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ABSTRACT
The methodology for lithic industry analyses suggested by the French school, based on the
concepts of chaîne opératoire and technological analyses, classifies and ranks the various industrial pro-
duction stages (cutting up, manufacturing, refinishing, etc..) thus allowing the organization and structur-
ation of the prehistoric space. The use of this approach enables the connection between human groups
and the environment in which they are inserted through the identification of actually or potentially used
raw material deposits (economy of landscape, economy of raw materials). It also enables the deduction
of cultural choices through the identification of techniques and methods applied by prehistoric groups
for the production of their lithic industries (use of direct hard percussion, direct soft percussion or
pressure; management of raw materials and nucleus). This approach is mainly used for the analysis of
exhumed collections of in situ archaeological contexts, but can also be applied to collections found out
of the context, as this is the case for the heads of bifacial projectiles found in the state of Rio Grande do
Norte, Brazil.
RESUMEN
La metodología para el análisis de industrias líticas propuesta por la Escuela Francesa, basada
en los conceptos de chaîne opératoire y de análisis tecnológico, clasifica y jerarquiza las diversas fases
de producción de estas industrias (debitage, façonage, retoque, etc.), organizando y estructurando el
espacio prehistórico. La utilización de este acercamiento permite relacionar los grupos humanos con
el medio ambiente dónde se encuentran, por la identificación de yacimientos de materia prima, efec-
tivamente o potencialmente utilizados (economía del paisaje, economía de la materia prima). Facilita
asimismo la inferencia de las opciones culturales mediante la identificación de las técnicas y de los
métodos aplicados por los grupos prehistóricos en la producción de sus industrias líticas (empleo de
percusión directa dura, de la percusión directa blanda o aun de la presión; manejo de la materia prima
y del núcleo). Este acercamiento es principalmente utilizado para analizar colecciones exhumadas de
contextos in situ, pero puede también ser aplicado a colecciones descubiertas fuera del contexto, como
es el caso de las puntas de proyectil bifaciales encontradas en el Estado de Rio Grande del Norte.
1
Professora de Arqueologia PPGAN-UFMG – jacqueline.rodet@gmail.com
2
Pesquisadora colaboradora do Museu de História Natural da UFMG – delsduarte@hotrmail.com
3
Professor de Arqueologia da UERN - valdecisantosjr@hotmail.com
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CADEIA OPERATÓRIA E ANÁLISE TECNOLÓGICA...
pouca ou nenhuma atenção aos vestígios líticos, Mesmo sendo uma metodologia desenvolvida na
voltando-se para as análises seriadas do material Europa, a mesma pode ser utilizada para análises
cerâmico. No geral, os vestígios líticos apareciam das coleções líticas da América do Sul como um
arrolados em listas tipológicas, com denominações todo. Certamente serão feitas adaptações de acor-
que indicavam basicamente a forma e a função dos do com a necessidade do contexto da coleção, mas
mesmos. a metodologia responde de maneira contundente
Com o passar do tempo, sob influência de às questões colocadas para as coleções líticas.
escolas estrangeiras (franceses e também america-
nos) e com a formação mais diversificada de estu- A ANÁLISE TECNOLÓGICA: OS CONCEITOS
diosos, os vestígios líticos passam a ser analisados UTILIZADOS
tecnologicamente (Caldareli 1983, Schmitz et al. A metodologia proposta para análise das
1987, Vilhena-Vialou 1980, dentre outros). No indústrias líticas lascadas e também polidas é
entanto, poucos são os trabalhos que o fazem de adaptada daquela utilizada pela Escola Francesa a
forma aprofundada (Bueno (2005) 2007, Duarte- partir do século XX, em oposição às análises ti-
Talim 2012, Fogaça 2001, Lourdeau 2010, Mello pológicas recorrentes até aquele momento. Para
2005, Rodet 2005, 2006, Rodet et al., 2007, 2010, a tipologia bastava classificar os instrumentos de
no prelo, Schimtz 2004, Viana 2005, dentre ou- acordo com sua morfologia e função, criando ver-
tros). Deve-se ressaltar ainda os trabalhos realiza- dadeiros tipos que serviam de “fóssil guia” para
dos pelos pesquisadores e colaboradores do Mu- determinadas culturas. O objetivo era estabelecer
seu de História Natural da Universidade Federal um quadro de evolução crono cultural (Karlin et
de Minas Gerais (MHN-UFMG), os quais seguem al. 1991).
as linhas gerais da análise tecnológica (Isnardis Os objetivos da análise dos vestígios líti-
1997, Prous e Lima 1986/1990, Prous et al. 1996, cos (e também cerâmicos) mudam com a introdu-
entre outros). ção da análise tecnológica, sendo que, para os es-
Atualmente, as coleções líticas são melhor tudiosos da Escola Francesa (Bodu et Liger 2008,
conhecidas para o Brasil como um todo, havendo Inizan et al. 1995, Leroi-Gourhan 1964, Pelegrin
estudos tecnológicos das mesmas para as diver- 2005, Tixier 1978, entre outros), interessava com-
sas regiões do país (Brasil Central, nordeste, sul preender a forma de produção dos instrumentos,
e Amazônia). No entanto, os entendimentos ainda além, é claro, da utilização e descarte dos mesmos.
são fragmentados, havendo a necessidade de am- Para isso é necessário considerar não apenas o ins-
pliação dos estudos e da formação de especialistas trumento em si, mas todos os restos brutos de debi-
em análises líticas, verdadeiros tecnólogos. tagem oriundos da produção do mesmo, tais como:
Este artigo propõe, então, apresentar de núcleos, lascas, fragmentos, cassons, etc.
forma sucinta os principais conceitos e proce- As séries estudadas devem ser avaliadas
dimentos metodológicos utilizados pela Escola em termos de homogeneidade cronológica (quan-
Francesa na análise tecnológica das indústrias do em estratigrafia) e técnica e grau de represen-
líticas. Em seguida, é apresentado um exemplo de tatividade da coleção. O primeiro elemento refere-
aplicação desta metodologia para instrumentos en- se ao rigor estratigráfico, sendo primordial que as
contrados fora de contexto. coleções analisadas pertençam aos mesmos níveis,
A intenção é demonstrar que a metodo- e consequentemente, às mesmas faixas cronoló-
logia aqui apresentada pode ser aplicada em di- gicas. No caso de haver depósitos perturbados, o
ferentes coleções líticas, mesmo aquelas que por material remexido deve ser separado do material
estarem fora de contexto são, muitas vezes, esque- encontrado in situ. No caso de material encontra-
cidas dentro das gavetas dos museus ou deixadas do em superfície, a análise deverá ser adaptada a
em segundo plano. Estas coleções podem, muitas este tipo de contexto. Duas possibilidades podem
vezes, trazer informações e aportes importantes se apresentar: i) estudar conjuntos que tenham ins-
às questões que se colocam os tecnólogos líticos. trumentos e restos brutos de debitagem e ii) estu-
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dar coleções formadas somente por instrumentos to desta sociedade, além de relacionar as diferen-
oriundos de um ou mais sítios. No primeiro caso, tes indústrias produzidas por ela. M. Maget (1953)
não será possível relacionar seguramente os restos busca compreender o processo de produção dos
brutos com os instrumentos, pois pode-se tratar de instrumentos, a partir da análise de cada uma das
um palimpsesto. No segundo caso, sendo os obje- etapas envolvidas. Considera importante não ape-
tos tecnologicamente semelhantes, é possível tan- nas os objetos terminados e em uso, mas também
to realizar a análise, quanto relacioná-los uns aos a forma como a matéria prima bruta procurada se
outros (Rodet e Xavier 2003, Rodet 2006). apresenta (jazidas – distância do acampamento,
Para coleções em estratigrafia, o grau de dificuldade de obtenção, etc., reservas de matéria
representatividade está, por sua vez, relacionado prima), as etapas de sua transformação, os gestos
ao tamanho da coleção estudada e à representati- e os materiais envolvidos em cada uma delas. Se-
vidade da área escavada em relação à totalidade guindo essa mesma lógica, M. Maget aponta para
do sítio arqueológico estudado. A amostra deve a necessidade em se identificar o (s) gesto (s) ele-
ser representativa ao menos da área escavada do mentar (es) realizado (s) por um grupo. Os mes-
sítio. No caso de coleções de superfície, é neces- mos seriam constantemente repetidos e estariam
sário que a coleta seja representativa de uma área encadeados como em um filme, podendo, por isso,
ou região. É comum encontrar nos museus brasi- ser identificados (Desrosiers 1991). Finalmente,
leiros coleções provenientes de coletas ou doações A. Leroi-Gourhan (1964) introduz o conceito na
de uma região específica. Estas coleções podem arqueologia e, apesar de utilizá-lo constantemente,
ser bem representativas de uma área geográfica. define-o uma única vez: “a técnica é simultanea-
Como exemplo, podem ser citadas aquelas que se mente gesto ou utensílio, organizados em cadeia
encontram no Museu Paraense Emílio Goeldi, es- por uma verdadeira sintaxe que dá às séries ope-
tado do Pará (os “ídolos de pedra” e os muiraqui- ratórias a sua fixidez e subtileza” (Leroi-Gouhran
tãs do baixo curso do rio Amazonas); no Museu 1964: 117).
Arqueológico da Região de Lagoa Santa, Minas Assim, a análise tecnológica consiste na
Gerais (as lâminas de machado polidas da região reconstituição de cada peça (ou de cada retira-
do município de Lagoa Santa); no Museu Histó- da, lascamento) em seu devido lugar na (s) cadeia
rico Lauro da Escóssia, Rio Grande do Norte (as (s) operatória (s), o que leva a uma organização
pontas de projétil bifaciais provenientes da região hierarquizada da coleção. As peças são analisadas
norte do estado). individualmente, mas sempre em relação umas
Um dos principais conceitos utilizados com as outras, pensando-se no encadeamento das
para realização deste tipo de análise é o de cadeia ações e das retiradas em busca de um determinado
operatória. Trata-se de um conceito inicialmente instrumento. Este instrumento é resultado de um
desenvolvido por antropólogos, nas décadas de projeto (Pelegrin 2005) muito bem concebido na
1940 e 1950, e adaptado para a análise de cole- mente do lascador (imagem mental), o qual é cul-
ções arqueológicas, nos anos 1960, por A. Le- turalmente determinado, fruto de um desejo ou de
roi-Gourhan. Inicialmente desenvolvido por M. uma necessidade. Apesar de imperarem questões
Mauss (1947), que, através deste conceito buscava idiossincráticas (savoir-faire sensório motor), a
estudar as diferentes etapas de produção dos ins- produção dos instrumentos segue a ordem social
trumentos, desde o estado bruto da matéria prima do grupo em que o mesmo está inserido, conside-
até chegar-se ao instrumento final, considerando rando regras mais ou menos rígidas de fabricação
igualmente as formas de utilização do mesmo. Po- (Wateau 2001). O resultado final é a produção de
de-se considerar que, neste momento, o objetivo instrumentos que seguem uma mesma lógica, a
principal era compreender o conjunto de técnicas qual se traduz na escolha por determinadas maté-
utilizado por uma dada sociedade, ou seja, o siste- rias primas, morfologias, técnicas, métodos e ges-
ma técnico. Para isso é necessário, diz M. Mauss tos específicos.
(1947), analisar todo e qualquer tipo de instrumen- A análise relacional dos vestígios dentro
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CADEIA OPERATÓRIA E ANÁLISE TECNOLÓGICA...
de uma cadeia operatória ou de várias cadeias é ça/ausência de córtex, geodos, intrusões, pátinas,
fundamental para a reconstituição das mesmas. As etc.), que vai demonstrar escolhas específicas para
remontagens físicas e mentais, os raccords (Tixier realização de certos instrumentos, ou ainda, esco-
1980) são o que permitem, de fato, a compreensão lhas relacionadas a certos períodos cronológicos
da sequência das operações. Trata-se de relacio- ou a determinadas culturas; sua abundância e/ou
nar os brutos de debitagem com os instrumentos e raridade, etc.
com os núcleos, assim como os instrumentos dire-
tamente com os núcleos, quando possível, buscan- PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS
do compreender as formas originais dos suportes e Em termos analíticos, são adotados alguns
a sequência das operações. Um outro objetivo ao procedimentos, cujo principal objetivo é homoge-
qual as remontagens e raccords levam é a identi- neizar as análises, permitindo uma real compara-
ficação dos métodos e das técnica utilizadas para ção entre os elementos comparáveis, sem perder
a produção dos instrumentos e na debitagem dos de vista a especificidade dos mesmos. Assim, as
núcleos. análises quantitativas das lascas são realizadas por
Por método entende-se “o agenciamento meio da formação de um banco de dados com a
racional de certo número de gestos executados aplicação de um protocolo descritivo. Este proto-
graças a uma (ou às) técnica” (Inizan et al. colo contém os caracteres técnicos a serem obser-
1995:30). Trata-se de um esquema conceitual vados (fig. 1), sendo inspirado em diversos traba-
sistematizado e mais ou menos racional destina- lhos (Boëda et al. 1990, Inizan et al. 1995, Pelegrin
do a obter produtos pré determinados (Tixier et al. 2005, Rodet 2005, 2006, Rodet et al. 2007).
1980). Técnica é a modalidade de execução das Por meio deste protocolo descritivo, faz-se
retiradas, tais como: percussão direta dura, percus- a análise individual de cada uma das lascas inteiras
são direta macia, percussão sob bigorna, pressão, ou dos fragmentos meso proximais. São observa-
além de picoteamento, polimento e perfuração. O dos elementos da face superior e da face inferior,
número existente de técnicas é limitado, estando tais como: presença/ausência de córtex, número de
as mesmas relacionadas ao modo de aplicação da negativos e suas respectivas orientações – análise
força, à natureza e à forma dos percutores, à posi- diacrítica; presença/ausência de abrasão e intensi-
ção do núcleo e/ou instrumento a ser lascado, à po- dade da mesma, em caso positivo, para a primeira,
sição do corpo do lascador e aos gestos realizados e presença/ausência de lábio, tipo de bulbo, estig-
por ele (Rodet e Alonso 2006, Tixier 1967, 1982). mas que indicam acidentes, para a segunda. São
Um outro conceito utilizado é o de eco- observados ainda o tipo de talão (com dimensões),
nomia da matéria prima (Perlès 1980). Trata-se da ângulo entre o talão e a face inferior (ângulo uti-
busca pela identificação da utilização diferenciada lizado para a percussão), perfil, presença/ausência
de matérias primas para a produção de determina- de marcas de contato térmico, além das dimensões
dos instrumentos, mediante a aplicação de méto- da peça. Estas últimas são sempre medidas com
dos e técnicas específicos. A gestão diferenciada paquímetro, no eixo tecnológico, em centíme-
da matéria prima, assim como dos suportes e dos tros e na proporção do comprimento x largura x
instrumentos, é resultado, mais uma vez, de esco- espessura (C x L x E). Os ângulos são medidos
lhas que falam sobre as jazidas disponíveis e uti- com goniômetro ou com modelo adaptado de A.
lizadas e sobre as atividades realizadas dentro ou Laming-Emperaire (1967). Finalmente, a tabela
fora do sítio arqueológico, ajudando na compreen- contempla uma coluna de cunho mais qualitativo
são e classificação do mesmo (Inizan et al. 1995). (observações).
Deve-se considerar a forma como a matéria prima As análises qualitativas referem-se às des-
se apresenta (sobre seixo, bloco, nódulo, plaque- crições dos núcleos e o dos instrumentos, assim
ta, etc.), o que vai indicar a distância da matéria como à relação entre estes e as lascas. As descri-
prima de sua jazida original; sua aptidão ao las- ções são feitas, geralmente, com um roteiro. Sen-
camento (granulometria, homogeneidade, presen- do os instrumentos as peças mais importantes da
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Abrasão: Fogo:
1 – Presente 1 – Presente
2 – Presente insistente 2 – Ausente
3 – Ausente 99 – Indeterminado
99 – Indeterminado 100 – NSA
100 – NSA
Lábio:
Orientação dos negativos: 1 – Presente
Figura 1. Protocolo descritivo, com os caracteres observados durante a análise de coleções líticas.
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coleção, por serem o objetivo do lascador, devem debitagem (fragmentos, estilhas, cassons, etc.). Os
ser primeiramente analisados. Considera-se como instrumentos estão na base das cadeias operatórias,
instrumento todas as peças intencionalmente fabri- por serem o projeto, o objetivo de todo o processo
cadas (debitagem, façonagem, retoque, polimento, de produção e, por isso, devem ser os primeiros
etc.), todos os objetos naturais (seixos, blocos, a serem analisados. Em seguida, vêm os núcleos,
etc.) e brutos de debitagem (debitados, mas não produtos mais próximos dos suportes iniciais, que
retocados) que possuem macro ou micro traços de indicarão a forma como os mesmos foram obtidos
utilização (Karlin e Pelegrin 1997, Rodet 2005). e, finalmente as lascas, que indicam as diversas fa-
Devem ser observados elementos como: matéria ses da cadeia operatória.
prima, dimensões, suporte (lasca, seixo, plaque- Estas fases, em termos ideais, são, no geral,
ta, etc.), fases de produção (façonagem, retoque, três: débitage, façonnage e retoque. É importante
etc.), técnicas (percussão direta dura, macia, sobre esclarecer que tais procedimentos não têm um
bigorna, pressão, etc.) e procedimentos técnicos encadeamento linear. Eles podem se intercalar
(abrasão) utilizados, dimensões dos negativos, in- ao longo da cadeia de produção. Enquanto
cidência de acidentes, etc. instrumento analítico de indústrias líticas, a cadeia
Os núcleos, por sua vez, constituem pe- operatória apresenta um limite, ou seja, seu iní-
ças-chave da análise tecnológica (Pelegrin 2005, cio e seu término e mesmo as diversas fases que
Rodet 2005). Os núcleos requerem análise diacríti- a compõe são determinados pelo pesquisador (Le-
ca (ordem das sequências de lascamentos, dimen- monier 2004):
sões e características). Tal análise permitirá cor- “P. Lemonier (2004) chama a atenção dos
relacioná-los (ou não) aos produtos de debitagem etnólogos e arqueólogos, que enquanto ob-
e, consequentemente, reconstituir parte da cadeia servadores, determinam, através da apre-
operatória. É importante analisar o momento da sentação sistematizada de sequências ou
debitagem no qual os mesmos foram abandonados fases, quando inicia e termina o processo
(início ou fim de exploração?), se os últimos nega- de produção de um dado objeto. Estas são,
tivos correspondem aos suportes procurados para contudo, determinações do pesquisador,
os instrumentos desejados, quais as técnicas utili- não necessariamente uma realidade intrín-
zadas para debitagem, assim como as dimensões seca à produção daquele objeto” (Rodet et
dos negativos, presença ou ausência de abrasão e al., no prelo).
acidentes, etc. Enfim, devem ser contemplados, Por debitagem entende-se “a ação inten-
ainda, aspectos como matéria prima, métodos e cional de fracionar um bloco de matéria prima
dimensões. com o objetivo de o utilizar bruto, retocar ou fa-
Ressalta-se que todas as características çonar os produtos obtidos” (Inizant et al. 1995:
analisadas devem ser relacionadas à realidade 143). Trata-se, por exemplo, de momentos rela-
apresentada pela coleção lítica, sendo o protocolo cionados à retirada do córtex (descorticamento),
descritivo e o roteiro de análise qualitativa adapta- ou ainda, dos suportes a serem transformados em
dos sempre que necessário. Estabelecidos os ins- instrumentos. A fase realizada depois da retirada
trumentos de análise, deve-se organizar a coleção do suporte é aquela denominada de façonagem.
por matéria prima e por fases da cadeia operatória. Do francês façonnage, significa dar a forma, for-
Na organização por matéria prima, a pri- matar. Assim, nesta fase são feitas séries de lasca-
meira coisa a ser feita é a separação física das mentos buscando a forma e o volume desejados do
peças, por tipo de rocha ou mineral (quartzitos, instrumento, com base, sempre, na imagem men-
quartzos, silexitos, sílex, arenitos, etc.). Essa orga- tal do mesmo. O retoque é uma fase que consis-
nização permite identificar mais facilmente a pre- te na regularização dos gumes dos instrumentos.
sença ou não de uma economia da matéria prima Geralmente, nestas duas últimas fases, o volume
(Perlès 1980). Em seguida, separam-se os instru- de massa retirado das peças tende a ser menor, na
mentos, núcleos, lascas e outros restos brutos de medida em que o instrumento se aproxima de sua
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Figura 2. Desenho do contorno e das nervuras. 1 – projeção ortogonal dos pontos do contorno do objeto. 2- des-
enho do contorno, unindo-se os pontos. 3 – desenho das nervuras principais com ajuda de régua ou compasso. 4
– transposição das medidas das nervuras para o papel, com a) passagem de um ponto com o compasso ou régua;
b) passagem dos prontos característicos; c) desenho das principais nervuras e d) desenho dos retoques (Inizan et
al. 1995: 118).
De acordo com G. Martin (1997) no esta- pontas de projétil bifaciais. As mesmas compõem
do do Rio Grande do Norte são conhecidas pontas a coleção do Museu Histórico Lauro da Escóssia,
bifaciais em diversas matérias primas, finamente na cidade de Mossoró (Museu de Mossoró), estado
retocadas, as quais foram encontradas fora de con- do Rio Grande do Norte. Os instrumentos não têm
texto. Destacam-se aquelas em posse de garimpei- contextualização precisa, apenas são conhecidas
ros da região do Seridó, outras coletadas na bacia as regiões das quais os mesmos são provenientes,
do rio Açu-Piranhas e, ainda, outras da região do ou seja, Apodi, Parelhas e Carnaúbas dos Dantas,
Apodi, havendo dessas últimas um número signi- todas relacionadas à grande planície marítima do
ficativo no Museu de Mossoró. estado do Rio Grande do Norte (fig. 3). Trata-se de
A coleção analisada é formada por 10 achados fortuitos, adquiridos pelo médico Jonas
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Figura 3. Mapa com detalhe do estado do Rio Grande do Norte, com as regiões onde foram encontradas pontas
bifaciais (Dados cartográficos @2011. Europa Technologies).
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De acordo com o livro de tombo do Museu cida pelo tipo de suporte utilizado para realizar o
de Mossoró e de nossas observações em campo, os instrumento desejado, não pode ser detectada, pois
setores onde as pontas foram encontradas distam os suportes utilizados para a produção das pontas
aproximadamente 60 km da região onde as jazidas não puderam ser identificados, devido ao alto grau
de matéria prima de qualidade excepcional foram de transformação dos mesmos, configurando-se
observadas. em uma indústria lítica elaborada. Nota-se, no en-
No que se refere às peças aqui apresenta- tanto, a procura por suportes alongados, provavel-
das, todas são mais longas do que largas, bifaciais, mente largos e pouco espessos. Todos eles são de
foliáceas. As maiores dimensões do comprimento plena debitagem, não havendo a presença de cór-
se encontram por volta de 11 cm, em oposição as tex ou neocórtex. Nesta primeira fase, os suportes
menores, por volta de 5 cm. As larguras variam serão bem mais largos que os produtos finais, os
entre 6 cm e 2 cm, enquanto as espessuras variam quais serão estreitados ao longo do trabalho.
entre 1,8 e 1,3 cm. A segunda fase do lascamento, façona-
As pontas podem ser agrupadas em 3 gem, tem como objetivo obter uma peça com se-
conjuntos que seguem tendências de morfologias ção biconvexa, tendendo a simétrica, pouco espes-
(fig. 4). O primeiro deles comporta instrumentos sa. Esta fase pode ser dividida em 2 sub fases:
alongados e estreitos, com gumes mais ou menos 1) Em geral, esta etapa é realizada com
retilíneos, criados por uma linha de retiradas se- um percutor macio (muito provavelmente madei-
quenciais; o segundo tem morfologia lanceolada, ra), não muito pesado, pesando entre 500 g e 700
com a parte proximal mais larga em oposição à g (Chauchat e Pelegrin 2004). As retiradas serão
parte distal mais estreita, com gumes bem retilí- feitas a partir dos bordos laterais, retrabalhando as
neos ou ligeiramente convexos, realizados a partir superfícies iniciais, adelgaçando a peça de manei-
de pequenas retiradas que podem ser alternadas; o ra que a mesma atinja a espessura desejada. As las-
terceiro também lanceolado, com gumes irregula- cas serão quase sempre invasoras ou couvrants, re-
res, com coches sequenciais, que criam um gume cobrindo toda a largura do suporte, pouco espessas
completamente sinuoso, mas regular. Os pedún- e sem acidentes. A intenção é afinar a pré-forma,
culos podem ser mais ou menos acentuados e as retirando volume e ao mesmo tempo estreitando
extremidades distais também podem ser mais ogi- a peça, aproveitando a largura preservada durante
vais, em oposição a outras mais triangulares. o início da debitagem, como plano de percussão.
Para a análise a ponta de projétil foi divi- Esses setores receberão impactos muito grandes,
dida em três partes principais: 1) parte proximal podendo, assim quebrar-se com certa facilidade.
- setor do pedúnculo e das aletas; 2) parte mesial Neste sentido, suportes mais largos permitem que
- entre o pedúnculo e a extremidade distal que, seja feita uma preparação das zonas de impacto
no geral apresenta reentrâncias bem marcadas; 3) para facilitar a tarefa de destacar lascas sem que-
parte distal referente à ponta do objeto. Cada uma brar os gumes. Nesta fase, o lascador deve ser ca-
delas teve um tratamento técnico distinto, corres- paz de retirar lascas não muito espessas, mantendo
pondendo às diferentes necessidades no momento sempre a convexidade e o volume da peça, sem,
da produção (percussão direta dura, realização de igualmente, fragmentar os gumes.
coches, pressão, etc.). 2) Nesta sub fase, a peça vai ser afinada
No que se refere à produção dos instru- com retiradas cuidadosas, pouco espessas, invaso-
mentos, a reconstituição de suas cadeias opera- ras ou couvrants, realizadas por percussão direta
tórias, mesmo que incompleta, permitiu observar macia, com percutor mais leve, com aproxima-
as tendências das sequências de transformação até damente 300 g (Chauchat e Pelegrin 2004). As
achegar-se ao objeto final (fig. 5). lascas resultantes deste processo serão finas e tão
A primeira fase do lascamento, geralmen- frágeis que se quebram com frequência. Quanto
te realizada por percussão direta dura, consiste na mais matéria for retirada nesta fase, menor será
retirada do suporte do núcleo. Esta fase, reconhe- o trabalho da fase seguinte, realizada por pressão
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Figura 4. Conjuntos das pontas analisadas. A: conjunto 1, mais alongado e estreito (peça 010). B: conjunto 2, de
morfologia lanceolada, regular (peça 004). C: conjunto 3, de morfologia também lanceolada, porém irregular
(peça 003). Desenhos de Ângelo Pessoa.
Figura 5. Cadeia operatória de fabricação das pontas. Façonagem 1: lascas debitadas por percussão direta dura
ou macia, no inicio da façonagem da peça. Faconagem 2: segunda fase de façonagem, com as mesmas técnicas.
Roque: finalização dos gumes por pressão. Formação de reentrância: produção de partes específicas das pontas,
por percussão indireta. (Desenho de Angelo Pessoa e arte gráfica de Mariana Tavares).
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(Chauchat e Pelegrin 2004). A partir do momento sos e muito regulares. À semelhança do que foi
em que a seção se torna mais fina e mais frágil, observado para a produção de excêntricos da Me-
é preciso apenas regularizá-la com a retirada de soamérica (Titmus e Woods 2003), esses entalhes
lascas finas e curtas, evitando acidentes refletidos foram realizados por percussão indireta, sendo esta
ou negativos muito profundos. Neste momento, a única técnica de lascamento conhecida capaz de
a peça se encontra muito fina, correndo um alto remover lascas largas a partir dos planos de per-
risco de quebra, principalmente durante o proces- cussão e ângulos disponíveis, formando entalhes
so de adelgaçamento por percussão macia. Além isolados. Trata-se de uma técnica mais precisa do
do adelgaçamento, o lascador deve ser capaz de que a percussão direta dura e, consequentemente
criar uma secção regular, de forma biconvexa ou mais segura, havendo um menor risco de quebra
levemente plano-convexa. A espessura atingida no das peças. Por outro lado, a técnica da pressão,
final desta fase é definitiva, uma vez que é impos- não é capaz de retirar lascas tão largas e profundas.
sível reduzir o volume da pré-forma, por pressão, Sua utilização se restringe ao gume.
durante o retoque. Ressalta-se que algumas das peças apre-
A terceira fase de produção das pontas re- sentam estigmas de contato térmico (coloração e
fere-se ao retoque das mesmas, realizado por pres- brilho diferentes do restante da matéria prima),
são. O objetivo é regularizar os gumes e dar o aca- realizado, muito provavelmente, para melhorar
bamento final a partes específicas do instrumento, ainda mais a qualidade do silexito. O contato tér-
tais como a ponta e as reentrâncias das aletas e dos mico foi realizado entre estas últimas duas fases de
pedúnculos, sendo a formação da ponta, em função lascamento, sendo que seus estigmas são encon-
de sua fragilidade, uma das etapas mais comple- trados em negativos feitos por pressão e por per-
xas, que demanda um maior controle do lascamen- cussão indireta, os quais, em parte, foram retirados
to. Tendo sido a façonagem atingida com sucesso, após o mesmo. Nesse sentido, pode-se pensar que
esta fase, realizada por pressão, não apresenta um se trata de um verdadeiro tratamento térmico, con-
grande risco, apesar de ser um trabalho mais lon- trolado e intencional.
go. De acordo com nossas observações, a aplica-
ção da pressão na extremidade proximal (aletas e CONSIDERAÇÕES FINAIS
pedúnculos) foi realizada antes da distal (ponta). Apesar dos limites impostos aos estudos
Trata-se, talvez, de uma estratégia para evitar a de coleções fora de seus contextos iniciais, a aná-
fragmentação da extremidade do objeto terminado lise tecnológica, por ser um instrumento hierarqui-
e, portanto, muito mais frágil e suscetível à que- zante, permite organizar as etapas de realização
bra. As retiradas partem dos bordos, sendo sequen- dos objetos, recolocando-as em sua lógica de pro-
ciais ou alternadas. Como sempre, é crucial evitar dução. Em consequência, o arqueólogo consegue
os acidentes refletidos que podem comprometer a retraçar os gestos e as técnicas utilizados pelos
continuidade da operação. A última fase do reto- lascadores pré-históricos, além de demonstrar os
que dá ao pedúnculo, às aletas e à ponta distal a diferentes graus de complexidade presentes nas in-
simetria e o perfil exatos. dústrias investigadas. Este tipo de análise se aplica
Finalmente, as reentrâncias, verdadeiros muito bem às coleções líticas da América do Sul,
entalhes laterais parecem ser a última fase de pro- sendo um instrumento poderoso para a compreen-
dução, no caso das pontas que as apresentam (fig. são das indústrias líticas tanto de períodos antigos,
5). O trabalho consiste na realização de retiradas quanto para aqueles mais recentes.
de lascas largas, com aproximadamente 2,0 cm de Os instrumentos são imagens mentais que
comprimento e 1,5 cm ou mais de largura, e mui- correspondem a gestos que se aprendem, os quais
to profundas, criando entalhes côncavos (coches) são repassados de geração a geração sendo, por-
que quebram o delineamento dos gumes. Esse pro- tanto, culturais. O objetivo de uma metodologia
cedimento pode, às vezes, ser sobreposto com a é permitir que o pesquisador retrace tais gestos,
pressão, resultando em gumes ligeiramente sinuo- recriando os passos do lascador. Nesse sentido, a
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