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pot, Vera Maria Candau (org.) A diddtica em questao Dados Internacionais de Catalogasio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) A didética em questio / Vera Maria Candau (org.). — 33. ed. — Petrépolis, RJ : Vozes, 2012. ISBN 978-85-326-0093-6 Varios autores. Bibliografa 1. Educadores 2. Rnsino 3. Professores ~ Formagio I. Candau, Vera Maria. EDITORA 07-2408 cpp-370.7 y VOZES {indices para catélogo sistemstico: Potr6polis 1. Didatica : Ensino : Bdueagio 370.7 al, A didatica e a formagdo de educadores — Da exaltagao 4 negaca a busca da relevéncia VERA MARIA CANDAU PUC/RI Todo processo de formagio de educadores ~ especialistas professores — inclui necessariamente componentes curriculares orientados para o tratamento sistematico do “que fazer” educati vo, da pritica pedagogica. Entre estes, a didética ocupa um lugar de destaque. No entanto, a anélise do papel da didatica na formagio de educadores tem suscitado uma discussio intensa. Exaltada ou ne- gada, a didatica, como reflexio sistematica e busca de alternativas ppara os problemas da pritica pedagégica, esté, certamente, no mo- mento atual, colocada em questio. De uma posigio tranquila, em que se dava por suposta a afir- magio da importancia da didética, seu papel passou a ser fortemen- te contestado. As principais acusagdes sio de que seu conhecimen- (0, quando nao é inécuo, é prejudicial. Aacusagio de inocuidade vem geralmente da parte de profes- sores dos graus mais elevados de ensino, onde sempre vingou a suposigio de que o dominio do contetido seria o bastante para fazer um bom professor (¢ talvez.seja, na medida em que esses graus ainda se destinem a uma elite). A acusagio de prejudicial vem de andlises mais criticas das fungdes da edu- 13 cago, em que se responsabiliza a Didatica pela alienagio dos professores em relagio ao significado de seu trabalho, (GALGADO, 1982, p. 16). No entanto, esta problematica s6 pode ser adequadamente compreendida se for histoicizada. Hla se dé num contexto con. creto, em que o ensino de Didética se foi configurando segundo uumas caracteristicas especificas que tém de ser analisadas em fin ‘do do contexto educacional e politico-social em que se situam, E nesta perspectiva que tenta se colocar o presente trabalho, que pretende oferecer subsidios para o aprofundamento da com. preensio da polémica atual sobre o papel da diditica na formacio dos educadores e sugerir algumas pistas para a sua superacio, 1, Um ponto de partida: a multidimensionalidade do proceso de ensino-aprendizagem O objeto de estudo da didatica é 0 processo de ensino-apren. dizagem. Toda proposta didética est4 impregnada, implicita ou explicitamente, de uma concepsio do proceso de ensino-aprendi- zagem, Parto da afirmacio da multidimensionalidade deste processo: O que pretendo dizer? Que o processo de ensino-aprendizagem, para ser adequadamente compreendido, precisa ser analisado de tal modo que articule consistentemente as dimensées humana, técnica e politico-social Ensino-aprendizagem é um processo em que esti sempre pre- sente, de forma direta ou indireta, no relacionamento humano, Para a abordagem humanista é a relagio interpessoal 0 centro do processo. Esta abordagem leva a uma perspectiva eminente- mente subjetiva, individualista e afetiva do proceso de ensino- aprendizagem, Para esta perspectiva, mais do que um problema de técnica, a didatica deve se centrar no processo de aquisi¢ao de atitu- des tais como: calor, empatia, consideragio positiva incondicional. A diditica é entio “privatizada”. O crescimento pessoal, interpes- soal e intragrupal é desvinculado das condiges socioeconémicas € politicas em que se da; sua dimensio estrutural €, pelo menos, co- Jocada entre parénteses. 4 se a abordagem humanista é unilateral ¢ reducionista, fazendo da dimensio humana o ‘inico centro configurador do processo de censino-aprendizagem, no entanto, cla explicita a importincia dessa dimensio, Certamente o componente afetivo esté presente no pro- cesso de ensino-aprendizagem. Ele perpassa e impregna toda sua dinamica e nao pode ser ignorado. Quanto a dimensio técnica, ela se refere ao processo de ensi- no-aprendizagem como agio intencional, sistematica, que procura organizar as condigdes que melhor propiciem a aprendizagem. Aspectos como objetivos instrucionais, elesio do contetido, estra- tégias de ensino, avaliagio etc., constituem 0 seu niicleo de preocu: pages. Trata-se do aspecto considerado objetivo e racional do pro- cesso de ensino-aprendizagem. No entanto, quando esta dimensio é dissociada das demais, tem-se 0 tecnicismo, A dimensio técnica € privilegiada, analisada de forma dissociada de suas raizes politico-sociais ¢ ideoldgicas, ¢ vista como algo “neutro” ¢ meramente instrumental. A questio do “fazer” da pritica pedagégica é dissociada das perguntas sobre © “por que fazer” eo “para que fazer” e analisada de forma, mui- tas vezes, abstrata e nio contextualizada. Se 0 tecnicismo parte de uma visio unilateral do processo en: sino-aprendizagem, que € configurado a partir exclusivamente da dimensio téenica, no entanto esta é sem diivida um aspecto que nao pode ser ignorado ou negado para uma adequada compreen- sio e mobilizacao do processo de ensino-aprendizagem. O domi- nio do contetido ¢ a aquisicao de habilidades basicas, assim como a busca de estratégias que viabilizem esta aprendizagem em cada situacdo concreta de ensino, constituem problemas fundamentais para toda proposta pedagégica. No entanto, a anilise desta pro- Dlemitica somente adquire significado pleno quando é contextua- lizada e as varidveis processuais tratadas em intima interagio com as varidveis contextuais. Se todo o processo de ensino-aprendizagem é “situado”, a di- mensio politico-social Ihe é inerente. Fle acontece sempre numa cultura especifica, trata com pessoas concretas que tém uma po- sigio de classe definida na organizagio social em que vivem. Os 15 condicionamentos que advém desse fato incidem sobre o proce so de ensino-aprendizagem. A dimensio politico-social nio é um aspecto do processo de ensino-aprendizagem. Ela impregna toda a pritica pedagégica que, querendo ou nao (nao se trata de uma decisio voluntarista), possui em si uma dimensio politico-social. No entanto, a afirmagio da dimensio politica da educagio em geral, e de pratica pedagégica em especial, tem sido acompanha- da entre nés, nio somente da critica ao reducionismo humanista ou tecnicista, frutos em tiltima andlise de uma visio liberal e mo- demizadora da educagao, mas tem chegado mesmo a negagio des- sas dimensdes do processo de ensino-aprendizagem. De fato, o dificil € superar uma visio reducionista, dissociada ou justaposta da relagio entre as diferentes dimensées, e partir para uma perspectiva em que a articulagzo entre elas é 0 centro configu: rador da concepgio do processo de ensino-aprendizagem. Nesta perspectiva de uma multidimensionalidade que articula organica- mente as diferentes dimensGes do processo de ensino-aprendiza- gem é que propomos que a didatica se situe, .. Ensinando didatica Nio pretendo fazer a historia da didética ou do ensino de di- ditica no Brasil. Considero que esta é uma tarefa importante e urgente. © que pretendo é partir da minha experiéncia pessoal como professora de Didatica desde 1963, e situar esta experiéncia na evolugao politico-social e educacional do pais, Procurarei rea lizar uma anlise critica da evolugao do ensino de Didatica da dé- cada de 60 até hoje. 2.1, 1* Momento: A afirmago do téenico¢o silenciar do politico: 0 pressuposto da neutalidade Cursei a Licenciatura em Pedagogia na PUC/RJ de 1959 a 1962 e, no ano seguinte, comecei a lecionar Didatica nesta mes- ma universidade. O niicleo inspirador dos meus primeiros anos de professora de Diditica foi certamente minha propria experién- cia como aluna de Diditica, Qual a temitica privilegiada? Sem dii- 16 vida era a critica & chamada didética tradicional e a afirmagio da serspectiva escolanovista. Ao mesmo tempo, o Colégio de Aplica- ‘Gio da PUC/RJ promovia uma experiéncia de educagio personali- zada em que se enfatizava a associagao entre Montessori e Lubiens- ka ea utilizagao de técnicas inspiradas no Plano Dalton. Esta escola ferecia campo privilegiado de estagio para os licenciandos que ‘bsérvavam os principios bisicos da Escola Nova. Nos tiltimos anos da década de 50 e nos primeiros da de 60, 0 pais passa por um perfodo de grande efervescéncia politico-social e educacional. © debate em torno da Lei de Diretrizes e Bases mo- biliza a drea educacional. Se enfrentam diferentes posigées, mas a ‘atriz liberal predomina. Neste contexto, a didatica faz.0 discurso escolanovista. O pro- blema esté em superar a escola tradicional, em reformar interna- mente a escola. Afirma-se a necessidade de partir dos interesses, espontineos e naturais da crianga; os principios de atividade, de individualizagao, de liberdade, esto na base de toda proposta di- ditica; parte-se da importincia da psicologia evolutiva e da apren- dizagem como fiundamento da diditica: trata-se de uma didatica de base psicolégica; afirma-se a necessidade de “aprender fazen do” e de “aprender a aprender”; enfatiza-se a atengio is diferen- ‘a8 individuais; estudam-se métodos e técnicas como: “centros de interesse”, estudo dirigido, unidades didéticas, método de proje- tos, a técnica de fichas didaticas, 0 contrato de ensino etc.; pro movem-se visitas as “escolas experimentais”, seja no ambito do ensino estatal ou privado. Soares (81), referindo-se aos primeiros anos da década de 50, identifica este mesmo predominio da perspectiva escolanovista no ensino de Didiatica: ‘A proposta da Escola Nova ~ ideoldgica, que era, como toda qualquer proposta pedagégica ~ apresentava-se a mim, e a quase todos os educadores, aquela época, como um conjunto légico e coerente de ideias e valores, capaz nio s6 de explicara pritica pedagégica como também, ¢ sobretudo, de regulé-la, fornecendo regras e normas para que ela se desenvolvesse de 7 forma “cientifica” e “justa”". De um lado, a teoria sociolégica de Durkheim fundamentava a concepgio de educagao como so: ializagio do individuo, de outro lado, a psicologia experimen- tal conferia racionalidade e objetividade & pritica pedagogica. (p. 31-32) O livro-texto mais amplamente adotado neste periodo € 0 Su- amério de Diditica Geral (1957) de Luiz Alves de Mattos. Este livro foi apontado em pesquisa realizada em 1978 entre os professores de Didatica de Belo Horizonte, entre as 13 publicagdes mais repre- sentativas do contetido da didética (OLIVEIRA, 1980). Segundo Soares (1981), uma anilise de contettdo ideolégico deste tex to “desvendaria a ideologia liberal-pragmatista, os principios da Escola Nova ¢ 0 mito da neutralidade dos métodos e técnicas de ensino que informam, sem que sejam explicitados, a Didética pro- posta pelo autor” (p. 34) Segundo Saviani (80) 0 movimento escolanovista se baseia na tendéncia do “humanismo moderno” e esta predominou na edu- cagio brasileira de 1945 a 1960 0 perfodo de 1960 a 1968 se ca- racteriza pela crise desta tendéncia e pela articulagdo da tendéncia tecnicista Nesta etapa, 0 ensino da didética assume certamente uma perspectiva idealista e centrada na dimensio técnica do processo de ensino-aprendizagem. & idealista porque a andlise da pritica pedagégica concreta da maioria das escolas nio € objeto de re- flexdo. Considerada “tradicional”, ela é justificada pela “ignoran. cia” dos professores que, uma vez conhecedores dos principios e técnicas escolanovistas, a transformariam, Para reforgar esta tese, experiéncias pedagégicas que representam excegdes dentro do sistema e que, mesmo quando realizadas no sistema oficial de ensino, se dio em circunstincias excepcionais, sio observadas e analisadas. Os condicionamentos socioeconémicos e estruturais da educacao nao sio levadas em consideragio. A prética pedagé gica depende exclusivamente da “vontade” e do “conhecimento” dos professores que, uma vez. dominando os métodos e técnicas desenvolvidos pelas diferentes experiéncias escolanovistas, pode- vio aplici-los as diferentes realidades em que se encontrem, A 18 pase cientifica desta perspectiva se apoia fundamentalmente na psicologia. ; . No periodo de 1966 a 1969 me ausentei do pats para realizar um curso de pés-graduagio no exterior, Ao propor-me elaborar ‘um trabalho sobre tema de atualidade na rea da didética, 0 as- _gunto.escolhido nio poderia ser outro: Ensino programado, Desde o inicio dos anos 60 o desenvolvimento da Tecnolo- gia Educacional e, concretamente, do Ensino Programado, vinha exercendo forte impacto na 4rea da Didética, De uma concepcio da tecnologia educacional que enfatiza os meios, conceito cen- trado no meio e, consequentemente, os recursos tecnolgicos, se ppassava a uma visio da tecnologia educacional como processo. De fato esta concepgio partia da conjugacio da psicologia behavio- rista, da teoria da comunicacio e do enfoque sistémico e se pro- punha desenvolver uma forma sistemitica de planejar 0 proceso de ensino-aprendizagem, baseando-se em conhecimentos cienti- ficos ¢ visando a sua produtividade, isto é, 0 aleance dos objetivos propostos de forma eficiente e eficaz Volto ao Brasil em 1969. Instalada a revolugio de 1964 e pas- sado 0 perfodo de transi¢io pés-64, é retomada a expansio eco- némica ¢ o desenvolvimento industrial. O modelo politico refor- a0 controle, a represséo eo autoritarismo. A educagio é vincula- da a Seguranca Nacional. Enfatiza-se seu papel de fato de desen- volvimento e sio propostas medidas para adequi-la ao novo mo- delo econémico. Baa didatica? Assim como no momento anterior as palavras- forca eram: atividade, individualidade, liberdade, experimenta- cdo, agora se enfatiza a produtividade, eficiéncia, racionalizagio, coperacionalizagao e controle. A viséo “industrial” penetra o cam- po educacional, ¢ a didatica é concebida como estratégia para 0 alcance dos “produtos” previstos para 0 processo de ensino- aprendizagem. Agora mais do que confrontar a didética tradicio- nal ea didatica renovada, o centro nuclear do curso é 0 confronto entre o enfoque sistémico e 0 nio sistémico da didatica. Se um enfatiza objetivos gerais, formulados de forma vaga, 0 outro en- fatiza objetivos especificos e operacionais. Se um enfatiza 0 pro- 19 cesso, 0 outro produto. Se um parte de um enfoque da avalia io baseada na “norma”, 0 outro enfatiza a avaliacio baseada em “critérios”. Se no primeiro o tempo é fixo, o segundo tende a trabalhar a variavel tempo. Se um enfatiza a utilizacio dos mes- ‘mos procedimentos materiais por todos os alunos, 0 outro faz variar os procedimentos e materiais segundo os individuos. Eas sim por diante.. Nesta perspectiva, a formulagao dos objetivos instrucionais, as diferentes taxionomias, a construgio dos instrumentos de ava~ liagio, as diferentes técnicas e recursos diditicos, constituem 0 conteiido bisico dos cursos de Diditica, Modelos sistémicos sio estudados, habilidades de ensino sio treinadas e sio analisadas metodologias tais como: ensino programado, Plano Keller, apren: dizagem para o dominio, médulos de ensino etc, Entre as publicagdes indicadas pela pesquisa de Oliveira (80) como mais representativas do conteitdo atual da Didética segun- do 0s professores de Didatica de Belo Horizonte, o predominio da tecnologia educacional é, sem ciivida, evidente. Neste enfoque a acentuagio da dimensio técnica do proceso de ensino-aprendizagem ¢ ainda mais enfatizada do que na abor- dagem escolanovista. Nesta, pelo menos em algumas de suas ex presses, a dimensio humana também é salientada e a relacio pro fessor-aluno é repensada em bases igualitérias e mais préximas, do ponto de vista afetivo. Na perspectiva da tecnologia educacional a diddtica se centra na organizagio das condigées, no planejamento do ambiente, na elaborago dos materiais instrucionais. A objetividade e racionali- dade do processo sio enfatizadas. Mas, se estas duas abordagens se diferenciam, elas partem de um pressuposto comum: “o salientar da dimensio politica”. E este siléncio se assenta na afirmagio da neutralidade do técnico, {sto é, na preocupagio com os meios desvinculando-os dos fins a que servem, do contexto em que foram gerados. Significa ver a pritica pedagégica exclusivamente em fiangio das varidveis inter- nas do processo de ensino-aprendizagem, sem articula¢io com 0 contexto social em que esta pritica se dé, Neste sentido, a didética 20 pio tem como ponto de referéncia os problemas reais da pritica pedagégica quotidiana, aqueles que enfrentam os professores de 1° 2° graus, tais como: precarias condigdes econdmicas das es: colas € dos alunos, classes superlotadas, taxas significativas de eyasio e repeténcia, contetidos inadequados, condigées de traba- —Jhoaviltantes, ete. Como a didética nio fornece elementos signifi- cativos para a anilise da pratica pedagégica real eo que ela propde sno tem nada que ver com a experiéncia do professor, este tende ‘a considerd-la um ritual vazio que, quando muito, pertence ao mundo dos “sonhos”, das idealizages que nio contribuem senio para reforcar uma atitude de negacio da pritica real que ndo ofe- rece as condigées que tornariam possfvel a perspectiva didatica proposta. A desvinculagio entre a teoria e a pritica pedagdgica re- forca 0 formalismo didatico: os planos sio elaborados segundo as normas previstas pelos canones didaticos; quando muito, o dis- curso dos professores é afetado, mas a pritica pedagégica perma- nece intocada. 2.2. 2° Momento: A afirmagio do politico e a negagdo do téenico: a contestagio da didtica Principalmente a partir da metade da década de 70, a critica as perspectivas anteriormente assinaladas se acentuou. Esta critica teve uum aspecto fortemente positivo: a demtincia da falsa neutralidade do técnico ¢ 0 desvelamento dos reais compromissos politico-so- ciais das firmagdes aparentemente “neutras”, a afirmagio da im- possibilidade de uma pratica pedagégica que nao seja social e poli- ticamente orientada, de uma forma implicita ou explicita. Mas, junto com esta postura de deniincia e de explicitagio do compro- miso com o status quo do técnico aparentemente neutro, alguns au- tores chegaram 3 negagio da propria dimensio técnica da pritica docente. Ha uma suposi¢ao firmada entre os criticos do “saber fazer” de que a dimensio de eficacia do trabalho pedagégico é, de- finitivamente, uma invengio do pragmatismo pedagdgico. Dessa forma todas as técnicas € meios pedagégicos sio pro- dutos da burocracia ¢ instrumentos do poder dominador exer- 21 ido pelo professor [...]. Ha um consenso técito de que as no- ses de “eficécia”, racionalidade, organizagao, “instrumenta- lizacSo", “disciplina’, estio indissoluvelmente ligadas a0 mo- delo burocritico capitalista e, onde existem, sio restritoras dos processos de democratizagio da escola e da sociedade.[..] ‘Actitiquice anttéenica € propria do democratismo e responde em boa dose pela diminuigfo da competéncia técnica do edu: cador escolar. A énfase no saber ser, sem diivida fundamental para se definir uma postura critica do educador frente a0 co- nnhecimento € aos instrumentos de a¢io, no pode dissolver as ‘outras duas dimensdes da pritica docente, saber e o saber fae, pois a incompeténcia no dominio do contetido e no uso de re ‘cursos de trabalho compromete a imagem do professor-educa- dor. Tornar nossa pritica ineficiente pe em risco 0s pré, prios fins politicos dessa pritica (LIBANIO, 1982, p. 42-43) Bssa tendéncia reduz a fungo da didética & critica da produ- io atual, geralmente inspirada nas perspectivas anteriormente mencionadas. A afirmagio da dimensio politica da pratica pedagégica é en- tio acompanhada da negagio da dimensio técnica. Bsta € vista co- ‘mo necessariamente vinculada a uma perspectiva tecnicista. Mais ‘uma vez as diferentes dimensées do processo de ensino-aprendi- zagem sio contrapostas, a afirmagio de uma levando 3 negacio das demais. Afirmar a dimensio politica e, consequentemente, es- trutural da educagio, supde a negagio do seu cardter pessoal. Com- peténcia técnica e politica se contrapoem. Neste momento, mais do que uma didatica, o que se postula € uma antididatica 3, De uma didatica instrumental a uma didética fundamental No momento atual, segundo Salgado (1982), ao professor de Didatica se apresenta duas alternativas: a receita ou a dentincia. Isto é, ou ele transmite informagées técnicas desvinculadas dos seus proprios fins e do contexto concreto em que foram geradas, 2 como um elenco de procedimentos pressupostamente neutros ¢ (iniversais, ou critica esta perspectiva, denuncia seu compromisso jdeol6gico ¢ nega a Diditica como necessariamente vinculada a ‘uma visio tecnicista da educagio. | -Certamente, na maior parte das vezes, o ensino de Didética esté informado por uma perspectiva meramente instrumental. — Este enfoque limitado reflete-se nos livros sobre o assunto que sio, em geral, pobres, restringindo-se ao enunciado de “receitas”, com uma fundamentagao teérica insuficiente e in- cconsciente. (ALVITRE, 1981, p. 52) Mas a critica 4 visio exclusivamente instrumental da didética no pode se reduzir 4 sua negacio. Competéncia técnica e compe- téncia politica nio sio aspectos contrapostos. A pritica pedagdgi- «a, exatamente por ser politica, exige a competéncia técnica. As dimensdes politica, técnica e humana da pratica pedagdgica se cexigem reciprocamente. Mas esta miitua implicacéo nio se da au- tomatica € espontaneamente. fi necessdrio que seja conscientemen- te trabalhada, Daf a necessidade de uma didtica fundamental ‘A perspectiva fundamental da Didética assume a multidimen- sionalidade do processo de ensino-aprendizagem e coloca a articu- lagio das us dimensOes, técnica, humana e politica, no centro configurador de sua temética Procura partir da anélise da prética pedagégica concreta e de seus determinantes. Contextualiza a pritica pedagégica e procura repensar as di- mensGes técnica e humana, sempre “situando-as”, ‘Analisa as diferentes metodologias explicitando seus pressu- postos, o contexto em que foram geradas, a visio de homem, de sociedade, de conhecimento e de educagio que veiculam, Flabora a reflexio didética a partir da andlise e reflexdo sobre experiéncias concretas, procurando trabalhar continuamente a relagio teoria-pritica. Nesta perspectiva, a reflexio didatica parte do compromisso com a transformagio social, com a busca de priticas pedagogicas 23 que tornem o ensino de fato eficiente (ndo e deve ter medo da pa- lavra) para a maioria da populagio. Ensaia. Analisa. Experimenta. Rompe com uma pritica profissional individualista. Promove 0 trabalho em comum de professores ¢ especialistas. Busca as for- ‘mas de aumentar a permanéncia das criangas na escola, Discute a questo do curriculo em sua interacio com uma populago con- creta e suas exigéncias, etc. Bste é, a meu ver, o desafio do momento: a superagio de uma didatica exclusivamente instrumental ¢ a construgio de uma di- ditica fundamental Referéncias bibliograficas ALVITE, M.M.C. Didatcae psclgi:exitca do psicologismo na educagio. Sio Paulo; Loyola, 1981 LIBANIO, J.C. Saber, saber ser, saber fazer, o contetido do fazer pedagé- co. Revista da Ande, Ano 1, n. 4, 1982 MATTOS, L.A. de. Sumario de Diditica Geral, Rio de Janeiro: Aurora, 1957. OLIVEIRA, M.R.NS. O cated atl da dilitica: um discurso da neutralidade. UFMG, 1980 [Tese de Mestrado em Bducagio] SALGADO, M.U.C. O papel da didatica na formacio do professor. Revista da Ande, Ano 1, n. 4, 1982 SAVIANI, D. Correntes e tendéncias da educagio brasileira. In: TRIGUEI- RO, D. Filosofia da Hducago Braskira, Inep, 1980. SOARES, M, Travesia. Belo Horizonte, 1981. [Memorial apresentado a Fa cculdade de Educagio da UFMG como parte dos requisitos para a inscrigio e concurso de professor titular] 24 ~2, O papel da didatica na formagdo do educador CIPRIANO CARLOS LUCKES! UFBo De certa forma, sinto-me um pouco intruso ao assumir 0 pa- pel de provocador de um debate sobre 0 tema: “O papel da didé fica na formagio do educador”. Nio sou professor de Didatica nem milito propriamente no campo da metodologia do ensino. Faco, sim, um esforco constante de refletir, revivendo minha pri- tica educacional, especialmente a que exercito no magistério uni- ‘yersitario, e de analisar a pritica educacional que ocorre em mi- ha circunstancia geogrifica e historia. Alids, nossa circunstancia historica. As questoes do proceso educacional, nos nfveis macro e micro, e temas paralelos tém servido de topicos para minha efe- tiva meditagio ao longo dos anos de exercicio de magistério su- perior € atividades afins. Venho, pois, para este seminario de es- pecialistas em educacio, melhor dizendo, especialistas em didati- @, como um amante da reflexio sobre a pritica educacional. Mais que isso, venho como um apaixonado pela minha pritica educa- ional e, quis, possa trazer aos presentes alguns elementos que sirvam de ponto de partida para um aprofundamento da medita- cio sobre o papel da didatica na formagao dos educadores, que, afinal, € preocupasio de todos nés comprometidos com este se tor de atividades. Tomando, curiosamente, 0 tema que me foi proposto para discutir, pensei, de infcio, que valeria a pena parti-Io em subte- 25

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