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DAE O TRABALHO E AS ORGANIZACOES NA PERSPECTIVA SOCIO-TECNICA 5S esses = ARTIGO * Fabio de Blazzi Jr. A conveniéncia e a viabilidade da implementagao do enfoque sécio-técnico nas empresas. The convenience and the viability of sociotechnical approach in firms. PALAVRAS-CHAVE: Sistemas soclo-tentcos, orga Ieagao do tabalo,projte do ‘rab. KEY woRDs: Sociotecinical systems, work espn * Engeahero de Produgto © a o8 Pr 8 60 Pa ‘ologia Socal do rato do Petsoogia da USP. 30 Revista de Administragdo de Empresas ‘So Paulo, 34(1)30-37 Jan.fFev. 1994 ‘AORIGEM D/=LOLA SOCIO-TECNICA A historia da Escola Sécio-Técnica co mega junto as minas de carvao de Durham, ao norte da Inglaterra, em 1949, quando alguns pesquisadores do entao recém-criado Tavistock Institute of Human Relations foram chamados para analisar 08 problemas relativos a mecanizacéo dos processos de mineracao. © processo de mineragio, desde seu surgimento nos séculos Xil e XIIL, prati- camente nao havia sofride modificacdes significativas até entao. Os mineiros rea- lizavam seus trabalhos em duplas, um dos quais podia ser um aprendiz. As fer- ramentas eram manuais € o trabalho ex- tremamente desgastante. A dupla era for- mada por escolha pessoal ¢ executava to- do o ciclo de operagdes de extragio. Tra- balhavam em locacoes dispersas ¢ auto- selecionadas dos veios carboniferos - que so como laminas de 1 a 3 metros de es- pessura entre placas de rochas e que po- dem se situar a centenas de metros de profundidade. Trabalhavam sem super- visio e eram pd, pelo trabalho da du- pla. Esses mineiros possuiam um profun- do conhecimento da mina e das condi- ‘bes de trabalho.’ Esta forma de trabalho era denominada hand-got system. ‘A mecanizacio das minas inglesas se deu pela introducéo de um método de extragao chamado longwall method, mama traducao direta, “método de paredes Jongas”. De acordo com este método, um veio carbonifero é extraido em faces que constituiam uma parede de cerca de 200 metros de largura. A medida que a pare- de avanga e todo o carvao € retirado, 0 te- to da area livre deixada para tras é feito desabar, criando condigdes seguras para a progressio da parede longa. Este novo meétodo exigia pesados investimentos em ‘maquinaria, como cortadores, furadeiras ¢ esteiras transportadoras. Para trabalhar com essas mAquinas, os mineiros foram separados en{=efas especializadas, que exigiam diferentes niveis de habilidade e eram remunerados por diferentes siste- ‘mas de pagamento. ‘Cada parede longa era trabalhada por ‘um total de quarenta homens, que com- punham sete grupos especializados, ope- rando quatro destes grupos em um pri- meiro turno, dois no segundo e um no CO TRABALHO E AS ORGANIZAGOES NA PERSPECTIVA SOCIO-TECNICA terceiro. As tarefas especificas consistiam ‘em fazer furos e cortes no veio, abrir gale- rias, transportar o carvao, montar e des- montar a esteira rolante e fazer o teto de- sabar. A introg==io do longwall method nao toute oalanto de produtidade esperado, fez com que as taxas de absen- teismo e rotatividade se elevassem e criow uma incidéncia epidémica de desordens psicossomaticas entre os mineiros.? Esse trabalho de extragao de carvao foi entao analisado cuidadosamente por Eric L. Trist e Kenneth W. Bamforth. Dado 0 caréter multidisciplinar do Tavistock, ba- seado principalmente em Psicologia ¢ So- ciologia, esta andlise buscou descrever € inter-relacir 0s aspectos téenicos, or- ganizacionais, sociais e psicologicos do trabalho de extracio realizado sob o mé- todo de paredes longas. Dessa forma, foi cunhado, pela primeira vez, um exem- plar do que podemos chamar de “andlise sécio-técnica”. Este trabalho foi publica- doem 1951? Poucos anos mais tarde, a continuacao dos estudos nas minas de carvao fez com {que esses pesquisadores presenciassem ‘uma outra experiéncia fundamental para as bases da Escola Sécio-Técnica. Retor- nando as minas de Durham, Erie L. Trist e seus colaboradores encontraram, na al- deia de Chopwell, as mesmas técnicas e méquinas do método de paredes longas organizadas diferentemente. © método utilizado nesta mina era denominado composite longwall method, numa tradugao direta, “método composto de paredes Jongas”. Consistia no rearranjo do mes- ‘mo grande grupo de quarenta homens «em subgrupos interdependentes ao longo dos turnos. Assim, cada mineiro executa- va funcdes internamente alocadas em subgrupos que desempenhavam todas as tarefas relativas a e=t=¢a0 do carvio. As equipes dos tarosaed trabalho onde as anteriores haviam ter- minado. Todos recebiam o mesmo salario e incentivos, sendo o pagamento definido pela producio do grupo como um todo. Estes grupos eram significativamente au- tnomos e alternavam papéis e turnos com um minimo de supervisao.* A existéncia dessa forma de organiza- <0 constituia uma ruptura em relacdo & tendéncia de um maior fracionamento de tarefas e burocratizagao que se julgava (© 1994, Revista de Administragdo de Empresas / EAESP / FGV, Sdo Paulo, Brasil 4, MURRAY, H. Uma Introd (io aos Sistemas Soco-Tecn fs ao vel do Grupo de Taba tho. Primatlo. S90 Paulo EAESPIFGV, 1977 (apastl} 2. HERBST, P. G. Socitecn- ‘al design strategies in mut ‘iscipinary research, Londres: Tavistock, 1974 3. TRIST, EL, BAMFORTH, K 1%, Some soc and psyenologt «al consequences ofthe long ‘wall method of coal-geting. Human Relations, v4, 1.1, 9.3 38,1951 4. MURRAY, H.Op. et 3 EEE sano 5. BERTALANFFY, L Von. The theory of open’ systems in physies” and biology. In EMERY, FE. Systems thinking. Lonares: Penguin Books, 1968 6, BION WB. Eertncas com grupos. Sao Paul: mago- usp, 1975; JAQUES, €. Social systems a8 a defense ageinet Detscutory and depressive an ety In: KLEIN, M., HEDMAN, , MONEY-KYRLE” RE. How irectons in psychoanalysis. Londres: Taistock, 1955; LE WIN, K:Problemas de aindnica de grupo. Sao Paulo: Cult, 1987 ‘T.TRIST, EL. The Evolution of Sociotechnicai Systems. Doco- mento. 2, Ontario Qualty ot Working Lite Center, junho, 1981 8, MURAAY,H. Op. ct 32 indissoluvelmente ligada a crescente me- canizagio e & evolugio tecnol6gica e or- ganizacional. O método composto de pa- redes longas combinava a mecanizacéo com as principais caracteristicas do artigo hhand-got system, das duplas de mineiros. Deste modo, surge © conceito de esco- Iha organizacional. Uma dada organiza- cio de trabalho nao é decorrente apenas da tecnologia utilizada, mas depende, além do nosso conhecimento técnico, de nossas premissas sobre os individuos e todos 05 nossos objetivos, sejam eles ex- plicitos ou nao. Nas minas de carvao, a ‘mesma tecnologia podia ser o suporte de diferentes formas de organizacao, com diferentes resultados econdmicos ¢ hu- manos. Além disso, 0 método composto de paredes longas ia contra outro dos fundamentos mais importantes da Ad- ministracao Cientifica, cujos principios tém realmente sustentado 0 modo de producao das empresas ao longo deste século, apesar da existéncia aparente de diferentes formas de organizagio. Ao contrario do que prega a Administracao ientifica, 0 projeto do trabalho nao cou- be somente a especialistas. Embora nao interferindo no projeto das méquinas, a concepsao da organizacao do trabalho em Chopwell coube aos préprios minei- 0s, aos trabalhadores, a concepgao foi entdo partilhada. (OS FUNDAMENTOS DA ESCOLA ‘SOCIO-TECNICA Apés essa brevissima introducio his- torica e da apresentacio de alguns con- ceitos muito importantes, escolha orga- nizacional e concepsao partilhada, pode- ‘mos tentar formar um quadro geral dos fundamentos da Escola Sécio-Téenica. A onganizacdo na perspectiva sécio-técnica 6, antes de mais nada, um sistema aber- to. Ela interage com o ambiente, é capaz de auto-regulacdo e possui a proprieda- de de eqiifinalidade, isto é, pode alcan- gar um mesmo objetivo a partir de dife- rentes caminhos e usando diferentes re- ccursos.® Ela ¢ formada por dois subsiste- ‘mas: o subsistema técnico - que so as, ‘méquinas, equipamentos, técnicos etc. - 0 subsistema social - que sao 0s indivi- duos e grupos de individuos, seus com- portamentos, capacidades, cultura, sen- timentos ¢ tudo de humano que os acompanha. O conceito de individuo e grupos inerente a abordagem sécio-téc- nica deriva de desenvolvimentos ~ em Psicologia Social, Psicandlise, Psicologia de Grupos e Sociologia - pouco anterio- res ao seu proprio surgimento, princi- palmente devidos a Wilfred Bion, Kurt Lewin ¢ Eliott Jaques.* O mundo interno dos individuos € formado por seus instintos, inconsciente, capacidades inatas, superego, crencas e valores. A relagéo com o ambiente exter- no € controlada pelo seu ego ou cons- ciente. Esses individuos apresentam di ferencas também em termos de necessi- dades e expectativas. Assim, os modelos e estruturas de trabalho que os motivam no so tinicos. Contudo, a Escola Sécio- Técnica considera que 0 comportamento das pessoas face ao trabalho depende da forma de organizagao deste trabalho e do contetido das tarefas a serem executa- das, pois o desempenho das tarefas e os sentimentos a elas relacionados ~ res- ponsabilidade, realizacao, reconheci- ‘mento etc. ~ s4o fundamentais para que © individuo retire orgulho e satisfagao do seu trabalho.’ Ainda com relagdo ao subsistema so- cial, ¢ interessante e curioso destacar que (s grupos possuem um nivel de ativida- de equivalente ao inconsciente indivi- dual. Ao mesmo tempo em que se reti- nem para o desempenho de uma tarefa cexplicita, as pessoas interagem em outro nivel, tacitamente, levadas por poderosas forcas psicol6gicas. Entdo, o subsistema social, assim enfo~ cado pela Escola Sécio-Técnica, e 0 sub- sistema técnico de determinado sistema de trabalho devem ser considerados parti- cularmente e em suas relagées e otimiza- dos conjuntamente, para que os objetivos organizacionais sejam atingidos ao mes- ‘mo tempo em que alcancamos o desen- volvimento e a integragio dos individuos. Isto quer dizer que ¢ preciso projetar em conjunto o sistema social e a tecnologia particular ao caso. Nas palavras de Hugh Murray, outro pesquisador do Tavistock, ‘otimizacéo conjunta “significa definir a na- tureza das caracter‘stcas furdamentais do sis- tema téenico e traducir ito em tarefas e em- pregos que considerem as nevessdades ecarac- teristicas fundamentais dos seres humanos” * Entretanto, essa otimizagao conjunta deve sempre buscar a consecucio de um objetivo final ~ definido na abordagem sécio-téenica como tarefa priméria - que, no caso das organizagbes industriais é a obtengio de hucros. Esta proposigdo, apa- rentemente positivista e simplista, ¢ es- sencial para que a abordagem sécio-téc- nica nao seja considerada como uma simples forma de experimentago social, mas uma forma de buscar, em tiltima andlise, o desenvolvimento de organiza- gies mais eficazes.” OS GRUPOS SEMI-AUTONOMOS, O foco principal dos estudos sécio- técnicos se dirige a organizagao dos sis- temas produtivos no ambito dos indivi- duos e suas atividades, Devido a base conceitual, premissas e experiéncias venciadas pelos pesquisadores do Tavis- tock, uma forma espeeifica de arranjo do trabalho é privilegiada: os grupos semi- auténomos, dos quais as duplas de mi- neiros do primitivo hand-gol system © os grupos de Chopwell sao exemplos. Co- mo poderiamos entdo delinear o que de- fine um grupo semi-autonomo ¢ funda- mentar 0 porqué dessa preferéncia? Po- demos iniciar dizendo que um grupo se- mi-autOnomo ou auto-regulavel se ca- racteriza pela responsabilidade coletiva frente a um conjunto de tarefas, onde o arranjo do trabalho € definido com a participacao de seus proprios membros, permitindo o aprendizado de todas as farefas e a rotagio das fungbes, e faci tando uma interacdo cooperativa. O gru- po semi-autonomo deve ainda ser res- ponsdvel pelos recursos a sua disposigao @ ter autoridade para utilizé-los. A autonomia de um grupo semi-aut6- nomo pode abranger: métodos de traba- Iho, escolha de lideres, distribuicao de (etetagl ainda flelen etaelese eae tante ressaltar que enquanto algumas dessas formas de autonomia tém impac- to direto sobre a performance do grupo — como no caso da definigao do método — outras simplesmente denotam o poder deste grupo frente & organizacdo, como no caso da escolha de seu Ifder.” Esse lider, ao contrario do que aconte- ce na organizagéo burocratica conven- ional, nao esté preocupado com 0 con- O-TRABALHO E AS ORGANIZAGBES NA PERSPECTIVA SdGI0-TEONICA trole do trabalho dos operérios, mas sim voltado a garantir as condicdes e os re- cursos necessarios a0 bom funciona- mento do grupo. O lider para a Escola Sécio-Técnica esta voltado para 0 am- biente e para facilitar a interface am- biente-grupo. Além disso, ele ~ 0 lider ~ deve cuidar para que as relagées sociais no interior do grupo se mantenham bem estruturadas e voltadas principal- mente a realizacao das tarefas, pois um grupo semi-auténomo é um grupo de tarefa e um grupo de vivéncia, isto é lum grupo que tem fungoes claras a exe- cutar e onde também existem relacdes sociais e afetivas. Uma dada organizacao de trabalho nao é decorrente apenas da tecnologia sada, mas depende, além do uti nosso conhecimento técnico, de nossas premissas sobre os individuos e todos os nossos ob- jetivos, sejam eles explicitos ou nao. £ interessante destacar que a manu- tengao de um mesmo grupo por longos periodos de tempo tende a cristalizar as relagBes sociais em detrimento da perfor- mance das tarefas, dificultando a eleva- cao da produtividade e a adaptacdo a mudangas ambientais ¢ tecnolégicas. Es- sa particularidade do funcionamento dos grupos somada a outras fortes ra- 200s sociais e psicoldgicas, conscientes ou no, que atraem os individuos para grupos, faz. com que seja conveniente Projetar as organizagées no sentido de captar essas forcas ¢ nao lutar contra elas. Daf a escolha deste tipo de arranjo organizacional. ‘Contudo, as particularidades desse ou daquele grupo semi-autOnomo - 0 nt ‘mero de membros, 0 grau de autonomia, a duracao etc. - variam de acordo com a situagao especifica em que o grupo se in- 8. MILLER, EJ, ICE, A. K ‘Systems of organization. Lon rs: Tavistock, 1973. 10. GULOWSEN, J. A Measure of workgroup autonomy. In DAVIS, ., TAYLOR, J. Design of Jots, Hacmonds- wort: Penguin Books, 1972; SUSMAN. G. 1. Autonomy at work Nova logue: Praeger PU- bishers, 1976 33 EE sanco 11, EMERY, F. E, TRIST, €L ‘The causal texture of organiza tional environments. Auman Folations, v.18, n2, 9.2132 1966 42, KINGDON, D. A. Matix or ‘ganization: managing informa tion technologies. Londres: Ta stock, 1978, 18. TAIST, EL. Reterontorga- ‘zations and the development of inter organizational domains, Human Relations, v.36, 1.3, 260.84, 1982 34 sere, com a tecnologia utilizada e sua evolugdo e com as demais demandas ambientais que vive a organizacio. (O AMBIENTE E AS ESTRUTURAS. ORGANIZACIONAIS ‘Apés alguns anos pensando nos siste- mas de trabalho primarios, os pesquisa- dores do Tavistock se aperceberam que esta adequacio dos grupos semi-auténo- ‘mos a diferentes situagdes nao era, por si 86, suficiente para que toda a organiza so se adaptasse as condicdes ambien- tais. No inicio da década de 60, Eric L. Trist e Frederick E. Emery se preocupa- ram em tentar definir qual o tipo de am- biente com que se defrontavam as orga- nizagoes. Chamaram-no ambiente turbu- lento, caracterizado pela mutabilidade das demandas sociais, econdmicas e poli- ticas e pela rapida evolugéo das bases tecnol6gicas.”" ‘Nessas condigdes ambientais ditas tur- bulentas, segundo a Escola Sécio-Téeni- ca, as organizacdes estruturadas nos moldes da burocracia tecnocratica pas- sam a se adaptar ao ambiente de uma forma passiva, que incapacita progressi- ‘vamente a organizagao a novas e profun- das adaptagbes. Essa adaptacio passiva pode se dar nas formas de segmentacio, fragmentacao e dissociagio — que se ca racterizam pela perda de foco dos objet vos e metas da organizacao — respectiva- mente relativos a perda de foco entre os niveis, ao longo do tempo e entre as divie ses ou departamentos. Podemos fazer um paralelo entre a adaptacao passiva das organizagdes com os mecanismos in- dividuais de defesa psicolégica, que re- solvem um conilito apenas superficial- mente, e apenas fazem com que 0 pro blema se agrave com o tempo. ‘A solugdo para uma satisfatéria adap- tagio e sobrevivéncia das organizacoes em um ambiente turbulento é, para a Es- cola Sécio-Técnica, uma adaptagao ativa. No Ambito do trabalho, como ja disse- mos, isto significa a adogao dos grupos semi-autdnomos. No ambito das organi- zagées como um todo, a adaptacio ativa implica a adogio de uma estrutura que permita a montagem e desmontagem dos grupos segundo as conveniéncias da situacdo, que é uma condigao que existe nas organizagdes por projetos € na sua forma matricial.!? Porém, mesmo estas estruturas talvez no sejam suficientes para as organiza- ses na adaptagdo adequada as deman- das ambientais. No caso de projetos mui- to complexos, elas devem se associar a outras de modo a co-participarem em um. trabalho conjunto formando 0 que os pesquisadores sécio-téenicos denominam ‘atrizes organizacionais. Por outro lado, quando se defrontam com uma situacao complexa, ou um sistema de problemas, como no caso de organizagées em um distrito industrial ou organizagdes que pertengam ao sistema de satide de deter- minada cidade ou pais, as organizagoes envolvidas formam dominios inter-orga- nizacionais, devendo se articular entre si ou mesmo através da criacéo de organi- zacbes que coordenem suas ages, cha- madas de organizagbes referenciais."° Co- locados assim os principais conceitos li- gados a Escola Sécio-Técnica, devemos entdo considerar que sua abordagem en- globa trés diferentes niveis: 0 nivel dos sistemas de trabalho primérios, 0 nivel da organizagio como um todo, ¢ 0 nivel chamado macrossocial, que abarca os sis- temas de organizagies. As respostas s6- cio-téenicas apontadas para cada um de- Jes pressupdem entao que deve haver um tratamento harménico e coerente entre todos e, somente dessa forma, ganha a organizacao ~ podendo sobreviver e se adaptar , e ganham os individuos ~ po- dendo se integrar e se desenvolver. (0 PROJETO E A IMPLEMENTACAO DE SISTEMAS SOCIO-TECNICOS Um projeto organizacional sempre se ‘dg com base em um conjunto de premis- 25, principios e objetivos, quer eles se- jam francamente admitidos ou née. Ao ongo dos anos, 0s pesquisadores ligados a Escola Sécio-Técnica foram tentando operacionalizar os conceitos e funda- ‘mentos sucintamente apresentados até agora. Com isso, é possivel vislumbrar alualmente os prinefpios que norteiam 0 Projeto sécio-técnico e os atributos e ca- racteristicas do trabalho, dos grupos e das organizagées que devem decorrer desta adogdo. Esses principios e caracte- risticas devem estar na mente daqueles, TRABALHO EAS ORGANIZAGOES NA PERSPEGTIVASOCIO-TECNICA envolvidos na montagem desta organi- zago nos moldes sécio-téenicos. Dos principios de projeto sécio-téent- cos, para falar apenas nos mais impor tantes, se destacam os seguintes: compa- tibilidade, minima especificagao critica e controle de variancias. O principio de compatibilidade destaca a necessidade de aderéncia entre o processo de mudan- seus objetivos. Em outras palavras, fica dizer que apenas um proje- to participative pode levar a uma organi- zagio participativa. Outro prineipio es- sencial, da minima especificacdo critica, sustenta que 0 projeto do trabalho deve se ater a um minimo de prescrigdes, re- duzidas ao essencial para que os traba- Thadores e grupos possuam a capacidade de resposta exigida @ organizagio. O prinefpio do controle de variancias, por sua vez, indica que os desvios néo pro- gramados de padroes ou procedimentos devem ser climinados ou controlados 0 mais prximo possivel dos pontos de origem.* A adocao destes principios deve levar A construgio de uma organizagio essen- cialmente diversa daquelas construidas em moldes burocraticos, tayloristas e fordistas. O trabalho deve possuir um contetido que demande as capacidades intelectuais e criativas dos individuos, permitir um aprendizado continuo, ge- rar suporte social e reconhecimento e ter tuma clara relagio com a vida social dos operarios e com os valores que eles par- tilham com a sociedade. As tarefas ‘grupos devem ser tais que possibilitem a visualizacio de um produto final e per- ‘mitam a realimentagao sobre os resulta- dos, com diferengas minimas de status e uma composicao heterogénea, multidis- ciplinar. Essas tarefas e grupos, assim como a propria estrutura organizacio- nal, devem trabalhar no sentido das ¢a- racteristicas discutidas dos grupos hu- ‘manos, levando a cooperagao, colabora- «a0 © comprometimento. A organizagao como um todo estaré voltada a alta per- formance, & mudanga continua e ao conti- nuo aprendizado, & auto-regulacio, a0 estilo participativo e, muito importante citar, a concep¢do partilhada.®* Quanto a implementacdo ~ seja em no= vas instalagoes, seja em unidades jé em operacio — deve se basear em metodolo- gas genéricas, em forma de roteiro, que apenas orientam aqueles responsaveis por sua coordenagao e suporte. As condi- qbes essenciais para que a implementagao da perspectiva sécio-técnica seja bem-su- cedida sao a existéncia de um fortissimo apoio por parte da ctipula da organiza- ‘cio e, principalmente, o sentimento dis- seminado de que a mudanca ¢ necesséria a sobrevivencia da organizacao. Otimizacao conjunta “significa definir a natureza das caracteristicas fundamentais do sistema técnico e traduzir isto em tarefas e empregos que considerem as necessidades e ca- racteristicas fundamentais dos se- res humanos”. (© projeto ¢ implementacao em si nao escondem nenhum grande mistério. De modo muito, muito, resumido, podemos izer que constituem ciclos, cada vez mais abrangentes de: formacao de equi- ‘pes, treinamento — com base em visitas, estudos de caso ¢ aulas ~ na abordagem sécio-téenica, anélise s6cio-téenica e defi- nigdo de instalagdes e métocos de trabe- Iho, até que se incluam todos os funcio- narios ¢ 0 minimo essencial dos proces- 505 € métodios estejam definidos para a entrada e funcionamento.* Isto se aplica as organizagoes indus- triais ou de servigos, as unidades de pro- cessamento continuo ou ndo. O essencial € compreendier, como diz. 0 préprio Al- bert B. Cherns, que o projeto e a imple mentagao baseados na perspectiva s6cio- técnica pertencem, antes de mais nada, Aqueles que terdo seu trabalho e funcdes dofinidas nesse processo.” Contudo, visto que a implementagao da perspectiva s6cio-téenica em sistemas produtivos que jé se encontram em ope aco requer um cuidado maior — pelas disfungdes que decisbes equivocadas ou 14, CHERNS, A. 8, Principles of Sotiotachrical sion reisted ‘Human Relations, V0, m3, 15382, 1967, 416, DAVIS, LE. Evolving ater alive organization designs: their socitechnizal bases, Hu ‘man Flas, 30,3, 261 13,1977 16, COLEMAN, G.0., JOHNS TON, C. S. Implementing the sociotechnical systems ap. pach, incudin se-managing teams ina stare-up organization (ually & Productity Manage: ‘ent v8,n4, p44, 1992, 417. OHERNS, A, 8. The prini- les of sociotectnical das, Human Relations, ¥.29, 0.8 782-32, 1876 35 18, PASMORE, W. A. Designing fective organtations: the so- ‘otactnicalsystams perspect. ve Nova Torque: otn Wiley, 1988, 19. BRAVERMAN, H. Trabalho @ capital monopotsta. fio 2 Je roo: Guanabar, 1987 20. GORZ A, Crea a asso ho rabaio, Sao Paula: Martin Fontes, 1989, 36 fora de tempo podem provocar ~ Wil- liam A. Pasmore desenvolveu, em 1988, uma metodologia que dé suporte a esse tipo de processo."* CONSEQUENCIAS DA ADOGAO DA PERSPECTIVA SOCIO-TECNICA Colocadas as bases, € necessério ava- liarmos a conveniéncia e viabilidade da adogao da abordagem s6cio-técnica. Por que deveriamos adotar - ou nao ~ a pers pectiva sécio-técnica? ‘A maior parte das lacunas conceituais e metodologicas da Escola Sécio-Téenica acabaram por ser preenchidas ao longo dessas quatro décadas e meia, desde 0 seu surgimento. A tinica observacéo que achamos necesséria destacar - quando olhamos para a perspectiva sécio-téenica como uma resposta aos problemas orga- nizacionais ~ é que existe uma limitagio de escopo, de “poder de fog consideremos a perspectiva como necessaria ao sucesso das organi- zagBes nos dias de hoje, a sua adocao, Por si 56, ndo garante que isto ocorra. Existem decisoes estratégicas ~ por exemplo, aquelas relativas a escolha de nichos de mercado ou as solugdes apon- tadas pela pesquisa e desenvolvimento da empresa ~ cuja qualidade das respos- tas depende muito de decisdes tomadas na cipula das organizagdes e assim li- gam-se debilmente a adogao ou néo do enfogue sécio-técnico. Assim, se conside- rarmos a adosao da perspectiva s6cio- técnica como necesséria a0 sucesso orga- nizacional, podemos dizer que ela ndo suficiente. ‘As criticas mais interessantes encon- tradas na literatura reportam-se & afini- dade da Escola Sécio-Técnica com as re- gras da sociedade capitalista. Sao aplicé- veis & Escola Sécio-Técnica as criticas de Harry Braverman, relativas a limitagdo das mudancas aquelas que reduzem os custos e melhoram a posicao frente & concorréncia e ainda a dedicacao a “des- cobrir os méveis do comportamento hu- ‘mano e a manipulacdo dele nos interes- ses patronais”."¥ Contudo, devemos di- zer que esta manipulagdo, como diz. An- dré Gorz, depende da relacio de forcas que preside a introducao das mudan- cas. Assim, a manipulagao ocorre de- pendendo da posigao — ativa ou passiva = dos trabalhadores no processo de mu- danga, sendo que os pesquisadores do Tavistock parecem desejar que esta par- ticipagao seja a mais ativa possivel Quanto a primeira critica de Harry Bra- verman, podemos dizer que a busca da eficiéncia organizacional € possivelmen- te a tinica forma de a perspectiva s6cio- técnica nao ser encarada como um expe- rimento social e poder ser aceita pela so- ciedade contemporanea ocidental nos moldes em que se encontra estruturada, no chamado capitalismo monopolista. De maneira mais abrangente, nés po- demos tentar visualizar a conveniéncia e 1s conseqiiéncias da adocao e difusto do enfoque s6cio-técnico segundo trés 6pti- «as distintas: a da esfera organizacional, a da esfera humana e a da esfera social. Uma anélise da Escola Sécio-Técnica do ponto de vista organizacional é aquela que mais interessa aos dirigentes e exe- cutivos das empresas e se refere aos re- sultados mensuraveis do desempenho dos funcionérios e da organizacio. Feita uma ressalva quanto as limitagies das amostras utilizadas em revisdes e avalia- ‘goes - decorrentes da tendéncia a divul- ‘gacao das experiéncias bem-sucedidas e a varias amplitudes de mudanga encon- tradas nos diferentes casos ~, podemos sintetizar como principais resultados da adocao da perspectiva sécio-técnica os seguintes: 1, aumentos significativos de produtivi- dade (e qualidade), néo de 5 a 10 %, ‘mas em geral de 50 a 100 %; 2. redugio de taxas de absenteismo; 3. maior produtividade onde os grupos tém mais autonomia; 4, maior adequacio a unidades com cer- ca de 200 a trezentos funcionérios; 5. encontramos ainda uma maior aplica- ‘gio em processos continuos, embora ‘do sejam encontradas limitacbes para processos discretos ou nos setores de servicos; 6. e, por tiltimo, constatou-se que nao existem restrigdes de ordem cultural. A anélise da Escola Sécio-Técnica, do ponto de vista do ser humano, é to ou mais importante quanto a do ponto de vista organizacional. A adogdo da pers- pectiva sécio-téenica tende, relativamente & adocao dos principios da burocracia taylorista-fordista, a provocar um maior desenvolvimento e integragao, psicolégi- cae social, dos individuos. Tende ainda a orientar a produgao € o consumo segundo as necessidades ¢ valores dos individuos. Ao mesmo tempo em que privilegia uma qualificagao nao fundamentada em saber formal oti na automacao, essa perspectiva leva A participacdo ¢ a uma autonomia responsavel, baseada em conhecimento ténico e relacionamento humane. ‘A adogao da perspectiva sécio-técnica leva ainda a reducéo dos niveis de aliena- fo, nao no sentido da posse dos meios de produgao ou dos procutos, mas nos sentidos apontadios por Robert Blauner de: impoténcia, auséncia de sentido, iso- lamento e auto-alienacao. Além disso, permite um maior desenvolvimento de habilidades e potencialidades humanas como: iniciativa, criatividade, autonomia, responsabilidade, multifuncionalidade, confianga, solidariedade, reconhecimento etc. Contudo, como o ser humano nao se restringe apenas a essas facetas, uma si- tuacio ideal passa pela adocao do enfo- que s6cio-técnico e pela redugio da jor- nada de trabalho, criando-se assim emba- samento e tempo para que outras habili- dades e potencialidades nao contempla- das no periodo de trabalho possam se de- senvolver. Por tlkimo, & necessério tentarmos es- bocar uma andlise da perspectiva sécio- técnica do ponto de vista social. Isto signi- fica tentar compreender se essa aborda- gem tem se difundido e, por outro lado, se esta difusdo extrapola os limites das f&- bricas. Quanto ao primeiro ponto, da di- fusio da perspectiva s6cio-téenica, € pos- sivel avaliar 0 seguinte: quando nés ob- servamos a evolucao dos padrées de or ganizagao do trabalho e de estruturagao intra ¢ interempresas nos dtimos anos, € surpreendente o ntimero crescente de pontos em comum que estas formas de ‘organizacao tém com a Escola Sécio-Téc- nica. Isto transparece nos casos relatados, nos trabathos publicados e mesmo em no- vas teorias que vem surgindo. Essa apro- ximacio crescente nao respeita fronteiras, dando-se, embora com diferentes énfases e particularidades, nos Estados Unidos, Europa e Japio. O.TRABALHO AS ORGANIZAGOES NA PERSPECTIVA SOCIO-TECNICA A busca pela participacao ativa dos trabalhadores e a estruturagio de organi- zagbes matriciais e matrizes organizacio- nais € mais e mais intensa a cada ano que passa, Se considerarmos historicamente © surgimento e consolidacao dessa filo- sofia que foi aqui apresentada, ressalt do as datas em que os conceitos e idéias foram veiculados e difundidos ~ por exemplo, década de cingiienta para os {grupos somi-auténomos, década de ses- senta para ambiente turbulento e adapta~ cio ativa -, teremos ent3o uma nogdo ‘mais precisa do pioneirismo e do mérito de tals idéias. ae O projeto e a implementacao baseados na perspectiva sdcio-técnica pertencem, antes de mais nada, aqueles que terdo seu trabalho e fungdes definidas nesse processo. ‘A perspectiva sécio-técnica se vineula principalmente ao que proprio Eric Trist chama de democracia no local de trabalho, Sua adocio implica mudancas qualitativas na relacao individuo /organi- zacao. Além de se apresentar como uma das estratégias mais eficazes para a so- brevivéncia e desenvolvimento das onga- nizagbes nesse turbulento final de século, a perspectiva sécio-técnica acena com possibilidades de integragao e desenvol- ‘vimento — social, psicol6gico e téenico ~ para aqueles envolvides nos processos de mudanga e condugio dessas “novas fé- Dricas”, Integragao e desenvolvimento es- 828 que serao tanto maiores quanto maio- res forem a iniciativa e a participagio dos trabalhadores nesses processos, fazendo valer suas necessiclades ¢ anseios e bus cando uma forma de organizagao do tra- balho verdadeiramente fundamentada ‘em valores humanos. Artiga recebido pela Redagao da RAE-em outubro/83, aprovado para publicacéo em novembro/S3. 21, BLAUNER,R. Alnation and fread: te acory worker and ‘is industy, Chicago: University i cheago Press, 1958, 37

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