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Maria Ligia Prado © POPULISMO NA AMERICA LATINA (Argentina e México) 3 g §| 4 1981 — “onyrigit © Maria Ligia Prado Capa: 123(antigo 27) - Axgpats Griticos = Revisdo: José E. Andrade Nobuca Rachi INDICE Introducao 7 0 Populismo Mexicano 3 0 Populismo Argentino Conclusies ... editora brasiliense s.a (01042 — rua bardo de itapetininga, 93 so paulo — brasil Eviquantos éramos, quantos estavam ameu lado, nao eram rninguém, eram todos os homens, ‘nao tinham rosto, eram povo, eram metal, eram caminhos. Ecaminhei com os meus passos da primavera pelo mundo. PabloNeruda, Canto Geral [Apresentavam um programa agrarista definido, valo- ‘Maria Ligia Prado INTRODUCGAO (© populismo latino-americano tem sido bas- tante estudado, a partir da década de 50, especial- mente por sociblogos ¢ cientistas politices. £ um tema controverso, complexo, que recebeu vérias in- terpretagées e suscitou muitas polémicas. De inicio, convém lembrar que h& fendmenos hist6ricos muito diversos no tempo ¢ no espago denominados popu listas. Assim, movimentos sociais e politicos ocorri- dos na Africa, Asia, Europa do Leste, Rassiae Es- | tados Unidos receberam tal nomeacio. Para se avaliar a dificuldade de anilise ¢ inter- pretagio teérica do populismo, tomemos rapida- mente, como exemplos, 05 casos americano ¢ russo, ‘ambos da segunda metade do século XIX. O ameri- ano se caracterizava pela entrada na cena politica de um partido populista representante dos interesses de pequenos proprietirios agricolas do Oeste que lu- tavam contra o avanco do grande capital no campo. ee 0 Populismo na América Latina rizando a terra como a mais importante fonte de ti- queza, atacando aqueles que tinham nas mios os transportes, o crédito, o grande comércio, Batiam-se pela intervengao do Estado na economia, propondo que este coibisse os abusos dos donos do capital, 'Na Rissia, o movimento, também conhecido como narodniki, negava 0 capitalismo e valorizava também 0 agrarismo e os valores camponeses. Pre- tendia-se revoluciondrio e fazia uso, como estratégi de ages armadas. Esses movimentos, 0 russo € 0 ‘americano, tinham como denominador comum a ¥ orizagdo do campo € uma critica mais violenta ou mais branda ao capitalismo. No entanto, quando aceitamos 0 conceito de populismo para situagdes histéricas to diversas, te- mos, na verdade, que concordar com Ernest Laclau {que busca um trago comum a todos os movimentos populistas para, a partir dai, elaborar um conceito. ‘Tal proposta esté embasada numa particular visio da hist6ria inspirada na perspectiva anti-historicista deL. Althusser, segundo a qual 0s conceitos tebricos nao slo historicamente determinados, podendo, pois, valer para situagbes historicas as mais diversas. Laclau encontra o trago comum a todos os fendme- nos populistas, afirmando que “o populismo surge historicamente ligado a uma crise do discurso ideo- égico dominante que 6, por sua vez, parte de uma crise social mais geral”. Essa crise social mais geral pode ser assim entendida: “uma crise particular mente grave no bloco de poder, que leva uma de suas fragbes a tentar estabelecer sua hegemonia através da mobilizagdo das massas, e uma crise do transfor- mismo". (Politica e Ideologia na Teoria Marxista, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, pp. 182-183). Nossa concepgio da historia, entretanto, nos leva numa outra directo: a produgdo ea validade dos conceitos no podem prescindir das configuragées hist6ricas especificas e determinadas; em outros ter- ‘mos, 0s conceitos tebricos, como “abstragées reais”, sto historicamente determinados. Por isso mesmo, nos restringimos & discussdo do populismo latino- americano dos anos 30.2 60. ‘Também na América Latina o populismo se re- fere a situagdes hist6ricas diferentes ocorridas em varios paises; em alguns paises, os Ifderes populistas chegaram ao poder e, em outros, jamais o alcanca- ram. De forma geral, denominam-se populistas os governos de Getilio Vargas (1930-1945/1951-1954) €0 de Jodo Goulart (1961-1964) no Brasil, o de Juan ‘Domingo Perén (1946-1955) na Argentina, o de Liv zaro CArdenas (1934-1940) no México, 0 de Victor Paz Estensoro (1952-1956/1960-1964) e Hernén Siles Zuazo (1956-1960) na Bolivia, o de José Maria Ve- asco Ibarra (1934-1935/1944-1947/1952-1956/1961 ¢ 1968-1972) no Equador, além de também serem considerados como populistas os movimentos politi- cos apristas (APRA-Peru, liderado por Victor Raul Haya de la Torre) e 0 gaitanismo (Colémbia, liderado por Jorge E. Gaitén), que nunca chegaram ao poder. ‘As anilises mais conhecidas sobre o populismo latino-americano procuram estabelecer algumas ca- 10 Maria Ligia Prado racteristicas comuns a todos os movimentos em bus- ca de um conceito abrangente de todas essas reali- dades. Temos assim estudos gerais sobre 0 popu- lismo que procuram identificé-lo com uma situaco hhistériea, tipica da América Latina. Os sociélogos argentinos Gino Germani e Torcuato di Tella cons- ‘ruiram modelos que pretendem dar conta da expli- ‘cago do fendmeno. Partem do pressuposto de que o populismo ocorre numa situaco de “transi¢ao", isto 4, na passagem da assim chamada sociedade tradi- ional — agraria, pré-capitalista, atrasada — para a sociedade moderna — capitalista, urbana ¢ indus- trial. As raizes do populismo estio na assincrot ‘entre 0s processos de transicio de uma sociedade para a outra, Germani faz uma distingto muito clara ‘entre o processo histérico europeu e o Iatino-ameri- cano, distinguindo as especificidades proprias de uma sociedade subdesenvolvida. Assim, na Europa, a passagem de uma democracia com participagto limitada para uma democracia com participagiio ampliada se faz sem grandes rupturas do ponto de vista politico, ocorrendo uma integragio através de canais politicos legalizados pelo sistema vigente. Na América Latina, a mobilizago prematura das,mas- sas, gerando pressdes sobre o aparelho politice, no encontrou amadurecidos os canais de participagto Politica exigidos. Assim, a integracdo das massas no ‘corre como no modelo europeu, surgindo a possi- ‘ipulagto das massas — caracteri- de tracos tradicionais e mo- 0 Populismo na América Latina n elites defensoras do status quo. Di Tella parte dos mesmos pressupostos que Germanie insiste na condigio “periférica’” da Amé- ica Latina. Entende que 0 populismo € um movi- ‘mento politico que conta com o apoio das massas populares urbanas e rurais e de outros grupos sociais — camadas médias e setores da burguesia — que se apbiam numa ideologia anti-status quo, motivados or uma insatisfagdo com a reversfo de suas expec- {ativas com relaclo ao papel que deveriam desempe- thar na sociedade (denominada pelo autor de incon- sgrufncia de status). . Em resumo, tanto Germani quanto Di Tella claboram modelos genéricos e tipologicos para efe- ‘uar a compreensdo do populismo latino-american Nossa anilise do populismo esté préxima da perspectiva tebrica de Francisco Welfort, que propée tum estudo de situacbes concretas, especifcas, para se chegar & compreensio do populismo em suas versas vertenteslatino-americanas. Desse modo, p: ra 0 entendimento do fendmeno seria necessério 0 estudo das diferentes manifestages populistas, aban- donando-se oestudo do populismo.em geral. Weffort entende que populismo foi um fendmeno politico que assumiu muitas facetas e se tornon muito dificil fazer “uma refertncia de conjunto ao movimento Populista que englobe toda a sua diversidade”. Para o autor, o populismo se apresenta como a expresso da emergéncia das classes populares no cenirio politico, Essa emergéncia se toma possivel no momento de crise aguda do sistema liberal-ligér- 2 Maria Liga Prado quico que explode com a crise de 1929, e propicia ‘uma ruptura da hegemonia politica oligérquica. Essa crise de hegemonia, quando nenhuma fracdo de clas- se tem forga suficiente para assumir 0 poder, oferece a possibilidade do surgimento dos regimes populistas na América Latina. “Desse modo, o novo regime jé no é oligér- quico, nfo obstante as oligarquias ino tenham sido fundementalmente afetadas em suas fungdes de he- gemonia social e politica aos niveis local ¢ regional e se encontrem, de algum modo, representadas no Es- tado. Se fosse necessério designar de algum modo 2 essa forma particular de estrutura politica, dirfamos que se trata de um Estado de Compromisso que 6 a0 ‘mesmo tempo um Estado de Massas, expressio da rolongada crise agréria, da dependéncia social dos ‘grupos de classe média, da dependéncia social e eco- némica da burguesia industrial e da crescente pres- sto popular.” (O Populismo na Polltica Brasileira, Rio, Paze Terra, 1978, p. 70). __ Nosso procedimento, neste trabalho, consiste, assim, na anélise das experiéncias do populismo no México e Argentina, onde procuramos compreender © significado desses fendmenos, a partir do exame do rocesso historico desses paises. A opco de andlise se fez em virtude de termos, no México e Argentina, governos populistas — Cardenas e Perén — onde podem ser melhor avaliadas as possibilidades os limites da politica populista em pafses capitalistas da América Latina, O POPULISMO MEXICANO Lazaro Cardenas chegou ao poder no México através de eleigBes, como candidato do Partido Na- cional Revolucionério, em 1934 e 16 permaneceu até 1940. Seu periodo governamental é considerado co- mo a expresso mais clara e limpida do populismo mexicano, Para que se compreenda o populismo carde- nista, na sua especificidade, torna-se imprescindivel que, pelo menos, se conhega o proceso histérico mexicano a partir da Revoluglo Mexicana de 1910- 1920. Nao é possivel, neste volume, realizar uma analise mais extensa da Revolugio Mexicana; res- trinjamo-nos, assim, a algumas rapidas considera- des sobre a mesma. Ressalte-se, a principio, que durante o processo de independéncia politica (1810-1821), as lutas no México foram marcadas pela presenga camponesa, organizada num peculiar exército de “‘esfarrapados “ 16 Maria Ligia Prado liderados pelos padres Hidalgo © Morelos. Carre- gando 0 estandarte da Virgem de Guadalupe, esses ‘camponeses exigiam terras e Morelos chegou mesmo aesborar um programa no qual preconizava a distr buigdo — para os camponeses — de terras da Igreja, © maior proprietério rural mexicano. A presenca ‘camponesa nas lutas pela independéncia aponta uma situago nada comum ao processo de independéncia ‘de outros pafses da América Latina. Na segunda metade do século XIX, em parti- cular sob Porfirio Diaz (1876-1880/1884-1911), as- sistiu-se, em territério mexicano, a um notével pro- cesso de concentraco da propriedade fundiéria, ac lado do desmantelamento da tradicional proprie- dade comunal indigena. Este processo agravou de terras, a opressio dos grandes proprietérios sancio- ‘ada pelo Estado porfirista atuaram como estopim responsivel pela participacio camponesa na Revo- lugdo. Seus grandes lideres, Emiliano Zapata e Fran- cisco Villa elaboraram planos em que suas reivin- dicagdes estavam explicitas: terra para os despossui- dos. A revolugio camponesa de 1910 assumiu gran- des proporebes e postulou modificagées notveis para toda a sociedade. Durante 10 anos, lutas sangrentas mataram por volta de 1 milhio de pessoas e dei- xaram para as geragbes posteriores uma marca ind« vel. Todavia, se os agentes primordiais da revolu- do foram os ‘camponeses, na verdade, a direcdo 0 Populismo na América Latina politica do movimento, depois de 1915, ficou nas mies da burguesia. Nas lutas polfticas que se trava- ram, os camponeses foram os perdedores da batalha © seus lideres, depois de vencidos politica e militar- mente, foram assassinados: Zapata morreu numa ‘emboscada em 1919¢ Villaem 1923. ‘A Constituigo mexicana de 1917, elaborada por uma Assembléia Constitvinte, esté marcada pelo calor dos debates politicos e ideolégicos, e pelo eco no distante das lutas armadas, Para muitos autores, a sombra de Zapata — ja batido politicamente, mas, ainda mantendo focos armados rebeldes — pairava sobre a Assombléia Constituinte; na Constituico, a mais avancada e progressista da América Latina a a época, estavam garantidas muitas das reivit dicagbes camponesas, como, por exemplo, a reforma agriria. Durante a década de 20, a burguesia, press nada interna e externamente — os Estados Unidos da América, por exemplo, para reconhecerem 0 go verno revoluciondrio, exigiam que se pusesse um paradeiro as reivindicagBes dos operarios das indis- trias petroliferas norte-americanas —, procurou frear as conquistas operdrias e camponesas, transforman- do a Constituicdo em letra morta. A reforma agréria continuou a processar-se, mas de forma lenta e buro- cratizada, enquanto que as leis trabalhistas ndo eram postas em pritica, ‘A crise de 1929 repereutin no México, como de resto em toda a América Latina, de forma contun- dente. A situago econdmica agravou-se; a queda dos Maria Ligia Prado pptesos da prata acarretou uma crise na mineraclo Jogo acompanhada por outros setores mineradores, come 0 ouro, 0 cobre, 0 zinco, eujos precos também se reduziram. A producto petrolifera, que 6 vinha enfrentando sérios problemas, teve sua produclo ‘mais reduzida. A crise mincira e petrolifera somou-se a crise da agricultura: o milho e 0 feiifo, principais produtos alimenticios, tiveram sua producdo — nas iltimas safras abaladas por causas naturais — mais dimi nnuida ainda pela queda dos precos. A producto do algodio para consumo interno e para exportacto também sofreu queda de producto c baixa de prec No México, como no Brasil e Argentina, a cris 4e 29 acarretou um fendmeno na indistria conhecido como “‘processo de substituicio de importagées”. O comércio internacional, chegando a niveis sofrivels, afuou como forte estimulo para a industrializagto nacional; diante do impasse critico em que se encon- ‘ravam as economias agro-minciras exportadoras, Gespontou, para a burguesia de alguns paises da América Latina, a possibilidade de investimento na indéstria, como alternativa econdmie: A crise econdmica afetou, como & evidente, a ago dos operirios ¢ camponeses: salétios mais, baixos, alimentos de primeira necessidade mais caros ¢, principalmente, desemprego, repercutindo todos ‘esses fatores na debilitagdo das organizacdes operd- ras e camponesas. Em 1932, segundo fontes oficiais, hhavia 339300 desempregados, representando 7% das forgas produtivas. Esses némeros nio levavam em 0 Populismo na América Latina Reuniao de populares na cidade do México 4s portas de um comité eleitoral. conta milhares de trabalhadores agricolas ¢ de dia- ristas, sem trabalho; para alguns autores, o mimero de desempregados atingiu quase 1 milhao de pes soas, As migracdes internas foram consideraveis e 0 @xodo rural contribuiu para que a populaco das ci dades aumentasse sensivelmente, crescendo 0 nii- mero daqueles que viviam em condigdes miseréveis. Como estavam organizados os trabalhadores? No inicio da década de 20, surgiu a Confederacién Regional Obrera Mexicana (CROM), sob a lideranca de Luis N. Morones, apoiada e subordinada ao Es- 7 Maria Ligia Prado Populismo na América Latina " tado burgués p6s-revolucionério de Alvaro Obregén (1920-1924) e Plutarco Elias Calles (1924-1928). Du- ante o periodo de Calles, Morones foi Secretirio de Indistria, Comércio e Trabalho, usando seu posto para aglutinar micleos cada vez maiores em torno da CROM, que alcancou uma grande forca. Havia ‘outras organizacbes sindicais como a Confederacién General de Trabajadores (CGT), que procurava ‘manter sua independéncia frente ao Estado, e a Con- federacién Sindical Unitiria de Mexico (CSUM), organizada pelos comunistas no comeco de 1929, reprimida e lancada a clandestinidade logo no seu inicio. As duas ltimas, no fim da década de 20, ‘estavam enfraquecidas ¢ em processo de decomp. sigio politica. A crise de 29 agravou ainda mais e situago, levando a propria CROM a uma nitida decadéncia. Em 1931, no auge da crise, Lombardo ‘Toledano, importante Iider sindical, afirmava: “hoje tudo € opaco, tudo 6 cinzento, tudo é obscuro, em qualquer lugar se respira um ambiente de descon- certo, de pobreza, de decadéncia, de concupiscén- Lembremos ainda, as questBes politicas com que se debatia o México no periodo; em 1928, apresen- tavam-se duas grandes correntes politicas antagoni- cas: dz um lado, os partidérios de Obregén, defen- sores de uma politica ‘‘caudilhesca” de lealdades pessosis, lideranea individual, atomiza¢do de pode- res. De outro, aqueles que estavam ligados a Calles, portadores de umu outra visio que propunha a con- solidagdo institucional, a legitimago e a imposicao de instituigbes politicas que conduzissem & centrali- zago do poder, superando a fragmentaglo econé- mica e politica pés-revolucionéria. A corrente vito- riosa — com o governo de Lazaro Cardenas — cons- {ituiu-se numa combinagio das duas anteriores. ‘Outro instrumento importante para a consoli- dagio institucional da Revolugio foi a criagdo, em | | 1929, por Calles, do Partido Nacional Revolucionsrio (PNR), que se transformou em catalisador das reivin- dicagtes politicas e tinico instrumento legal de atua- slo politica. Chrdenas, como candidato do PNR, assumiu ‘como plataforma de seu governo o “Plano Sexenal”, que havia sido elaborado por uma equipe organizada pelo partido, em 1933. Como diz O. Ianni, em seu trabatho sobre Cirdenas, “‘o plano sexenal parece consubstanciar uma politica econémica na qual se distinguem os seguintes elementos: a) ao Estado cabe ‘uma participagio ampla, direta ou indireta, na orga- nizagio e dinamizagio das relagbes de produgdo, das forgas produtivas e da acumulacdo de capital; b) a politica econdmica governamental deve ser condu- 'No fim dos anos 20, a maior parte das organi- ‘2agBes camponesas estava extinta em quase todo 0 pais. Ainda que nfo houvesse uma organizaco cam- ponesa nacional da envergadura da CROM, 0s cam- poneses tinham demonstrado seu descontentamento ‘com relacdo a situagao agréria do pafs em diversas manifestagdes, inclusive em esporddicos levantes ar- ‘mados, o mais importante dos quais foi a Revolta dos Criseros (1926-1929). (0 Populismo na América Latina a ‘Maria Ligia Prado zida de modo a reduzif ou eliminar a dependéncia ‘externa, a fim de que a economia nacional adquira ‘autonomia, ou maior autonomia; ¢) o governo deve ‘atuar no sentido de que se apliquem, de modo efetivo ce generalizado, os dispositivos da legislagio sobre as, relagdes de producio, j4 que as massas operarias ¢ camponesas sto o fator mais importante da coleti- vidade mexicana”. (O Estado Capitalista na Epoca de Cérdenas, S. Paulo, Cebrap, 1975, mimeog.). Notemos que, de certa forma, af estava lancada a orientagio de base do governo Crdenas. Nao foi, portanto, da perspectiva isolada de um homem que brotaram as diretrizes do governo populista mexi- cano, Cardenas faz parte de um contexto histérico amplo; ele é um homem de seu tempo e, como tal, responde as necessidades, as angustias, as propostas do momento histérico. O encaminhamento politico das questées fundamentais do México ja tinha sido anunciado por Calles, que representa, em verdade, uma forte corrente de pensamento ¢ aco politicas. ‘As organizagBes operdrio-camponesas, suas reivindi- cages, suas lutas, também repercutiram e encami- nharam algumas das solugdes encontradas por Cér- denas. A crise de 29, aprofundando as dificuldades ‘econéimicas mexicanas, abriu a possibilidade da exis- ‘téncia de um governo mais realista, mais coerente ‘mesmo mais radical nas suas decisdes, em virtude da problemitica situaglo a ser enfrentada. ‘© México comegou a superar a crise em 1933 Cirdenas, a partir de 1934, tomou medidas econ- micas e sociais que visavam, concomitantemente, & Cérdenas escuta os problemas dos camponeses. n Maria Ligia Prado | 0 Poputiomo na América Latina superacio da crise e o crescimento das forcas produ- tivas capitalistas. Mas o que foi o governo de Cér- denas? Em que ele se distinguiu dos demais? Em primeiro lugar, indiquemos sua postura com relagdo ao problema agrario camponés. A re- forma agréria, como j foi dito, estava consagrada no artigo 27 da Constituigo Mexicana de 1917, que de- clara: “Os ‘pueblos’, ‘rancherias’ e comunidades que carecam de terras ¢ Aguas, ou ndo as tenham em quantidade suficiente para as necessidades de sua populacto, terfo direito a que se thes dote delas, tomando-as das propriedades imediatas, respeitando sempre @ pequena propriedade”. No entanto, essa Gotago vinha sendo realizada de forma muito pre- ceria até Cirdenas. Este dinamizou o programa de reforma agréria e distribuiu, aproximadamente, 18 milhges de hectares a 772 mil ejidarérios, enquanto que, entre 1915 ¢ 1934, haviam sido entregues 10 milhées de hectares a 1 milhto de camponeses. Pela Tabela I, podemos acompanhar as diferencas. Esclarecamos que o ejidatério 6 0 camponts que recebe um ejido; 0 ejido tem, nos tempos coloniais, ‘um significado particular, diferente do utilizado cor- rentemente no periodo pés-revotucionirio. O ejido. atual constitui-se numa criagio da Revolugdo Mexi- cana; propriedade da nacio, cedida em usufruto individual perpétuo e hereditério aos camponeses; no se apresenta como uma forma de propriedade ‘comunal, mas sim como uma forma disfarcada d pequena propriedade privada. O edo ¢ produto de uum proceso de dotagio — onde nfo hé compra —, TABELA 1 DOTAGOES AGRARIAS POR REGIMES PRESIDENCIAIS Preideter ‘PeriodosMilhares Porcenager| Hectares Veouslano Carranca wists OS ‘Adsiodela Huerta Mai-Nov.1920 34 ‘Aja Obreg6a | isms. 97 PhitareElns alles 1924197830884 nile ?eres Gl ipim0 172 Peucia Orts Rubio woos 1430 ‘Abelard Rodeguer sis 788 17 LizaroCtrdenas wei 78M Mame AvilaCamicho 190015 S519. LS. MigustAlemin Valdés 1946195238580 ‘AdifoRuiz Cartier 19521958 319966 ‘Adolo per Mateos 956192 1008209 ‘Total de terrarentregues ‘631 dengorto de 1962 121000 PONTE: Informs Presiden “Tabela rprodusida Je 50 Ads de Reolucién Mexicana en Cifras Maric, Subgerenca de LmvesgnlénesBoaomicas, 1963p. 46 ‘Apud OcavilaasiobctP. 72. procedendo da expropriago de latifindios, de terras do Estado, ete. latifundismo recebeu um duro golpe, mas ‘miesmo assim, em 1940, o censo registrou pouco mais de 300 propriedades de mais de 40 mil hectares, ‘ocupando uma extensdo total de mais de 30 milhdes dehectares. A redistribuiglo das terras realizada por Cér- u Maria Ligia Prado © Populismo na América Latina 2s dezas, no entanto, nao impediu que o setor privado nt — 1 da agricultura permanecesse forte, ainda que du- PRODUTO NACIONAL BRUTOPORSETORES \ ‘ante o periodo cardenista as terras ejidais produti (ites de pesos de 1880) vvas tenham passado de 13,4% a 47,4% do total das terras. Cérdenas tomou ainda outras medidas, como a criagto, em 1936, do Banco Nacional de Crédito Bjidal, para financiamento da producao dos ejidos. Comeca a delinear-se 0 perfil do governo popu- lista mexicano, com a concessio de terras aos campo- neses, respondendo as suas velhas e marcantes aspi- ragbes, @ 0 ataque aos latifundiarios, no rastro da radigio da Revolucio Mexicana. Nio nos esque- ‘amos que, em 1930, a populacio mexicana era pre- dominantemente rural — e continuara a sé-lo pelos 30 anos seguintes —, constituindo 80,2% da popu- lacdo total, perfazendo 13 milhbes de habitantes; nas cidades, viviam apenas 19,8%, num total de 3 mi- Indes de pessoas, ‘A década de 30, todavia, enfrentou mudangas ‘econdmicas importantes: a indistria despontava co- mo setor cada vez mais dindmico. Pela Tabela I, podemos verificar o crescimento da produgio indus- trial nessa década. O Estado cardenista aparecia como fator atuan- te nessa mudanca, estimulando o desenvolvimento capitalista no México, ao mesmo tempo em que pro- ccurava responder as aspiragbes operirias de maneira direta e incisiva. A proposta fundamental de Cér- denas para a resolugdo dos problemas operarios re- duzia-se a fazer cumprir a lei. Pela Constitui¢ao de 1917, os direitos operdrios estavam garantidos, tendo 110121 1930—«1M0 19501960 Produ Nacional Brute 13524 14560 Aiviades rinks 3712 3685 3086 4248 9877 15410 Setorfodotial 2704 3129 3945 S189 13489. 24187 Service Fie 746 8507 M1314 1814 27403 Porcenagem 0PM: ‘Aides pimkas na wa 97 ws BA BO Sclorlsdestial 200 215 284-49 32S HEL Service a6 32 9 6 B79 “Tabla roprodurida de 5 Aor de Revlucin Meicana en Cifras, citado p34 ‘Apu Ocarolanal ob p60 sido ainda reforgados pela Lei Federal do Trabalho, de 1931. A Constituicdo assegurava, pelo seu artigo 123, a jornada méxima diéria de oito horas, proibi- ‘cdo de trabalhos insalubres para as mulheres e jovens ‘com menos de 16 anos, descanso semanal obrigaté- tio, salério minimo, direitos & mulher gestante, res- ponsabilidade empresarial no caso de acidentes de trabalho, direito legal de sindicalizaclo, direilo & reve, etc, Sem divida, este artigo mostrava-se bas- tante avangado para a América Latina da época. ‘Maria Ligia Prado 0 Populism na América Latina ‘Como Cardenas se propunha a cumprir a lei, considerava legais as greves, entendendo-as como armas legitimas de pressio para que os operirios alcangassem melhores condigdes de existéncia. Du- ante seu governo, ocorreram indmeras greves, sem ‘qué o Estado interviesse ou as reprimisse. Em 1936, ‘ano do auge das manifestagdes operdrias, houve 674 reves, envolvendo 113885 trabalhadores. E 0s patrdes, a burguesia, como encaravam es- sas proposigBes de Cérdenas, de dividir as terras, patrocinar o cumprimento das leis, accitar as greves passivamente? Setores da burguesia, inconformados com o populismo de Cardenas, faziam-Ihe oposiclo, pressionando para que pusesse termo a sua politica. Num primeiro momento, no tiveram clareza das vantagens que auferiam, pois Cérdenas, ao lado des- sas medidas sociais, procurou de todas as maneiras, incentivar o desenvolvimento capitalista no México. governo populista, desenvolveu um vasto programa de obras piblicas, abrindo possibilidades para novos investimentos de capital, permitindo, assim, aumen- tar a demanda de produtos do setor privado. Além disso, com a criagao de bancos e financiadoras como © Fondo de Fomento Industrial (1936), Banco Na- cional de Comércio Exterior (1937), Aseguradora Mexicana (1937) ¢ da vitalizacdo de outras j& exis- tentes, como o Banco de Mexico (1925) ¢ a Nacional Financeira (1933), constituiu-se um arcabougo finan- ceiro notivel para a dinamizacio da economia. A Durguesia se fortaleceu, cresceu do ponto de vista econémico, mas ndo estava satisfeita com a politica posta em prética pelo lider populista, demasiada- ‘mente voltada para a solugdo das demandas sociais, de opersrios e camponeses. Além disso, a burguesia ‘se ressentia da intromissio do Estado na economia; na verdade, o Estado investiu em setores de base da ‘economia ¢ a burguesia temia o avanco da estati- acho. ‘Cardenas nacionalizou as empresas estrangeiras de petréleo em 18 de marco de 1938 e criou a Petré- leos de Mexico, S.A. (Pemex), ficando a explora¢ao do petréleo como monopélio do Estado. Este ato, 0 primeiro do género na América Latina, foi a cult nancia de um processo politico iniciado com reivin- dicagbes operdrias por melhores saldrios. Diante da negativa, por parte das empresas estrangeiras de pe- tréleo, de atender as solicitagbes feitas, 0 Estado interferiu, apoiando as exigéncias operirrias. Criado ‘ impasse, ele € solvido com a expropriacio, “por causa de utilidade piblica ¢ a favor da Nagio”, de ‘todos os bens das empresas, com indenizacio pre- vista para um prazo maximo de 10 anos. Tal medida recebeu muitas criticas, nfo apenas da parte dos paises interessados (EUA, Inglaterra, Holanda), mas também de setores da burguesia me- xicana com interesses vinculados ao capital estran- ‘geiro, ou ainda temerosos das repercussbes da atitu- de do Estado mexicano. Para alguns autores, a situa- ‘cdo internacional — iminéneia da guerra, polariza- ‘glo fascismo/democracia — teria sido a responsivel pela nio intervene direta (talvez armada) dos EUA no México, ‘Maria Ligia Predo iteriormente, em 23 de junho de 1937, Carde- ‘has havia deeretado a nacionalizaco das estradas de ferro, que passaram ao completo controle governa- mental. Os interesses norte-americanos foram 0s mais afetados, jé que desde 0 século XIX a maior parte das estradas de ferro mexicanas no passavam de um prolongamento daquelas dos EUA, visando & exportagdo de matéria-prima nativa para o pais vi- zinho. ‘No entanto, os investimentos de capital estran- geiro ndo desapareceram; apenas algumas éreas se alteraram, especialmente a da exploragao do petré- leo. A Tabela IIT pode nos dar uma idéia das osci- lagdes dos investimentos norte-americanos no Méxi- co, em quatro momentos diferentes. s tragos principais do populismo mexicano co- ‘mecam a tomar corpo: além de uma politica de con- cessfio de benesses aos trabalhadores rurais e urba- nos, distingue-se o empenho estata! em fazer avancar as forgas produtivas capitalistas e a tentativa de um crescimento econémico auténomo, com pinceladas nacionalistas. Ha outros elementos caraeteristicos desse periodo, no México, entre eles a perseguicdo de um objetivo, o da organizacdo das massas trabatha- doras. > Cardenas, de fato, recuperava o papel das mas- ‘sas no processo politico; mas no apenas reconhec ‘as massas como elemento central de sua politica revolucionéria, como também queria converté-las, ‘num elemento ativo a servico da Revolugio, através de sua organizacdo. Elas deviam organizar-se, sob a Le 0 Populismo na América Latina TABELA tr UnversbesDirtas Estadunidenses no México 1928, 1936, 19831950 (Emmis dedi) Comiscioeservigostinanesias Agrcaltre oe Petsieo m 8 5 oD TOTAL os 99 owas (Obs. Tabelareproduside de Napbes Unidas, Las Inversions Exiranjerat en Ameria Latina, Departamento de Assuntos Feonmicos © Soi [Nowa forgo, 195 p. 124 ‘Apud Octavio ane, ob. ct, p. 100. égide do Estado, para poder encaminhar suas reivin- dicagBes, Como afirma acertadamente Arnaldo Cér- dova, Cardenas modificava uma velha tradiglo den- tro das fileiras revolucionérias, que consistia em ver 0s trabalhadores como massa manipulével, pela sua propria desorganizasto incapaz de atuar por si mes- ma. “Para Cardenas o melhoramento (das condigdes de vida) ndo haveria de vir como um presente dos governantes, e sim como unia conquista que os pré- rics trabalhadores deviam realizar e manter uma vez obtida." (La Politica de Masas del Cardenismo, México, Era, 1974, p. 55). Pode-se entender, assim, seu empenho na cri 0 Maria Ligia Prado | O Populismo na América Latina 3 slo, em 1935, da Confederagdo Nacional Camponesa (CNC) e, em’ 1936, da Confederagio dos Trabalha- dores Mexicanos (CTM), organizagdes que passaram a viver de subsidios do governo. Essas confederates, se transformaram, a nivel nacional, nas mais impor- ‘antes, enquanto que outras confederagbes continua- vam existindo, mas com muito pouca forca e ptesti- A antiga CROM vivia um processo de acentuada ¢ crescente decomposigio politica que se traduzia numa verdadeira dispersio das organizagbes sindi- cais a ela vinculadas. Em 1932, Vicente Lombardo Toledano, um dos lideres da CROM, havia rompido ‘com Morones ¢ em outubro de 1933, juntamente com ‘outros tideres sindicais, organizava a Confederacién Geral de 10s Obreros ¢ Camponeses de Mexico (CGOCM) que no seu artigo 2° declarava: “O prole- tariado mexicano preconiza como titica de luta 0 ‘emprego das armas do sindicalismo revolucionsrio, que consiste na agdo direta dos trabalhadores nas disputas econdmicas entre capital e trabalho, e na oposicdo constante a toda colaboracdo para evitar queo submetam aos érgios do Estado ou olimitemem suas possiblidades de elevagtio econdmicae de respei- to social”. No entanto, se a CGOCM nifo apoiou Cér- denas, quando de sua candidatura & presidéncia, 0 proprio Lombardo Toledano surgia, em 1936, como lider inconteste do CTM, portanto jé inteiramente subordinado a érbita do governo populist Um decreto havia criado a CNC em 1935, mas la se consolidava em 28/8/1938, numa assembléia, na cidade do México, cum a assisténcia de delegados que representavam 37 ligase sindicatos camponeses. Os sindicatos de assalariados rurais (setores do agi- car e algodao) que a CTM havia organizado com ‘grandes esforcos tiveram que ingressar na CNC, que foi imediatamente reconhecida pelo governo, trata- mento este diferencial com relaglo a organizagbes rurais anteriores. Estava assim selada, sob a direcdo do Estado, a separagio entre trabalhadores urbanos erurais, A reformulagdo do PNR, feita em 1938 por Cér- ddenas, se revestiu da maior importincia para a insti- tucionalizacio das reivindicacdes populares. O go- verno populista estruturou de tal forma o partido que se estabeleceu uma cadeia inquebrantével entre as organizagbes de trabalhadores, o Partido e o Estado. Para.a maioria dos autores, a transformacao do PNR em Partido da Revolucdo Mexicana (PRM) — mais tarde, em 1946, Partido Revoluciondrio Institucio- nal: PRI — significou a corporativizacdo do partido. Cérdenas dividiu o PRM em 4 setores: 0 operirio, © camponts, o popular ¢ o militar (posteriormente desaparecido). Em 1938, o PRM contava com cerca de 4 mi Indes de membros segundo informagbes do proprio partido; 0 setor camponés contava com 2500000 membros; 0 setor operairio com 1 250000; 0 setor po- ular com 55.000 eo setor militar com $5000. Note- 5e que os membros do partido entravam para o mesmo, no como individuos, mas como trabalha- dores organizados; o PRM consagrava a autonoriia 32 0 Populismo na América Latina 38 de coda uma das organizagbes que integravam 0 Partido, mas essa autonomia se convertia em isola- mento completo, pois nfo era possivel a admissio ‘numa organizagio de elementos pertencentes @ ou- tra. Além disso, todos que entravam para o partido se comprometiam a nfo executar ato algum de na- ‘tureza politico-eleitoral. ‘© apoio das massas populares ao regime car- denista foi entusiasta e permanente, A mobilizacto social ea politizacto se fizeram amplamente durante © regime cardenista; pode-se verificar pelo percen- tual dos sindicalizados, em diversos governos, até que ponto o regime cardenista conseguiu organizar as massas. ‘Cirdenas conseguiu, através da organizacto dos trabalhadores, patrocinada e supervisionada pelo Es- ‘TABELA IV ‘CRESCIMENTO DA POPULAGAO SINDICALIZADA. (itares pessoas) de pop. sndizativoda ‘Anos Populasso Forde Populagio Sobreo Sobre "Tol Trebatho indcalizede Total Forgede ‘Trabalho yo u6ss9=—S3S2C SS ies SEB BBS 150 wo 0 Ml 8m T3232 io «M9230 1887108 “Tahela rproducide de 50 Aan de Revoluctin Maxeona en Cas, Nasional Financiere, México, 1963, p 161 ‘Ap Octavio ann, ob ci. P-. tado, ¢ através da reestruturagdo do PRM, fc © aparetho Estatal, legitimando-o por meio da adie sao das massas. ‘A partir de 1938, isto é, depois da nacional zagdo das estradas de ferro? do petréleo, finda a fase de organizagto dos trabalhadores em centrais, e con- clufdas as mudangas no partido, as manifestacdes arrefeceram, os movimentos. grevistas cessaram. O Estado passou a defender ¢ idéia de qué, alcangadas determinadas metas, era preciso delendé-tas © con- servi-las. A partir deste refluxo forgado da movi- mentagio das massas, o governo de Cardenas cami: nhou cada vez mais para a direita, nio avangando sobre as conquistas j& alcancadas ¢ fazendo conces- 6es a0s grupos mais conservadores. Este refluxo também caracteriza 0 governo po- pulista que faz concessbes as massas, mas com niti- dos limites, numa tentativa de conciliacao nacional. ‘Analisemos, agora, a perspectiva que tem o préprio Cirdenas de seu governo, Clirdenas se pretendiao verdadeiro tradutor das massas mexicanas, defendendo sua participagio no jogo politico e entendendo como fundamental seu papel na sociedade. As massas — termo to difuso — eram vistas por ele como motor do progresso de uma sociedade; de outro lado, era imprescindivel a atu fo da “classe capitalista”, responsive pelo cresci mento da produefo. Toda a sociedade, assim, devia cooperar para que se atingisse 0 progresso do Mé- xico, meta ideal do cardenismo. Ao Estado cabia 0 importante papel de conciliador social, j4 que apenas ‘Maria Ligia Prado © Estado possuia um interesse geral ¢ podia subor- dinar os interesses privados as necessidades do pro- sresso do pais. Em linhas gerais, essa ¢ a perspectiva de Cirdenas com relagio a sociedade: as classes so- ciais deviam conviver dentro de um projeto nacional comum, garantido ¢ protegido pelo Estado, Sua meta, para o México, se resumia a um desenvolvimento nem capitalist — os abusos do capitalism eram sempre denuneciados — nem s lista — ainda que vaga e ambiguamente se anun- ciasse em alguns documentos oficiis — para um futuro distante — a via socialista. Para o presidente, ‘a Revolucdo Mexicana imprimira sua marca 20 pals € se caracterizava por ser uma sintese dos dois sis- temas. A politica trabathista de Cérdenas pode ser resu- mida nos 14 pontos retirados de um discurso que fez, ‘no Centro Patronal de Monterrey, em 11 de fevereiro de 1936, Dos 14 pontos,escolhemos 6 dees: a) “O governo € 0 bitro eo regulador da vida b) “Seguranca de que as demandas operdrias, sejam sempre consideradas dentro da margem que oferegam as possibilidades econtmicas das empre- sas" «) “Negacto profunda de toda faculdade de Intervencio da classe patronal nas organizagbes balhadoras, pois nfo cabe aos emprestrios direito algum para invadir 0 campo de agio social proleté- ‘Maria Ligia Prado | | | 0 Populismo na Amirica Latina ‘gem nos niicleos comunistas. Estes formam minorias sem influéncia nos destinos do pais. As agitagdes provém da existéncia de aspiragdes e necessidades justas das massas trabalhadoras que nilo se satis- fazem e da falta de cumprimento das leis do traba- Iho, que oferece material de agitacto” ©) “Os fansticos que assassinam professores t#m causado mais dano do que os comunistas; fand- ticos que se opdem ao cumprimento das leis ¢ do programa revolucionério e, no entanto, nés temos que toleré-los"; f) “Os empresérios que se sintam fatigados pela. uta social podem entregar suas indistrias aos traba- Ihadores ou ao governo. Isto sera patriético: a greve (Lazaro Cérdenas: Ideario Politico, México, Era, 1976, pp. 189-190). Suas afirmagdes so Ifmpidas e claras; convém ressaltar que 0s pontos d ee so pouco usuais entre (8 governantes latino-americanos, que parecem ver fantasma do comunismo por trés de qualquer mani- festagilo de oposicSo ou critica. Os faniticos a que 0 presidente se refere sio grupos de simpatizantes.do fascismo que nflo aceitavam a politica cardenista. Giltimo ponto, quando menos, é inédito na hist6ria latino-americana; no parece comum encon- trar-se um presidente burgués afirmando que os ope- rhrios podiam fazer greve, © que 0s patrdes no ti- nham 0 direito de parar as fabricas, pois isto seria impatri6tico. 4) ““A causa das agitagdes sociais no tom ori Cocrente com seu projeto, Cérdenas esclarecia o ive! fundamental de suas proposicdes. Ele indicava 4e forma limpida sua perspectiva a respeito da situa- ‘glo histrica mexicana, neste discurso feito a empre- Sérioe: “Precisamente porque conhego, como revolu- clonério, em que circunstincias se ineubam as explo- sbes de sentimento popular, recomendo que a classe patronal cumpra de boa-fé com a lei, cesse de intervir 1a organizacdo sindical dos trabalhadores e dé a estes o bem-esiar econdmico a que tém direito dentro das miximas possibilidades das empresas; porque a opressio, a tirania industrial, as necessidades insa- tisfeitas so os explosives que num momento dado poderiam determinar a perturbagZo violenta tho te- mida por vocés". (Lazaro Cérdenas, Cérdenas Ha- bbla!, México, La Impressora, 1940, p. 65). Em suma, Cérdenas, no seu periodo governa- mental, realizou uma politica social favordvel as aspiragdes camponesas e operirias, estimulou o cres- cimento capitalista, fortaleceu a estrutura do Estado € nacionalizou alguns setores da economia. Ao lado de uma retérica algumas vezes socializante — um artigo da Constituiglo, modificando no seu governo, propunha até mesmo uma educacdo de tipo socialista — deixou bastante evidentes os limites de seu projeto social, pois a estrutura econdmico-social do México no foi basicamente alterada, permanecendo dentro dos parametros impostos pela acumulacdo e repro- dugdo do capital. & 5) O POPULISMO ARGENTINO Perén chegou ao poder, na Argentina, também através de eleigées legais, como candidato do Partido Laborista, a 4 de junho de 1946. O peronismo, muito mais que 0 cardenismo, deixou uma apaixonada he- ranga; a historiografia argentina, em geral, esté ma- niqueisticamente dividida: Perén representa o bem ‘ou o mal. A anélise do populismo argentino estd ci- vada de justificativas ou de invectivas que transfor- mam o peronismo num fendmeno muito controverso polémico. Perén recebeu os mais diversos qualifi- cativos, desde fascista até salvador do povo argen- tino. Mas, para entendermos tal situagio hist6rica, precisamos, ainda desta vez, recuar no tempo e apre- sentar resumidamente as condigdes histéricas que propiciaram 0 advento do peronismo. A Argentina, muito diversamente do México, é ‘um pais com uma populagio indigena minima. Os remanescentes indigenas foram esmagados e,empur- ‘Maria Ligia Prado 0 Populismo na América Latina rados para a Patag6nia, por volta de 1870-1880, ‘numa operacio que se denominou “Conquista do Deserto”: A populagdo argentina, por essa época, i em 1869, havi i tantes — e existia por parte dos dirigentes politicos a {férrea determinago de “europeizar” a Argentina, Esta recebeu, nos iltimos vinte anos do século XIX & principio do século XX, um extraordindrio contin- gente de imigrantes europeus. Em 1914, a populagio argentina chegava a 7800000 habitantes, represen- tando os imigrantes 30% do total. ‘A Argentina experimentou até a crise de 1929 ‘um periodo de grande prosperidade econdmica, que ‘0s olhos de seus habitantes parecia eterno. Os ce- reais e a carne abasteciam os mercados europeus, de forma particular 0 da Grd-Bretanha. O modelo agro- exportador argentino sofreu um profundo abalo em 29 e todas as suas contradigbes emergiram com as Tepercussées da crise. A subordinacto dos interesses da classe dominante argentina, isto 6.05 grandes produtores de carne e cereais, aos designios briti- nicos, aparecia em seus nftidos contornos. © primeiro grande acontecimento posterior crise foi o golpe de Estado do Tenente General J. F. Uriburu, em 6 de setembro de 1930, que derrubou © ‘govern de Hipolito Yrigoyen, da Unio Civica Ra- dical. Lembremos que este partido surgido em 1891, em oposi¢éo a0 Estado Oligérquico, congregou os ‘oposicionistas sob uma vaga bandeira de reivindi- ‘cagdes liberais ¢ democraticas. Para alguns, se apre- sentava como legitimo representante das classes mé- Maria Ligia Prado SE I dias; na verdade, a UCR jamais deixou de contar em seus postos mais altos com elementos pertencentes & classe dominante, que ndo estavam vinculados dire- tamente ao poder polltico institufdo. Chegou a0 po- der pelo voto secreto, em 1916, com Hipolito Yri- goyen, com uma dibia plataforma antioligirquica. ‘AUCR clegeu sou candidato a presidéncia em 1922, Marcelo Alvest, e, em 1928, novamente Yrigoyen. ‘O golpe representou a volta ao poder dos tradicionais interesses. exportadores, descontentes com algumas ‘medidas levemente nacionalistas antioligérquicas 4 governo radical. | ‘A manifestacto mais evidente desses interesses exportadores, pés-golpe de 30, pode ser verificada no famoso Pacto Roca-Runciman, de 1933, entre a In- slaterra e'a Argentina. Pelo Pacto, a Argentina, em troca de uma condicional manutencio, por parte da Inglaterra, da quota de importacdes de carnes, como direito de restringi-la quando conviesse, se compro- metia a fazer infimeras concess6es, com relacdo a tarifas importadoras, transportes internos ¢ cAmbio. ‘As eriticas ao pacto foram ferozes, 0 epiteto de “‘vende-pitria” se espalhou, mas o pacto se manteve, pois, na perspectiva dos grupos conservadores, 0 que era bom para eles deveria ser Gtimo para toda a ‘ago. Um dos criticos mais conseqdentes da subor- dinago dos interesses argentinos a0 capital inglés, Lisandro de la Torre, afirmava no Senado: “Nestas ccondigdes nio se podia dizer que a Argentina se con- verteu num Dominio britinico, porque a Inglaterra no tomaria a liberdade de impor aos Dominios bri- 0 Populismo na América Latina “a tinicos semelhantes humilhagdes... Nao sei se depois disto poderemos continuar dizendo: 20 grande povo argentino, salud!". O pacto representou de certa forma a década de 30; chamada de infame, essa dé- cada foi cendrio de fraudes constantes nas eleigdes, ‘mum arremedo de legalidade constitucional — ass foram eleitos em 1931, o General A. P. Justo; em 1937, R. M. Ortiz, que renunciou em 1942, sendo substituido por R. Castillo. Alfredo Galleti cita alguns exemplos'de fraude evidente: “O exemplo de Balcare & revelador: entre uma eleicdo e outra, se atribuiu ao radicalismo (UCR) 1 689, 459 ¢ 81 votos respectivamente; a0 con- servadorismo, 1424, 2639 e 2800; em General S miento, 1573, 40 91 votos para o radicalismo 1341, 2857 e 2270, respectivamente, para o conser- vadorismo; em Pilar, de 428 votos, 0 radicalismo, dois anos depois, obteve 2 votos, etc. Se bem 6 ver- dade que em certus cidades nfo se realizava a fraude, na maioria se fazia em grande escala”. (La Polftica y Jos Partidos, México—Buenos Aires, Fondo de Cul- ‘turaEconémica, 1961) Além da fraude eleitoral, inimeras arbitrarie- dades foram praticadas especialmente contra oposi- cionistas, de forma particular contra lideres operé- rios mais combativos: anarquistas, socialistas © co- munistas em sua maioria. Os anos 30 também assistiram s um grande crescimento industrial; a crise de 29 provocou, ainda que indiretamente, um incremento industrial in- terno, estimulado pelo declinio do comércio interna- ional que dificultava as exportagdes ¢ importagdes. A industria argentina cresceu nos ramos de alimen- tos, téxteis e metalurgia leve, sem qualquer desen- volvimento de uma indGstria de base. Mas a agricul- tura de exportagdo continuava ainda como susten- téculo fundamental da economia. © golpe militar de 4 de novembro de 1943, lide- rado pelo General A. Rawson — logo substituido pelo General P. P. Ramirez, em decorréncia de lutas alacianas — declarava publicamente que 0 movi- mento se fazia pela restauracio da democracia. No entanto, numa declaracdo secreta, os chefes militares se afirmavam como antiliberais, nacionalistas e advo- ‘gados da hegemonia argentina na América Latina, Preocupados que estavam com o desempenho do Brasil no continente. Para muitos, a compreensio do golpe de 43 6 bastante complexa. Se foram os militares que arti- cularam o golpe de 30, representando os interesses ‘econdmicos da fragio de classe dominante ligada a interesses exportadores mais diretamente vinculados os ingleses, como interpretar novo golpe militar que derruba o regime instaurado pelas préprias forcas militares? Parece-nos que uma das questées de base estd na perspectiva de se ver as foreas armadas como ‘um todo homogéneo, como se nfo houvesse em seu interior qualquer divergéncia de opinises ou de posi- ho politica. O grupo de militares que liderou 0 golpe de 43 tinha vinculagdes diferentes, por exemplo, das, do General Uriburu (com 0 conservadorismo) ou 40 General L. Dellepiane (com o radicalismo yrigoye- a ‘Maria Ligia Prado 0 Populismo na América Latina nista); estava organizado em torno de uma espécie de Logia, 0 GOU (Grupo de Oficiales Unidos), surgido ‘em 1942 e que se caracterizava pelo nacionalismo, pelas pretensdes de hegemonia argentina na América do Sul e por suas simpatias pelo nazifascismo. Para alguns autores, a problemética internacional foi deci- siva para a derrubada do governo Castillo, pois a Argentina vinha se mantendo neutra com relagdo a0 conflito mundial e as forgas armadas também, nesse particular, mostravam-se divididas entre neutralis- tas, partidérios dos Aliados e aqueles simpatizantes do Eixo. Cogitava-se, a época do golpe, na substi- tuicdo de Castillo por Patrén Costas, declaradamente favordvel aos Aliados. Esta parece ter sido a “gota agua” que teria desencadeado 0 golpe. Em resumo, o golpe, desferido por uma ala das Forgas Armadas, nacionatista, simpatizante do Eixo, foi saudado pelos grupos oposicionistas em geral, cansados das arbitrariedades do conservadorismo. Ironicamente, so os golpistas de 43 os respon- stveis pelo rompimento das relacdes diplométicas com a Alemanha ¢ 0 Japdo, em 26 de janeiro de 1944, em virtude das presses que vinham sofrendo, parti- cularmente dos EUA, que ameacavam o governo ‘com uma deniincia formal sobre a intervencio argen- ‘tina no movimento nacionalista eclodido na Bolivia. ‘A guerra foi déclarada ao Japaoe Alemanha, virtual- mente derrotados, em margo de 1945, como condicio para a entrada da Argentina na ONU. Em fins de 1943, 0 regime deixava claro seu autoritarismo e conservadorismo ao dissolver todos 05 partidos politicos e suprimir o laicismo escolar, tornando obrigat6rio o ensino religioso, para géudio da Igreja Catélica. ‘Assim, ambos 0s golpes, o de 1930 ¢ 0 de 1943, sfo conservadores, mas mantém muitas diferencas; ‘© de 1930 estava diretamente vinculado aos grupos ‘com interesses exportadores, procurou manter uma fachada legal e pautar-se por principios liberais. 0 de 1943 tinha pretenses nacionalistas, expansionis- tas, era antiliberal e antidemocratico, anunciando uma nova fase na hist6ria argentina, mais “mo- derna”, ligada a industrializacao. ‘O entio corone! Juan Domingo Perén fazia par- te do GOU e se constituiu na “eminéncia parda” do regime de 43. Quando, depois do rompimento das relagies diplomiticas com o Eixo, Ramirez viu-se obrigado a renunciar, foi substitufdo pelo entio vice- presidente, E. J, Farrell. Perén, ligado a Farrell h& ‘tempos, passou entio a acumular o cargo na recém- criada Secretaria de Trabajo y Previsién com o de vice-presidente da Reptiblica e ministro da Guerra. © que ha de novo na atuagio de Perén? Seu objetivo na Secretaria de Trabajo y Previsién foi o de ‘ganar 0 apoio dos trabalhadores. No campo, a con- cretizagtio do Estatuto do Peo, ainda que nio alte- rasse substanclalmente. as relagdes entre patrbes € trabalhadores, foi um forte sinal de que 0 governo reconhecia sua existéncia e se preocupava também com os “humildes”. Na cidade, além da concessto de aumentos salariais, obrigatoriedade no cumprimento das leis trabathistas jé existentes, instituigao do agui- Se —— Maria Ligia Prado 0 Populismo na América Latina naldo (uma espécie de 13? salério), foram criados os tribunais do trabalho, regulamentadas as associagoes profissionals, unificado o sistema de previdéncia 30- cial ¢ ampliados a todos os trabalhadores os benefi- clos da lei de dispensa. Por outro lado, Perén desenvolvia uma politica trabalhista com a finalidade de desarticular 0s sindi- catos mais politizados, combativos ¢ independentes frente ao governo (anarquistas, socialistas e comu- nistas), através dos mais variados racios — da coop- taco a violencia. ‘Segundo Alberto Ciria, “Perén e sua equipe perceberam, desde os primeiros meses do governo surgido do golpe militar de 4 de junho de 1943, a enorme forga disponivel que se podia recrutar me- diante 0 apoio de setores macigos de trabalhadores. ‘Também conheciam o estado de permanente luta interna — e em certas ocasides falta de representa- tividade — da maioria dos sindicatos agrupados na CGT (Confederacién General del Trabajo)... Das duas centrais operdrias existentes antes de 4 de junho de 1943, a CGT n? 1 (Domenech) expressar& depois do movimento seu apoio as medidas do governo ten- dentes.a reprimir as manobras que encareciam o nivel de vida popular. N&o protestard pelo fechamento de sindicatos comunistas (ou ‘unitérios’) nem pela de- tendo de dirigentes desta tendéncia. A CGT n° 2 (Perez. Leirés) foi dissolvida pelas autoridades de fato, Os sindicatos afetados realizaram movimentos de forea"’. (Partido y Poder en la Argentina Moderna (1930-1940), Montevidéo, Ediciones de a Flor, 1975, p. 356). ‘As medidas sociais sustentadas por Peron na Secretaria de Trabajo y Previsin nao agradavam as classes dominantes, que comecaram a se opor a cle; de outro lado, socialistas e comunistas, afetados dire- tamente por muitas medidas de forca, também se ‘opunham a Perén, qualificando-o de fascista. As presses dos setores dominantes sobre 0 exército se acentuavam e no dia 19 de setembro de 1945 se reali zaya a “Marcha de la Constitucién y la Libertad”, ituiglo de Pern; dela participaram is, comerciantes € a classe média em geral; mas os trabalhadores nao esti verain presentes, demonstrando jé de que lado esta- vam. ‘As pressdes surtiram resultado, ea guarnicio de Campo de Mayo, o maior sustenticulo militar de Perén, decidiu, depois de uma longa reunifo, exigit que Farrell obtivesse a remincia de Perén, em 8 de outubro de 1945. Depois de marchas e contramar- chas, no dia 12 de outubro, Perén foi preso e enviado a itha de Martin Garcia. No dia 17, a pedido do proprio Perén, ele foi transferido para o Hospital Militar em Buenos Aires; nesse dia assistira a uma extraordinéria manifestagdo popular na Plaza de Mayo onde, aos gritos de “Perén, Perén", exigiam sua libertagio. As 11 horas da noite, Perén flow as ‘massas reunidas na praga, demonstrando sua force, agora evidente. Depois disso, ele aparecia como can- didato natural presidéncia da nagto. Para José Luis Romero, 0 17 de outubro pode ser assim entendido: Maria Ligia Prado © Populismo na América Latina ” “O movimento tinha — em grande escala — a mes- ma estrutura interna de outros que anteriormente a policia havia organizado para outorgar um pouco de calor popular aos atos do governo da revolucio de 1943: mas era inequivoco que agora existia também ‘um movimento espontiineo de massas populares para ‘as quais o nome de Perén se havia transformado em bandeira de um movimento social”. (As Idéias Poll- ticas na Argentina, México, Fondo de Cultura Eco- némica, 1946, p. 247). Em 24 de outubro de 1945 era fundado o Par- tido Laborista (PL), que apoiava a candidatura Pe- r6n-Quijano A presidéncia. Cinco dias depois era anulado 0 decreto que havia estabelecido a dissolu- ‘¢do dos partidos. O PL tinha, no seu programa, itens ‘como a recuperagio das indistrias fundamentais, ‘eliminago do latifindio e divisio das terras, amplas reivindicagbes de previdéncia social, participagio dos trabalhadores nos lucros das empresas, imposto s0- bre a renda, etc. “O programa estabelecia como inimigos a ‘minoria constituida por latifundisrios, fazendeiros, industriais, comerciantes, banqueiros ¢ rentistas e todas as formas do grande capitalismo nacional ou estrangeiro’. Frente a eles se encontra a classe ‘trabalhadora’ formada por ‘operirios, empre- gados e camponeses, juntamente com profissionais, artistas ¢ intelectuais, assim como pequenos comer- ciantes, industriais e agricultores'. O partido preten- dia organizar esta classe trabalhadora em sua total dade, mas reconhecia como suas colunas principals as ‘grandes massas integrantes dos auténticos sindi- Maria Ligia Prado jos de trabalhadores’.” (Monica Peralta Ramos — fcumulacién del Capital y Crisis Politica en Argen- tina (1930-1974), México, Siglo XXI, 1978, p. 95). A Argentina estava dividi ‘congregava 0 setor majoritirio da UCR, os Partidos Socialista, Comunista e Democratico Progressista (mais o silencioso apoio conservador), com a candi- datura: José P. Tamborini e Enrique Mosca. De outro, apoiando J. D. Perin ¢ J. H. Quijano, o Par- ‘ido Laborista, sua principal forga, mais um setor minoritério da UCR (Junta Renovadora), alguns ‘grupos nacionalistas, o Exército ea Igreja, que, atra- vés de pastorais © dos pilpitos, pregava contra 0 atefsmo e elogiava a lei do ensino religioso, obra do movimento de 43. ‘A campanha eleitoral foi repleta de emogdes, acreditando as duas faceSes na respectiva vitoria. Um episédio com o ex-embaixador norte-americano na Argentina, S. Braden, trouxe um ingrediente novo & campanha. Braden acusou Peron de velhas ligagBes com o nazismo, conclamando os demoeratas ‘a tomarem posigio contra o candidato. Este retrucou ‘com a formula nacionalista: Braden ou Per6n, capi- talizando, assim, a tentativa de ingeréncia estrat ‘eira, ainda que em nome dos recém-vitoriosos pri cipios democriticos, nas eleigdes nacionais. Peron Ievou a melhor deste embate, pois saiu-se vitorioso da campanha, por uma pequena margem de votos, ‘obtendo 1478000 votos contra 1212000 votos da 0 Populismo na América Latina ‘Manifestapae popular de 17 de outubro de 1945. Unio Democratica, ‘O primeiro periodo presidencial de Perén (iv. —| 1952) foi extremamente favorecido pela situacao da“ Argentina no contexto internacional, pois, com a guerra, o pais havia acumulado divisas no exterior; 86 com a Gra-Bretanha, o pafs tinha um crédito de 1 bilhio e 700 mithdes de délares. Além disso, nos anos imediatamente posteriores a guerra, a América Latina em geral foi um alvo bastante secundério dos interesses do capitalismo internacional, preocupados fundarentalmente com a reconstrugio da Europa Ocidental e do Extremo Oriente. Nessa medida, as indsistrias latino-americanas, ainda que de pequeno porte, pareciam ter uma longa vida sem percalcos ¢ sem © enfrentamento da concorréncia estrangeira, Assim, do ponto de vista econdmico, o primeiro pe- iodo peronista viveu na cuforia e teve possibilidades de, ao lado de fazer crescer a economia, oferecer aos trabathadores aumentos salariais constantes e outros beneficios sociais. Em fins de 1946, Perén anunciou o Primeiro Plano QUingdenal, com metas espetaculares, cum- pridas apenas em pequena escala. A indéstria leve cresceuextraordinariamente durante o periodo pero- nista; em 1946, havia 85.000 estabelecimentos indus- triais, que passaram a 145000 em 1954, com um contingente de mio-de-obra que, no entanto, quase ‘no aumentou: 1 milbdo de operdrios. Em termos de indistria de base, suas realizagdes foram bem mais modestas, apenas a construgao do combinado side- ritgico de S. Nicolau. Importantes obras de iafra- Maria Ligia Prado estrutura também foram executadas durante 0 pe- iodo peronista: diques em Mendoza e Chubut ¢ 0 gasoduto Comodoro Rivadavia—Buenos Aires. A in- distria naval também foi estimulada e desenvolveu- se particularmente. ‘Muitas medidas de cardter nacionalista foram levadas avante pelo governo populista, desde a nacio- nalizagio das estradas de ferro, ingiesas na maior parte, em 1947, e de outras empresas de transporte, de empresas elétricas, dos servigos telefGnicos (em mos dos americanos) até a ctiagdo de uma frota aérea do Estado (Aerolineas Argentinas) e a empresa Gs do Estado. O Banco Central jé havia sido nacio- nalizado, a instfincias de Perén, pelo governo de 43, ©, com a fundacéo do IAPI (Instituto Argentino de Promocién del Intercambio), 0 presidente colocava todo 0 comércio exterior sob 0 controle do Estado. petréieo no foi nacionalizado e a Yacir tos Petroliferos Fiscales, criada por Yrigoyen na dé- cada de 20, continuou sua modesta existéncia com um campo de ago bastante restrito, ao lado das ‘grandes companhias internacionais de petréleo. ‘As nacionalizacdes, todas efetuadas com o paga- mento de indenizagées, consumiram especialmente as divisas acumuladas durante a guerra; jf em 1947, no inicio desse processo, haviam sido gastos 32% das mesmas. Este acabari sendo um dos problemas fu- turos enfrentados pelo populismo peronista. Os operdrios passaram a ter nos sindicatos um respaldo seguro. As concessbes feitas de 43 a 45 foram consolidadas ¢ as leis trabathistas jé existentes ‘Maria Ligia Prado femos, a partir do governo, nenhums imposig&o so- bre o sindicalismo.Temos, sim, um acordo, e quando eu vou tomar uma medida de governo os consulto € ‘quando eles vio tomar uma medida me consultam. Nisso eles obtém vantagem, mas eu obtenho uma vantagem extraordinria porque me asseguro assim do apoio politico que de outra forma nio teria nosso sistema, Porque estamos os dois defendendo um ‘mesmo objetivo, que 6 0 objetivo da NACAO e eles 0 sabem, e no prefimbulo de cada declaragiio das orga- nizagBes sindicais esti. colocado que o interesse su- premo que se defende é a NACAO”. ‘0 discurso de Perén 6 claro: acima dos inte- resses ¢ das reivindicagdes das classes sociais est co interesse da Nagio, representado pelo Estado per- sonificado em Per6n. Fica também evidente este ‘entrelagamento, para niio dizer subordinac&o, dos sindicatos ao Estado, j4 que este expressa os “‘verda- deiros” interesses da Nago, submetendo a estes to- das as demais aspiragdes. Voltaremos mais adiante a esse ponto. Perén estimulou ¢ incentivou a sindicalizagio; calcula-se que em 1947 a CGT tinha 1500000 fil dose, em 1951, essa cifra havia dobrado: eram 3 Indes de sindicalizados. Perén, numa outra vertente, tomou medidas bastante arbitrérias com relagio a Corte Suprema e a Universidade. A respeito da primeira, jé em 1946, foram abertos inquéritos contra quatro dos cinco membros da Corte, sob vagos pretextos, mas em verdade por haverem discutido a constitucionalidade 0 Populismo na América Latina 3 anteriormente, por pressio operiria ¢ pela atuacéo {érias pagas, indenizacto por demissio, aposent doria garantida, etc. Além disso, havia obras assis- tenciais dos sindicatos e principalmente da Fundacdo Eva Perén. Do ponto de vista politico, a centralizacdo do poder e 0 crescente autoritarismo por parte do Exe- cutivo podiam ser nitidamente detectados. Assim, 0 Partido Laberista, sustentéculo da candidatura pero- nista, foi distolvido, logo depois de sua posse, crian- do em seu lugar o Partido Unico da Revolugio, pos- teriormente Partido Peronista. © Partico Peronista (PP) foi organizado em trés, setores: a ala masculina, a ala feminina (sob inspi- ragio de Eva Perén) e a CGT (ala sindical), Esta, cada vez mais centralizada, crescia em dependéncia com relagio ao Estado, sendo seu secrethrio-geral, articularmente depois de 1947, um homem mais li- gado e mais atento a0 governo do que as aspiracées da base. O PP também foi um canal de atrelamento dos sindicatos do Estado, j4 que estes integravam a estrutura partidaria, Perén assim se pronunciava, a respeito do apoio sindical a seu governo, num discurso de 24 de setem- ‘bro de 1952: “'Nosso apoio, como sistema, esta ba- seado, precisamente, nessas duas forgas, a politica — representada pelo justicialismo — e a sindical — representada pelo verdadeiro sindicalismo. Para que este sindicalismo possa desenvolver sua ago parale- lamente ao governo & mister que seja livre. Nés ndo 0 Populismo na América Latina de alguns decretos do governo de 43. Afastades os Julzes, Perén demonstrou a forga do Executiyo dante, {do poder jucicifrio. A Universidade mantertsempre uum foco antiperonista forte, ainda que tivesse havido por parte do governo intervencdes, demissbes ¢ re- mincias forcadas, além da criacdo de uma entidade estudantil oficial, em oposigo & Federagio Univer- sitéria Argentina, Perén também se preocupou com a reformula- glo da Constituiclo ea 1 de maio de 1949 era jurada a nova Constituiclo Justicialista (nome dado a politica social de Perén), elaborada por uma Assem- biéia Constituinte. Os artigos mais polémicos resu- miram-se a dois: pelo artigo 40, todos os minerais, quedas d'agua, jazidas de petréleo, gés ¢ demais fontes naturais de energia, assim como todos os ser- vigos piblicos (estradas de ferro, gis, luz. telefone, ic.) pertenciam ao Estado e nao poderiam ser ali ‘nados ou cancedidos em exploracdo. O outro artigo — para alguns, o mével fundamental da reelabo- rao da Constituigllo — rezava a possibilidade da reeleigio presidencial, fato até entiio ndo permitido pela Constituigho vigente de 1853. A proposicio des- te artigo foi a responsivel pela retirada da bancada oposicionista da Assembléia; os trabalhos da nova Constituigdo foram terminados apenss pela bancada majoritéria peronista. Perén montou um aparetho de propaganda € repressio de grande envergadura que procurou ate- morizar ¢ silenciar toda e qualquer oposigtio. Nas palavras de Felix Luna, ‘a dureza crescente do poder 54 Me Ligia Prado © Populismo na América Latina oficial relativamente & oposigdo nto ocorria somente no plano parlamentar. No decorrer de 1948 0 go- vyerno foi adquirindo, bon gré, mal gré, as radiodifu- soras privadas, o que impediria as vozes dissidentes qualquer possibilidade de divulgar suas criticas: na campanha eleitoral de 1945/1946, alguns discursos da Unido Democritica chegaram a ser irradiados; até julho de 1955 as estacdes de ridio no transni- tiram uma s6 voz, uma 36 opinio, um s6 nome opo- sicionista, vinculadas como estavam & Secretaria de Imprensa da Presidéncia da Repiblica, através de uma eficiente e esmagadora,rede de propaganda. ‘Somava-se a isso 0 fechamento (1948) do semanrio secialista La Vanguardia e do radical Provincias Uni das, assim como de restrigSes postais & circulagio de Jornais como La Prensa e La Nacién, que além do ‘mais viam reduzido seu acesso as cotas de papel, 0 que diminuia deploravelmente a tiragem e 0 tamé ho de suas edigdes. Acrescente-se que, em 1950, uma ‘comissao parlamentar criada para averiguar denin- cias de torturas transformou-se em liquidadora de centenas de pequenos jornais oposicionistas do inte- rior do pais, sob pretextos irrelevantes”. (De Perén a Lanusse, Rio de Janeiro, Civilizagao Brasileira, 1974, pp. 45-46). © primeiro mandato peronista terminava sob forte tensio, com a sanclo pelo Congresso do “es- tado de cuerra interno" motivado por um levante militar frustrado, contra o governo, em setembro de 1951; esta sanco permaneceré até a queda de Perén ‘em 1955, ampliando extraordinariamente os poderes | do presidente. Em 11 de novembro de 1951, Perén-Quijano foram reeleitos com 4580000 votos contra 2300000 sufrigios dos candidates da chapa radical oposicio- nista, Balbin-Frondizi. (© segundo periodo presidencial caracterizou-se ‘por uma situagdo muito diversa do perfodo anterior. ‘As reservas monetirias haviam-se acabado, 0 que impedia que 0 governo pudesse fazer investimentos produtivos na economia. Também as subvengées 20 ‘consumo comeravam a pesar seriamente para 0 go- verno populista. Os capitais externos temiam investir na Argentina, especialmente em determinadas areas, por nfo se sentirem suficientemente seguros, em par- ticular com relagdo ao artigo 40 da Constituigo Jus- ticialista. N&o havia poupanca interna suficiente, pois a inflagdo crescia e duas més colheitas agri vavam ainda mais a situaclo econdmica interna. Nessas condigées era muito mais dificil atender as reivindicagées populares; a CGT, fortemente ligada ‘a0 governo peronista, estimulou seus mecanismos assistenciais, na medida em que o Estado nflo tinha mais condigdes de atender as suas aspiragées. A or- dem agora era produzir para o engrandecimento da ‘aco e no fazer greves reivindicativas. ‘Um conflito com um dos sustentéculos do pero- nismo, a Tgreja, eclodiu no segundo mandato presi dencial, com conseqUéncias irrepardveis para o pero- nismo. A oposicao, dentro dos grupos catélicos, de ‘um pequeno nticleo democrata-cristio antiperonista parece ter sido 0 fulero do conflito, A partir dai, {0 Populismo na América Latina Perén acusou alguns sacerdotes ¢ bispos de estarem sabotando a obra governamental. Este estopim levou .um desentendimento — provavelmente com reizes mais fundas, por exemplo, o excesso de “atencao” do governo para com as massas trabalhadoras — que culminou numa oposi¢do ferrenha, por parte da Igre- ja, com relagdo a Perén, particularmente depois que este toma uma série de medidas contrétias A Igreja: revogagio da lei do ensino religioso obrigatorio, implantaco do divércio e, em 1955, a proposta de separagdo entre a Igreja e 0 Estado. Do lado pero- nista, um anticlericalismo generalizado tomou conta de seus adeptos, que passaram a ver a Igreja como responsével por quase tudo que ocorria. A situaglo econdmica agravava-se; as classes médias nao mais mantinham o’mesmo apoio 20 g0- verno, pois a época da euforia passara, O arbitrio eo autoritarismo politico do governo populista haviam {feito muitos inimigos e as oposicdes, cansadas, mani- festavam cada vez mais claramente seu descontenta- mento. Os opositores tradicionais do regime, a oli- garquia agrarista, a fragio mais poderosa da bur- guesia industrial ¢ 0 capital estrangeiro em geral, empenhavam-se no rompimento da alianga entre ca- pital e trabalho celebrada pelo populismo argentino. A situagto econdmica ea manutenclo da reproducio do capital encaminhavam para uma nova soluglo de acomodamento entre o capital nacional ¢ o interna- cional. A via nacionalista parecia esgotar-se. AA procissto de Corpus Christi, de 11 de junho de 1955, ultrapassou os limites de um ato religioso, ‘Maria Ligia Prado transformando-se num acontecimento politico, com a participacdo compacta de oposicionistas antipero- nistas. Em 15 de junho, a aviagdo naval bombardeava a ‘Casa Rosada, com vistas a tomada do poder. Perén, avisado, nio se encontrava lé, mas centenas de civis so vitimados fatalmente pelo bombardcio. A res- posta dos adeptos do peronismo foi a queima indis- criminada de igrejas, recrudescendo 0 anticlerica- lismo. A situacio politica era extremamente tensa ¢ Perén decidiu-se pela conciliagdo com as oposigdes. No entanto, como nfo houve mudangas substanciais ‘no quadro conjuntural, Perén, diante do boato de sua iminente renincia, falava as massas aglomeradas na Plaza de Mayo: “Responderemos a violéncia com uma violéncia maior. Para cada um dos nossos que cair, cairo cinco dos deles... Temos dado provas suficientes de nossa prudéncia... Oferecemos a paz: do a quiseram. Lutaremos até o fim! Esta luta que iniciamos nto hé de acabar enquanto néo os tivermos aniquiladoe esmagado!” Em 8 de setembro, a possibilidade aberta pelo secretirio geral da CGT ‘a0 Ministro do Exéreito, oferecendo a ajuda dos sindicatos como defesa ar- mada do peronismo, perturbou as forcas armadas, inimigas viscerais da idéia de milicias populares ar- madas. Ainda que Perén recusasse 0 convite, este parece ter sido 0 ponto de ruptura definitivo entre Perén e as forcas armadas. Desnudava-se, assim, 0 fato de Perén estar perdendo prestigio entre os mili- tares. Os grupos mais nacionalistas estavam decep- ‘Maria Ligia Prado tos afirmam, apenas de seu carisma, nem conseguiu a adesio das massas, simplesmente, com a sua demagogia, numa tentative consciente de engans- las. Perén tinha indubitavelmente um forte carisma — da mesma forma que Eva Perén —, fazia discur- sos retbricos ¢ demagégicos, mas também tomou ‘medidas concretas, efetivas, que beneficiaram real- mente os assim chamados ““descamisados”. O que é preciso enfatizar & que seu governo esteve sempre sob 8 égide do capital e que os préprios limites de sua aco, de sua politica social, estavam determinados pela sua opeio capitalista. Nao se deve, portanto, encobrir ideologicamente tal fato. Mesmo do ponto de vista’ do capitalismo, a Argentina niio mudou basicamente. Como afirma M. Kaplan, “o governo peronista nio modificou subs- tancialmente a estrutura s6cio-econdmica tradicional da Argentina, Falta-the uma estratégia deliberada ¢ concreta de transformacies econdmicas ¢ sociais. Dois planos qlingtlenais que adota sucessivamente nilo passam de ser recopilagdes de projetos incone- 10s, mais arma propagandista que instruments ef- cazes de modificagées estruturais. A dependéncia externa do pa(s, em comércio e inversbes com relacto 4 Gri-Bretanha e aos Estados Unidos, ¢ atenuada ‘em aspectos laterais, mantida e agravada nos niveis decisivos. O regime agrério latifundista continua in- facto, salvo algumas restrigbes na comercializacto externa dos cereais (a de carnes continua nas mios dos frigorificos estrangeiros)”. (América Latina: His- toria de Medio Siglo, México, Siglo XXI, 1976, — 0 Populismo na América Latina (0 Populismo na América Latina cionados, pois viam uma distincia muito grande en {te 0 presidente que afirmara na Plaza de Mayo ‘corto 0s bragos antes de assinar um acordo com os ianques”, e o Pern que agora negociava um acordo ‘com a Standard Oil Company para que esta empresa explorasse petréleo no territério argentino. Crescia, assim, por razbes diversas, 0 antiperonismo, sempre forte na Marinha, entre as demais correntes milita- res. Em 16 de setembro de 1955 um levante militar iniciado na cidade de Cérdoba, liderado pelo general Lonardi, futuro presidente argentino, avancava em direglo a Buenos Aires. Em 22 de setembro, Perin renunciava, descartando qualquer possibilidade de uta civil, edirigia-se ao exilio no Paraguai, passando pela Replica Dominicana’ de Trujillo, para final- mente se instalar na Espanha de Franco. Nio se pode deixar de notar que 0s patses por ele escolhides como refiigio se distinguiam pelo mais forte conservado- rismo, gravitando em torno da érbite norte-ameri- cana, : Perén caiu, Perén morreu, mas o peronismo permaneceu e permanece como forte corrente pal- tico-ideolégica até hoje, abrigando homens da direita e da esquerda. Muito simplificadamente, diriamos ‘que os da direita acreditam na forte dose nacionalista conservadora constitutiva da sua perspectiva, € 0s da esquerda créem na alianga das massas 90 pero- nismo e na possibilidade de um salto qualitativo — revolucionério — que encaminhe para o socialismo. Per6n, no seu governo, nfo se valeu, como mai- Condecoragao de Eva Perén com a “Gran Crus de Isabel @ Catélica”, pelo generalissimo Franco — Madri — Junho de 1947. p26), E importante lembrar qual a perspectiva de Perén sobre a “‘doutrina” de seu governo. Peron se apresentava e se considerava como “terceirista’, isto é, advogava uma terceira posigao, nem capitalista, nem socialista. Para ele, uma formula ideal que com- batia o imperialismo e, internamente, a oligarquia. Acreditava na iminéncia de uma 3 guerra mundial ‘em que os dois gigantes, EUA e URSS, se enfrenta- iam, correspondendo, assim, ao declinio, em nivel iernacional, dos dois sistemas vigentes. A Argen- a Maria Ligia Prado. Populismo na América Latina tina representaria a esperanca de um novo mundo, © gérmen de um novo sistema, onde reinaria a paze a justiga social. Em muitos discursos, Perén criticava e ‘combatia as idéias socializantes, assumindo-se como anticomunista. A respeito do capitalismo afirmava ‘em 1946: “Nao somos de maneira alguma inimigos do capital, e se verd no futuro que temos sido seus verdadeiros defensores. £ mister discriminar clara mente entre 0 que 6 0 capitalismo internacional dos grandes conséreios de exploracio forinea e o que € 0 capital patrimonial da inddstria e comércio. N6s temos defendido este Gitimo e atacado sem quartel sem trégua o primeiro. O capitalismo internacional 6 frioe desumano, o capital patrimonial da indéstria e comércio representa, segundo nosso entender, a fer- ramenta de trabalho dos homens de empress. O capital internacional é instrumento de exploracto, e © capital patrimonial o 6 do bem-estar; o primeiro representa, portanto, a miséria, enquanto o segundo, aprosperidade”. Esta distingdo entre dois tipos de capital deixava clara a defesa do capitalismo. Perén nfo via com bbons olhos o capital internacional, na medida em que

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