, vém daf as singularidades que expusemos. Era inevitdvel, por exemplo, a presenga entre nés do raciocinio econdmico burgués —a prioridade do lucro, com seus corolérios sociais — uma vez que dominava no comércio internacional, para onde a nossa eco- nomia era voltada. A pratica permanente das transages escolava, neste sentido, quando menos uma pequena multidao, Além do que, havamos feito aIndependéncialh4 pouco, em nome de idéias. francesas, inglesas ¢ americanas, variadamente liberais, que assim faziam parte de nossa id Por outro lado, com igual fatalidade, este conjunto ideoldgico itia chocar-se contra a escravidao e seus defensores, eo que é mais, viver com eles.6 No plano das convicgées, a incompatibilidade é clara, e j4 vimos 55. B, de Holanda, op. cit, p. 15 5B, Viotti da Costa, op. cit. 13 w Ao vencedor as batatas exemplos. Mas também no plano prético ela se fazia sentir. Sen- do uma propriedade, um escravo pode ser vendiclo, mas nao des- pedido. O tabalhador livre, nesse ponto, dé mais liberdade a seu patrio, além de imobilizar menos capital. Este aspecto — um entre muitos — indica o limite que a escravatura opunha & ra- ‘cionalizagao produtiva. Comentando o que vira numa fazenda, uum viajante escreve: “nao ha especializagio do trabalho, porque se procura economizar a mao-de-obra”, Ao citar a passagem, F. H. Cardoso observa que “economia” no se destina aqui,-pelo contexto, a fazer o trabalho num minimo de tempo, mas num maximo. E preciso espiché-lo, a fim de encher e disciplinaro dia do escravo. O oposto exato do que era moderno fazer, Fundada na violéncia e na disciplina militar, a produgao escravista dependia da autoridade, mais que da eficécia.’ O estudo racional do pro- cesso produtivo, assim como a sua modernizagio continuada, com toda o prestigio que lhes advinha da revolugio que ocasio- navam na Europa, etam sem propésito no Brasil. Pata compli- car ainda 0 quadro, considere-se que o latifiindio escravista ha- via sido na origem um empreendimento do capital comercial, ¢ ‘que portanto o lucro fra desde sempre o seu pivd. Ora, 0 lucro como prioridade subjetiva é comum as formas antiquadas do capital ¢ 4s mais modernas, De sorte que os incultos e abomind- veis escravistas até certa data — quando esta forma de produgo velo a ser menos rentavel que o trabalho assalariado — foram no essencial capitalistas mais conseqiientes do que nossos defenso- res de Adam Smith, que no capitalismo achavam antes que tudo a liberdade. Estd-se vendo que para a vida intelectual 0 né esta- 7B. H. Cardoso, Capitalismo ¢ exravido, Sao Paulo, Difel, 1962, pp. 189- Ie 198, 4 As idéias fora do lugar va armado. Em matéria de racionalidade, os papéis se embara- thavam ¢ trocavam normalmente: a ciéncia era fantasia e moral, o obscurantismo era realismo e responsabilidade, a técnica nao era pratica, o altrufsmo implantava a mais-valia etc. E, de ma- neira geral, na auséncia do interesse organizado da escravaria, 0 confronto entre humanidade ¢ inumanidade, por justo que fos- se, acabava encontrando uma tradugio mais rasteira no conflito entre dois modos de empregar os capitais — do qual era a ima- gem que convinha a uma das partes.® Impugnada a todo instante pela escravidao a ideologia li- beral, que era a das jovens nagGes emancipadas da América, des- carrilhava. Seria facil deduzir 0 sistema de seus contra-sensos, todos verdadeiros, muitos dos quais agitaram a consciéncia teé- tica e moral de nosso século XIX. J4 vimos uma colegio deles. No entanto, estas dificuldades permaneciam curiosamente ines- senciais, O teste da realidade nao parecia importante. E como se coeréncia e generalidade ndo pesassem muito, ou como se a es- fera da cultura ocupasse uma posicao alterada, cujos critérios fossem outros — mas outros em relagio a qué? Por sua mera presenga, a escravidao indicava a improptiedade das idéias libe- rais; 0 que entretanto é menos que orientar-lhes 0 movimento. Sendo embora a relagio produtiva fundamental, a escravidio nao era o nexo efetivo da vida ideoldgica. A chave desta era diversa. Para descrevé-la é preciso retomar o pals como todo. Esquema- tizando, pode-se dizer que a colonizacéo produziu, com base no 8 Conforme observa Luiz Felipe de Alencastro em sua tese de dourorado, Otrato dos viventes: trifico de escravos e ‘Pax Lusizana’ no Atlantico Sul, sdeulos XVI- XIX (Universidade de Paris, Nanterre, 1985-1986), a verdadeira questo nacio- nal de nosso século XIX foi a defesa do tifico negreiro contra pressfo inglesa. ‘Uma questéo que nao podia ser menos propicta ao entusiasmo intelectual, 15 es ‘Ao vencedor as batatas terra, trés classes de populacéo: o latifundiério, o escravo € 0 fhomem| ‘livre”/ na verdade dependente. Entre os primeiros dois a relagéo é clara, é a multidao dos terceiros que nos interessa. Nem proprietarios nem proletérios, seu acesso a vida social ea seus bens depende materialmente dq favor; indireto ou direto, de um grande.»\Ovagregadowarsuarcaricarura/O favor é,)" portanto, o mecanismo através do qual se reproduz uma das gran- des classes da sociedade, envolvendo também outra, a dos que tém, Note-se ainda que entre estas duas classes é que ir aconte- cer a vida ideolégica, regida, em conseqiiéncia, por este mesmo ; mecanismo.1° Assim, com mil formas ¢ nomes, o favor atraves- | | | sou ¢ afetou no conjunto a existéncia nacional, ressalvada sem- prea relacao produtiva de base, esta assegurada pela forca, Este- ve presente por toda parte, combinando-se as mais variadas ati- vidades, mais e menos afins dele, como administragio, politica, | industria, comércio, vida urbana, Corte etc, Mesmo profissées | liberais, como a medicina, ou qualificagées operdrias, como a tipografia, que, na acep¢ao européia, néo deviam nada a ninguém, | \ entre nés eram governadas por ele. E assim como o profissional | dependia do favor para o exercicio de sua profissdo, 0 pequeno proprietério depende dele para a seguranga de sua propriedade, eo funcionério para o seu posto. seuniversal>— ¢ sendo mais simpatico do que o nexo escravista, a outra relagao que a coldnia nos legara, ¢ compreensivel que os |. 9 Para uma exposigio mais completa do assunto, Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens livres na ordem escravocrata, Sdo Paulo, Instituto de Estudos Bra- sileiros, 1969. 10 Sobre os efeitos ideoldgicos do latifiindio, ver o cap. Ill de Raéses do Bra~ sil, “A heranga rural”, 16 As idéias fora do lugar gscritores tenham baseado_nele a.sua.interpretacdo di il, involuntariamente disfarcando.a violéncia, que sempre reinou na esfera da produgio. O escravismo. desmente as idéias liberais; mais insidiosa- mente o favor, to incompativel com elas quanto o primeiro, as absorve e desloca, originando um padrao particular. O elemen- to de atbitrio, 0 jogo fluido de estima e auto-estima a que o fa- vor submete o interesse material, nao podem ser integralmente tacionalizados. Na Europa, ao atacd-los, oluniversalismo\visara o privilégio feudal. No processo de sua afirmagao hist6rica, a ci- vilizacio burguesa postulara a autonomia da pessoa, a universa- lidade da lei, a cultura desinteressada, a remuneragao objetiva, a ética do trabalho etc. — contra as prerrogativas do Ancien Régime. O favor, ponto por ponto, pratica a dependéncia da pessoa, a ex- cio a regra, a cultura interessada, remuneracio e servigos pes-| soais, Entretanto, nao estdvamos para a Europa como o feuda- lismo para o capitalismo, pelo contratio, éramos seus tributérios em toda linha, além de nao termos sido propriamente feudais — a colonizagio é um feito do capital comercial. No fastigio em que estava ela, Europa, € na posicao relativa em que estévamos nés, ninguém no Brasil teria a idéia e principalmente a forca de ser, digamos, um Kant do favor, para bater-se contra 0 outro.'! De modo que o confronto entre esses principios to antagdnicos re- sultava desigual: no campo dos arguments prevaleciam com fa- cilidade, ou melhor, adotavamos sofregamente os que a burgue- sia européia tinha elaborado contra arbitrio e escravidéos enquan- 11 Como observa Machado de‘ Assis, em 1879, “o influxo externo é que determina a diregio do movimento; nfo hé por ora no nosso ambiente, a forca necessiria & invengio de doutrinas novas”, Cf. “A nova geragio”, Obra completa, vol. III, Rio de Janeiro, Aguilar, 1959, pp. 826-7. W ‘Ao vencedor as batatas to na pratica, getalmente dos préprios debatedores, sustentado pelo latiftindio, o favor reafirmava sem descanso os sentimentos © as nogoes em que implica, O mesmo se passa no plano das ins- tituig6es, por exemplo com burocracia e justiga, que embora regidas pelo clientelismo, proclamavam as formas e teorias do estado burgués moderno. Além dos naturais debates, este anta- gonismo produziu, portanto, uma coexisténcia estabilizada — que interessa estudar. Af a novidade: adotadas as idéias e razées ‘uropéias, elas podiam servir ¢ muitas vezes serviram de justifica- ao, nominalmente “objetiva’, para o momento de arblirio que é natureza do favor. Sem prejuizo de existir, o antagonismo se desfaz em fumaca e os incompattveis saem de maos dadas. Esta Fecomposigio € capital. Seus efeitos so muitos, ¢ levam longe em nossa literatura, De ideologia que havia sido — isto é, en- gano involuntario e bem fundado nas aparéncias — o liberalis- mo passa, na falta de outro termo, a penhor intencional duma ;variedade de prestigios com que nada tem a ver. Ao legitimar 0 | arbitrio por meio de alguma razio “racional”, o favorecido cons- | clentemente engrandece a si e ao seu benfeitor, que por sua vez | ndo vé, nessa era de hegemonia das raz6es, motivo para desmen- | lo, Nestas condigées, quem acréditava na justficagdo? A que aparéncia correspondia? Mas justamente, nao era este 0 proble- ma, pois todos reconheciam — e isto sim era importante — a intengao louvavel, seja do agradecimento, seja do favor. A com- pensa¢ao simbdlica podia ser um pouco desafinada, mas nao era mal-agradecida. Ou por outra, seria desafinada em relacdo 20 Liberalismo, que eta secundétio, e justa em relagao ao favor, que era principal. E nada melhor, para dar lustre as pessoas ¢ a so- ciedade que formam, do que as idéias mais ilustres do tempo, no caso as européias. Neste contexto, portanto, as ideologias nao descrevem sequer falsamente a realidade, ¢ nao gravitam segun- do uma lei que lhes seja propria — por isso as chamamos de se- 18 As idéias fora do jugar gundo grau. Sua regra € outra, diversa da que denominam; é da ordem do relevo social, em detrimento de sua intengao cogni- tiva e de sistema, Deriva sossegadamente do dbvio, sabido de todos — da inevitdvel “superioridade” da Europa — liga-se ao momento expressivo, de auto-estima e fantasia, que existe no favor. Neste sentido diziamos que o teste da realidade e da coe- réncia nao parecia, aqui, decisivo, sem prejuizo de estar sempre presente como exigéncia reconhecida, evocada ou suspensa con- forme a circunstancia. Assim, com método, atribui-se indepen- déncia a dependéncia, utilidade ao capricho, universalidade as excegdes, mérito ao parentesco, igualdade ao privilégio etc. Com- binando-se & prética de que, em principio, seria a critica, 0 Li- beralismo fazia com que 0 pensamento perdesse o pé. Retenha- se no entanto, para analisarmos depois, a complexidade desse asso: ao tornarem-se despropésito, estas idéias deixam também de enganar. E claro que esta combinagao foi uma entre outras. Para o nosso clima ideoldgico, entretanto, foi decisiva, além deer aquela em que os problemas se configuram da maneira mais completa e diferente. Por agora bastem alguns aspectos. Vimos que nela as idéias da burguesia — cuja grandeza sébria remonta ao espi- rito puiblico ¢ racionalista da Llustracio — romam fungao de... ornato e marca de fidalguia: atestam e festejam a participacao numa esfera augusta, no caso 2 da Europa que se... industrializa. O qiiiproqué das idéias nao podia set maior. A novidade no caso do esta no carter ornamental de saber e cultura, que é da tra- digo colonial e ibérica; esta na dissondncia propriamente incri- vel que ocasionam o saber e a cultura de tipo “moderno” quan- do postos neste contexto. Sao intiteis como um berloque? Sao brilhantes como uma comenda? Serao a nossa panactia? Enyer- gonham-nos diante dé mundo? O mais certo € que nas idas ¢ vindas de argumento ¢ interesse todos estes aspectos tivessem 19 Ao vencedor as batatas ocasiao de se manifestar, de maneira que na consciéncia dos mais atentos deviam estar ligados e misturados. Inextricavelmente, a vida ideoldgica degradava e condecorava os seus participantes, entre os quais muitas vezes haveria clareza disso. Tratava-se, por- tanto, de uma combinagio instavel, que facilmente degenerava em hostilidade e critica as mais acerbas. Para manter-se precisa de cumplicidade permanente, cumplicidade que a pratica do favor tende a garantir. No momento da prestacao e da contraprestacao — particularmente no instante-chave do reconhecimento reci- ptoco — a nenhuma das partes interessa denunciar a outra, ten- do embora a todo instante os elementos necessdrios para fazé-lo. {Esta cumplicidade sempre renovada tem continuida mais profundas, que lhe dao peso de classe: no contexto brasi- leiro, o favor assegurava as duas partes, em especial 4 mais fraca, | de que nenhuma é escrava. Mesmo o mais miserdvel dos favore- cidos via reconhecida nele, no favor, a sua livre pessoa, o que trans- | formaya prestacdo e contraprestagao, por modestas que fossem, ‘numa ceriménia de superioridade social, valiosa em si mesma. Lastreado pelo infinito de dureza e degradagao que esconjurava — ou seja a escravidao, de que as duas partes beneficiam e tim- bram em se diferengar — este reconhecimento é de uma coni- véncia sem fundo, multiplicada, ainda, pela adogao do vocabu- lario burgués da igualdade, do mérito, do trabalho, da razao. Machado de Assis serd mestre nestes meandros. Contudo veja-se também outro lado. Imersos que estamos, ainda hoje, no universo do Capital, que nao chegou a tomar forma classica no Brasil, tendemos a ver esta combinagao como inteiramente desvantajosa para nés, composta s6 de defeitos. Vantagens nao hé de ter tido; mas para apreciar devidamente a sua complexidade considere-se que as idéias da burguesia, a principio voltadas contra o privilé- gio, a partir de 1848 se haviam tornado apologética: a vaga das lutas sociais na Europa mostrara que a universalidade disfarca an- Sociais 20

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