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‘Turismo - Visdo © Ago ISSN: 1418-6393, luiz.fores@univali br Universidade do Vale do Ital Brasil Disponivel em: hxputw.redalye.orglatcul.oa7Id=261056102008 > Como citar este aigo repaiye, Aq 1 Nimero completo Sistema de Informagdo Cientica > Mais artigos Rede de Revstas Cientiicas da América Latina, Carbe , Espanha e Portugal > Home da revista no Redalye Projeto académico sem fins lucrativos desenvalvido no &mbito da inicatva Acesso Aborto mo- Visio 2 Ae0-¥o Turismo cultural: conceituagao, fontes de crescimento e tendéncias 2 p.185-198 maio/ag0.2007 Turismo cultural: conceptualizacion, fuentes de crecimiento y tendencias Cultural tourism concept, sources of growth, and trends André Fontan Kehler afontan@usp.br José Carlos Garcia Durand” Jedurand@terra.com.br Resumo. (turismo cultural é um segment de mercado que, parti dos anos 1980, vem reeebendo crescente ate por parte da literatura analitica, ue tentaprecsarconcetos, construireferencalterico, coli dadosetestarhipétese, tanto do rude triste, que busea incessaniementenovas rages apas ao consumo turitico, quanto de pass, rgides eed 0 redor do mundo, vidos poratrarparcelas do crescente mereadotursico mundial, Ess artigo procua explora as especificidades do segmento de turismo cultural, a parr do qualficaivo “cultural”, epresentando e discutindo pontos como conecituagéo,origens ¢ fants de cresimentoimportncia,princpais caractersticasedivisi do mercado de turismo cultural. O artigo contemplaextensa revisho 6e literatura, nacional eintermacional, sobre turismo, com Enfase em turismo cultural, sciologia, economia e antropologie, relacionande conteids vst nessas reas de conhcimento e dscutindo as prncipaisisias eposicionamesos sobre pots ‘como a defini de turismo cultural, a inTugncia da pés-modemidade no consumo de experincias cultura, ente outros. presente discussio fomece hase terica necesséra a compreensdo do segmento de turismo cultural, que permite estabelecer cririos para o monitoramento desse hx, estabelecimento de pliticaspblics, entre outos Palavras-chave: Turismo Cultural; Segmentagio de Mercado; Poltica Publica, Resumen turismo cultura es un segmento de mercado gue, a partrde lo aflos 80, viene reibendo una atencién ceciente por pate de Ja literatura snaltica, que inteataprecisar concept, constui referencia eérco, recolecar datos y testearhipéess tanto del Trade tursco, que busca incesantemente nuevas arccionesaplas par el consumo turtco, como de paises, regiones y iudades alrededor del mundo, vidos por tracr segment del ceciente meretdourisio mundial. Este artiulo, procur exponat lasespevfiidades del segmento de turismo cultural a pat delo cualitaivo cultural’, presentando ydiseutiendo puntos como ‘onceptualizacién, ox{genesy fuentes de crecimiento, importancia,priscipales eracterstiasy divisién del mercado de turismo cultura EL artculacostempls una extersa revisién de a iteraturatacional einternacionel, sob el turismo, con especial énfasis «en turismo cultural, socilogia, economia y antropolog,relacionando contenidosvistos en esas dreas de conocimiento y sextiendo ls principales ideas y cl posicionamiento sobre puntos, om la defnicén de tarismo cultural y lan uencia dela post modemidad ene consumo de experiencia cultures, ene oto. La presente discusion, prove la hase tric necesria a Ja comprensién del segmento de turismo cultural, que permite establecer criterias para el monitoreo de ese fujo,establecimiento e policas pica, entre ots. Palabras daves: Turismo Cultural; Segmentacién de Mercado; Pola Piblia Abstract (Cultural tourism sa market sector which, since the 1980s has been receiving growing atetion nthe analytical itrature, which attempts to form precise concepts, consruct a theoretical framework, compile data and test hypotheses, both fr the tourism indus, which is constantly searching for appropriate new attractions fr tourism consumption, and fr countries, regions ad cites around the work, keen to atract thet share ofthe growing global tourism market. This article seks to explore the specific Srrofeaor Asssente ret MS? da Escola de Aves, Cdncos« Humanidades Univesidade de Sao Paulo EACIUSP). Mestada em ‘Adminstrag0 Public eGoveno, Epecalzaao e Gradua en Adminstacao Fundacao Gtulo Vargas «FOWERES), * Professor stub apesentado aa Escola de Adminsacao ge Empresas de So Paul a Funacao Geil Vargas -GVAESP, Pesqusador associ do FOCUS (Grup de Estudos sobre nsiuigi [colar Organizagoes Fairer da Faculade de ESucagse da Universe Estadl de Campinas (UNICAM).Ps-doutorade em Socalogle da Arte (Centre de SoiologeEuropéenne eal des Hates Eudes en Sciences Sodles-EMESS, Rang] com PlitcaeAdminstrayao Cultural (School of As and Slendes Mew York UnvetsyNYU).Doutor © ‘Mestre em Sociologia, Gradundo em ciencie Soci (Universidade de S80 PaI/USP) Enderego para Correspondéncia: cola dete, Cénie Humanisades ds Univeidade de So Paulo. Av. rnd ti, 1000-Baino Eelindo ttarazzo Sia Pauls. CEP, 09828-000 Telefone:(11) 3091-1029 rig ecebida an. 2007. Aprovado:set2007. 185 characteristics ofthe cultural tourism sector, based onthe “cultural” atibut, presenting and discussing points such as concept, origins and sources of growth, importance, principal characteristics, and the division of the cultural tourism market. The article includes an extersive review of the national and intemational iterature on tous, with emphasis on cultural tourism, sociology, economics and anthropology, related contents sen i these areas of knowledge, and discusses the main ideas and postions on Points such asthe definition of cultural tourism and te inflvence ofpos-modemity on the consumption of cultural experiences, among others. This discussion provides the theoretical basis nccessary for understanding the cultural tourism sector, Key words: Cultural Tourism; Market Segmentation; Public Policy. 1 Introdugo turismo precisa trilhar o caminho que quaisquer outras especialidades tiveram de pereorter para serem reconhecidas como areas ou campos auténomos no meio académico ¢ cientifico. Ou seja: precisar conceitos, construr referencial teérico, coligir dados e testarhipéteses, comparar resultados, trocando conclusdes com outros dominios. Sé assim sera possivel atingir um nivel analitico que se distinga daqueles textos mais corriqueiros acerca de turismo, que so os de cariter informativo e/ow promocional, abundantes em ilustragdes, mas demasiado préximos do senso comum. A evidente énfase no informativo e no promocional em turismo apenas diz.que se esta lidando com uma atividade comercial e de prestagio de servigos, circunstincias que carregam inimeras conseqiiéncias sobre quem discute o assunto, em quais termos, sob quais linguagens ¢ com que finalidades Para encaminhar essa perspectiva, fugindo simultaneamente do informative-promocional, de um lado, e do esquematismo conceitual (que, muitas vezes, passa como sendo trabalho tedrico), procura-se aqui explorar as especificidades de um segmento de mercado — o turismo cultural — a partir da discussio do qualificativo “cultural” tal como € empregado por autores de elevado reconhecimento, Mas, para chegar a esse nivel, necessério seri retomar alguns conceitos mais elementares, com vistas a obter um consenso minimo necessario. 2 Turismo: definicées, tipologias e segmentacao do mercado Segundo a Organizag3o Mundial do Turismo (OMT) e a United Nations Statistical ‘Commission (UNSTAT), 0 turismo consiste na atividade de quem viaja ou permanece em lugar que nfo seu ambiente normal por nao mais do que um ano consecutivo, em razao, entre outras, de lazer ou trabalho (COOPER et al, 2001). A pattir de extensa revisio da literatura de conceitos empregados para definir o termo turismo, Tribe (1997, p. 641) oferece definigdo ampla, que captura a complexa e multifacetada natureza da atividade: “[Turismo é] o conjunto dos fendmenos e das relagdes que emergem da interagdo em regides emissoras e receptivas, de turistas, empresas fornecedoras, érgdos de governo, comunidades ¢ ambientes” John Urry (1996), em influente obra a respeito das transformagdes contempordneas nas viagens de lazer no mundo, analisa priticas sociais no desenvolvimento do turismo como lazer. O turismo consiste no movimento de pessoas para destinos fora de seus ambientes normais de trabalho & residéncia, para 0 desenvolvimento de atividades que contrastam com as ages empreendidas em seu dia a dia. Isto caracteriza a atividade turistica como um periodo de excegio, presidido pela intengo, por parte do viajante, de retomar a seu ambiente de origem apds um determinado periodo de tempo, geralmente curto, De acordo com Becho € Prentice (1997), 0 produto turistico bas experiéncias intangiveis, a partir dos beneficios, fantasias e interpretagdes que as atragdes, possibilitam ao turista. As experiéncias ndo so algo universal ou padronizado, mas sim vividas € ¢ essencialmente em 186 Tursmo-VisdoeAcio-vol8-n2 p. 185-198 msio/go. 2007 interpretadas diferentemente por cada turista, a partir de seus sentimentos, visio de mundo, repertério cultural e preconcepgdes. Cooper et al. (2001) dividem o mercado turistico em trés segmentos de mercado, de acordo com © propésito da viagem. © primeito segmento é “lazer e recreagao”, o que inclui férias, esportes, turismo cultural ¢ visitas a parentes e amigos. O segundo é 0 de “profissional e de negécios”, englobando viagens para participago em reunides e conferéncias, misses empresariais, destiute de viagens de incentivos etc. 0 tiltimo inclui “estudos e satide”, entre outros fins. Smith (1989) identifica cinco tipos diferentes de turistas no segmento lazer, formado a partir da disponibilidade de tempo para atividades de lazer, disposigdo de renda discricionaria e ocorréncia de sangdes legais da comunidade de origem para a pratica desta atividade. O primeiro ¢ 0 “turismo étnico”, voltado ao conhecimento de lugares distantes da civilizaglo culturas “primitivas™'. © segundo tipo ¢ o “turismo cultural”, voltado a lugares pitorescos ¢ deliciosamente atrasados, na perspectiva dos turistas, marcados por anacronismos e pela auséneia, de problemas contempordneos presentes em grandes centros urbanos, como congestionamento, poluigdo visual, oferta de produtos em sétie etc, O tetceiro & 0 “turismo histérico”, voltado a glorificagdo dos fatos e monumentos do passado, com a visita a atragSes como museus, catedrais € grandes monumentos. E 0 tipo de turismo que se vé em Roma, Paris etc. O quarto tipo é 0 “turismo ambiental e ecolégico”, focado em atragdes naturais. O iiltimo tipo é 0 “turismo recreacional”, constituido, de forma geral, pelo composto “sol, mar e praia”, Estio nele as viagens movidas pelo desejo de aventura, pratica de esportes e sexo. A partir do final dos anos 1980, com @ emergéncia do tema turismo cultural na literatura, conceitos diversos vém tentando delimitar o que se apresenta como um novo campo de estudos (BALCAR; PEARCE, 1996), 3 Turismo cultural: discussdo de conceitos, origens e fontes de crescimento do mercado: A revisio dos conceitos de cultura como produto ou processo ¢ itil como introdugao a discusso das diversas definigdes de turismo cultural presentes na literatura analitica. De acordo com Bennett (1995), 0 termo cultura pode ser usado para designar um produto ou processo, No primeiro caso, cultura significa o resultado do conjunto de atividades artisticas ¢ culturais, na forma de produtos tangiveis ou ndo. Nele, a cultura consiste em edificios, misicas, dangas, pinturas, festivais, entre outros produtos. No segundo caso, cultura assume amplitude antropolégica, referindo-se ao modo de vida de uma determinada populagdo. Neste sentido, pode-se dizer que existe uma cultura brasileira, permambucana, paulistana, entre diversas outras, Pensando cultura como processo, Volkerling (1996, p. 190) coloca: “Cultura 0 conjunto das ptaticas socialmente estruturadas por meio das quais significados sio ctiados ¢ transmitidos no interior de um grupo (CRANE 1992a; 1992b; 1994; DIMAGGIO 1978; 1987; 1992; SWINDLER 1986; THOMPSON 1990).” Nalliteratura analitica, podem ser distinguidos dois conjuntos de definigSes sobre turismo cultural 0 primeiro define turismo cultural a partir da demanda (motivos, pereepgGes ¢ experiéneias de viagem), enquanto 0 segundo foca aspectos da oferta (consumo de atragdes previamente classificadas como culturais). ‘As definigdes baseadas na demanda apresentam turismo cultural sob o foco das motivagdes de viagem e percepgdes e experineias pessoais dela oriundas. Neste sentido, ndo so os atributos de espagos ou objetos, mas as interpretagdes dadas & experiéncia turistica, que definem se cla pode ou no set classificada como cultural. Trata-se de um conceito baseado na demanda por experiéncias culturais, a partir do repertirio e das circunstancias de cada turista 187 Silberberg (1995, p. 361) define turismo cultural como: “[..] visitagdo por pessoas de fora da comunidade receptora motivada no todo ou em parte por interesse em aspectos histiricos,artisticos, cientifioos ou de estilo de vida e de heranga oferecides por uma comunidade, regio, grupo ou instituigd0”, ‘A motivagao, por parte de um turista, em viver experiéncias culturais em determinado destino pode resultar em visitas ao patriménio edificado local ou na simples observagao de como um grupo de pessoas relaciona-se & mesa para um cha ou café. Poria, Butler e Airey (2003) afirmam que objetos nunca podem ser vistos de forma direta, mas, apenas através de representagdes marcadas por construgdes sociais ¢ signos pessoais. Assim, nao iriam historias ou interpretagd J que toda narrativa é subjetiva. Aqui, turismo cultural lefinido através da classificago de experiéncias pessoais como culturais, endo em termos do acesso a objetos ¢ lugares supostamente impregnados de valores historicos, atisticos ¢ culturai As definigdes de turismo cultural baseadas na demanda, ou seja, nas experiéneias pessoais advindas do consumo turfstico, tm como principal ponto positivo o fato de os turistas interpretarem 0 mesmo objeto ou destino de formas diferentes, © conjunto de definigdes de turismo cultural baseadas na demanda apresenta como principal problema a delimitagao do que consttuiria atrago cultural. A dependéncia das experiéncias pessoais dos turistas, com a atribuigao diferenciada de significados a espagos ¢ objetos, toma dificil defini o que eo que deixa de ser uma atragdo cultural. CO alargamento indefinido dos espagos e objetos visos como culturais, bem como a natureza subjetiva da experiéncia, faz com que esse conceito seja de dificil aplicagao pritica. O conjunto de definigdes de turismo cultural baseadas na demanda dificulta a operacionalizaga0 do conceito por parte do poder piiblico, por exemplo, em uma proposta de fomento e regulagao do turismo cultural em bens edificados, Nesse sentido, Boyd (2002) adota um conceito abrangente de turismo cultural ao estudar o Canada, incluindo na mesma definicdo visitas ao patrim@nio natural (ex.:rios e parques nacionais), ds atividades produtivas locais (ex.: madeireiras e minas de carvao), contato com a populagdo local (ex.: moda € culinria) e com o patriménio pessoal (aspectos do dia a dia relevantes & populagdo), akém de visitas a bens culturais materia, festivais, eventos e museus. E por isso que mais de 75% de todos os turistas, domésticos canadenses sio classificados como turistas culturais, e parte dos 25% restantes também. poderem ser turistas culturas, caso seja adotada tal visio “holistica” As definigdes de turismo cultural segundo a oferta baseiam-se no desfrute turistico de equipamentos eatragdes previamente classificados como culturais: sitios e centroshistoricos,festivais, gastronomia local, centros de interpretago patrimonial, mercados tradicionais, museus, entre outros, espagos, objetos e eventos. Trata-se de um conceito baseado na oferta de atragSes culturais, previamente classificadas como tal ¢ aptas ao consumo do fluxo turistico. © conceito téenico de turismo cultural da European Association for Tourism and Leisure Education (ATLAS) revela o foco no consumo turistico de elementos previamente classificades como culturais: “[Turismo cultural é] toda movimentagdo de pessoas em tomo de atragGes culturais, especificas, tais como sitios historicos e manifestagdes artisticas e culturais, fora de seu lugar priprio de residéncia” (RICHARDS, 1997, p. 24) ‘McKercher ¢ Du Cros (2003) definem turismo cultural como 0 consumo turistico de atragdes, previamente classificadas como culturais. O conceito de patriménio cultural da International Commission on Monuments and Sites (ICOMOS) é usado para definir a oferta de atragdes culturais, de uma cidade, regio ou pais. Logo, a oferta de atragSes culturais consiste em: auténti Parriménio cultural € um conceito amplo que inclui bens tangiveis, como ambientes naturais e cculturais,incluindo paisagens, locais historicos, sitios e ambientes construfdos, assim como bens intangiveis como colegdes. préticas culturais passadas e atuais, conhecimento e experiéncias de vida. Exemplos de patriménio tangivel incluem museus, prédios historicos, sitios religiosos e talvez parques temiticos, se cls tém um foco patrimonial, enquanto o patriménio intangivel inclut 188 mo Visio 2 Ac0-¥o 2. p.185-198 maio/a90.2007 colegdes, performances e festivais. Elas ndo ineluem, no entanto atragdes turisticas que nfo tém uum foco cultural ou patrimonial claro ¢reconhecivel (MCKERCHER; DUCROS, 2003, p48). A definigdo de turismo cultural proposta por McKercher ¢ Du Cros (2003) parece ser a mais apropriada para a delimitagdo do segmento de turismo cultural. Em primeiro lugar, este conceito de turismo cultural consegue prover uma delimitagdo razoavel desse segmento do mercado turistico, sem excluir elementos tangiveis ¢intangiveis que possam ser classificados como patriménio cultural. Em segundo lugar, essa definigo permite que esse segmento de mereado seja identificado ¢ estudado, com a anilise de fatores como sua magnitude, padrdes de visitagdo, gastos no destino, Isso permite, por exemplo, fomecer subsidios a propostas de fomento e regulagio estatal de atividades de turismo que envolvam bens culturais de um destino turistico, independentemente das experineias pessoais permitidas pela visitagdo. Em terceiro lugar, a expansio dos objetos alvo do olhar do turista (URRY, 1996) ¢ 0 consumo de experiéncias diferenciadas a partir da agenda pessoal do turista (PORIA; BUTLER; AIREY, 2003) ndo impedem a concentrago do fluxo turist destinos ¢ grandes atragdes culturais ¢ a identificagdo destes objetos e espagos enquanto tal A visita & Torre Eiffel, em Paris, compreende 0 conhecimento de um dos {cones culturais da cidade, a apreciagdo da obra de engenharia ¢ o cumprimento de uma obrigagdo por parte de grande parcela de turistas em estadia ou passagem pela cidade’. O monumento possibilita uma miriade de interpretagdes, atribuigdes de significado e vivencias pessoais diferenciadas a seus consumidores, todos dispostos a consumir servigos e produtos em sua passagem ou estadia em Paris, As origens do turismo cultural no mundo ocidental remetem ao Séc. XVII, quando membros da aristocracia britanica viajavam pela Europa continental, prineipalmente por cidades e sitios histéricos, ligados cultura classica, como parte integrante de sua formagdo educacional, no que se convencionou chamar Gran Tour, Esta viagem, de acordo com Towner (1985), obedecia a um duplo objetivo: educagdo ¢ prazer. ‘Apesar de iniciado no século XVI, o turismo cultural permaneceu restrito a uma pequena parcela da sociedade até os anos 1970 ¢ 1980, quando deixou de ser atividade exclusiva de uma elite rica € ceducada para se transformar em um segmento do mercado turistico mundi. A pattir dos anos 1960, 0 desenvolvimento do turismo na Europa baseou-se em pacotes padronizados, por grandes operadoras do norte da Europa (RICHARDS, 1997). oferta tinha pouca consideragdo com os elementos culturais dos paises receptores, ¢ privilegiava o composto “sol, mar ¢ praia” na promogao e fomento oferecidos. Uy (1996, p. 33), caracterizando o turismo de massa vigente nos anos 1950 e 1960 no Reino Unido, dé assim idéia do nivel de padronizagao e das experiéncias disponiveis ao turista nos campings e balnedrios briténicos: Nesse perfodo, a experiéncia de férias era notavelmente regulada. Mesmo quando as pessoas ficavam em apartamentos, isso geralmente envolvia a proviso de refeigdes prontas para uma semana, As férias eram bascadas na “time zone of the week" (ver COLSON, 1926). Era quase impossivel fazer reservas para o meio da semana. Os visitantessabiam quando iriam comer, o que iriam comer, exatamente quanto tempo eles iriam ficar, Se as pessoas estavam em um aacampamento de férias, ent tudo o mais era organizado e, mais ainda, “de um acampamento para © outro a combinagdo era idéntica — 0 mesmo padrio de entretenimento, a mesma dieta, 0 ‘mesmo tipo de acomodagdes, a mesma rotina semnanal” (WARD AND HEARDY, 1986, p. 161), A partir do final dos anos 1980, o turismo cultural emerge na literatura analitica. Comegam a ptoliferar conceitos, estudos de caso e discussdes sobre diversos aspectos relacionados a esse campo de estudos, tais como capacidade de carga, autenticidade, percepgao da comunidade local sobre o desenvolvimento do turismo etc, (BALCAR; PEARCE, 1996). 189 A transigdo para a pés-modemidade* & apontada por uma série de autores como uma das razdes do crescimento do mercado de turismo cultural, nos tiltimos vinte anos. Além disto, 0 desenvolvimento e a expansio da oferta de atragdes culturais, as mudangas em varidveis sociais, © econémicas da populagdo e a necessidade de diferenciagao cultural por parte de determinados gtupos sociais, vém contribuindo para o aumento do desfrute de bens ¢ experiéncias culturais de parcela crescente da populagao. A pos-modemidade compreende a emergéncia de um sistema de simbolos e significados cuja principal caracteristica é a ruptura com o cariter estanque das esferas culturais “horizontais” (pintura, literatura, arquitetura ete.) e “verticais” (cultura popular, erudita ¢ indastria cultural) (URRY, 1996). A partir da valorizagio do espetacular, das caracteristicas visuais dos objetos e apresentagdes, em detrimento dos outros sentidos, da reprodugio em série de imagens ¢ da integracdo do piblico com as apresentagdes culturais, a pés-modernidade reduz a distncia entre objeto cultural ¢ espectador, quebra fronteiras entre diversas instincias culturais que estavam separadas durante a modernidade e privilegia regimes de prazer ¢ recreagdo em relagdo a contemplagdo de bens culturais a partir de critérios como originalidade ou valor intrinseco. As experiéncias turisticas pés-modemnas exprimem falta de originalidade e de senso de lugar € profundidade, aceitando-se de bom grado inclusive pastiches ¢ simulagdes, nas quais 0 turista, cercado de réplicas, almeja alcancar sua propria definigdo de autenticidade, em um ambiente onde o proprio conceito de realidade fica aberto a discuss4o (WAITT, 2000). A partir do inicio dos anos 1980, a politica cultural, em muitas cidades de médio e grande porte, principalmente na Europa e nos Estados prinefpios exclusivamente culturais para levar em conta questdes de desenvolvimento econémico (0 fisica de areas urbanas degradadas (BIANCHINI, 1999). A tonica destas politicas, tradicionalmente baseadas em subsidios de governo, gradualmente volta-se ao inyestimento piblico e privado, a partir de justificativas econdmicas. Os iltimos vinte cinco anos presenciaram a criagdo de novas atragdes no segmento de turismo cultural, a partir de iniciativas do poder piblico e de agentes privados. Varios paises, regides e cidades ao redor do mundo criaram politicas péblicas para fomentar o turismo cultural, em um mercado caracterizado pela erescente competigao entre destinos. Isto faz com que as politicas culturais, ao invés de se constituirem como algo a parte, a partir do dominio de uma elite cultural ou grupos de pressdo, estejam cada vez mais inseridas dentro de estratégias amplas de desenvolvimento econémico, revitalizagao urbana e construgio de imagens de cidades, regides ou paises (VOLKERLING, 1996), No caso especifico do patriménio historico e artistico, por exemplo, ocorre uma fundamental alterago no significado dos bens culturais, que deixam de ser apenas bens simbilicos, enquanto testemunhos de outras épocas ¢ instrumentos de reforgo de identidades nacionais ou locais, para se transformarem em produtos culturais, a partir das necessidades de mercado (LEITE, 2005). Novos projetos de arquitetura e politica voltadas ao fomento de festivais e de investimento na rea de telecomunicagées foram usados nos anos 1990 para promover cidades como Rennes, Hamburgo, Coldnia e Montpellier - como simbolos de modemidade ¢ inovagao (BIANCHINI, 1999). Projetos de grande porte, como o Museu Guggenheim, em Bilbao, representam o papel de simbolo de renascimento e dinamismo de cidades afetadas pela decadéncia da atividade industrial nos anos 1970 ¢ 1980 (BIANCHINI, 1999). Como diz Harvey (2003), a criagao de projetos culturais deste tipo insere-se na tentativa de lugares como Bilbao, Essen, Liverpool e Glasgow em acumular suficiente capital simbélico c marcas de distingdo para obter rendimentos financeiros a partir do consumo turistico, especulagao imobilidria e atragdo de capital internacional. © evento European Cultural Capital é ilustrative das mudangas que ocorreram na politica cultural de paises, regides e cidades nos tiltimos vinte ¢ cinco anos. Até o final dos anos 1980, 0 evento tina um caréter eminentemente cultural, com dois objetivos: fazer com que a cultura da Inidos da América, comegou a se distanciar de ¢ revitalize 190

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