You are on page 1of 38
Copyright © 2007 by Paulo Franchetti Dircitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19 de feverciro de 1998. £ proibida a reproducio total ou parcial sem autorizagio, por escrito, da editora, Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Franchetti, Paulo Estudos de literatura brasileira e portuguesa / Paulo Franchetti. - Cotia, SP: Atelié Editorial, 2007. Bibliografa. ISBN: 978-85-7480-353-1 1. Literatura brasileira - Estudo ¢ ensino 2. Literatura portuguesa ~ Estudo e ensino I. Titulo 07-3655 CDD-869.907 -869.8707 Indices para catalogo sistemitico: 1. Literatura brasileira: Estudo e ensino 869.907 2, Literatura portuguesa: Estudo ¢ ensino 869.8707 Direitos reservados A Avett Eprroniat. Estrada da Aldeia de Carapicutba, 897 06709-300 ~ Granja Viana - Cotia - SP “Telefax: (11) 4612-9666 wwwatelie.com.br ateliceditorial@terra.com.br Printed in Brazil 2007 Foi feito depésito legal Digitalizado com CamScanner 5 17 POS-TUDO: A POESIA BRASILEIRA DEPOIS DE JOAO CABRAL! Jodo Cabral ¢ a Poesia Moderna Em 1954, como parte das comemoragées do aniversirio de 400 anos da cidade, reuniu-se em Sao Paulo um grande Congreso Internacional de Es- critores, promovido pela Comissio dos festejos e patrocinado pela Unesco. Na segio consagrada a discussio da poesia, o balango do momento foi feito por Aderbal Jurema, numa comunicagao lida no dia 11 de agosto, int tulada “Apontamentos sobre a Niponizagio da Poesia’, Nela se encontra esta @preciacao sobre a tendéncia dominante na poesia brasileira nos anos que se seguiram ao término da Segunda Guerra Mundial: Venho observando, principalmente nos representantes da novissima geragio de Poetas brasileiros, uma tendéncia para uma gratuidade temédtica que me assombra (..]. Escrevern sonetos € poemas com palavras exdticas, frias, quase mortas. ..] Propriamente sonetos e poemas, ¢ sim epitafios de uma geragao que, ao invés de drama do homem nas fronteiras dla técnica, se estiola nas velhas maneiras académicas, om a disposicao de quem quer cometer o hara-kiri em seus sentimentos mais puros & ‘mais autenticamente humanos', © Ponto relevante do texto de Jurema ~ além de reafirmar uma ava- llagio da “Geragao de 45” que, embora equivocada, continua vigorando até Wie ~ €a afirmacao de que a novissima geragio reagia mal 0s desafios do 4ate text, redigido em 2006, destinava-se a apresentar uma antologia da poesia contempordnea 4 publicada em Porta “Ht 300 Internacional de Escritores e Es ontros Intelectuais, S40 Paulo, Anhembi, 1957. P. 264 Digitalizado com CamScanner IRA f PORTUGUESA 254 ESTUDOS DE LITERATURA BRASIL ntral, para ele, 6 a atitude reativa: ao invés de fronteiras da técnica’, 0s poetas brasileiros rtesanato suicida’, que distanciava a poesia m lugar na “camaradagem do suplemento tempo moderno. A questao cen viver plenamente o “drama ni do tempo refugiavam-se num “ai do piblico ¢ sé Ihe reservava ur dominical”. : A percepcao de que haveria um divércio contemporaneo eae Oescritor eo pliblico percorre a maior parte das falas do Congresso dedicadas & poesia, independente da nacionalidade do orador. O que da, porém, cor especifica a representagio brasileira do problema é, por um lado, a extensio desse divor- cio aos demais géneros literarios, a relago causal entre ele € 0 crescimento dos novos meios de comunicagio de massa e, especialmente, a proposicao de que existe uma feroz concorréncia entre a cultura erudita e cultura de massas: Seri normal que o artista atual, porque nao deseja imiscuir-se com as formas in- feriores, ou porque receia que os novos métodos de difusio comprometam a sua dig- nidade, serd normal ao artista eximir-se de participar, fugir & realizagao, silenciar, nao concorrer? Parece-me que nao ¢ 0 seu dever é adaptar-se as novas condicées, salva- guardando naturalmente a sua integridade e a qualidade dos seus padrées... Se os novos meios se considerarem obras diabélicas, fugit, isolar-se deles, é abandons-los ao diabo. Nao é esse o dever do espirito, mas sim vencer o principe das trevas’. Assim se expressava, a propésito, Afranio Coutinho, um dos mais reco- nhecidos homens de letras do pais. A questao da concorréncia entre as artes ¢ a industria cultural mereceu a atencao analitica, na mesma época, de outro critico de grande expressao, Antonio Candido, que abordou o problema num texto publicado em duas Partes ~ uma no ano anterior ¢ outra no ano seguinte ao Congresso - ¢ que se intitulou “Literatura e Cultura de 1900 a 19454, Na sua formulagao, a partir de 1930 tinha sido sensivel o aumento do piblico de literatura, devido & melhora da educagio e A diminuigao do anal- fabetismo, Entretanto, afirmava, f s¢ novo puiblico, ’ medida que crescia, ia sendo rapidamente conquistado pelo grande desenvolvimento dos novos meios de comunicagao’, entre os quais nomeava o radio, o cinema e as histé- rias em quadrinhos, E continua 3. Mem, pp. 150-153, 4, Reproduzido em Literatura e Socieda 4. eU., Sto Paulo, al, 1975, Digitalizado com CamScanner P6S-TUDO! A POFSIA BRASILEIRA DEPOIS DE JOK0 CABRAL 255 Antes que a consolidagio da instrugao permitisse consolidar a difusio da literatura inenira (por assim dizer), estes velculos possbilitaram, gragas & palavra oral, & ima- ‘em, a0 som (que superam aquilo que no texto escrito sio limitagées para quem nao se Enquadrou numa certa tradigZo), que um néimero sempre maior de pessoas partcipas- sem de maneira mais facil dessa quota de sonho e de emogio que garantia o prestigi tradicional do livro’. Por fim, concluia Antonio Candido que as duas respostas perigosas ao estado de coisas decorrente da situagao brasileira eram ou a busca de comu- nicagio com o piblico por meio da aproximagao da literatura com 0 relato direto da vida, para concorrer com 0 radio ou 0 jornal, ou o aprofundamento da singularidade do litersrio, restringindo ainda mais 0 acesso a ela por parte do publico geral. Alguns dados sobre as instituicdes culturais brasileiras, todas muito recentes se comparadas com as equivalentes européias, permitem situar as questées discutidas nos textos de época. No que diz respeito cultura erudita, além do crescimento da producao de livros em fins do Estado Novo (1930-1945), avulta, na ultima parte da década de 1940, a criagao de drgaos de preservacio ¢ difusio da cultura: em 1947 foi inaugurado o Museu de Arte de Sao Paulo; em 1948, a Escola de Arte Dramatica, o Teatro Brasileiro de Comédia ¢ 0 Museu de Arte Moder- na de Sao Paulo; e, em 1949, 0 Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; em 1951 realizou-se a primeira Bienal e foi fundado o Conselho Nacional de Pesquisa; e, entre 1945 € 1956, proliferaram as instituiges de ensino supe- rior em todo o pais (para comparagao: em 1937 havia quatro universidades e duas faculdades; em 1953 somam-se nada menos do que quinze universi- dades e quarenta faculdades). J4 no que diz respeito & industria cultural, se é verdade que os anos 1950-1960 so ainda a época de ouro do ridio, com 0 programas de auditério ¢ as radionovelas, eles também ja sio. o momento m que vai comegar a predominar a televisio e, com ela, a sua forma artis- tica mais especifica, a telenovela. Também se percebe NOs anos 1950-1960 uma proliferago massiva da grande imprensa € das revistas ilustradas (in- cluindo ai a fotonovela) e, sem diivida, o momento mas forte de criagio de popular, com a bossa-nova, € para o cinema hovos padroes para a miisi brasileiro, com a experiéncia da Vera Cruz (1949-1954) & posteriormente, © Cinema Novo. 5 Literatura e Sociedade, ope cil P. 137, Digitalizado com CamScanner 256 ESTUDOS DE LITERATURA BRASILEIRA E PORTUGUESA O problema da expansio e conquista do publico estava, assim, na ordem do dia. Nao espanta, pois, que tenha merecido, desde 1952, a atengao do poe- ta mais significativo dentre os que estrearam na década de 1940, Joao Cabral intitulada “Poesia e Composi- de Melo Neto. Naquele ano, numa conferénci: ¢0", proferida na Biblioteca Municipal de Sao Paulo - local emblematico do Modernismo ~ Cabral tinha também se ocupado do problema da comunica- go na literatura do pos-guerra, centrando-se na questao da poesia. Nessa conferéncia, Cabral comega por opor os modos de composi¢ao que denomina “inspirado” e “construtivo’, dos quais derivariam duas fami- lias de poetas. Para os da familia da inspiragio, a poesia seria um achado, algo que acontecia ao poeta; ja para os da familia da constru¢ao, a poesia seria 0 resultado de uma busca, de uma elaboracao. O que dinamiza essa oposi¢o, que em certo sentido retoma a tipologia de Schiller, é 0 quadro contrastivo que Cabral traca entre a condi¢ao moder- na ea “época feliz” dos tempos nao-modernos. Naquelas “épocas de equili- brio’, a espontaneidade € “identificagao com a comunidade’, “o trabalho de arte inclui a inspiragio”, as regras da composicao sao explicitas e universal- mente aceitas, “a exigéncia da sociedade em relagdo aos autores é grande” e, por isso tudo, a comunicagio € o objetivo central da pratica literdria. Na modernidade, em contraposi¢ao, as condi¢des sdo opostas: o que a define éa perda do leitor (e da critica, epitome do leitor) como “contraparte indispen- sdvel do escritor’. Sem esse fator de controle, as duas formas de composicao se extremam em oposi¢io radical, gerando familias poéticas distintas e dis- tantes, condenadas entretanto a se encontrarem, apés 0 desenvolvimento de sua inclinagao (isto é, depois de os inspirados esgotarem-se no “balbucio incapaz de aprender o inefavel e depois de arrastados os “construtores” a0 artesanato furioso que conduz ao “suicidio da intimidade absolut: lamento solipsista, decorrente da “morte da comunicagio”, No quadro dessa modernidade d "), no iso- rita quase como beco sem saida, Ca- bral optava, contra o espontineo, pelo polo construtivo, E 0 fazia, a rigor, como confirmagao ¢ tiltimo desenvolvimento da condi ‘do moderna, pois en- tendia que o poeta construtivo levava as derradeiras conse dualismo, na medida em que afirma F ncias o indivi- como referenc “a consciéncia das dicgoes de outros poet al iltimo da sua escrita as que ele quer e' i yuda do que nele & eco ¢ que é preciso elimin air a qualquer prego”®, 6. “Toca se, nessa frase Wa Set O Mais Caracteristico wlividual & sombra do a sua propria gerayie: randes poetas modernistas, conte Digitalizado com CamScanner POS-TUDO: A PORSIA BRASILEIRA DEPOIS DE ORO CANRAL sy Resta saber qual seria 0 “qualquer prego” que poeta se dispunha a pa- gar, para, nesse momento, conquistar voz propria, Em alguma medida, esse prego parece incluir um tipo de comunicagao com 0 leitor: a conseguida jus- tamente & custa do ja conhecido, isto é, dos “ecos” que o poeta construtivo deve tao ciosamente evitar que aparegam no seu discurso. Por outro lado, a postica construtiva, embora traga a marca cega de origem do individualismo. definidor da modernidade, é a que Ihe aparece como a tinica via conseqiien- te esteticamente e para reconduzir a literatura ao caminho da comunicagao com 0 leitor. Nesse sentido, a poética construtiva termina por vigorar no texto como, simultaneamente, “antincio de uma época de equilibrio por vir” ¢ “cicatriz da sua irreparavel falta”. A recuperagao programatica desse equilibrio perdido da o tom justa- mente do texto que Joao Cabral leu no Congresso de 1954, € no qual aborda arelagio da poesia com os novos meios de comunica¢ao de massa. Nesse texto, embora ainda afirme o cardter multiforme da “poesia mo- derna’, Cabral acredita ser possivel achar um denominador comum as pra- ticas contemporaneas: 0 “espirito de pesquisa formal’. Em continuidade ao que apresentara na Biblioteca, dois anos antes, opera com a oposicao entre as “duas familias de poetas’, mostrando em que diregio, em cada uma delas, se teria processado a “pesquisa”: a familia dos subjetivos se empenharia em “captar os matizes sutis, cambiantes, inefaveis, de sua expresso pessoal’, en- quanto a dos objetivos em aprender “as ressondincias das muiltiplas ¢ com- plexas aparéncias da vida moderna”. Mas nenhuma das familias se teria em- penhado em promover o “ajustamento do poema a sua possivel funcao’, disso tendo resultado o carater intransitivo e inécuo da poesia contemporanea em relacdo as necessidades do tempo. Dai que, apesar do refinamento formal, a poesia continuasse a “ser servida em invélucros perfeitamente anacronicos ¢, em geral imprestaveis, nas novas condigdes que se impuseram” e a exigit do eventual leitor “lazeres ¢ recolhimento dificeis de serem encontrados nas bem como “um esforgo sobre-humano para se condigées da vida modern: colocar acima das contingéncias da sua vida’, « fora o deles contra 0 seu passado imediato ~ de cuja obra ni lo vids construtive, “artist desqualifi cu" ~ que reconhece como faria sentido repetir 0 gesto ~ 4 firmar a exelusivislade ica da poesia b aude passive! oe desteuigao, Nesse quadt ileira ~ @ forma valida de assumir a heranga modernista, por sto de Abel Barros ste: Ensaio de Literatunt presente 7. Na breve exposigao da conferéncia de Jodo abral, tive s¢ Hap Livro Agreste 2)", publicado em O Livre Ae ita est na p. 067. itulado * Brasileira, Campinas, Fditora da Unican p. 2005. Af Digitalizado com CamScanner 258 TUDOS DE LITERATURA BRASILEIRA E PORTUGUESA RSTUDOS DE LITERATURA BRASILEIRA B. sTUOS A partir desse diagndstico, Cabral ia ad como senate ate buscar para 0 poema uma fungao na vida do leitor moderno, ae Pela a aptacio a0s novos meios de comunicagao (o radio, o cinema ¢ a te evisio), seja pelo retorno a formas que pudessem aumentar a comunica¢ao com o leitor, como 4 poesia narrativa, as aucas catalas (que cle considera as antepassadas das historias em quadrinhos), a fabula, a poesia satirica e a letra de cangao, Por fim, na conclusio programatica, conclama os Poetas a combater “o abismo que separa hoje em dia o poeta do seu leitor”, por meio do abandono dos temas intimistas ¢ individualistas e pela conquista de formas mais fun- cionais, que permitam “levar a poesia & porta do homem moderno”, A Poesia Concreta Quando as atas do Congreso Internacional foram finalmente publica- das, em 1957, as preocupagdes de Cabral jé tinham Programética de grande envergadura e adic: sia no quotidiano da vida moderna, € transformacao constituiriam 0 ce Jongo dos cingtienta anos seguintes: encontrado uma resposta al aposta na integracéo da poe- ‘Uma resposta cuja apresentacio, ajuste ntro de energia da poesia brasileira ao a Poesia Concreta, que estreara junto ao Brande piblico por meio da Exposigdo Nacional de Arte Concreta, realizada Primeiramente em Sio Paulo, no més de dezembro, no Museu de Arte Mo- derna, transferida, em fevereiro do ano seguinte, para o saguaio do Minis- ‘éri0 da Educago Cultura, no Rio de Janeiro, onde ganhou desde logo as paginas da grande imprensa, Um dos seus principais autores, Décio Pignatari, Pree uPasso com o esgarcamento do puiblico modern, em George Thompson, tragava um rapido desenho evol ciedades tradicionais, nas quais a poesia fazia “parte referéncias’ € experiénci; sociedades let do publico do poeta, “até que su mondlogo dos dias atuai J em 1950 ecoava a lutivo, que ia das so- do ‘acervo comum de fas, que implicaram a redugao S excogitacdes posticas se transformem no E completay; “sinto-me venturado a acreditar que 0 poeta fez do papel o seu paiblieg" Outro dos principais poet AS coneretos, Augusto de Campo obra, no ano seguinte, com um livro cujo titulo pode VA poe: iniciara sua ser lido como uma “em moldes tradicionai ORei AS passagens que Poderiam ser lidas 48 UM poema em que © poeta e seu metafora da auséncia de piblico par Menos 0 Reino, Nesse volume, i varia na mesma clave, sendo a principal de Digitalizado com CamScanner POS-TUDO: A POESIA BRASIL! RA DEPOIS DE JOAO CABRAL 259 canto falam em primeira pessoa e que se intitula, muito apropriadamente, “Didlogo a um”. ‘Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos comecaram aescrever no ambito da Geragio de 45. Os trés se conheceram em 1948, du- rante 0 Congresso Paulista de Poesia’, No ano seguinte, publicaram poemas na Revista dos Novissimos, no suplemento literario do Jornal de S. Paulo - di- rigido por Péricles Eugenio da Silva Ramos e Osmar Pimentel - e na Revista Brasileira de Poesia. Em 1950, Haroldo de Campos e Décio Pignatari langam, pelo Clube de Poesia - drgio da Geragao de 45 - cada um o seu primeiro volume de versos: ‘Auto do Possesso e O Carrossel, respectivamente. No ano seguinte, tendo os trés autores rompido com o Clube de Poesia, Augusto de Campos publica, por sua prépria conta, o volume hé pouco referido. Nesses primeiros poemas, Haroldo de Campos é 0 mais préximo — por conta da dicgao elevada, da cadéncia tradicional do verso sonoro, do voca- bulario precioso e da preferéncia tematica pelo exdtico e distante - do gosto que caracteriza tantos outros volumes de versos seus contemporaneos, de- pois identificados como exemplares da Geragao de 45. Décio Pignatari traz, no seu livro, o mostruario mais versatil, oscilando de poemas em versos bre- ves, de linguagem coloquial e reminiscéncia modernista, a poemas marcados pelo preciosismo vocabular ¢ pelo gosto de antiquario que marcou a época no Brasil. J a poesia de Augusto de Campos, acentuadamente metapoética, nos melhores momentos retoma a contencao crispada do tiltimo Drummond ese aproxima de Joao Cabral de Melo Neto. Os trés poetas compéem, jé em 1952, 0 grupo diretor de uma revista li- terdria que vird a ser, em meados da década, o niicleo gerador do movimento da Poesia Concreta: Noigandres. A poesia apresentada no primeiro numero da revista, langado nesse ano, nio se destaca, como nao se destacaram os livros ja referidos, do padrio médio da poesia da época. Jé no numero seguinte, langado em 1955, Augusto de Campos da a pu- partir de 1953. Silo os primeiros poemas ‘a nao é ornamental, nem secun- blico © Poetamenos, composto a brasileiros em que a disposicao tipografi Jigto do autor, 1951, Reproduzido em 4. Augusto de Campos, O Rei Menos 0 Reino, So Paulo, Viva Vaia, Sao Paulo, Atelit, 2003 9. Ainformagio esta numa carta de Décio Pi contra depositada no Centro de Doc 10. CL documento referido na n titho, de 11.6.1963. ‘na Unicamp, em C ataria Ataliba mago Alexandre Her Digitalizado com CamScanner RAE PORTUGUESA 260 ESTUDOS DE LITERATURA BRASi daria, do ponto de vista da constituigéo do discurso. E os primeiros, salvo engano, em que a ordenacao discursiva € substituida pela ordenagao espacial de expressées nominais ¢ fragmentos de frases ou palavras. O Poetamenos trazia também uma outra novidade: 0 uso de cores, sugerindo linhas de lei- tura e de oralizagio. A comparagao entre 0 Poetamenos e 0 poema que Haroldo af publica ~ Ciropédia ou a Educagao do Principe - evidencia nao s6 a proximidade continuada de Haroldo com a dicgao grandiloqitente da época - que ao lon- go do tempo se desenvolver ou sera redescrita como “neobarroco”"' - mas principalmente a ousadia inventiva e experimental da poesia de Augusto de Campos, que serd responsavel pelas mais impressionantes realizagdes da poe- sia de vanguarda no Brasil: do Poetamenos 4 Caixa Preta, passando pelos Poemébiles e pelas montagens denominadas popcretos. Na apresentacio do Poctamenos, 0 autor afirma a inspiracdo na misi- ca de Webern. Entretanto, a forma especifica de reconstrugao tipografica da “melodia de timbres” terminava por conduzir 4 aspiracdo por um novo apa- rato tecnoldgico, mais apto a construgao desse tipo de poemas do que o papel a impressdo colorida: “mas luminosos, ou filmletras, quem os tivera!”. Mas, Por enquanto, nem o poema se propde como outra coisa que nao uma obra experimental, nos mesmos moldes que a sua inspiracao confessa, nem a uti- lizago da tecnologia comparece, no prefacio, como instrumento para apro- ximar 0 poema do piiblico, para inseri-lo na vida quotidiana, Pelo contrario, © anseio pelo recurso tecnolégico dos luminosos (provavelmente os letreiros em gas neon) ou “filmletras” se devia apenas ao intuito de aperfeicoar, sem sequer dar conta total das necessidades, a expressividade do poema, “desta- cando as linhas de superposi¢ao e interpenetracao tems ica”. Nesse mesmo ano de 1955, Augusto de Campos publica dois artigos de grande interesse para a compreensao do que sera a Poesia Concreta, de quais os autores tutelares da nova poesia e de na tradi¢’o poética ocidental”, quais as questdes que ela privilegiars 11. Cf. Maroldo de 1 minha pritica pot tic, textos como Cirapédia e Claustrofobia, am bos de 1952, co tenho afirmado, a pré-histiria barroquizante de minhas Gi- lixias (1963-1976 Harroco, Neobartoco,‘Transbarrace’, preficio a Ciuudio Daniel (ong)+ Jardim de Camaledes: A Poesia Neobarroca na América ilo, Huminuras, 2004). 12 Brata-se de “Poesia, Estrutura’¢“Paema,lleograma’ publicadas emt 30 ¢ 27 de margos to jor Dirio de Sao Paulo, Amibosos textos se enconteam re Mallarmé, Sao Paulo, Perspectiva/lidusp, 1974, vexduzidos em Augusto de Campos alii Digitalizado com CamScanner P6S-TUDO: A POFSIA BRASILPIRA DRPOIS DE O18 DE OKO CannaL 261 Augusto propde a existéncia de uma linha evolutiva na Poesia moderna a qual responde e se filia a poesia concreta. Essa linha comega com Mallarmé (mais exatamente, com Un coup de dés), que é 0 objeto do Primeiro texto, prossegue com Ezra Pound, cummings ¢ Joyce, pasando pelo Futurismo e por Apollinaire (cuja importancia, para a formulagio da nova poesia, Ihe parece bem menos significati ‘a do que a dos outros quatro). Estava ja aqui identifi- cado 0 paideuma da nova vanguarda, ¢ embora ainda a denominacio da nova poesia nao fosse “concreta”', a sua configuragao basica ja estava delineada: A verdade & que as “subdivisdes prismaticas da Idéia” de Mallarmé, 0 método ideogrimico de Pound, a simultaneidade joyciana ¢ a mimica verbal de cummings convergem para um novo conceito de compo estrutura si¢do - uma ciéncia de arquétipos & para um novo conceito de forma - uma ORGANOFORMA - onde nocées tradicionais como inicio, meio, fim, silogismo, tendem a desaparecer diante da idéia poético-gestaltiana, poético-musical, postico-ideogramica de ESTRUTURA" Nesse primeiro momento de elaboragio do projeto, portanto, a nova poe- sia nao se apresentava como uma tentativa de superar 0 abismo entre 0 autor 0 piiblico, Na verdade, situava-se no pélo oposto, exigindo do leitor um esforco de obtenco de referéncias eruditas, de modo a poder aferir a arte de vanguarda como resultado de “uma ferrenha ansia de superacao culturmor- foldgica”’s. Dai que a nova poesia demandasse, tanto do autor como do leitor, trabalho arduo e aplicagao, sendo a ressurgéncia das formas tradicionais, que caracterizava a Geracio de 45, duramente condenada por Haroldo: Olirismo anénimo e anédino, o amor as formas fixas do vago, que explica, em muitos casos, a “redescoberta” do soneto a guisa de “dernier cri’, sobejamente conhecidas desse preguicoso anseio em prol do domingo das artes, remanso onde a poesia, perfeitamente codificada em pequeni ajustada a um sereno bom tom formal, aparelhada de um patrimdnio de metatoras prudentemente controlado em sua abastanga pequeno-burguesa por wn CUFTESO PO~ der morigerador — 0 “clima” do poema ~ pudesse ficar A margem do processo cultu- ral, garantida por um seguro de vida fiduciado & eternidade, Fase novo arcadismo, Jo manifestagdes as regras metricas € 13: Augusto Js utilizaria a expressae concreta” pela primeita ver atguns one depois, em outubro de 1955, num artigo assim clenominads, publicaslo na revista FEM 1S ‘ re de Paulista se Digeito 0 texto seencontea feprnd 14 Acadéamico 22 de Agosto, da vido em Augusto de C ii, Teoria da Poesia Co Sto Paulo, Duas Cidade, PP. 34-3, 44 “Poema, Hstrutura’, em Mallarmé, op. cil Pe 186. a 15. Masala oevocaia « Pacalv Peulii’, Dirt de Sido Pate, sale nb de 199s Poesia Concreta, pp 26.80 Digitalizado com CamScanner 262 ESTUDOS DR LITERATURA BRASILEIRA E PORTUGUESA convencionado a sombra de clichés, sancionando a preguiga e a omissio como atity. de frente aos problemas estéticos, autolimitado por um senso autarquico-solipsista de “métier” que excomunga a permeabilidade entre as solugdes poéticas, musicais ou das artes visuais (por uma ignorancia aprioristica e nao poucas vezes agressival), tem como palavra-senha entre nés 0 conceito de humano', O passo seguinte constitui um dos pontos de maior interesse e tensdo do programa da Poesia Concreta, tal como se delineara Por ocasiao do lan- samento nacional do movimento: fazer coincidir a necessidade da evolugio “culturmofoldgica” com as necessidades do mundo moderno, marcado pela técnica e dominado pelos meios de comunicagao de massa. Isto é, fazer com que uma poesia elaborada a partir do pélo maior da negatividade, da recusa do leitor, como a poesia de Mallarmé, e articulada a partir do exemplo do artesanato joyciano, seja também um caminho para a positiva integracao do Poema no mundo industrial. Ou ainda: fazer com que a poesia que se recla- ma a origem mais erudita seja simultaneamente a poesia mais adequada a comunica¢ao imediata com o leitor leigo e despreparado culturalmente. Nesse quadro, a crise do verso e 0 abismo autor/piiblico se explicam pela inadapta¢ao do verso aos tempos modernos, A Poesia nao parece mais bastar a situacdo correta e conseqiiente, face A evolucao das formas. A evolugao das formas deve ser agora valorizada e entendida em funcio da apropriacao e aproveitamento dos recursos tecnoldgicos disponiveis, que sao, ao mesmo tempo, o caminho para afirmar a poesia no mundo dos objetos industriais: © verso: rise, obriga o leitor de manchetes (simultaneidade) a uma atitude postica. néo consegue libertar-se dos liames ldgicos da linguagem: ao tentar fazé-lo, hecaea adjetivos. ndo dé mais conta do espago como condigao de nova realidade ritmica, uuilizando-o apenas como veiculo passivo, lombar, e nao como clement relacional de estrutura. anti-econémico, nio se concentra, nio se comunica rapidamente. des- truiu-se na dialética da necessidade e uso histéricos tia arte geral da linguagem. propaganda, imprensa, ridio, televisio, cinema, uma arte popular. a importincia do olho na comunicagao mais r4pi as historias em quadrinhos, [..] contra a poesia de expressio, subjetiva, por uma po substantiva’?, desde os amiincios luminosos até de criagao, objetiva. concreta, 16. Idem, pp. 27-24. 17. Décio Pignatari, “nova poesia: concreta Paulo, novembrofdezembra de 1956) © republic Dominical do Jornal do Brasil da Poesia Concreta, op. cit Digitalizado com CamScanner "68-TUDO: A POESIA BRASILEIRA DEPOIS DF JOK0 caBnaL a fa retomada da questo enunciada por Joso Cabral Congresso de 1954. Em relagao as suas Preocupacées ha aqui, entretanto, diferengas de fundo e de énfase, A primeira delas€ a recusa do verse é,de todo o arsenal de formas tradicionais - como estratégia para recuperar a comunicabilidade da poesia nos tempos modernos. Essa estratégia se re- sume, agora, 4 integracao da poesia aos meios de comunicagéo de massa ¢ aos principios que os estruturam. A oposigio cabralina entre “expressao” ¢ “construcio” se acirra, com a desqualificacao do primeiro pélo e absolutiza- ¢20 do segundo como tinico adequado aos novos tempos. Economia, obje- tividade e rapidez. so as palavras-chave desse momento da Poesia Concreta para conseguir a integracao da poesia na vida quotidiana, como objeto in- dustrial de consumo: | de Melo Neto, no a POESIA CONCRETA é a linguagem adequada a mente criativa contemporinea permite a comunicagio em seu grau + rapido prefigura para o poema uma reintegracao na vida quotidiana semelhante a qo BAUHAUS propiciou as artes visuais: quer como veiculo de propaganda comer- cial (jornais, cartazes, TV, cinema etc.), quer como objeto de pura fruicao (fun- cionando na arquitetura, p. ex.), com campo de possibilidades analogo a0 do objeto plistico substitui o magico, o mistico e 0 maudit pelo wri." Nos anos que se seguem imediatamente a Exposi¢ao Nacional de Arte Concreta, a énfase no carater racional, econdmico e integrado do poema ten- derd a ser substituida por uma modalizagao da forma de entender a poesia nova nos primeiros textos dos integrantes do grupo Noigandres. Passado o momento inicial, j4 nao se ressaltard a utilidade, o poema como veiculo de Propaganda comercial ou objeto decorativo integrado 4 moderna arquitetu- ra. Como dizia Haroldo jé em maio de 1957, 0 poema concreto se vai valer de uma “linguagem afeita a comunicar 0 mais rapida, clara e eficazmente © mundo das coisas” para “criar uma forma’, criar “um mundo paralelo ao mundo das coisas - 0 poema””, Na mesma linha, Augusto de Campos escrevia, assinalando uma mu- danga significativa de perspectiva, quanto A integracdo da poesia na vida uotidiana e conquista do puiblico: 6. Maroldo de Campos, “olho por olho a otho nu’, manifesto publicado conjuntamente com o de Décio Pignatari, hd pouco referido, Encontra-se reproducide no mesine volume. 4 Harolda de Campos, “Poesia Concreta ~ Linguagem ~ Comunicagas reproduzido em Augusto Ga set alli, Teoria da Poesia ncreta, pp. 70-85, Digitalizado com CamScanner 264 HSTUDOS DE LITPRATURA BRASILFIRA B PORTUGUESA Mesmo quando circunstancialmente divorciada do grande piblico, como hoje, (e nesse €480 a missio social da poesia estaria imitada a um plano mais alegérico do que factivo) é de crer-se que a poesia possa intervir, ainda que a posteriori, A medida que o tempo va permitindo a absorgio das novas formas, no sent de pelo menos com- pensar o atrofiamento da linguagem relegada a fungio meramente comunicativa”, Nesse momento, o poema concreto, objeto auténome, “paralelo ao mun- do das coisas’, comunicaria imediatamente a sua prépria forma nova. E ape- nas ela. A introdugio do conceito de alegoria é 0 ponto de virada. A relacao entre a poesia concreta ¢ a tradi¢ao e entre a poesia concreta e 0 mundo contemporaneo ~ ¢ essa 6a resposta, portanto, A questdo angustiosa de como fazer coincidir a vanguarda erudita com a arte adequada ao mundo dos mass media ~ passa a ser uma relagio regida por um “como se”, O poema concreto € produzido como se fosse um produto industrial; ao mesmo tempo deve ser lido como se fosse o herdeiro erudito da principal linha evolutiva da literatu- ra ocidental. Cabe ao leitor ~ a um leitor por suposto bem aparelhado cultu- ralmente ~ juntar os elementos indicativos dessas vinculagdes para compor “a provavel estrutura conteudistica relacionada com 0 contetido-estrutura do Poema concreto”. Assim concebido, o poema concreto é Proposto simultanea- mente como a “fisiognomia de nossa época” e como esperanca de futuro, na medida em que, incompreendido pelo grande puiblico, seria comunicativo a Posteriori, quando, absorvido, pudesse ser um antidoto ao atrofiamento da linguagem meramente comunicativa. A Poesia Concreta ocupa, dessa maneira, apés um primeiro momento de aposta na comunicagio, o lugar classico da vanguarda. Ja agora, por conta da orientagio do peito 4 constituicao, fungio e destinacgio do poema concreto, nasce a pri meira quebra do movimento: ao mesmo. tempo que, em 1958, Augusto de Campos, Haroldo de Campos ¢ Décio Pignatari sistematizam o projeto da Poesia Concreta no “Plano Piloto para a Poesia Concreta’” Reinaldo Jardim. € Ferreira Gullar se afastam do niicleo principal, por meio do k dissidéncia denominada Neoconcretismo, Brupo Noigandres no que diz res- langamento da «ue se erguia justamente contra a intransitividade da Poesia Concreta ea redugio do poemaa uma questio de técnica de linguagem O Neoconcretismo Mpouco teve long ar, em breve tentaria re duragdo e seu principal tedrico ¢ poeta, Ferreira Gul solver pelo pélo oposto o pro- pos. A Moeda Concreta da Fal’ texto 2, Aupatodet " pos et alii, Teoria da Poesia Co ‘Augusto Can publicada em ag. MPAA uae 19575 reprodtuzido em Digitalizado com CamScanner POS-TUDO: A POUSTA PRASILTIRA DEPOIS DE OKO CANRAL 265, blema do tempo: a insergao da poesia na vida quotidiana, a eliminagao da distancia entre o autor ¢ 0 leitor. Antes, porém, de tratar desse outro momento, com mais atengio a Poesia Conereta ¢, cujos manifestos foram comentados. vale a pena considerar em especial, a obra dos trés poetas Noigandres Desde logo, é preciso frisar que a expresso Poesia Concreta nao desig- na, no Brasil, um tipo de poesia, ¢ sim um dos vetores de forca mais relevan- tes da literatura brasileira (e talvez mesmo da cultura, como um todo, pois € bastante relevante o impacto do Concretismo nas artes plasticas e da Poesia Concreta na misica popular e mesmo na propaganda) ao longo da segunda metade do século XX. Na histéria desse movimento cultural, € possivel encontrar varios no- mes bem conhecidos. Em primeiro lugar, os irmaos Campos e Décio Pigna- tari, Em seguida, Ferreira Gullar, Ronaldo Azeredo e Wlademir Dias Pino, que também participaram da Exposigao Nacional de Arte Concreta. A esse nucleo principal se acrescentam ainda outros poetas, como José Lino Gri- newald e Pedro Xisto. E ainda, em algum momento, Mario Chamie e o vete- rano Cassiano Ricardo. Mas, se é verdade que todos esses nomes integram a historia da Poesia Concreta, também é verdade que é o grupo Noigandres original o que se mantém como 0 mais unido, ativo ¢ influente no debate nacional ao longo de quatro décadas, sendo a sua intensa atividade de producao de poesia, critica € traducdo rotulada usualmente de “concreta” ou “concretista”. Também é certo que ¢ em relacao ao grupo Noigandres que se vio defi- nir os demais autores, ao longo do tempo. Assim, enquanto Azeredo e Grii- newald, bem como Edgard Braga ¢ Pedro Xisto, se integram ao primeiro nucleo concretista, ou dele se aproximam muito, Gullar ¢ Dias Pino dele se afastam, liderando grupos e movimentos que se apresentam como recusa e alternativa 4 “ortodoxia” ou “dogmatismo” dos poetas paulista: Cretismo ¢ 0 Poema-Processo. 0 Neocon- Nesse sentido, a historia da Poesia Concreta ¢ principalmente a historia daquele grupo de poetas da revista Noigandres: a historia das suas produgdes, bem como das suas a € disputas com outros movimentos cultura Projetos de poesia de vanguarda no Brasil. As quest6es centrais da Poesia Concreta podem ser resumidas ¢ com- Digitalizado com CamScanner 266 ESTUDOS DE LITERATURA BRASILEIRA F PORTUGUESA supostos histéricos ¢ lite- dois pontos de vista: os pres isto é, 0 que denomi- preendidas a partir de oss antes da sua pratica poctica, rarios ¢ os produtos result namos “poema concreto”, Dos pressupostos ja se tratou _ Quanto ao “poema concreto’, de da forma possivel num trabalho desta na- turez: que se retinem varios exemplos na antologia, a primeira constatagio a fazer é que esse nome costuma designar objetos bastante diferentes entre si. Considerando apenas a obra ao Augusto de Campos, por exemplo, ¢ notavel que sejam qualificados de “concretos textos como "Greve “Ovonovelo’, “O Anti-ruido’, “Luxo’, “Pluvial” e “Ten- ¢ ha em comum entre eles? O fato de utilizarem poucas palavras os de palavras) e de elas virem dispostas espacialmente de modo a valorizar o tamanho e a forma dos caracteres tipograficos, bem como as semelhangas fonicas entre as palavras ou fragmentos de palavras. Mas isso é tudo, pois nem mesmo ¢ possivel dizer que todos abandonam a sintaxe da lingua natural e a substituem pela justaposi¢ao espacial; ou que a ordena¢ao espacial seja, a rigor, geométrica. Poesia Concreta nao é, portanto, 0 nome de um conjunto de procedi- mentos, mas de uma pratica poética e critica orientada por alguns principios e negagdes que é possivel reconhecer na variedade dos textos e que so reafir- mados por um discurso teérico-critico continuo, aguerrido e persuasivo. Na base da reflexio concretista parece estar a postulagao de que a forma privilegiada da realizagéo poética moderna é a forma impressa, isto é, de que a poesia dos novos tempos da modernidade industrial dos anos 1950 € 1960 é basicamente um objeto de forma grifica e de que 0 consumo da poe- sia inclui necessariamente a atividade visual. E esse postulado que embasa a reivindicagao central da Poesia Concreta: a de que a ordenacio espacial deve ter precedéncia sobre a ordenacao sintatica do poema. E ele que informa os principios concretos de racionalidade e economia de meios expressivos, bem como o de que a poesia deve comunicar basicamente a sua propria estrutura. £ também sobre ele que se apdiam as recusas enfiticas A sintaxe e A musica- lidade das cadéncias regu i gao do poema, bem como d sao”, O qu (ou pedag ares das uagens naturais como base da organi- metifora e do desenvolvimento discursivo, descritivo ou argumentativo. Face ao primado do visual, o verso, medido ou livre, jé ndo atenderia As necessidades da sensibilidade moderna, nao passa- ria de umn momento ja obsoleto na “evolugio critica de formas”, cujo produto, como se lé no “Plano-Piloto”, de 1958, 6a Poe , Do ponto de vista da produgao poétic Concreta. ae ap6s o primeiro momento de » Ambito da G : : ; mbito da Geragao de 45, 0 grupo da revista Noigandres produgio ainda Digitalizado com CamScanner POS-TUDO: A POFSIA BRASILFIRA DEPOIS DE JOAO CAMRAL 6; 267 passard por varias “fases” ou momentos programaticos. Entre a Exposicio Nacional ¢ os primeiros anos da década de 1960, tem-se 0 que se costuma denominar a “fase ortodoxa” do movimento. Essa “fase’, que se caracteriza, do ponto de vista tedrico, pela afirmagao polémica dos principios concretis- tas, caracteriza-se, do ponto de vista da produgao pottica, pela elaboracao de poemas regidos por uma clara estrutura geométrica, e pelo esforco de intransitividade do texto, que s6 remete a sua prépria forma ou principio de composigao. A partir de 1961, tem-se 0 que se costuma denominar a fase do “salto participante’, na qual os procedimentos de composi¢ao concretista passam a ser encarados como uma “forma revolucionaria’, capaz de expressar um “contetido revolucionario”. Ou seja, a “comunicagao de formas” deixa de ser 0 objetivo exclusivo, e as estruturas geométricas passam a nomear temas so- ciais: fome, greve, lucro, servidao etc. E 0 momento mais frouxo da Poesia Concreta, seja do ponto de vista tedrico, seja do ponto de vista poético. Nesse momento de intensa politizacao da vida brasileira, a reaparico do tema do divércio entre o leitor e o puiblico se faz de forma dramitica, justa- mente na fala de Décio Pignatari num congresso de critica literaria, quando se faz a proposta de alteragao de rumos: “A poesia concreta vai dar, s6 tem de dar, o pulo... Quando ~ e quem - nao se sabe. Nem se sera percebido, numa sociedade onde a poesia, sobre ser gratuita, ¢ clandestina...?”. Ao longo dos primeiros anos da Poesia Concreta, por conta das edicoes restritas, mas também por conta do impacto da teoriza¢ao, da critica e das atividades de tradugao, bem como de certo boicote critico que era muito sen- sivel ao longo dos anos de 1970, a poesia de Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari praticamente ficou em segundo plano*. Apenas na segunda metade da década de 1970 essa poesia foi reunida em volumes de grande circulacao passou a estar disponivel a ptiblico mais amplo”. A reuniao do percurso poético de cada um patenteia também o final do proje- to concretista, precipitada talvez pela faléncia tedrica do “salto participante’, 21, O texto da comunicagdo se encontra reproduzide em Décio Pignatari, Contracomunicasto, S30 Paulo, Perspectiva, 1971, pp. 107-108, 22, Sobre esse aspect, ver Paulo Franchetti, Af 1p. 19954 p. 17. Olivta reproduz atesed uns Aspectos da nas, Editora da Us em 19h. 25. Haroldo de Campos, Xadrez de Estrelas - Percurso Textual 1949-1974. 1976; Décio i, Poesia pois é Poesia 1950/1975, Sao Paulo, Duas de Campos, Vivavala (Poesia 1949-1979), Sdo Paulo, Duas Cidades, 1979. Digitalizado com CamScanner RAB PORTUGUESA 268 RSTUDOS DE LITERATURA BRAS! momento a partir do qual cada poeta reafirma as linhas de forga individuais, tornando dificil a referéncia a suas obras como Poesia Concreta. Haroldo de Campos desenvolve uma poesia caracterizada pela riqueza vocabular, pela grande carga imagética e pelo retorno a discursividade espa- cializada, A mancira de Un coup de dés; Décio Pignatari caminha na direcao oposta, propondo um novo tipo de objeto artistico, 0 “poema semidtico”, composto nao de palavras, mas de puras formas geométricas associadas a palavras ou a frases por meio de uma legenda (por ele denominada “chave léxica”); ja Augusto de Campos passa a constr “popcretos” — isto é, obje- tos visuais baseados nos processos de colagem da arte pop ~ € poemas que se estruturam sobre 0 desenho e a exploragio da tipologia. Posteriormente, Haroldo volta a escrever poemas em versos livres, publicando um dos mais notaveis volumes do tempo, Crisantempo (1998), em que é grande a carga memorialista, e por fim se dedica a composigao de um poema épico em ter- cinas de decassilabos rimados ou toantes (A Maquina do Mundo Repensada, 2000). Augusto, nos livros posteriores a reuniao de 1979, prossegue produ- zindo uma poesia na qual a visualidade tem um papel central, mas que jé nao recusa a frase cadenciada e mesmo a frase banal. A jun¢ao de uma forma discursiva com a experimentacao visual, que desenvolve, para cada poema, uma espécie de codificacao ad hoc produz como resultado um tratamento vi- sual que funciona, para usar a denominacio de Philadelpho Menezes, como uma “embalagem”. Nao obstante 0 que possa haver, dessa perspectiva, de puramente decorativo nessa poesia de maturidade, suas coletaneas posterio- res Despoesia (1994) ¢ Nao (2003), além de constitufrem um desenvolvimen- to coerente da producdo anterior do poeta, marcada pela busca constante de novas possibilidades técnicas, ainda radicalizam a proposigao de que @ vanguarda é um momento de negatividade forte (assinalada j4 no titulo dos volumes) e de recusa as necessidades do mercado’. idade, a erudigao ¢ 0 alto nivel técnico explicam a sua continua . De A versat presenca no centro das discussoes sobre a poesia brasileira do século 24, Por “poema-embalagent, o autor designava 0 texto em que “a signo verbal retoma a sua pote” Gialidade linguistica, articulado sintaticamente, ainda que nos moldes da sintaxe tradicional € semanticamente carregado, enquanto a visualidade fica reduzida a sua fungdo gedfica e cetint CF Philadelpho Menezes, Podtica e Visualidade: Uma Trajet6ria da Poesia Brasileira Contempors™ nea, Campinas, Editora da Unicamp, 1991, pp. 118 e segs. 25. A respeito, ver 0 ensain de Marcos Siscar, “A Crise do Livro owa Poesia como Antecipagao’ e Eduardo Sterzi (org,), Do Céu do Futuro: Cinco Ensaios sobre Augusto de Campos, S80 Paul Marco Pditora, 2 Digitalizado com CamScanner POS-TUDO: A POFSIA BRASILFIRA DEPOIS DF FOAO CADRAL. 269 fato, basta observar atentamente 0 percurso poético ea producgao tedrica, critica ¢ tradutéria por eles desenvolvida para constatar desde logo que é insustentavel a visio estereotipada que deles se tentou fixar como um grupo fechado rigidamente em torno de algumas regras de escola. Pelo contririo, 0 que é notavel é 0 grande esforco de atualizagéo e inovagio tedrica, bem como a disposicaio experimental, Isso fez do “Concretismo de Sao Paulo” uma espécie de pai devorador, que incorporou, redefiniu e levou adiante as proposicées ¢ experiéncias dos movimentos de vanguarda nascidos do seu préprio proselitismo. Nenhuma apresentagao da Poesia Concreta poderia deixar de sublinhar a importincia do pensamento critico dos Noigandres, bem como a da sua atividade como tradutores. Além da sua produgo poética, cumpre destacar trés outras frentes de agdo, por meio das quais os Noigandres produziram grande impacto na cultura brasileira. A primeira é a intensa atividade critica de Haroldo de Campos, que combateu com vigor a visada nacionalista ea he- gemonia da aproximagao sociolégica a literatura, especialmente a sua versio paulista, sedimentada na Universidade de Sao Paulo**, A segunda é a atuacao de Décio Pignatari no campo da teoria lingiiistica ¢ literaria, por meio do estudo e divulgacao principalmente das idéias de Charles Sanders Peirce no Brasil. A terceira é a atividade tradutéria dos trés Noigandres, que resultou na formagao de um repertério poético que orientou as geracdes subseqiien- tes e formou, por afinidade ou contraposi¢ao, o gosto ainda hoje dominante no Brasil”. 26, Alguns titulos fundamentais: A Arte no Horizonte do Provdvel ¢ Outros Ensaios, So Paulo, Pers- pectiva, 1969; A Operacdo do Texto, Sio Paulo, Perspectiva, 1976; Metalinguagem: Ensaios de Teoria e Critica Literdria, Sio Paulo, Cultrix, 1976 (4 edigfo, ampliada: Metalinguagem & Outras ‘Metas, S8o Paulo, Perspectiva, 1992); Morfologia do Macunaima, Sao Paulo, Perspectiva, 19733 ReVisao de Sousdndrade (com Augusto de Campos), Sio Paulo, Invengdo, 1965 (3* ed. ampliada: Sio Paulo, Perspectiva, 2002); O Seqilestro do Barroco na Formagdo da Literatura Brasileint: Caso Gregorio de Matos, Salvador, Pundagio Casa de Jorge Amado, 1989. 27. Listam-se, a seguir, os titulos mals importantes: Ezra Pound: Antologia Poética (1968) € Mallarmé (1974), por Haroldo de Campos, Augusto de Campos ¢ Décio Pignataris Panaroma do Finne- gans Wake (1962), Maiakévski: Poemas (1967), Poesia Russa Moderna (1968) ¢ Traduzir ¢ Trovar (1968), por AC € HC; Dante: Seis Cantos do Paraiso (1976), Qohélet~ o-que-sabe (Eclesiastes) (1990), Bere shith: A Cena de Origem (1993), Hagoromo de Zeami: O Charme Sutil (1994), Escrito sobre jade (1996), Pedra e Luz na Poesia de Dante (1998), llada de Homero, vol. « (2001), Iliada de Homero, vol. 2 (2002), Ungaretti: Daquela Estrela a Outra (2003), Eden: Um Triptico Biblico (2004), por HC; Mais Provencais: Raimbaut ¢ Arnaut (1982), Paud Valéry: A Serpente ¢ 0 Pensar (1984), Porta-retratos: Gertrude Stein (1990), Rimbaud Livre (1992), Rilke: Poesia-Coisa (1994) Hopkins: A Beleza Dificil (1997), Poem(a)s cummings (1999). por AC; Marina Tsvietdiena (2005), por DP. Digitalizado com CamScanner 27 TupOS DF LITERATURA BRASILEIRA F PORTUGUESA ASILEIRA F PORTUGU! ure STUDS DF Decorréncias da Poesia Concreta imeira di | concretista logo se cria uma pri idéncia, cen- trada na recusa ao “cientificismo” ¢ ao “positivismo” dos Noigandres, Na a opgao pela intransitividade e pela assungio do lugar ‘uizo da integracao do poema na vida quotidiana, que do do langamento do “Plano-piloto para a Poesia Do grupo inicial verdade, uma recusa vanguardista, com pre} se afirma em 1958, quan Concreta’. Lon . A reagio, cujos principais autores sio Ferreira Gullar e Reynaldo Jardim, tem, do ponto de vista da pratica postica e do debate de idéias, seu ponto de maior interesse na concep¢io do poema como “nao-objeto’, isto é, como ex- periéncia que inclui necessariamente a participacao construtiva do leitor, por meio da interagio fisica, da manipulacao dos seus materiais, etc. Embora va originar, a partir de 1959, uma significativa producao artisti- ca, 0 Neoconcretismo, em poesia, nao apresenta, a nao ser do ponto de vista de uma copiosa e pouco convincente argumentacio tedrica, real novidade em rela¢io ao que foi apresentado na Exposicao de 1956-1957 e a obra pos- terior do nticleo principal da Poesia Concreta. Na seqiiéncia, o Neoconcretismo se vai aproximar bastante da instalacao artistica, da arte conceitual. E é nisso que reside a sua originalidade, no que toca ao desenvolvimento das premissas concretas: na expansao do conceito de poema a um conjunto de atitudes e praticas nao-verbais. O melhor exem- plo dessa originalidade talvez seja 0 “Poema Enterrado”, de Ferreira Gullar. Essa obra de 1959 era um comodo subterraneo, de forma ctibica, no centro do qual havia um grande cubo vermelho; este envolvia, por sua vez, um cubo menor, de cor verde, que envolvia um terceiro, de cor branca, em cuja face inferior o leitor poderia descobrir a palavra “rejuvenesca’. A dissensio neoconcretista ergue uma bandeira que também é brandida pela Poesia Praxis, movimento poético surgido no comeco dos anos 1960. A Poesia Praxis, que se autodenominava “vanguarda nova’, pouco tem a ver com a primeira Poesia Concreta, tanto do ponto de vista dos pressu- postos, quanto dos procedimentos compositivos, Mas é, como 0 “salto par- ticipante’, uma tentativa de sintese ou compromisso entre as duas maiores tendéncias da poesia dos anos 1960: a “participagao social isto é, o formalismo programatico, Seu princip poeta de notivel coeréncia de processos, pois jd em poemas dos seus primeiros livros a “vanguarda’, 1 expoente, Mario Chamie, é e encontram as prin- cipais caracteristicas do movimento futuro, Um bom exemplo &“Olho no Es- Digitalizado com CamScanner P6S-TUDO: A POFSIA DRASILEIRA DEPOIS DE JORO CANRAL a pelho’, do volume Configuragées (1956). Ai ja se encontra 0 desenvolvimento paralelistico do poema, tao caracteristico da Poesia Praxis, que faz da estrofe a unidade principal, sem prescindir, necessariamente, do verso discursivo. Nos livros posteriores do autor, j4 na fase programatica, apenas se acentua 0 carater autodemonstrativo do poema, que explicita desde logo a sua propria dinamica formal. Na sua estrutura basica, 0 poema-praxis, tal como praticado por Cha- mie, consiste numa sentenga nominal justaposta a outra senten¢ga nominal, de modo a produzir um contraste e um choque - uma montagem, portanto. Os segmentos justapostos, por sua vez, se organizam de forma a valorizar 0 paralelismo sintatico e/ou a paronomasia. O custo, para o leitor, é 0 aumento da previsibilidade das combinacées e desenvolvimentos, pois é tal a sua rigidez e regularidade que a leitura pare- ce usualmente apenas a confirmagao do j4 anunciado. Também é constante e ostensivo o carater “participante” ou “social” da Poesia Praxis, que inces- santemente denuncia a desumanidade da vida moderna, do capitalismo, da exploragao do operariado e do campesinato, etc. Como boa parte da poesia “engajada” do tempo, também a Poesia Pra: xis testemunha, além do imperativo ético da dentincia da injustica social, a necessidade catartica da consciéncia burguesa ilustrada nos anos de chumbo do Brasil. Necessidade essa que freqiientemente se resolve num tipo de poe- sia que sobrevive mal a0 momento ¢ as razées da sua producio. Dos poetas ligados originalmente ao projeto Praxis, construiu obra pessoal Armando Freitas Filho. Embora nos primeiros livros permanecesse prisioneiro da paronomisia e da alitera¢ao - que constituiram a marca da filiacao ao campo das vanguardas - 0 poeta foi gradualmente caminhando de volta as dicgdes maiores de Carlos Drummond de Andrade, de Joao Ca- bral de Melo Neto ¢ Ferreira Gullar. Editor de Ana Cristina Cesar, Armando Freitas Filho ouviu também o chamado da poesia de notagio existencial e confessional que caracterizou uma tendéncia da poesia brasileira dos anos 1970 € 1980. O ponto alto de sua obra, no qual os varios vetores de forga se conjugam, ¢ Fio-terra (2000), livro estruturado de modo a potencializar 0 a: dissolver a energia bruta captada no movimento que é 0 geral da sua poesi registro do quotidiano na energia coletiva da tradigéo poética. Do ponto de vista técnico, o trago distintivo do pocta é a maestria com que maneja um ¢ surpresa da quebra sintatica e ritmica tipo de verso baseado no suspens © que parece, por isso, de corte arbilrério, Operando a suspensio brusca do discurso no final do texto ou no meio de um bloco de sentido, dando des- Digitalizado com CamScanner PSTUDOS DE LITRRATURA BRASILFIRA B PORTUGUESA taque A palavra rara, alterando subitamente o registro, ¢ empregando 0 ana- coluto ca clipse como principios de composigao, sua poesia de maturidade representa uma superagio seja da dicgao previsivel da Poesia Praxis, seja da di lacunar por auséncia de estrutura ¢ método, que caracterizou a quase totalidade da chamada “poesia marginal” dos anos de 1970 € 1980. Uma ultima decorréncia da vanguarda concretista € 0 Poema-Proces- s0, cujo vulto proeminente é Wlademir Dias Pino, um dos participantes da Exposigao de 1956. Langado em final de 1967, com a usual exposi¢do e os necessarios manifestos, 0 Poema-Processo caracteriza-se desde o inicio pela recusa radical 4 discursividade. Tao radical que chega a literalidade: no inicio de 1968 os criadores do Poema-Processo destroem publicamente livros de poetas “discursivos” seus contemporaneos nas escadarias do Teatro Nacio- nal, no Rio de Janeiro. Propondo-se combater tanto a discursividade quanto a poesia “tipogra- fica” concretista, 0 Poema-Processo visa, em ultima analise, a uma poesia sem palavras, ou, pelo menos, a uma poesia em que o signo verbal ocupe um lugar de importancia secundaria. Por isso mesmo estende de forma inaudita © sentido da palavra “poema’, a ponto de poder denominar “poema” a uma passeata ou outra performance coletiva, bem como um objeto grafico des- provido de letras ou palavras. Nesse sentido, 0 Poema-Processo representa a retomada e a exacerbacao do ideal integrativo do momento de formulagao do projeto concretista. “S6 0 consumo é légica. Consumo imediato como antinobreza’, lé-se num de seus documentos principais**. Visto de hoje, o Poema-Processo, do ponto de vista da produgao e da re- flexao sobre a cultura, parece, no que ele teve de significativo, apenas um eco exacerbado e espetacular ~ “o poema/processo é uma posigao radical dentro da poesia de vanguarda. E preciso espantar pela radicalidade’, dizia 0 seu documento matricial”” ~ das formulagées ¢ experiéncias mais conseqitentes ¢ radicais levada a cabo, pouco antes ou simultaneamente, pelos poetas con- ismo de Ferreira Gullar. cretos do grupo Noigandres ¢ pelo neoconcret O Outro Lado da Geragao de 45 ja recorrente a 10 Embora a deniincia da incomunicabilidade da poesia s partir da conferéncia de Joo Cabral ¢ produza como corolario a afirm: texto de 1967. Reproduzido em Heloisa Huarque de Hollanda,. Impressdes de Vit Vanguarda e Desbunde: 1960-1970, S80 Paulo, Brasiliense, 1980. ojeto’, texto de 1968, Repraduzido em Impressdes de Viagem, op. eit. 2h, “Proposig gem OP 2y, “Processo ~ Leitura d Digitalizado com CamScanner

You might also like