You are on page 1of 11
O risco da negligéncia: um estudo de caso RESUMO: BSTRACT O presente trabatho relata o estudo de caso de uma crianca de 8 anos de idade, do sexo masculino, vitima de negligéncia que ‘culminou em bérbara vitimizagio fisica (di- iceramento de partes do corpo por mordi- das) ¢ sexual praticada com requintes de perversidade, que quase o levou 3 morte. ‘Qestudo psicol6gico foi realizado por meio do Procedimento de Desenhos-Estorias, Teste de Apercepgo Temitica e Método de Rorschach, Os resultados indicaram marea- das tendéncias de passividade e dependén- cia, além de intensa necessidade de euidado € protegdo. A representagao da figura ma- terna ¢ passiva, empobrecida ¢ pouco pro- vedora eo ambiente sentide como-ameacador © pouco confidvel, merecendo permanente estado de alerta ¢ vigilincia, Esta crianga parece ter conseguido manter sua integragdo Psiquica ds custas de defesas obsessivas. que Permitem 0 controle dos afetos, 0 contato ajustamento arealidade, Algumas caracte- risticas psicol6gicas detectadas pelos instru- ‘mentos de avaliagao, tais como inseguranga, desconfianga e depressio, foram citadas por Bowlby e Winnicott como conseqigncias da negligéncia materna. A crianga, apesar dos severos maltratos softidos, demonstrou ter recursos psicolégicos que possibilitam a manutengio de sua integridade, podendo-se inclusive levantar uma hipstese de resilién- cia, que devers ser investigada em estudos futuros (follow up) com a utilizacio dos ‘mesmos procedimentes. This articte presents a eight years old child psychological stedy, male, neglected, a serious physical (bites) and sexual abuse vietim. This artack has almost led cause his death. Drawing-and-Staries Procedure, Child Thematic Aperception and Rorschach were administered. Results indicated passivity and dependence trends and caretaking needs. Maternal figure was internalized as passive and weakly. Environment is felt as threatening and cannot be trustworthy. Obsessive defenses allow his affects control and reality adapia- tion. Psychological characteristics found in child as Insecurity and depression were identified by Bowlby and Winnicott as neglect consequences. Despite his severe maltreatment, child presents psychological resources that allow to think whether it's a resilience case. This hypothesis could be confirmed on future studies (follow up, using the same procedures Palavras-chave: negligéncia, abuso sexual, maltrato infantil, t6enieas projetivas Key word: child neglect, sexual abuse, child maltreatment, projective techniques Enderego para correspondéncia: Rua Napoledo de Barros, 920 — apart. 82 CEP 04024-002 ~ V. Clementino — S80 Paulo, SP Tel. (11) 3572-4100 142 ~ PSIC- Revista de Psicologia da Vetor Editors, Vol. 3, n#.1, 2002, pp. 142-152 Lucilena Vagostello Docente da Faculdade de Psicologia da Unicastelo Doutoranda em Psicologia Clinica pelo Instituto de Psicologia da USP Psiedloga do Tribunal de Justica do Estado de Sio Paulo Violéncia doméstica, segundo Guerra & Azevedo (1998), é a violéncia prati- cada no ambito familiar, por adultos (pais ou responsaveis) contra criangas e/ou adolescentes, por ago ou omissio da- queles. Os maus tratos ceorridos na fa milia configuram-se sob a forma de negligéncia, violencia fisiea, violéneia psicolégica ¢ violéncia sexual, que sio manifestagdes de violéneia interpessoal, pautadas no abuso de poder dos pais e/ ou responsaveis que reduz sua vitima (crianga ow adolescente) A condigao de objeto. Considera-se abuso fisico ou violén- cia fisica os castigos severos (incompa- tiveis com a idade e compreensio da crianga) e os castigos que resultem em ferimentos. Ascrianeas vitimas de maus tratos fisicos geralmente apresentam marcas corporais antigas, relagéo com: agressor marcada por medo, Nao raro observa-se a identificagio da crianca com seu agressor, estabelecendo-se um padrio de relacionamento interpessoal marcado pela agressividade que é assi- milada como algo “natural” ou “normal”. A humithaco desta submissio & agres- sividade alheia produz uma auto-imagem desvalorizada e sentimentos de culpa que leva, muitas vezes, a vitima a acreditar ser merecedora do castigo (Guerra & Azevedo, 1989). O abuso sexual caracteriza-se por atos, jogos, brincadeiras sexuais entre um adultoe uma crianga ou adolescente (me- nor de 18 anos), Sua naturezaé varidvel, incluindo modalidades como contatos fisicos, voyeurismo, exibicionismo, mas- turbacio reciproca, sexo oral, anal e ge- nital, imagemem pornogratia (Guerra & Azevedo, 1989; Rouyer, 1997) Segundo Rouyer (1997), os abusos sexuais ocorridos em criangas antes da puberdade sao os que produzem efeitos mais negativos nas areas sexual e afeti- va. Geralmente © abuso sexual € prati- cado por uma pessoa prdxima, com quem ‘acrianga mantém um relacionamento de confianca e amor, e que coma qual esta~ belece uma silenciosa relago de submis- so, coagida por ameagas ¢ fortalecida pelo medo e pela culpa. A incidéncia de quadros psicéticos, reagdes psicossomaticas, enurese, enco- prese (geralmente em criangas pequenas que sofreram penetragio anal), dores abdominais, interrupgio da menstruagao, distdrbios alimentares e rituais de higi ne costumam aparecer em vitimas de vio Jéncia sexual (Rowyer, 1997). Entre todas as formas de violéncia doméstica, a negligéncia aparenta ser a mais branda pois sua manifestagao & muito mais sutil, Por utra lado, ela se constitu na porta de entrada para oexer~ cicio das demais modalidades de viti- mizagio, nos mais variados graus de severidade. Entre as formas de negligéncia des- tacam-se a fisica (falta de interesse em relacio as necessidades fisicas da crian- ga: alimentagio, higiene, satide, etc) ea afetiva (falta de interesse em relagao as necessidades da crianga, distanciamen- toemocional). Os sinais observados com maior freqiiéncia nas criangas negligen- ciadas so atraso no desenvolvimento psicomotor, desnutri¢do, desidratacdo, O sisco da negligéncia: um estuo de caso — 143 doengas erénicas (decorrentes da falta de cuidados adequados), auséneia de limi- tes no comportamento da erianga e aci- dentes domésticos freqentes, muitas vezes fatais. c0}33 Aye) ‘Opresente trabalho objetivaapresen- tar o estudo de caso de uma crianga cuja negligéncia materna resultou em brutal ioléncia exercida por terceiros, Trata-se de um estudo psicolégico que, por meio de técnicas projetivas, revela as condi- ‘ges psicolégicas de uma crianga que sobreviveu a barbara vitimizagao fisica = dilaceramento de partes do seu corpo ‘por mordidas —e vitimizagao sexual. Este estudo pretende ainda demons- ‘rar como ¢ em que medida a negligén- ‘cia, que tende a ser vista como um “mal menor” no universo da violéncia domés- tica, pode abrir caminhos para o exer- cicio das mais perversas formas de imizagao contra uma crianga. TODO Sujeito O sujeito deste estudo de caso.é uma cerianga de 8 anos de idade, de sexo mas- cculino, de classe social baixa da perife- ria do Muniefpio de Sao Paulo, cursando a I* série do ensino fundamental, abri- gada em Instituigdo de acolhimento por determinacio judicial (Vara de Infiincia e Juventude). Histérico de vida: Este menino 0 filho primogénito de ‘um grupo de 3 irmios e 0 tinico que per- ‘maneceu em companhia materna (os de- mais foram assistidos por terceiros). Aos 2 anos de idade, sua mie foi detida por trafico de drogas durante | ano e 4 me- ses, e este permaneceu sob os cuidados 44 — PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Edita, Vol. 3, nt.1, 2002, pp. 142-152 de uma tia-av6, Aos 7 anos de idade a crianga, que ainda nio estava matricula- do em rede oficial de ensino, foi passar uma temporada em companhia de seu futuro padrinho, a quem a mae entregou inclusive a certidao de nascimento. ‘Apés um més em companhia do “pa- drinho”, a erianga deu entrada no hospital desfalecida, com ferimentos gravissimos pelo corpo (coxas, nédega, brago com partes da carne arraneadas por mordida) ecabeca. Acrianga também revelou ter sido vitima de abuso sexual. Durante os 30 dias em que permane- ceu com 0 agressor, a crianga manteve contatos sistemsticos com a mie e jé apresentava sinais corporais de mordi- das (mareas redondas, tipicas de arcada dentaria) nas regiGes dos ombros, costas ¢ barriga, os quais nao foram percebidas por sua mae. Procedimento Foram utilizados os seguintes instru» mentos de avaliago da personalidade: 1. Procedimento de Desenhos-Estorias = desenvolvido por Walter Trinca em 1972, para conhecimento da dinami- ca psicolégica. Trata-se de uma técni- ca gréfica e temitica que consiste em solicitar ao sujeito para fazer um de- senho e, posteriormente, contar uma est6ria; a0 final, realiza-se um inqué- rito (para eventuais esclarecimentos sobre odesenhoe aestoria)e solicita- se um titulo. Objetiva-se obter uma série de cinco desenhos livres, asso- ciados a est6rias, com seus respecti- vos titulos (Trinca, 1997). O material obtido foi avaliado-em grupos de con- tetido, segundo a proposta de andlise de Tardivo (1997) 2. Método de Rorschach ~desenvolvido por Herrman Rorschach em 1921, esta técnica projetiva fomece elementos estruturais e dindmicos da persona- lidade. A aplicagao do Rorschach & sempre constituida pelas fases de obtengio de respostas e de inquérito. Asnormas de aplicagio, classificagaio € interpretagio do Rorschach utili- zadas neste estudo foram as do Siste- ‘ma Compreensive (Exner, 1999; Exner e Sendfn, 1999; Weiner, 2000). 3, Teste de Apercepeio Infantil - forma animal (CAT-A) — desenvolvido por Bellack, publicado em 1949, destina- se A avaliagdo da dinimica de perso- nalidade em criangas entre 3 e 10 anos. A aplicago do CAT possui a fase de respostas (uma estoria para cada uma das 10 pranchas) e inquérito. A ava- liago do CAT baseou-se na obra de ‘Tardivo (1998) ULTADO Procedimento de Desenhos-Estérias De :maneira geral, as cinco produgoes dacrianga caracterizaram-se pela passivi- dade, pela auséncia de figuras maternas provedoras e positivas ¢ pela manifesta Go de desejos relacionados & satisfagio de necessidades bisicas (proiegio e ali- mentagio). A andlise gréfica dos desenhos apon- taram para um estilo mais realista, com pouca recorréncia a fantasia (0 que é ge- ralmente atfpico em criangas), para uma tendéncia a relacionar-se de maneira re- servada com o mundo. Provavelmente todas estas caracteristicas sejam frutoda vivéncia da crianga com uma mae passi- va e ausente (negligente) e da dolorosa experigncia de ter sido violentada por uma pessoa por quem nutria afetos po- sitivos. A crianga demonstrou dificuldade para expressar desejos ambivalentes, uti- lizando predominantemente formas es- tereotipadas de controle dos impulsos frente A ambivaléncia: organizagio, ri- gideze presenca de detalhes exagerados. As manifestagdes agressivas, quando no apareceram submetidas a formas rigidas de controle, foram negadas. Vale desta- car que em trés das cinco produgdes, apareceram repetidos habitos de higiene (tomar banho, lavar as mos, escovar os dentes) , o que parece denotar sua tenta- tiva de livear-se da “sujeira”. ‘Teste de Apercepeao Infantil - CAT As produgdes do CAT chamaram a tengo pela infantilizagao, pouca cria- tividade das estérias ¢ pela acentuada Presenga de caracteristicas obsessivas, expressas nas reiteradas recorréncias higiene dos personagens, ao longo das dez pranchas. A estrutura estereotipada, repetitiva ¢ detalhista das estérias con- firmam esta tendéncia. A passividade da crianga novamente ‘mostrou-se na dinmica dos personagens ena figura matema, ora empobrecida e pouco provedora, ora idealizada para tender suas necessidades e suprir suas caréncias, A mie ausente € a figura paterna so indiretamemte atacadas. Os ataques agres- sivos e hostis ndioencontram livre expres- ‘sio no teste € a tenséio da ambivaléncia parece nio ser suportada, o que tende a alizar ainda mais suas defesas rigi- damente organizadas. Método de Rorschach Os resultados do Rorschach indi- caram “Indice de Depressio” (DEPI) positivo, o que indica a presenga de acen- tuadas experiéncias de depressio, com predominio de afetos desconfortav A crianga apresentou tendéncia a evitar a estimulagdo emocional trocas afetivas, demonstrando sentir-se des- confortével frente ao contato afetiva le- vando-a ao isolamento social. Com isto, suas relagdes tendem a ser superficiais e Timitadas, pois nfo experimenta as rela- Bes interpessoais de maneira positiva, sentindo-se pouco seguro nestas situa- ges. A passividade também apareceu acentuada no Rorschach nas relagées in- terpessoais ¢ tomadas de decisées. ‘Sua auto-imagem mostrou-se impreg- nada de elementos negativos, com ca- O risco da negligéneta: um estudo de caso ~ 145 racteristicas desvalorizadas ¢ indeseja~ veis, 0 que tende a acentuar episédios de depressio ¢ a dificultar o estabelecimen- to de relacdes interpessoais. Além disto, 05 indices rebaixados de egocentrismo sto preocupantes uma vez que isto é atfpico em criangas (que tendem a ser egocéntri- cas) e por suas tendéneius depressivas. Do ponto de vista cognitivo, seu esti- lode pensamento tende a ser simplifica- dor e rigido, de modo a nao se utilizarde recursos complexos diante do campo de estimulos, Seu pensamento tende a ser convencional ¢ pouco criativo, mas isto no decorre de limitagdes intelectuais mas de alteragdes emocionais que blo- queiam sua livre expressfio. A crianga tende ao convencionalismo (adesio a normas socialmente aceitas) pois estd submetida a um superego rigi- do, que pode gerar desconforto emocio- nal (sentimentos de culpa). Em relacio a andlise temética das res- postas, 0 protocolo de Rorschach da crian- gachamou a ateng&o pela clevada énfase em “olhos” e “boca”, que aparecem em 12do total de 25 respostas. Do ponto de vista psieodinamieo, a énfase nos “olhas” parece relacionar-se & sua desconfianga frente a0 mundo e as pessoas, uma vez que possui razdes em sua hist6ria pes- ‘soa para nao confiar nas pessoas. ‘Chamou a atengdo, ainda, a presenga de 3 respostas com “dente” (“aranhas com dente”, “escorpido com dente”) no protocolo de Rorschach. A natureza da agressio sofrida pela crianca — mordi- das também explica a presenga de res- postas com “boca” ea ocorréncia de “dentes”. Vale destacar que as respostas que incluem “dentes” sio consideradas essencialmente projetivas uma vez que silo respostas com distorgdo na forma Isto significa que sua percepgio foi com- prometida pela mobilizagiode afeios que se remeteram a violéneia softida Sintese interpretativa Os trés instrumentos de avaliagdo psicolégica convergem em aspectos 146 ~ PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editora, Vol. 3 91, 2002, pp. 142-152 fundamentais da estrutura e dindmica de personalidade da crianga. A passividade um trago marcante, bem comoas neces- sidades de cuidado e protesio, levando-a a assumir uma postura de dependéncia frente a0 mundo. Por outro lado, a real dade e as pessoas parecem niio Ihe ofere- cer a satisfagiio que buscae necessita, pois, no. consegue estabelecer uma relacao de confianga com 0 mundo, sentido como ameacador € pouco confidvel, merecen- do permanente estado de alerta ¢ vigiln- cia, conforme demonstraram 0 CAT ¢ 0 Rorschach, Entendemos que esta ambivaléncia frente a0 mundo tem como matriz a in- temalizagio de uma figura materna pas- sivae empobrecida, que existiu tanto nas produgGes tematicas (Desenhos-Est6- rias e CAT) quanto na histéria de vida pessoal da crianca, marcada pela negli ‘géncia materna. Mais do que empobre- ida, a figura materna foi incapaz de proteger seu filho, que foi duplamente trafdo: por uma figura masculina em quem confiava (padrinho) ¢ pela figura materna que, na sua passividade e inca- pacidade de pereeber as necessidades do filho, néio conseguiu identificar os “si- nais” (inclusive corporais) que denun- ciavam 0 perigo. Estas vivéncias de negligéncia mater- na também podem ser compreendidas a luz do que Bowlby (1981) denomina de “privacéo de mae” e Winnicott (1983) de auséncia de um “ambiente suficien- temente bom”, ou seja, de uma ineapa- cidade do ambiente de proporcionar contato afetivo, protegéo e seguranga & cerianga, Segundo Bowlby (1981), ascon- seqiléncias da privaco para a erianca variam conforme sua intensidade; a pri- vagio parcial produz angiistia, grande necessidade de amor, intensos sentimen- tos de vinganca que geram culpa ¢ de- pressio. Cabe lembrar que todas estas ‘caracter(sticas manifestaram-se nas téc- nicas projetivas utilizadas. A anguistia da ambivaléncia - gerada por estas vivéncias de desprotegio abandono, pelo desejode ser cuidado por figuras parentais que sto 40 mesmo tem- po objeto de amor e ddio ¢ par desejos concomitantes de aproximagio ¢ descon- fianga= mobiliza defesas claramente ob- sessivas que realizam um controle rigido esistemitico dos afetos. @ impacto des- te controle na atividade mental da crianga resulta no empobrecimento de seus re- cursos criativos € no bloqueio de inicia- tivas para a solugao de problemas, ‘Suas defesas = caracteristicamente obsessivas — presente em todos os ins- trumentos utilizados, denotam sua atitu- de ambivalente frente aos objetos que teme perder. Sua auto estima rebaixada € a recorrente temética de higiene (ba- ho) nos testes D-E e CAT, exprimem a forma como esté sendo capaz de lidar com 0 sofrimento, desconforto © repug- nancia mobilizados pela violéncia se- xual softida. SONCLUSAC As vivéncias depressivas sinalizadas pelo Rorschach, aliada ao pouco centra- mento de si mesmo, é um sinal alarmante ce merece muita atengo por tratar-se de uma crianga, Contudo, esta erianga en- ccontra-se em acompanhamento psicol6- ico ¢ o fato de apresentar capacidade de introspecgio - ainda que impregnada de autocritica negativa - torna-se um prognéstico positive & medida que denota capacidade de auto reflexio ¢ pode levé-lo a usufruir dos beneficios proporcionados pela. psicoterapia. Pode-se afirmar que, apesarde ter sido submetida a negligéncia, abuso fisico ¢ sexual praticados com requintes de per- versidade, esta crianga foi capaz de man- ter-se organizada as custas da rigidez de defesas obsessivas que permitem 0 con- trole dos afetos, o contato eo ajustamen- to A realidade, O fato de ut predominantemente desta defesa € favo- rdvel, do ponto de vista de prognéstico, visto que ¢ uma defesa menos pri Pode-se, ainda, levantar a hipétese de ser um caso de resiliéncia. Todavia a confirmagio desta hipstese sera possi- vel por meio deestudos ulteriores (follow up) realizados com os mesmos instru mentos de avaliagio psicolégica (Pro- ‘cedimentode Desenhos-Estérias, Método de Rorschach ¢ CAT-A). ar-se 0 risco da negligéncia: um estwdo de caso — 147 Azevedo, M.A. & Guerra, V.N.A.(Org,). (1989). Criancas Vitmizadas: a sindrome do pequeno poder. Sio Paulo: Iglu. Bowlby, 5. (1981). Cuidados Maternos e Satide Mental. $20 Paulo: Martins Fontes, Exner, J. E. (1999). Manual de Classificacdo do Rorschach para o Sistema Compreensivo, Sio Paulo: Casa do Psicélogo. Exner, J. E. & Sendin, C. (1999). Manual de Interpretagdo do Rorschach para 0 Sistema Compreensivo. Sio Paulo: Casa do Psicélogo. Rouyer, M. (1997). As Criangas Vitimas, Consequéneias a Curto e Médio Prazo. In: M. Gabel (Ong.), Criangas Vitimas de Abuso- Sexual (pp. 62-71). Sto Paulo: Summus. ‘Tardivo, L. S. C.P, (1998). O Teste de Apercepcao Infantil e 0 Teste das Fabulas de Diiss. S80 Paulo: Vetor. Tardivo, L. S. C. P. (1997). Anélise ¢ Interpretagdo. In: W. Trinca (Org), Formas de Investigagde Clinica em Psicologia: Procedimento de Desenhos-Estérias. (pp. 115-156). $0 Paulo: Vetor. Trinca, W. (Org,} (1997). Formas de Investigagdo Clinica em Psicologia: Procedimento de Desenhos-Estérias. Sto Paulo: Vetor. ‘Weiner, I. B. (2000). Principios da Interpretagdo com o Rorschach. Sto Paulo: Casa do Psiedlogo. ‘Winnicott, D.W. (1983). O Ambiente ¢ os Processos de Maturagdo: estudos sobre o desenvolvimento emocional. Porto Alegre: ARTMED. ANEXO DESENHOS-ESTORIAS 1" PRODUGAO - “ DOIS COLEGA MUITO FELIZ” (Demora muito tempo para iniciar a estéria). A casa é bonita. (Péra de narrar). (Ung: E 0 que mais?). E nessa casa tinha um relégio. (Para de narrar). (Ing: E af? O que aconrece?), Chegou um colega ¢ os dois brincaram de paga-pega. E af, estava ficando & noite ¢ o colega foi embora. E ele foi assistir televisio. Ele estava assis- tindo... nfio! Filme! Acabou. (Ing: Que morava na casa?). Ele ¢ a mie dele. (Ing: E qual filme ele estava assistindo?). Os vampitos. (Ing: E quando acabou o filme? O que ele fez?), Foi dormir. 2*PRODUCAO - “OS MENINOS FELIZES” Era uma vez. 3 carros. Um carro foi na escola Ievar livro € outro caminhio tava cheio de brinquedo para dar para criangas. 0 farol estava fechado. Ai, o farol abriue ‘05 caminhiio chegaram na escola ¢ deram o livro. Eo outro caminhio deu brinquedo, Ateles voltaram ¢ foram para a garagem, Os motoristas foram tomar banho. Depois do banho foi para a sala e depois foram jantar. Depois que jantaram lavaram os pratos e depois foram dormir. Acabou a estéria. (ing: Para quem eles deram os livros?). Para os alunos. (ing: E 0s bringuedos?). Para as eriangas. (Ing: E por que deram?), Porque a escola estava precisando de livros. (ing: E os bringuedos ?), Para ‘0s meninos brinear, porque nao tinha. 148 — PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editora, Vol. 3, n&1, 2002, pp. 142-152 3* PRODUCAO - “OS TRES COMPANHEIROS” ‘(Terminou o desenho). Pronto! (Instrugo para a estéria). Peraf! (Desentha 0s jo- gadores ¢ a bola). Era um dia, 2 meninos foram brincar no campo. A{ os meninos chutaram a bola, af foi para o gol. E af o goleiro tentou catar a bola e no conseguity catar a bola. Af 0 menino fez o gol ¢ eles ficaram alegres. E depois... ele chutou a bola para fora. E af o goleiro deu risada e ele foi buscar a bola. Af ele chutou a bola ¢ 0 menino deu uma cabegada para o gol. Af o goleiro conseguiu catar. A{ acabou. (Ing: Eo que aconteceu como goleiro e comos meninos depois?). Eles foram embo- ta. (Ing: Como eles estavam?). Alegres. 4* PRODUGAO - “O JARDIM SECRETO” Deixa ver se eu sei agora (antes de iniciar o desenho). Era um dia, 2 colegas. Forarn no jardim... ver como era o jardim. E eles ficaram brincando... (pausa)... de roda-roda. (pausa). E tinha 3 drvores bonita ¢ tinha 9 flores. Beles ficaram alegres e ‘depois eles foram para casa. Depois foram pegar a toalha para tomar banho. Depois do banho, eles foram para a sala ¢ ficaram assistindo novela. E depois da novela foram jantar. Depois do jantar ficou um pouquinho na sala e depois foram dormir. Acabou. (Ing: Onde eles moravam e com quem moravam?). Eles moravam com a nde deles. (Ing: Secreto por qué?). Porque era escondido e s6 eles sabiam. (E como era esse jardim?), O jardim era grande ¢ bonito. (ing: E 0 que tinha ld?). Flores ¢ drvores. S*PRODUCAO - “A MAE E.O FILHO” © que eu desenho agora? (Inicia 0 desenho). Aqui era o chuveiro. Pronto! Era uma vez a mie ¢ 0 filho. E a mae... ¢ 0 filho acordou, foi no banheiro, escovou os dentes ¢ depois que ele escovou o dente foi arrumar a cama, Depois de arrumar a cama, foi brincar no parquinho. E depois que ele brincou no parquinho foi no ba- nheiro. Depois que foi no banheiro foi na sala assistir televisio. E depois foi almo- ar. Depois do almogo, ele foi escovar os dentes e quando ele acabou de escovar os dentes ele foi para a cama descansar. E depois ele levantou para lanchar. Depois do lanche ele foi brincar no parquinho de novo. Ai estava escurecendo, ele voltou para a sala e depois a mae dele chamou para jantar. Depois que ele jantou, ele foi assistir televisdo e depois foi dormir. Acabou. (ing: Com quem ele morava?). Com a mie dele. (ing: Onde estava a mae dete?). Quando ele estava no parquinho, a mae estava na sala. (Ing: Fazendo o que?), Assistindo televisao, CAT-A PRANCHA I- “OS 3 PATINHOS E A MAMAB” Os patinhos estava na mesa comendo ¢ a mamée ia dar um pouquinho de comida para cada um, Hum...Depois a mame catou um pouquinho de comida para ela co- mer e depois eles lavaram os copinhos deles. E depois eles secaram e guardaram Depois descansaram, Depois voltaram a brincar e a mamée ficou na porta vendo eles. brincar. Depois que eles brincaram, eles foram no banheiro tomar banho, depois eles se enxugarame foram para. sala. (Pausa). E depois a mamie foi tomar o banho dela, Depois eles foram dormir. A mamie colocou eles para dormir. Acabou. (Ing: De que os patinhos brincaram?), De queima. (Ing: E 0 que a mamée ficou fazendo depois que colocou os patinhos para dormir?). Ela ficou assistindo um pouco de televisiio e depois foi dormir. (O risco da negligéncia: um estudo dc caso ~ 149 PRANCHA II - “OS 3 URSINHOS” (Sorriu quando viu a prancha). Os ursos estavam brincando de puxar corda e tinha 2 ursos contra um, E 0 outro ficou assustado porque ele tava sozinho ¢ 0 outro ‘grupo estava com 2. Afeles comegaram a puxar a corda, af 0 urso que tava sozinho soltou a corda ¢ 0s outros cafram, Af os outros ficaram bravos ¢ o que tava sozinho pediu desculpa. A{ os outros 2 falou que tava desculpado. Af 0 pequenininho ficou brincando com 0 outro urso. E 0 urso grande ficou brincando com os 2 ursinhos. E depois eles foram no banheiro tomar banho. Cada um tomou banho ¢ depois ficaram tum pouquinho na sala conversando. Depois eles foram jantar ¢ depois 0 ursinho pequeno foi dormir ¢ os outros grandes ficaram assistinds televisio e depois foram dormir. E depois acabou a estéria. PRANCHA II-“O LEAO TRISTE” Hum... coisa dificil! © urso sempre ficava triste. Nao! O ledo sempre ficava tris- te. Af todo dia ele sentava na cadeira ¢ ficava pensando na vida. Depois ele foi acender 0 eachimbo e ficou fumando cachimbo. Depois ele apagou 0 cachimbo ¢ foi sentar na sala, Depois ele foi Ié dentro ¢ foi tomar banho. Depois ele ficou se esfre- gando. E depois que ele se enxugou, ele foi sentar na cadeira. E continuou pensando na vida. E depois que ele acabou de pensar na vida ele foi jantar. Depois da janta ele foi dormir. Acabou. (Ing: Por que o ledo ficava triste?). Porque nio tinha ninguém para brincar com ele. (fng: Em que ele ficava pensando?). Em como seria a vida dele. (Ing: Ecomo seria a vida dele?), Seria tiste. (Ing: Porque?) Porque ni tinha ninguém para brincar. PRANCHA IV - “OS 3 CANGURUZINHOS” Os canguru foi passeando pela floresta. E a mao canguru levou o filho dentro da roupa ¢ 6 outro filho foi de bicieleta. E 0 filho que estava de bicicleta foi ripido e mao deu um pule forte ¢ o filho quase atropelou a mae. E 0 filho se assustou. E depois a mie ficou procurando onde estava o-papai e ela ficou procurando, procu- rando ¢ no achou, E 0 filhinho foi procurar na floresta para ver se ele estava Id. E depois o filhinho se perdeu na floresta. Depois a mie ficou triste e chorando. E depois a mie foi procurar o filho para ver se ela achava, Hum (pausa). E depois a mie foie achouo filho dela. E depois eles ficaram felizes para sempre. (Ing: Por que a mée levava o filho na roupa?), Porque era muito pequeno, néo conseguia pular ainda, Ele pulava fraquinho, sendo ele ficava para trés. (Ing: E onde estava o pa- pai?), Perdido na floresta, (Ing: Por qué?) Porque quando ele ia para a floresta. (ing: Porque?). Porque quando ele ia para a casa da tia dele ia pela floresta. Af ele catou o caminho errado e se perdeu. PRANCHA V Esse ndo é que nem aquela outra dos ursinhos? (dng: 0 que voc8 acha?). A cama do titioestava vazia e 0s 2 ursinhos ficaram assustados porque néo tinha ninguém, s6 tinha eles dois. E 0 ursinho falou para 0 outro se niio-tinha ninguém atrés da porta que estava ai para assustar. Eo titio chegou na casa e falou por que eles estavam com medo. Eles falaram que estavam com medo porque eles estavam sozinho. E depois 0 titio foi para a cama junto com a mae dormir. E depois que eles dormiram, arruma- ram a.cama, depois foram escovar o dente e foram tomar café. E depois do café eles ficaram na sala. E depois que estavam na sala foram brincar e depois eles foram beber um copo de dgua. E depois foram tomar banho. E depois que tomaram banho, 150 ~ PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editor, Vol. 3, n'1, 2002, pp. 162-152 foram para a sala. E depois da sala o titio chamou eles para jantar. E depois da janta cles para a sala. e depois da sala, eles foram dormir. Acabou. (Ing:Por que a cama estava vazia?), Porque 0 titio tinha saido na feira. (Jng:Eles estavam com medo de que?) De cagador. Porque tinha cagador de urso na floresta e eles estavam com medo. (ing: E.a mame, onde estava?), Foi trabalhar. PRANCHA VI De ratinhos? E. Os 3 ratinhos estava dormindo. E quando eles acordaram a ma- mie estava dormindo e depois eles acordaram a mami deles para ir buscar queijo para comer. E depois eles se esconderam ¢ a mamie ficou assustada pensando que eles sumiram. Eles deram um susto na mae deles e a mae deles comecou a dar risada, E eles foram almocar. E depois do almogo eles foram dormir. E depois eles tomar banho e depois que tomaram banhe comeram um pedago de queijo. E depois que eles comeram um pedago de queijo foram para a sala assistir televisdo. e depois eles foram rezar para jantar. Depois da janta, eles estavam com um pedago de queijo ¢ nao deu para dividir para todo mundo e a mie ¢ 0 filho foram buscar mais queijo. E depois eles jantaram e foram dormir. Acabou (ng: £ onde eles foram buscar 0 queijo?). Na lojinha que 36 vendia queijo (Ing: E porque eles quiseram dar um susto na mae?). Para brincar com ela. PRANCHA VII-“A ONGA ... O TIGRE BRAVO” (corrige-se) Era uma vez um tigre que queria avangar no macaco, E © macace ficou assustado e subiu para o galho. Eo macaco falou para a mae dele que o tigre queria catar ele ¢ a mamie dele ficou assustada e chamou o gorila para salvar. E o gorila lutou com 0 tigre. E 0 gorila deu uma paulada na cabeca do tigre e depois 0 tigre ficou tonto. E depois que o tigre ficou tonto, ele falou para a mami que ele, o tigre, morreu. Eo tigre no tinha mortido e olhou o tigre e ele deu 2 pauladas na cabega do tigre e ele morreu. E depois que o tigre morreu, © macaquinho ficou brincando. E depois 0 macaquinho foi com a mie dele, foi pedir um pouquinho de gua para a mie dele E depois que pediu um pouquinho de dgua para a mae dele, ela foi brincar no galho. Edepois que ela foi brincar no galho ele se cansou e foi coma mae dele descansar. E depois que ele descansou, ele foi tomar banho ¢ depois que tomou banho ele foi dormir. Acabou (Ing: Por que o tigre queria avangar no macaco?). Porque nao 208- tava do macaco (Ing: Mas por que ndo gostava do macaco?). Porque 0 macaco 86 ficava brincando nos galhos ¢ ele néo gostava que ficavam brincando no galho. PRANCHA VIII - “FAMILIA DOS MACACOS” Macaco! (ri). Falta duas agora, né? (refere-se as pranchas). Vai até dez. A famitia do macaco estava conversando na sala. E 9 pai e a miie estava tomando cha. E depois que eles tomaram ché eles ficaram conversando. E depois a mae ficou falando para 0 filho que nao € para baguncar. E 0 filho foi para o quarto conversar com o irmio dele. E depois eles ficaram brincando de pula-pula na cama da mamie, E a mamie foi ver 6 que estava acontecendo no quarto. E depois a mie falou por que estavam pulando na cama dela. Ela falou para eles pararem de pular na cama sendo iria que- brat. E af os dois... otitio € a titia foram embora. E a mamde foi conversar com eles na sala por que eles estavam pulando no quarto. E a mami falou para eles no mais senio a cama vai quebrar. E depois eles foram dormir. E depois que esles foram dormir a mamae ficou cuidando deles no quarto para eles no pular mais. Acabou (Ing: E eles, pularam ow nao pularam mais ?), Nao, risco da negligéncia: um estado de caso ~ 151 PRANCHA IX -“A MAMAEE A FILHINHA” Bh! A mamie da coelhinha foi buscar cenoura para elas comer, que a coelhinha estava com fome. E a mamie deixou a porta aberta ¢ a coelhinha ficou assustada. E depois a coelhinha foi na cama dela e ficou olhando a mae dela pegar cenoura E depois a mamie entrou, foi para o quarto dela ¢ foi dar a cenoura para ela comer. Ea filhinha pediu mais para a mamtde ¢ a mamae deu mais um pouquinko. E depois a mamae mandou ela ir para o chuyeiro tomar banho ¢ depois que ela tomou banho ela foi para o quarto se enxugar e depois ela foi para a sala assistir televisio. Depois que assistiu televisto, ela foi na cama dormir. E depois que ela foi dormir, a mamie foi dormir junto com ela. E depois elas viveram felizes para sempre. Acabou (ing:Por que a coelhinha ficou assustada?) Porque ela pensou que ia entrar alguém na casa dela. PRANCHA X - “OS CACHORRINHOS FELIZES” De cachorrinho eu gosto! (ri). A mame cachorrinha falou para o filhinho: “filhi- ho, vooé quer ir no banheiro?”. E ele falou; “eu quero”. Ai ele foi no banheiro, fez xxixi, deu descarga, lavou a mio, enxugou na toalha. E depois que enxugou a mio, ele foi brincar com a mamie dele. E a mae brincou de jogar bolinha para ele. Ele foi. pegou a bolinha e eles ficaram brincando. E depois que brincaram eles foram tomat gua. E depois que foram tomar gua foram brinear de novo. E depois eles foram tomar banho porque estavam muito suados. E depois que eles tomaram banho, eles foram se enxugar para ir para a sala. E depois foram assistir televisio. E depois que assistiram televisio foram jantar. B depois que jantaram foram para a sala assistir novela. E depois que assistiram novela a mamie mandou o filhinho dormir, E-depois a mame assistiu 36 um pouguinho de novela ¢ foi dermir, Acabou, (Inq: Quem mo- vava af?) S6.a mamie e o filhinho. 152 — PSIC - Revista de Psicologia da Veto WoL 3, 0.1, 2002, pp. 142-152

You might also like