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Do contrato de adesdo no Direito brasileiro que: ARNOLDO WaLp Advogado 1, A doutrina costuma atribuir a RAYMOND SALEELLES a primeira referéncia ao contrato de adesio. Efetivamente, o mestre da Faculdade de Direito de Paris, ao comentar o art. 133 do Cédigo Civil alemao, que deter- mina a prevaléncia do espirito sobre a letra do contrato, fez a distingao entre ‘08 contratos nos quais ambas as partes tivham uma efetiva liberdade de fixar as clausulas e aqueles nos quais um dos contratantes impunha, de fato, ao outro, as condigdes do negécio, Escreven a respeito o mestre do direito francés 2 “Sans doute, il y a contrats et contrats; et nous sommes loin dans la réalité de cette unité de type contractuel que suppose le droit. II fraudra bien, tdt ou tard, que le droit s‘incline devant les nuances et les divergences que les rapports sociaux ont fait surgir. Il y a de pré- tendus contrats qui n’ont du contrat que le nom, et dont la construction juridique reste a faire; pour lesquels, en tous cas, les régles d'interpré- tation individuelle qui viennent d'etre décrites devraient subir, sans doute, dimportantes modifications, ne serait-ce que pour ce que Yon pourrait appeler, faute de mieux, les contrats d'adhésion, dans lesquels il y a Ja prédominance exclusive d'une seule volonté, agissant comme yolonté unilatérale, qui diete sa loi, non plus & un individu, mais & une collectivité indéterminée, et qui sengage déjd par avance, unilatérale- ment, sauf adhésion de ceux qui voudront accepter la loj du contrat, et Semparer de cet engagement déja créé sur soi-méme. C'est le cas de tous les contrats de travail dans la grande industrie, des contrats de transport avec les grandes compagnies de chemins de fer, et de tous ces contrats qui revétent comme un caractére de toi collective et qui, les Romains le disaient déja, se rapprocheraient beaucoup plus de la Lex que de l'accord des volontés” (RAYMOND SALEILLES, De la Déclaration de Volonté, Paris, Librarie Générale de Droit et de Juris- prudence, 1929, n® 89, pag, 229) Entendia SALEILLES que o contrato de adesio importava, na reali- dade, numa verdadeira declaragio unilateral de vontade emitida por um dos contratantes e aceita pelo outro, devendo tal situacdo repercutir na interpre- R. Inf, agi lia @. 17 nm. 66 abr./jun. 1980 257 tagSo do contrato, que deveria ser feita atendendo ao interesse coletivo. Seria uma interpretago mais parecida com a exegese da lei do que com a fixagio do exato sentido do contrato. Concluin, pois, o jurista francés que: 3. “Linterprétation, dans ce cas, devrait se faire comme celle d'une loi proprement dite, en tenant compte, beaucoup moins de ce qu’a pu croire et vouloir, soit Youvrier qui adhére aux conditions générales de Yengagement dans telle ou tele usine, soit le voyageur qui, en prenant son billet, adhére aux conditions et la loi fixées par la compagnie. que de ce que ces chartes générales doivent étre dans Tintérét de la collectivité auxquelles elles s'adressent. Ce qui doit constituer T'inter- prétation, ce n'est plus la recherche d'une volonté moyenne, qui puisse représenter Ia volonté commune des deux contractants — ces procédés ne sont de mise que li of les deux volontés ont un réle égal A jouer — mais bien l'interprétation de la seule volonté qui a été prédominante, qui seule a formé lengagement, a la fagon d'une compagnie qui emet des titres au porteur et qui s‘oblige déja par Pémission du titre, avant toute acceptation par voie de souscription; volonté qui, par la suite, a créé une loi contractuelle, offerte aux adhésions particuliéres, et qui doit étre appliquée dans le sens de ce qu’exigent et la bonne foi et les rapports économiques en jeu, dans leur combinaison avec ces lois @humanité qui s'imposent, dés quun particulier, une compagnie ou une autorité publique touchent, par voie de réglements généraux, aux conditions de la vie économique ou sociale de individu” (RAYMOND SALEILLES, obra citada, n° 90, pag. 230). O que caracteriza o contrato de adesiio é a auséncia de Iiberdade contratual. Fez-se, recentemente, a adequada distingdo entre a liberdade de contratar e a liberdade contratual, significando a primeira a possibilidade de aceitar ou no um determinado negécio juridico, enquanto a segunda expressa a possibilidade, para ambas as partes, de fixarem, de comum acordo, 0 contesdo do contrato, ou seja, as cliusulas e condigses dos mesmos, Examinando esta distingaio entre as duas facetas do principio da autonomia da vontade, ji t:ve- mos o ensejo de escrever que: “A autonomia da vontade se apresenta sob duas formas distintas, na ligio dos dogmatistas modernos, podendo revestir 0 aspecto de liber. dade de contratar o de liberdade contratual. Liberdade de contratar 6 a faculdade de realizar ou nio determinado contrato, enquanto a liber- dade contratual é a possibilidade de determinar ¢ estabelecer 0 con- tetido do contrato. A primeira se refere & possibilidade de realizar ou nao um negécio, enquanto a segunda importa na fixagio das modali- dades de sua realizagio. rdade contratual permite a criagdo de contratos atfpicos, ou seja, ndo especificamente regulamentados pelo direito vigente, impor- 258 R. Inf. fegis!, Brosi 0. 17 n, 66 abr./jun, 1980 tando na possibilidade, para as partes contratantes, de derrogar as normas supletivas ou dispositivas, dando um conteido préprio ¢ auté- nomo 20 instrumento lavrado” (ARNOLDO WALD, Obrigagées ¢ Contratos, 5% edigho, 1979, pig. 129) 4. A falta de liberdade contratual pode decorrer da propria lei, da regu- lamentagéo do Poder Executivo ou de uma situagdo de fato. Efetivamente, em alguns casos, o Estado estabelece e determina as condigdes nas quais certas operagées juridicas devem ser realizadas, aprovando previamente formulas que constituem um verdadeiro contrato-padrio ou contrato-tipo, que se impée a todos os contratantes, como acontece por exemplo em relagao as apélices de seguro, Outras vezes, a auséncia de liberdade dos contratantes decorre das proprias condigdes do mercado ou da complexidade € dos aspectos téenicos de certas operagées, nas quais hi ou pode haver uma presumida superioridade ou prepoténcia econdmica de um dos contratantes sobre 0 outro. 5. A melhor definigio do contrato de adesio se encontra na obra de HENRI DE PAGE, na qual o mestre belga explica que: “On désigne sous le nom de contrats dadhésion certains contrats qui se forment sans discussion préalable, entre parties, de leurs clauses et teneur, et dans lesquels la partie acceptante se contente de donner son assentiment, dadhérer 4 un projet déterminé et presque toujours immuable, & un contrat-type que lui présente la partie offrante” (HEN- RI DE PAGE, Traité Elémentaire de Droit Civil Belge, 2* edigao, tomo II, Bruxelas, Etablissement mile Bruylant, 1948, n° 550, pag. sll). 6. Para DE PAGE, cabe ao juiz interpretar 0 contrato de adesio, restrin- gindo a aplicagdo das cldusulas draconianas ou leoninas ¢ favorecendo 0 ade- rente, no caso de diivida ou ambigitidade. Essa missao deverd, todavia, ser exercida com muita prudéncia, sensibilidade ¢ circunspecgio, atendendo-se sempre politica social. Para tanto, 0 magistrado apreciard, independentemente da lei positiva, os interesses em jogo: o do bom funcionamento do servigo ofe- recido ¢ dos usuarios, moldando, assim, um contrato juridicamente rigido com © espirito voltado para as exigéncias de ambos os contratantes e da prépria sociedade (obra citada, n? 554, pag. 516). Examinando a matéria, em obra didatica, tivemos a ocasiao de escre- ver que: “© contrato de adesiio & aquele em que um dos contratantes ou ambos no tém a liberdade contratual para discutir os termos do con- trato, podendo apenas aceiti-lo ou recusi-lo, atendendo-se & prépria natureza do contrato ou a determinagdes legais que fixam as condigoes dos contratos de certo tipo. R. Inf, feoi lig a. 17 n, 66 abr./jun, 1980 259 As passagens aéreas e as apélices de seguro constituem exemplos de contratos em que 0 passageiro ou o segurado pode viajar ou nao, realizar ou nio o seguro, mas nao tem a faculdade de discutir as com digdes contratuais, O contrato de adesiio decorre seja da técnica ampla- mente desenvolvida do nosso tempo, em que as grandes empresas fixam modelos de contratos que apresentam ao piblico, seja da interferéncia do Estado na economia nacional, determinando que certos modelos de contratos sb possam ser utilizados apés a aprovagio governamental, que deverd ser dada pelos érgios competentes. Trata-se de uma estandar- dizagdo do contrato, na qual uma das partes impde 0 conteddo do contrato a outra, néo havendo entre os contratantes a igualdade juridica, mas devendo um deles aderir & proposta feita pelo outro, sem que tal policitagéo admita qualquer aditamento, modificagio ou contrapro- posta. A doutrina tem discutido 0 carater contratual do contrato de ade- sio, nao havendo divida que se trata de um comtrato sui generis, de um contrato original, mas que nem por isso perdeu a sua natureza contratual . A importincia do contrato de adesio, em nossa época, decorre das situag6es respectivas entre os contratantes, quando um deles exerce um monopélio de fato ou de direito em relagio a servigos essenciais exis- tentes na sociedade, estando o outro contratante praticamente obrigado a contratar nas condigées fixadas pela empresa dominante em deter- minada area de atividade (seguros, transportes, fornecimento de tele- fone, luz e gas, financiamento ao consumidor etc.) . Os cédigos nao tém dado a necessdria atencgio aos contratos de adesio pleiteando a doutrina uma regulamentagio mais minuciosa da matéria, para assegurar a protego legal do outro contratante que deve aderir 3 minuta que lhe é apresentada. Ceralmente, 0 poder publico controla os contratos de adesio, fixando ou fiscalizando as suas cl4u- sulas, mas a introdugio de normas especiais referentes & interpretagia dos mesmos nos cédigos pode parecer interessante ¢ oportuna. A doutrina e a jurisprudéncia tém alids fixado principios préprios de interpretagdo para os contratos de adesio, dando preferéncia as clausulas manuseritas ou datilografadas sobre as impressas e interpre- tando o contrato em geral em favor daquele que se obrigou por adesio” (ARNOLDO WALD, ob. cit., pigs. 174 ¢ 175). 8. Alguns autores clissicos, como GEORGES RIPERT, tém criticado a expressiio “contrato de adesio”, afirmando até que uma das razées pelas quais os mesmos tém sido estudados e consagrados é 0 fato de no se saber exata- mente o que significam (GEORGES RIPERT, La Régle Morale dans les Obligations Civiles, 4 edigao, Paris, Librairie Générale de Droit et de Juris- prudence, 1949, n° 55, pag. 97). 260 legisl, Bresilis o, 17 n. 66 abr./jun, 1980 9. Afastando, todavia, essa posigio isolada e um pouco saudosista do eminente autor do Declinio do Direito (Le Déclin du Droit, Paris, Librairie Générale, 1949), a doutrina, a jurisprudéncia ¢ a propria lei passaram a con- siderar, a partir da ultima guerra mundial, que os contratos de adesio deve- riam ter um regime préprio no tocante & sua interpretago. No se trata evi- dentemente de condenar tais contratos que sdo necessdrios e titeis ¢ sem 0s quais a prépria civilizagia contemporanea nao poderia alcangar o adequado grau de desenvolvimento. 10. Ao contrario, os principios de generalidade, permanéneia e rigidez que caracterizam 9 contrato de adesio constituem uma importante garantia para os contratantes. Na realidade, a estandardizagao ou padronizagiio dos contratos (standardization of contract), que decorre da estrutura do contrato de adesio, se impds nos transportes, nos financiamentos, nos seguros, nos for- necimentos de servigos, nas locagdes e nas contratagdes realizadas pelas enti: dades piblicas, em geral. Ela importou numa relevante simplificagio da vida dos negécios e, tendo permitido que se desse maior velocidade as transagdes, tornou-se um dos elementos da mecanizagio do nosso tempo, mantidas as garantias necessérias para as partes. 11. A anélise prévia das minutas dos contratos de adesio pelos poderes piblicos fez com que a doutrina chegasse a entender que: “By standardizing contracts, a law increases that real security which is a necessary basis of initiatives and tolerable risks” (M. R COHEN, Law and the Social Order, Harcourt, Brace & World, 1933, pag, 106, ap. W. FRIEDMANN, Late in @ Changing Society, 2 edigio, London, Stevens & Son, 1972, pag. 131). 12. Varias legislagGes deram maior énfase aos contratos de adesao a partir de 1940. 13. Coube ao Codice Civile italiano papel pioneiro na matéria, pois foi 0 primeiro — ou um dos primeiros — a tratar de modo especifico dos contratos de adesio ou contratos-tipos, estabelecendo a prevaléncia das clausulas escritas sobre as impressas (art. 1342) e determinando que, no caso de duvida, a interpretagio se fizesse em favor do aderente (art. 1.370). 14. A mesma orientagio encontramos no recente Cédigo Civil etiope de autoria do eminente comparatista francés, Professor RENE DAVID, que, no seu art, 1.738, dispée: “Article 1.738 — Interprétation en faveur du débiteur. (1) Le contrat sinterpréte, en cas de doute, contre celui qui a stipulé et en faveur de celui qui a contracté Yobligation, isl. Brasilio a, 17 n. 66 abr./jun. 1980 261 (2) Toutefois, les clauses insérées dans les conditions générales ou dans les modéles ou formulaires de contrats, établis par un des contractants, s'interpretent en faveur du contractant qui a été appelé ay adhérer.” 15. SolugSes andlogas so consagradas nas legislagées da Holanda, da Alemanha Oriental ¢ de Israel, enquanto as decisses jurispradenciais evohufram no mesmo sentido nos paises que ndo adotaram textos expressos na matéria, ow que restringiram a sua incidéncia a casos espec 36. Assim, a Franga elaborou uma legislagao especifica para proibir as clausulas abusivas incluidas nos contratos de’ adesiio ¢ estabeleceu uma pro- tego para o aderente nos casos de clausulas impressas em tipos mintsculos ou de dificil leitura (v, JEAN CARBONNIER, Droit Cicil, tomo II, Paris, Presses Universitaires de France, 1959, pag. 333, n? 96). Por outro lado, as decisées dos tribunais franceses foram corrigindo alguns excessos on abusos desses con- tratos. Como bem salientam os irmios MAZEAUD: “Liinterprétation que les tribunaux donnent du contrat d’adhésion est, par la force des choses, trés particuli@re. I] n'est possible d'in- terpréter une volonté commune, puisque cette volonté n’existe pas. action de la jurisprudence sexerce en suppléant dans le contrat des clauses qui n'auraient pas été acceptées par le plus fort, mais qui pro- tégent le plus faible; on peut citer Tobligation de sécurité que les tribunaux “décourent” dans de nombreux contrats d'adhésion” (HEN- RI, LEON et JEAN MAZEAUD, Legons de Droit Civil, tomo II, 5* edigao, atualizada por MICHEL DE JUGLART, Paris, Editions Mont- chrestien, 1973, n® 88, pag. 76) . 17. No Brasil, a legislagio nao tratou expressamente do contrato de adesio, mas existe um pleno consenso da jurisprudéncia e da doutrina no senti- do de aplicar-Ihe um regime proprio, com base nos principios gerais do direito de acordo com 0 que determina a prépria Lei de Introdugdo ao Cédigo Civil, nos seus artigos 4° e 5°, nos termos dos quais: “Art. 4° — Quando a lei for omissa, 0 juiz decidiré 0 caso de acordo com a analogia, os costumes c os principios gerais de direito. Art, 5° — Na aplicagao da lei, 0 juiz atenderé aos fins sociais, a que ela se dirige @ as exigéncias do bem comum.” 18. Apés considerar a auséncia de legislagio a respeito da matéria como constituindo uma séria “lacuna do direito nacional”, ORLANDO GOMES con- clui que a auséncia de normas escritas nfo impede, todavia, a aplicagdo de prinefpios especiais e de um regime juridico proprio aos contratos de adesio. 262 R, Inf. legisl. Brasilia a. 17m, 66 abr./jun, 1980 Conclui 0 professor da Faculdade de Direito da Bahia, na monografia que dedicou 20 assunto, que: “Da circunstincia de ser omissa a legislagéo nao resulta, porém, completo alheamento da doutrina, nem desconhecimento de suas pe- culiaridades por parte dos tribunais, Aos que séo provocados a conhe- cé-los para fixar oficialmente o sentido e o alcance de suas clausulas, resta o expediente de invocar prinefpios gerais de direito como su- porte de suas decisdes. O recurso a esta fonte e A doutrina justifica © interesse de correta qualificagio dessa entidade juridica, a fim de lhe aplicar preceitos legais adequados. & vidvel, por outras Palavras, a sua construgio pelo aproveitamento e selegio dos materiais colhidos nos principais contratos de adesdo, orientando-se 0 construtor pelas normas técnicas inferidas do seu perfil dogmatico” (ORLANDO GOMES, Contrato de Adesdo, S. Paulo, “Revista dos Tri- bunais”, 1972, n? 104, pag. 149). 19. A jurisprudéncia do Supremy Tribunal Federal teve 0 ensejo de con- sugrar o regime especial dos contratos de adesiv, em varias ovasides, como se verifica pelas decisées proferidas nos Recursos Extraordinérios de n° 11.947 (Didrio da Justiga, de 12-8-1949, apenso 20 n? 186, pig. 2.134) © 18.351 (Didrio da Justica da Unido, de 11-5-1953, pag. 1.336 e Revista dos Tribunais, vol. 237, pags. 654 e seguintes). 20. No primeizo dos acérdios citados, o eminente e saudoso Ministro OROZIMBO NONATO teve o ensejo de afirmar que, na falta de regulamen- tagio legal adequada, como ocorre no Brasil, o remédio para os abusos a que se presta 0 contrato de adesio consiste em atribuir ao juiz a fisealizagio de sua execugao, atendendo as exigéncias da boa fé e da eqitidade. 21. No mesmo acérdio, o Ministro HAHNEMANN GUIMARAES, sa- lientou que: “O transporte é um dos servigos cuja prestago se subordina quase inteiramente 20 contrato de adesio, necessério ao bom funcionamento dos servigos piiblicos, O remédio para os abusos a que se presta essa forma de convengiio io esta, até que seja dada a solucdo legislativa, em restringir ou inva- lidar a eficdcia de certas estipulagdes; 0 remédio consiste em fiscalizar 0 juiz a execugéo do contrato, atendendo as exigéncias da boa fé (DE PAGE, Traité Llémentaire de Droit Civil Belge, II, 1964, pags. 471 e segs.). No caso, 0 juiz no viu sacrificio das partes que aderiram & cliusula de competéncia, e entendeu que a clausula havia derrogado a compe- téncia principal, estabelecendo que era exclusivo o foro convencionado. R. Inf, legisl. Brasilia o. 17 n. 66 abr./jun. 1980 263 Se se houvesse adotado foros concorrentes eletivamente, seria licito que © autor os escolhesse. Tornou-se, porém, exclusive o foro do Rio de Janeiro para todas as questées surgidas na execugao do contrato. As decisdes impugnadas julgaram que devia prevalecer a clausula de competéncia exclusiva, inserta no contrato de adesio. Conhego do recurso pelo dissidio da jurisprudéncia acerca nao 56 da eficdcia das estipulagdes constantes dos contratos de adesio, mas também da competéncia por eleigéo, nego-lhe, entretanto, provimento.” 22. A ementa do acérdio foi a seguinte: “Até que seja dada solugio legislativa, o remédio para os abusos a que se presta o contrato de adesio consistira em fiscalizar o juiz a execugéo do contrato, atendendo as exigénclas da boa £6.” 23, No segundo caso, que também versou sobre a cliusula de foro em contrato de adesio, a questio foi apreciada, inicialmente, em turma, e, em se- guida, pelo plenario do Supremo Tribunal Federal. Ao contrério do que se decidira no caso anteriormente referido, entendeu 0 Excelso Pretério que, na. hipdtese, nao deveria prevalecer o foro eleito no contrato por nio parecer a clausula suficientemente clara na matéria, A decisio fez também uma distin- ‘go importante entre as cliusulas principais e acessbrias nos contratos de adesio, entendendo que estas tiltimas deviam merecer maior controle por parte do Poder Judiciério. 24. No seu voto, o Ministro MARIO GUIMARAES teve o ensejo de escla- recer que: “Os contratos de adesdo, na sua nomenclatura relativamente mo- derna, tém sido muito discutidos pelos juristas, quer civilistas, quer comercialistas e a opinido de todos é de que se trata quase que de um ato de forga, de imposigao de uma das partes sobre a vontade da outra © hd mesmo alguns autores que nem o consideram como con- trato, Josserand, por exemplo, inchti as adesées numa das manifes- tages unilaterais da vontade. Isso mostra como devem ser interpre- tados os contratos de adesio. Eles devem ser interpretados num sentido benigno para a parte, que foi obrigada a aceitar as cliusulas Dai exigir-se que sejam tais cldusulas muito claras, precisas, conhecidas com antecedéncia” (Revista dos Tribunais, vol, 237, pig. 657, in fine, © 658). 25. Acrescentou o eminente magistrado, logo em seguida, que: “Além disso, também distinguem os juristas nas cldusulas dos con- tratos de adesio — conservemos 0 termo “contrato” para facilitar a interpretagiio — as cliusulas essenciais e as acessérias. 264 R, Inf, legisl, Brosifia a. 17 m. 66 obr./i As clausulas essenciais sao aquelas que constituem o principal do contrato sem as quais o contrato nao se ultima: por exemplo, o prego € 0 destino da mercadoria. As clausulas acessorias, segundo ensinam os juristas, devem ser interpretadas com muita benevoléncia, porque essas no se consideram aderidas, nao fazem parte da adesio” (Revista citada, pig. 657). 26. A decisdo foi tomada pelo voto de desempate do Presidente JOSE LINHARES, tendo 0 relator sido vitorivso na defesa de sua tese que mereceu © apoio dos Ministros OROZIMBO NONATO, RIBEIRO DA COSTA e RO- CHA LAGOA. 27. A ementa do acdrdio dos embargos decididos no plenario foi a se- guinte: “FORO CONTRATUAL — Estipulagio — Clareza indispensivel — Anuéncia fora de quaisquer constrangimentos — Transporte maritimo — Conhecimento entregue ao expedidor apés 0 inicio do transporte — impossibilidade de arrependimento. CONTRATO DE ADESAO — Clausulas essenciais e acessérias — Conceito — Interpretagao das diividas em favor do aderente, A desisténcia do foro do domicilio pela preferéncia do foro con- tratual deve ser clara, isenta de quaisquer diividas, de modo que bem explicite fique terem as partes anuido a ele livres de quaisquer cons- trangimentos. Nos contrates de adesdo devem as clausulas duvidosas ser inter- pretadas a favor do aderente” (Revista citada, pag. 654. in fine, e 655). 28. A doutrina dominante no Brasil também é no sentido de reconhecer a existéncia de um regime préprio de interpretagdo para os contratos de adesio. invocando-se para tanto a ligdo do direito comparado ¢ a tradigao de acordo com a qual toda estipulag30, no caso de dhivida, deve ser interpretada contra a estipulante, conforme j4 entendia POTHIER, para quem: “dans le doute, une clause sinterpréte contre celui qui a stipulé quelque chose et A la décharge de celui qui a contracté obligation. In stipulationibus cum quaeritur quid actum sit, verba contra stipula- torem interpretanda sunt: L. 38, § 18, §§ de Verb. oblig. Le créancier doit s'mputer de ne s'étre pas mieux expliqué” (PO- THIER, Ocuvres, Traité des Obligations, 3% edigao, Paris, Marchall et Billard e outros, 1890, n° 97, pag. 50). 29. Verificamos, pois, que a interpretagao favorivel ao aderente, no caso de ambigiidade e © proprio controle do juiz sobre o contrato de adesio, que R. Inf. legisl. Brasilia a. 17 n, 66 aby./jun. 1980 265 deve ser exercido moderadamente, além de consagrados pela jurisprudéncia, sao defendidos pelos eminentes Professores SAN TIAGO DANTAS (Programa de Direito Civil ~ 11 — Contratos, Rio, Editora Rio, 1978, pig. 163), SILVIO RODRIGUES (Direito Cicil, vol. HL, 4° edigio, Sio Paulo, Saraiva, 1972, n.o* 20, pag. 45, e 23, pig. 52), ANTONIO CHAVES (Ligées de Direito Civil, Obri- gagées, vol. II, S. Paulo, José Bushatsky Editor, 1974, pigs. 80 ¢ seguintes) ¢ WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO (Curso de Direito Civil, Direito das Obrigagées, vol. 2, 10* edigio, $. Paulo, Saraiva, 1975, pag. 31). No mesmo sentido, opina, alits, CAO MARIO DA SILVA PEREIRA (Instituigées de Direito Civil, vol. III, Rio, Forense, 1963, pig. 52), comprovando, assim, a exis- téncia de um consenso jurisprudencial ¢ doutrinario na matéria. 30. Acresce, finalmente, que na sua segunda edigao 0 Anteprojeto de Cé- digo Civil incluiu wm artigo — 0 de n? 418 — sobre 05 contratos de adesio, estabelecendo que: “Quando houver, no contrato de adesiio, ckiusulas ambiguas on contraditérias, dever-se-4 adotar a interpretagio mais favorivel ao aderente” (Anteprojeto de Cédigo Cicil, 2 edigao revisada, Departa- mento da Imprensa Nacional, 1973, pag. 120). 31. Justificando a posigio assumida pelo anteprajeto de nove Cédigo, 0 Professor ACOSTINHO ALVEM escreveu a respeito que, mi primeira verso, néo constava: “a regra interpretativa dos contratos de adesito, que foi inchuida ultimamente. Este contrato deixou de ser regulado, mesmo porque os eédigos se abstém de fazé-lo. Agitou-se, em Franga, a questio de saber se o contrato de adesio tinha a mesma forga dos contratos discutidos pelas partes. A resposta afirmativa esti hoje fora de duvida. Ocorre, porém, que, em tais contratos, como aliés em quaisquer outros, pode haver clausulas ambiguas, ou perplexas. Nestes casos, decide 0 anteprojeto que se deve adotar a interpre tagio mais favordvel i parte que aderiu. E esta certo, primeiro, porque, em caso de chivida, a interpretagao, oante velha regra, deve desfavorecer estipulante; e segunda, por- que, nos contratos de adesiio, a parte que adere é ordinariamente a mais fraca” (obra citada, no item anterior, pag, 120) 32. Verifica-se. pois, que tanto a jurisprudéncia como « doutrina consa- gram — ¢ 0 Projeto de Cédigo Civil confirma — o reconhecimento da existéncia de um regime juridico especial para os contratos de adesio, P' 266 OR, Inf, legisl, Brasil 17m, 66 abr./jun, 1980

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