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COLEGA! Coordenagio NCIA ATUAL Leny Cordeiro Complexidade Roger Lewia Buracos negro, universs-bebés « outros ensaioe ~ Stephen Hawking Sonkos de uma teoria final ~ Steven Weinberg 0 quark jaguar ~ Maray Gell Mann Somos diferentes? ~ James Tet ‘SERIE MESTRES DA CIENCIA Os tes ins mauos ~Paal Davies Arigem da espécie humena~ Richard Leakey Por que 0.sex0 ¢ divertdot ~ ‘SERIE MESTRES DO PENSAMENTO Depois de Deus ~ Don Cait, Mantes exraordindrias ~ Hows A descoberta do fuco - Mihaly MIHALY CSIKSZENTMIHALYI A DESCOBERTA DO FLUXO A psicologia do enyolvi com a vida Tradugdo de PEDRO RIBEIRO ‘Tule engi! FINDING FLOW ‘The Prychelopy of Eagagerent ‘wih Brey Lite CComrigh © 1997 by Maly Cazes ‘Orion Publishing Grup Lid 0 nome ea marca The Maserins forum pulcadon coma arian eeu propio Brocka, Is" Dirtos mundi para igus porgeese eserves com exciriede 8 "EDITORA ROCCO LTDA. ‘Rua Rodign Siva 25 "andar “2011-040 Rio de Janae. ‘Tel: S07 2000 Fa S072 Pred in Brees 0 Brat rear de vigils WYTAVINAGRE TTAURA NEVES (iP. Bes, Catalopago-n-frte Sindcta Neon dos Eton os, RE (Caitsemuriay, Maly cain" "A Gascoberta do Mano picloia do eavlimento com 4 ‘ida cotta / Mia Cakenimblyy; tad de Poe bei. ~ Rio de JecireRoce, 1998 “ecu Aa “Trade de: Finding Now: the psyebology of enenseren: win everyaay te ‘Inka igri ISBN a5-325 10140 1, Vida. 2 Cotiino, L Tile. I Til: A picloga do emvlvimero coma via ctinai Série cop- 1582 9.0502 DU 159.34 Para Isa, novamente SUMARIO Agradecimentos. 9 1 ~As estrutures da vida cotidiana .. u 2-0 conleade de experiéncia.... 25 3 — Como nos sentimos quand fazemes cosas diferentes 41 4-0 parodexe do trabalho. 53 5 Os riscos e as oportunidades do lazer... 7 &- Relacionamenios e qualidade de vida 80 7— Como mudar 0s padres de vida. 7 8~Apersonalidade autotdlica 9-0 amor eo destino. Notas Referénci indice. AGRADECIMENTOS Os resultados discutidos neste livro se baseiam em pesquisas financiadas pela Spencer Foundation e pela Alfred P. Sloan Foundation. Muitos colegas e estudantes forneceram um auxilio valioso na pesquisa do fluxo. Gostaria de agradecer especialmen- tea Kevin Rathunde, da Universidale de Utah; Samuel Whalen, da Northwestern University; Kiyosti Asakawa, da Universidade Shikoku-Gakuen, no Japio; Fausto Massimini ¢ Antonella Delle Fave, da Universidade de Milo, Italia; Paolo Inghilleri, da Universidade de Perugia, Itélia; ¢ a meus colegas na Univer- sidade de Chicago, Wendy Adlai-Gail, Joel Hektner, Jeanne Nakamura, John Patton e Jennifer Schmidt, ‘Dos muitos colegas cuja amizade tanto me auxilion, gosta- ria de agradecer especialmente a Charles Bidwell, William Damon, Howard Gardner, Geoftrey Godbey, Elizabeth Noelle- Neumann, Mark Runco e Barbara Schneider. UM AS ESTRUTURAS DA VIDA COTIDIANA Se realmente quetemos viver, € melher que comecemos a tentar imediatamente; se no queremos, no faz mal, mas & melhor comogarmos a morrer. WH, Andon As palavras de Auden sintetizam com preciso o tema deste livro.t A escolha 6 simples; entre agora ¢ o inevitdvel final dos nossos dias, podemas escolher entre viver ou morret. A vida bio- l6giea 6 um processo automitico, desde que cuidemos das neces- sidades do corpo. Mas viver no sentido a que o poeta se refere nao Ede modo algum algo que acontega espontaneamente, Na verda- de, tudo conspira contra isso: se nfo assumirmos sua diregio, nossa vida ser controlada pelo mundo exterior para servir a pro- pésitos alheios aos nossos. Instinios biologicamente programa- dos nos utilizardo para replicar 0 material genético que carrega- ‘mos, a cultura garantiré que empregaremos nossa vida para pro- ‘Pagar os seus valores ¢ instituicdes e outas pessoas tentario trar ‘0 mfximo da nossa energia para levar adiante seus préprios pla- ‘nos — tudo isso sem consideragio alguma pelo modo como sere ‘mos afetados. Nio podemos esperar cue alguém nos ajude a viver; precisamos descobrir como fazer isso por conta propia. ___ Desse modo, 0 que significa “viv2r"? F claro que nao se simplesmente & sobrevivéncia biol6gica. Significa viver de desnerdicio de temoo @ notencial. exoressan- 12 A DESCORERTA DO FLUO complexidade do cosmos. Este livro estuda maneiras de viver deste modo, apoiando-se o maximo possivel em descobertas da psicologia contempordnea e nas minhas prOprias pesquisas, assim como na sabedoria do passado, em todas as formas como foi registrada. Vou refazer a pergunta “o que é uma boa vida?” de uma ‘maneira bastante modesta, Em vez de lidar com profecias e mis- {érios, tentarei me limitar ao maximo As evidéncias racionais, focalizando os eventos cotidianos que geraimente encontramos durante um dia normal ‘Um exemplo concreto podert ilustrar melhor 0 que quero dizer com levar uma boa vida. Anos ards, meus alunos ¢ eu estu- damos uma fabrica onde cram montados vagies de trem. A ofici- 1a principal era um grande galpao sujo onde mal se podia ouvir uma palavra sequer, devido ao barulho constante, A maioria dos soldadores que trabalhava ali detestava seu emprego, ¢ ficava constantemente othando para o rel6gio, ansiosa para ir embora. Assim que safam da fabrica corriam para os bares da vizinhanca, ‘ou cruzavam a fronteira do estado em busca de lugares mais ani- mados. Exceto tum deles: Joe, um homem semi-alfabetizado de ses- senta e poucos anos, que aprendera sozinho a compreender e con- sertar cada pega de equipamento na fébrica, de guindastes a ‘monitores de computador. Ele adorava pegar méquinas que nao estavam funcionando, descobrir o que havia de errado com elas ¢ colocé-las novamente em funcionamento. Ele e a esposa cons- trufram um grande jardim de pedras nos dois terrenos vazios jun- to 2 sua casa, e nele instalaram fontes quo eriavam um efeito de arco-fris ~ mesmo durante a noite. Os cento e poucos moldadores ‘que trabalhavam na usina respeitavam Joe, embora nio 0 com: preendessem muito bem. Eles pediam sua ajuda sempre que havia algum problema, Muitos diziam que sem Joe a fabrica teria de fechar. Nos tiltimos anos conheci muitos executivos principais de ‘arias empresas, politicos poderosos e dezenas de laureados com ‘© prémio Nobel — pessoas eminentes, que de muitas maneiras viviam vidas excelentes, mas nenhuma delas era melhor do que a de Joe. O que torna uma vida como a dele serena, stil e digna de ser vivida? Esta é a pergunta erucial & qual este livro tentaré res- ponder. Minha abordagem tem ir€s pressuposios principais. O [AS ESTRUTURAS 2A VIDA COTIDIANA 13 primeiro é que profetas, poetas ¢ fil6sofos vislumbraram verda- des importantes no passado, verdades que sto essenciais para a ‘continuidade de nossa sobrevivéncia. Mas essas verdades foram ‘expressas no Vocabuldrio conceitual de sua época, de modo que, ‘para que sejam titeis, seu significado precisa ser redescoberto © reinterpretado a cada geragdo. Os livros sagrados do judaismo, cristianismo, islamismo, budismo dos Vedas sao os melhores reposit6rios das idéias mais importantes para nossos ancestrais, © ignoré-los é um ato de arrogincia infantil. Mas € igualmente ingénuo acreditar que tudo que foi escrito no passado contém uma verdade absoluta ¢ imutavel. segundo pressuposto deste Tivro é que atualmente a cién- cin oferece as informagdes mais essenciais para a humanidade. A verdade cientifica também € expressa de acordo com a visio de mundo de sua época, ¢ portanto mudaré e poderd ser descartada no futuro, Provavelmente existe tanta su2erstigao ¢ mal-entendi- dos na cigncia moderna quanto havia nos mitos antigos, mas esta- ‘mos préximos demais no tempo para ver a diferenca. E possivel que no futuro a percepcilo exira-sensorial e a enetgia espiritual nos lever a verdade sem a necessidade de teorias laboratérios. Mas os atalhos sio perigosos; nao podemos nos iludir pensando {que nosso conhecimento & mais avangado do que realmente ¢. Apesar de todas as consequéncias, na atualidade a ciéncia é ainda © tinico espelho confidvel da realidade, ¢ a ignoramos por nossa conta ¢ tisco. 0 terceiro pressuposto & que, se desejamos compreender 0 que acarreta “viver” de verdade, devemos escutar as vozes do pascado e integrar suas mensagens com 0 conhecimento que a cigncia esté Jentamente acumulando, Gestos ideolégicos ~ tais como 0 projeto de retorno a natureza d= Rousseau, que foi um precursor da [6 freudiana - s20 apenas alitudes vazias de signifi cado se ninguém tem idéia do que é a natureza humana, Noo hi cesperanga no passedo; nfo hé solugdo a ser encontrada no presen- te; tampouco ficaremos melhores saltando para um futuro imagi- nirio. O tinico caminho para descobrir o significado da vida é a tentativa lenta e paciente de compreender as realidades do passa: do e as possibilidades do futuro do modo como elas podem ser compreendidas no presente. Portanto, neste livro “vida” significard aquilo que experi- mentamos da manhii até a noite, sete dias por semana, durante 14 A DESCORERTA DO FIUXO setenta anos se tivermos sorte, durante ainda mais tempo se for- ‘mos ainda mais afortunedos. Essa pode parecer uma perspectiva cestreita em comparacio com as visGes muito mais exaltadas da vida que os mitos ¢ as religides tornaram familiares para nds. Mas, subvertendo a apesta de Pascal, parece que, na diivida, a melhor estratégia ¢ acreditar que esses mais ou menos setenta anos sao nossa nica chance de experimentar 0 cosmos, € deve- ‘mos aproveité-Ia ao maximo — pois, se no 0 fizermos, podere- ‘mos perder tudo, e, se esivermos errados e kouver uma vida apds ‘a morte, niio perderemos nada. ‘© que seri esta vida ¢ em parte determinado pelos processos gufmicos do nosso corpo, pela interagto biol6gica entre os ‘orgios, pelas infimas corentes elétricas saltando entre as sinap- ses do cérebro, € pela organizacéo da informagao que a cultura impoe sobre nossa mente. Mas a qualidade real da vida — 0 que fazemos, € como nos sentimos quanto a isso — seré determinada por nossos pensamentos ¢ nossas emiogdes; pelas interpretagdes que damos a processos quimicos, bioldgicos c sociais. O estado do fluxo de consciéncia que passa pela mente & da competéncia da filosofia fenomenolégica, Meu trabalho nos tltimos trinta ‘anos consistiu em deservolver uma fenomenologia sistemstica que utiliza as ferramentas das eiéncias sociais ~ primariamente Psicologia e sociologia ~ para responder & pergunta: como é a vida? E a pergunta mais prética: como cada um de n6s pode ter uma vida excelente? primeiro passo para responder a essas penguntas se rela- cciona com ter uma boa rogdo das forgas que formam aquilo que podemos experimentar. Quer gastemos ou no, cada ur de née std sujeito aos limites do que podemos fazer e sentir. Ignorar esses limites leva & negagio e mais tarde ao fracasso. Para alcan- ar a exceléncia, devemos primeiro compreender a realidade do cotidiano, com todas as suas exigéncias ¢ possiveis frustracées. Em muites dos antigos mitos, quem desejava encontrar a felicida- de, 0 amor ow a vida etema tinha de primeiro viajar pelo mundo do além. Antes de obter a permissio para contemplar os esplen- dores do eéu, Dante teve de perambular pelos horrores do inferno para que pudesse compreender o que nos impede de atravessar os portdes celestiais. O mesmo é verdade na busca mais terrena que estamos prestes a iniciar. [AS ESTRUTURAS DA VIDA COTIDIANA 15 s babuinos que vivem nas planfcies afticanas passam cer ‘cade um tergo do seu tempo dormindo, ¢ quando acordam divi- dem seu tempo entre viajar, encontrar alimento e comé-lo, © momentos de lazer — que basicamente consistem na interagiio, ou ‘em catar pulgas nos pélos uns dos outros, No é uma vida muito ‘stimulate, mas pouco mudou no milhto de anos desde que 08 seres humanos evolufram de ancestrais simios comuns.* As exi- géncias da vida ainda ordenam que passemos nosso tempo de um modo pouco diferente dos babuinos africanos. Com uma diferen- ‘ga de poucas horas, a maioria das pessoas dorme durante um ter- go do dia e usa 0 resto para trabalhar, deslocar-se © descansar mais ou menos nas mesmas proporydes que os babuines. E como o historiador Emmanvel Le Roy Ladurie mostrou, nas vilas fran- cesas do século XITI ~ que estavam entre as mais avangadas do mundo naquela época -, a atividade de lazer mais comum ainda era catar piolhos nos cabelos uns dos outros. Hoje, naturalmente, temos a televistios 0s ciclos de descanso, produgio, consumo e interagao esto to integrados & maneira como experimentamos a vida quanto rnossos sentidos ~ visti, audicio e assim por diante. Como o sis- tema nervoso foi construfdo para que s6 pudesse processar uma pequena quantidade de informagio de cada vez, a maior parte daquilo que experimentamos precisa ocorrer de maneira sequien- cial, uma coisa depois da outra. Muitas vezes se diz de um homem rico e poderoso que, “como o resto de nés, ele precisa botar uma perma nas calgas de cada vez”. Podemos engolir ape- nas um bocado, eseutar ima s6 miisica, ler um s6 jornal, partici- par de uma s6 conversa de cada vez. Assim, as limitagdes na atengio, que determinam a quantidade de energia psiquica que possuimos para experimentar 0 mundo, oferecem um roteiro inflexivel para nossas vidas. Nas épocas mais diversas e em dife- rentes culturas, o que as pessoas fazem e por quanto tempo é in- crivelmente similar. ‘Tendo acabado de dizer que em alguns aspectos importantes todas as vidas sio similares, devemos nos apressar em reconhecer as dbvias diferengas. Um comretor de Manhattan, um camponés dda China e um bosquimano do Kalahari viverdo o roteiro huma- no basico de maneira que a principio nto parecer ter nada em comum. Escrevendo sobre a Europa dos séculos XVI a XVIL, as historiadoras Natalie Zemon Davis e Arlette Farge comentaram: 16 A DESCORERTA DO FLUXO “A vida didria se desdobrava no contexto de hierarquias sexuais e sociais duradouras.” Isso é verdadeiro para todos os grupos 80- ciiais que conhecemos: ¢ modo como uma pessoa vive depende ‘em grande parte do sexo, da idade € da posigdo social. ‘A casualidade do aascimento coloca uma pessoa em um niicho que determina em grande parte em que tipo de experiéncias sua vida consistiré. Um garoto de seis ou sete anos, nascido hé duzentos anos em uma famflia pobre da Inglaterra, provavelmen- te despertaria as cinco da mana e corteria até o moinho para cui- dar das m6s mecdnicas ¢ barulhentas até o crepisculo, seis dias por semana. Muitas vezes ele morreria de exaustio antes de che- gar A adolesc8ncia. Uma garota de 12 anos nas regides produto- ras de soda da Franga ni mesma época ficaria sentada junto a uma banheira 0 dia inteiro, mergulhando casulos de bicho-da- seda om agua fervente para derreter a substncia viscosa que ‘mantinha 05 fios unidos. Ela provavelmente sucumbiria a doen- a8 respiratGrias por ficer sentada em roupas timidas da manha até a noite, e as pontas des seus dedos mais tarde perderiam qual- quor sensibilidade devido a 4gua quente. Enquanto isso, as crian- gas da nobreza aprendiam a dangar 0 minueto e a conversar em. linguas estrangeiras, As mesmas diferengas quanto 3s oportunidades de vida ain- da siio encontradas entre nés, O que uma erianga nascida em uma favela urbana em Los Angeles, Detroit ou na Cidade do México pode esperar experimenter durante uma vida? Como isso vai dife- rir das expectativas de uma crianga nascida em um préspero subtirbio norte-americano, ou de uma abastada famflia sueca ou suica? Infelizmente nao hd justiga ou qualquer sentido no fato de uma pessoa nascer em uma comunidade assolada pela fome, tal- Vez até mesmo com um defeito fisico congénito, enquanto outra ‘omega a vida com boa aparéncia, boa satide e uma polpuda con- ta baneéria. Assim, embora os arincipais pardmetros da vida estejam fixados, ¢ ninguém possa evitar 0 repouso, a alimentagio a inte- ago, ¢ pelo menos algum trabalho, a humanidade esté dividida em categorias sociais que determinam em grande parte o conted: do especifico da experiéacia. E, para tomar tudo isso mais inte- ressante, existe, naturalmente, a questo da individualidade. Se olharmos pela janela no invemo norte-americano, vere- [AS ESTRUTURAS DAVIDA COTIDIANA 17 ‘mos milhoes de flocos de neve idénticos caindo. Mas, se pegar= ‘mos tuma lente de aumento e olharmos cada floco isoladamente, Togo descobriremos que eles nao sio idéncicos ~na verdade, cada tum tem uma forma que nenhum outro floco duplicou exatamen- te. O mesmo € verdade quanto 90s seres humanos. Podemos dizer tum bocado sobre o que Susan vai viver simplesmente pelo fato de cla ser humana. Podemos dizer ainda mais sabendo que ela éuma ‘garota ameticana, vivendo em uma certa comunidade, com pais ‘que possuem taise ais profissdes. Porém. saber todos os parime- {ros extemnos nao nos permitiré prever como serd a vida de Susan. [Niio $6 porque o acaso pode anular todas as apostas, mas também ¢ principalmente porque Susan possui uma mente propria, com & qual pode decidir desperdigar suas oportunidades ou vencer algu- mas das desvantagens do seu nascimento. E devidoaessa flexibilidade da consciéncia humana que um livro como este pode ser escrito. Se tudo fosse determinado pela condigio humana comum, pelas categotias sociais ¢ culturais © pelo acaso, seria iniitil refletir sobre as maneiras para tornar a vida do individuo excelente. Felizmente, existem oportunidades suficientes para a iniciativa pessoal e escolha para fazer uma dife- renga real. E aqueles que acreditam nisso so os que tém mais, chance de se libertar dos grilhSes do destino. Viver significa experimentar — por meio de atos, sentimentos, pensamentos. A experigncia ocorre no tempo, por isso o tempo é ‘6 mais escasso recurso que possuimos. Com 0 passar dos anos, 0 contedido da experiéncia determinard a qualidade da vida. Portanto, uma das decisGes mais essenclals que qualquer um de 1nés pode fazer & sobre 0 modo como o nosso tempo é alocado ou investido, Naturalmente, © modo como investimos o tempo nfo ‘depende apenas de nossa vontade. Como jé vimos antes, limita ges severas ditam 0 que podemos fazer como membros da raga humana, ou como participantes de determinada cultura ou socie- dade. Apesar disso, € possivel fazer escolhas pessoais, ¢ 0 contro- le sobre o tempo est, em certa medida, nas nossas mios. Como 0 historiador E. P. Thompson observou, até mesmo nas décadas ‘mais opressivas da Revolucao Industrial, quando os opersrios tra- ‘balhavam como escravos durante mais de oitenta horas por sema- nnaem minas ¢ fébricas, alguns deles passavam suas poucas horas 18 A DESCOSERTA DO FLUO de precioso tempo livre em estudos literitios ou agdes politicas com vez de seguir a maiotia até os bares. s termos que usamos para falar sobre o tempo — orgamen- tar, investir,alocar, desperdigar ~ foram extrafdos da linguagem financeira. Consequentemente, algumas pessoas alegam que nos- sa atitude para com o tempo ¢ influenciada por nossa peculiar heranga capitalista, fi verdade que a maxima “tempo é dinheiro” cera uma das frases favoritas daquele grande apologista do capita- Jismo, Benjamin Franklin, mas a equiparagao dos dois termos certamente € muito mais antiga e enraizada na experincia huma- ‘na comum, em vez de apenas na nossa cultura. Na verdade, pode- famos afirmar que € 0 dinheiro que recebe 0 seu valor do tempo, em vez do contrério. O dinheiro é simplesmente a unidade mais utiizada para medir o tempo investido em fazer ou fabcicar algu- ma coisa. E n6s valorizanos o dinheiro porque de certa forma ele ‘os liberta das limitagdes da vida, tomando possivel que tenha- ‘mos tempo livre para fazermos o que desejarmos. © que, entlo, as pessoas fazem com seu tempo? A Tabela | proporciona uma idéia geral de como passamos as 16 horas (aptoximadamente) por dia em que estamos despettos © cons- Como disseram muitos pensadores desde Aristételes, tudo 0 que faze- ‘mos tem como meta final experimentar a felicidade. Nao quere- ‘mos realmente a riqueza, ou sade, ou a fama por si s6s ~ quere- os essa cvisus porque experamos que elas nos tomnem felizes. Porém, buscamos a felicidade niio porque ela v4 nos levar a algu- ‘ma outra coisa, mas por ela mesma, Se a felicidade 6 realmente 0 objetivo da vida, que sabemos sobre ela? Até meados do sculo XX, os psicdlogos relutavam em estu- dar a felicidade, porque o paradigma behaviorista reinante nas cigncias sociais sustentava que emogdes subjetivas eram vagas demas para que fossem objetos apropriados de pesquisa cientli- ca. Mas a medida que o “empirismo rido” no meio académico foi amainando nas iltimas décadas, permitindo que a importincia das, experiéncias subjetivas pudesse ser novamente reconhe «studo da felicidade foi retomado com um novo vigor. ‘© CONTEUDO DA EXPERIENCIA 27 © que estes estudos revelaram a0 mesmo tempo familiar € surpreendente. E surpreendente, por exemplo, que apesar de seus problemas ¢ tragédias, as pessoas em todo o mundo tendam a des- {rever a si mesmas muito mais como felizes do que infelizes. Nos Estados Unidos, em geral, um tetgo dos entrevistados de amos- tras representativas dizem que esttio “muito felizes”, ¢ s6 um em dez “nao esti muito feliz". A maioria se considera acima da média, como “bastante feliz”. Resultados similares sto relatados por dezenas de outros paises. Como iss0 pode acontecer, quando ‘0s pensadores em toda a histéria, ao refletirem sobre como a vida pode ser breve e dolorosa, sempre nos disseram que o mundo € tum vale de lgrimas e que no fomos feitos para sermos felizes? Talvez a razio para essa discrepdncia seja que os profetas e fild-

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