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sideré-lo no conjunto das tarefas educativas exigidas pela vida em sociedade. A ciéncia que investiga a teoria e a pritica da educago nos seus vinculos com a pratica social global é a Pedagogia. Sendo a Didética uma disciplina que estuda os objetivos, os conteiidos, os meios e as condigdes do processo de ensino tendo em vista finalidades educacionais, que so sempre sociais, ela se fundamenta na Pedagogia; é, assim, uma disciplina pedagégica. Ao estudar a educagao nos seus aspectos sociais, politicos, econémicos, psicolégicos, para descrever e explicar o fendmeno educativo, a Pedagogia recorre a contribuigao de outras ciéncias como a Filosofia, a Hist6ria, a Sociologia, a Psicologia, a Economia. Esses estudos acabam por convergir na Didatica, uma vez que esta redne em seu campo de conhecimentos objetivos © modos de agéo pedagdgica na escola, Além disso, sendo a educagio uma prética social que acontece numa grande variedade de ins- tituigées e atividades humanas (na familia, na escola, no trabalho, nas igre- jas, nas organizagées politicas e sindicais, nos meios de comunicagao de ‘massa etc.), podemos falar de uma pedagogia familiar, de uma pedagogia politica etc. e, também, de uma pedagogia escolar. Nesse caso, constituem- se disciplinas propriamente pedagégicas tais como a Teoria da Educagao, Teoria da Escola, Organizagio Escolar, destacando-se a Didatica como Teoria do Ensino. Nesse conjunto de estudos indispensaveis a formagiio te6rica e pratica dos professores, a Didética ocupa um lugar especial. Com efeito, a atividade principal do profissional do magistério € 0 ensino, que consiste em dirigir, organizar, orientar e estimular a aprendizagem escolar dos alunos. E em fungao da condugo do processo de ensinar, de suas finalidades, modos € condigées, que se mobilizam os conhecimentos pedagdgicos gerais e es- pecificos. Neste capitulo serdo tratados os seguintes temas: pratica educativa e sociedade: educacio, instrugio e ensino; Educagdo Escolar, Pedagogia e Didét a Diditica e a formagio profissional dos professores. ooo0 Pratica educativa e sociedade O trabalho docente ¢ parte integrante do proceso educativo mais global pelo qual os membros da sociedade so preparados para a participagio na vida social. A educagdo — ou seja, a pratica educativa — é um fendmeno social ¢ universal, sendo uma atividade humana necesséria a existéncia e 16 funcionamento de todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar da formacao dos individuos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades fisicas ¢ espirituais, prepard-los para a participagio ativa e transformadora nas varias instancias da vida social. Nao hé sociedade sem pritica educativa nem pritica educativa sem sociedade. A pritica educativa nao é apenas uma exigéncia da vida em sociedade, mas também 0 processo de prover 0s individuos dos conhecimentos e experiéncias culturais que os tornam aptos a atuar no meio social e a transformé-lo em fungio de necessidades econdmicas, sociais e politicas da coletividade. Através da ago educativa 0 meio social exerce influéncias sobre os individuos ¢ estes, ao assimilarem e recriarem essas influéncias, tomam-se capazes de estabelecer uma relagio ativa e transformadora em relagZo ao meio social. Tais influéncias se manifestam através de conhecimentos, ex- periéncias, valores, crengas, modos de agir, téenicas e costumes acumulados Por muitas geragées de individuos e grupos, transmitidos, assimilados ¢ recriados pelas novas geragées. Em sentido amplo, a educagao compreende 08 processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os individuos esto envolvidos de modo necessério e inevitavel pelo simples fato de existirem socialmente; neste sentido, a prética educativa existe numa grande variedade de instituigdes © atividades sociais decorrentes da organizagio econémica, politica ¢ legal de uma sociedade, da religiio, dos costumes, das formas de convivéncia humana. Em sentido estrito, a educagio ocorre em instituigdes especificas, escolares ou nao, com finalidades explicitas de instrugao ¢ ensino mediante uma ago consciente, deliberada e planificada, embora sem separar-se daqueles processos formativos gerais. Os estudos que tratam das diversas modalidades de educagio costumam caracterizar as influéncias educativas como no-intencionais e intencionais. A educagéo ndo-intencional refere-se &s influéncias do contexto social ¢ do meio ambiente sobre os individuos. Tais influéncias, também denomi- nadas de educagio informal, correspondem a processos de aquisigio de conhecimentos, experiéncias, idéias, valores, praticas, que nio estio ligados especificamente a uma instituiggo © nem sio intencionais e conscientes. Sao situagdes ¢ experiéncias, por assim dizer, casuais, espontineas, nio organizadas, embora influam na formagao humana. E 0 caso, por exemplo, das formas econémicas ¢ politicas de organizacao da sociedade, das relagées humanas na familia, no trabalho, na comunidade, dos grupos de convivéncia humana, do clima sécio-cultural da sociedade. A educagdo intencional refere-se a influéncias em que hé intengdes € objetivos definidos conscientemente, como é 0 caso da educagao escolar € extra-escolar. Hé uma intencionalidade, uma consciéncia por parte do educador quanto aos objetivos e tarefas que deve cumprir, seja ele o pai, 7 © professor, ou os adultos em geral — estes, muitas vezes, invisiveis atrés de um canal de televisdo, do radio, do cartaz. de propaganda, do computador etc. Hé métodos, técnicas, lugares e condigdes especificas prévias criadas deliberadamente para suscitar idéias, conhecimentos, valores, atitudes, com- portamentos. S20 muitas as formas de educago intencional e, conforme o objetivo pretendido, variam os meios. Podemos falar da educagao nio-for- mal quando se trata de atividade educativa estruturada fora do sistema escolar convencional (como € 0 caso de movimentos sociais organizados, dos meios de comunicagio de massa etc.) e da educago formal que se realiza nas escolas ou outras agéncias de instrugiio ¢ educagio (igrejas, sindicatos, partidos, empresas) implicando ages de ensino com objetivos pedagégicos explicitos, sistematizagio, procedimentos didaticos. Cumpre acentuar, no entanto, que a educacao propriamente escolar se destaca entre as demais formas de educagio intencional por ser suporte e requisito delas. Com efeito, éa escolarizagaio basica que possibilita aos individuos aproveitar ¢ interpretar, consciente e criticamente, outras influéncias educativas. E impossivel, na sociedade atual, com 0 progresso dos conhecimentos cien- tificos € téenicos, e com o peso cada vez maior de outras influéncias edu- cativas (mormente os meios de comunicagio de massa), a participagao efetiva dos individuos ¢ grupos nas decisdes que permeiam a sociedade sem a educagio intencional e sistematizada provida pela educagao escolar. As formas que assume a prética educativa, sejam ndo-intencionais ou intencionais, formais ou nao-formais, escolares ou extra-escolares, se in- terpenetram. O processo educativo, onde quer que se dé, é sempre contex- tualizado social e politicamente; hd uma subordinagao a sociedade que the faz exigéncias, determina objetivos e Ihe prové condigdes e meios de aco. Vejamos mais de perto como se estabelecem os vinculos entre sociedade € educagio. Conforme dissemos, a educagio é um fendmeno social. Isso significa que cla € parte integrante das relagdes sociais, econdmicas, politicas culturais de uma determinada sociedade. Na sociedade brasileira atual, a estrutura social se apresenta dividida em classes e grupos sociais com in- teresses distintos e antagénicos; esse fato repercute tanto na organizacio econdmica ¢ politica quanto na pritica educativa. Assim, as finalidades meios da educagio subordinam-se & estrutura e dindmica das relagdes entre as classes sociais, ou seja, so socialmente determinados. Que significa a expresso “a educagdo é socialmente determinada”? Significa que a pritica educativa, ¢ especialmente os objetivos e contetidos do ensino € 0 trabalho docente, estiio determinados por fins e exigéncias s, politicas ¢ ideolégicas. Com efeito, a pritica educativa que ocorre em varias instancias da sociedade — assim como os acontecimentos da 18 vida cotidiana, os fatos politicos e econémicos etc. — € determinada por valores, normas e particularidades da estrutura social a que esta subordinada. A estrutura social e as formas sociais pelas quais a sociedade se organiza so uma decorréncia do fato de que, desde o inicio da sua existéncia, os homens vivem em grupos; sua vida est na dependéncia da vida de outros membros do grupo social, ou seja, a histéria humana, a historia da sua vida e a historia da sociedade se constituem e se desenvolvem na dindmica das relagdes sociais. Este fato é fundamental para se compreender que a organizagao da sociedade, a existéncia das classes sociais, 0 papel da edu- cago estio implicados nas formas que as relagdes sociais vio assumindo pela ago prética conereta dos homens. Desde o inicio da histéria da humanidade, os individuos ¢ grupos trayam relagdes recfprocas diante da necessidade de trabalharem conjun- tamente para garantit sua sobrevivéncia. Essas relagdes vio passando por transformagées, criando novas necessidades, novas formas de organizagio do trabalho e, especificamente, uma divisio do trabalho conforme sexo, lade, ocupagdes, de modo a existit uma distribuigio das atividades entre 0s envolvidos no proceso de trabalho. Na hist6ria da sociedade, nem sempre houve uma distribuigio por igual dos produtos do trabalho, tanto materiais quanto espirituais. Com isso, vai surgindo nas relagGes sociais a desigual- dade econdmica ¢ de classes. Nas formas primitivas de relagées sociais, 05 individuos tém igual usufruto do trabalho comum. Entretanto, nas etapas seguintes da hist6ria da sociedade, cada vez mais se acentua a distribuigao desigual dos individuos em distintas atividades, bem como do produto dessas atividades. A divisdo do trabalho vai fazendo com que 0s individuos passem 4 ocupar diferentes lugares na atividade produtiva, Na sociedade escravista, os meios de trabalho ¢ 0 préprio trabalhador (escravo) sio propriedade dos donos de terras; na sociedade feudal, os trabalhadores (servos) sio obrigados a trabalhar gratuitamente as terras do senhor feudal ou a pagar-lhe tributos. Séculos mais tarde, na sociedade capitalista, ocorreu uma diviséo entre os proprietérios privados dos meios de produgio (empresas, méquinas, bancos, instrumentos de trabalho etc.) © 0S que vendem a sua forga de trabalho para obter os meios da sua subsisténcia, os trabalhadores que vivem do salério, As relagdes sociais no capitalismo so, assim, fortemente marcadas pela divistio da sociedade em classes, onde capitalistas e trabalhadores ocu- Pam lugares opostos ¢ antagénicos no processo de produgao. A classe social proprietaria dos meios de produg3o retira seus lucros da exploragao do trabalho da classe trabalhadora. Esta, & qual pertencem cerca de 70% da populagio brasileira, é obrigada a trocar sua capacidade de trabalho por um saldrio que ndo cobre as sas necessidades vitais ¢ fica privada, também, 19 da satisfagdo de suas necessidades espirituais e culturais. A alienagio eco- ndmica dos meios e produtos do trabalho dos trabalhadores, que é a0 mesmo tempo uma alienagdo espiritual, determina desigualdade social e conse- qléncias decisivas nas condigées de vida da grande maioria da populagio trabalhadora. Este ¢ 0 trago fundamental do sistema de organizagio das relagdes sociais em nossa sociedade. A desigualdade entre os homens, que na origem & uma desigualdade econémica no seio das relagdes entre as classes sociais, determina no apenas as condigGes materiais de vida e de trabalho dos individuos mas também a diferenciago no acesso & cultura espiritual, & educagiio. Com efeito a classe social dominante retém os meios de produgao material como também os meios de produgdo cultural e da sua difusdo, tendendo a colocé-la 1a servigo dos seus interesses. Assim, a educagdo que os trabalhadores re- cebem visa principalmente preparé-los para trabalho fisico, para atitudes conformistas, devendo contentar-se com uma escolarizagio deficiente. Além disso, a minoria dominante dispde de meios de difundir a sua propria con- cepciio de mundo (idéias, valores, priticas sobre a vida, o trabalho, as relagdes humanas etc.) para justificar, ao seu modo, o sistema de relagoes sociais que caracteriza a sociedade capitalista. Tais idéias, valores e préticas, apresentados pela minoria dominante como representativos dos interesses de todas as classes sociais, stio 0 que se costuma denominar de ideologia. O sistema educativo, incluindo as escolas, as igrejas, as agéncias de for ‘mago profissional, os meios de comunicagaio de massa, 6 um meio pri legiado para o repasse da ideologia dominante. Consideremos algumas afirmagies que so passadas nas conversas, nas aulas, nos livros didéticos: 12 “O Governo sempre faz 0 que € possivel; as pessoas 6 que nfo cola- boram”; 2 “Os professores ndo tém que s¢ preocupar com politica; o que devem fazet & cumprir sua obrigagio na escola” 0 “A educacio é a mola do sucesso, para subir na vida"; © “Nossa sociedade ¢ democritica porque dé oportunidades iguais a to- dos. Se a pessoa nao tem bom emprego ou ndo consegue estudar € porque tem limitages individuais”; 0 “As criangas so indisciplinadas e relapsas porque seus pais no Ihes dio educagdo conveniente em casa”; © “As criangas repetem de ano porque no se esforgam; tudo na vida depende de esforgo pessoal”; c= “Bom aluno é aquele que sabe obedecer”. 20 Essas ¢ outras opinides mostram idéias e valores que ndo condizem com a realidade social. Fica parecendo que o governo se pde acima dos conflitos entre as classes sociais e das desigualdades, fazendo recair os problemas na incompeténcia das pessoas, e que a escolarizagao pode reduzir as diferengas sociais, porque da oportunidade a todos. Problemas que sio decorrentes da estrutura social so tomados como problemas individuais. Entretanto, so meias-verdades, so concepgées parciais da realidade que escondem os conflitos sociais ¢ tentam passar uma idéia positiva das coisas. Pessoas desavisadas acabam assumindo essas crengas, valores e praticas, como se fizessem parte da normalidade da vida; acabam acreditando que a sociedade € boa, os individuos € que destoam, A prética educativa, portanto, € parte integrante da dinamica das 1e- lagdes sociais, das formas da organizagdo social. Suas finalidades e pro- essos sio determinados por interesses antagonicos das classes sociais. No trabalho docente, sendo manifestago da pritica educativa, esto presentes interesses de toda ordem — sociais, politicos, econdmicos, cultura que precisam ser compreendidos pelos professores. Por outro lado, é preciso ‘compreender, também, que as relagGes sociais existentes na nossa sociedade niio sio estaticas, imutaveis, estabelecidas para sempre. Elas so dinmicas, uma vez que se constituem pela agdo humana na vida social. Isso significa Que as relagdes sociais podem ser transformadas pelos préprios individuos que a integram, Portanto, na sociedade de classes, nfo € apenas a minoria dominante que pde em pritica os seus interesses. Também as classes tra- balhadoras podem elaborar ¢ organizar concretamente os seus interesses ¢ formular objetivos meios do processo educativo alinhados com as lutas pela transformagao do sistema de relagdes sociais vigente. O que devemos ter em mente que uma educagio voltada para os interesses majoritirios da sociedade efetivamente se defronta com limites impostos pelas relagées de poder no seio da sociedade. Por isso mesmo, o reconhecimento do papel Politico do trabalho doceste implica a luta pela modificagio dessas relagdes de poder. Fizemos essas consideragées para mostrar que a pritica educativa, a vida cotidiana, as relagées professor-alunos, os objetivos da educacio, 0 trabalho docente, nossa percepgao do aluno esto carregados de significados sociais que se constituem na dinamica das relagées entre classes, entre Fagas, entre grupos religiosos, entre homens e mulheres, jovens e adultos. Sao 0s seres humanos que, na diversidade das relagGes reciprocas que travam em varios contextos, dio significado as coisas, as pessoas, as idéias; ¢ socialmente que se formam idéias, opinides, ideologias. Este fato é funda- mental para compreender como cada sociedade se produz e se desenvolve, como se organiza e como encaminha a prética educativa através dos seus 21 conflitos € suas contradigdes. Para quem lida com a educago tendo em vista a formago humana dos individuos vivendo em contextos sociais de- terminados, € imprescindfvel que desenvolva a capacidade de descobrir as, relagdes sociais reais implicadas em cada acontecimento, em cada situagio real da sua vida e da sua profissio, em cada matéria que ensina como também nos discursos, nos meios de comunicagdo de massa, nas relagdes cotidianas na familia e no trabalho. © campo especifico de atuagio profissional e politica do professor & a escola, 2 qual cabem tarefas de assegurar aos alunos um sélido dominio de conhecimentos ¢ habilidades, 0 desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, de pensamento independente, critico e criativo. Tais tarefas representam uma significativa contribuicao para a formagao de cidadaos ativos, criativos e criticos, capazes de participar nas lutas pela transformagio social. Podemos dizer que, quanto mais se diversificam as formas de edu- cagdo extra-escolar € quanto mais a minoria dominante refina os meios de difusdo da ideologia burguesa, tanto mais a educagao escolar adquire im- portancia, principalmente para as classes trabalhadoras. ‘Vé-se que a responsabilidade social da escola e dos professores é muito grande, pois cabe-Ihes escolher qual concepgao de vidae de sociedade deve ser trazida & consideragiio dos alunos e quais contetidos e métodos Ihes propiciam o dominio dos conhecimentos e a capacidade de raciocinio necessérios & compreensio da realidade social ¢ 3 atividade prética na profissao, na politica, nos movimentos sociais. Tal como a educagio, tam- bém o ensino é determinado socialmente. Ao mesmo tempo que cumpre objetivos e exigéncias da sociedade conforme interesses de grupos e classes sociais que a constituem, o ensino cria condigdes metodolégicas e organi- zativas para 0 processo de transmissao € assimilagao de conhecimentos € desenvolvimento das capacidades intelectuais e processos mentais dos alu- nos tendo em vista 0 entendimento critico dos problemas sociais. Educagio, instrugao e ensino Antes de prosseguirmos nossas consideragdes, convém esclarecer 0 significado dos termos educagio, instrugdo e ensino. Educagdo é um con- ceito amplo que se refere ao processo de desenvolvimento onilateral da personalidade, envolvendo a formagio de qualidades humanas — fisicas, ‘morais, intelectuais, estéticas — tendo em vista a orientagao da atividade humana na sua relago com 0 meio social, num determinado contexto de relagdes sociais. A educagio corresponde, pois, a toda modalidade de in- 22

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