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Revolta e refrao Os repérteres estavam mais interessados no que aconteceu com as Jovers brancas, Ruth Carter, Stella Kramer ¢ Maizie Rice foram os homes que apareceram nos jornais.' Ruth foi a primeira arelatar para ‘a Comissio Penitencliria Estadual as coisas terriveis que fizeram ‘com clas em Bedford Hills: eram algemadas nas celas de Rebecea Hall, ‘eram espancadas com mangueiras de borracha ¢ algemacias em seus ‘catres, eram penduradas nas portas de suas eelas com os pés quase sem tocar o eho, recebiam o “tratamento da agua fria” com 0 rosto, imerso a ponto de mal conseguirem respirar, eram isoladas por se- manas ¢ meses, confinadas as celas do Prédio Disciplinar.? As gros- sas portas duplas de madeira bloqueavam toda a luz, ¢ a falta de ar ‘tornava insuportaveis 0 cheiro smido da cdmara escura, 0 fedor de seus exerementos € dos corpos malehieirosos ¢ sujos. O mau cheiro, a privagio sensorial eo isolamento tinham o proposito de arruiné-Ias, ‘ordenar a desordem, arrancar a obediéneia da anarquia. ‘Lé havia 265 detentas® e 21 bebés. A idade das jovens variava dos catorze aos trinta anos, a maioria garotas da cidade exiladas no campo para passarem por uma reforma moral. Blas vinham de cortigos abar- rotados no Lower Fast Side, de Chinatown, do Tenderloin, do Har- Jem, ede tudo aquilo que esses distritos implicavam. Oitenta por cento das jovens em Bedford ja havia sido sujeitada a alguma forma de puni- «g20—confinadas em seu quarto por uma semana, nas celas de Rebeces Hall’ ou no Prédio Disciplinar. Mesmo a Comissio Penitencidria Esta- jrafla, apenas uma austera parede branca atris dela. Bla otha para a frente sem expressio, com um olhar severo, retendo tudo sem possuir hada, Sua vida e seu trabalho agora pertencem ao reformatério. Seu antes” foi destruido quando a sra. Engle a conduziu pela entrada € u escoltou até a recepgio. Mesmo um século depois, a0 repassar os ‘nateriais reunidos nos autos ler atentamente suas cartas, sou proi- “ida de dizer o nome dela, menos para protegé-Ia e mais para garan- tir seu desaparecimento. O Estado nunea a libertou, mas reivindica ‘ecernamente essa patte da vida dela como propriedade. A fotografia, eujo objetivo € classificar, medir, identificar e diferenciar, nio ofere- ‘ve nenhuma pista da rebelido nem de seu papel nela, mas sou ineapaz de olhar para seu rosto sem antecipé-la, sem apurar 0s ouvidos para, ouvir sua musica, Quando perguntaram a uma supervisora se pendurar as jovens algemé-las, prendé-las aos catres € espanci-las com manguelras cram praticas abusivas, cla respondeu: “Se voce nao domé-las, se nao governd-las com mio de ferro, nao dé pra viver com aquela gente’ ‘Quando the perguntaram por que els deixou de meneionar tals puni- g0es, a superintendente do reformatério, srta. Helen Cobb, respon- deuque naohavia discutido sobre tais praticas por considers-ias “tra- tamento, no puni¢io"? [As menores infragdes incitavam a brutalldade: uma reckamayao sobre 0 jantar, uma caixa de artigos de papelaria encontrada embaixo ‘de um colcho, ou um bilhete passado para uma amiga de outro alo- jamento eram transgressdes passivels de punigio como uma semana de isolamento dentro do quarto ou de confinamento em Rebecca Hall ou ser despida amarrada a porta de uma cela no Prédio Diseiplinar. As jovens negras sofriam punigdes mais severas € em maior quantida- de. Esther e as amigas eram disciplinadas por falar alto demais e por dangarem o Black bottom e o shimmy, dangas que as supervisoras bran- ‘eas consideravam obscenas; eram punidas quando reclamavam por terem sido ineumbidas do trabalho na cozinha ou na lavanderia ou se questionavam por que tinham de cumprir as tarefas mais pesadas do reformatorio; eram punidas quando protestavam, dizendo que nao era justo que fossem impedidas de frequentar as poucas aulas que havia ou dual foi forgada a reconhecer que essas cram punigdes cruéis além aot ‘O lugar era um reformatorio: apenas no nome, e nao havia: she lr ipaeder se teciaecgliee u oO. ‘objetivo ‘era. a morte civil: amortificagao do eu,’ tudo o que Jovem tinha sido ou poderia ser se anulava ao passar pelos pot Os mimeros designados substituiam scu nome, possuiam seu ¢ indicavam a dominagao do Estado. Na fotografia de identifi encontrada nos autos, os numeros aparecem presos em um mi a Se comum, transformando uma vida. singular em um perfil estatistico, prendendo-a uma: segunda vez. 7 COlinieeios kesabeatae Lec oo det da familia ¢ dos amigos, sequestrada do mundo, mance do Estado ¢ vulnerivel a violéncia, gratuita. Seus gostos e desgost ie suas habilidades¢talentos no mais Importareseepors oko a ‘agregado estatistico, membro de u . le uma categoria social abstrata; ‘uma detenta, uma prision: oe . Nao ha nenhum objeto de cena na foto 200 201 ‘cursos de seeretarindo; eram punidas quando se mostravam muito ‘gaveis com as garotas braneas.”” Bram punidas se, no dia de visita, irmis, mies ou maridos respondessem as supervisoras que ouvit suas conversas ¢ interrompiam sempre que desejassem, censurando: suntos que considerassem inapropriaéos, sem nunca permitira clas momento de privacidade."” Em Bedford, era esperado que uma. de cor trabalhasse como uma servicale fosse tratada como inferior? A maioria das mulheres negras era rotulada como “dotadas ‘mente fraea’" Poueo importava se eram inteligentes, leitoras ‘ou compositoras, Ryan Lane, uma poeta viciada em épio, eserev ‘uma pega em versos em um ato, In the Woods [Na florestal, ¢ comp letras profundas e melanedlicas. Nada disso importava, somente resultados da bateria de exames de inteligéncia aos quais ela foi ‘metida, Ela foi diagnosticada como um caso limitrofe de deficiéneia ‘mental, com idade mental de onze anos. O teste Binet-Simon for cia “provas cientificas” de inferioridade e as colocava além da possi- bilidade de eivilizagao; além disso, aquelas de mente fraca corriam 9 risco de ser confinadas & custédia dos hospitais piblicos pelo resto da vida,'* sem nunca poder voltar para easa. _ Raramente as mulheres negras recebiam liberdade condieional, ‘ainda que o marido trabalhasse ou que seus filhos as aguardassemem_ ‘casa, ou que tivessem mie ou tia que morassem em um lugar decente © pudessem acolhé-Ias. O Estado nio considerava nenhum lar negro realmente adequado. Uma “garota Bedford” s6 servia para fazer ser~ vigos domésticos, ¢ a demanda por esse tipo de trabalho era gran- de." Katherine Davis, a primeira superintendente do reformatério, admitiu isso: Quando se colocava uma mulher Ié em um reformatério}s6 ha um caminho aberto pars ela, o servigo doméstico. As condigdes econdmicas atuals ‘sio tais que nem podemos atender’& demanda pelo servigo. Geralmente, tenhollistas de espera para cozinelras, ovens empregadas edomestlcas de todo tipo. A demanda ¢ tio grande, particularmente para o servigo. eral, que uma senhora me disse: “Nao me importa que tenha cometido todos os crimes do deedlogo, desde que ela saiba lavar uma louga’ Esse nfo era 0 caso em qualquer outra transagio ou emprego. Cumprir pena em Bedford transformava a “interna” em uma patria so- cial sem nenhuma instrugo. : Depois de dois ou trés anos confinadas em alojamentos segrega~ los, as mulheres negras eram enviadas para as casas de familias braneas no norte do estado de Nova York, onde eram forgadas a tra~ balhar como empregadas domésticas ¢ a residir no emprego. Estar em condicional significava ser barrada na cidade, separada da familia dos amigos e forcada a realizar o penoso trabalho que transforma- va‘o senhor e a senhora da casa em inspetores estatais, burocratas ¢ supervisores do espago doméstico. O trabalho de casa era segunda sentenga que as aguardava depois do curaprimento da primeira. Aos olhos das domésticas conscritas, o lar de familia branea era uma ex- tensao da prisito. ‘Apés 2a meses e trés semanas no reformatério, Eva receben liber- dade condicionsl,” mas nao foi autorizada a voltar para casa. Aaron estava alugando um quarto na casa de alguém, o que nio definia um lar apropriado na opinigo da srta. Cobb, a superintendente, embora ‘quase metade das pessoas no Harlem vivesse dessa forma."* Entio Eva foi impedida de se juntar a0 marido; a certido de casamento com 0 carimbo oficial ea assinatura do escrivio nao fizeram nenhu- ma diferenga. As exigéncias da condicional a forgaram a trabalhar como doméstica ea morar na casa de uma familia braneano norte do estado de Nova York. Sr. esra. Outhouse —literalmente “fora de cast’, o sobrenome de~ Jes fornecia uma alegoria cruel da condigio de Eva. O casal era dono de uma pensio, e além de tomar conta deles ¢ de seus dois filhos, Eva também tinha de cozinhar e limpar para oito hdspedes. A sra. ‘Outhouse fazia Eva trabalhar até a exaustio; ela trabalhava desde a hora em que acordava até cair na cama — os deveres s6 terminavam quando seu corpo atingia os leng6is. Entéo havia os héspedes e suas demandas, suas propostas — uma fod por cinquenta centavos ou ‘um oral por 75. E as maos que ela tinha que evitar, “Homens que nao ‘abordariam uma jovem empregada respeitivel”, reconheceu Katherine Davis, “acham que as garotas [de Bedford] sio um alvo facil porque estiveram em uma instituigio e presumivelmente cometeram ‘ime", Nio surpteendia que muitas das jovens de Bedford du sem das recompensas que ganhariam ao andar pelo caminho “Pra qué?", se queixavam. “Acha que eu sou boba de querer ser ef gada ¢ trabalhar duro pra ganhar quatro ou cinco délares por! quando estou acostumada a gastar mais dinheiro em uma semi que se pode ganhar num més?"” Eva escreveu paraa srta. Cobb implorando para ser mand: ‘outro lugar, mas, apés meses sem resposta, ela decidiu deixar house. Empacotou suas roupas de sair, dois vestidos de dois conjuntos de roupas de baixo, calgou seu tnico par de sapal foi cmbora.® Isso violava sua condicional. Agora ela estava ef — fugitiva da justiga e doméstica fora da lei. O investigador a trou alguns meses depois. Ser novamente confinada em Bedford agravou a injustiga risio inicial ¢ estendeu 0 tempo roubado. Como aquilo pod acontecido com ela? Como qualquer outra mulher encare tinha jurado que, uma vez que tivesse saido de Bedford, voltaria para li. Bra dificil eseapar 20 Estado quando a confinamento cram os papéls para os quais voce tinha sido’ Permanecer em liberdade tinha se provado quase impossi nunca conseguiu se adequar ao reformatério, que supostamt veria ser chamado assim, mas, na verdade, era uma prisito. zentos acres de terra cultivivel eum lago podiam mascarar tal bbeleza dé Hudson Valley nao diminufa a violéneia do eonfin © sistema de alojamentos” havia sido planejado para pro ‘um “ambiente doméstico agradavel’, algo de que as jovens: ‘um “desperdicio econdmico ¢ humano” — careciam. Os alo ‘no tinham grades, mas ninguém se esquecia de que eram et supervisora trancave voc¢ a noite e soltava pela manha, ¢ sim voce supostamente tinha de enxergé-la como uma figura m que guiaria vocé pelo eaminho certo. As mulheres braneas mallp ‘empregadas para conduzir e instruir, variavam desde incom cruéis, Ninguém no alojamento Lowell Cottage confundia 0| com uma casa. Tecnicamente, 05 tnicos prédios de detengio. tie Rebecea Hall, que contavam com eelas tradicionais de dois metros or trés, grades de ferro, colchdes no chao e uma dieta de pao e agua, #0 Prédio Disciplinar, com suas dez solitirias* “desprovidas de qual- {Wier mobilia, sem janelas, onde a luz entrava por um vidro no telha- ilo” e portas duplas —a porta externa de madeira macica deixava.olu- {ut escuro como um caixao, embora houvesse mais ar emum timulo. Prédio Diseiplinar era uma masmorra medieval, uma tumba para Vivos, um laboratério de automortificagtio. Ainda que Eva tivesse se resignado & erueldade € & privagato, cor- indo orisco de se tornar complacente, uma carta irada de Aaron rea- mou sua raiva, Seu eativeiro prendera os dois, suspendeu a vida de bos, ¢ destruiua visto de tudo aquilo que acreditavam ser possivel. O glamour ea beleza angular e contundente do Harlem viravam a.ca- ga cleles, faziam 0 coragdo acelerar e os catapultavam paraa afluén- da vida na rua. Juntos, eram livres e viviam uma vida boa. Naoim- ortava que estivessem & margem; estavam bem perto de se comparar im gente bem-apessoada — eclebridades, politicos, donos de clubes, ipingsteres. O senso de possibilidade era alimentado pela visio dos ros lutadores, que andavam pelas rvas, dangavam nos eabarés, Jam discursos sobre a revolugio e sobre 0 novo dia nas esquinas, |stiam aos desfiles e contemplavam os carros elegantes deslizando a Seventh Avenue: tudo isso fazia do Harlem uma meca, no um 0, € como residentes da capital negra, eles se encontravam entre afortunados. Tudo isso adogou ainda mais 0 romance deles ¢ os nvenccu a contratar um pastor ¢ ir atéa prefeitura conseguir uma, rida. © amor era sua ancora — no a escritura de uma casa, nao uma opricdade herdada des pais, ndo uma hipoteca ou as parcelas de carro, nem cinco acres desconexos na Virginia ou na Carolina do rte ‘Maso amor nao tinha valor aos olhos da lei. © amor nao importava, ‘a superintendente do reformatério nem para o conselho da con- onal. Nao importava que fossem felizes, embora nao vivessem me- Jor que a média das pessoas do Harlem, lutando para seguir adiante. ‘Ny cartas de Aaron eram livros dos sonhos de uma outra vida, outro animadas por reclamagées de trés séculos atrés, acordos de aboll promessas de uma boa vida. Ele incluia eartoes de visitas de se uais seguia se orgulhando —escrivao, agente de empregos, prod corretor de iméveis ¢ boxeador. Em suas cartas, compartilhava ph Para o futuro; Aaron nao tinha medo de sonhar, ainda confiante de} poderiam construir uma boa vida. Assim que Eva fosse solta, lé tendia se mudar com ela para uma boa casa em Washington D.Gy la viveria uma vida respeitavel entre algumas das pessoas de cor sofisticadas do mundo. Eva rin a0 pensar nisso — ela em comp das pessoas de cor mais sofistieadas do mundo. Em outra carta, el sultou a superintendente pelo desprezo que ela demonstrava pok esposa, ¢ udvertiu a srta. Cobb para que ela se euidasse, pois ele nid lum prisioneiro, mas um homem livre com acesso a advogados, fl nérios publicos e a figuras importantes do Harlem. ‘Aaron ¢ Bva queriam coisas boas, como todo mundo, mas, como § jsloria das pessoas negras, eles niio adoravam a propriedade, nio ‘soredicavam nela como um principio semelhante & liberdade, ao amor [Wy Jesus, nem a idolatravam ou veneravam como os brancos faziam. 1) que Aaron ¢ Eva estimavam era a autonomia, o que buscavam cra ‘Wn escape da servidao. Possuir coisas, terras e pessoas nunca assegu- io jugar deles no mundo. Bles nao precisavam ter outros embaixo sola do sapato para firmar seu valor. Para os braneos —coloniza- jos ¢ senhores e donos e patroes —, a propricdade ¢ a posse eram principios da f€. Serbranco significava possuir a terra para sempre. jiio definia o que eles eram e o que valorizavam; e moldava sua visio uro. Mas as pessoas negras haviam sido possuldas e, enguanto wo de propriedade, se desencantaram de forma radical com a ideia We propriedade.» Se o passado deles Ihes ensinou algo foi que a tenta- ivi de possuir a vida destruia a vida, violentava a terrae passava por Jima de toda a criagio de Deus por um délar. Como itens de carga, Is pessoas negras experimentaram em primeira mao a felura ea vio- Incla do mundo visto através do livro-razio e de contabilidade. Blas iustentaram a vida damercadoria, [las foram disseminadas e colhidas como qualquer outra safra, "Watadas de um jeico em nada diferente das ferramentase dos animais [Possuidos pelo senhor. Sabiam que uma corporagio nao era uma pe Hoa, que nio era feita de carne e asso, € que um pedaco de papel nio Misegurava nada que um homem branco fosse obrigado a respeitar; sibiam que os saldrios de fome nao significavam liberdade, que eram ‘putro tipo de escravidao. As coisas que elas mais valorizavam nao ti- inham preco. No fluxo constante de cartas que Aaron esereveu para a diretora da pristo, ele sustentou a injustiga do confinamento de Eva, debateu ‘questdes legais, desafiou a desvalorizagdo da vida deles por assis- Aontes sociais e oficiais de condicional, expressou o arrependimento ile Eva, ameagou levar a superintendente para o tribunal por reter fas cartas, denunciou os oficiais da prisio por manté-los separa- dos, questionou a decéncia e a autoridade da srta. Cobb depois que ‘la perturbou Eva ao dizer que mesmo que sua mie estivesse no leito ALA. Peer 20 Ones pimeng | ehh ool eee ond unatloany chantoher Cha rslercnettin§ ca Hee de morte, ela nao seria liberada para vé-la. Enquanto vivesse, jurou, isso nunca aconteceria. Em uma carta, ele perguntou se ‘estava sendo usada para propdsitos imorais. Ble havia acabado. tum livro que contava que coisas do tipo aconteciam na prisio, € ccisava ter alguma garantia de que sua esposa nao era uma vit tais abusos. Todas as cartas insistiam que ele era apenas um ‘como os outros, c como tal deveria ter permissio de prover para esposa, ¢ apesar daquilo que 0s carcereiros acreditavam, Eva nao ‘uma vagabunda nem uma puta. Que direito o Estado tinha de ferir em suas vidas? Que autoridade tinham os assistentes s burocratas para deeretar que a vida que ele ¢ Eva haviam eriado. cra boa o suficiente para que Eva pudesse ser libertada e voltar ‘gna, como se fosse Sozinha no mundo, sem lar, sem mae, sem marido, lomo se a vida deles nao fosse nada? Tudo isso os destruiu. im suas cartas para va, Aaron prometia que ia encontrar um Ii- {jur s6 deles em vez de quartos alugados na casa dos outros. Masisso ‘orn quase impossivel com trinta délares por més. A média de aluguéis jo Harlem era de vinte ou vinte ¢ cinco délares por més por dois ou {ns pequenos eomodos com um banhefro no corredor. Se pudesse ga- har mais, cinquenta ou sessenta délares por més, entio conseguiria ur um jeito. Quando lutava boxe ele conseguia, mas nao podia con- ar com isso. [A verdade era que ele $6 conseguia cuidar de Eva se ela estivesse livre e trabalhando também. Suas cartas ostentavam uma confianga jo futuro, mas cada assertiva ressonante daquilo que seria ou pode- ria ser masearava a duivida & espreita em cada linha: Como viveriam? ‘Algum dia seriam capazes de fazer algo melhor que lutar para sobre viver? Ou viver a boa vida que nunca pararam de imaginar para si ‘mesmos? Lendo as cartas de Aaron, Eva nao sabia se ria ou choravs \Vouconseguira casa enso vou presisardajuda deninguém. Vai ser minha casa, no meunome, meus méveis, tudo novinho em fotha: uma cama de latdo, um tapete, uma sala de estar completa, uma mesa de cozinha com quatro cadeiras, um armério, quatro quadros grandes na sala. Vai ser um lar para voeé. B vou fazer isso porque & meu dever como homem.* Que tipo de homem no podia dar uma casa para a mulher que ama- ‘va? Que tipo de mulher podia ser tratada como uma mula ou uma servigal, reduzida As maos © & bunds, trabalhar como um homem € ser tratada como uma eserava? Nao havia nenhuma diivida ou ques- tio sobre ele e seu lugar no mundo que nio repercutissenela nem Ihe custasse igualmente caro. Talvez se pudessem encontrar seu caminho para lém dessa linguagem de homem e de mulher, essa gramitica do humano que considerava ambos como monstros ¢ desviantes, € se libertar de um esquema que nunea foi criado por eles, mas imposto ‘com indiferenga ¢ crueldade, entio talvez eles pudessem encontrar um caminho para outro tipo de amor ¢ amparo, capaz de resistir as 0 0 era necessiio para ndoferr um ao outro e para se agaera algo \ fragil quanto o amor no mundo do homem branco? O barracio, porko do navio © a plantation haviam mudado tudo irremediavel- yenite, e 0 gueto exacerbaria a diferenga entre a itima delese a os brancos, evidenciando que promessas € contratos nao poderiam er aicies neon chiangan: Kiva e Aaron foram corajosos em ousar arriscar o amor. Por que nar se agarrarum ao outro quando « le poderia capturar voet por ro capricho? Para que se importar? O fracasso em viver como os ancos era apenas algo injurioso? Ou haveria também um dom que widia no “desvio do adequado"? Certamente, a crioula ocupava um ipo de existéncia® diferente daquele prdprio da senhora ou da dona ju casa, o proprio termo assinalava ums ruptura ou fissura na vida ju espécie, uma variantedo humano, um antagonismo ou dimorfismo ‘mais fundamental que homem e¢ mulher. Ainda assim, haveria algu- $a oportunidade na infidelidade ao que tinha de ser? Na recusa em ‘emular ¢ imitar os padrdes de quem ou do que voce foi direcionada ou ‘prdenada a ser (mas nunca seria)? Era dificil colocar essa nogao vis- ‘eeral e persistente de existir de outra forma, em desacordo com 0 que dado, em palavras. Eles nao tinham passado os tiltimos séculos a se perguntar: Zu sou de carne e osso? Eu ndo sou um bomem e um irmao? fh nda sou uma mtr? Tals perguntaseapclos foram impostor, afr magoes desesperadas que a circunstancia ¢ a necessidade os forga- ram a dizer ¢ habitar. A humilhagao de ter que provar ¢ afirmar uma. © outra vez, eles sdo de carne ¢ asso. Com que fim? Que oportunidade poderia ser encontrada em nunca mais pronunciar essas perguntas? reetee fi i Que possibilidade havia de viver uma existéneia totalmente diferen- Fc eaniaclmuieaninedeh meres te? Taisnog6es loucas se provaram quase impossiveis de articular ou reo que OU Gt de abragar de maneira consciente e sem reservas, ainda que cles so- = Hern eet fe) nogOes responsdveis pela prisdo de Eva e por ti fressema verdade delas, ainda que pagassem scu prego, las as ddvidas incomodas que ti ol i : : Bale ee ‘inham sobre a vaidade desse Eva e Aaron estavam casados fazia menos de um ano quando ela See ens Que cla podia eontiar nele? Que foi presa. Quando se mudou do apartamento deles @ procura de um Be ee ee eee lugar menor e mais barato, ele guardou o armério dela num deposito se aninas ie no fers um ao outro como su nica linha de porque nunca pretendeu que outra mulher usasse suas roupas. Aaron sar 08 papéis impostos pelo mundo? E seri q ‘empacotou cada item com todo 0 cuidado, inclusive as melhores rou- pas dela: trés vestidos de baile, um casaco de noite eduas som uardando as pecas num bati de cedro para manté-las em sey ‘até que sua esposa fosse libertada. Ele prometeu ser sincer, Jurou pars Eva e para a srta. Cobb. Eva amava Aaron, mas também o culpava: “Se omeu se a cabega ¢ conseguisse uma casa, eu nio estaria passando, isso” Ela estaria livre e em sua prépria casa. Em outras veze) se sentia sortuda simplesmente por Aaron amé-la. Ele era um clegante, bonito e um sonhador resoluto, um idealista inabald trés anos, Aaron nunea deixou de tentar liberté-la, e na maior do tempo ele conseguiu convence-la de que encontraria um je eserevia sempre. Suas cartas eram sinceras, apaixonadas,2#¢ viam milhares de outras vidas que poderiam criar se desej letra era trabalhada e quase perfeita, como se eada carta tivesse ensada para ser um documento publico. © tom das cartas era, fiador, ¢ por tudo isso clas foram confiseadas, dadas como! retidas ¢ destruidus pelas autoridades penitenciérias. Eva es Para ele, perclida de amor e se sentindo culpada, reconhecendo quando Aaron disse “Eu accito’, elenio contava com tudo acuilo, brincou, dizendo que o blues e a tristeza haviam se tornado a nhia constante de Aaron; “Aposto que meu marido esta cantando vvezes voc? encontra uma boa pessoa, as veces nio.* E eu ri beijos para voeé, meu querido”” Atitude diante da citwagao: Mostra se bastante contrariada come com Bedford. Dis que sua prisdo€é arranjada.e que é um ultraje mandar' Jovem inocente pana a prisdo ‘Nota socioldgica: Sinto que provavelmente ela se prostituia, embora ‘tenbamos nenbum atestado concrero,® 1 Em inglés no originak Somesime you get « good one and sometimes you don'. Letra “Sometimes You Gt AGcod Ore Ard Sometines You Don. (as@heorcee Harry Von Tilzen. ceed i Joretta Michie foi tiniea jovem de cor eitada no artigo de jornal. As sutoridades penitenciicias se ressentiram com a mera nomeagio das lotencas, Diante dos abusos, issoalimentou a histeria publica econcedeu {yin rosto euma historia para todas aquelas atrocidades. Loretta e virias ‘tras mutheresnegras testemunharam diante da ComissioPenitenctéria, Hsiadual sobre forma como asrta. Cobb srta. Minogue as tratavam, ‘Thlvezos eabelos eacheados, os olhos eastanho-escuros ¢ 0 rosto bonito {lu jovem de dezesseis anos tenham chamado a atencio dos reporteres, {endo com que se lembrassem de seu nome. Talvez tenha sido relato gnifico da violencia 0 que tornou suas palavras mais dignas de nota que ws outras. Sersi que ela descreveu mais vividamente a solidao absoluta {a masmorra? Como se sentiu so ser apartada do mundo eexpulsamais uma vez, presa na escuridio, como o ato de gritar para as outras ¢ ouvir 8 voz delas foi sua tibua de salvagiio; ou como seu coragao acclcrava gom medo de se afogar, ainda que soubesse que era apenas um balde gua, mas podia muito bem ser o Atkintico. A batalha para respirar {foi travada novamente. Quanto tempo se pode viver embaixo d'igua? O mundo escurece e, a0 abrir os olhos, voce estd encalhada no chao escuroda solitaria. Sera que o corpo pendurado na portada cela vizinha cera seu também? Ou seré que a sensagao da dor que irradia dos bragos erguidosaté asesedpulas ea corta por dentro como se suacarne tivesse sido transformada em um instrumento do carcereiro podia ser scntida por todas as outras confinadas nas dez celas do Prédio Disciplinar, ¢ a sensagio de que essas celas estavam conectadas atodas as outras que ja, cexistiram ea consciéneia de estar presa e naufragada podia fazer uma, ‘menina de eatorze anos acreditar que era velha? (Os jornais ofereceram uma descrigio simplificada: Loretta tes- temunhou que tinha sido “algemada as grades de sua cela, com os deddes do pé tocando 0 chio, por tanto tempo que ela eaiu quando foi solta’.* As jovens de cor, ela observou, reecbiam um tratamento pior ¢ eram encarregadas das tarefus mais pesadas ¢ desagradiveis| na cozinha, na lavanderia ¢ naunidade psiquitrica. Outras mulheres relataram que foram despidas ¢ amarradas nuas aos seus catres; elas ram alimentadas com pao e égua por uma semana; amarradas e pen- duradas em suas celas, € Ihes era negado mesmo o pequeno alivio de poder tocar os dedos dos pés no chao, Sua boca era amordagada coi ‘trapos imundos ou lavada com agua e sabito. Eva poderia tercontado aos repérteres sobre Rebecca Halles ‘ hdbito de Peter Quinn de dar tapas e chutes nas garotas se tives sido chamada a testemunhar, se nio fosse uma fugitiva (proct pela violagdo da condicfonal). Mus Peter Quinn nao precisou de ni guém para testemuunhar contra ele, Foi um dos poucos guardas confessou algumas das coisas terriveis que fez, principalmente pi ‘manchar aimagem da srta. Cobb. Peter admitiu queajudou a amat ‘as garotas umas cem vezes." Foi ele quem “ensinou a srta. Minogue) ‘algemar uma garota As grades da cela com as maos pare tris’, e ele bia que “naquela época, os pés sempre ficavam inteirosno cho! ‘adiregdo ca srta. Minogue, a pratica “subiu de nivel” e elas pas ‘sor suspensas um pouco mais alto. Em dezembro de 1919, as mulheres em Lowell Cottage fizel ‘suas vozes ser ouvidas mesmo que ninguém quisesseescutar:5L Gibbons, Sanford, Flower e Harriman eram os alojamentos reset dos para as jovens de cor. Depois que os escdindalos sobre relagde sexuais inter-raciais e amor lésbico vieram & tona em 1914, a seg, ‘¢a0 foi imposta e os alojamentos, separados por raga, idade, stati vicios ¢ eapacidades. Uma disposigio especial das Leis de Carid: ermitia ao Bstado praticar a segregagao ractal enquanto o protet das reivindieagdes legais de que tais praticas eram inconstitucionall violavam as leis dos direitos civis de Nova York. As autoridades es- tatais justificavam a segregagio com base em uma antipatia racial natural, quando na verdade era a intimidade inter-racial —o amore azmizade—o queeles esperavam eliminar. (0 New York Times descreveu o levante e a resisténcia do Lowell Cottage como uma revolta sOnica, um “protesto sonoro’, « “algazar: rade um coro infemal”.* Coletivamente, as detentas se cansaram da violencia gratuita ¢ de serem punidas por ninharias, entao buscaram uma resposta no barulho ¢ na destruigio. Elas arremessaram cok. chdes, quebraram janelas, atearam fogo. Quase todas no alojamento gritaram ¢ berraram para quem quisesse ouvir. Bsmurraram as pas redes, encontrando um ritmo compartilhado e firme que, elas espe ravam, pudesse derrubar o alojamento, desmoronar as paredes, es magar os catres, destruir o reformatério, de forma que o lugar nunea mais pudesse manter outra “garota inocente no efrcere”” O “coro la mentoso e estridente” protestou contra as condi¢des da prisio. insis- tiu que elas ndo tinham feito nada que justificasse seu confinamento; recusavam-se a ser tratadas como se néo fossem humanas." O New York Tribune relatou: “O barulho era ensurdecedor |...] Quase todas ag janclas do alojamento estavam abarrotadas de mulheres negras aos, gritos, raivosas e rindo histericamente’. “A algazarra tumultuosa™ que emanava do alojamento golpeava as orelhas dos investigadores antes que eles pudessem avistar 0 prédio.” Cangdes ¢ gritos eram os instrumentos de luta. Termos como “protesto sonoro”e “surto vocal” desereveram a paisagem auditiva da rebelidio ¢ da recusa. 208 O coro falou a uma s6 voz." Todas gritavam e berravam ai om tratada demais,-eada punigao cruel era mereeida, ¢ 2 violencia tiga de terem sido sentenciadas a ir para Bedford e de ser vitimi ‘ra a nica forma de comunieagio com as detentas, especialmente as ‘armagoes, a injustica dos trés anos de vida roubados. Elas niio Jjovens decor. A srta. Dawley." socidloga, as entrevistava, Perguns nada nem ninguém? Ser que poderiam ser capturadas e descart tava se gostavam da escola ou se preferiam trabalhar, com quem tive- € ninguém no mundo daria a minima? Eva se preocupava com om sua primeira relagdo amorosa, como se sentiam com relag#o aos ‘mais nova, Viola, que fora mandada para Bedford um ano depois ‘puis, se gostavam de frequentar bailes ou 0 teatro, se fumavam, bebiam Serd que estava em seguranga? Seri que seu alojamento estava em ‘ou haviam experimentado drogas; com diligéncia a srta. Dawley escre- belido? Harriman, Gibbons, Sanford e Flower também estarian \in tudo o que diziam, mas sua reeomendagio era sempre a mesma: a ede guerra? pristo ¢ 0 nico ugar para ela Um més depois que a srta. Minogue a estrangulou, bateu na ¢ Mickey se rebelou sem ter eiéneia das eoisas horriveis que os fun- ga dela com um molho de chaves e a espancou com uma man ciondrios do reformatério diziam dela em suas reunibes — era sim- borracha, Mattie Jackson se juntou 20 coro." Pensar no filho e em, pldria e mentirosa, pensava demais em si mesma, “ela esteve com um. condigdes ele crescia sem ela a fez lamentar e gritar mais alto. Nao. bom punhado de homens” A psicdloga, dra. Spaulding, notou que la ou nenhuma das outras imaginassem que seus apelos © quel «la tentava parecer jovem c inocente, algo que claramente nio era. "E, riam ouvidos fora do alojamento, ou que as descobertas da Com possivel que s6 tenha eatorze anos?” A srta. Cobb resolveu a questio: Penitencidria Estadual fariam qualquer diferenga para elas. A “Vamos considerar que ela tem dezoito”. Era evidente que todos acre- vante, como 0s outros que o precederam ¢ aqueles que se se} ditavam que a priso era o melhor lugar para ela, uma jovem negra nao era incomum. Incomum foi o levante ter sido noticiado. A num eaminho erritico. sgago estatal de abusos ¢ tortura no reformatério transformou Passar @ noite fora em um baile com as amigas, furtar dois délares mulheres negras rebeladas em um assunto interessante, para comprar um vestido novo e poder se apresentar no paleo foram Loretta, ou Mickey, como algumas de suas amigas a razdes suficientes para confins-la. Mickey praguejou ¢ esmurrow a pa- bbateu nas paredes, berrou, pragucjou c gritou. Aos eatorze rede e se recusou u parur, no importava quio cansada estivesse, Hla antes de sua primeira menstruagio, antes de ter vivido uma relag nao se importava se eles a jogassem no Prédio Disciplinar todos os dias, ‘amorosa, antes de escrever linhas como "meu bem, cu te chamo ela nunca deixaria de lutar contra eles, jamais se submeteria. sonhos"**antes de ter recebido a primeira carta de amor que del ‘va em detathes vividos 0 que ela far ‘Relatirio discipinar: Muico problematica. Jd esteve no Rebecea Hall ¢ no ‘Prédio Disciplinar. Punida continuamente. Amizade com as ovens brancas:* travava uma pequena batalha contra 2 prisio, a maldita policia, supervisoras, 0s oficiais da condicionsl os assistentes sociais. Mickey passou pelo Prédio Diseiplinar mais vezes do que o relatério nio estava disposta a fingir que seus tutores cram qualquer outra revelou, No Rebecca Hall, cla conspirava, tramava e incitava as outras ssa, Os alojamentos mio eram casas. A srta. Cobb nao dava a minims garotas a rebeldia e ao tumulto. Sentia orgulho de ter sido a cause de para cla ea srta. Minogue cra um brutamontes de saia. As super ‘uma agitagio considerivel durante o tempo que passou em Bedford, ras eram brutas ¢ no estavam ali para guiar, aconselhar nem ajudl Ela fez tanta confusdio lt que mesmo anos mais tarde, depois de ter sido, as jovens a trilhar uma vida melhor, mas para fiscalizar e controlar, libertad e apésa nomeagio de uma nova superintendéncia, todo mun- unit ¢ infligir danos. Deixavam bem claro o que pensavam: Voce era do se lembrava de seu nome, € ele era sindnimo de desordem. Singer Too “Tight” For Reformatory NEW YORK~Loretia Juckson, a cabaret singer who was, serving & term in the new Bedtord Retorne atory for Women for. violating the Sullivan’ law, was transferred to the penitentiary to Minish ‘an Inge: terminate. sentsnes ‘of fom sie hnionths to three years. The chat ‘wus requested by the stperintends ont of the retormatry “who. com plain the prisons : ees Prlsoner was In Jacksin was arrested 0 LAIst_ street recently when a. detec: ive learned that she Was out gune bing for m former lovers She plead ed guilty to the charge and was sent Beatord, where it is charged that ‘immediately began. stlsting up ‘among the inmates. Amos Baker, ‘the Superintendent, recalled that while serving a. sentence. in {917 the young woman acted simi larly. Blas Jackson in sald. to be veel! known in-mutlea!” comedy” els cles. Quando confinada, ela conseguia enviar algumas cartas para yamorada,& carta de amor apreendida pela supervsora foi eserita ipls em um pedago de papel higiénico, porque no confinamento nao cram permitidos caneta e papel. A missiva enderegada & namorada, See 4S primeiras revoltas de 1917 ¢ 1018 e expres- o espirito de firia e resisté ee isténcia que alimentava a ago de dezem- Estou tao ndignada” com esses policiais de m__ que podia matar eles, Bles podem mandar em Bedford eem algumas das bonecas de Bedford, mas nunca ‘edo mandar em Loretta Michie ..|. Nao vale. pena se comportar bem num biqueiro desses, mas ndo me arrependi de nada do que fez quando fui mandada ‘paras prisio [Rebecca Hall] rés vezes eparao P.D. uma ves edaguia poweo 2a jd cou de novo ealgumas outrase eu mesma sempre somos mandadas para o Buraco. Toda vex que a prisao se rebelava em 1918 on 1917 a policia vinka se nis estivéssemos nas rebelando ou ndo e nds estawamos (Id |..). Sempre ‘nos penduravam ou nos prendiam com lencots, mas nds nos rebeldwamos ‘mais ainda, Foram nesses dias que J. M. [Julia Minogue} foi foreada a fiear acondada a noite toda e nds esperamos o dia inteiro até ela ir para acama 1d pela urna da manbd e entto nds comegamos e ent ficamos em siléncio ld ‘pelas quatro ecomegdvamos de novo as vita da mana |..)-Tinba tema gangue boa.agut nis podiamas ter aqueles dias de volta se tivéssemos as mulberes, ‘mas ndo tens, entto para que se preoctipar|..). Eu so tenko mais um dia, ‘mas quando 008 jd foi castigada tanto quanto fui nem se importa com isso. Bom, as Luzes estdo apagando entao Boa Noite e Bons sonbos. Leal esta, Oibos Negras ou Mickey ‘O Lowell Cottage rugia com ossons darevolta. As detentas acabaram com as janelas do alojamento. Janclas destruidas e vidro quebrado sto a linguagem do levante. A mobilia foi destrogada. As paredes fo- ram desfiguradas. Incéndios foram provocados. Elas gritaram a noi- te toda. Cantaram. Berraram. Esses gestos seriam repetidos em anos futuros como titicas essenciais do levante."* Como Esther Brown, Mickey nao hesitou em acabar com tudo. Suas colegas de alojamento berraram, gritaram ¢ praguejaram por horas. Cada voz se misturava ‘as outras em uma lingua comum. Cada protesto.e cada grito tornava a verdade evidente: a revolta era 0 inico remédio ao aleance. [Eraaperigosa misica da franca rebelido. Fm massa, clas anunciavam ‘aquilo que haviam suportado, oque queriam, o que pretendiam destrui Brados, gritos, xingamentos e 0 bater de pés fizeram 0 alojamento ‘tremer, reunindo as jovens em uma grande formagao Unica ¢ pulsan- te, um conjunto em deleite diante da beleza do protesto. As jovens penduradas nas janelas, aglomeradas em soleiras e amontoadas em ccamas compartilhadasressoavam uma revolugo total, ums quebra com aquilo que foi dado, a destruigio ea refugio de valores,¢ colocavam a propriedade, a lei e a ordem social em crise. Blas buscavam um cami- anho para fora dagui, pare longe do agora, para fora da cela, pans pee Doan aie Rise ‘captura.* Seus chamados e apelos as transformaram de pris pio pees pele Ressess: (Que eu vou te provocar k ‘em manifestantes, deabstragdes sem rosto. eapturadas por U ; de ndmeros presos «um macacao de algodao, em um corpo Bhs veoh leaks ‘uma reuniio indiseiplinada, ainda que tenha durado apenas t Ne assembleta dissonance, elas eneontraram escuta umas na Occlamor negro que emanava do Lowell Cottage expressot © desejo delas. Tornou manifesta a rebelido latente que fe superficie das coisas. Forneceu a linguagem por meio da qual! mentaram sua sina eo que chamavam de injustiga por parte de tores em altoe bom som”. O levante sonore foi uma titien, um ymulto € levante sénicos — a resistencia enquanto misica. Um stesto sonoro. No sentido mais bisico, os sons que emanaram do ojamento Lowell eram a musica livre daquelas que se encontravam {Uvas,aflosofia abolicionista expressa no interior do eiroulo, 0 Br ‘ea misicafalada da luta. Se aiberdade e aeriagio miitua caracte- javam a misica, essa também dfiiam o poteso ea revolts das criativo da revolta, em dezembro. em janeiro, e mais uma vez sions do Lowel. "0 bus do reformat’ ul superna) quando um contflito irrompeu nas depeadéncias da lavanderia inhado pos jonas para desereverresuscoletvn das condos grupo formado em sua maloria por Jovens negras, ineluindo s teri er Dante ltr por Ma Raley Buddy Bolen. ‘Gass dmarscs beancel, ein prio ds oie teen ota sonra Lowell Cog e004 oma uma nequens mon ‘amantes de negros tanto quanto as jovens negras. Quando a pol Bongachlstoete dovecrt does 8 tropasestatais chegaram, a batalha mudou e as garotaslutaram os, musicas tristese blues.) ehh areata eles. As autoridades do governo ¢ os jornalistas ansiaram por Poacaninng Set ODN ieee as slojarnen) conflito como uma revolta racial,® mas ainda assim eles orpostenham prmanesido:*Quase das as janels|doalojamens| © som da luta contra o Bstado nos termos da misica negra. Para‘ tava abarrrada de mulheres nsgrs aos gros rvs ¢ > les fora do cireulo, foi uma algazarra sem melodia nem centro. O do hsericamente” Pouos fre do ele comresnderam #5 York Times teve dificuldade em decidir qual manchete s Bi pry ida oe ee eee mie aaau usar para oartigo, entio langou trés:“O coro demon{aco dasjo toner iad nt om nda masque uma floss a beldes”, “Bedford ouve uma confusto de gritos e grunhidos, Bbc em he cae ere eee fe eee tee uma série de jaz(z) infernal” e “Insurreigao & capela”, Como o inf pros da: bse 8 FUE 5/ CeO On ee aairl Dante sonria quando transposto para uma suite de jazz? Para os msicaoulamento,em gros deaegriaousonsdesaidos, teres, jazz era sindnimo de um som primitivo, um impulso ir arn agels dentro do cel, cada gemido ¢ ea chor. modernismo selvagem. Era energia e emogio puras, tole € xingamento «eda tins que o tmp da essai be fiada, pura retoriea, excesso, desejo carnal. Era uma gitia para a seabado, Bas estavam canada e ser absradaseconfinadas: ee Ia, desordem social eonjuradae amor livre. Talvez fosseuma ref a series Aaron exerevx qt mesma palaeras em UMASS obliqua’a dimensio sexual da revolta. A improvisagdo —as possi suas cartas: “Preciso dizer, srta. Cobb, que otemp\ des estéticas que residiam no imprevisto, a colaboragao no & enclausuramento, os rtmos secundirios da vida social sendo + onal You can ako mye You cn eke my cor Buz ou/ TO de criar uma abertura onde mio havia nenhuma —" excedeu a’ hotles Come autor expica o prépic exo, aaezzcarregeoigifende interpretativa das autoridades estataise dos jornalisas. “prover eniear Jue 08 pessoas de cor jit passou’." E 0 mesmo fez a mae de Mattie, eles podiam muito bem ter gritado: A escraviddo acabou. Aboligdo, No disparate surreal e utdpico de tudo isso.* e no coragiio do Ie cestava a anarquia das jovens de cor: traigio em massa, tumulto, pamento, a colaboragio miitua necessiiria ao enfrentamento das toridades penitencidrias c da policia, « disposigio de se perder ede ‘transformar em algo maior —um coro, um enxame, uma assemble uma sociedade de ajuda muitua, Em lugar de uma explicagio ou um apelo, elas gritaram e berraram. De que outra forma ‘expressar o desejo de serem livres? De que outra forma poderiam,

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