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DISCURSOS SOBRE A PRIMEIRA DECADA DE TITO LIVIO lyscos soa APA DEC DIO. Papa pee Acpuuman cer rode gia acelin atts dip a aia in te pera ei i be sin hon mv ene Pt Fes rehab et aris oi nga cn sr apa en To conta Ano, Pats enous. Kan fae Ne see Toss dete da fi de DISCORSI SOPRA LA PRIMA 'BECA DITITO LIVIO rereeios Livraria Martins Fontes Eaitora Lida ue Consthis Ramalh, 330 O1825-000 So Paulo SP Brat Ta 1) 320 3877 Pay (1 3105-585, coat: nsmartnsfntestra com br Bp matter com Indice Introducdio aos Discursos sobre a primeira década de Tito Livio de Nicolau Maquiavel. DISCURSOS SOBRE A PRIMEIRA DECADA DETITO LiVIO Nicolau Maquiavel satida Zanobi Buondeimonti ¢ Co- simo Rucellai LIVRO PRIMEIRO. 1. Quais foram os principios das ciddes em geral qual foi o de Roma. 2, De quantas espécies sio spécie foi. a repablica fOMIAM wnnsnese 3. Que acontecimentos levaram 8 criagio dos tibu- nos da plebe em Roma, © que tornou a repi= blica mais perfeita.. 4, A desunitio entre plebe © senado tomou livre & poderost a repuiblica romana 5. Onde se deposita com mais seguranca a guarda da liberdade: no povo ou nos Grandes; e quem tem maior razao pura criar tumultos: quem deseja conquistar ou quem quer manter? reptiblicas & de que xIX 23 Nicolau Maquiavel satida Zanobi Buondelmonti e Cosimo Rucellai Mando-vos um presente, que, se ndo corresponde aos beneficios que vos devo, é sem duivida 0 maior que Nicolau Maquiavel vos pode mandar. Porque nele ex- pressei tudo 0 que sei e aprendi em longa pritica e con- tinuas ligdes das coisas do mundo. E, visto que nem vés nem outros podem desejar mais de mim, nao vos podeis queixar se no vos dei mais. Mas podeis aborrecer-vos com a pobreza de meu engenho, quando estas minhas narragdes forem pobres, ¢ com a faldcia do juizo, quan- do em muitas partes, discorrendo, me engane. E, se tal ocorter, nao sei quem de nés devera sentir-se menos obrigado ao outro: se eu a vés, que me instastes a es. crever 0 que eu jamais teria escrito por mim mesmo, ou se vos a mim, que, escrevendo, ndo vos satisfiz. Tomai, portanto, este presente do modo como se tomam todas as coisas dos amigos: considerando mais a intengio de quem manda do que as qualidades da coisa mandada. E acreditai que nisto tenho uma Gnica satisfacdo, que é a de pensar que, embora me tenha enganado em muit clas suas circunstdncias, s6 numa sei que nao errei, que foi a de vos ter escolhido, acima de quaisquer outros, para enderegar estes meus discursos: seja porque, fazen- A primesra dca ee Tio Lieto do-0, parece-me que demonstrei alguma gratidito pelos beneficios recebidos, seja porque assim me parece estar fugindo ao costume comum dos que escrevem, que con ‘obras sempre a algum principe ©, cegos pela ambicio € pela ganancia', lou- Var neste todis as virtuosas qualidades enquanto deve- riam censura-lo por tudo o que tém de vituperivel. Mo- tivo por que cu, para ndo incorrer nesse erro, ndo esco- Ihi os que si principes, mas os que, por suas infinitas boas qualidades, mereceriam sé-lo; nao os que pode- riam cumularme de titulos, honras € riquezas, mas os que, nado podendo, gostariam de fazé-lo. Porque os ho- mens que queiram julgar com corregéo devem dar valor aqueles que sao liberais, ¢ ndo aqueles que podem sé-lo, assim como aqueles que sabem governar um reino, € nao Aqueles que podem mas nao sabem. E os escritores lou- vam mais 0 siracusano Hierio quando era cidadao pri- vadlo do que o macedénio Perseu quando rei: porque para que Hlierdo fosse principe 86 the faltava o principa- do, do passo que 0 outro nao tinha qualidade alguma de rei, a nao ser o reino*. Usufrui, portanto, o bem e o mal que vés mesmos desejastes: e, se cometerdes o erro de upreciar estas minhas opinides, ndo deixarei de prosse- guir com 0 restante da hist6ria’, conforme vos prometi ho principio’. Valete’ siste em optar por enderecar suas 1a taltano: ananisia (aquele que deseja obter mediante eoubo), CE. Opmmeape IS AN ahs ET DCE Oprincipe, 61S da XE) Eta ces dceaehes de Tie Livin scessivas primeira, IN. da RTL J} Norprcnnio, Hata devicatorks, 1st eld, eF1 past no fin por ss Maquiael se relere ao proginio cume prineypio. IN. da Td ve Form Latina eke staan Site hone ¢sanrstas ber. 1N. dT LIVRO PRIMEIRO Ainda que, devido & natureza invejosa dos homens, sempre tenha sido to perigoso encontrar modos e orde~ nagées novos quanto procurar dguas € terras desconheci- das — por estarem os homens sempre mais prontos a cen- surar do que a louvar as agdes alheias -, assim mesmo, levado pelo natural desejo que em mim sempre houve de trabalhar, sem nenhuma hesitacdo, pelas coisas que me parecam trazer beneficios comuns a todos, deliberei en- trar por um caminho que, nao tendo sido ainda trilhado por ninguém, se me trouxer enfados e dificuldades, tam- bem me poders trazer alguma recompensa, por meio da- queles que considerarem com humanidade os objetivos deste meu labor. E, se 0 engenho pobre, a pouca expe- riéncia das coisas presentes € 0 pequeno conhecimento das antigas tornarem insuficiente e de nao grande utili- dade esta minha tentativa, pelo menos abrirao caminho a alguém que, com mais virtt, mais elogiiéncia e discer- himento, possa vir a realizar este meu intento: 0 que, se nao me granjear louvores, ndo deveria gerar censuras. Considerando, portanto, as homenagens que se pres- tam 2 antiguidade, 0 modo como muitas vezes ~ para nao citar infinitos outros exemplos — um fragmento de estatua A primera década le Tito Livio antiga é comprado por alto prego por quem deseja t consigo € com ele honrar sua casa, permitindo que seja imitado por quem se deleite com tal-arte; considerando como os outros s¢ esforcam por representa-lo com toda industria em todas as suas obras; € vendo, por outro la- do, que as virtuosissimas agdes que as historias nos mos tram, agdes realizadas por reinos ¢ repblicas antigas, por reis, comandantes, cidados, legisladores € outros que se afadigaram pela patria so mais admiradas que imita- das; vendo, alias, que a tais agdes, em suas minimas coi- sas, todos fogem, que daquela antiga virtd nio nos ficou nenhum sinal; em vista de tudo isso nao posso dei xar de admirar-me ¢ condoer-me ao mesmo tempo. E tan- to mais porque vejo que nos litigios civis que surgem entre cidadios, ou nas doengas nas quais os homens in- correm, sempre se pode recorrer a julgamentos ou remé- dios que pelos antigos foram proferidos ou ordenados: por- que as leis civis nada mais sio que sentengas proferidas pelos antigos jurisconsultos, sentengas que, ordenadas, en- sinam nossos jurisconsultos a julgar, E a medicina ainda 5 vai além das experiéncias feitas pelos antigos méd cos, que servem de fundamento aos juizos dos médicos do presente. No entanto, na ordenagao das repuiblicas, na mninutengao dos estados, no governo dos reinos, na orde- nagdo das milicias, na condugio da guerra, no julgamen- to dos stiditos, na ampliagio dos impérios, nao se vé prin- cipe ou reptiblica que recorra aos exemplos dos antigos. E creio que isso provém nao tanto da fraqueza a qual a atual religiao conduziu o mundo!, ou do mal que um am- hicioso Scio fez a muitas regides € cidades cristis, quanto do fato de nao haver verdadeiro conhecimento das hist6- TOG” Discos sobre a primeina década de Tito Livio, UI, 2.(N. da RT 6 tro primesro rias, de ndo se extrair de sua leitura o sentido, de nao se sentir nelas o sabor que tém. Motivo por que infinitas pes- soas que as Iéem sentem prazer em ouvir a grande varie- dade de acontecimentos que elas contém, mas ndo pensam em imité-las, considerando a imitaglo nao s6 dificil como também impossivel; como se 0 céu, o sol, os elementos, ‘os homens tivessem mudado de movimento, ordem e po- der, distinguindo-se do que eram antigamente’. Desejando, pois, afastar os homens desse erro, julguei necessario es- crever, acerca de todos 0s livros de Tito Livio que no nos foram tolhidos pelos maleficios dos tempos, aquilo que, do que sei das coisas antigas e modernas, julgar necessario ao maior entendimento deles, para que aqueles que lerem estes meus comentirios possam retirar deles mais facilmen- te a utilidade pela qual se deve procurar 0 conhecimento das historias. E, ainda que essa empresa seja dificil, aju- dado por aqueles que me animaram a incumbir-me desse fardo, creio carrega-lo de tal modo que a algum outro seri breve o caminho que restar para leva-lo até o destino, 1. Quais foram os principios das cidades em geral e qual foi o de Roma Quem ler a histéria do principio da cidade de Roma ¢ da forma como tudo foi ordenado e por quais legisla- dores, ndo se admirari de que tanta virtt se tenha man- tido por varios séculos naquela cidade; e de que depois tenha surgido 0 império que aquela repiblica atingiu. E, para dliscorrer antes sobre 0 seu na ei que to- das as cidades so edificadas, ou pelos homens nascidos ‘cimento, di CE pienesos,t, 395 Progminy I 43, IN. dla RTH __ A primeira década de To Lieto — no lugar onde sio edificadas, ou por Torasteiros. ro caso ocorre quando os habitantes, dispersos em mui- tas © pequenas partes’, percebem que ndo poderio viver sequros, visto que cada um por si no poderia resistir 20 impeto de quem os assaltasse, seja pelas feigdes do local, seja por serem em pequeno numero, € nao teriam tem- po de unir-se para a defesa diante da chegada do inimi- go; ou mesmo, em havendo tempo, precisariam abando- nar muitos de seus redutos, vindo assim a tornar-se pre- sa facil dos inimigos: de tal modo que, para escaparem 4 esses perigos, movidos por si mesmos ou por alguém dentre eles com mais autoridade, se rednem para morar juntos, em lugar escolhido por eles, lugar que seja ma - stomnais. £4 se defender, Foi esse © inicio, entre muitas outras cidades, de Ate- nas ¢ Veneza. A primeira, sob a autoridade de Teseu, foi clificada por razdes semelhantes pelos habitantes disper- sos; no caso da outra, OS Muito PovoS que Se reuniFam Gm cents ithotas situadas na ponta do mar Adristico, para Tugirem as guerras que todos os dias nase decorréncia da invasio de novos hirbaros depois do de- io do império romano, comegaram = sem que nenhum principe em particular os ordenasse ~ & viver sob as leis que Ihes pareciam mais aptas a manté-los. Nisso tiveram Exito, em vista do longo periodo de paz [oziol que local Ihes deu, pois que aquele mar ndo tinha saida, € os povos que afligiam a Italia ndo tinham navios com que pudes- sem ataci-tos; de til modo que, mesmo tendo ido um principio modesto (piccolol, conseguiram chegar & gran- deza que hoje tem. Flores ON. da RTD tiem primero No segundo caso, as cidades edificadas por foras- teiros ou 0 So por homens livres, ou que dependem de outrem: € 0 que ocorre com as colénias mandadas por re- ptiblicas ou por principes para aliviarem suas cidades de habitantes, ou para defenderem as terras recém-conquis- tadas que desejem manter com seguranga e sem despe- sas’; cidades desse tipo © povo romano edificou diver- sas, por todo o seu império: também podiam ser edifi- cadas por um principe, nao para servirlhe de morada, mas de gloria; como a cidade de Alexandria, edificada por Alexandre. E, como tais cidades nao sao livres na ori- gem, raras sdo as vezes em que realizam grandes pro- gressos [processil, e entre elas é possivel contar as que so capitais de reinos. Semelhante a essa foi a edificagao de Florenga, sob 0 império romano (que ou foi edificada pelos soldados de Sila, ou pelos habitantes dos montes de Fiesole, que, confiantes na paz que houve no mundo no tempo de Otaviano, reuniram-se para morar na plant ie, as margens do Arno): ¢ assim nao seria possivel, em cus primOrdios, aumentar seus territ6rios além daqueles . quer sob © comando de um principe, quer por si mesmos, sio obrigados abandonar a terra natal © a bus car novos locais, seja por doenga, por fome ou por guer- ra: estes ou habitam as cidades que encontram nas ter- ras que conquistam, como fez Moisés, ou edificam novas, como fez Enéias. Neste caso, conhecem-se a virt do edi- ficador ¢ a fortuna do edificado, que € mais ou menos ma- ravilhosa conforme seja mais ou menos virtuoso aquele ACEO principe, thy Historia dle Foren, LAN. os RT A primeira década de Tio Livia = que the constituiu o principio. Virt esta que se conhece de dois modos: o primeiro € na escolha do local; © segun- do, na ordenagao das leis. E, como os homens agem por necessidade ou por escolha, € como se vé que € maior a vir onde haja menos escolhas, € de pensar que, para a edificagao das cidades, talvez fosse melhor escolher lugares estéreis, para que os homens, obrigados a esfor- carse © a ocupar-se menos com o écio, vivessem mais unidos por terem menos razdes de discérdia, em ae da pobreza do local; foi 0 que aconteceu em Ragusa’ e em muitas outras cidades construidas em semelhantes lu- gares: escolha esta que seria mais sabia e mais util, des- ‘de que os homens se contentassem em viver do que € seu mio quisessem mandar nos outros. Portanto, como so © poder da seguranga aos homens, é necessario fugir a essa esterilidade da terra & por-se em lugares fertilissimos, onde, podendo a populagao ampliar-se gragas & uberda- de do solo, os homens consigam defender-se de quem os alaque © oprimir quem quer que se oponha a sua geande- E quanto a0 0 1, devem-se criar ordenagoes para que as leis os obriguem a tals cessidades, caso lugar nao o faca, € imitar aqueles que foram sabios porque, morando em terras amenas e fér- teis, aptas a produzir homens ociosos ¢ inabeis para toda © qualquer agdo virtuosa, para obviar aos danos porven- tura causados pela amenidade da terra por meio do écio, impuseram a necessidade de exercicios aos que tivessem dle ser soldados; de tal modo que, com tal ordem, eles se tornaram melhores soldados do que os das terras natural- mente dsperas ¢ estéreis. Entre estes conta-se © reino dos "Awa Dubrovnik, na Dalmaeia, Bea antiga colonia de Corinto e proctae crou-ve repuilica livre em L410. IN. cht TL = Livro primeira egipcios, que, apesar de viverem em terra amenissima, foi tal a forca dessa necessidade ordenada pelas leis, que ge- raram homens excelentes; e, se os seus nomes nao tives- sem sido apagados por tanta antiguidade, veriamos que mereciam mais louvores que Alexandre Magno e muitos outros de recente meméria. E quem tivesse considerado © sultanato e a ordem dos mamelucos e seu exército, an- tes de serem extintos pelo grao-turco Salim, teria visto @ quantos exercicios se submetiam os soldados, e ficaria sabendo como eles temiam 0 écio a que a benignidade terra os podia levar, se a tanto nao obviassem com ri- gidas leis. Digo, pois, que € mais prudente escolher lugar fértil, desde que os efeitos de tal fertilidade sejam limitados com leis a seus devidos termos. Quando Alexandre Magno quis edificar uma cidade para sua gloria, o arquiteto Di- nécrates mostrou-lhe que ele podia edifica-la sobre o monte Atos, lugar que, além cle ser fortificado, poderia ser proveitado de tal modo que a cidade ganhasse forma humana - 0 que seria coisa maravilhosa e rara, digna de sua grandeza. E, como Alexandre Ihe perguntasse de que viveriam seus habitantes, Dinécrates respondeu que nao pensara no caso; Alexandre riu-se e, deixando de lado o monte, edificou Alexandria, onde os habitantes pudessem bem morar gracas 4 fertilidade da terra e A comodidade do mar e do Nilo, Quem, portanto, examinar a edificacio de Roma, se considerar que Enéias foi seu primeiro fun- dador, dird que ela esté entre as cidades edificadas por forasteiros; se considerar que foi Romulo, dirt que € das edificadas pelos homens nascidos no lugar; seja qual for © modo considerado, vera que Roma teve um principio livre, sem depender de ninguém: vera também, como di- 4 primeira dévada de Dito Livin ——— remos adiante, a quantas necessidacles as leis ditadas por Romulo, Numa e outros a obrigaram, de tal modo que @ fertilidade do solo, a comodidade do mar, as numerosas vitorias © a grandeza do império nao a puderam corrom- per durante muitos séculos', mantendo-a cheia de tanta birtil, com que nenhuma outta cidade ou republica jamais se ornou :, visto que a por Tito Livio ocorreram por deliberagao piblica ow pri- vada, dentro ou fora da cidade, comecarei discorrendo sobre as coisas que, ocorridas dentro da cidade € por de~ liberacao pablica, me parecam dignas de maior atengio, rcrescentiindo tudo © que delas decorrias @ com tais cis cursos terminara este primeiro livro, ou melhor, esta pri- meira parte 2. De quantas espécies so as replicas e de que espécie foi a reptiblica romana’ Quero deixar de lado os comentarios sobre as cida- des que nasceram submetidas a outros; falarei das que nasceram distantes de todo tipo de servidao externa, mas Jogo se governaram por seu proprio arbitrio, seja como republicas, seja como principados: cidades que tiveram nao s6 diferentes principios, mas diferentes leis orde- 2d: ‘ .s receberam leis, em seu princ’ pio ou depois de nao muito tempo, de um so homem © de uma s6 vez, ~ como as leis que foram ditadas por Li- WOR o tempo dos Gracos taf Discos, 14. 0S. da RTL 2 C1 poli, stones, LVI IN, da RTD 8 EE Discrusos, 1 Uewed e ordinds IN. da RTH Liero primero curgo aos espartanos ~ € outras as receberam 20 acaso ¢ em varias vezes, segundo os acontecimentos, como focorreu com Roma. ptiblica 4 qual caiba por sorte um homem tio prudente} jque Ihe dé leis de tal modo ordenadas que seja possivel] guranca is -las, E vé-se que Esparta as observou por mais de oitocentos, anos sem as corromper ou sem nenhum tumulto perigo- Sore, pelo Contrano, © EM CERO nao tendo encontrado um ordenador prudente, precisou reordenar-se por si mesma. E destas é ainda mais infeliz aquela que se encontra mais afastada da ordem; e mais afastada se encontra aquela que, com suas ordenagdes, de todo fora do caminho reto que a possa conduzir ao fim perfeito e verdadeiro. Porque € quase impossivel as que se encontram neste grat reordenar-se [rassetino] gracas a algum acontecimento: as outras que, se nao tém ordenagio perfeita, pelo menos tém um principio bom, passivel de melhorar, podem vir a tornar-se perfeitas gra- ¢as a algum acontecimento, Mas é bem verdade que nun- ca se ordenarao sem perigo; porque os homens, em gran- de nimero, nunca anuem a uma lei nova que tenha em vista uma nova ordem na cidade, a nao ser que Thes seja mostrado, por alguma necessidade, que € preciso fazé lo; € como tal necessidade ndo pode apresentar-se sem perigo, é facil que a replica se arruine antes de ser con- de Florenga, que se reordenou apés os acontecimentos| de Arezzo, em 1502, ¢ se desordenou com os aconteci- mentos de Prato, em 1512". "9. Em 1502, Arezzo ¢ Valdichiana se rebelaram contra © dominio floren- ‘ino em 1512, as tropas espanholas saquearam Prato, [N. da 13 A primeira lécada de Tito Livi Portanto, para discorrer sobre as ordenagdes da cida de de Roma € os acontecimentos que a levaram a perfei- io, dire’ o que dizem alguns que escreveram sobre as re} publicas, ou seja, que ha nekas um dos tres estados, cha mados principado, optimates © popular; ¢ que aquele: que ordenam uma cidade devem voltar-se para um deles indo _o_que_Thes Tis sabios, segundo @ opinito de muitos — 10 de opr nido que existem seis formas [ragionil de governo", clas quais trés sio péssimas € trés do boas em si mesmas, do faceis de corromper-se, que também elas vem a fer perniciosas. Os bons sio os Wes acima CHadON, OF io outros trés que desses trés decorrem; e cada Jum destes se assemelha aquele que The esté proximo, € Jiacilmente passam de um «outro: porque o prineipado fa- icilmente se torna tirdnico; os optimates com facilidade se tornam governo de poucos; © popular sem dificulda- ide se torna licencioso. De tal modo que, se um ordena- dor de reptiblica ordena um desses trés estados numa cidade, 0 ordena por pouco tempo, pois nada poder im- pedir que resvale para o seu contririo, pela semelhanca Nascem tais variagdes de governos a0 acaso entre ‘os homens: porque no principio do mundo os habitantes, ‘que eram escassos, viveram durante algum tempo disper- sos como animais; depois, multiplicando-se, reuniram-se ‘em grupos, e, para poderem melhor defender-se, comega- ram a respeitar aquele que, dlentre eles, fosse mais forte © corajoso, e, fazendo dele seu dirigente, obedeciam-no, Dai proveio o conhecimento das coisas honestas € boas, TOC. patio, Vi. 4, 6; Arisotcles, Politics, 1279; Pl son IN de TH ta0, 0 palitico, sip sepsanaset Horo primeiro. diferentes das perniciosas € mas: porque, vendo eles que se alguém prejudicava seu benfeitor isso suscitava Gdio & compaixao entre os homens, censurando-se os ingratos ¢ homenageando-se os gratos, e percebendo também que aquelas mesmas injtirias podiam ser-lhes dirigidas, para escaparem a semelhante mal reuniam-se para fazer leis ¢ ordenar punigdes a quem as violasse: dai proveio © co- nhecimento da justica. E isso fazia que, sendo depois pre- ciso escolher um principe, j no recorressem ao mais ro- busto, porém ao que fosse mais prudente e justo, Mas, como depois se comegou a ser principe por sucessao, € nao por escolha, logo os herdeiros comecaram a dege- nerar e, deixando as obras virtuosas, acreditavam que os principes nada mais precisassem fazer sendo sobrepujar os outros em suntuosidade, lascivia e em todos os outros tipos de licenca: de modo que, comecando a ser odiado, © principe, temendo por tal dio, logo passou do temor a0 ataque, e rapidamente nasceu a tirania. E dai surgiram logo em seguida os principios das ruinas, das conspi- ragdes € conjuragdes contra os principes; ndo cometidas estas por quem fosse timido ou fraco, mas por aqueles que, por generosidade, grandeza de animo, riqueza e no- breza, sobressaiam aos outros e nado podiam suportar a vida desonesta daquele principe. A multidao, portanto, seguindo a autoridade desses poderosos, armava-se con- tra 0 principe e, morto este, obedecia aqueles como a seus libertadores. E estes, odiando o nome de um 6 go- vernante {capo}", constituiam por si mesmos um gover- no; €, no principio, tendo na memoria a passada tirania, HT: Maquisyel dlenomina capo 0 primeiro monarca, ou sea, aquele que © 0 mais forte & Corgjoso, ¢ principe, o mas prudente e justo, IN. da Re"Tl 5 A pein cee le to bavi conduviam-se segundo as leis por cles mesmos orde clas, pospondo todas as suas comodicces & utilidacle co- mum; ¢ governavam e conservavam com suma diligén- cia as coisas piblicas € privadas, Quando essa admini tragao passava a seus filhos, que ndo conheciam as varia~ ces da fortuna, nunca tinham experimentado o mal € nao queriam satisfazer-se com a igualdade civil, mas ten- diam 4 gandncia, 4 ambiga0 € a usurpacao das mulhe- res, estes faziam que um governo de optimates se tor- nasse um governo de poucos, sem respei [cicilta alguma; de tal modo que, em cunto tempo, ocor- reu-thes 0 que havia ocorrido ao tirano; porque, farta de seu governo, a multidio fez-se instrumento de quem quer que tencionasse de algum modo atacar tais governantes; ¢ assim logo surgiu alguém que, com a ajuda da multi- dao, os matou. E, estando ainda viva a meméria do. prin- cipe e das injurias dele recebidas, tendo-se destruido o estado de poucos € nao se querendo reconstruir 6 do prin- cipe, voltaram-se todos para o estado popular e 0 orde- tram de tal modo que nele nao fosse dada autoridade alguma nem aos poucos poderosos, nem a um s6 prin- Tipe Fy como Todos OF estIcos NO principio Tem a reveréncia’, manteve-se esse estado popular por algu tempo, mas nao muito, mixime depois de se extinguir a geragao que 0 ordenara; porque logo se chegou & licenca, ilidade ar em que nao eram temidos nem os homens privados net ‘os homens pitblicos; de tal sorte que, vivendo cada u a seu modo, cometiam-se todos os dias mil injtirtas: assim] coagidos pela necessidade ou pela sugestio de algum ho: 12 Gena atencao ao hem comum (ef, Carta, A. Macbiavell— Tutte te “opere storiche, pobitche e letteranee Florenga, | Mammut, 1998, p. 62). 16 — Livro primeira nem bom, para Tugienr a tal heenca, volam de Hove ao] principado; e deste, gradativamente, se retorna para s se governaram e governam, mas raras vezes retornam aos\ mesmos governos, porque quase nenhuma repiiblica po de ter tanta vida que consiga passar muitas vezes por tais mutagdes € continuar em pé. Mas muitas vezes ocorre que, passando uma repiblica por tais reveses e faltan- do-the sempre discernimento e foreas, acaba ela por se tomar stcita de algum estado proximo que seja mais bem- ordenado que ela: mas, supondo-se que isso nao ocorres- uma repdblica seria capaz de ficar passando por tem- sscos e oS DIOS SAO HOCIVOS, tanto pela brevidade da vida que ha nos trés bons quan- to pela malignidade que ha nos tés ruins. Assim, sempre que tiveram conhecimento desse defeito, aqueles que pru- dentemente ordenam leis evitaram cada um desses mo- dos por si mesmos e escolheram algum que tivesse um) pouco de todos, por o julgarem mais firme ¢ estivel; por- que, quando numa mesma cidade ha principado, opti- Entre os que mais louvores merecem por semelhantes constituigdes, esta Licurgo, que ordenou de tal modo suas leis em Esparta que, dando aos reis, aos optimates e a0 povo suas devidas partes, criou um estado que durou mais de citocentos anos, com supremo louvor para si € sosse- go para aquela cidade, © contrario ocorreu a S6lon, que ordenou as leis em Atenas; ele, por constituir ali somente (0 sgntido generico de estados (et i, shi, p. 63) 14, Formas de governo, IN. da RF] 0 A primetra deca ce Tite Lirin © estaclo popular, o fez de tlo breve vida que, antes de morrer, vil nascer a tirinia de Pisistrato: e, embora depois dle quarenta anos seus herdeiros tivessem sido expulsos, © Atenas recobrasse at liberdade, o estado popular que se restabeleceu, de acordo com as ordenagdes de S6lon, no se manteve por mais de cem anos, ainda que para man- terse fizesse muitas constituigdes, por meio das quais se reprimiam a insoléncia dos grindes e a licenga do povo Uotirersald, coisas que nao foram consideradas por S6lon; contudo, por ndo as ter misturado com © poder do prin- cipado e dos optimates, Atenas viveu brevissimo tempo, em comparagio com Esparta. Mas voltemos a Roma. Embora Roma nao tivesse um Licurgo que no principio a ordenasse de tal modo que Ihe permitisse viver livre por longo tempo, foram tantos os ucontecimentos que nela surgiram, devido a desuniio que havia entre a plebe ¢ o senado, que aquilo que nao fora feito por um ordenador foi feito pelo acaso. Porque, se Roma nao teve a primeira fortuna, teve a segunda; pois se suas primeiras ordenagoes foram insuficientes, nem por isso a desviaram do bom caminho que a pudesse le- var perfeigao. Porque ROmulo ¢ todos os outros reis fi- zeram muilas € boas leis, ainda em conformidade com a vida livre: mas, como sua finalidade foi fundar um reino, © no uma reptiblica, quando aquela cidade se tornou li- vre, faltavam-lhe muits coisas que cumpria ordenar em favor da liberdade, coisas que nao haviam sido ordena- s por aqueles reis. E, se bem que aqueles seus reis perdessem © poder pelas razdes € nos modos narrados, aqueles que os depuseram, a0 constituirem lordinandovi) imediatamente dois cOnsules para ficarem no lugar dos reis, na verdacle depuseram em Roma o nome, mas nao © poder régio: de tal forma que, como 86 tivesse cénsules Livre primetro —— ¢ senado, aquela reptblica vinha a ser mescla de duas qualidades das trés acima citadas, ou seja, principado e optimates. Faltava-lhe apenas dar lugar ao governo popu- lar: motivo por que, tornando-se a nobreza romana in- solente pelas razGes que abaixo se descreverdo, 0 povo sublevou-se contra ela; ¢ assim, para ndo perder tudo, ela foi obrigada a conceder a0 povo a sua parte, e, por outro lado, o senado e os cdnsules ficaram com tanta au- toridade que puderam manter suas respectivas posigses naquela reptiblica. E assim se criaram os tribunos da ple- be, tomando-se assim mais estivel o estado daquela re- piiblica, visto que as trés formas de governo tinham sua parte. E foi-lhe tao favoravel a fortuna que, embora se passasse do governo dos reis e dos optimates a0 povo, por aquelas mesmas fases e pelas mesmas razdes acima narradas, nunca se privou de autoridade 0 governo régio para di-la aos optimates; e nao se diminuiu de todo a autoridade dos optimates, para d4-la ao povo; mas, per- manecendo mista, constituiu-se uma republica perfeita: perfeicio a que se chegou devido a desuniao entre ple- be € senado, como nos dois préximos capitulos profu mente se demonstrara. a 3. Que acontecimentos levaram a criagao dos tribunos da plebe em Roma, 0 que tornou a reptiblica mais perfeita® ‘Como demonstram todos aqueles que discorrem so- bre a vida civil e todos os exemplos de que esto cheias 15. partir deste ponto, serio indicados os capinulos da Historia de Roma, 19 Livio, qué sio comentados por Maquiavel, Aqui, I, 27-33, IN da RTH 19 = 1 primciea decent de Tito Livio todas as historias, quem estabelece uma repablica e or dlena suas leis precisa pressupor que todos os homens siio maus [rei] e que usario a malignidade de seu animo sempre que para tanto tiverem ocasido; e, quando algu- ma maldade se oculta por algum tempo, assim procede por alguma razdo oculta que no se conhece porque nao se teve experiencia do contririo; mas essa razio um dia € posta a descoberto pelo tempo, que, segundo dizem, é 0 pai da verdade. ‘Quando 08 Tarquinios foram depostos", parecia haver em Roma enorme unido entre a plebe e 0 senado; € pa- recia que os nobres haviam renunciado a soberba, que tinham disposigdes mais populares e podiam ser suporta- dos por todos, mesmo os de infima condi¢ao. Permaneceu oculto esse engodo, € no foram vistas as suas razdes, en- quanto 05 Tarquinios viveram", pois a nobreza, por te- mé-los e por recear que a plebe maltratada se aproximas- se deles, portava-se humanamente com esta: contudo, as- sim que os Tarquinios morreram, os nobres perderam 0 medo © comegaram a cuspir sobre a plebe 0 veneno que haviam guardado no peito, ofendendo-a de todos os mo- dos que podiam, Coisa que serve de testemunho daquilo de que acima falei, ou seja, que os homens nunca fazem bem algum, a nao ser por necessidade; mas, onde sao muitas as possibilidades de escolha € se pode usar da li- cenga, tudo logo se enche de confusao e desordem. Por isso se diz que a fome € a pobreza tornam os homens industriosos, € que as leis os tornam bons. E, quando uma coisa funciona bem por si mesma, sem leis, ndo ha nece: sidade de lei; mas, quando falta 6 bom costume, a lei logo Tho Hn $10 a6, (ef, Cons, op fp. IT ate09 86 tet dd, tid 20 Livre primeiro se faz necessiria. Assim, faltando os Tarquinios, que com 0 medo refreavam a nobreza, foi preciso pensar numa nova ordenagdo que produzisse o mesmo efeito produ- zido pelos Tarquinios em vida. Por isso, depois de muitas confusées, tumultos e perigos de perturbacdes, surgidos entre a plebe e a nobreza, chegou-se a criacao dos tribu- nos", para seguranca da plebe; e fos romanos] ordenaram tanta preeminéncia e reputagdo que a partir de entao pu- deram ser sempre intermediarios entre a plebe ¢ o sena- do, obviando a insoléncia dos nobres. 4.A desuniao entre plebe e senado tornou livre e ~ poderosa a reptiblica romana” Nao quero deixar de falar dos tumultos que houve em Roma desde a morte dos Tarquinios até a criagdo dos tribunos; depois, quero dizer algumas coisas contra a opi nidio de muitos, segundo a qual Roma foi uma repuiblica tumultudria ¢ tio cheia de confusio que, se a boa fortu- na € a virtdi militar ndo tivessem suprido a seus defeitos, la teria sido inferior a qualquer outra reptiblica. Nio pos. so negar que a fortuna e a milicia foram razdes do impé- rio romano, mas também me parece que quem diz tais coisas ndo se apercebe de que onde ha boa milicia é pre- iso que haja boa ordem, e raras so as vezes em que dei- xa de haver também boa fortuna, Mas voltemos aos outros particulares daquela cidade. Direi que quem condena os tumultos entre os nobres e a plebe parece censurar as coi- sas que foram a causa primeira da liberdade de Roma e 18. Em torno de 494 aC (ef. Carara, op. cit, p. 65). 19. Tito Livio, 1, 23-32. [N. da R, TI 2 _. A primeira dicada dle Tito Lieto considerar mais as assuadas ¢ a grita que de tais tumultos nasciam do que os bons efeitos que eles geravam; e no consideram que em toda repiblica ha dois humores di- ferentes, 0 do povo, € o dos grandes, € que todas as leis que se fazem em favor da liberdade nascem da desuniao ma; porque dos Tarquinios aos Gracos, durante mais de trezentos anos, 05 tumultos de Roma raras vezes redun- ndo se pode dizer que tais tumuttos sejam nocivos, nem que tal reptiblica fosse dividida, se em tanto tempo, em razao de suas diferengas, ndo mandou para 0 exilio mais que oito ou dez cidadiios, matou pouquissimos e no con- denou muitos ao pagamento de multas. Endo se pode ter razio para chamar de nao ordenada uma repiblica des- sas, onde hi tantos exemplos de virtiZ, porque os bons exemplos nascem da boa educacao; a boa educagao, das hoas leis; ¢ as boas leis, dos tumultos que muitos conde- nam sem ponderar: porque quem examinar bem o resul- taco deles ndo descobrira que eles deram origem ae lios ou violéncias em desfavor do bem comum, mas sim a leis e ordenagdes benéficas a liberdade pitblica. E se al- Buen disses finarios™, quase fe- rOzes, ver © povo junto a gritar contra © senado, 0 sena- do contra 6 povo, a correr em tumult pelas ruas, a fechar ‘© comércio, a sair toda a plebe de Roma, so coisas que assustam quem as 1, € ndo poderia ser diferente; digo que toda cidade deve ter os seus modos para permitir que 0 povo desafogue sua ambigio, sobretudo as cidades que queiram valer-se do povo nas coisas importantes; a cidade 125" Que sto atheios aos modes ordinarios, Cf, Vocabulitio, IN: da RT Horo primeiro Este modo: quando 0 Povo queria obter uma lei, ou fazia alguma das coisas acima citadas ou se negava a arrolar seu nome para ir 3 guerra, de tal modo que, para aplacé-lo, era preciso satistazé-lo em alguma coisa. E os desejos dos povos livres raras ve- zes S40 perniciosos a liberdade, visto que nascem ou de serem_oprimidos ou da suspeita de que viria 2 silo em sendo falsas tais opinides, ha sempre o remédio das assembléias {concion#], nas quais surja algum homem de bem que, discursando, lhes mostre que se enganam: e 08 povos, como diz Tulio®, mesmo sendo ignorantes, sto capazes de entender a verdade e facilmente cedem, quan- do a verdade Ihes é dita por homem digno de f Portanto, deve-se censurar 0 governo romano com mais comedimento; € considerar que tantos bons efeitos oriundos daquela repiblica s6 podiam ser cauisados por 6timas raz6es. E se os tumultos foram razio para a criagdo dos tribunos, merecem sumos louvores; porque, além de concederem a parte que cabia a0 povo na administracio, tais tribunos foram constituidos para guardar a liberdade romana, como se mostrara no capitulo seguinte. 5. Onde se deposita com mais seguranga a Suarda da liberdade: no povo ou nos Grandes; € quem tem maior razao para criar tumultos: quem deseja conquistar ou quem quer manter?# 21. Cicero (ef. Carats, 9p. cit, p66), 22. Tito Livio, 1X, 26. IN. da RT B A primeira décadta de Tio Livio constituigao de uma guarda da liberdade: €, do modo como esta seja instituida; dura mais ou me- nos tempo aquela vida livre. E, como em toda republica hai homens grandes e populares, nto se sabe bem em que Entre os lacedem6- nios e, NOS nossos tempos, entre os venezianos, ela Toi posta nas maos dos nobres; mas entre os romanos, foi pos- ta nas maos da plebe, Portanto, é necessario examinar qual dessas republi- cas fez melhor escolha. E, se remontissemos As raz6es, haveria argumentos de ambas as partes; mas, se exami- nassemos os resultados ficariamos do lado dos nobres, ¢ a liberdade de Esparta ¢ de Veneza teve vida [mais longa que a de Roma. E, indo as raz6es, direi, vendo primeito o lado dos romanos, que se deve dar a guarda] ide uma coisa Aqueles que tem menos desejo de usurpa- la, E sem dtivida, se considerarmos © objetivo dos nobrés e © dos plebeus lignobilil, veremos naqueles grande de- sejo de dominar € nestes somente o desejo de nao ser do- minados e, por conseguinte, maior vontade de viver livres, visto que podem ter menos esperanea de usurpar a liber dade do que os grandes; de tal modo que, sendo 0s p pulares encarregados da guarda de uma liberdade, € ra. el que tenham mais zelo que, nie podendo eley no permitirio que outros s¢ “apoderem. Por outro lado, quem defende a ordenacao es partana © veneziana diz que quem poe a guarda nas maos de poderosos realiza duas boas agdes: uma é satistazer mais & ambicao deles, que, tendo mais participagio na re- ptiblica com tal hastio em maos, tém mais motivo para mento; outra € que negam certo tipo de autorida- nimos inquietos da plebe, razdio de infinitas dis- content de aos 0 primer sensoes ¢ tumultos numa repiblica, capazes de causar al- guma reagio desesperada 4 nobreza, 0 que, com o tem- po, produzira maus efeitos. E do como exemplo Roma mesmo, onde, estando ja os tribunos da plebe investidos dessa autoridade, nao foi bastante um cénsul plebeu, € eles quiseram té-los ambos. A partir dai, quiseram a cen- sura’, 0 pretor® ¢ todos os outros cargos do governo da cidade: mas nem isso Ihes bastou, pois, levados pelo mes- mo furor, comegaram depois, com o tempo, a adorar os homens que Ihes pareciam aptos a combater a nobreza; dai nasceram 0 poder de Mario ¢ a ruina de Roma, £, realmen- te, quem discorresse bem sobre uma coisa e outra poderia ndo saber © que escolher para encarregar da guarda de tal liberdade, por nao saber que tipo de humor é mais nocivo a uma repitblica, se aquele que deseja manter as honras ja conquistadas ou o que deseja conquistar as que nao tem E no fim, quem examinar tudo sutilmente chegaré a esta conclusio: ou se pensa numa republica que queira fa- zer um império, como Roma, ou numa a qual baste man- ter-se. No primeiro caso, € necessario fazer tudo como Roma; no segundo, pode-se imitar Veneza e Esparta, pelas raz6es € pelos modos que diremos no proximo capitulo. _ Mas, para voltar a discotrer sobre o tipo «de homem mais nocivo numa reptiblica ~ se aquele que deseja con- quistar ou aquele que teme perder o que conquistou —, direi que, a0 nomear Marcos Menénio ditador e Marcos Falvio mestre de cavalaria, ambos plebeus, para a investi- [BG oie 7 9, ple ns a tr nose de (Tito Livio, VI, 42) ¢ef. Caras, op. cit, p. 67). “ bs tio tia 22 I oH A primeira décadas de Tito Livia — gacdo de cenas conjuragdes que estavam sendo cometidas em Capua contra Roma, 0 povo também thes dew autori- dade de investigar quem quer que em Roma, por ambi- (do & modos extraordinarios, diligenciasse ascender a0 consulado @ aos outros postos de honra da cidade. E os nobres, achando que tal autoridade era dada ao ditador contra a lei, espalharam por Roma que nao eram os no- bres que buscavam os postos de honra por ambi¢do € modos extraordinarios, mas sim os plebeus, que, 0 es- cudados no sangue e na virtii, procuravam chegar a tais postos por vias extraordindrias; e em especial acusavam © ditador. £ foi tao forte essa acusago que Menénio, reu- nindo uma assembléia © mostrando-se desgostoso com as caliinias dos nobres, renunciou a ditadura e subme- ua causa, ele foi absolvidor e bre quem seria mais ambicioso, se aquele que quer m her ou se aquele que quer conquistar, porque facilmente Jambos os desejos podem dar razito a enormes tumultos. No entanto, no mais das vezes estes so causados por aqueles que mais possuem, porque o medo de perder xera neles as mesmas vontades que ha nos que desejam Conquistar; pois 05 homens s6 acham que possuem com seguranga 0 que tém quando acabam dle conquisté-lo do butro. E ha muitos que, possuindo muito, podem com| mais poder € maior efeito {moto} provocar mudangas. E| tumbém ha muitos cujo comportamento incorreto e am- bicioso acende no peito de quem nada possui o desejo| dle possuir, seja para vingar-se dos que possuem, espo- Jiando-os, seja para poderem entrar na posse das rique+ zas © das honrarias que percebem estar sendo mal em pregadas pelos outros. 26 Livro primeiro 6. Onde se procura saber se em Roma era possivel ordenar um estado que eliminasse as inimtzades entre 0 povo e 0 senado Discorremos acima sobre os efeitos produzidos pe- Jas controvérsias entre 0 povo € o senado. Ora, visto que elas prosseguiram até o tempo dos Gracos, quando cau- saram a ruina da vida livre, alguém poderia desejar que Roma tivesse chegado & grandeza que chegou sem que nela existissem tais inimizades. Por isso pareceu-me dig- no de consideragao tentar descobrir se em Roma era pos- sivel ordenar um estado que eliminasse tais controvérsias. E, para examinarmos isso, é necessario recorrer as rept- blicas que sem tantas inimizades e tumultos permanece- ram livres por longo tempo, vendo que tipo de estado nelas havia, € se era possivel introduzi-lo em Roma, Como exemplo entre os antigos tem-se Esparta; entre os moder- nos, Veneza, conforme referi sparta instituiu um. rei € um pequeno senado® para governi-la; Veneza nao dividiu 0 governo com nomes, mas, sob uma mesma de- nominagao, todos os que podem administrar chamam-se gentis-homens. Esse modo thes foi ditado mais pelo aca so que pela prudéncia de quem thes deu as leis: porque, uma vez reunidos sobre os escolhos onde agora fica aquela cidade, pelas razGes ditas acima, seus habitantes cresceram tanto em ntimero, que, para viverem juntos, precisavam de leis, ¢ assim ordenaram uma forma de governo; ¢, reunindo-se eles amitide em conselhos, para deliberar sobre a cidade, quando Ihes pareceu ser seu nt- ima. 300K gerisia, IN. cha T] A primetra dévacdes de Tie Licto mero suficiente para constituirem uma vida politica, ve~ daram a todos os que ali passassem a morar 0 acesso a participacdo em seu governo; e, com 0 tempo, por se en~ contrarem naquele lugar muitos habitantes fora do go- verno, para se dar reputacdo aos que governavam, estes foram chamados gentis-homens, € os outros, populares, Venera pode assim nascer € manter-se sem tumulto, por- que, quando nasceu, todos 0s que ali moravam entio participaram do governo, de tal modo que ninguém po- dia queixar-se; ¢ os que Ii foram morar depois, encon- trando © estado fixado e delimitado, nao tinham razao ur tumulto. Razio nao havia por- que nao thes tinba sido retirada coisa alguma; ¢ facilidade mio havie porque quem governava os mantinha . 2 m cles pudessem ex- frair autoridade. Além disso, os que depois foram morar Jem Venexa nao crim muitos, nem em ntimero tio grande jque houvesse desproporglo entre quem govera © quem Jé yovernado; porque ou o ntimero de gentis-homens € igual ao deles, ou € superior: de tal modo que, por es nem facilidade para relreados Tsparta, como disse, era governa um pequene [sfrertol senado. Pode manter-se assim por longo tempo porque, havendo em Esparta poucos habi- Luntes, vedando-se © acesso a quem ali fosse morar €| acatando-se as leis de Licurgo com reveréncia (cuja ob-| servincia eliminava todas as razdes para tumultos), pude- ram todos viver unidos por muito tempo. Porque Licur- go, com suas leis, criou em Esparta mais igualdade de} Fens e menos igualdade de cargos; pois ali havia igual po- hreza, € 0s plebeus nao exam ambiciosos, pois os cargos} dix cidade _se_distribuiam por poucos cidadaos e eram Livro primero nunca The deram, com maus-tratos, desejo de possui-los. Isso porque os reis espartanos, sendo instituidos naquele principado em meio Aquela nobreza, para conservar-lhe a dignidade, nao tinham methor remédio que manter a plebe protegida de injtirias: 0 que fazia a plebe nao te- mer e ndo desejar 0 poder {imperiol; e, como a plebe nado temesse nem desejasse o poder [imperio}, estava elimi- nada a disputa que ela pudesse ter com a nobreza, logo, a razdo para tumultos; € assim puderam viver todos uni- dos por muito tempo. Mas duas coisas principais causa- ram essa unido: uma foi serem poucos os habitantes de Esparta, e assim poderem ser governados por poucos; outra foi que, nao aceitando forasteiros em sua republi- a, ndo tiveram eles ocasidio para corromper-se nem para crescer tanto que ela se tornasse insuportavel aos poucos ladores de Roma precisariam ter feito uma destas duas coisas, se quisessem que Roma permanecesse tranqiiila como as replicas acima citadas: ou no empregar a ple- be na guerra, como os venezianos, ou no abrir caminho para os forasteiros, como os espartanos. Mas fizeram am- bas as coisas, 0 que deu a plebe forca, ntimero ¢ infinitas cocasides para criar tumultos. Mas, se 0 estado romano se tornasse mais tranquiilo, decorreria o inconveniente de tor- nar-se também mais fraco, porque assim Ihe era barra do © caminho para chegar a grandeza a que chegou: de tal modo que, se Roma quisesse eliminar as razdes dos tumutltos, eliminaria também as razdes de ampliar-se”. E 27. Da conquista. (N. da RT) 29 A primeira década de Tito Livi em todas as coisas humanas quem bem examinar vera que nunca se pode anular um inconveniente sem que surja outro. Portanto, se queres criar um povo numero- so ¢ armado para poderes criar um grande império, aca- aris por fazé-lo de tal maneira que nado poderés depois maneji-lo a teu modo; e, se o manténs pequeno ou desar~ mado para poderes manejé-lo, se conquistares dominios, nao os poderas conservar, ou eles se tornardo to fracos que seris presi Facil de quem te atacar. Por isso, em toda 4s nossas deliberagoes, devemos considerar aquilo que apresenta menos inconvenientes € toma-lo por melhor dlecisio: porque nunca hi nackt que seja de todo nitido sem suspeitas*, Roma, portanto, assim como Esparta, po- dia criar um principe vitalicio € um senado pequeno, mas nao podia, como ela, deixar de aumentar 0 ndmero de seus cidadaos, se desejasse criar um grande império: as sim, instituir um rei vitalicio © um pequeno senado, em termos de unio, de pouco Ihe teria servido. Se alguem, portanto, quiser ordenar @ blica, tera de examinar se quer que ela cresca em domt- nio © poder, como Roma, ou que permanega dentro de limites exiguos. No primeiro caso, € necessario ordend-la como Roma e dar lugar di methor maneira possivel a tu- multos ¢ a dissensdes entre cidadaos [wniversalil, por- que, sem grande ntimero de homens bem armados, nun- ca repiiblica alguma podera ampliar-se, e, caso se am- plie, no poderd manter-se. No segundo caso, pode ser ordenada como Esparta e Veneza: mas, como 0 cresci- mento é © veneno de semelhantes reptblicas, quem as. ve de todas_as maneiras possiveis, que AGE © principe, 21. © Diserrsos, L 38, IN. da RTH - Livro primetro. : haja conquistas; porque tais conquistas, se apoiadas numa reptiblica fraca, so motivo de sua ruina. Foi o que ocor- reu a Esparta ea fas, @ primeira, depors ce submeter quase toda a Grécia, mostrou num minimo acon- tecimento como era fraco o seu fundamento; porque, em seguida a rebeliio de Tebas, provocada por Pelépidas, veio a rebelido das outras cidades, que arruinou de todo aquela reptblica. Veneza, de modo semelhante, depois de ter ocupado grande parte da Itilia - € a maior parte io com guerra, mas com dinheiro e astiicia -, quando precisou dar prova de suas forgas, perdeu tudo numa batalha®. Acredito que, para criar uma replica que du- asse muito tempo, seria necessdrio ordend-la interna- mente como Esparta ou como Veneza, situd-la em lugar fortificado, ¢ com tal poder que ninguém se acreditasse capaz de subjugé-la em pouco tempo; por outro lado, nao deveria ser téo grande que infundisse terror nos vi- inhos, e assim poderia gozar por longo tempo de seu estado, Porque Sio duas as razoes pelas quais se tava guerra contra uma republica: uma é querer assenhorear-se duas razdes sto quase totalmente anuladas pelo mod de ordenar acima descrito; porque, se for dificil expug- ni-la, como pressuponho, estando bem ordenada para a defesa, raras ou nenhumas sero as vezes em que alguém concebera o propésito de conquisté-la. E, se ela ficar den- tro de seus confins, e todos virem, por experiéncia, que nela no h4 ambicdo, nunca ocorrera que alguém por medo Ihe faca guerra: e, com mais razéo isso se daria, se nela houvesse constituico ou lei que lhe vedasse am- "B Guando o exerto venelano fol derorado pea Liga de Cabra em 1509. [N. da T) pees 31 _— A primeira década dle To Lvto pliarse. E sem divida acredito que, se for possivel man- ter as coisas equilibradas desse modo, ter-se-a verda- deira vida politica © verdadeira paz numa cidade, Mas, como todas as coisas humanas estiio em movimento € no podem ficar paradas, & preciso que estejam subinde ow descendo; © a muitas coisas a que a rzAo ndo nos induz somos induzidos pela necessidade: de tal maneira que, depois de ordenarmas uma reptiblica capaz de manter-se sem ampliar-se, se a necessidade a levasse a ampliar-se, seriamos levados a destruir 05 seus fundamentos € a leva- Ja mais cedo a ruina. Assim, por outro lado, sempre que © Céu Ihe fosse tio benévolo que nao Ihe cumprisse guer- rear, 0 6cio a tornaria efeminada ou dividida; coisas que, seriam razlo pars sua ruina, Portanto, nao sendo possivel, como crevo, equill coisas nem manter-se exatamente nessa via do meio, ao se ordenar uma replica € preciso pensar no lado mais honroso, ¢ ordenar tudo de tal modo que, mesmo quan- do a necessidade a induzisse a ampliar-se, fosse possi- vel conservar 6 que jd houvesse sido conquistado. E, para voltar ao primeiro assunto, creio ser necessario seguir a ordenagio romana, € nao a das outras republicas; porque nio acredito ser possivel encontrar um meio-termo entre as ou cada um uma ¢ outra, € as inimizades que surgissem entre 0 povo © 0 senado deveriam ser toleradas ¢ consideradas um in- convenient necessirio para se chegar 4 grandeza ro- mana. Porque, além das outras raz6es alegadas, onde se demonstra que @ autoridade dos tribunos foi necessaria para a guarda da liberdade, pode-se facilmente verificar| © beneficio, para as republicas, da faculdade de denun- ciar, que, entre outras coisas, era confiada aos tribunos; como se discorreri no proximo capitulo. Litr0 primeira 7. Da necessidade das acusagées para conservar a liberdade numa reptiblica® ‘Aos que recebem a Teale umn Cie de nao se pode conferir autoridade mais til e necessaria do que a de poder acusar perante 0 povo ou qualquer magistrado ou conselho os cidadaos que porventura pe- cassem de algum modo contra o estado livre. Essa or- denacio tem dois efeitos utilissimos para uma repiibli ca. O-primeiro é que os cidadios, por medo de serem_ reprimidos de imediato € sem consideragao. O outro, _ é que se permite o desafogo daqueles humores que de al- gum modo crescam nas cidades contra qualquer cidadao: , quando tais humores nao tém como desafogar-se por modos ordinirios, recorre-se a modos extraordinarios, que levam toda a reptiblica 4 ruina, Por isso, nada ha que tor- ne mais estivel e firme uma repiblica do que ordend-la de tal modo que a alteracio dos humores que a agitam ‘ser demonstrado com muitos exemplos, maxime com oO que Tito Livio" fala de Coriolano, quando diz que esta~ va a nobreza romana irritada com a plebe, por Ihe pare- cer que esta tinha excessiva autoridade, devido a criagao dos tribunos que a defendiam, quando Roma enfrentou grande pentria de viveres, como acontece, ¢ 0 senado mandou buscar cereais na Sicilia; Coriolano, inimigo da faccaio popular, sugeriu que chegara a hora de castigar a plebe € de priva-la da autoridade de que ela se apode- rara para prejuizo da nobreza, mantendo-a com fome Tito Livio, 1 33-5. IN. da RT BIL IL, 34-35 (ef Cansta, op. eft, p. 72) 33 CA primeira de Tie Livio ao The dando triga: deckiragio que, cheyando aos ouvie dos do povo, provocou tanta indignagao contra Coriokaino, que este, ao sair do senado, teria sido morto tumultuaria- mente, Se 0s tribunos nao o tivessem intimado a com- parecer diante dos tribunais e defender sua causa, Acon- lecimento este sobre o qual se deve notar o que acima dissemos, a respeito da utilidade e da necessidade de as republicas, com suas leis, permitirem 0 desafogo da ira que © povo vota a um cidadao: porque, quando nao ha esses modos ordindrios, recorre-se 40s extraordinarios; ¢ sem divida estes produzem efeitos muito piores que aqueles, Torque, se um cidadio © punido ordinariamente, ain da que de modo injusto, segue-se pouca ou nenhui Klesordem na reptblica; pois a execugio nao é feita cor forgas privadas ¢ forgas estrangeiras, que sdo as que ar; ruinam a vida livre, mas sim com forcas e ordens publi cas, dentro de seus proprios termos, nao se ultrapassan: ite ale se aenuing ‘bli pars basta-me esse de Coriolano; ¢, sobre ele, que todos con- siderem o mal que adviria a repiblica romana, se ele ti- vesse sido morto tumultuariamente: porque dai decorre- ria ofensa entre particulares, ofensa que gera medo; medo que busca defesas; para a defesa arranjam-se partidarios; dos particlérios nascem as faccdes nas cidades; das fac- Oes, «sua ruin, Mas, como 2 situagio era conduzida por quem para tanto tinha autoridade, foi possivel eliminar todos os males que poderiam advir do govern por uma autoridade privada, Vimos, em nosso tempo, tuimultos movida) que ocor reram na repoblica de Florenga por nao poder a multidao desafogar seu Animo ordinariamente contra um seu cida- 34 q a sien ati Lieve primeiro dao; conforme ocorreu quando Francesco Valori estava como principe da cidade; este era por muitos julgado am- bicioso, homem que com sua audicia e animosidade que- ria transcender vida civil, mas, como nao houvesse na reptblica meio de opor-Ihe resistencia, a nao ser com al- guma faceao que fosse contriria 4 sua, ele nada temia, a nao ser os modos extraordinarios, ¢ assim comecou a reunir partidarios que o defendessem; por outro lado, aqueles que se Ihe opunham, nao contando com uma via ordindria para reprimi-lo, pensaram nas vias extraordina- rias: a tal ponto que se enfrentaram com armas. E, caso houvesse possibilidade de oposicao de modo ordinario, a sua autoridade se teria extinguido com seu dano apenas; sendo preciso extingui-la de modo extraordindrio, o dano foi no somente seu, mas de muitos outros nobres cida- dios. Poder-se-ia ainda alegar, em defesa da citada con- clusio, 0 que aconteceu, também em Florenga, com Piero Soderini, coisa que afinal se deu por ndo haver naquela reptiblica modo nenhum de acusagées contra a ambi¢Zo dos cidadios poderosos. Porque nao basta acusar um po- deroso diante de oito juizes numa republica: € preciso que 0 juizes sejam muitos, porque os poucos sempre agem em favor dos poucos. E, assim, se houvesse tais modos, ou os cidadios o teriam acusado, caso ele se comportas- se mal, ¢ com tal meio, sem precisar chamar 0 exército es- panhol, teriam desafogaclo seu Animo, ou, caso ele nao se comportasse mal, nada teriam ousado fazer contra ele, para ndo serem eles mesmos acusados: ¢, assim, de to- dos os lados, ter-se-ia extinguido aquele apetite, que foi razio de tumultos. 32. Tomar tirano. IN, da RT 35 ) i i 1 primeira loca de Tito Lie Assim, conchirse que, sempre que fore a 3 forcas estrangeiras por uma facgio de homens que vivam nalguma cidade, pode-se acreditar que isso advém das mas ordenagoes dessa cidade, por nio haver, dentro de seus li- mites, uma ordenagio que permita desafogar os humores malignos que nascem nos homens, sem o emprego de modos extraordinarios: isso se prové ao ordenar tudo de tal modo que as acusagdes sejam feitas a um ntimero grande de juizes, dando-lhes acatamento. Modos estes que em Roma foram tao bem-ordenados que, em tantas dissensdes entre plebe € senado, nunca o senado, a ple- be ou qualquer cidadio particular tentou valer-se de for- Gas externas; porque, tendo o remédio em casa, ndo pre- cisavam ir buscar os de fora. £, embora os exemplos aci ‘ma sejam suficientes para provirlo, quero aduzir outro, narrado por Tito Livio em sua hist6ria®: ele conta que em hiusi, naquele tempo nobilissima cidade da Toscana, uma irma de Arunte foi violada por um Lucumao, e nao poden- do Arunte vingar-se, devido ao poder do violador, foi & procura dos franceses, que entio reinavam naquele lugar ‘que hoje se chama Lombardia; ¢ exortou-os a ir armados a Chiusi, mostrando-thes que, com proveito [utile] deles, podiam vingd-lo da injaria recebida: se Arunte tivesse percebido que podia vingar-se com os modos da sua ci- dade, nao teria buscado as forcas barbaras", Mas, assim como tais acusagdes sao titeis numa reptiblica, também sdo intiteis ¢ danosas as caliinias; como se vera no proxi- mo capitulo, BAU as vet, Canara, op. ct, p72) $4, Fite Livio, V, 38 IN. da RT i070 primeiro 8.Assim como as acusag6es sao titels as reptiblicas, sao perniciosas as caltinias” Embora a virta de Fario Camilo, depois de libertar Roma da opressio dos franceses*, Ihe valesse 0 reconhe- cimento de todos os cidadios romanos, sem que com isso thes parecesse perder reputacdo ou hierarquia, Manlio Capitolino nao suportava que a ele fosse atribuida tanta honra e tanta gloria, pois, em se tratando da salvagao de Roma, parecia-lhe que ele, Manlio, por ter salvo © Capi- tlio", tinha tanto mérito quanto Camilo, e, quanto as ou- tras glorias bélicas, ndo se achava inferior aquele. Desse modo, cheio de inveja, ndo podendo aquietar-se diante da gloria do outro e vendo que nao conseguia semear a discordia entre os senadores, voltou-se para a plebe, semeando varias opinides sinistras em seu seio. E, entre outras coisas, contava do tesouro que se amealhara para dar aos franceses e que ndo thes fora dado, mas usurpa- do por alguns cidadios; tesouro que, quando recuperado, poderia ser convertido em utilidade publica, aliviando a plebe dos tributos ou de algum débito particular. Essas palavras produziram grande efeito na plebe, ¢ desse mo- do ele comegou a ter grande apoio e a provocar, a seu bel-prazer, muitos tumultos na cidade; como 0 senado se desagradasse desses fatos, que Ihe pareciam importantes € perigosos, instituiu um ditador* que deveria examinar esse caso e frear o impeto de Manlio. Assim que assumiu, 38 dd, VI, 11-6. IN. da RT 36. Fm 390 a.C,, quando os gauleses ocuparam Roma e sitiavam 0 Ga- GUO CCF. CabatA, op. eit, p. 72) 37, Mini, cordado pelos gansos do Capitélio, descobriu ur ataque no- turno dos gauleres (ef td, ibid, p. 73) 38, Aulo Cornélio Cosso (ef. Carsta, op. cit, p. 73) 7 A prinwira dca de Tito Livio © ditador mandou-o intimar, e puseram-se em piblico um diante do outro, 0 ditador no meio dos nebres ¢ Manlio no meio da plebe. Pediu-se a Manlio que dissesse com quem estava aquele tesouro de que ele falava, porque o senado tinha tanta vontade de sabé-lo quanto a plebe, 20 que Manlio nao respondia com exatiddo, mas, esquivan- do-se, dizia como nao precisava dizer-Ihes aquilo que eles sabiam: € assim o ditador mandou encarcera-lo, \Gnias, tanto nas cidades livres quanto nas que vivem de outros modos, ¢ que, para reprimi-las, é preciso nao ne- gligenciar ordenagao alguma que as possibilite. E ndo pode haver melhor ordenacao, para elimind-las, do que abrir muitos lugares para as acusag6es; porque estas 540,30 proveitosas 4s repuiblicas, quanto sdo nocivas as caltinias: © entre ambas a diferenca é que as caliinias no preci- sam de testemunhas nem de nenhuma outra confrontagao para serem provadas, de tal modo que todos podem ser caluniados por todos; mas nao podem ser acusados, vis- to que as acusagées precisam de confrontacgdes verda- deiras e de circunstincias que mostrem a sua verdade. As acusagoes sio feitas a magistrados, a povos, conselhos; as calnias silo feitas nas pragas e nos pontos de encon- tro, Usa-se mais a calania onde menos se usa a acusa- do € onde as cidades estio menos ordenadas para rece- bé-las. Por isso, um ordenador de uma reptiblica devera ordenar que nela se possa acusar qualquer cidadao, sem medo ou receio algum; e, feito € bem observado isso, deve punir severamente os caluniadores, e estes no podem queixar-se ao serem punidos, visto que ha lugares abertos part ouvirem-se as acusagées daquele que porventura te- nha lancado caltinias pelos lugares de encontro. E, onde essa_questio ndo é bem-ordenada, 38 _ Livro primeiro des desordens: porque as calanias initam, e nao castigam 0 cidacHios; ¢ os ieritados pensam em defender-se, odian- mais que temendo as coisas que d Essa questo, como se disse, era bem-ordenada em Roma; € foi sempre mal ordenada na nossa cidade de Flo- renga. E, assim como em Roma essa ordenacdo fez muito bem, em Florenca essa desordem fez muito mal. E quem Ié as histOrias desta cidade vera quantas caltinias foram lancadas em todos os tempos contra seus cidadaos que trabalharam nas coisas importantes da cidade, De um diziam que havia roubado o dinheiro publico; de outro, que ndo vencera uma empresa” por ter sido corrompido; e que aqueloutro, por ambigao, cometera este ou aquele nngonveniente. Motivo por que de todos os lados surgia das facy0es, 4 rina. Porque, se em Florenca tivesse havi] do uma ordenagio que possibilitasse a acusagio dos ci- dadaos e punisse os caluniadores, no teriam ocorrido os| infinitos tumultos que ocorreram; porque tais cidadaos, condenados ou absolvidos, nao teriam conseguido preju-| dicar a cidade e teriam sido acusados com menos freqiién-| cia do que eram caluniados, visto que, como disse, nao| se pode acusar como se calunia. E, entre outras coisas de} que se valeram alguns cidadaos para chegar a grandeza a que chegaram, estao tais caltinias: estas, lancadas contra cidadaos poderosos que se opunham aos seus desejos, faziam muito pelo caluniador; porque ele, pondo-se a0 lado do povo e confirmando a ma opiniao que este tinha de tais poderosos, conseguia sua amizade. E, embora fos- se possivel aduzir muitos exemplos, gostaria de conten- tar-me com um apenas. Estava o exército florentino si- 39" Mar IN. da RT) 9 ~ A primetra década de Pio Livio tiando Lucca, sob 0 comando de Giovanni Guicciardini, seu comissiirio, e, fosse por mau comando, fosse por ma fortuna, a expugnagdo daquela cidade ndo ocorreu; mas, fosse qual fosse 0 caso, a culpa recaiu sobre Guicciardi- ni, pois se dizia que ele fora corrompido pelos habitantes de Lucca: caltinia que, sendo favorecida por seus inimi- gos, quase levou Guicciardini ao desespero. E ainda que, para justificar-se, ele quisesse entregar-se ao Capitano del Popolo”, no poderia jamais justificar-se, por nao haver naquela replica modos de faz: cordia entre os amigos de Guicciardini, que eram na maio- ria homens grandes, e os que desejavam mudangas [fare novita] em Florenga"', que, por esta e por outras razdes semethantes, cresceu tanto que acarretou a ruina daque- la repuiblica, Portanto, Manlio Capitolino era caluniador, e nao acusador; € os romanos mostraram, nesse caso justamen- te, como os caluniadores devem ser punidos. Porque é preciso que se tornem acusadores; , quando se verifica que a acusagio é verdadeira, devem ser premiados ou nio punidos: mas quando nao, devem ser punidos, como foi punido Manlio. ». De como € preciso estar 86 para se ordenar uma reptiblica nova ou para reformé-la inteiramente com ordenagoes diferentes das antigas Talvez haja quem ache que me adentrei demais na histria romana, sem fazer mencio ainda aos ordenado- 10. 0 Capitana de! Popoto era uma mapisteaues judiciiia (ef, Carsra, op tt. p79. NL Oposicio popular guiada por Cosimo de’Medics (ft, shied) 4 ees _— Livro primesro res daquela reptiblica nem as ordenagdes referentes a re- ligido ou a milicia. Por isso, nao desejando manter na ex- pectativa aqueles que queiram ouvir algumas coisas sobre essa questao, direi que muitos porventura considerario mau o exemplo de um fundador de estado, como foi RO- mulo, que primeiro matou ‘um irmao seu e depois con- sentiu na morte de Tito Tacio Sabino, escolhido por ele mesmo como companheiro no reino; julgario, com isso, que, com base no exemplo [con lautorita] de seu princi- pe, 0s seus cidaclos poderiam, por ambicao ¢ desejo de comando, ofender aqueles que se opusessem 3 sua auto- ridade*. Opinio esta que seria verdadeira, caso nto se considerasse a i E deve-se ter como regra cTeeral Que nunca, ou rarae mente, ocorre que alguma repiblica ou reino seja, em seu principio, bem-ordenado ou reformado inteiramente com ordenagées diferentes das antigas, se nao é ordenado por uma s6 pessoa; alias, é necessirio que um homem sé dite ‘0 modo, e que de sua mente dependa qualquer dessas or- denagées, Por isso, um ordenador prudente, que tenha a intencao de querer favorecer nao a si mesmo, mas o bem comum, nao sua propria descendéncia, mas a patria co- mum, devera empenhar-se em exercer a autoridade sozi- nho; ¢ nenhum sabio engenho repreendera ninguém por jalguma agdo extraordinaria que tenha cometido para or- denar um reino ou constituir uma republic. Cumpre que, se 0 fato 0 acusa, o efeito 0 escuse; e quando o efeito for bom, como o de Rémulo, sempre o escusara: porque se deve repreender quem é violento para estragar, ¢ nao jquem o para consertar. Deve o ordenador, porém, ser MIN da RTH “a — A primeira década de Tio Livio prudente € virtuoso, ¢ nio deve deixar por heranga a ou- tro a autoridade que tomou: porque, visto que os homens slo mais propensos ao mal que ao bem, seu sucessor po- deria usar ambiciosamente aquilo que ele virtuosamente tivesse usado. Além disso, ainda que um s6 seja capaz de ordenar, a coisa ordenada nao durari muito se repousar sobre os ombros de um s6, mas apenas quando for entre- gue aos cuidados de muitos, ¢ a muitos couber manté-la. Porque, assim como muitos ndo so capazes de ordenar uma coisa, por ndo conhecerem o bem que hé nela, de- vido as diferentes opinides que tém entre si, uma vez que © saibam, nao se conformam em abandonélo. E a prova l= que Romulo merece escusa pela morte do Irnmao © do companheiro, ¢ de que aquilo que fez foi pelo bem co- mum, € ndo por ambi¢io propria, é que ele logo ordenou um senado para servir-lhe de conselho, a fim de delibe- rar segundo sua opiniaio”. E quem observar bem a auto ridade que Romulo reservou para si verd que ndo reser-} vou nenhuma outra autoridade além de comandar os exércitos, quando se decidisse entrar em guerra, e de reu- nie 0 senado. E viu-se depois, quando Roma se tornou li- | vre com a expulsio dos Tarquinios, que os romanos nao | inovaram nenhuma ordenacao antiga e s6 puseram no lu- | gar de um fei perpétuo dois cOnsules anuais; © que ates. ta que todas as primeiras ordenacdes daquela cidade fo-| ram mais conformes a vida civil e livre do que a uma ab- soluta e tirinica. : Para sustentar 0 que acima dissemos, poderiamos dar infinitos exemplos; como Moisés, Licurgo, S6lon e outros fundadores de reinos e reptiblicas, que, por se terem atri- AS Tho Livio, 18 IN. da RTD 2 Livro primeira = buido uma autoridade, puderam criar leis em favor do bem comum: mas deixo-os de lado, como coisa conheci- da, Darei apenas um exemplo, nao tdo célebre, mas que deve ser considerado por aqueles que desejem ser orde- nadores de boas leis: € 0 de Agidas, rei de Esparta, que, por desejar restringir os espartanos aos termos das leis de Licurgo, pois Ihe parecia que, estando eles em parte afas- tados delas, a sua cidade tinha perdido muito da anti- ga virtti e, por conseguinte, forgas e poder, Agides foi, j logo no comeco, morto pelos Eforos espartanos, como ho- mem que queria impor a titania. Mas em Cledmenes, que Ihe sucedeu no reino, nasceu o mesmo desejo, em vista das lembrangas e dos escritos de Agidas, que encontra- ra, pois neles viu quais eram 0 pensamento [mente] e as intengSes do antecessor; percebeu que ndo podia fazer esse bem A sua patria se ndo se tornasse Ginica autoridade € parecendo-tIhe, devido 2 ambi¢ao dos homens, que nao podia fazer o bem a muitos contra a vontade de poucos, apanhada a ocasiao conveniente, mandou matar todos os Eforos e quem quer que pudesse opor-se a ele; depois, reinstaurou (rinnovd in tutto) as leis de Licurgo. Delibera- io esta capaz de ressuscitar Esparta e dar a Cleémenes a reputacao que tivera Licurgo, no fossem o poderio dos maceddnios e a fraqueza das outras repUblicas gregas. Porque tendo sido, depois de tal ordenagio, assaltado pe- los macedénios, aos quais era militarmente inferior, e no tendo a quem recorrer, foi derrotado; e assim aquele de- signio, conquanto i que Romulp deve merecer escusas, e nao censuras, pela morte de Remo e de Tito Tacio. B A primeira lécauta de Tito Lieto a 10. Assim como sao louvavets os fundadores de uma repiiblica ou de um reino, sdo vituperdveis os fundadores de uma tirania Entre todos os homens louvados, os mais louvados foram os cabegas e ordenadores de religides. Logo depois destes, os que fundaram replicas ou reins. Depois des- tes, so célebres os que, comandando exércitos, amplia~ ram seu proprio dominio ou o da patria, A estes se somam ‘0s homens de letras. E, como estes so de varios tipos, sio eles celebrados segundo 0 mérito de cada um. A qualquer outro homem, cujo ntimero € infinito, atribui-se a parte de louvores que the é dada pela sua arte € pela sua ativi- dade, S20, ao contririo, infames e detestaveis os homens que destroem religides, dissipam reinos e reptiblicas, ini- migos das virtd, das letras e de qualquer outra arte que contira utilidade © honra a espécie humana; tais sto os impios, 08 violentos, os ignorantes, os incapazes, OS Ocio~ sos, 08 covardes. E ninguém nunca seri tao louco ou tio sibio, Qo malvado ou tio bom, que, sendo encarregado da escolha dos dois tipos de homens, nao louve o que dleve ser louvado © nao censure o que deve ser censura- dio: no entanto, depois, quase todos, enganados por um falso bem e por uma falsa gléria, deixam-se levar, volun- Giria ou involuntariamente, pelos passos daqueles que merecem mais censura que louvores; e, embora possam criar uma repiblica ou um reino, para sua perpétua glo- ria, voltam-se para a tirania, sem perceberem quanta fa- ma, quanta gloria, quanta honra, seguranca, ranquilida- dle, com satisfucao de Jnimo, perdem com essa decisio, © em quanta infimia, vitupério, censura, perigo e inquie- tacao incorrem 2 ¥ : Livro primetro E, se todos lessem as historias e fizessem cabedal da meméria das antigas coisas, € impossivel que aqueles que vivern em estado privado numa reptiblica nao preferissem Cipiao™ a César para viverem em sua patria, ou que aque- les que se tornaram principes por fortuna ou por virtit nao preferissem Agesilau", Timoleonte* e Dion” a Nabis*, Falaris® e Dionisio: porque veriam que estes so suma- mente vituperados ¢ aqueles, muitissimo louvados. Ve- riam ainda que Timoleonte e os outros no tiveram em sua patria menos autoridade do que tiveram Dionisio e Faldris, mas veriam que 14 houve muito mais seguranca, E que ninguém se engane com a gloria de Cesar, so- bretudo ao ouvir os escritores que tanto 0 celebram, por- que aqueles que o louvam sao corrompidos por sua for- tuna e deixam-se amedrontar pela duracdo do império que, levando 0 seu nome, nao permitia que os escritores falassem livremente dele. Mas quem quiser saber o que 0 escritores livres falariam dele, veja 0 que falam de Ca- tilina, E César é mais censuravel porque deve ser mais censurado aquele que fez. um mal do que aquele que quis fazé-lo, Veja ainda com quantos louvores celebram Brito, uma vez que, ndo podendo condenar aquele, devido ao seu poder, celebravam seu inimigo. E aquele que se tornou principe nalguma reptiblica deve considerar que, depois de Roma tornar-se Império, “44, Pablio Comélio Cipito, o Africano (235-183 a.C.) (ef. Gavata, op tt, p76) 45. Rei de Esparta entre 400 ¢ 360 3.6. (cf. te, tht) 46, General corintio que restabelecew a democracia em Siracusa (cf ‘ad wid), 27, Libenou Siracusa da tania de Dionisio I (ef. i, sbi. 48, Tirano dle Espara (206-192 a.C.) (ef, td, sbi) 49. Tirano de Agrigento (570-585 a.C.} (ef, te, tht) 50. Dionisio, o Velho, trano de Siracusa (367-357 a.) (ef. tl, sbi. 45 A primeira décadda de Two Livio mais mereceram louvores os imperadores que viveram de acordo com as leis e como prineipes bons, do que aque- les que viveram de modo oposto: e veri que Tito Nerva, Trajano, Adriano, Antonino € Marco Aurélio nao precisa- vam ser defendidos por soldados pretorianos nem pela multidao das legides, porque os seus costumes, a bené- voléncia do povo € © amor do senado os defendiam. Vera também que a Caligula, a Nero, a Vitélio e a tantos outros imperadores celerados nao bastaram os exércitos orien. tais e ocidentais para salvi-los dos inimigos que haviam granjeado com os maus costumes € a vida cruel que leva vam, E, se 2 historia deles fosse bem examinada, serviria de grande ensinamento a qualquer principe, mostrando- Ihe © caminho da gloria ou da condenagio, da seguran- ca ou do medo. Porque, de vinte e seis imperadores que houve de César a Maximino, dezesseis foram mortos", dez morreram de morte natural®, e, dos que foram assassina- dlos, alguns havia que eram bons, como Galba e Pertinax, que foram mortos pela corrupgao que seu antecessor dei- xara nos soldados. E, se entre os que morreram de mor- te natural, algum houve que era celerado, como Severo, em poucos homens andam juntas. Vera também, pela lei tura dessa historia, como se pode ordenar um reino bom: porque todos os imperadores que sucederam ao impé- rio por heranea, exceto Tito, foram maus; os que o her- Jaram por adogio foram todos bons, assim como os cin- SE César, Caligula, Cliudio, Nero, Gaba, Oto, Vitélia, Domiciano, modo, Pertinax, Juliino, Caracal, Merino, Heliogabal, Alexandre Severo, Maxumtang (oh Carats, op. £1f, p. 77) 52. Augusto, Tihgri, Vespasiino, The, Newa, Trajano, Adriano, Antonino Vio, starce, Aurelio, Setime Severe (el, ty thd) 46 — Livro primesro “Que o principe observe, portanto, os tempos que vao de Nerva a Marco Aurélio € os compare com os tempos de antes ¢ os de depois; em seguida, diga em qual deles gostaria de ter nascido, ou em qual gostaria de governar. Porque, nos tempos governados pelos bons, veré um. principe seguro em meio a seus cidadaos seguros, o mun- do cheio de paz e de justica; ver o Senado com a sua autoridade, os magistrados com suas honras; vera os ci dados ricos gozar de suas riquezas; a nobreza e a virtt exaltadas: vera paz e bem; e, por outro lado, vera a ex- tingao do rancor, da licenga, da corrupgao e da ambigao: veri 0s tempos de ouro, em que cada um pode ter e de- fender a opiniio que quiser. Vera, enfim, o mundo triun- far; © principe, cheio de reveréncia e gléria; 03 povos, cheios de amor e seguranga. E, se considerar, depois, em particular, os tempos dos outros imperadores, vera que foram atrozes, pelas guerras, cheios de discérdia, pelas se- digdes, cruéis na paz € na guerra: muitos principes mor- tos pela espada, tantas guerras civis, tantas externas; a Itdlia, aflita e cheia de novos infortinios, com suas cida- des arruinadas e saqueadas. Vera Roma em chamas, 0 C: Pit6lio destruido por seus cidadaos, os antigos templos devastados, as ceriménias corrompidas, as cidades cheias de adultérios: vera o mar cheio de exilados, os escolhos cheios de sangue. Vera em Roma inumeriveis crueldades; € verd a nobreza, as riquezas, as glérias passadas e, sobre- tudo, a virtti, tachadas de pecado capital. Vera os caluni dlores premiados, 0s servos corrompidos contra o senhor, 08 libertos contra © pated; e vera que aqueles a quem faltavam inimigos eram oprimidos pelos amigos. E vera 7 A primeira década de Wto biti — entdo muitissimo bem quantas obrigacdes Roma, a Italia nundo devem a César. E, sem ditvida, se for um ser humano, s & imitacdo dos tempos maus ¢ se inflamara com um imenso desejo cle seguir os bons. E 0 principe que real- mente buscar a gloria mundana devera desejar tet nas mios uma cidade corrompida, nao para destrui-la de todo, como César, mas para reordeni-ta, como Rémulo. E, real mente, 0s céus mio podem dar aos homens maior oca- sido_de_gléria, nem_os_home; a Mator E, se, para bem ordenar uma cidade, houvesse ne- cessidade de depor 6 prineipado, mereceria alguma des- Hipa quem nao a orcenasse para nao cait de tal posicao, imas, em sendo possivel manter o principado e ordeni-la nao merece desculpa al; Suma, aqueles a quem os céus dao tal ocasi considerar que tém diante de si duas vias: uma que lhes permite viver em seguranga e, depois de mortos, os tor- na gloriosos, ¢ ura que os faz viver em eontingas angts- tias €, depois da mort, deixar de si a sempiterna infamia, eo ntiré horror 11. Da religido dos romanos® Embora Roma tivesse Romulo como primeiro ordena- dor e Ihe coubesse reconhecer nele, como se filha fosse, © nascimento € a educagiio que teve, os céus, julgando que as ordenagées de Rémulo nao bastavam a tanto im- Pério, inspiraram no peito do Senado romano a eleicdo de Numa Pompilio como sucessor de Rémulo, para que 8 coisas que R6mulo deixara sem fazer fossem ordena- SH Tito Livio, 19-21. IN. da RP ttt primer das por Numa; este, encontrando um povo indomito desejando conduzi-lo a obediéncia civil com as artes da Paz, voltou-se para a religiio, como coisa de tolo neces. siria para se manter uma cidade (civiltal e a constituin de tal modo que por varios séculos nunca houve tanto temor a Deus quanto naquela repiblica, o que facilitou qualquer empreendimento a que o senado ou aqueles grandes homens romanos quisessem entregar-se. E quem examinar as infinitas agdes do povo de Roma em conjun- f0 © de muitos dos romanos de per si vera que aqueles Cidacldos temiam muito mais violar 0 juramento que as leis, Porquanto estimavam mais © poder de Deus que o dos homens, como se vé claramente dos exemplos de Cipido e de Manlio Torquato. Porque, depois da derrota* infligida por Anibal aos romanos em Canas, muitos cida- ctios se haviam reunido e, desacorogoados com a patria, combinaram abandonar a Italia e ir para a Sicilia, Cipito, 80 saber disso, foi ter com eles e, de espaca em punho, obrigou-os a jurar que nao abandonariam a pattia, Lacie Manlio, pai de Tito Manlio, que depois foi chamado Tor auato, fora acusado por Marcos Pompénio, tribuno da Plebe, e, antes de chegar o dia do julgamento, Tito foi ter com Marcos e, ameagando mati-lo se ele ndo jurasse que reuiraria a acusacao feita a seu pai, obrigou-o a jurar: aquele, tendo jurado por medo, retirou a acusagio". E, ae. Siny aqueles cicackios que nao eram retidos na Itilia pelo amor a patria e por suas leis, foram ali retidos por um ju. fimento que foram obrigados a fazer; e aquele tribuno deixou de lado o édio que sentia pelo pai , a injdiria que 54. Ao respeito as leis. IN. da RT) 55. Tito Livio, XI, 93. IN. da RT 56, fl, VI, 45. IN. dla RT) 9

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