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' COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO Mateus Volume 1 | WILLIAM HENDRIKSEN COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO WILLIAM HENDRIKSEN Apresentamos ao ptiblico evangélico o comentario mais completo e coeso de que 0 povo de Diego tce CCAR IL Bae Mas cr Zee Me CMN TI UPAR MmoRo lO eoMo Ue Ul Oka Meco Es fidelidade. Este comentario esta organizado de tal forma, que o erudito encontra nele real fonte de pesquisa, e 0 leitor em-geral, inspiracao para a vida crista. Caracteristicas Notaveis Introdug4o error on tment Pitas ecomeonn ace mee Uneaten Ts Mem como data, autoria ¢ outros problemas concernentes 4 critica textual. QuestGes gramaticais sao Cre CLERC osu Ruonly ecm MeN aa caer mC RUN MeL HoRn Cone inane Reem co scone lose Nova tradugéo Cada segao deste comentario € precedida pela propria tradugao que o autor faz do texto DOC e eNom Cth ccm nn comic Once nt motte Felice PCO DIENT orate cue CMe Te Me Tot Mees aL ae Tn Cots ce elo te Tito neORele mW inela Comentdrio 3 OER cre meen esc N Rater Meats fetes ele Llt ae te etek Crater On Ste rio do texto biblico um valioso instrumento de trabalho, seja para 0 erudito, seja para o leitor em geral. Resumo PAC Ran nc mene Ccae elec (el mere Teor cle) ar 4 Ma TOn TOE TC LICL oom Tn MTT} Sele Rem emcee nt Meonccerm te tec mtr at eat Cone tet Ra nites ot rt re mene et ecet ete crncd Esbogo Cada livro da biblia é precedido por um esboco que mostra sua estrutura organica; as se- Ro er Cement eran cri Notas criticas Nestas notas de rodapé so discutidos diversos problemas para assegurar um tratamento completo e adequado do texto; isto é feito de forma paralela ao comentario para que o leitor em Peete centre tetris Teologia E dificil um comentario biblico que harmonize o sentido do texto com uma teologia coesa, extremamente calcada a realidade profunda do texto, seguindo os linhas da fé reformada, de forma tao leal, como este. pepe Vo lm @set tat Em geral os comentarios biblicos sio frios. Este harmoniza a seriedade literaria com o espi- rito de profunda piedade crista. O leitor se sentiré, com frequéncia, arrebatado aos pincaros da comunhao com 0 Deus da Revelacao, cujo insondavel amor nos deu Cristo, a gléria eterna da Igreja. €DITORA CULTURA CRISTA a 85-86885-07- | Peet m re oem eer ante) Oot eee ere se Coa or OR eer Oat eS et gL |, Fone (0"*11) 270-7099 — Fax (0**11) 279-1255, Re Reishee Ole Res HU Il COMENTARIO DO NOVO TESTAMENTO Mateus Volume 1 € WILLIAM HENDRIKSEN © 2000, Oo |. Michigan, | According idos por Baker Book Hou: I edigo em Portugués — 2001 3.000 exemplares radugGo: vale Graciano Martins Revisdo: Gordon Chown Claudete Agua de Melo Editoragéo. Rissato RODRIGUES Capa: Expresso Exata Impresso.e Acabamento Assahi Grifica ¢ Editora, Publicagao aprovada pelo Cons O tema da relagao entre os Sinéticos e Jodo é tratado com mais detalhes e de forma mais completa em C.N.T. sobre Joao, pp. 12-18; 31-33. Ver também a dimensao que Ihe 6 dedicada em F. C. Grant, The Gospel of St. John, Nova York e Londres, 1956; B, F. Westcott. The Gospel according to St. John, Grand Rapids, 1954: ¢ J. E. Davey, The Jesus of St. John, Londres, 1958. A elucidagao mais recente e completa se encontra em Leon Morris, Studies in the Fourth Gospel, 1969; ver especialmente pp. 15-63. “Ver, por exemplo, a tentativa recente feita por T. J. Baarda De Betrouwbaarheid van de Evangelién, Kampen, 1967, pp. 12ss, onde, por meio de um mapa (p. 13), ele trata os primeiros capitulos do Evangelho de Jodo como se descrevessem viagens consecutivas e diz que, segundo Marcos, Jesus viaja da Galilgia 4 margem oriental do Jordao (para a alimentacao dos cinco mil), porém segundo Joao foi de Jerusalém (p. 16). Nao esta Baarda estabelecendo uma contradigao entre o Evangelho de Joao e os Sinéticos que nao & justa? Seguramente ele sabe que Jodo seleciona certos eventos importantes que revelam que Jesus € 0 Cristo, o Filho de Deus, ¢ que este evangelista nao nos esta fornecendo uma Hida de Cristo (veja-se Jo 20.30.31). Especificamente, Joao introduz a narrativa da alimentagao miraculosa como segue: “Depois destas coisas”, significando simplesmente, “Algum tempo depois”, uma expresso muito indefinida, sem implicagdes cronoldgicas ou geograficas. Ver C.N.T. sobre Jo 5.1.0 mesmo vale com respeito a pretendida contradi¢ao entre os Sindticos ¢ Joao no tocante ao dia da crucificagao de Cristo. Nunca se pode provar que haja aqui um verdadeiro conflito. Veja-se a mesma obra. Jo 18.28. 14 INTRODUGAO AOS QUATRO EVANGELHOS IL. InrropucAo aos Tris EVANGELHOS: Mateus, Marcos E Lucas (os SINOTICOS) A. Sua Origem (0 Problema Sindtico) Os primeiros trés Evangelhos apresentam 0 mesmo ponto de vista da vida e dos ensinos de nosso Senhor; por isso s&o chamados Sindticos (uma visao de conjunto). SA0 semelhantes entre si, no entanto sao também diferentes. Segundo revela um estudo detalhado desses Evangelhos, até onde vai essa seme- lhanga? E sua diferenca? Que problema cria o resultado de nos- so estudo? O mesmo pode ser resolvido? Em concordancia com essas perguntas, os quatro titulos principais deste estudo serfo: 1. Sua Semelhanga, pp. 15-29; 2. Sua Diferenga, pp. 25-51; 3. O Problema Resultante, p. 51; 4. Os Elementos Que Entram na Solugao, pp. 51-82. 1. Sua Semelhancga a. Em conteudo ou tema Ao fazer um exame, descobre-se que 0 evangelho de Mateus contém, em substancia, quase tudo 0 que contém o evangelho segundo Marcos; de fato, dos 661 versiculos de Marcos, 606 (cerca de 11/12) tém paralelo em Mateus. Também, mais da metade de Marcos (350 wv. -- cerca de 53%) esta reproduzido em Lucas. Pondo de forma diferente, o material de Marcos que se encontra em Mateus esta incluido em cerca de 500 dos 1.068 versiculos de Mateus; portanto, aleanca pouco menos da meta- de desse evangelho. Os 1.149 versiculos de Lucas tém amplo espago para os 350 versiculos aproveitados de Marcos; de fato, dois tergos do Evangelho de Lucas nao contém nenhum mate- rial de Marcos. Tornou-se evidente que dos 661 versiculos de Marcos, so- mente 55 nao tém paralelo em Mateus. Contudo, desses 55, nado menos de 24 est&o representados no Evangelho de Lucas. Portanto, a semelhanga no contetdo material é tao grande que Marcos tem apenas 31 versiculos que podem com propriedade 15 MATEUS ser chamados seus proprios. Quanto ao contetido, estes 31 versiculos séo como segue: no tocante ao inicio do evangelho 7: o sdbado feito para o homem, nao vice-versa 3.20,21: a opiniao de alguns de que Jesus estava fora de si 4.26-29: a parabola do “crescimeito secreto da boa semente” 7.3,4: a explicagao parentética das purificagdes dos fariseus 7.32-37: a cura do surdo-mudo 8.22-26: acura do cego em Betsaida i Re 9.29: 0 dito: “Esta casta nao pode sair senao por meio de oragaéo {e jejum]” 9.48.49: a referéncia ao fogo que nao se apaga e o ser salgado com fogo 14.51,52:a historia do jovem que fugiu nu. Os seguintes diagramas sao acrescentados para, de forma mais solida, imprimir estes fatos na mente: B E E A A A =Evangelho de Mateus A= Evangelho de Lucas B = Evangelho de Marcos B = Evangelho de Marcos C= porgado do Evangelho de Marcos C = porg&o do Evangelho de Marcos com paralelo em Lucas com paralelo em Lucas D= porgao do Evangelho de Marcos D = porgdo do Evangelho de Marcos sem paralelo em Mateus sem paralelo em Lucas E = porgao do Evangelho de Mateus E = porgéio do Evangelho de Lucas sem paralelo em Marcos em paralelo em Marcos 16 INTRODUGAO AOS QUATRO EVANGELHOS Ora, a declaragao de que os trés Sindticos ttm muito em comum nao deve ser entendida de forma errénea. No quer di- zer que em cada Evangelho ¢ dedicado igual espaco a cada tema. Ao contrario, os diferentes relatos das obras e palavras de nosso Salvador sAo registrados com um grau de plenitude amplamen- te variado. Por exemplo, o registro da tentagao de nosso Senhor esté muito mais detalhado em Mateus e em Lucas do que em Marcos. Este simplesmente nos informa que o Espirito “impe- liu’ Jesus para o deserto; que ele permaneceu ali quarenta dias, durante os quais foi tentado por Satanas; que estava com as fe- ras, e que anjos o serviam (1.12,13). Mateus e Lucas, por outro lado, nos dao um relato mais detalhado das trés tentagdes (Mt 4.1-11; Le 4.1-13). Por outro lado, 0 relato de Marcos é com freqiiéncia o mais detalhado. Leia-se, por exemplo, a historia da cura de um endemoninhado, como registrado em Me 5.1-20; e compare a mesma com o relato mais condensado em Mt 8.28- 34 e em Le 8.26-39. Outra ilustragdo é Mc 5.21-43; cf. Mt 9.18- 26; Le 8.40-56. Feitas essas restrigdes, podemos afirmar que os trés apre- sentam, cada um do seu préprio modo, a historia das peregrina- ges terrenas de Cristo; isto é¢, de seu ministério, mormente na Galiléia e seus arredores (em disting¢&o ao Evangelho de Jodo, que poe a 6nfase no ministério de Jesus na Judéia, como ja ficou indicado). Cada um dos trés descreve o principio ou inaugura- ¢4o, 0 progresso ou continuacao, o climax ou culminacgado da grande tarefa que o Mediador consumou. (1) Seu Principio ou Inauguragao. O material comum aos trés, e que se refere a este periodo inicial da obra de Cristo na terra, esta incluido em Mc 1.1-13; Mt 1.1-4.11; Le 3.1-4.13. Intencionalmente usamos a frase “esta incluido em”, que signi- fica que as referéncias indicadas designam a extensdo do perio- do. Nao significa que tudo o que se acha dentro dos limites des- sas referéncias ¢ comum aos trés Evangelhos, porque isso néo seria verdadeiro. Todavia, no momento estamos tratando daqui- lo que nos trés relatos é territorio comum. As diferengas serao estudadas posteriormente. 17 MATEUS Conseqiientemente, os trés relatos, com maior ou menor variagdo de detalhes, descreve a vinda, a pregacao e 0 modo de vida do precursor de Cristo, Jodo Batista, sua recepgao pelas multid6es e seu testemunho concernente a Jesus. Também nos trés é registrada a historia do batismo de Jesus por Joao, bem como a das tentagdes suportadas pelo Senhor no deserto. Con- tudo, é nada mais do que justo dizer ainda nesta altura que a diferenga entre o espaco dedicado a esses temas, em Marcos, por um lado, e respectivamente, em Mateus e Lucas, por outro, € tao grande que esse material também pode ser considerado como pertencente a area que nao é de Marcos, mas que é co- mum a Mateus e Lucas; ver p. 35. (2) Seu Progresso ou Continuagdo. De acordo com os trés relatos, Jesus faz da Galiléia — especialmente Cafarnaum (Mc 1.21; 2.1; cf. Mt 4.13; 8.5; 11.23; Le 4.23,31; 7.1) — seu quar- tel-general. Dai, a primeira fase deste periodo ser com freqiién- cia qualificada como 0 Grande Ministério Galileu, que esta com- preendido em Mc 1.14-7.23; Mt 4.12-15.20; e Le 4.14-9.17. Todos os trés relatam que Jesus convida certos pescadores para serem seus seguidores, realiza muitos milagres de cura, acalma uma tempestade, expulsa deménios e ainda restaura a vida a filha do governador da sinagoga de Cafarnaum. Ele se dirige as multiddes em parabolas, algumas das quais sao comuns aos trés Evangelhos, envia os Doze como seus embaixadores, e alimen- ta miraculosamente os “cinco mil”, Porém, ja foi rejeitado por seu proprio povo (Me 6.3; Mt 13.57; Le 4.28,29).> A énfase agora se desloca das multidées para os discipu- Jos; da cidade para as aldeias, o campo e a montanha. Porquanto Jesus se retira com freqiiéncia para as regides circunvizinhas da Galiléia e para lugares onde possa estar a sos com seus discipu- los — essa segunda fase pode ser designada como 0 Ministério do Retiro. Contudo, isso é apenas um deslocamento na énfase, 5 Em Lucas, 0 relato da rejeigao de Cristo em Nazaré aparece no principio (4.16-3 1); em Marcos e Mateus aparece no final dessa segao (Mc 6. 1-6; Mt 13.5358). Quando se considera Jo 1,11. 0 arranjo de Lucas aqui nao parece tao estranho. 18 INTRODUGAO AOS QUATRO EVANGELHOS pois mesmo aqui o senhor n&o perde o interesse pelo povo como um todo (Mc 8.1; 9.14; etc.) nem em Cafarnaum (Mc 9.33). Mas sao especialmente os Doze que est&o sendo gradualmente preparados para os estranhos eventos que est&o para acontecer: o sofrimento, a morte e a ressurreig¢ao do Messias. As vezes € vagamente indicado o lugar ou o dia em que este ensinamento é ministrado, ou onde e quando ocorre o milagre: por exemplo, “as aldeias de Cesaréia de Filipe” (Mc 8.27; Mt 6.13; cf. Le 9.18), “um monte alto” (Mc 9.2; Mt 17.1; cf. Le 9.28), “enquan- to desciam do monte” (Mc 9.9; Mt 17.9; cf. Le 9.37). A fase final desse extenso periodo, como descrito nos sindticos, apresenta Jesus indo da Galiléia para a regidio dalém do Jordao, ou seja, a Peréia (ver Mc 10.1; Mt 17.1). Nao é de se estranhar, pois, que o termo Ministério da Peréia tenha sido usado para descrever a localidade das atividades e viagens de Cristo nesse periodo. O pequeno grupo, liderado por Jesus, se dirige para o sul. Em seguida, o poder portentoso de Cristo se mani- festa em Jericé e suas proximidades. Em decorréncia da nature- za indefinida de muitas das ocorréncias quanto a tempo e lugar, ou, as vezes, da sua completa omissao, nem sempre é possivel dizer durante que fase (a segunda ou a terceira) do extenso peri- odo um dito foi pronunciado ou um evento ocorreu. Os escrito- res dos Evangelhos nao esto escrevendo um diario. Eles estéo muito mais interessados em nos contar 0 que Jesus fez e ensi- nou do que em nos dar uma cr6nica continua e diaria.® O que é comum a Marcos, Mateus ¢ Lucas, ao descrever as atividades de Cristo durante a segunda e terceira fases (Ministé- rios do Retiro e da Peréia) estd incluido em Me 7.24-10.52; ° Por essa mesma razdo, nunca sera possivel provar a existéncia de uma contradig&o cronolégica entre o Evangelho segundo Joao, de um lado, e os Sindticos, de outro. Ha lugar para um segundo ministério na Judéia (sobre isso, ver Joao 7.2—10.39 e, talvez, Le 9.51—13.21 como um todo ou em parte) intervindo entre 0 ministério do retiro e o da Peréia, assim como ha lugar para um primeiro ministério na Judéia entre 0 ministério da inauguracdo e 0 grande ministério da Galiléia. Ver 0 breve sumario no C.N.T. sobre o Evangelho segundo Joao, p. 36; ¢ ver novamente 0 que se diz acima, na nota de rodapé 4 19 MATEUS Mt 15.21-20.34; e Le 9.18-19.28. Contudo, a secao de Lucas difere tao notavelmente da dos outros dois, que merece um tra- tamento distinto; ver p.30. Nao obstante, nas trés segdes indicadas sao registrados assuntos tais como: a pergunta de Cristo dirigida aos discipulos: “Quem dizem os homens que eu sou?”, e suas predigdes e ensinamentos acerca da cruz e da ressurrei- ¢40 ministradas em trés ocasides distintas (Mc 8.31; 9.31; 10.33.34; Mt 16.21; 17.22,23; 20.17-19; Le 9.22.44; 18.31-34). Os relatos da transfiguragao do Senhor no monte e da cura do menino endemoninhado no vale, um epiléptico a quem os disci- pulos nao puderam curar, séo também encontrados aqui nos trés Evangelhos. O mesmo sucede também com a resposta de Cris- to, dramaticamente ilustrada, 4 pergunta dos discfpulos: “Quem de nds € 0 maior?”, e o dito muito consolador: “Deixem que os pequeninos venham a mim, e nao tentem impedi-los, porque aos tais pertence o reino de Deus.” No relato do “jovem rico”, cuja riqueza 0 fizera cativo de modo tal que se negou a cumprir a exigéncia de Cristo, é cha- mada de forma vivida a atengdo dos discipulos para o perigo das riquezas. E assim a viagem, alguns de cujos incidentes os trés relatam, mas ndo necessariamente numa completa ordem cronolégica, avanga para sua conclusio dramatica. Em Jericé, Jesus, uma vez mais, revela seu poder de realizar milagres, in- cluindo aquele da restauragdo da vista. Assim, o grupinho, ten- do Jesus por lider, avanga para Jerusalém e para a cruz. (3) Seu Climax ou Culminagdo. Os eventos narrados por todos so encontrados em Mc 11-16; Mt 21-28; e Le 19.29- 24.53. Essas extensas segdes descrevem os acontecimentos que transpiraram durante a semana da paixiio, seguidos pela ressur- reig&o. Lucas acrescenta o relato da ascens&o. Quase a quinta parte do Evangelho de Lucas é dedicada ao tema dos amargos sofrimentos do Salvador, desde 0 Getsémani ao Gélgota,’ e aos eventos que imediatamente os precedem. Em Marcos e Mateus, a proporgao é ainda maior; cerca de um terco de cada um desses 7 Q nome “Getsémani® ocorre somente em Mc 14.32 ¢ Mt 26.36, nado em Lucas. Semelhantemente, “Gélgota™ é encontrado somente em Me 15.22 e Mt 27.33. 20 INTRODUGAO AOS QUATRO EVANGELHOS Evangelhos tem a ver com esses acontecimentos. Além disso, 0 que é certo com respeito aos Sindticos nao é menos valido para Joao. Os quatro sao “Evangelhos da paixéo com uma extensa introdugao”.* E verdade, sem duvida, que “Jesus de seu trono nas alturas veio a este mundo para morrer”. Por conseguinte, em oposicao aos pontos de vista diversos e erréneos, nunca sera demais pér énfase sobre o fato de que aqui nao estamos tratan- do com Vidas de Cristo, e, sim, com Evangelhos, livros que contém as boas novas de salvag4o para os homens perdidos no pecado e na desgraca. E especialmente nesses capitulos finais que os trés se de- senvolvem num paralelismo surpreendente. Os trés registram os seguintes eventos: a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, como Principe da paz. As multiddes, com suas mentes domina- das por antegozos de glérias terrenas, lhe dao boas-vindas com desenfreado entusiasmo. Chegado ao templo, notando que seu grande atrio exterior havia se transformado em mercado, num antro de mafiosos, Jesus o purifica. Quando sua autoridade é desafiada, mui apropriadamente ele inquire de seus criticos se 0 batismo de Joao — o batismo praticado por esse mesmo Joao que tinha dado testemunho daquele que justamente agora esta expulsando os mercadores —- era divino ou era simplesmente humano em sua origem. Para maior clareza, ele acrescenta a parabola dos lavradores maus. Ele responde as perguntas capci- osas de seus oponentes, e por meio de uma pergunta que Ihes dirige subentende claramente que 0 Filho de Davi é nada menos que o Senhor de Davi. Num discurso publico — breve em Marcos e Lucas, mas de grande extensfio em Mateus — ele adverte as multiddes con- tra os escribas e fariseus, condenando-lhes a hipocrisia. Isso é seguido pelo seu discurso acerca da queda de Jerusalém e do fim do mundo. Os lideres tramam sua morte. Por uma soma de dinheiro, Judas concorda em entrega-lo em suas maos. Jesus ent&o envia *M. Kithler, Der sogenannte historische Jesus und de Geschichtliche, biblische Christus, Munique, 1956, p. 591 21 MATEUS discipulos —- segundo Marcos, “dois”; segundo Lucas, “Pedro e Joao” — a fazer os preparativos para a Pascoa. Durante a ceia pascal 0 traidor é desmascarado. O Mestre prediz que ele sera abandonado por todos os disc{pulos, inclusive Pedro. Apesar dos veementes protestos deste, Jesus mantém sua predicdo. A instituigéo da Ceia do Senhor é seguida pelas agonias no Getsémani. Com um beijo, Judas trai a Jesus. Este deixa-se agar- rar. Ele é levado 4 casa do sumo sacerdote, onde é maltratado ¢ vilipendiado. Segue-se a narrativa das trés vezes que Pedro ne- gou Jesus. De manha muito cedo o Sinédrio condena Jesus. Este é levado perante Pilatos, o governador romano, que o interroga a respeito de seu reino. Ante a chance de uma escolha, a multi- dao pede o livramento de Barrabas, um perigoso criminoso, de preferéncia a Jesus; e, instigada pelos principais sacerdotes e anciaos, exige que Jesus seja crucificado. Pilatos, enfim, cede. De caminho para o local de execugao, Simao de Cirene é com- pelido a carregar a cruz de Cristo. Em todos os trés Evangelhos algo é dito sobre a inscri¢4o (no cimo da cruz), as zombarias que Jesus suportou e as trés horas de trevas. Com um forte cla- mor, Jesus morre. O véu do templo é partido. O centuriao da seu testemunho. As mulheres que haviam seguido a Jesus desde a Galiléia observam todas essas coisas e em seguida mantém vi- gilia diante do sepulcro. Este era um sepulcro novo, e pertencia a José de Arimatéia, um dos seguidores de Cristo, que obti- vera permiss&o de Pilatos para remover 0 corpo de Jesus da cruz e sepulta-lo, Na manha do primeiro dia da semana, as mulheres, che- gando muito cedo, notam que a pedra do sepulcro fora removi- da, De um mensageiro celestial —— ou: de mensageiros celestiais (“dois homens com vestes resplandecentes” — Lucas) — rece- beram a assombrosa noticia: “Ele ressuscitou’. b. Nas palavras gregas idénticas, ou quase idénticas em- pregadas nos relatos paralelos. E surpreendente como, com quanta freqiiéncia, nao apenas © pensamento contido, porém ainda as préprias palavras empre- 22 INTRODUGAO AOS QUATRO EVANGELHOS, gadas no original e refletidas na tradug&o séo as mesmas, ou quase as mesmas, nos trés relatos. Quem quiser podera ver isso por si proprio justapondo os trés trechos em que a historia da purificagao de um leproso é narrada (Mc 1.40-44; Mt 8.2-4; e Le 5.12-14); ou as passagens paralelas em que Jesus defende seus discipulos por festejarem, em vez de jejuarem (Mc 2.18- 22; Mt 9.14-17; e lc 5.33-39); ou o triplo relato da alimenta- ¢4o dos cinco mil (ver especialmente Mc 6.35-37; Mt 6 14.15, 16; e Le 12,13; também Mc 6.41-43; Mt 14.19b,20; e Le 9.16,17). Estes sao apenas uns poucos dos exemplos que podem ser apresentados.” c. Na ordem dos eventos conforme sGo registrados nesses trés Evangelhos Essa semelhanga na seqtiéncia ja esta implicita no sumario do contetido dos trés, como demonstrado supra, em 1.a, (1), (2), (3). Demonstrou-se que, num sentido muito geral, a seqiiéncia é amesma em todos os trés Evangelhos. Por exemplo, isso € evi- dente a qualquer um que queira comparar a ordem em Mateus e em Marcos e notar que, com respeito ao primeiro, deve-se levar em conta seu método tematico e os seis discursos. Ver pp. 42- 50. E especialmente com respeito ao Evangelho de Lucas, con- tudo, que alguns véem uma dificuldade. " Certo autor que fez um estudo do problema sindtico diz: “Em Lucas, como qual- quer um que estudou sabe, é distintamente mais dificil que nos outros evangelhos lembrar 0 arranjo e ordem dos eventos e se- ° BH. Streeter, The Four Gospel, pp. 160,161, diz que uma proporgao de palavras que varia entre 30% e 60% das palavras em Marcos ¢ também encontrada em Mateus e Lucas. enquanto muitas das palavras restantes de Marcos saio comuns em Marcos ¢ Mateus ¢ Lucas. De Solages, em sua gigantesca obra, A Greek Synopsis of the Gospels (1.129 paginas!), Leiden, 1959, fornece listas detalhadas ¢ muitos diagramas e tabuas. Ver também W. G. Rushbreah, Synopticon, e A. Huch, Synopsis of the First Tree Gospels Todavia, contraste-se com a observagao de E. J. Goodspeed, que chama Lucas de ~adelicia do harmonista”, porém chama Mateus de“seu desespero”, Matthew Apostle and Evangelist, Fidadélfia e Toronto, 1959, p. 116. (Daqui em diante quando 0 nome deste autor for citado seguido de op. cit., a referéncia é a este livro.) 23 MATEUS goes.”"' Ora, é verdade que para muitos é certamente dificil guardar — e especialmente refer — na memoria a ordem exata em que seguem nesse evangelho, o mais extenso dos quatro,” os diversos eventos do relato dos primeiros tempos de nosso Senhor e seus muitos ditos. O que torna tudo mais dificil é a circunstancia de que “duas vezes neste Evangelho, num caso ao longo de dois capitulos, e noutro por mais de oito, ele (Lucas) se afasta de suas fontes, ¢ entdo, com igual clareza e de forma igual- mente despercebida, volta novamente ao seu fio derivado de Marcos”."' Por tltimo, porém nao menos importante, a ordem dos eventos € 0 arranjo dos ditos na seco média de Lucas é tio livre, que freqtientemente se torna dificil determinar exatamen- te quando ou onde esse incidente particular ocorreu ou foi pro- nunciado aquele ordculo especifico. Contudo, embora tudo isso seja facilmente admitido, ain- da é possivel perceber um notavel grau de semelhanga na or- dem dos eventos como registrados por Marcos e por Lucas. Vir- tualmente, tudo 0 que o estudante tem a fazer é a. memorizar a ordem geral dos grandes eventos em Marcos; b. levar em conta que o capitulo 7 e os capitulos 10 a 17 de Lucas contém pouco material de Marcos; e c. concentrar-se nos niimeros 3 e 8. Com certas modificagdes, que seraio mencionadas em momento opor~ tuno, alguém pode entéio dizer que para encontrar no Evangelho de Lucas um tema tratado em Marcos € preciso adicionar 3 ao numero do capitulo nos primeiros capitulos de Marcos, e 8 nos posteriores. Nao se pretende dizer que tudo 0 que ocorre no Evan- gelho de Marcos é duplicado em Lucas, nem significa que quan- do os numeros 3 ¢ 8 sao usados, o capitulo exato é sempre ¢ imediatamente encontrado. As vezes é preciso avangar um pou- co para 0 capitulo seguinte. Porém, continua sendo verdadeiro que pouco mais de 1/3 do que se encontra em Marcos | também "JH. Ropes, The Synoptic Gospels, Cambridge, 1960, p. 72. " Embora Mateus tenha 28 capitulos e Lucas apenas 24, na Biblia Edigao Revista ¢ Atualizada no Brasil, Mateus abrange 38 paginas e Lucas 41. Além do mais, como se observou anteriormente, Mateus tem 1.068 versiculos e Lucas 1.149. Todavia, aqui se deve dar espaco ao fato de que a decisdo de alguém a respeito das diversas variantes poderia alterar bem de leve as cifras. "Na p. 73, Ropes se tefere indubitavelmente a Le 6.17—8.3 e 9.51—18.14. 24 INTRODUGAO AOS QUATRO EVANGELHOS aparece em Lucas 4 (1+3=4); cerca de 3/4 de Marcos 2 é refle- tido em Lucas 5 (2+3=5). Teremos agora, uns poucos exemplos onde se adiciona 8 em vez de 3: mais da metade de Marcos 10 é reproduzido em Lucas 18 (10+8=18); cerca de 2/3 de Marcos 11 tem seu eco em Lucas 19 (11+8=19); etc. A similaridade na ordem dos eventos, mesmo entre Mar- cos e Lucas pode, entio, ser ilustrada como segue:" Paralelo entre Marcos e Lucas Sabendo o tema é adicione| e encontre que um seu parale- tema é tra- loem tado em MARCOS LUCAS capitulo capitulo ] Jesus vence o tentador. 3 4 Ele realiza milagres em Cafar- naum: cura um endemoninhado, a sogra de Sim4o e muitos outros ao entardecer. Ele parte para um lu- gar deserto. Todos 0 buscam. Pre- ga nas sinagogas da Galiléia. ‘ Naturalmente, a coluna 2 no deve ser considerada como um esbogo completo do Evangelho de Marcos. Alguns temas foram propositalmente omitidos porque nao se Ihe aplica a regra (“Marcos + 3 “ou” Marcos + 8”), visto que tém paralelo em outros lugares no Evangelho de Lucas, ou este os omite. No primeiro caso, 0 paralelo as vezes ocorre muito perto do capitulo cuja indicagdo numérica é a soma do capitulo de Marcos + 3 ou + 8; por exemplo, Mc 4. 1-20 nao tem paralelo em Le 7, segundo a regra 4 + 3 = 7, sendo em Le 8.4-15; Mc 11.27-33 nao tém 0 paralelo em Le 19 (11+8=19), sendo Le 20.1-8. Portanto, é claro que se a divisdo de nossas Biblias em capitulos tivesse sido mais coerente, seria mais facil orientar-se em Lucas, uma vez conhecido Marcos, ¢ seria ainda mais clara a semelhanga em material € ordem do contetido em toda a sua extensao. Porém, quem disputar4 o fato de que como um todo Stephen Langton, a quem geralmente se atribui a divisdo em capitulos, fez uma tarefa excelente e util? Quem estaria disposto a criticar com severidade este homem ocupadissimo, este campeao da lei ¢ da ordem, valente defensor da Carta Magna? Além disso, mesmo como est, espero que a tibua se preste a dois servigos uteis: a. que cumpra 0 propésito primario de demonstrar que os Sindticos — neste caso Marcos e Lucas — sdo deveras muito semelhantes ao registrar a ordem geral dos acontecimentos ; ¢ b. que ajude o leitor a descobrir 0 seu caminho nos evangelhos. 25 MATEUS Sabendo o tema é adicione| e encontre que um seu tema é paralelo tratado em em MARCOS LUCAS capitulo capitulo 2 Ele cura um paralitico, chama] 3 5 Levi (Mateus), e é criticado por associar-se com publicanos. Res- ponde a uma pergunta sobre o je- jum. 3 Ele cura um homem que tem uma 3 6 mao mirrada e escolhe os Doze. (Nao ha material de Marcos em Lucas 7!)'> 4 Conta a parabola do Semeador e 4 8 acalma uma tempestade. 5 Cura o endemoninhado “gerase- 3 8 no”, ressuscita a filha de Jairo e curaa mulher que sofria de hemor- ragia. ' No terceiro Evangelho, depois de 6.12-16 (a designagao dos Doze; cf. Mc 3.13- 19), Lucas deixa por um momento de ser paralelo a Marcos. Neste ponto, o material que nao aparece em Marcos se estende desde Le 6.17—-8.3 (ou, como alguns 0 véem, desde Le 6.20—8.3). Lucas introduz 0 que popularmente € conhecido como ~O Sermao do Monte” (6.17-19; cf. Mt 5.1,2). Contudo, compare-se Mt 5.1 (“o monte”) com Le 6.17 (“planura”). Ele apresenta sua visdo das Beatitudes (6.20-26; cf, Mt 5.3-12) € das segdes cujos temas centrais sao “Amai vossos inimigos” (6.27- 36; cf. Mt 5.43-48); “nao julgueis” (6.37-42; cf. Mt 7.1-6); “a arvore é conhecida por seus frutos” (6.43-49: cf. Mt 7.13-29). Le 7.1-10 contém o relato desse evangelista acerca da cura do servo do centuriao (cf. Mt 8.5-13); 7.11-17. 0 da ressurreicao do filho da vidiva: 7.18-35. o da pergunta de Joao Batista e a resposta de Cristo (cf. Mt 11.2-19): 7.36-50, 0 da ungao dos pés de Cristo praticada por uma mulher pecadora: e 8.1-3, 0 das andangas de Jesus. os Doze ¢ algumas mulheres, “pelas cidades e vilas”. Em 8.4ss (a parabola do semeador), 0 paralelo entre Lucas e Marcos é resumido uma vez mais. De fato, esta “hist6ria terrena com significagao celestial” € encontrada nos trés (cf. Mc 4.1ss e Mt 13.1ss). 26 INTRODUCGAO AOS QUATRO EVANGELHOS Sabendo o tema é adicione] e encontre que um seu tema é paralelo tratado em em MARCOS LUCAS capitulo capitulo 6 Envia os Doze numa missao de 3 gie pregar e curar. A perplexidade de Herodes. Os Doze regressam de sua missao. A alimentagao dos cin- co mil, 10 Jesus recebe as criancinhas. His- 8 18 toria do “jovem rico” e sua aplicagao. Jesus prediz o que lhe sucedera em Jerusalém e da vista aum cego. 11 Jesus entra triunfalmente em Je- rusalém e purifica o templo. Os li- deres tentam destrui-lo. 12 Ele conta a parabola dos Lavrado- 8 20 res Maus (ou: “A vinha”), respon- de a perguntas capciosas e, por meio de uma contrapergunta, afir- ma que o Filho de Davi é nada menos que o Senhor de Davi. 13 Sinais do fim da exortacao a vigi- 8 21 lancia. 19” oo “No Evangelho de Lucas o que segue 9.18 (cf. Mc 6.43; e para Mc 6.44, veja-se Le 9.14) nao é paralelo de Mc 6.4ss, mas “salta” para o tema discutido em Me 8.27ss: “Quem dizem os homens que eu sou?”, etc. No nono capitulo, tanto de Marcos como de Lucas, sao tratados temas tais como: a transfiguragao de Cristo, a cura do menino epiléptico, “quem é 0 maior” e 0 exorcista desconhecido. Em Le 9.51, a segao peculiar a Lucas comega ¢ se estende até 18.14. Assim nao sao relatadas as hist6rias que se encontram em Me 6.45—8.26: Jesus anda sobre o mar; responde uma pergunta concernente ao nao tavar as maos; cura a filha de uma mulher siro- cura um surdo-mudo; responde ao pedido dos fariseus por um sinal do céu; e cura um cego em Betsaida. Isso ¢ facilmente lembrado: Marcos 7 ndo tem paralelo em Lucas, nem Lucas 7 tem paralelo em Marcos. " Mais da metade de Lucas 19 é material que nao se encontra em Marcos (a historia de Zaqueu e a parabola das minas), 7 MATEUS Sabendo o tema é adicione| e encontre que um seu temaé paralelo tratado em] em MARCOS) LUCAS capitulo capitulo 14 Ao aproximar-se a Pascoa, os li- 8 22 deres planejam a morte de Cristo. Preparagées sao feitas visando a Pascoa. Instituicao da “Ceia do Senhor”. Predigao da trai¢ao e ne- gagao. O pequeno grupo parte para o Monte das Oliveiras (isto é, Getsémani). A trai¢ao, prisao eo julgamento diante do conselho ju- daico ¢ a negagao de Pedro. 15 Julgamento diante de Pilatos. O 8 23 povo pede que se liberte Barrabas em detrimento de Jesus. Pede que Jesus seja crucificado. Simao de Cirene. Cenas do Calvario: a ins- crig&o, as zombarias, as trés horas de trevas, o alto clamor, a morte, 0 véu do templo se rasga, o testemu- nho do centuriao, o interesse de- monstrado pelas mulheres e a par- te que toma José de Arimatéia na retirada do corpo da cruz e em coloca-lo em seu proprio sepulcro. - 16 As mulheres observam que a pe- 8 248 dra do timulo fora retirada. Expli- cagao: “Ele ressuscitou”. A semelhanga que caracteriza os sindticos tem sido assim estabelecida. Além disso, dessa forma tem-se tornado um pou- Le 24.9-53 (a entrevista de Jesus com Cléopas e seu companhciro, a aparigao em Jerusalém e a ascensao) contém muito pouco material que tenha um paralelo nos demais Sinoticos. 28 INTRODUGAO AOS QUATRO EVANGELHOS co mais facil orientar-se no estudo desses trés evangelhos. No tocante a Marcos, isso se evidencia imediatamente. Quanto a Lucas, o fato de que os capitulos 1 e 2 contém as narrativas da natividade, ¢ o capitulo 3 a historia acerca de Joao Batista, acres- cida da genealogia de Jesus, j4 é bem conhecido. A memorizagao dos temas das parabolas de Lucas (ver p. 38), acrescida de uma leitura freqiiente de Lucas 9.51-18.14 facilitara 0 dominio do contetido da segdo intermediaria desse Evangelho. Para com- pletar o Evangelho, adicione-se a informagcdo dada no esquema acima. Quanto a Mateus, ver pp. 40-48. 2. Sua Diferenca a. Em conteudo ou tema No tocante as pardbolas, veja-se abaixo, sob 0 ponto (7), pp. 36-39. Ainda que, como ja ficou demonstrado, num sentido geral 0 contetido seja o mesmo para os trés evangelhos, contudo cer- tas historias e ditos sfo encontrados somente em Mateus, al- guns somente em Marcos, alguns somente em Lucas, alguns somente em Mateus e Marcos, alguns somente em Marcos e Lucas e, por fim, mas nio menos importante, alguns em Mateus e Lucas, exaurindo assim todas as possibilidades. (1) Somente em Mateus. As passagens e narrativas que sao peculiares a Mateus sao: a linhagem genealdgica (ou seja, aque- la registrada em 1.1-17; cf. Le 3.23-38); 0 nascimento de Jesus, como Mateus a narra, e a visita dos magos (1.18-2.23); a relu- tancia de Joao Batista em batizar Jesus (3.14,15); 0 estabeleci- mento de Jesus em Cafarnaum em cumprimento da profecia (4.13-16); seus ensinamentos e curas na Galiléia (4.23-25 em parte); o Sermao do Monte (5.1-8.1), até onde nao tem paralelo em Lucas e, em muito menor extensao, em Marcos; a citacfo de Isaias 53.4 (8.17); a cura de dois cegos e de um endemoninhado (9.27-34; 0 envio dos Doze (9.35-10.42), na medida em que as frases nao s&o refletidas em Marcos é Lucas; a referéncia a Joio Batista como “Elias” (11.14); 0 prefacio aos “ais” sobre as cida- des impenitentes (11.20); 0 convite “vinde a mim” (11.27-30; 29 MATEUS porém, ver também Lc 10.22); “misericérdia quero, e nao sacri- ficio” (12.5-7); a dedugao de que as obras de misericérdia sao permitidas no sabado (12.11,12: ver, todavia, Le 14.5); um mi- lagre que leva 4 exclamagao: “Seria este 0 Filho de Davi?” (12.22,23 em parte); “de seus tesouros tiram-se coisas novas e velhas” (13.51-53); a conduta de Pedro durante uma tempesta- de (14.28-31); “Toda planta que meu Pai celestial nao plantou sera arrancada” (15.12,13); “Mandai-a embora... senhor, ajuda- me!” (15.23-25); acura de grandes multiddes (15.30,31); “Vocés nao podem discernir os sinais dos tempos!” (16.2,3); o fermen- to dos... saduceus (16.11,12); “Bem-aventurado és, Simo Bar- Jonas” (16.17-19); “Isto jamais te acontecer” (16.22); 0 medo dos discipulos com relagao a transfiguragao de Cristo (17.6,7); a descoberta por eles de que “Elias” é Joao Batista (17.13); 0 imposto do templo (17.24-27); Jesus e a atitude para com os pequeninos (18.3,4,10,14); exortagdo a perdoar um irma&o em falta, inclusive regras de disciplina (18.15-20); observagdes com respeito a eunucos (19.10-12); uma citagéio de Zc 9.9 em cone- x4o com a entrada triunfal em Jerusalém (21.4,5); “Este é Jesus o profeta” (21.10.11); os louvores das criangas (21.14-16); “o reino de Deus sera tirado de vocés” (21.43); 0 ultimo discurso de Cristo no templo, em parte (cap. 23); certas passagens de seu discurso sobre as Ultimas coisas (cap. 24); “todo aquele que to- mar da espada perecera pela espada” (26.52-54; cf. Jo 18.11); 0 remorso e 0 suicidio de Judas, 0 traidor (27.3-10; cf. At 1.18.19); o sonho e a mensagem da esposa de Pilatos (27.19); a auto- vindicagao de Pilatos, inclusive a responsabilidade do povo pela morte de Jesus (27.24,25); os inimigos citam o Salmo 22.8 nao intencionalmente (27.43); varios “milagres do Calvario” (27.51- 53); aparecimento de Cristo 4s mulheres (28.9,10); estabelece- se a guarda, os soldados fogem e sao subornados (27.62,63; 28.2- 4, 11-15); e, finalmente, a partida dos discipulos para a Galiléia, onde Jesus os encontra (28.16-18,20). (2) Somente em Marcos. Veja-se acima, p. 15. (3) Somente em Lucas. O terceiro Evangelho, em sua se- ¢4o inicial, contém os seguintes e importantes relatos distinti- 30 INTRODUGAO AOS QUATRO EVANGELHOS vos: 0 preambulo (1.1-4); o nascimento de Joao Batista e de Jesus, ¢ a infancia deste (1.5-2.52); a nota cronolégica com res- peito ao ministério de Jodo Batista (3.1,2); perguntas de varios grupos (“que devemos fazer?”) e sua resposta (3.10-14); uma genealogia do Messias (3.23-38); o regresso de Jesus a Galiléia (4.14,15; porém, ver Mc 1.14,15; Mt4.17); uma pesca miraculo- sa, em sua maior parte peculiar a Lucas (5.1-11); os ditos de Cristo concernentes aos ricos, aos famosos e aos que empres- tam (6.24-26,34); a ressurrei¢ao do filho da vitva de Naim (7.11- 17); a atitude para com Jesus por parte daqueles batizados por Joao e da daqueles batizados por Ele (7.29,30); a ungao dos pés de Jesus por uma mulher pecadora no lar de Simao, o fariseu (7.36-39); os que acompanhavam a Jesus (8.1-3); e a sonolén- cia dos discipulos que estavam com Jesus no monte da transfi- guracao (9.31,32). A segao central deste Evangelho é rica em parabolas; ver item (7), pp. 36-39. Além disso, esta segao tem os seguintes relatos e ditos exclusivos: um exemplo da falta de hospitalidade dos samaritanos (9.51-56); “qualquer um que olha para tras nao é apto para o reino” (9.61,62); a miss4o dos setenta (10.1-24), na medida em que suas frases nao tém paralelo noutro evange- Iho; Jesus recebido em casa de Marta e Maria (10.38-42); “Bem- aventurado” —- “Bem-aventurados s&o os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam” (11.27,28); fariseus e escribas censura- dos na casa de um fariseu (11.37-54; porém, cf. Mc 7.1ss., e varias passagens em Mt 23); “nao temam, pequenino rebanho” (12.32,33; porém, vejam-se também Mt 6.20; 19.21; Mc 10.21); Jesus, causador de divisdes (12.49-53; porém, cf. Mt 10.34-36); repreensdo contra os que interpretam 0 aspecto do céu e nao podem interpretar os sinais dos tempos em que vivem (12.54- 59; cf. Mt 16.1-3); curas no sdbado (13.11-17; 14.1-6); “Sennor, s&0 poucos os que se salvam?” (13.22,23); adverténcia concernente a porta, que uma vez fechada nao se voltara a abrir (13.25-27; cf. Mt 25.11,12); dentincia de “aquela raposa”, Herodes Agripa (13.31-33); os escarnecedores repreendidos 31 MATEUS (16.14,15); a cura de dez leprosos, s6 um deles voltou para agra- decer (17.11-19); e a resposta de Cristo a pergunta: “quando o reino de Deus vira?” (17.20-22, 28, 29, 32, 34). Boa parte de 17.20-37 tem paralelo em Mt 24. O que vem em seguida é relatado exclusivamente — ou, em alguns casos, guase exclusivamente — por Lucas na sec&o final de seu Evangelho: o chamamento de Zaqueu (19.1-10); a solicitagao dos fariseus para que Jesus repreendesse seus disci- pulos e sua resposta (19.39.40); o pranto de Jesus sobre Jerusa- lém e a predigao de sua destruig&o (19.41-44); diversas passa- gens de seu discurso sobre “as ultimas coisas” (21.19,22,24,26, 28,34-38). Boa parte do capitulo 21 é, n&o obstante, refletida alhures, especialmente em Mc 13 e Mt 24. As palavras pronun- ciadas 4 Mesa do Senhor e registradas exclusivamente (ou qua- se exclusivamente) pelo terceiro evangelista se encontram em 22.15-18 (porém, ver Mt 26.29); 22.28-32 e 35-38. O relato dis- tintivo das experiéncias de Cristo no jardim se encontra em 22.43, 44, 48, 49, 51 e 53. O olhar que despertou a memoria de Pedro e lhe comoveu 0 coragao se encontra em 22.61. Quanto a verséo de Lucas sobre a confiss&o de Cristo diante do Conselho, ver 22.68,70. De manha Jesus foi levado primeiro a Pilatos, em se- guida a Herodes (23.2,4-12). Foi levado de volta a Pilatos (23.13- 19; veja-se também Mc 15.6-9). Outros relatos que sAo princi- palmente de Lucas no capitulo 23 se referem a: a admoestagao de Cristo dirigida a “as filhas de Jerusalém” (vv.27-36; cf. Mc 15.22,24; Mt 27.33-35); o ladrao impenitente e o penitente (vv.39-41); a oracdo deste e a resposta de Cristo (vv.42,43); a sétima “palavra da cruz” (v.46); e as multiddes que voltam para casa batendo no peito (v.48). Ha também uma descri¢ao de José de Arimatéia (v.51); um relato sobre seu ato de bondade (v.53; porém, ver Mc 15.46; Mt 27.59,60); uma nota que especifica 0 dia exato da semana em que Jesus foi descido da cruz e posto no sepulcro de José (v.54); e uma referéncia as mulheres que pre- param especiarias aromaticas e perfumes (v.56). O capitulo fi- nal de Lucas tem o seguinte contetido peculiar aquele Evange- 32 INTRODUGAO AOS QUATRO EVANGELHOS Iho entre os Sinoticos: 0 efeito que a mensagem das mulheres sobre a ressurrei¢&o causa nos apéstolos (vv.10 e 11); a visita que Pedro faz ao sepulcro (v.12; cf. Jo 20.2-10); a conversagao do Ressuscitado com Cléopas e seu companheiro (24.13-25; cf., porém, Mc 16.12.13); a oposi¢ao aos discipulos no domingo de manha (24.36-49; porém, cf. Mc 16.14; Jo 20.19-25): e a ascen- so (24.50-53; cf., porém, Mc 16.19 e At 1.9-12). (4) Somente em Mateus e Marcos. Antes de tudo, ha a refe- réncia ao auditorio, a alimentagaio e as vestimentas de Joao Ba- tista (Mc 1.5,6; Mt 3.4,5). De acordo com Mc 3.7-12 e Mt 12.15- 21, Jesus cura um nimero grande de pessoas, porém proibe pu- blicidade. Este paragrafo também esta em sua maior parte limi- tado a Mateus e Marcos; ver, contudo, Le 4.41. Todavia, o deta- Ihado relato de Marcos parece estar simplesmente resumido em Mt 12.15,16. Por outro lado, Mateus (vv.17-21) adiciona a pro- fecia que se acha em Is 12.1-4, adic&o esta que pode, também, ser apensa ao item (1) acima. Em seguida, ha uma referéncia a muitas parabolas de Cristo (Mc 4.33,34; Mt 13.34). Uma narra- tiva bem conhecida que fica bem neste titulo — “somente em Mateus e Marcos” — é aquela que relata a impia festa de ani- versario de Herodes e, em conexdo com isso, a macabra morte de Joao Batista por decapitagao (Mc 6.17-29; mais breve em Mt 14.3-12). Ja se chamou nossa aten¢&o para o fato de que Mc 6.45- 8.26 é “a grande omissao de Lucas” (ver p. 26). Com exce¢4o de dois milagres de cura gradual (Me 7.32-37 e 8.22-26; para o qual ver p. 16), todo esse material pertence também ao paralelo Mateus e Marcos. Inicia-se com a vivida e consoladora histéria de Jesus caminhando sobre o mar (Mc 6.45-56; Mt 14.22-36). porém, nem tudo isso tem paralelo; por exemplo, Mt 14.28-31 pertence a matéria contida no item (1). Ent&o vem o ensinamento de Cristo concernente 4 impureza cerimonial (Me 7.1-23; Mt 15.1-20); a cura da filha de uma mulher siro-fenicia (Mc 7.24-31; Mt 15.21-29); a alimentacao dos cinco mil (Mc 8.1-9; Mt 15.30-38); 0 pedido de um sinal (Mc 8.10-12; Mt 15.39- 33 MATEUS 16.4); e a adverténcia contra o fermento dos fariseus (Mc 8.13- 21: Mt 16.5-12). E digno de duvida se este titulo" deve abranger Mc 9.28,29 (cf. Mt 17.19). porém é verdade que a pergunta dos discipulos — “Por que nado pudemos nos expulsa-lo?” (Mc 9.28) — é reproduzida em Mt 17.19. Em conexao com a predigao de Cris- to de que o Filho do homem ressuscitaria, os discipulos fazem a Jesus uma pergunta referente a Elias (Mc 9.10-13; Mt 17.10- 13). O ensino de Jesus com respeito ao divércio e a segundas mipcias é também quase completamente reservado a Marcos (10.1-12) e Mateus (19.1-12); contudo, veja-se Le 16.18. Ent&o vem o pedido dos filhos de Zebedeu (Mc 10.35-45; cf. Mt 20.20- 28; porém, veja-se também Lc 9.48 e 22.25); ea maldigao sobre a figueira infrutifera (Mc 11.12-14.20-25; cf. Mt 21.18-22; po- rém, veja-se Le 11.9; 17.6). Embora seja verdade que 0 discurso escatolégico de Cristo encontra-se nos trés, essa declarac&o deve ser restringida; por exemplo, a predig&o concernente aos falsos cristos ¢ aos falsos profetas ¢ confinada aos primeiros dois Evan- gelhos (Mc 13.21-23; Mt 24.23-25): o mesmo sucede com o fato de que nao se poder predizer o dia da segunda vinda de Cristo (Mc 13.32; Mt 24.36). Buscar-se-a debalde no Evangelho de Lucas a ungaio ocor- rida em Betania. Nao se pode encontra-la em Le 7.36ss., ainda que muitos parecam pensar que ela ai esteja. No que respeita aos sindticos, a histéria aparece somente em Mc 14.3-9 e Mt 26.6-13. Fora dos Sinoticos ela ocorre também em Jo 12.1-8. A partida para o Monte das Oliveiras, juntamente com uma im- portante predigdo, encontra-se também somente em Mc 14.26- 28; Mt 26.30-32.”° O julgamento no palacio do sumo sacerdote, imediatamente depois da prisdo, esta extensamente confinado aos dois primeiros Evangelhos (Mc 14.55-65; Mt 26.59-66), embora Lucas, tanto quanto os outros, relate os maus tratos que " Como o faz B. H. Streeter. op. cit., p. 196; porém, na pagina precedente inclui Me 9.29 na lista de passagens de Marcos que “faltam em Mateus e Marcos”. * Presume-se aqui que Le 22.39 tenha seu prdprio paralelo em Mc 14.32 ¢ Mt 26.36. 34 INTRODUCGAO AOS QUATRO EVANGELHOS Jesus recebeu ali. Sobre 0 tema do siléncio de Cristo perante Pilatos (Mc 15.2-5; Mt 27.11-14), Lucas mantém siléncio! A escolha que o povo faz de Barrabas, em preferéncia a Jesus, embora relatada nos trés evangelhos, encontra-se com mais de- talhes nos dois primeiros (Mc 15.6-11,; Mt 27.15-21) do que em Lucas. Dois outros importantes detalhes da hist6ria da crucifi- cagao est4o confinados a Marcos e Mateus, ou seja, a coroa de espinhos (Mc 15.17-20; Mt 27.29-31) e o grito de agonia de Cristo (Mc 15.34-36; Mc 27.46-49). Finalmente, excetuando Le 24.47, a Grande Comiss&o esta confinada aos dois primeiros Evangelhos. Embora essencialmente a mesma, as duas declara- ¢des diferem em certos detalhes (Mc 16.15,16; Mt 28.19-21). (5) Somente em Marcos e Lucas. Os 24 versiculos de Mar- cos que tém paralelo somente em Lucas sao os seguintes: a ex- pulsao de um deménio em Cafarnaum (Me 1.23-28; Le 4.33- 37); 0 propésito de Cristo ao pregar (Mc 1.35-38; Le 4.42,43); as lampadas devem iluminar, e os ouvidos devem ouvir (Mc 4.21-24; Lc 8.16-18); 0 regresso dos Doze (Mc 6.30; Le 9.10); o exorcista desconhecido (Mc 9.38-41; Le 9.45,50); as “casas das vitivas” e “as duas moedas da vitiva pobre” (Mc 12.40-44; Le 20.47; 21.1-4). (6) Somente em Mateus e Lucas. A estimativa é que ha cerca de duzentos versiculos comuns a ambos. Em seguida da- mos uns poucos exemplos: MATEUS LUCAS. TEMA 3.7-10,12 3.7-9,17 Exemplo da pregagao de Joao Batista 41-11 41-13 A historia das tentagdes de Cristo §.3,4,6,11,12 | 6.20-23 Algumas das bem-aventurangas 5.18 6.17 Acerca da lei 5.39-48 (em 6.27-36 Amai a vossos inimigos, sua maior parte)| (maior parte) | porque também Deus é bom para com os maus. 6.9-13 11.2-4 A Oragio do Senhor 6.19-21,25-33 | 12.22-34 Nao estejais ansiosos 77-11 11.9-13 Exortagao a oragao 8.5-13 7.1-10 Historia da fé do centuriao 35

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