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_ Michael Howlett = M. Ramesh = Anthony Perl Politica Poblica Seus ciclos e subsistemas Uma abordagem integral Traducdo técnica Francisco G. Heidemann ph.D. em Administragado Publica pela University of Southern California, Los Angeles 5? tiragem Do original: Studying public policy, 3rd ed Copyright © Oxford University Press Canada 2009 © 2013, Elsevier Editora Leda. Studying Public Policy: policy cycles and policy subsystems, third edition, was originally published in English in 2009. This translation is published by arrangement with Oxford University Press. ‘Studying Public Policy: policy cycles and policy subsystems, third edition, foi originalmente publicado em inglés no ano de 2009. Esta traducio foi publicada com autorizacio de Oxford University Press. “Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n® 9.610, de 19/02/1998, Nenhuma parte deste livro, sem autorizacéo prévia por escrito da editora, poders ser reproduzida ou ‘ransmitida selam quais forem os meios empregados: eletrSnicos, mecénicos, fotogréficos, gravacdo ou quaisquer ‘outros. Copidesque: Casa Editorial BBM Revisdo: Bruno Barrio Editoragéo Eletrénica: Thompson Elsevier Editora Leda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, | ~ 16° andar 120050-006 — Centro — Rio de Janeiro — Rj — Brasil Rua Quintana, 753 - 8° andar (04569-01 I — Brookin — So Paulo ~ SP. Servico de Atendimento 20 Cliente (0800-0265340 sac@elseviercom.br ISBN original: 978-01-954-2802-5 ISBN: 978-85-352-5689-5 Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edicio desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitacio, impressio ou dtivida conceitual, Em qualquer das hipéteses, solctames a comunicagio ao nosso Servico de Atendimento 20 Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questio. [Nem 2 editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens originados do uso desta publicacio. CIP-BRASIL, CATALOGACAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, R) Hadép Howlett, Michael, 1955- Politica piblica: seus ciclos e subsistermas: uma abordagem integradora / Michael Howlett, M. Ramesh, Anthony Perl; tradugao técnica Francisco G. Heidemann. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. “Traducio de: Studying public policy, 3rd ed. ' ISBN 978-85-352-5689-5 |, Clgnetas da politica. |. Ramesh, M., 1960-. Il Perl, Anthony, 1962~. Il. Titulo. 12-2639. a CDD: 320 Du: 32 AGRADECIMENTOS Muitas pessoas contribufram para a elaboracao deste livro. Além dos varios autores e pesquisadores, cujo trabalho empirico e conceitual prové as sinteses e discuss6es aqui contidas, também somos gratos as criticas e aos comentarios recebidos dos resenhistas das duas primeiras edicdes, bem como dos diversos estudantes e professores que utilizaram o livro e reservaram seu tempo para nos contar algo sobre suas experiéncias. Esta edicao inclui uma quantidade consideravel de novos materiais, cujos elementos apareceram em publicacdes de congressos, artigos de revistas e capi- tulos de livros. Gostariamos de agradecer a todas as equipes editoriais, revisores © participantes de discuss6es, que trabalharam de forma construtiva com esses materiais e nos ajudaram a refinar nossas reflexdes e argumentos. Visto que a lista daqueles a quem caberia agradecer é por demais extensa para incluf-la toda aqui, gostariamos de expressar nossa gratidao a alguns de nossos colegas e colaboradores mais préximos, cujas intervencdes pessoais em momen- tos criticos muito nos ajudaram a dar rumo ao nosso pensamento sobre a questo do estudo da politica piblica. Entre eles estao Jeremy Rayner, Colin Bennett, Jim Bruton, Melody Hessing, Ben Cashore, Tracy Summerville, Adam Wellstead, Paddy Smith, Iris Geva-May, Aidan Vining, Jeremy Wilson, George Hoberg, Evert Lindquist, Ted Parson, Laurent Dobuzinskis, David Laycock, Luc Bernier, Keith Brownsey, Wu Xun, Giliberto Capano, John Fossum, James A. Dunn Jr. e Kennedy Stewart, além de outros mais. Na editora da Oxford University (OUP), gostarfamos de agradecer a Peter Chambers, Kate Skene e em especial a Phyllis Wilson e Richard Tallman, por seu profissionalismo e os muitos esforcos feitos em nosso nome para a produgao deste livro. Finalmente, devemos muito as nossas familias, pelo apoio e pela compreensao ao longo dos anos. Agrade- cemos especialmente a Rebecca Raglon, Alex e Anna Howlett e Andrea Banks, por nos manterem “com os pés no cho” durante o proceso de escrever. Ver a Nikisha crescer representou um retardamento bem-vindo durante a pesquisa sobre politica publica; muito obrigado a ela e a sua mae Mandy. PREFACIO A EDIGAO BRASILEIRA A politica ptiblica ocupa parte central na vida das pessoas, na medida em que ela €um dos fatores mais importantes a contribuir para o bem-estar das sociedades. A globalizagao, bem como a velocidade e a profundidade de seus impactos, tornam bem evidente a necessidade de boas politicas. Em ultima andlise, sio ‘os governos que tém os recursos e, de fato, a responsabilidade de dar apoio as sociedades para que elas satisfacam suas necessidades futuras e se protejam contra eventuais riscos em tempos de adversidade. Felizmente, a importancia de boas politicas para melhorar a vida das pessoas ‘hoje amplamente reconhecida em todo o mundo. O Brasil, em particular, se taca como pais que se beneficiou de forma extraordindria na tiltima década 1 seguir politicas de promocao do crescimento com equidade. Esta é uma “conquista enorme, sem dtivida, mas ainda resta muito a fazer. Para avancar mais, 4 necessdria uma maquina mais eficaz de produgao de politica piblica. Este livro parte da premissa de que as politicas bem-sucedidas requerem pro- sos eficazes para produzi-las. Para construir boas politicas de forma consis- te, os governos precisam de processos eficientes para acomodar e conciliar as mandas conflitantes, enquanto se debrucam sobre o nticleo substantive dos blemas. Muitas vezes, 0 processo politico est repleto de irracionalidades, de onsisténcias e de razées para a falta de coordenagao, e essas deficiéncias si0 as, fundamentalmente, fonte de politicas pouco resistentes. Em uma situacao ‘cular, se tanto as pessoas que participam quanto as que nao participam dos go- deixam de ter familiaridade com a natureza eo funcionamento do proceso itico, elas talvez nao consigam imaginar estratégias de sucesso para influenciar rumo e assegurar que elas produzam resultados (outcomes) eficazes. As seguintes ilustracdes mostram que nao é preciso ir longe para se deparar m exemplos de problemas politicos causados pela existéncia de processos liticos frageis. Mesmo que ineficazes, politicas populares dominam a atengfo dos policy-makers, enquanto muitas que ndo sao populares, mas necessérias, enfrentam forte resistencia, Durante a recente crise financeira, por exemplo, muitos paises em desenvolvimento, por razdes politicas, continuaram a oferecer subsidios que mal podiam custear e que eram contraproducentes em termos de melhoria das-condicgdes e padrdes de vida em geral. A producio de politica piiblica (policy-making) é movida por crises em que os policy-makers tém de atuar como bombeiros, apagando incéndios, enquanto se da pouco valor as politicas que visam prevenir tais crises. No Reino Unido e nos Estados Unidos, por exemplo, muitas préticas bancérias que levaram a crise das financas em 2008 tiveram sua origem na desregulamentacao anterior da atividade financeira, cujas deficiéncias eram bem conhecidas, mas foram ignoradas em favor de um ganho econémico imediato. Os insucessos politicos (policy failures) levam a mudangas na lideranga politica, mas suas causas basicas continuam sendo tratadas de maneira inadequada. Em muitos paises em desenvolvimento, os lideres se alternam no poder, por periodos de governos militares e civis, sem terem a capacidade de abordar os problemas basicos — como a falta de habilidades e infraestrutura — que barram seus esforcos de desenvolvimento. Os efeitos das politicas capitaneadas por um determinado érgao de governo podem ser minados pelas estratégias usadas por outro érgao, seja de maneira deliberada ou nfo. Assim, por exemplo, em paises como a India e o Paquistao, os ministérios da agricultura continuam promovendo a producdo agricola Acusta de uma disponibilidade reduzida de Agua, tanto para a industria quanto para as casas das familias, as quais, pot sua vez, S40 alvos de iniciativas fundamentais de dispéndio por parte dos ministérios de obras ptblicas e infraestrutura. As politicas siio formuladas para garantir 0 apoio de grupos politicamente poderosos em detrimento dos interesses priblicos de longo prazo, que so sub-representados no sistema politico. Nas Filipinas, no México e em alguns outros paises, pequenos grupos de elites agricolas e empresariais exercem veto virtual sobre projetos de reforma que visam 4 redistribuicdo de terras ‘ou melhoria dos salarios e condicées de trabalho para a maioria da populacao. As discordancias entre os diferentes niveis de governo resultam em politicas contraditérias que sito mutuamente destrutivas. O objetivo de uma politica futura pode ser completamente obscurecido pelos diferentes drgiios de governo, nos seus varios niveis, os quais seguem agendas incompativeis ou contraditérias. No Canadé e na Austrdlia, por exemplo, os governos federais e provinciais, ou estaduais, perseguem objetivos mutuamente excludentes - por exemplo, enquanto um nivel promove a extragdo de carvao ou petréleo e gas para produzir energia elétrica, outro tenta reduzir as emiss6es de gs de efeito estufa. No Brasil acontece algo semelhante até entre dois 6rgaos de um mesmo nivel, o federal, por exemplo, onde a agenda do INCRA de regular a ocupagao de terra para fins agricolas e agropecudrios com frequéncia entra em choque com os propésitos de promosao e preservagao dos recursos naturais e do meio ambiente que séo promovidos pelo IBAMA. As politicas implementadas pelos burocratas da linha de frente (street-level) se distanciam de maneira considerdvel daquilo que foi contemplado no estagio da formulagao da politica. Em muitos paises em desenvolvimento, com frequéncia os funcionérios locaig atropelam ou subvertem as politicas, ‘especialmente pela demanda e aceitacao de pagamentos para fazer vista ‘ou mudar as regras. Mesmo em paises onde a corrupcao é hoje problematica do que no passado, como em Taiwan ou Sri Lanka, agGes podem facilmente levar a.uma confusa “colcha de retalhos” e regulamentacées, que solapam a eficiéncia e eficdcia de muitas politicas. De maneira oposta, politicas nacionais (que podem, por exemplo, ser adotadas com fins de sinalizagao politica) podem, as vezes, ser projetadas de forma tao precaria que s4o praticamente “criadas para néo serem bem-sucedidas”, apesar do esforco de implementacao. * Apesar de sua importancia, a avaliagio de politicas é raramente usada em relacao a maioria das decis6es politicas e - quando é conduzida — é motivada por requisitos procedimentais ou por consideragdes politicas tacarthas e, dessa forma, deixa de contribuir para a efetiva aprendizagem politica. Intimeros governos, mundo afora, bloqueiam de forma sistematica 0 acesso a informacao, privando os analistas de sua habilidade de conduzir avaliagées de alta qualidade e a si mesmos das oportunidades de aprendizagem e de avanco politico. O carater comum desses problemas de proceso politico nos diferentes sistemas e regimes politicos clama nao somente por explicacdes, mas também por solu- g6es que possam ser adotadas, diante dessas e outras situagdes semelhantes. Com base nas obras de estudiosos da América do Norte, da Europa e de outros lugares, nos tltimos 20 a 30 anos, este livro resume e sintetiza uma extensa gama de estudos sobre os processos e a substancia da policy-making. Enquanto as circunsténcias variam por diferentes paises e setores, 0 livro argumenta que ha consideraveis aspectos comuns na policy-making a permitir que se facam generalizacées sobre os processos e outcomes politicos aplicdveis aos paises e 3 jurisdicdes. Quem estuda ~ e produz — politicas ptiblicas pode se beneficiar do conhecimento dessas similaridades, e este livro pretende oferecer aos estudantes de politica publica o conhecimento que lhes permitiré diagnosticar problemas politicos e preparar solucdes com maior chance de implementacao bem-sucedida. PREFACIO Ha, no Brasil, uma farta bibliografia para quem deseja entender melhor as ins- tituicdes politicas, os partidos e o processo eleitoral. No entanto, 0 estudante tem acesso a um material bem mais reduzido quando quer entender 0 processo de formulacao e de gestao de politicas publicas, como a politica de satide ptiblica owa politica educacional. Ha um arcabouco teérico consistente que pode ajudar 0 profissional que analisa ou que coordena politicas puiblicas, e este livro de Howlett, Ramesh e Perl, académicos de sdlida reputacio na area, traz o que de melhor as pesquisas evidenciaram neste campo. Vé-lo traduzido e disponivel para os estudantes brasileiros alimenta minha esperanca em ver novas geracées de especialistas brasileiros bem preparados em diferentes politicas ptiblicas setoriais ou no processo de policy-making. Na minha atividade, gerenciando diferentes politicas, percebo que é funda- mental, para quem as analisa ou quer atuar profissionalmente nesta area, um. bom conhecimento de Ciéncia Politica, Economia e Gestao, além, naturalmente, de disponibilidade para se atualizar sobre o campo especifico a que esta politica se reporta. Nao € possfvel coordenar a politica educacional, para falar da area em que atuo nos tiltimos anos, sem entender como se da a relacao entre o Executivo eo Legislativo, entender o processo de priorizacao politica dos governantes ¢ saber calcular os custos de médio e longo prazos associados a cada opcao de programa. O saber técnico associado ao analfabetismo funcional, as caracteristicas das diferentes endemias ou as das familias em situacao de pobreza nao se sustenta sozinho na conducao do processo de formulagio e gestao de politicas voltadas a superacao destes problemas. Neste sentido, boas equipes em secretarias, ministérios ou assessorias no Legislativo combinam profissionais com visio técnica setorial e analistas ou gestores, que se especializam em gestio de politicas publicas. Este livro, traduzido por Francisco G. Heidemann, que também apresentou para o ptiblico brasileiro outra obra relevante na drea ~ Teorias da Administragaio Piiblica, de Robert Denhardt -, traz a andlise dos elementos necessérios para @ enfrentamento de problemas ptiblicos: atores envolvidos, instituicdes e idel Mostra, como era de se esperar, que 0 proceso nao é neutro. Sofre a e leva a marca do sistema politico e econémico em que é gerado. Um ponto interessante da abordagem é a verificacio de que 0 processo de formulagao parte da constatacio da existéncia de um problema puiblico, para cujo enfrentamento se constroem opc6es politicas. Fez-me lembrar de Carlos Matus, ex-ministro de Salvador Allende que, ao sair de Dawson (Chile), onde esteve pre- so, tinha em maos um livro pronto sobre planejamento governamental, em que defendia a tese de que a base da aco governamental deveria ser a identificagio clara dos problemas que se quer resolver. A tendéncia de muitos governos, dizia ele em seu brilhante Adeus Senhor Presidente, 6 organizar-se por setores (atribuidos a politicos de diferentes partidos ou geografias) e tratar os problemas puiblicos como parte da paisagem (ou seja, como imutaveis). Aprofundando sua meto- dologia em obras posteriores, Matus constréi, com base em seus estudos, mas sobretudo baseado num repertério adquirido em sua atuacao pratica tentando resolver os problemas de desabastecimento no Chile, uma abordagem que tem sido de grande utilidade no campo das politicas ptiblicas. Politica Publica vem na mesma direcao e é, por suas caracteristicas, livro vocacionado a universidade. Pode ser util para apoiar.o ensino e a pesquisa na area. Mas, mais importante, aponta para uma visdo mais séria na construgio de politicas ptiblicas conectadas com as necessidades do desenvolvimento brasileiro e nao capturadas pelo clientelismo, ainda marca forte do sistema politico do pais. Claudia Costin Secretéria de Educagio do municipio do Rio de Janeiro e professora da FGV-R] SUMARIO CAPITULO I. INTRODUGAO: POR QUE ESTUDAR POLITICA PUBLICA? 3 1. Visio geral 3 2. Definigéo de politica publica 5 3. Implicagdes metodolégicas para estudo da politica piblica 9 4. Esquema do ciclo da politica publica: modelo aplicado de resolucao de problemas do proceso politico-administrativo 12 5. Estrutura deste livro 17 6. Questées paraestudo 19 7. Leituras adicionais 19 CAPITULO 2. ABORDAGENS TEORICAS PARA COMPREENDER APOLITICA PUBLICA 2! 1. Evolugdo das ciéncias politicas 21 2, Abordagens para a anilise da politica piblica: positivismo e pospositivismo 24 3. Abordagens multiniveis e multidisciplinares para o estudo da politica piblica 36 4. Concluséo 55 5. Questées paraestudo 55 6. Leituras adicionais 56 CAPITULO 3. © CONTEXTO DA POLITICA PUBLICA 57 1. Introdugao: instituic6es, ideias e atores 57 2. Ocontexto politico-econémico 60 3. Policy-making'no Estado capitalista democratico-liberal 65 O sistema internacional e a politica piblica 85 ideias e atores 91 Conclusio 98 Questées para estudo 99 Leituras adicionais 100 CAPITULO 4. MONTAGEM DA AGENDA 2 35 8. ‘Construcéo objetiva dos problemas politicos: o papel das condigdes e estruturas sociais 104 103 CConstrugéo subjetiva dos problemas politicos: © papel dos atores e paradigmas politicos Fusao de ideias, atores e estruturas em modelos multivariaveis de montagem da agenda Modos de montagem da agenda 113 janelas e monopélios politicos 115 108, . Subsistemas e regimes de politica publica: integracao das inst 110 . Vinculagéo dos modos de montagem da agenda ao contetido: Conclusio: revisita aos modos de montagem da agenda pelas lentes do subsistema politico Questées paraestudo 121 Leituras adicionais 121 120 CAPITULO 5. FORMULACAO DE POLITICAS: INSTRUMENTOS E DESIGN O que é formulacao de politicas? 123 ns as ie Nae ‘As fases da formulacao da politica piiblica 123 124 ‘© contetido geral da formulagio da politica. 125 A substéncia da formulacao da politica: instrumentos politicos 127 Ferramentas politicas comuns por categoria 130 ‘A natureza das alternativas politicas 152 Conclusao: compreender os estilos de formulacdo de politicas como fungao de regimes politicos 155 Questées paraestudo 155 Leituras adicionais 156 CAPITULO 6. TOMADA DE DECISAO POLITICA 157 Pee enter Atores no proceso da tomada de deciso 158 Escolhas: negativas, positivas e nao decis6es 160 Primeiros modelos de tomada de decisdo: 0 racionalismo eo incrementalismo 16! Tentativas de superar o racionalismo e 0 incrementalismo 168 Conelus: isita aos modelos de tomada de decisio politica 173 Questées paraestudo 178 Leituras adicionais 178 ‘CAPITULO 7. IMPLEMENTACAO DE POLITICAS 179 1 2. w Atores e atividades na implementacao politica 179 Teoria da implementagéo 182 Implementacao como policy design: escolha de instrumentos e composi¢ées, politicas 188 Estilos de implementacao e prefer€ncias por instrumentos de longo prazo 193 Conclusio: complexidade do subsistema e capacidade de tratamento do problema como determinantes-chave do sucesso ou insucesso da implementacao 195 Questées paraestudo 197 Leituras adicionais 197 CAPITULO 8. AVALIACAO DE POLITICAS: POLICY-MAKING COMO ye yen APRENDIZAGEM 199 . Avaliacao positivista e pospositivsta da politica publica 199 Avaliacio de politicas como policy learning 201 Atores no proceso de avaliagao de politicas 205 Tipos de avaliagio de politicas 207 Outcomes da avaliagdo: feedback e descontinuidade de uma politica 213 6. Conexao entre avaliacao e aprendizagem: estilos de avaliacao no governo 214 7. Conclusdo: papel-chave da avaliacdo e do feedback no processo politico 218 8. Questées paraestudo 218 9. Leituras adicionais 219 PARTE Ill: DINAMICAS POLITICAS DE LONGO PRAZO CAPITULO 9. PADROES DE MUDANCA POLITICA 223 1. Outcomes da sucesso politica: feedback e descontinuacio 224 Tipos de mudanca politica: normal e atipica 228 Conclusio 235 ‘Questées para estudo 237 tse We Oe Leituras adicionais 237 Referéncias bibliogréficas 239 indice remissive 301 LISTA DE FIGURAS FIG.1.2 FIG. 2.1 FIG. 2.2 FIG. 3.1 FIG. 3.2 FIG. 3.3, FIG.3.4 FIG. 4.1 FIG. 5.1 FIG. 5.2 AIG. 5.3 aplicada de problemas Ampulhetas em paralelo de ciclo e atores da politica publica ‘Taxonomia geral de bens e servicos Niveis de andlise e exemplos de teorias relevantes & politica piblica ‘Componentes de ideias presentes nas politicas Universo da politica publica e subsistema politico-administrativo ‘Taxonomia das comunidades de discurso ‘Taxonomia das redes politico-administrativas Modes tipicos de montagem da agenda Instrumentos politicos segundo o principal recurso do governo Modelo dos efeitos da presenga ou auséncia de novos atores e ideias sobre os tipos considerados de opgées politicas Configuracées bésicas dos subsistemas politicos que afetam os processos da formulacao de politicas Modelo dos modes de formulacao de politicas Estilos de tomada de decisio politica ‘Taxonomia dos componentes basicos dos instrumentos de uma composiséo politica Escala dos instrumentos politicos substantivos Escala dos instrumentos politicos procedimentais Relacdo entre objetivos e meios politicos na implementacio de politicas Modelo de preferéncias de instrumentos basicos Modos de implementacio e seu potencial para resolver problemas Tipos de outcomes de aprendizagem esperados dos diferentes modos de avaliagao Relagao entre os elementos e outcomes de politicas e os processos de desenvolvimento politico Modelo geral da teoria do equilibrio pontuado de mudancas do regime politico: caracteristicas de cada estagio 5 16 37 59 95 5 96 119 130 153 154 155 7 189 139 190 193 195 196 216 231 235 Introducao: por que estudar politica publica? ; 1. VISAO GERAL ‘Os governos produzem politica puiblica*. Por trds desta simples formulagio est um mundo de andlise, autoridade e organizacao que pode parecer um tanto ‘opaco e, portanto, assustador, para um observador nao treinado e inexperiente. Por que tomar certas decisées politicas em determinadas épocas e nao em ou- tras? De que modo as decisdes individuais se somam e funcionam juntas em regimes politicos ou arranjos mistos, ou so incompativeis e contraditérias? Podem as decisdes muiltiplas resultar em padrdes reconhectveis de produgéo de politica ptiblica (policy-making) e de contetido politico, ou resultam apenas em acumulacées aleatérias ou semialeatérias de decises passadas, da mesma forma que cidades novas sao construidas sobre as ruinas de cidades antigas? E como damos conta de analisar as politicas ptiblicas e a policy-making? Exa- minamos decis6es individuais ou padrées gerais? E por qual nivel de andlise decidimos comecar a consideré-las com vistas a atribuir-lhes algum significado: comportamento individual na tomada de decides? Aco grupal? Estruturas institucionais? E de que forma devemos examinar melhor a extensa gama de in- formages de que mutitas vezes dispomos sobre a histéria de determinada politica, *N.T: Como assinala HK. Colebatch, em seu monotemstico opisculo Policy (Openup, 2002), termo policy em primeiro lugar um conceito que as pessoas usam para fazer sentido do mundo, sendo uma ideia que se deve entender, portanto, no presente contexto, como ‘um conceito na andlise do processo de governo’. Além de rétulo, ele ‘faz parte do processo que descreve’, segundo acrescenta esse autor, Se a nogao de Colebatch nessa sintese ¢ aparentemente desconcertante e complicada o suficiente, ela se torna mais desafiadora ainda quando tentamos traduzi-la e manter, em portugués, a distincdo entre policy (politica) e politics (politica), J que as duas conotacies estio abrigadas sob o mesmo signo linguistico. No esforgo de traducio seguiu-se tum padrio algo flexivel que levasse em conta os contextos especificos das expresses conceituais,linguisticas ou de estilo. Alguns exemplos ilustram as diferentes abordagens seguidas. Quando Theodore Louvi postula que ‘policy determines politics’, ele nos faz compreender que ‘a politica publica determina o comportamento politico’. quando os autores do livro descrevem uma ‘political evaluation of government policy’, aprendemos que, ao lado de uma avaliagao administrativa ou judicial, pode-se fazer também uma avaliagao de cunho politico de certa politica publica. Felizmente, por tratar-se de uma obra de politica publica, 0 adjetivo politico’ usado no livro refere-se, na maioria quase total dos casos, ao termo policy presente nas expresdes policy actors, policy analysis, policy cycle, policy failures, policy instruments, policy learning, policy outcomes, policy process, policy sciences, policy studies, policy styles, policy subsystem e tantas outras mais. Assim, por exemplo, © sistema educacional de um municipio constitui policy subsystem (subsistema politico), isto é, subsistema da politica pablicaou subsistema politco-administrativo dessa jurisdi¢0 municipal, ao lado de outros subsistemas. da politica publica municipal. Ademais, alguns termos foram mantidos em inglés, depois que seu sentido ja ‘se fazia mais compreensivel ao leitor. A expressdo policy-making, em particular, permaneceu sem tradusso na maior parte do texto, podendo significar construcio, ciacao, geraco, desenvolvimento ou produgio de politica pblica, ns diferentes contextos. Mas a ideia do ‘fazer’ nao fica tio explicita quanto se poderia almecjar nessas possiveis opgies de traducao. Esta € uma razao a mais para manté-la na lingua inglesa. Por sua vez, poicy-maler se tomou palavra franca na midia escrita dos analistas. Ultima observacio: as politicas piblicas especificas fou respectivos subsistemas estao para a ‘politica publica’ (iniiativa publica, Estado) assim como os privados e/ou suas empresas e ramos de atividades estao para a ‘politica privada’ (iniciativa privaday ELSEVIER sua fungao e seus impactos e de que modo ela mantém correlages com seu legado e impacto? Estas e outras questées sao tratadas como parte da abordagem a pesquisa da politica publica apresentada neste livro. Comegamos, na Parte I, com uma viséo panoramica dos esforcos envidados no passado para entender a poli- cy-making ptblica e esbocar os diferentes estagios do ciclo da policy-making que podem ser examinados na busca por insights valiosos sobre 0 processo politico-administrativo (policy process). Em seguida, partimos para considerar 0 principais elementos e padrdes da dinamica politica (policy dynamtics) que influenciam o comportamento organizacional e politico e conduzem a mudan- 6a politica (policy change), antes de discutir os fatores que injetam os elementos de inércia responsdveis por gerar a estabilidade da politica ptiblica. Como mostraremos, os maiores insights sobre os contetidos e processos politicos si0 produzidos pelo estudo da inter-relacdo entre trés elementos de problemas publics. Observamos os atores politicos (policy actors) que interagem com 0 objetivo de determinar 0 contetido e o processo da policy-making ptiblica. Ex- ploramos também as estruturas e instituigées que servem para dar contornos, limites e influenciar os esforcos desses atores. E, finalmente, consideramos 08 conjuntos de ideias e conhecimentos que informam suas deliberacdes e ages. Como iré mostrar o Capitulo 2, a teoria da politica publica sempre colocou 0 foco nessas trés dimensoes, atores, instituicdes e ideias, ainda que, em varias ocasides, diferentes teorias tenham tendido a dar énfase a algum desses elemen- tos em detrimento de outros. Embora compreensivel, a existéncia de distintas abordagens para a pesquisa no campo da politica publica, tem levado a uma superabundancia de estudos que, as vezes, gera confusio pelas conclusdes con- flitantes que extraem da policy-making puiblica. Esta fragmentacio sobrecarregou as Ciéncias Politicas (policy sciences) com um nivel de complexidade inicialmente assustador, mas em grande parte desnecessério. Os esforcos que visaram simplificar esta profusao de perspectivas criaram modelos gerais ou “esquemas de andlise” que tentam sintetizar as diversas abor- dagens ao estudo da politica ptiblica em um tinico ponto de vista (Dunn, 1988). Neste volume nos valemos do recente estudo sobre subsistemas politico-ad- ministrativos (policy subsystems), regimes institucionais e paradigmas politicos (policy paradigms), para desenvolver uma perspectiva mais coerente sobre a policy-making do que a que tipicamente tem surgido das teorias que priorizam as ideias, os atores ou as instituicdes em relagao aos outros fatores. Esses trés elementos conceituais, subsistemus, regimes e paradigmas, si0 desenvolvidos no Capitulo 3, onde vemos como 0 seu uso pode unificar a aparente diversidade de atores, estruturas e ideias que compreendem o “universo” da policy-making. Isso permite'desenvolver um esquema integrado e coerente que pode explicar tanto a constante mudanga nos componentes da politica publica, observados até pelo espectador mais superficial dos eventos contemporaneos, quanto a aparente estabilidade nos padrées gerais de desenvolvimento politico-administrativo identificados pelos experts imersos nos detalhes dos setores da politica publica (policy sectors) e sua historia. andlise da dinamica da politica (policy dynamics) constitui 0 foco da Parte usa o modelo do ciclo politico-administrativo (policy cycle) sequencial 's para estabelecer as etapas basicas através das quais os processos olitica ptiblica (policy processes) se desdobram. Esta forma de andlise do da politica vé a policy-making publica como um proceso sociopolitico que re estdgios sucessivos, comecando com a articulacao dos problemas pti- e chegando a adogao e a implementacao de solugées esperadas para os as (Schmidt, 2008). Ela nos permite ressaltar as forcas e fatores operativos ‘cada estdgio distinto do ciclo, desde a montagem da agenda, a formulacao, a de decisio ea implementagao até a avaliagio e, em seguida, refazer o caminho, do mesmo processo, em sucessivas iteracGes do ciclo, em um esforco de ‘oamento baseado nos efeitos ou impactos da politica (policy outcomes). Tepresentacao da policy-making como um ciclo de tentativas de resolucéo problemas, que resulta numa “aprendizagem politica” (policy learning) da reiterada dos problemas e da experimentacio de solugées, constitui a dagem central deste livro. D esquema do ciclo oferece insights para a dinamica da policy-making, por scar 0 foco em duas dimensdes temporais inter-relacionadas do proceso. primeiro lugar, ao se distinguir cada estagio do ciclo, identifica-se com mais eza os impactos distintivos dos atores, das estruturas organizacionais e das dominantes sobre a deliberacao e a acdo, em cada ponto particular no . Em segundo lugar, quando estes diferentes instantaneos de atividade n periodo particular da politica recebem as luzes dos holofotes, a relagao atores, organizagées e ideias pode se tornar visivel através das diferentes es do ciclo politico-administrativo. Pode-se identificar, assim, as diferentes as de policy-making, conhecidas como 0 estilo da politica (policy style), bem 9 os padres estabelecidos de outcomes, ou regimes politico-administrativos. s padrdes amplos da policy-making constituem a substancia da Parte -nossa secdo final, que examina por que muitas vezes é dificil mudar os os estabelecidos de deliberacao politica e os regimes de produgao dos policy somes. A forte inércia de um tipico padrao geral de dinamica politica é tal 2 estabilidade politica (policy stability) existe apesar das permutacdes e das \posigGes dos atores, estruturas e ideias que ocorrem em cada estagio e 10 do processo politico-administrativo. FINICAO DE POLITICA PUBLICA entanto, antes de iniciar a discussao sobre as teorias da politica piiblica, ‘Capitulo 2, e considerar os significados dos atores, estruturas e ideias nos ftulos 2.e3, é importante propor uma definigao funcional de ‘politica ptiblica’. mo suigerimos, a policy-making trata fundamentalmente de atores cercados restrigdes que tentam compatibilizar objetivos politicos (policy goals) com eios politicos (policy'mears), num processo que pode ser caracterizado como lugao aplicada de problemas”. Identificar os problemas e aplicar (por mais, perfeitas que sejam) as solugées encontradas (solugdes captadas na expresso 1g, blaming, framing and claiming, ou seja, dar nomes, culpar, moldar e cobrar) er et al, 1980-1; Druckman, 2001; Steinberg, 1998) envolvem a articulacao ELSEVIER de objetivos politicos por meio de deliberac6es e discursos, além do uso de ins- trumentos politicos (policy tools), numa tentativa de atingir esses objetivos. Esse processo de compatibilizacio de objetivos e meios tem duas dimensées. A dimensio técnica procura identificar a relacao 6tima entre objetivos e ins- trumentos, pois alguns instrumentos so mais adequados do que outros para lidar com os problemas. A segunda dimensao é a politica, porque nem todos os atores estio de acordo com o que constitui um problema politico (policy problem) ou uma solucao adequada. Além disso, a andlise tanto dos problemas como das solugées € ainda mais limitada pelo estado atual do conhecimento referente aos proble- mas sociais e econémicos bem como pelas ideias, normas e principios que esses atores politicos tém sobre o que eles consideram caminhos apropriados a serem seguidos. Esses pressupostos relativos a ideias modelam suas nocoes a respeito do que constitu um “problema”, bem como sobre os tipos de acées politicas que so “vidveis” e “aceitdveis”, em sua visa (May, 2005; Majone, 2005; Meltsner, 1972; Huitt, 1968) Numerosas definigdes de ‘politica ptiblica’ tentam captar a ideia de que a policy-making 6 um processo técnico-politico que visa definir e compatibilizar objetivos e meios entre atores sociais sujeitos a restricdes. Essas definicoes todas postulam que as politicas sao agdes intencionais de governos que contém tanto algum ou alguns objetivos articulados, por mais que esses objetivos tenham sido precariamente identificados, justificados e formulados, quanto alguns meios para alcancé-los, de novo, independentemente de quao bem ou mal interligados estejam esses meios ao(s) objetivo(s). Se existem dreas substanciais de concordancia entre as definigGes concorrentes de ‘politica publica’, ha também difereneas considerdveis entre elas nos detalhes (Birkland, 2001, Capftulo 1). Dois exemplos de definicdes amplamente emprega- das ilustram os diversos sentidos atribuidos a ‘politica publica’ pelos diferentes autores, mesmo quando eles concordam quanto a natureza pragmatica geral da policy-making e de seus processos. Naquela que é provavelmente a definicao mais conhecida, Thomas Dye nos oferece uma formulacao particularmente sucinta, em que descreve a politica puiblica como “tudo o que um governo decide fazer ou deixar de fazer” (Dye, 1972, p. 2). Naturalmente, para muitos fins analiticos, esta formulagao é simples. demais, pois confere o mesmo tratamento de politica publica a todo e qualquer comportamento governamental, desde comprar ou nao clipes de papel até travar ou nao uma guerra nuclear, e nao oferece os meios para diferenciar os aspectos triviais daqueles que s4o mais importantes nas atividades do governo. Nao obs- tante, esta definicao tem seus méritos. Em priméiro lugar, Dye especifica que 0 agente primério da policy-making piiblica é um governo. Isso significa que as decisées de negécios privados, as decisdes tomadas por organizacoes de caridade, grupos de interesse e outros grupos sociais ou individuos nao sao, por si, politicas ptblicas. Os govern tém um papel especial na policy-making puiblica por forca de sua capacidade tomar decisdes oficiais em nome dos cidadaos, isto 6, decisbes sustentadas p Seven sages contra quem as transgredir. Por isso, quando falamos em politicas pui- Blicas, estamos sempre nos referindo as iniciativas sancionadas por governos. Embora as atividades dos atores nao governamentais possam e, muitas vezes, de fato influenciem as decisdes politicas dos governos, e estes por sua vez deixem s implementacdes de politicas a cargo de organizagées nao governamentais {ONGs), os esforcos e iniciativas desses atores nao constituem, em si, politica Gblica. Assim, por exemplo, o modo pelo qual a classe médica interpreta as causas do cAncer de pulmo, as solugGes que propée, para a prevengao e a cura, em ter alguma influéncia sobre o que o governo eventualmente venha a er a respeito dessa questao, em termos de uma politica de cuidados para a aide. Entretanto, a solugao proposta pela classe médica para o problema nao é m si mesma uma politica publica. Somente as medidas que um governo adote endosse, por exemplo, a proibicao de venda ou uso de tabaco, constituem de 0 uma politica piiblica. Em segundo lugar, Dye destaca o fato de que a policy-making envolve uma isio fundamental por parte dos governos de fazer ou de nao fazer alguma a a respeito de um problema e que esta decisdo é tomada pelos politicos eitos e outros funcionérios oficiais. Como observa Dye, a politica ptiblica 6, sua forma mais simples, uma escolha feita no sentido de empreender um erminado curso de acao. Uma decisao “negativa” ou “nao decisao”, isto é, da fazer e simplesmente manter 0 atual curso de aco, ou status quo (Crenson, ‘1; R. A. Smith, 1979), é uma decisao politica tanto quanto a de tentar alterar ma parte do status quo. Essas decisbes “negativas”, porém, a semelhanga mais “positivas”, tm que ser deliberadas, como no caso em que um governo scide no aumentar impostos e deixa de prover fundos adicionais para as artes, vicos de satide ou alguma outra rea politica de interesse. O fato de termos a erdade de pintar o interior de nossas casas com as cores de nossa preferéncia, exemplo, nao significa que esta seja uma politica puiblica, pois o governo a decidiu restringir deliberadamente nossa autonomia nessa Area| Em terceiro lugar, e estreitamente ligada a essa, a definigdo de Dye também ita o fato de que a politica publica é uma determinacao consciente de um erno. Isto é, as acdes e decisdes do governo muitas vezes produzem efeitos intencionados, a exemplo do que ocorre quando a iniciativa de regulamentar uumo de cigarro ou outro vicio tem por resultado que a atividade proibida -se clandestina e passa a operar ilegalmente como “mercado negro”. A juéncia nao intencionada de uma politica como essa nao é considerada Sitica ptiblica, mas meramente um subproduto inesperado desta, que em s momentos pode ser benéfico e em outros, nao. Assim é, a menos que essa dade subsequente, ou consequéncia, tenha sido especificamente prevista e encionada pelo governo (como acontece, por exemplo, quando o aumento dos postos sobre a gasolina desestimula 0 uso do automével e, assim, promove 0 do transporte ptiblico). trés pontos de Dye sao centrais para estudar a politica piiblica como proceso aplicado de resolucéo de problemas e sua definigao traz para o eiro plano em sua anilise a ideia de decisoes governamentais conscientes eradas. As outras definicdes se tornam mais complexas na medida em que ELSEVIER tentam integrar dimensées adicionais da politica publica em seus esquemas para separar os elementos triviais dos importantes que o fenémeno contém. William Jenkins, por exemplo, propés uma conceituacao bem mais precisa de politica publica do que oferece a definicao de Dye, ainda que sua concepcao ilustre muitos dos mesmos temas. Jenkins (1978) define a politica ptiblica como “um conjunto de decisées inter-relacionadas, tomadas por um ator ou grupo de atores politicos, e que dizem respeito a selecdo de objetivos e dos meios necessérios para alcan¢a-los, dentro de uma situacao especifica em que 0 alvo dessas decisées estaria, em principio, ao alcance desses atores” (Jenkins, 1978). Esta definigéo é muito util no sentido de esclarecer que o conterido de uma politica compreende a “selecdo de objetivos e de meios”, conforme se observou anteriormente. Além disso, ela indica de maneira itil alguns dos componentes implicitos na defi- nigao de Dye, que poderiam ser interpretados como se estivessem limitando a policy-making apenas as situacbes em que hé uma tnica “oportunidade de escolha”. Muito embora essa mesma interpretacao estreita da definicao de Dye suponha a existéncia de um processo subjacente a tomada de decisao, nao 0 enuncia em termos explicitos. Jenkins, porém, apresenta a policy-making como um processo dindmico e reconhece explicitamente que a politica ptiblica é, em geral, o resultado de “um conjunto de decisGes inter-relacionadas”. Em outras palavras: os governos raramente tratam os problemas com uma tinica decisio, como poderia sugerir a definigao de Dye. Em vez disso, a maioria das politicas envolve uma série de decisdes que contribuem cumulativamente para um efeito ou impacto (outcome). Assim, uma politica voltada a satide, por exemplo, consiste numa série de decisdes sobre a construcdo de equipamentos especificos, certificaco de pessoal e de medicamentos ¢ o financiamento da produgio de servigos ou cuidados proprios a rea, entre outros muitos itens (Tuohy, 1999). Essas varias decis6es inter-relacionadas sao, muitas vezes, tomadas por diferentes individuos ou 6rgos no interior do proprio governo, como 0 Ministério da Satide, 0 Ministério da Fazenda ou 0 Ministério do Desenvolvimento e Bem-Estar Social, e por varios departamentos ¢ divisoes a eles vinculados, resultando num processo de policy-making muito mais com- plexo do que poderia sugerir uma leitura rapida e superficial da definigao de Esses diversos atores, seu comportamento e sua interagao dentro dos “subsistemas politico-administrativos” estruturam muitos dos elementos do processo de policy-making e constituem formalmente o primeiro tema central desse livro, que seré discutido no Capitulo 2 e no Capitulo 3. Jenkins também aperfeicoa a definigao de Dye, acrescentando a ideia de que a capacidade do governo para implementar suas decisées também é um importante componente da politica ptiblica e um fator-chave, que afeta os tipos de agao que 0 governo levara em conta. A definjcao de Jenkins reconhece que as limitag6es na capacidade de agir restringem a gama de op¢ées consideradas em circuns- tancias especificas de tomada de deciséo ou podem contribuir para 0 sucesso oui insucesso dos esforcos da policy-making. A opgao governamental por uma politica pode ser limitada, por exemplo; pela falta de recursos financeiros, de pessoal ou de informacao, por obrigagdes decorrentes de tratados internacionais, pela resisténcia doméstica a determinadas opcdes. Assim, por exemplo, nao 10s compreender a politica de satide, em muitos paises, sem atentar para joposigao ferrenha e em causa propria que a profissao médica é capaz de mover tra todo o empenho feito pelo governo para cortar custos na Satide, quando cortes implicam em reducao de renda para os profissionais da medicina wrd, 1972). De maneira semelhante, o entendimento das aces de um governo jonal requer cada vez mais uma compreensao detalhada das oportunidades limites proporcionados pelos acordos, tratados e convencées internacionais ier e Keohane, 1996; Doern et al., 1996a). Novamente, esas restricdes es- iturais internas e externas sobre a policy- making tornam sua andlise muito mais plicada do que se poderia supor a partir da definicao de Dye. O papel das turas organizacionais, externas e internas ao governo, e o impacto sobre a acidade politica constituem o segundo tema central deste livro e 6 explorado profundidade nos Capitulo 2, 3 € subsequentes. Jenkins também introduz a ideia da policy-making ptiblica como um comporta- ito orientado para o alcance de objetivos, uma vez que, em sua definicéo, as liticas ptiblicas séo decisdes tomadas por governos que definem um objetivo determinam os meios para alcancé-lo. Embora isso nada diga a respeito da ituteza dos objetivos (ou dos meios envolvidos), a concepcao da politica publica 10 busca de objetivos aumenta a importancia das ideias e do conhecimento possuem os atores politicos e especialmente os atores governamentais para a icy-making e sua anélise. Eles modelam o entendimento que os atores tém sobre problemas politicos e a “propriedade” das solugdes potenciais. O papel das eias, e, especialmente, a proposicao de que os “paradigmas politico-adminis- itivos” informam e limitam a definicao do problema e 0 contetido da politica, tiltimo tema desse livro e da base a discussao através de todo o texto. IMPLICACOES METODOLOGICAS PARA ESTUDO DA POLITICA PUBLICA finigdes como as de Dye e Jenkins colaboram para esbogar, em termos gerais, 0 eé ‘politica puiblica’. A confianca subjacente que estas definicdes tem de poder reciar a contribuicao dos atores, estruturas e ideias & policy-making também. igere algumas obrigagdes metodolégicas que surgem quando se estuda este ‘ssunto. Elas ilustram, por exemplo, que esta é uma tarefa exigente, que nao se limita apenas a busca dos registros oficiais da tomada de deciséo governamental que se encontram nas leis, nos atos, nas regulamentac6es e nos relatérios oficiais. Embora estes documentos sejam fonte vital de informacao, as politicas pi- Dlicas vao além do registro da investigacao formal e das decisoes oficiais, para englobar o reino das decisdes potenciais ou daquelas que nao foram tomadas (Howlett, 1986). A andlise dessas decisGes inclui necessariamente considerar os atores estatajs e societarios envolvidos nos processos de tomada de decisao e sua capacidade de influenciar e agir. As decisdes politico-administrativas nao refletem tanto a vontade desimpedida dos tomadores de decisao governamentais quanto a evidéncia de como essa vontade interagiu com as restrigoes geradas pelos atores, estruturas e ideias presentes em determinada conjuntura politica social (Sharkansky, 1971). ELSEVIER Além disso, se olhassemos apenas para as decisdes politicas em si, a descrigao da politica do governo seria, a0 mesmo tempo, direta e facil, comparativamente ao esforco requerido para se compreender em termos mais gerais por que um Estado adotou a politica que adotou. As vezes, um governo pode anunciar as razSes subjacentes a uma decisdo, e essas podem até corresponder a verdade. No entanto, também 6 comum que nao se ofereca razio alguma; ou que aquela publicamente declarada nao seja a razo verdadeira pela qual a decisao foi tomada. Nessas situagGes, cabe aos analistas determinar por que uma alternativa foi escolhida e, muitas vezes, por que outra, aparentemente mais atrativa, foi deixada de lado. A forma pela qual os analistas explicam outcomes especificos de politica ptiblica é influenciada pelos quadros de referéncia (frameworks) que usam e pelos aspectos da policy-making que esses referenciais enfatizam ou dao im- portancia menor (Danziger, 1995; Yanow, 1992; Phillips, 1996). Esses modelos e técnicas orientam os analistas e os dividem em dois grupos. Por um lado, ha os que acreditam que se pode realizar uma andlise razoavelmente objetiva das metas ou objetivos e das consequéncias (outcomes) de uma politica com 0 uso das metodologias-padrao da Ciéncia Social criadas para coletar dados e analis4-los (Bobrow & Dryzek, 1987; Radin, 2000; Lynn, 1999). Nessa visio “positivista”, os estudiosos da politica ptiblica devem ser habeis para avaliar 0s efeitos de uma politica e compreender por que, por exemplo, uma politica nao foi implementada conforme se pretendia e fracassou, ou por que ela foi talvez bem-sucedida apesar de uma implementacao precéria (Bovens et al., 2001; Bovens & t/Hart, 1995, 1996). Outros analistas, porém, adotam técnicas interpretativas ou “pospositivistas” mais subjetivas para ajudé-los a discernir e criticar os alvos, propésitos e agdes do governo. Um exemplo dessa abordagem seria examinar de que maneira os pressupostos dos tomadores de decisio sobre o comportamento humano in- fluenciam suas decises em usar certas técnicas de implementaco de politicas ptiblicas (Torgerson, 1996; Thompson, 2001; Yanow, 1999; Dryzek, 2005). Embora nao se deva tratar com exagero as diferencas entre as abordagens positiva e pospositiva (Howlett & Ramesch, 1998), elas servem para sublinhar a forma pela qual as orientacGes para a policy-making, enquanto fenémeno social, podem afetar as técnicas analiticas e os outcomes. Essa diferenca em métodos e abordagens a policy-making esta por tras da distingao muitas vezes tracada ou observada entre andlise politica (policy analysis) e estudos politicos (policy studies). A andlise politica tende a se concentrar na avaliacao for- ‘mal ou na apuracao dos efeitos ou “impactos politicos” (policy impacts), por meio do uso frequente de técnicas quantitativas como a andllise de custo/beneficio (ACB) ou a avaliacao e a gestao de risco (Weimer & Vining, 1992), Ela envolve a determinacio dos efeitos diretos e indiretos de politicas especificas, mediante o uso de técnicas de inferéncia estatistica que visam analisar as conexdes entre, por exemplo, programas governamentais especificos e varias medidas de consequén- cias politicas (policy “outcomes”), como 0s indicadores de mudanca e progresso social. Entre os economistas, tais estudos tém examinado uma ampla gama de Ses em dominios facilmente quantificaveis, investigando detalhadamente icos como a relacio entre os gastos do governo e a atividade de investimento empresas ou a migragao da mao de obra. Esta abordagem, porém, poe 0 quase exclusivamente nos efeitos dos produtos politicos (policy outputs) € refere muito pouco aos processos politico-administrativos que criaram esses wuts (Lynn, 1987) Os estudos politicos (policy studies), por outro lado, s4o mais amplos em esco- examinando nao apenas programas individuais e seus efeitos, mas também Is causas e pressuposi¢Ges € 0s processos que levaram a sua adocao. Um ero comum de policy study tem tentado, por exemplo, estabelecer uma relacgéo alguns tipos particulares de politicas e a natureza dos regimes politicos, amente definidos aqui como a organizagao do sistema politico (Wolfe, 1989; worski e Limongi, 1997). B. Guy Peters (Peters et al., 1977) e Francis Castles, 9; Castles e McKinlay, 1997) tém argumentado com frequéncia, por exem- ), que tanto 0 contetido da politica quanto a forma tomada pela policy-making iam de acordo com a natureza do sistema politico vigente e as espécies vinculo que os tomadores de decisao tém com a sociedade. Fez-se um grande forco para classificar e diferenciar os tipos de regime, com a expectativa de a sua identificacao correta gerasse insights sobre as politicas que eles adotam ‘inberger, 1980). Outro elemento da literatura especializada em estudos politicos procurou ntificar as varidveis causais na policy-making, que as vezes sao chamadas “determinantes da politica publica” (policy determinants) (Munns, 1975; cock, 1983). As anlises nessa tradicao, como as levadas a cabo por Harold jlensky (1975; Wilensky et al., 1985; Wilensky e Turner, 1987), na metade década de 1970, tentaram resolver, mediante 0 exame comparativo da licy-making nacional em setores como 0 da satide e o do bem-estar (Racoff Schaefer, 1970), a questao que indagava se as politicas ptiblicas sio deter- inadas por fatores socioeconémicos de nivel macro ou por comportamentos nivel micro. Entretanto, outra linha da literatura especializada enfoca a andlise do “con- {ido da politica” enquanto preditiva de processos politicos. Esta abordagem +4 estreitamente associada a ideia de que a natureza de um problema pti- ico e, em especial, as solug6es imaginadas para resolvé-lo, muitas vezes, terminam como ele sera processado pelo sistema politico. Nesse caso se espera .¢ os problemas sejam abordados de maneira diferente, dependendo de terem \damentalmente cardter regulat6rio, distributivo, redistributivo ou cons- itutivo. Por isso, como 0 coloca Theodore Lowi (1972), em tiltima andlise: “A. litica publica (policy) pode determinar a politica (politics)”, e nao o contrarig, mo em geral supde a maioria dos analistas. Numa linha semelhante, James Q- Wilson (1974) argumentou que o grau de concentracao de custos e beneficios que ‘uma politica particular impoe aos atores politicos da forma ao tipo de processos politico-administrativos que a irao acompanhar. Lester Salamon (1981), levando @ sério este insight, argumentou que o enfoque na natureza das ferramentas ‘ou dos instrumentos que os governos tém a sua disposicao para implementar politicas publicas 6, portanto, a melhor forma de andlise disponivel paraa com preensao da politica ptiblica. ELSEVIER Essas diferentes literaturas e tradigdes analiticas existiram, em parte, como resultado das diversas comunidades de analistas que lidam com politica piiblica. Os préprios governos, evidentemente, sempre estiveram envolvidos na andlise de suas politicas (Meltsner, 1976; Rogers et al., 1981), bem como na de outros paises (Rose, 1991). Entretanto, muitos analistas trabalham para organizagoes nao governamentais, tais como empresas, igrejas, sindicatos de trabalhadores e think tanks ou institutos de pesquisa, como também no sistema universitario (Pal, 1992; Cohn, 2004; Gormley, 2007). Aqueles que trabalham para o governo e para os grupos diretamente afetados pelas politicas piiblicas tendem a focar sua pesqutisa para a avaliaco das politicas. Muitas vezes, eles tém o interesse direto de condenar ou de relevar politicas especificas, com base em seu impacto previsto ou real sobre a organizagao de seu cliente. Os think tanks e institutos de pesquisa privados geralmente gozam de uma autonomia maior, embora alguns possam ser influenciados pelas preferéncias de seus patrocinadores. Nao obstante, eles continuam interessados no lado “pratico” das politicas e tendem a se concentrar tanto nos efeitos como nos instrumentos e técnicas que os geram. Os académicos, por outro lado, possuem uma independéncia maior e em geral nao tém interesse pessoal direto no efeito das politicas especificas, exceto na medida em que trabalham dentro de uma posicao ideolégica particular ou esto comprometidos com ela. Podem, portanto, examiné-las de uma forma mais abstrata do que os outros analistas e tendem a lidar com as questées teéri- cas, conceituais e metodolégicas que cercam a public policy-making através das lentes dos estudos politicos (policy studies). Por sua vez, os estudos académicos tendem igualmente a olhar para 0 processo politico-administrativo em sua totalidade e a considerar, em suas andlises, um conjunto amplo de fatores, in- clusive os regimes, as determinantes, os instrumentos ¢ o contetido das politicas (Gordon et al., 1977). 4, ESQUEMA DO CICLO DA POLITICA PUBLICA: MODELO APLICADO DE RESOLUCAO DE PROBLEMAS DO PROCESSO POLITICO-ADMINISTRATIVO Todas as definigdes apresentadas até este momento postulam que a politica publica é um fendmeno complexo que consiste em intimeras decisdes tomadas por muitos individuos e organizacées no interior do proprio governo e que essas decisdes sao influenciadas por outros atores que operam interna e externamente no Estado. Observa-se que os efeitos das politicas ptiblicas sao moldados no cerne das estruturas nas quais esses atores operam e de acordo com as ideas que eles. sustentam; essas forcas também afetaram as politicas e as decis6es relacionadas nas interacdes anteriores dos processos de policy-making. Historicamente, como vimos, um dos meios mais populares de simplificar a policy-making’ para fins analiticos, foi pens4-la como proceso, isto é, como um conjunto de estagios inter-relacionados através dos quais os temas politicos (policy issues) e as deliberacées fluam de uma forma mais ou menos sequencial desde os “insumos” (problemas) até os ‘produtos” (politicas). A ideia de sim- plificar a policy-making pelo desdobramento do processo em varios est4gios discretos foi mencionada pela primeira vez nos trabalhos iniciais de Harold swell (1956), um dos pioneiros e promotores daquilo que ele chamou de ncias politicas” (policy sciences) (Farr et al. 2006). A sequéncia resultante estagios € muitas vezes reconhecida como o “ciclo politico-administrativo” ser e Wegrich, 2007). Esta simplificacao tem sua origem nos primeiros trabalhos sobre andlise da itica ptiblica, entretanto recebeu tratamento distinto nas maos de diferentes res. Esse modelo vé a policy-making, em termos essencialmente pragmati- , como materializacao de esforcos voltados a melhorar a condicao humana aproveitamento da razdo na condugao das agées humanas, nesse caso, processo de governar (Hawkesworth, 1992; Clemons e McBeth, 2001). As horas nao sao, porém, uma questdo de forcar a realidade a se ajustar aos tornos de uma teoria. Ao contrério, a teoria e a pratica se reforcam uma a ‘ana medida em que a teoria se sintoniza com a pratica, enquanto a pratica se sra pela aplicacao da teoria. Esta, obviamente, é uma relacdo de aprendizado a abordagem pratica das vises de policy-making que a veem como um -esso de aprendizagem politica, em que os policy-makers lutam por meio de proceso incremental de tentativa e erro para escolher uma politica, moni- r seus resultados e, em seguida, ajustar sua acdo a rodadas subsequentes policy-making, enquanto perseguem seus objetivos originais ou alterados. O io politico-administrativo, portanto, vai além dos meros estagios de insta ‘oduto, estendendo-se também as atividades de monitoramento e avaliacao, logo os produtos aparecam. seu proprio trabalho, Lasswell (1971) dividiu o processo da politica ptiblica sete estdgios, os quais em sua visao descreviam nao s6 como as politicas eram fato criadas, mas como deveriam ser geradas, ou produzidas: (1) informagio lligence), (2) promogao, (3) prescrig4o, (4) invocacao, (5) aplicacao, (6) término avaliacdo. Em seu constructo, tal processo comeca com a reuniao de infor- Ges, ou seja, a coleta, o processamento e a disseminacao de informagbes pelos -makers. Em seguida, ele avanca para a promogao de opcdes particulares envolvidos na tomada da decisao politica. No terceiro estagio, os tomadores decisao prescrevem um curso de ag4o. No quarto, o curso de acio prescrito wocado juntamente com um conjunto de sangGes para penalizar aqueles nao cumprem essas prescricdes. A politica é entao aplicada pelas cortes Ja burocracia e corre seu curso até chegar a seu término ou ser encerrada. mente, os resultados politicos (policy results) sAo apreciados ou avaliados tra seus alvos e objetivos originais. andlise do processo de policy-making, de Lasswell, 4 semelhanca da anélise por Dye, focalizava a tomada de decisdo no interior do governo, e pouco ‘a dizer a respeito das influéncias externas sobre o Estado. Ela simplesmente: uunha que a policy-making se restringia a um numero limitado de pessoas’ ‘ocupavam posi¢ées oficiais no governo. Outra falha desse modelo inicial ‘istia em situar a apreciagao da politica no tempo posterior a seu térming, que, logicamente, as politicas seriam avaliadas antes de sua conclusao. Em= into, este modelo teve grande influéncia no desenvolvimento dos iticos (DeLeon, 1999). Embora nao seja totalmente correto fazer a reduziu a complexidade do estudo da politica publica, ao permitir que’ isolassem e examinassem os est4 num conjunto a ser avaliado. \gios individuais do processo antes de it A formulacio de Lasswell serviu de base para muitos outros modelos et al., 1968; Simmons et al., 1974). Um exemplo tipico foi a vers4o mais si do ciclo politico-administrativo desenvolvida por Gary Brewer (1974). De com Brewer, o processo politico-administrativo compée-se de seis est4 invengao/iniciagao, (2) estimativas, (3) selecdo, (4) implementacao, (5) aval © (6) término. Segundo a visdo de Brewer, a invencio ou iniciacao se referi estagio primitivo, na sequéncia, quando se tem a primeira percepcao de problema. Esse estégio, ele argumentava, se caracterizaria pela auséncia de definicao bem entendida do problema e das solugbes sugeridas para resolv Osegundo estagio se refere ao cdlculo dos riscos, custos e beneficios associ a cada uma das varias solugdes propostas no estagi i preendem a implementacao da opeao selecionada, a avaliacdo dos resultados todo o proceso e.a descontinuagao ou encerramento da politica, com base conclusdes a que chegou sua avaliagao. as fronteiras do governo na exploragio do modo como os problemas sao nhecidos. Ela esclareceu também a terminologia usada para descrever os vari estagios do processo. Além disso, introduziu a nogao do processo da politi Publica como um ciclo em constante movimento. Reconheceu que a maior p das politicas nao tem um ciclo de vida fixo, que vai do nascimento a morte: antes, pelo contrério, que este ciclo parece ser recorrente, em formas sutilment distintas, na medida em. que uma politica sucede a outra com. alteracdes muito ou Pouco significativas (Brewer e DeLeon, 1983). Os insights de Brewer inspiraram © desenvolvimento de varias outras verses do ciclo politico-administrativo nas décadas de 1970 e 80, sendo mais conhecidas as que constaram nos livros-texto de Charles O. Jones (1984) e James Anderson (1984). Cada uma delas continha interpretacdes levemente diferentes de nomes, niimero e ordem dos estagios no ciclo. O esclarecimento da légica subjacente ao modelo do ciclo nos ajuda a evitar a pletora de modelos de estagios similares ligeiramente distintos de estagios da Politica publica (Hupe e Hill, 2006). Nos trabalhos de Brewer, Jones ¢ outros, 0 Principio operativo subjacente & nogio do ciclo politico € a ldgica da resolucio aplicada de problemas, ainda que esta logica nao esteja explicita. Os estagios na resolugao aplicada de problemas e os estgios correspondentes no processo da politica publica estao ilustrados na Figura 1.1. Nesse modelo, a montagem da agenda Se refere ao processo pelo qual os pro- blemas chegam a atencao dos governos; a formulagio da politica diz respeito a0 | Resolugao aplicada de problemas Estdgios no ciclo politico 1. Reconhecimento do problema |. Montagem da agenda 2. Propostas de solucéo 2. Formulacéo da politica 3. Escolha da solucéo 3. Tomada de decisio politica 4, Efetivacdo da solucio 4, Implementacao da politica. | 5, Monitoracdo dos resultados 5. Avaliacdo da politica | FIGURA I.1 Cinco estégios do ciclo politico e sua relagao com a resoluglo aplicada de problemas. modo como as propostas de politica sao formuladas no ambito governamental; a tomada de decisio € 0 processo pelo qual os governos adotam um curso de aco ou nao acao; a implementagio da politica se relaciona ao modo pelo qual os governos dao curso efetivo a uma politica; e a avaliagio da politica se refere aos processos pelos quais tanto os atores estatais como os societérios monitoram 0s resultados das politicas, podendo resultar daf em uma reconceituacéo dos problemas e das solucées politico-administrativas. Este modelo sera usado ao longo deste livro e forma a base para as secdes distintas sobre cada estagio encontradas nos Capitulos 4 a 8. Este modelo ¢ titil nao s6 pela forma como separa as distintas tarefas condu- zidas no proceso de policy-making, mas também porque ajuda a esclarecer os diferentes papéis, interativos, desempenhados no proceso pelos atores, institui- Ges e ideias que tém a ver com uma politica (Sobeck, 2003; Parag, 2006, 2008). Segundo essa visao, a montagem da agenda é um estagio em que virtualmente quaisquer (e todos) atores politicos poderiam estar envolvidos na deploracao de um problema e na demanda de aco governamental. Esses atores politicos, quer sejam todos eles, a maioria ou poucos deles, podem ser considerados o umiverso da politica piiblica. No estgio seguinte, na formulagao, apenas um subconjunto deste universo da politica puiblica, o subsistema da politica, esta envolvido na discussao das opg6es destinadas a lidar com os problemas reconhecidos como alvos que necessitam da acao governamental. O subsistema é composto somente por aqueles atores que tém suficiente conhecimento de uma area problematica ou dominio sobre os recursos em jogo para lhes dar condigdes de participar no processo de desenvolvimento de caminhos alternativos de acao que sirvam para enfrentar as questdes levantadas no estégio da montagem da agenda. Quando se toma uma decisao sobre uma ou mais, ou nenhuma, das opgdes existentes a serem implementadas, o ntimero de atores é reduzido ainda mais; ele se restringe a apenas 0 subconjunto do subsistema politico-administrativo composto pelos tomadores de decisao governamentais oficiais, isto é, os funcionarios eleitos, juizes ou burocratas. Tao logo se dé inicio 4 implementaco, porém, © muimero dos atores aumenta de novo a um nivel relevante ao subsistema e, em seguida, finalmente, com a avaliagao dos resultados da implementacao, elle Se expande mais uma vez, até abarcar todo o universo da politica publica (ver Figura 1.2). Estdgios no ciclo da politica publica Principais atores envolvidos |. Universo da politica 2. Subsistema da |. Montagem da agenda 2, Formulacio de politicas politica ptiblica 3. Tomada de 3. Tomadores decisio de decisao politica do governo 4, Implementagao 4, Subsistema da de politicas politica piblica 5. Avaliagio de politicas 5. Universo da politica FIGURA 1.2 Ampulhetas em paralelo de ciclo e os atores da politica publica, O modelo do ciclo politico-administrativo enquanto esquema para a and- lise dos processos da politica publica apresenta vantagens e desvantagens. A vantagem mais significativa é que ele facilita o entendimento de um processo multidimensional por meio da desagregagao da complexidade do processo em um ntimero indeterminado de estagios e subestagios, em que cada um deles pode ser investigado isoladamente ou em termos de sua relacdo com cada um ou com todos os demais estagios do ciclo, Isso auxilia a construgao tedrica, por permitir que se faga uma sintese dos resultados de intimeros estudos de caso e estudos comparativos de diferentes estagios. Em segundo lugar, a abordagem pode ser usada em todos os niveis scio-juridicos ou espaciais, desde os dos governos locais até aqueles que operam na esfera internacional (Fowler e Siegel, 2002; Bogason, 2000; Billings e Hermann, 1998). Da mesma forma, como se discutiu anteriormente, esse modelo permite examinar o papel interligado de todos os atores, ideias e instituicées envolvidos na producao da politica, e nao apenas dos érgaos governamentais formalmente encarregados dessa tarefa. A principal desvantagem desse modelo é que ele pode ser mal interpretado, sugerindo que os policy-makers passem a resolver problemas puiblicos de um modo sistemAtico e mais ou menos linear (Jenkins-Smith e Sabatier, 1993; Howard, 2005). Na realidade, este nao € 0 caso, naturalmente, porquanto identificacao dos problemas e o desenvolvimento e a implementacao das soluceg sio, muitas vezes, processos ad hoc e idiossincraticos. Com frequéncia, os tomadores de decisao meramente reagem a circunstancias, ‘0 fazem em favor de seus interesses'e predisposicdes ideoldgicas (Stone, 1988; Tribe, 1972). De maneira semelhante, enquanto a légica da resolugao sistematica de problemas pode ser elegante em principio, na pratica os ‘estagios sdio, muitas vezes, comprimidos ou evitados, ou sao seguidos numa sever ordem diferente da especificada pelo modelo (Timmermans e Bleiklie, 1999). O ciclo pode nao ser um tinico elo iterativo, por exemplo, mas antes uma série de elos menores em que, para citar apenas uma possibilidade, os resultados das decis6es passadas de implementacao podem ter impacto significativo na futura formulacio da politica, independentemente das especificidades do processo de montagem da agenda no caso em questao. Ou, como obser- varam alguns analistas, a formulagao da politica pode as vezes preceder a montagem da agenda, na medida em que “solucdes procuram problemas” aos quais possam ser aplicadas (Kingdon, 1984; Salamon e Lund, 1989). Em sintese, muitas vezes a policy-making nao segue uma progressao linear, conforme implica o modelo. Em segundo lugar, nao esté claro em que nivel e para qual unidade do governo, precisamente, deve ser usado 0 modelo do ciclo da politica pti- blica. Ele deve ser aplicado a todos os tipos de atividade governamental, do legislativo ao judiciario? Ou é ele aplicavel somente a tipos especificos de decisées tomadas por certas organizacées, como as burocracias (Schlager, 1999a)? Em terceiro lugar, e talvez o mais importante, o modelo em si nao tem qualquer nocao de causalidade. Nao oferece sinalizacoes sobre quem ou 0 que conduz a politica de um estdgio a outro, e parece pressupor que 0 desenvolvimento dessa politica tem que seguir inevitavelmente um estagio apés 0 outro, em vez de parar ou terminar em um dado ponto no ciclo, sem dar explicacées sobre as razdes pelas quais este deveria ser 0 caso (Sabatier, 1992). Em quarto lugar, nao diz o que quer que seja a respeito do contetido de uma politica (Everett, 2003). Os pontos fracos do esquema sublinham a necessidade de se criar recursos mentais adicionais para avancar em seu entendimento. Enquanto o modelo do ciclo simples de cinco estagios auxilia a andlise pelo desdobramento do processo politico-administrativo em uma série de estdgios distintos, este ndo ilumina as nuances e complexidades da policy-making publica dentro de cada estdgio ou no ciclo como um todo. Faz-se necessario um modelo mais adequado que descreva com mais detalhes as instituicdes e os atores envolvidos no processo da politica publica, que ajude a identificar os ins- trumentos dispontveis aos policy-makers e aponte os fatores que levam a determinados outcomes da politica, e nao a outros (Mazmanian e Sabatier, 1980). A Parte II deste livro apresenta este modelo mais avancado de processo politico-administrativo. 5. ESTRUTURA DESTE LIVRO Desenvolve-se uma estrutura analitica (analytical framework) que tornard os estudantes aptos a estudarem a politica ptiblica de uma maneira mais eficaz. Este livro pérsegue este objetivo, em primeiro lugar, examinando as diferentes abordagens aplicadas ao tema e levantando 0 conjunto dos tipos relevantes de atores, estruturas e ideias de politica publica envolvidos na policy-making ptiblica. Em seguida, desdobra processo politico-administrativo em cinco subprocessos ou subestdgios estabelecidos no modelo do ciclo da politica pé- blica anteriormente identificado e analisa as varidveis que afetam cada estégio. das politicas ptblicas. Este livro se vale de muitos elementos constantes na literatura especializada permite que os estudantes cubram ampla gama de materiais, enquanto mantém | coeréncia analitica por intermédio do uso da estrutura (framework) do ciclo politi- co-administrativo. Nao tem a intengio de predispor os estudantes a favor de con clusées particulares sobre os méritos ou deméritos de certas opcGes ou outcomes da politica puiblica em setores especificos, mas, antes, 0 intuito de ajudé-los a identificar e analisar variéveis-chave que afetam cada estagio da policy-making ptiblica. © Capitulo 1 explorou brevemente 0 desenvolvimento da politica publica como uma disciplina académica e explicou o que se entende em geral sob 0: termo. Esbocou um modelo de cinco estagios do ciclo politico-administrativo e formulou perguntas de pesquisa relevantes para a andlise de cada estagio e para 0 funcionamento de todo 0 modelo. O Capitulo 2 examina com mais detalhe algumas das abordagens mais comumente usadas da pesquisa em politica publica, dando énfase aquelas adotadas por economistas, cientistas politicos, socidlogos e outros que enfocam a natureza de seus processos. Sao discutidos aqui o potencial e as limitacbes de cada abordagem, bem como a maneira particular em que sé desenvolveu a teorizacao sobre a politica ptiblica nas liltimas décadas. Em seguida, o Capitulo 3 descreve os parametros institucio- nais, no bojo dos quais as politicas so produzidas, a natureza dos atores que as criam e as ideias que guiam os atores. Faz uso do conceito de subsistema politico-administrativo (policy subsystem) para captar as complexas conexdes que existem entre os atores e as estruturas envolvidas na produgao da politica publica Em seguida, cada um dos Capitulos 4 a 8 examina um componente ou estagio critico do processo politico-administrativo. De que modo e por que os anseios puiblicos entram na agenda governamental e quais sio as consequéncias resul- tantes para a policy-making futura? Como e por que alguns individuos e grupos gozam de influéncia privilegiada na formulagao das opgdes da politica ptiblica do governo e que impacto isso tem? Como e por que 0s governos tipicamente tomam decisdes em relacdo a um curso especifico de acao e com que resultados? Por que os governos usam certos tipos de instrumentos politicos e de que modo essas escolhas afetam os outcomes da politica? Como sao propriamente avaliadas as ages e as escolhas e até que ponto isso contribui para a aprendizagem politica e uma policy-making mais perfeita? Estas e outras perguntas sao colocadas e respondidas em cada capitulo desta secio. Finalmente, o Capitulo 9 estabelece as conclus6es sobre o estudo da mudanga politica (policy change), valendo-se das relaces entre os atores, estruturas e ideias descritas nesté livro. Apresenta o padrao geral de evolugao da policy-making em muitos setores de politicas publicas e discute por que as politicas tendem a se desenvolver através de um processo altamente restrito, ou “dependente de trajetoria”, que resulta em um padrao comum de mudanga politica através de disttirbios periédicos nas ordens politico-administrativas estabelecidas (Gersick, 1991; Baumgartner e Jones, 1993). as 7 QUESTOES PARA ESTUDO * |. Como os esquemas de simplificacao adotados pelos estudiosos da politica publica afetam os resultados de seus estudos? 2. Quais so 0s elementos comuns encontrados nas diferentes definigdes de producao da politica publica (public policy-making)? 3. Quais sao 0s pontos fortes e os pontos fracos do modelo do ciclo politico-administrativo do processo de politica ptiblica? 4. Como os atores, as estruturas e as ideias afetam individual e coletivamente a producao da politica publica? 5. De que forma a producto de politica piblica se relaciona com a governanga? ete FISHER, Frank. Policy Analysis in Critical Perspective: the Epistemics of Discursive Practices. Critical Policy Analysis, v. 1, n. 1, p.97-109, 2007. GARSON, G. David. From Policy Science to Policy Analysis: A Quarter Century of Progress. In DUNN, WN, (org,). Policy Analysis: Perspectives, Concepts, and Methods. Greenwich, Conn.: JAI Press, 1986. p. 3-22. LASSWELL, Harold D. The Policy Orientation. In LERNER, D; LASSWELL, H.D. (orgs.)- The Policy Sciences: Recent Developments in Scope and Method. Stanford, Calif: Stanford University Press, 1951. p. 3-15. MAY, Peter J. Policy Maps and Political Feasibility. In GEVA-MAY, I. (org,). Thinking like a Policy Analyst: Policy Analysis as a Clinical Profession. Londres: Palgrave Macmillan, 2005, p. 127-51 SABATIER, Paul A. The Need for Better Theories. In SABATIER (org.). Theories of the Policy Process. Boulder, Colo.: Westview Press, 1999. p. 3-17. Abordagens teoricas para compreender a politica publica Conforme observou Peter DeLeon, os estudos da politica publica tem uma hist6ria longa e um passado curto. Isto 6, as aces do governo foram o foco de muitas criticas ao longo dos séculos, mas a sua andlise sistematica, com base no arcabouco conceitual da ciéncia da politica (policy science), remonta ha poucas décadas apenas (DeLeon, 1994; Peters, 1999). Mesmo nesse curto periodo de tempo da sua existéncia, porém, as ciéncias politicas (policy sciences) se caracte- rizaram por nuimero surpreendentemente grande de perspectivas, sobrepostas, mas distintas (Sabatier, 1999b; Schlager, 1999a). Neste capitulo esbocamos as principais abordagens a uma introducao as politicas publicas encontradas na literatura especializada, apontamos seus pontos fortes e fracos e sugerimos de que modo podem ser sintetizadas com vistas a um melhor entendimento do assunto. 1, EVOLUCAO DAS CIENCIAS POLITICAS A ciéncia das politicas surgiu na América do Norte e na Europa, ap6s a Il Guerra Mundial, quando os estudiosos da tematica politica buscaram um novo enten- dimento para as relagoes entre os governos ¢ os cidadaos que explicasse melhor © estupendo crescimento da atividade do setor ptiblico voltada a criagao, cada vez mais ambiciosa, de programas econdmicos e sociais (DeLeon e Martel, 2006; DeLeon, 2006). Antes da era dos governos ativos, os estudos da vida politica tendiam a focalizar as dimensdes normativas ou morais do governo ou os deta- Ihes sobre o funcionamento de instituicdes politicas e juridicas particulares. Numa extremidade do espectro analitico, os pesquisadores interessados nas dimenses normativas ou morais dos governos estudavam os grandes textos da filosofia politica, buscando insights sobre qual a finalidade do governo e quais as atividades que os mesmos deviam empreender se quisessem que seus cidados tivessem uma vida boa. Esses questionamentos geraram um debate rico sobre a natureza da sociedade, o papel do Estado e os direitos e responsabilidades dos cidadaos e dos governos. Entretanto, o abismo entre a teoria politica pres- critiva e as praticas politicas dos estados modernos, que surgiti entre as duas guerras mundiais e durante a guerra fria subsequent, levou muitos estudiosos a procurar outro método para examinar a politica, um método que conciliasse a teoria e a pratica nao pela andlise do que os funcionérios do governo diziam que estava sendo fejto no setor ptiblico, mas pela avaliagao sistemdtica dos produtos (outputs) e resultados (outcomes) gerados pelos programas concretos do governo (Torgerson, 1990; Smith, 1982). ELSEVIER No outro extremo do espectro, os estudiosos interessados nas instituigdes do govemno estayam conduzindo exames empiricos detalhados sobre os legis- lativos, 0s judiciérios ea burocracia, enquanto em geral ignoravam os aspectos normativos dessas instituig6es. Esses estudos das instituigdes politicas formais se esmeraram na atengao aos detalhes e aos procedimentos, mas em sua maior Parte eram muito descritivos, nao gerando a base necesséria para avaliar os Pontos fortes e fracos ou os propésitos de tais estruturas na nova era dos gran- des programas puiblicos ou seus efeitos sobre as deliberacdes e as escolhas da politica piiblica. Nas décadas da descolonizacao, no pés-guerra, quando ocorreram a Teconstrucao e a reestruturacdo dos paises derrotados, como a Alemanha e 0 Japao, e foram estabelecidas as novas instituigdes de governanca, os esttidiosos da politica procuraram uma abordagem que conectasse seu exame dos processos e das estruturas governamentais de forma mais direta com as questdes substantivas da justica, equidade e busca do desenvolvimento social, econémico e politico (Mead, 1985). Nesse contexto de mudanga e reavaliagdo, surgiram novas abordagens para estudar os fenémenos politicos. Algumas focaram o nivel micro do comporta- mento humano ea psicologia dos cidadaos, eleitores, lideres e liderados; outras Se concentraram nos tracos caracteristicos das sociedades e culturas nacionais; outras ainda puseram o foco na natureza dos sistemas politicos nacionais ¢ globais. Em sua maior parte, estas abordagens, comportamentalismo, estu- dos da elite, estudos da cultura politica e da cibernética politica, apareciam e desapareciam a medida que os estudiosos experimentavam cada uma delas, antes de compreender suas limitagdes e abandond-las em busca de algo mais Satisfat6rio (Cairns, 1974; Schaefer, 1974). Naturalmente, alguns pesquisadores seapegaram, respectivamente, a algumas dessas abordagens do pés-guerra, mas 86a perspectiva da policy science pode reivindicar uma sequencia ininterrupta de desenvolvimento te6rico que nao foi seriamente desafiada por dissidentes que antes eram ou estavam fascinados por ela. Os estudos contemporaneos da politica ptiblica certamente mantém a vitalida- de intelectual daqueles que deram origem a abordagem. Seu foco nao esté tanto na estrutura dos governos ou no comportamento dos atores politicos ou naquilo que os governos deveriam ou tém que fazer, mas naquilo que os governos de fato fazem. Essa abordagem poe 0 foco no desenvolvimento de generalizacoes ¢ leis sobre politicas ptiblicas e policy-making publica, ou no modo como seus autores originais a denominaram, ciéncia politica (policy science), Iniciada por Harold Lasswell e outros autores nos Estados Unidos e no Reino Unido, esperava-se que a policy science substituisse os estudos politicos tradicionais, integrando 0 estudo da teoria politica e da pratica politica, sem cair na esterilidade dos estudos formais e legais (Laswell, 1951; Torgerson, 1990). -Lasswell propés que a policy science teria trés caracteristicas distintas quea diferenciavam das abordagens iniciais: ela seria multidisciplinar, voltada para a solugito de problemas e explicitamente normativa. Por “multidisciplinar”, Lasswell queria dizer que a policy science deveria libertar-se do estudo estreito das ins- tituigdes e das estruturas politicas e compreender o trabalho e as conclusoes de campos como a Sociologia e a Economia, o Direito e a Politica. Por “solugao de lemas”, ele entendia que a policy science aderiria estritamente ao princfpio svancia, que se orientava para a resolucao de problemas do mundo real e se engajava em debates puramente académicos que, por exemplo, caracte- a interpretacao de textos politicos cléssicos e obscuros. “Explicitamente ativo” significava para Lasswell que a policy science nao deveria estar ada sob a aparéncia de “objetividade cientifica”, mas deveria reconhecer a ibilidade de separar objetivos e meios, ou valores e técniicas, no estudo das governamentais (Torgerson, 1983). Ele esperava que os analistas politicos sem claramente qual solucao seria a melhor, entre as opgGes propostas, termos comparativos. Essa orientagao geral sugerida por Lasswell para as atividades governamentais a as consequéncias dessas acoes continua conosco e constitui o assunto deste . No entanto, a passagem do tempo levou a algumas mudangas nos trés ponentes especificos da orientacao para a politica publica (policy orientation), ele por primeiro a identificou (Garson, 1986; DeLeon, 1986, 1988; Hansen, ). Por exemplo, ao longo dos tiltimos 40 anos, a preocupacio praticamente jusiva com a solugao concreta de problemas por parte de muitos estudiosos da litica diminuiu. No principio se esperava que o estudo da policy-making ptiblica seus outcomes renderiam conclusdes e recomendacoes que seriam diretamen- aplicaveis aos problemas sociais existentes. Embora louvavel, essa esperanca por agua abaixo diante da complexidade do préprio processo politico, em 0s governos se mostravam resistentes as recomendacdes dos “experts” sobre iris com as quais lidavam (Wildavsky, 1979; Ascher, 1986; Sharpe, 1975). No sundo real da politica ptiblica, a andlise tecnicamente superior muitas vezes era bordinada a necessidade politica (Fischer, 2007; Weiss, 1983). Em segundo lugar, e de modo assemelhado, enquanto a énfase na multidisci- fnaridade continua, hoje um volume expressivo da literatura especializada poe foco na politica publica em geral. A propria policy science se tornou uma disci- ‘plina em si, com um conjunto exclusivo de terminologia, conceitos, interesses € ‘vocabulério proprios (Fishman, 1991). Embora muitos desses conceitos tenham. sido tomados de outras disciplinas, eles tém um significado algo particular quando sao aplicados no contexto do estudo da politica publica. Ademais, a concepcao de multidisciplinaridade mudou, no sentido de que os estudiosos da politica agora admitem que necessitam de empréstimos de outras disciplinas e tém de ser experts em pelo menos dois campos: nos conceitos e interesses da policy science e na histéria e questdes presentes na area substantiva da politica ‘ou “campo politico” em estudo (Anderson, 1979a).. Finalmente, os protestos de que as policy sciences devem continuar a ser ex- plicitamente normativas também mudaram ao longo do tempo, embora um pouco menos do que o que aconteceu com os outros principios fundamentais. Em geral, os estudiosos da politica se recusaram a excluir os valores de suas anélises e insistiram em avaliar os objetivos tanto quanto 0s meios, bem como © préprio processo da policy-making. No entanto, com a percepcao crescente da intratabilidade de muitos problemas ptiblicos, diminuiu a disposicao dos analistas de prescrever objetivos e normas especificas. Por isso, hoje, muitos pesquisadores ou avaliam as politicas em termos de medidas simples como eficiéncia e eficacia, a de outros esforgos semelhantes, em uma época de esperancas e expectati frustradas de engenharia social e planejamento governamental (Tribe, 19: Pielke, 2004; Wedel ef al., 2005). Embora algumas vezes justificada por protest inflados de estudos individuais, essa critica deveria servir antes de alerta cont mundo, as proposigdes e os esforcos pioneiros de Lasswell permanecem validos continuam a prover o alicerce sobre 0 qual se conduz o estudo da politica publi (Wagner et al., 1991; Torgerson, 1983; Levin-Waldman, 2005), Em geral, os estudos contemporaneos da politica dependem ou confiam em um. de dois métodos amplos de andlise: dedutivo e indutivo. Alguns analistas confiam em um método dedutivo em que se produz majoritariamente o entendimento a partir da aplicacao de pressupostos, conceitos ou Principios gerais a fenémenos especificos. Outras abordagens baseiam-se menos em principios predetermina- dos e aplicam métodos indutivos que desenvolvem generalizages somente na base de cuidadosa observagao dos fendmenos empiricos e subsequente verificacao dessas generalizagdes contra outros casos (Lundquist, 1987; Przeworski, 1987; Hawkesworth, 1992). A public choice, a andlise marxista e algumas teorias institucionalistas da area de Economia sao exemplos de teorias dedutivas, ao passo que as teorias de grupo como pluralismo e corporativismo, o neoinstitucionalismo historico e sociolégico © as teorias estatistas so exemplos de teorias indutivas. Embora nenhum dos dois métodos torne mais inteligiveis as circunstancias contingentes e idiossin- craticas que cercam o desenvolvimento da politica, os métodos dedutivo e in- dutivo retratam atributos diferentes e sublinham dinamicas politicas distintas (ver Almond e Genco, 1977). Mas, antes, deve-se abordar a questao geral da Possibilidade ou nao de se chegar a constatacdes cientificas que sejam tao slidas ou definitivas como uma lei na area dos estudos politicos. 2. ABORDAGENS PARA A ANALISE DA POLITICA PUBLICA: POSITIVISMO E POSPOSITIVISMO. Diferentemertte da Fisica ou da Quimica, nao existe uma metodologia uni- versalmente reconhecida para a andlise dos problemas politicos. Em vez, disso, pode-se encontrar uma gama de habilidades e técnicas na caixa de ferramentas da andlise politica (por exemplo, Direito, Economia, métodos quantitativos, anélise organizacional, orcamento etc). Os analistas politicos aplicam uma combinacao de ferramentas analiticas internas e externas ao governo para compreender os

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