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Roberto Mangabeira Unger O DIREITO E O FUTURO DA DEMOCRACIA Tradugio Caio Farah Rodriguez Marcio Soares Grandchamp com consultoria do autor EOUTORTAL Copyright @ 1996 Roberto Mangabeira Unger Copyright © 2004 da cradugao, Boitempo Editorial Titulo original: What Should Legal Analysis Become? Tradugio Revisio Coordenagéo editorial Coordenagio de produgio Capa Diagramagao Fotolitos Impressio ¢ acabamento Caio Farah Rodriguez Marcio Soares Grandehamp (com consultoria do autor) Daniela Jinkings Leticia Braun Ivana Jinkings Ana Paula Castellani Daniel Tupinambd Antonio Carlos Kebl Antonio Carlos Kebl Onp Alaside CIP-BRASIL - CATALOGAGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. U48d Unger, Roberto Mangabcira O direito ¢ 0 futuro da democracia / Roberto Mangabeira Unger ; tradugio de Caio Farah Rodriguez, Marcio Soares Grandchamp, com consulcoria do autor. - Si0 Paula : Boiternpo, 2004, ISBN 85-7559-005-7 1. Hermenéutica (Dircito). 2. Direito - Merodologia. 3. Direito - Filosofia. I. Titulo. 04-1138 CDU 340.1 “Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorizagio da editora. Vedigao: maio de 2004 Jinkings Editores Associados Ltda. Rua Euclides de Andrade, 27 Perdizes 05030-030 Sao Paulo - SP Tel. fax: (11) 3875-7285/3872-6869 sice: www: boitempo.com contaro: editora@boitempo.com SUMARIO TEMA E PLANO DESTE LIVRO..... ENTENDIMENTO E TRANSFORMAGAO NA CIENCIA NATURAL E NO ESTUDO SOCIAL... Possibilidade institucional na teoria social e na ciéncia social Possibilidade institucional na filosofia politica... DEMOCRACIA E EXPERIMENTALISMO . Experimentalismo democrdtico e fetichismo instituciona A tese da convergéncia A PROMESSA PRATICA DO EXPERIMENTALISMO DEMOCRATICO: DO ATUAL DEBATE SOBRE POLITICAS PUBLICAS A DISCUSSAO PROGRAMATICA.. A forma e os limites de um debate sobre poltticas piblicas ... Inovagio nas formas institucionais da economia de mercado A estrutura de classes das democracias industriais .. Inovagao nas formas institucionais da democracia politica Inovagito nas formas institucionais da sociedade civil... A IMAGINAGAO DE ALTERNATIVAS: PRESSUPOSTOS SOCIOTEORICOS DO EXPERIMENTALISMO DEMOCRATICO ... Primeiras e segundas naturezas na vida em sociedade Rotina e revolugao ... Interesses reais e mudanga estrutural. AS DISCIPLINAS INSTRUMENTAIS DO EXPERIMENTALISMO DEMOCRATICO....... As disciplinas irmas de imaginagdo institucional A inexisténcia da economia institucional... 12 .16 18 © DESENVOLVIMENTO INTERROMPIDO DO PENSAMENTO JURIDICO A vocagio do direito contemporaneo . O limite do pensamento juridico contemporaneo A EXECUGAO COMPLEXA NO LIMIAR DA MUDANCA ESTRUTURAL ... Intervengio episddica porém estrutural O agente que falta O ENCANTO DA ANALISE JURIDICA RACIONALIZADORA .... 51 O pensamento juridico e a socialdemocracia . O método de politicas publicas e principios. A difusto da andlise juridica racionalizadora . A influéncia antiexperimentalista da andlise juridica racionalizadora.. 57 A ESTRUTURA COMPLEXA DA CONSCIENCIA JURIDICA O momento da ciéncia juridica do século XIX ..... O momento da andlise jurtdica racionalizadora O momento da reinterpretagio tatica do direito., O PLURALISMO DE GRUPOS DE INTERESSE E A ANALISE JURIDICA RACIONALIZADORA.... Dois vocabuldrios incompativeis sobre 0 direito As fronteiras moueis entre os vocabuldrios Implicagoes perturbadoras AS QUATRO RAIZES DA ANALISE JURIDICA RACIONALIZADORA: O PRECONCEITO CONTRA A ANALOGIA Um preconceito arraigado. Atributos da analogia... A falta de fundamento do preconceito contra a analogia AS QUATRO RAIZES DA ANALISE JURIDICA RACIONALIZADORA: A DEFESA DE UM SISTEMA DE DIREITOS ... O estado de direito ¢ 0 sistema de direitos . A andlise juridica racionalizadora e o sistema de direito: As duas genealogias do direito O poder de revisit Politicas piblicas, princtpios de direito e modelos tedricos © desacordo inerradicével entre as duas genealogias do direito ..... O poder de revisiéo reexaminado A estrutura argumentativa da teoria jurtdica contemporanea . Arbitrariedade no antidoto & arbitrariedade AS QUATRO RAIZES DA ANALISE JURIDICA RACIONALIZADORA: O REFORMISMO PROGRESSISTA PESSIMISTA 103 O reformismo conservador 103 O reformismo progressista pessimista.... 105 A andlise juridica racionalizadora como terapia social evasiva 107 O exemplo da igualdade perante a lei no direito constitucional norte-americano: disparidades racionais... O exemplo da igualdade perante a lei no direito constituctonal norte-americano: problemas de eficicia...... a Aprofundando e generalizando 0 ceticismo causal: o direito sob duas economias politicas 108 123 Os problemas politicos prdticos da andlise juridica racionalizadora .... 131 AS QUATRO RAIZES DA ANALISE JURIDICA RACIONALIZADORA: O PAPEL DOMINANTE DO JUIZ..... 134 O contexto histérico de uma obsessda .... 134 A tarefa jurisdicional e a reconstrugéo racional . 136 Colocando a tarefa jurisdicional em seu lugar 138 Como devem os juizes julgar? ... 141 KENOSIS: EVITANDO OS DESCAMINHOS DA TEORIA CONTEMPORANEA.. 148 A teoria coma obstdculo... 148 A indeterminagao radicalizada. O projeto de uma teoria pura do direito A abordagem funcionalista do direit A abordagem histérico-culturalista do direito . 151 152 156 Kenosis 158 A ANALISE JURIDICA COMO IMAGINAGAO INSTITUCIONAL .. 159 Objetivos de uma pritica revista de andlise jurtdic 159 Mapeamento ¢ critica. 160 IMAGINANDO FUTUROS ALTERNATIVOS DE UMA SOCIEDADE LIVRE: A SOCIALDEMOCRACIA AMPLIADA... .- 166 © DIREITO E O FUTURO DA DEMOCRACIA A idéia de futuros institucionais alternativos A diregdo da socialdemocracia ampliada O direito e as instituigées da socialdemocracia ampliada O espirito e os defensores da socialdemocracia ampliada A instabilidade interna da socialdemocracia ampliada. Uma politica menor para pessoas maiores?.. IMAGINANDO FUTUROS ALTERNATIVOS DE UMA SOCIEDADE LIVRE: A POLIARQUIA RADICAL A diresio da poliarquia radical . O direito e as instituigées da poliarquia radical Os paradoxos espirituais de um comunitarismo liberal O dilema pratico da descentralizagiio ¢ da desigualdade O exemplo admonitério da propriedade da empresa pelos empregados .... A poliarquia radical reconstruida IMAGINANDO FUTUROS ALTERNATIVOS DE UMA SOCIEDADE LIVRE: A DEMOCRACIA MOBILIZADORA, A direcio da democracia mobilizadora.. O direito e as instituigoes da democracia mobilizadora . Experimentalismo social e direitos humanos Virtude politica e realismo politico ..... A CAMPANHA PARA ALCANCAR UM MEIO-TERMO ENTRE RACIONALISMO E HISTORICISMO . A deflagao do racionalismo , A inflagao do historicismo.... Alcangando um meio-termo entre 0 racionalismo € o historicismo na filosofia e na teoria social Alcangando um meio-termo entre 0 racionalismo e o historicismo na andlise juridica.... Reorientando a campanha para alcangar um meio-termo entre 0 racionalismo e o historicismo..... PROFECIA E PROSTRAGAO NO PENSAMENTO JUR[DICO O culto do direito estatal e a busca por uma ordem moral latente... O experimentalismo democrdtico contraposto a ordem moral latente ... Uma pardbola: os judeus e seu direito O realista ¢ 0 visiondrio TEMA E PLANO DESTE LIVRO O conflito sobre as condigdes bdsicas da vida em saciedade, tendo aban- donado as antigas arenas da politica e da filosofia, vive sob disfarce e cons- trangimento nos debates mais estreitos e obscuros das profissbes especializadas. Ali devemos encontrar esse conflito ¢ recuperd-lo, transformado, para a vida maior da sociedade. Para adquirirmos a liberdade de criar futuros alternativos para a socieda- de com clareza e ponderagao, devernas ser capazes de imaginé-los e de dis- cuti-los. Para que os imaginemos e discutamos eficazmente, devemos adentrar dreas especializadas do pensamento e da pratica. Devemos transformar es- sas especialidades por dentro, modificando a sua relagdo com o debate pii- blico numa democracia. Devemos convencer os especialistas a renunciar a parte da autoridade superior que eles nunca propriamente possuiram, tro- cando essa falsa autoridade por um novo estilo de colaboragao eritre especia-~ listas técnicos e pessoas comuns. Este livro apresenta um exemplo do esforgo para penetrar, ¢ reforjar por dentro, um determinado dom{nio técnico: o direito e a andlise juridica. Ele pergunta como podemos mudar a anilise juridica de forma que ela possa preencher sua vocacdo primeira numa sociedade democra- tica e esclarecida: informar-nos, como cidadaos, na tentativa de imaginar- mos e de debatermos nossos fururos alternativos. O tema ¢ crucial, eo momento desafiador. O direito e o pensamento juridico foram, nas democracias industriais contemporaneas ocidentais, assim como em muitas sociedades do passado, o lugar em que um ideal de civilizagao assume forma institucional deralha- da. No direito e no pensamento juridico, ideais devem se ajustar com inte- Tesses, e a Unido entre interesses ¢ ideais deve se materializar em estruturas praticas. A doutrina jurfdica fornece um modo de representagao e discussao dessas estruturas que torna possivel manté-las e desenvolvé-las dia apés dia € controvérsia apés controvérsia, Como podemos compreender um arranjo 9 © DIREITO E O FUTURO DA DEMOCRACIA institucional ¢ ideoldgico estabelecido de forma a reconhecer suas possibi- jidades transformadoras, conferindo-nos capacidade para criar o futuro e libertando-nos de supersti¢ao quanto ao presente? Essa pergunta agora ganhou maior forga. Vivemos numa época em que a idéia de alternativas sociais corre o risco de ser desacreditada como uma ilusdo romantica responsdvel por catdstrofe histérica. Nao emprestamos mais significado estavel as palavras de luta do passado. Devemos entao redescobrir nas pequenas variagSes a que o pensamento juridico cradicionalmente se prendeu os comecos das alternativas maiores que nao mais encontramos onde costumdvamos procurar. O intuito deste livro dita sua organizacéo. O livro se inicia pelo desen- volvimento de um ponto de vista experimentalista e. democratico a partir do qual se podem julgar as oportunidades intelectuais e politicas da atuali- dade. Discute por que a imaginacAo institucional necessita de novas ferra- mentas e qual trabalho podemos esperar realizar com elas. O livro entéo se volta para o direito e para o pensamento juridico como fonte dessas ferramentas. O passo inicial ¢ mostrar como a voca¢ao caracterfstica do direito, com seu potencial democratizante ndo aproveitado, permaneceu presa aos constrangimentos impostos por estruturas e superstig6es institucionais. Para combater essas estruturas € superstigGes, 0 livro entao parte para explorar 0 que est4 rapidamente se tornando o método mais influente de andlise juri- dica em todo o mundo: o que eu chamo aqui de andlise juridica racionalizadora. O livro examina a natureza, as conseqiiéncias ¢ as possibi- lidades transformadoras desse método a partir de varias perspectivas, ¢ por meios que sio cumulativos e dialéticos, mais do que sistematicos ¢ lineares. A medida que o nosso entendimento dessa pratica analitica se aprofunda, comegamos a perceber como reorienté-la de forma que ela possa fazer maior justiga & vocacao do direito contempordneo e prestar melhor servigo aos nossos compromissos experimentalistas ¢ democraticos. A parte final do livro sugere como podemos colocar a pritica reorientada de andlise juridica para funcionar, tragando trajetérias divergentes de avanco, por meio de mu- danga institucional cumulativa, do projeto democrdtico. Em certo sentido, este livro é sobre a tradugao de esperanga em idéias. A telagéo entre conhecimento sobre a sociedade e esperanga sobre as pessoas é portanto, um bom ponto de partida. 10 ENTENDIMENTO E TRANSFORMAGAO NA CIENCIA NATURAL E NO ESTUDO SOCIAL Possibilidade institucional na teoria social e na ciéncia social O experimentalismo pratico da politica democratica ¢ 0 experimentalismo cognitivo das ciéncias sociais tm algo importante em comum, O tedrico € o reformador pratico dividem a responsabilidade de compreender e julgar instituigdes reais do ponto de vista de suas possibilidades reprimidas e nao aproveitadas. Podemos manter viva essa idéia que nos confere liberdade e destréi supersticdes, hoje, somente se reforjarmos tanto a anilise juridica quanto a economia politica como imaginacao institucional. Com a ajuda dessa pratica reformada de estudo juridico ¢ econdémico, podemos entao repensar as formas institucionais estabelecidas de democracias representati- vas, economias de mercado e sociedades civis livres. Podemos soprar novo significado e nova vida ao projeto democratico. Oportunidade transformadora é a chave para. investigacao cientifica do mundo natural: entendemos como as coisas funcionam ao descobrir sob que condicgées, em que diregées ¢ dentro de que limites elas podem mudar. A inclusdo de fenémenos reais em um campo maior de oportunidades nao aprovcitadas nao é, para a ciéncia, uma conjectura metafisica; é um pressu- posto operativo indispensdvel. O que vale para a ciéncia natural vale com grande forga para toda a gama de estudos sociais e histéricos. Juizos de possibilidade contrafatica, em grande medida implicitos, informam nossa percepgao acerca de seqiién- cias reais de mudanga historica e de forgas reais na vida em sociedade. Uma express’o sumdria da nossa condic¢ao perturbadora no estudo social e his- térico € o fato de nao termos mais & mao uma explicagao verossfmil da mu- danga estrutural — quer dizer, de mudanga nas estruturas institucionais e nas crengas reconhecidas a elas associadas que moldam os procedimentos praticos ¢ de debate numa sociedade. 11 O DIREITO E O FUTURO DA DEMOCRACIA Os grandes projetos explicativos das teorias sociais classicas do século XIX, tais como o marxismo, com sua crenga caracteristica numa se- qiiéncia predeterminada de sistemas institucionais indivisiveis e impul- sionados por forgas imperativas, tornaram-se vitimas tanto do cresci- mento do conhecimento académico quanto das decepgées da experiéncia politica. Nao obstante, nos agarramos aos seus restos, usando sem rigor o vocabuldrio de sistemas tedricos a que alegamos ter renunciado: con- ceitos como capitalismo, que pressupdem a existéncia de um regime econémico ¢ juridico tinico e tipico com uma l6égica prépria, ou distin- Ges entre humanizag4o reformista e suplantacdo revolucionéria da or- dem estabelecida. As ciéncias sociais positivas, de sua parte, prescindem completamente da idéia de mudanga estrutural, tratando as estruturas e preconcepgées bdsicas como o residuo cumulativo de um sem-ntimero de episddios passados de resolugio de problemas ou de concessées, ou como o resultado de convergéncia por tentativa-e-erro as melhores pré- ticas disponfveis, Em tal ambiente intelectual, a transformagio e a in- vengao das esteuturas formativas de uma sociedade tornam-se literal- mente inimagindveis. Como resultado, encontramo-nos empurrados de volta a um entendimento do realismo polftico como proximidade ao que ja existe. A incapacidade para imaginar possibilidades transformadoras, que acabou por viciar a pratica dominante do estudo social ¢ histérico, con- tamina a filosofia politica normativa, bem como a linguagem comum da politica pratica. Possibilidade institucional na filosofia polttica Essa incapacidade ajudou a moldar, principalmente no mundo de lingua inglesa, um estilo dominance de filosofia politica, uma maneira de pensar que desliga a formulagao de principios de justiga dos problemas de elabora- ao institucional, recusa-se a reconhecer o efeito de instituigdes ¢ praticas estabelecidas sobre desejos e intuigdes e trata 0 acerto socialdemocrata do perfodo pés-guerra como o horizonte insuperdvel para a perseguicao de seus ideais. A primeira e a segunda caracteristicas dessa filosofia politica se ligam por sua dependéncia conjunta sobre a terceira. Juncas, elas resultam numa dependéncia paradoxal sobre o contexto histérico que o filésofo pre- tendia transcender. 12 ENTENDIMENTO E ‘TRANSFORMAGAO O filésofo pode imaginar que princtpios de justica — em especial, princi- pios de distribuicao justa — podem ser primeito formulados num vacuo institucional. Disciplinas técnicas de elaboragao institucional podem ento lidar com a sua aplicago pratica, a luz do conhecimento empirico ¢ da cir- cunstancia cambiante. Assim, ele banaliza o problema de elaboracao institucional como sendo um problema de engenharia social circunstancial. O problema das instituigdes, rebaixado pelo métado do filésofo, contra- ataca, comprometendo a autoridade e o alcance de suas afirmagées. Ele o faz de uma mancira ou de outra. O filésofo pode identificar abertamente seu método de selecao de principios de justiga — contratualista ou utilitario, por exemplo — com as formas conhecidas da economia de mercado on da democracia representativa, tratando essas instituigdes como se fossem uma representag3o veross{mil de uma prdtica de escolha coletiva por individuos livres e iguais. Com esse procedimento, contudo, 0 filésofo deixa de considerar adequadamente tanto os defeitos quanto a contingéncia das instituigdes politicas e econdmicas herdadas. Ele nao consegue reconhecer que a idéia de uma sociedade de individuos livres ¢ iguais poderia se desenvolver em diferentes direc6es institucionais, com conseqiiéncias diferentes para a na- tureza das relagdes entre as pessoas, bem como para a distribuigdo de riqueza ¢ poder. Alternativamente, o filésofo pode pretender alcangar, por tras da fa- chada das democracias industriais contemporaneas, um momento pré- institucional na aplicagao de seu método. Ele pode recorrer 4 matéria- prima de desejos e intuigdes, purgando-os de sua parcialidade, ou equilibrando um com outro, de forma que a estrucura institucional apa- Tega entre as conclusdes em vez de entre as premissas do raciocinio. Con- tudo, pode dar a seu método a forga necessdria para gerar resultados de- terminados apenas porque reprime a dialética interna fundamental na substancia de desejos e intuigdes: 0 conflito entre aquelas nossas tendén- cias que pressupdem a ordem institucional e aquelas que, como aspiragao, fantasia e resisténcia, se rebelam contra essa ordem. Essa dualidade de quereres humanos reflete a dualidade fundamental da nossa relagdo com os mundos discursivos ¢ institucionais que herdamos, refazemos e habita- mos: nés somos esses mundos, ¢ nés somos mais do que eles. Hd sempre mais em nés do que ha neles. Se o filésofo acaba por chegar, no fim do dia, a instituigées como as nossas, ele deve pressupor nao apenas pessoas que tenham nossos dese- jos € intuigées, moldados como estao pela estrutura em que vivemos; 13 O DIREITO E O FUTURO DA DEMOCRACIA deve pressupor também pessoas cuja vida de aspirac4o seja mais unidi- mensional do que a nossa realmente é, Seu benthamiano imagindrio ou parte contratante hipotética do contrato social deve consistir em nés menos um, € nao nés mais um. No cerne dessas ilusdes da filosofia politica académica reside a inca- pacidade para fazer justia ao que serd um dos temas centrais deste li- vro. Chame-o, num vocabuldrio, a relagdo interna e, em outro, a relacao dialética, entre pensar sobre ideais ¢ interesses ¢ pensar sobre instituigdes ¢ praticas. Pensar sobre ideais ¢ interesses ¢ pensar sobre instituigées e pré- ticas nao sio momentos ou atividades separados: cada um incorpora 0 outro sem ser redutivel ao outro, Assim, cada ideal social e cada interesse de grupo adquire parte de seu significado a partir das estruturas sociais conhecidas que imaginamos representar ou realizar de fato. Ao mesmo tem- po, contudo, hd algo na aspiragao abstrata dentro de nossos ideais ¢ na forga bruta dentro de nossos interesses que luta, impacientemente, con- tra os limites impostos pelas estruturas do momento. Damos crédito a essa dualidade quando desenvolvemos a compreensio de nossos interesses e ideais pelo ajuste, na imaginacio e na pratica, de suas formas concretas de realizagio. A importancia central desse ajuste ¢ 0 sentido mais impor- tante da relagao interna entre pensar sobre ideais ou inceresses € pensar sobre instituigdes ou praticas. Podemos, agora, entender o que de outra forma permaneceria uma qualidade paradoxal da filosofia politica dominante. Ela quer transcender sua situagao histérica, as vezes mais, as vezes menos (como sugere minha discussao posterior da campanha para alcangar o meio-termo entre histori- cismo € racionalismo). Contudo, ela quer alcangar essa liberagao do mo- mento e da circunstAncia no inicio dos seus argumentos por uma mano- bra metodoldgica, em vez de ao final dos seus argumentos, por um trabalho paciente da imaginagao. Ela, portanto, deixa de reconhecer as ambigiii- dades ideoldgicas e as oportunidades transformadoras que habitam a rela- do incerna entre nossos ideais ou interesses ¢ nossas instituigées ou prd- ticas. Nao perceber essas oportunidades ¢ ambigiiidades significa desperdicar os meios pelos quais podemos manter efetivo distanciamento das instituigdes reais. E por isso que grande parte da filosofia politica especulativa de hoje acaba, em retrospecto, por dar um brilho metafisico as praticas fiscais compensatérias da socialdemocracia estabelecida. Um reformismo pessimista, cético quanto a alternativas institucionais ¢ resig- nado a medidas compensatérias, guia os movimentos aparentemente abs- 14 ENTENDIMENTO E TRANSFORMACAO tratos dessa filosofia politica especulativa. O fildsofo é abandonado por seu método nas maos do contexto histérico que ele, por medo de rela- tivismo, pretendera transcender. Ele se torna, infelizmente, a vitima involuncaria e autonomeada da histéria a que planejara escapar. 15 DEMOCRACIA E EXPERIMENTALISMO Experimentalismo democratico ¢ fetichismo institucional Uma das razées pelas quais o enfraquecimento da imaginago institucional importa reside no fato de ele produzir superstigées hostis ao avango do pro- jeto democratico — 0 mais poderoso e duradouro conjunto de idéias sociais na histéria moderna. Para compreendermos o poder desse projeto ~ a moeda comum entre liberais € socialistas nos ultimos dois séculos — devemos en- cender-a democracia como muito mais do que pluralismo partidario ¢ do que responsabilidade eleitoral do governo perante um eleitorado am- plo. Visto por um angulo maior e mais revelador, o projeto democratico foi o esforgo de tornar a sociedade um sucesso pratico e moral, pela concilia- gao da busca de dois géneros de bens: o bem do progresso material, nos liberando da servidao e da incapacidade e dando armas ¢ asas aos nossos desejos, ¢ o bem da independéncia individual, nos libertando dos es- quemas triturantes de divisio e hierarquia social. Tais esquemas nos im- pedem de lidar uns com os outros como individuos inexaurfveis em vez de como titulares de lugares fixos numa determinada ordem coletiva. Uma crenga influente do século XIX sustentou que ha uma convergén- cia natural, conquanto uma convergéncia a longo prazo, entre esses dois bens. Agora, lutamos para sustentar a fé — mais limitada e cética — de que as buscas por esses dois bens nao contradizem, como o fatalismo conservador preferiria, uma 4 outra. O projeto democratico, liberto tanto de otimismo dogmatic quanto de pessimismo dogmatico, é 0 esforco de identificar as estruturas prdticas que se sicuam na drea de coincidéncia possivel entre as condicdes de progresso material ¢ as condigées de in- dependéncia individual. A esperanga de encontrar essa 4rea de coinci- déncia faz sentido porque tanto o progresso material quanto a liberacao do individuo dependem da aceleragio do aprendizado coletivo pelo experimentalismo pratico. Ambos exigem que sujeitemos prdticas sociais 16 DEMOCRACIA E EXPERIMENTALISMO, a um ajuste experimental, e que avancemos em dire¢4o aquelas praticas que nos encorajam a ajusté-las cada vez mais. Um dos inimigos do experimentalismo democrdtico é o fetichismo institucional: a crenga de que concepgées insticucionais abscratas, como a democracia polftica, a economia de mercado e uma sociedade civil livre, t¢m uma expressio institucional unica, natural e necessdria. O fetichismo institucional € um tipo de superstigéo que permeia a cultura contempora- nea. Ele penetra cada uma das disciplinas mencionadas anteriormente, e informa a linguagem e os debates da politica comum. A idéia de esclareci- mento, ora antiquada, seria, hoje, mais bem aplicada a esforcos para afastar 0 fetichismo institucional que vicia doutrinas ortodoxas em cada uma das disciplinas sociais. Afastd-lo seria o trabalho em tempo integral de uma geracao de criticos sociais e cientistas sociais. Hoje, a causa do experimentalismo democratico em todo o mundo tem um foco de atencio especifico. A questao dominante perante nds é como e em que direcdo renovar o repertério variado porém andlogo de estruturas institucionais que as democracias industriais avangadas vém partilhando desde a ultima grande guerra. O velho conflico entre estatismo e privatismo, plani- ficago e mercado, est4 morrendo. Est4 em via de ser substitufdo por um novo conflito entre versées institucionalizadas alternativas do pluralismo po- litico e econémico. A premissa desse debate emergente ¢ que democracias representativas, economias de mercado e sociedades civis livres podem assu- mir formas juridico-institucionais muito diferentes daquelas que vieram a predominar nas democracias industriais ricas. De acordo com essa crenga, as variagées existentes entre as instituigdes do Estado e da economia dessas de- mocracias representam um subconjunto de um espectro muito mais amplo de possibilidades institucionais nio aproveitadas. A divergéncia institucional nas formas de democracias, mercados e sociedades civis pode ser a resultado totalmente intencional de inven- Gao deliberada e consciente. Com mais freqiiéncia, contudo, é 0 sub- produto semi-escolhido de recombinagoes e variagdes institucionais empreendidas sob pressio de ambigdo econémica ¢ rivalidade politica. Os paises mais bem-sucedides, tanto em desenvolvimento econdmico como em auto-afirmag4o, foram com freqiiéncia os mais persistentes pilhadores de prdticas e estruturas de todo o mundo. Esse experimenta- lismo institucional involuntdrio ficou recentemente em maior evidéncia em paises, antes ou ainda comunistas, que reconstruiram suas economias, bem como no grupo de frente do mundo em desenvolvimento. Percebe- 17 © DIREITO E O FUTURO DA DEMOCRACIA mos seus sinais, por exemplo, quando as exigéncias politicas e econémi- cas praticas da privatizagdo em massa conduzem os governos do leste da Europa a experimentar a distribuigdo ampla de titulos de participagéo na indtstria e a concentragao dessas cotas em fundos de investimento incumbidos de supervisionar as empresas em que os detentores fragmentados mantém participagao; ou quando, como na China da atualidade, tra- balhadores, administradores e governos locais mantém, em conjunto, di- reitos residuais de propriedade em “empresas tipo districo-vila”; ou quan- do, como no Brasil hoje, o direito do trabalho combina o principio contratualista de independéncia do sindicato da tutela do Estado com © prine{pio corporativista de sindicalizagao automiatica ¢ ampla de toda a forga de trabalho. Entre os grandes inimigos espirituais do impulso experimentalista na recriagao de instituigées est a superstigao do fetichismo institucional que tudo permeia: a identificagao inibidora e injustificada de concepgdes institu- cionais abstratas, como a democracia representativa ¢ a economia de merca- do, com um conjunto especffico e contingente de estruturas institucionais. Essa atitude fetichista em relagdo as estruturas institucionais da socieda- de recebe estimulo de muitas das prdticas discursivas dominantes das ciéncias sociais, tais como sua caracteristica incapacidade para reimaginar descontinuidade e reinvengio institucional. A mesma atitude também encontra apoio nos pressupostos operativos de grande parte da filosofia politica normativa, com sua separagao mal-direcionada entre principio prescritivo ¢ elaboragao institucional. As decepgées ¢ desilusdes da histéria do sécule XX, que culminam no colapso do comunismo — o exemplo mais dramdtico de inovagio institucional deliberada nesse século -, parecem confirmar a percepgao de constrangimento histérico que inspira e expressa o costume fetichista. A tese da convergéncia O fetichismo institucional adquire hoje uma respeicabilidade pseudo- cientifica mediante uma idéia em grande medida implicita, mas persua- sivamente influence: a nogéo da convergéncia para um conjunto nico de melhores praticas disponiveis no mundo todo. De acordo com essa idéia, a evolucdo institucional do mundo moderno é mais bem entendi- da como uma aproximagio, por tentativa ¢ erro, as Gnicas instituigdes 18 DEMOCRACIA E EXPERIMENTALISMO, polfticas e econdémicas que se provaram capazes de conciliar prosperida- de econémica e um cuidado satisfatério com liberdade polftica e segu- ranga social. Variacées nas estruturas institucionais de sociedades con- temporaneas bem-sucedidas sio reais, porém secunddrias; se alguma conclusao € possfvel, ¢ que elas tendem a se cornar mais limitadas & medida que as ligdes implacaveis da experiéncia deixam cada vez menos espago para a imaginacao reconstrutiva. A influéncia multipla exercida por essa tese secreta ¢ ainda mais nota- yel porque a tese representa uma inversio surpreendente — um interlidio reaciondrio — no que foi a direcdo principal do pensamento social ¢ histd- rico desde o final do século XIX: a fuga do determinismo funcionalista e evolucionista na teoria social e a crescente compreensdo das maneiras pelas quais as instituigdes prdticas € as crengas reconhecidas de um povo se juntam para moldar uma forma inconfund{vel de vida. Ha duas objegdes basicas a tese reaciondria da convergéncia. A primeira objegio € que, como aprendemos dos fracassos explicativos de teorias como 0 marxismo, sem- pre temos mcios institucionais alternativos para a execugao de objetivos pracicos; exigéncias funcionais nao determinam completamente sespostas institucionais. O hegelianismo de direita da tese de convergéncia esconde uma nitida inferiorizagéo da contingéncia histérica ¢ da liberdade huma- na, A segunda objecao é que, como tanto Adam Smith quanto Karl Marx entenderam, quando preferimos um conjunto de instituigées econdmicas a ourro, escolhemos também uma certa maneira de viver ¢ de nos relacio- nar com outras pessoas. Nao podemos separar os contornos pratico espiritual da nossa civilizacao. A tese intelectualmente regressiva da convergéncia para as melhores pra- ticas dispon{veis no mundo reforga a autoridade do projeto politico que exerce maior influéncia no mundo hoje, especialmente no mundo em de- senvolvimento: o projeto do neoliberalismo, as vezes também chamado con- senso de Washington. E esse projeto caracteristico, mais do que a idéia abstrata de convergéncia, que se distingue hoje como o empecilho mais ameagador ao experimentalismo democratico. O neoliberalismo ¢ 0 progra- ma de estabilizagao macroecanémica sem prejuizo aos credores internos ¢ externos do Estado; de liberalizagdo, entendida mais estreitamente como a aceitagao da concorréncia internacional ¢ a integragao no sistema de comér- cio mundial, e mais amplamente como a reprodugio do direito tradicional dos contratos e de propriedade do Ocidente; de privatizagao, significando a retirada do Estado da produgio e, no lugar disso, sua dedicagao a responsa- 19 © DIREITO E O FUTURO DA DEMOCRACIA bilidades sociais; ¢ do desenvolvimento de redes de seguranga sociais cria- das para compensar, retrospectivamente, os efeitos desniveladores ¢ desestabilizadores da atividade de mercado, Esse programa tem equivalentes nas democracias industriais ricas: um, abertamente intolerante quanto a atuagio estaral na economia e hostil a direitos sociais e de trabalhadores; 0 outro, uma versio apurada e liberalizada da socialdemocracia que est rapi- damente se tornando o novo centro de gravidade da politica Ocidental. Os atributos caracteristicos dessa socialdemocracia apurada s4o: primeiro, seu compromisso continuo com o Estado de bem-estar ¢ com 0 investimento em gente, tanto como um fim em si mesmo quanto como uma condigao do éxito econdmico; segundo, um desejo de livrar a economia de mercado regulada de constrangimentos estatistas, corporativistas ¢ oligopolistas so- bre a flexibilidade e a inovagio econémica, principalmente na transigao a um estilo pés-fordista de organizac4o industrial, aliado & simpatia em rela- Gao a associagées de base ¢ participagao popular nos governos ¢ organizagses sociais locais; e, terceiro, um conservadorismo institucional indisfargado, expresso num ceticismo sobre os grandes projetos de reconstrugao institucional e na aceitag’o das formas juridicas atuais de economias de mercado, democracias representativas ¢ sociedades civis livres, O limite exterior do alcance reconstrutivo desse programa ¢ a idéia de uma parceria entre governos ¢ empresas que nao questione nem a nature- za jurtdica do regime de propriedade nem a estrutura juridica do Estado e da sua relag4o com a sociedade civil. O programa da socialdemocracia apura- da deve ser realizado dentro dos limites de um estilo especifico de propriedade ¢ politica. O regime de propriedade faz com que o acesso a recursos dependa de decisdes de administradores e especialistas financeiros que cuidam de fun- dos privados de riqueza, grande parte da qual herdada ou dada em anteci- pagio de heranga. A capacidade prdtica para alcangar economias de escala, os direitos de livre acumulagio e transmissdo da riqueza pessoal ¢ a organiza- 0 de rotinas de disciplina administrativa exercida em nome do direito de propriedade acabam por parecer companhciros naturais ¢ insepardveis. O regime politico da polftica desenergizada favorece niveis baixos de engajamento popular e submete ao conhecimento técnico 0 que retira do auto- governo popular ativo, dissolvendo a escolha politica numa série de discus- sées politicas restritas e pouco relacionadas. Os homens e mulheres prdticos que governam as democracias industriais ricas acreditam que seria irtealista energizar a politica pela intensificagéo da agao politica popular centrada numa escolha entre programas bem-definidos 20 DEMOCRACIA E EXPERIMENTALISMO, de mudanga estrutural. O resultado paradoxal de seu pragmatismo antiprag- mitico é, nao obstante, negar a problemas coletivos suas solugées coletivas. A politica se degenera numa série de acertos parciais restritos entre grupos desigualmente organizados. Cada geupo se descobre preso no préprio enten- dimento atual de scus interesses ¢ de sua identidade, Como resultado, o menosprezo 4 mudanga estrutural se torna uma profecia que se autocumpre. 21 A PROMESSA PRATICA DO EXPERIMENTALISMO DEMOCRATICO Do atual debate sobre politicas puiblicas 4 discussao programdtica A forma ¢ os limites de um debate sobre poltticas publicas O custo dessa resisténcia ao experimentalismo institucional deve ser medido tanto em énus tangiveis quanto em frustrages intangiveis: em sofrimento e empobrecimento, ¢ também no fracasso em soprat vida nova ao projeto democratico, reinventando suas formas praticas. Considere, por exemplo, a mais tipica das discussées sobre politicas publicas da atua- lidade na Europa e nos Estados Unidos: 0 debate sobre a relagao entre niveis salariais, garantia de emprego e comperitividade. Ao conduzir esse debate de seus pontos de partida conhecidos em diregao a um territério inexplorado, meu objetivo € mostrar como podemos passar, passo a passo, dos debates publicos correntes nas democracias industriais ricas para um campo de experimentos institucionais que esses debates reprimem. Pode- rfamos comegar praticamente de qualquer outro lugar — como dos problemas de conflito racial, da pobreza arraigada, da desindustrializagao e da decadéncia urbana ou da crise fiscal do Estado de bem-estar — € avangar numa direc&o semelhante. A discussio sobre niveis salariais, garantia de emprego e comperitividade nacional comega caracteristicamente com a observagao de que os trabalhado- res na maioria dos paises europeus, principalmente aqueles que tradicional- mente mantém uma economia polftica corporativista, gozam relativamente de maior estabilidade ¢ saldrios mais altos do que nos Estados Unidos. Os trabalhadores norte-americanos, por oposigao, mantiveram um nivel mé- dio de emprego significativamente mais alto durante todas as subidas ¢ descidas do ciclo econémico. Para moderar a troca perversa entre maior desemprego (como na Europa) ¢ repressao salarial ou instabilidade no empre- go mais severas (como nos Estados Unidos), ao mesmo tempo mantendo a economia nacional competitiva, os mercados de trabalho — assim segue 0 22 A PROMESSA PRATICA DO EXPERIMENTALISMO DEMCCRATICO raciocinio — devem ficar mais flexfveis. Os recursos econémicos ¢ educacionais de que as pessoas precisam para se requalificar numa economia inovadora e instavel sao genéricos, multifacetados e passiveis de transferéncia. Uma ta- refa das mais importantes na patceria entre governos e empresas € combater as formas rigidas de estabilidade no emprego e limicar os direitos estabeleci- dos de segmentos relativamente privilegiados e organizados da forga de tra- balho. Os governos podem ent4o se comprometer a organizar um sistema nacional para treinamento permanente da mao-de-obra ¢ para educagao durante toda uma vida util de trabalho. Inovagao nas formas institucionais da economia de mercado Essa conclusdo caracteriza o limite exterior da posigao progressista prdti- ca na politica de hoje das democracias industriais. Suas deficiéncias j4 estao ficando conhecidas. Corrigi-las exige um nivel de inovagao institucional de alcance maior do que os progressistas prdticos parecem prontos pata supor- tar ou até mesmo considerar. O investimento na educagio se mostra insufi- ciente, a nao ser que as empresas se reestruturem de forma que se tornem capazes de colocar em uso efetivo a mio-de-obra treinada. Além disso, se empreendimentos no desenvolvimento de empresas pés-fordistas e com tra- balhadores altamente capacitados devem prosperar em numero suficiente, ¢ se a oportunidade econdmica é para ser mais amplamente democratizada, deve haver mais rotas de acesso a recursos produtivos do que a forma estabelecida da economia de mercado garante. As empresas devem ter acesso a capital, tecnologia e assisténcia técnica especializada, pelo menos em ter- mos temporarios e condicionais. Devem ser capazes de obter tais recursos de organizagoes livres dos constrangimentos do lucro a curto prazo. Negé- cios grandes e de estilo pds-fordista no devem poder levar vantagem na competi¢io com tais empresas pela capacidade de se proteger contra a ins- tabilidade nos mercados em que operam mediante mecanismos como a ctiagao interna de fundos de investimento e a divisdo da sua forga de traba- tho em empregadas de longo prazo ¢ empregados tempordrios. Empresas menores devem ser capazes de combinar as vantagens de flexibilidade e de escala pela associagdo, com apoio estatal, em redes de competig4o coopera- tiva. A ajuda governamental para esse e outros aspectos de reconstrugio industrial pode funcionar, por sua vez, pela intervengao de fundas saciais centros de apoio que gozem de considerdvel autonomia. Tais corpos, inter- 23

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