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Roger Chartier A histéria ou a leitura do tempo Tradocio (Cristina Antunes auténtica oprah ©2007, tol Gaia, $4 aero etree tempo Depots Err es rc ts je esse one As Ong oman pn os ie pe a ocpdtcaemasioiaiopenadetare OP ‘utvnca corona ora LST et: se ‘teeta n 7 2 4 3 45 33 39 Cy Nota prévia A histéria, entre relato e conhecimento A instituigdo histériea As relagdes no passado. Histériae meméris As relagies no passado, Histria fcgto Do social a0 cultural Discursos eruditose priticas populares Micro-histéria eglobalidade Ahistéria na era digital Os tempos da historia Referéncias A instituigao histérica ~ Em 1999, outra pergunta se reeria propria “insttuigdo hist6rica’, ou seja, aos efeitos na pritica dos historiadores do lugar social onde se exerce sua atividade. Como afirmou de Certeau (1975p. 78): “Antes de saber o que ahistéria diz deuma sociedade, é necessério saber como fun- dentro dela, Essa insttuigao se inscreve im complexo que Ihe permite apenas um tipo de produgio e Ihe protbe outros. Tal é a dupla fancio do lugar. Ele torna possiveiscertas pes- ‘quisas em fungdo de conjunturas e probleméti- ‘cascomuns. Mas torna outras impossives; exclu do discurso tudo aquilo que é a sua condigéo ‘num momento dado; representa o papel de uma ‘censura com relagio aos postulados presentes (sociais, econdmicos, politicos) na anslise’ Po- dder-se-ia compreender essa observacio, em pri- meiro lugar, nos termos de histéria da histéria €identifcar, na muito longa duragio, os lugares sociais sucessivos nos quais se produziu um dis ccurso da historia: a cidade, desde a Grécia até as cidades do Renascimento italiano, 0 mosteiro ¢ a gloria de Deus, a corte e o servigo do prin- cipe na era dos absolutismos, as redes eruditas € as academias de sibios, as universidades a partir do século XIX. Cada um desses lugares impée 8 historia ndo apenas objetos préprios, ‘mas também modalidades do trabalho intelec- tual, formas de escritura, téenicas de prova e de persuasio. Um bom exemplo disso é, entre os séculos XVI e XVIII, o contrast entre a historia dos historiégrafos dos principes ea historia dos ceruditos antiquérios (CHARTIER, 1993), A pri- _meira, a dos historidgrafos oficiais, esta organi- zada em forma de um relato dindstico que narra a historia dos reis e da nagio, identificados uns com a outra, ¢ mobiliza as figuras da ret6rica para que, como destaca Louis Marin (1981, p. 195), “o que nao é representado no relato e pelo narrador, o é enquanto efeito do relato durante a leitura pelo narratéric” A segunda histéria, a dos eruditos, se faz por fragmentos, se apoia em investigagdes eruditas (documentais, arqueol6- gicas, numismaticas, filolégicas) e se aproxima dos usos ¢ costumes humanos. Ainda que nio se deva forcar a oposicio - j4 que, até mesmo rno tempo de Luis XIV, ha cruzamentos entre historia do rei eerudigao -, esta estabeleceu, até hoje, a coexisténcia ou a concorréncia entre as historias geras, sejam nacionais ou universais, 0s trabalhos histéricos dedicados ao estudo de objetos em particular (um territério, uma insti- tuiglo, uma sociedade). Em cada momento, a “insituigdo histrica” se organiza segundo hierarquias e convengées ue tragam as fronteiras entre os objetoshistori- os legitimos e os que nio 0 sio e, portanto,sio cexcluidos ou censurados.£ tentador traduzir no. " Aisa uae tempo lexico da soctologia de Bierre Bourdieu, substi- tuindo otermo escritor” por “historiador’ esas determinagBes que egem "campo" da produ- ‘lo historia e considerar como fundamentais 4 concorréncias nas quais 0 que esti em jogo "0 monopélio de poder dizer quem est au- torizado a chamar-se historiador ou até mes- ‘mo para designar quem ¢ historiador e quem tem attoridade para dizer quem é historiador” (Bovnpiev, 1991, p. 13). Em um mundo social como 0 do Homo academicus, onde a pertinén- cia ea hierarquia estéo reguladas pela obtengio detitlos académicos, esse poder de designagio se exerceu A custa dos outsiders (pensemos no caso de Philippe Ariés, que fo dei tempo a margem da “insituigdo histé cesa porque nio era universitirio) e governou tenazmente a distribuigio da autoridade, as formas da divisio do trabalho, a dignidade ou a marginalidade dos temas de investigagao eos critéros de apreciagio ou de desvalorizagio das obras, o que de Certeau chama, ndo sem uma aguda ironia, eas “leis do mei’. 'A identifcacio dessas restrg6es incorpora- das coletivamente, e sempre ocultadas no dis- ‘curso histrico que elimina as condigoes de sua elaboracio, deve substitu as razbes alegadas, de Raymond Aron a Paul Veyne, para mostra, clogiar, ou denunciaro caster subjetivo da his- tri, a sabe, os preconceites eas curiosidades do historador. As determinages que regem a escitu- ‘ada histria meter mais fundamentalmente 3s Alas hstren priticas estabelecidas pelas “insituigdes técni- «as da disciplina’, que distribuem, de maneira varlivel conforme a época ¢ 0 lugar, a hierar- quia dos temas, as fontes e as obras. Por isso, essa identificagio de modo algum implica im- pedir ua capacidade de conhecimento do saber hist6rico produzido sob as condigdes dessas de- terminagbes. De fato, a nova historia das cién- cias (a de Simon Schaffer, Steven Shapin, Mario Biagioli ou Lorraine Daston) nos ensinou que no era contraditério relacionar os enuncia- dos cientificos com as condigées historicas de sua possibilidade (sejam politicas, rericas ou epistemoldgicas) e, a0 mesmo tempo, conside- rar que produziam operagdes de conhecimento, stubmetidas a técnicas de saber, critérios de va- lidagao ou regimes de prova. Como disciplina “cientifica’s a ist6ria é suscetivel de um enfo- que similar que nao dissolva o conhecimento na historicidade, fechando o caminho para um relativismo cético, mas que também reconheca as vatiagdes dos procedimentos ¢ as restrigbes ‘que regem a operagio histérica. A historia da histéria, da mesma forma que a hist6ria das ci- ncias, sofreu durante demasiado tempo a opo- sigio estéril entre um enfoque da histria das ideias, ligada exclusivamente as teorias da his- {ria eas categoris intelectuaisaplicadas pelos historiadores, eum enfoque, definido (ou estig- matizado) como sociol6gico, atento aos espa- «08 sociais da produgio do saber histérico, seus instrumentos, suas convengbes e suas téenicas. By Anita ales dotmpe ‘A epistemologia histérica pela qual advoga Lor- rine Daston (1998) nao se aplica somente as priticas e aos regimes de racionalidade dos sa- beres que tiveram ou tém a natureza por objeto; promete uma visio mais sutil dos que se dedi- ‘quem a representaro passado adequadamente. As relagdes no passado. Historia e meméria ‘Atualmente, sem duivida mais que em 1998, oshistoriadores sabem que 0 conhecimento que produzem nao é mais que uma das modalida- des da relagio que as sociedades mantém como passado, As obras de ficgao, ao menos algumas delas, ea meméria,seja ela coletiva ou indivi- dual, também conferem uma presenga ao passa- do, as vezes ou amiide mais poderosa do que a aque estabelecem os livros de histéria. Por isso, 0 que se deve analisar em primeiro ugar sto essas concorréncias. Gragas a0 grande livro de Paul Ricoeur, A memri, a histria, o esquecimento (2000), as diferengas entre histrja e meméria podem ser tratadas com clarezaA primeira éa que distingue o testemunho do documento, Se 0 primeio ¢insepardvel da testemunha esupoe que suas declaragées sejam consideradas admis siveis, 0 segundo dé acesso a “acontecimentos que se consideram histéricos e ue nunca foram 2 recordagio de ninguém’ Ao testemunho,cujo crédito se baseiana confianca outorgada teste ‘muna, opée-se a natureza indiciéria do docu mento, A aceitagio (ow repo) da credibilidade Alnsimigohsven a” da palavra que testemunha o fato é substituida pelo exercicio critic, que submete ao regime do verdadeiro e do falso, do refutavel e do verificé- vel 0s vestigios do passado. 2) Uma segunda diferenga opie 0 imediatismo da reminiscéncia a construgio da explanasio historica, seja explicagdo pelas regularidades plas causalidades (desconhecidas pelos atores), seja explicago por suas razées (mobilizadas como estratégias explicitas). Para por & prova as modalidades da compreensio historiadora, Ricceur optou por privilegiar a nogao de repre- sentagio, por duas razbes. Por um lado, ela tem ‘uma dupla condigéo ambigua na operacio his- toriogréfica: designa uma classe de objetos em particular, definindo, ao mesmo tempo, 0 pré- prio regime dos enunciados histricos. Por ou- {ro lado, a atengio que presta d representacio, como objeto e como operagio, permite retomar a reflexio sobre as variagbes de escala que ca- racterizou o trabalho dos historiadores a pa das propostas da micro-histéria (Revet, 1996) «, mais recentemente, das diferentes formas de retorno a uma histria global. 2) Uma terceira dferenca entre historia e me- ‘méria opée reconhecimento do passado ¢ re- presentagio do passado. A imediata fidelidade (ou suposta fidelidade) da meméria opde-se a intengio de verdade da historia, baseada no pro- cessamento dos documentos, que sio vestigios do passado, e€ nos modelos de inteligibilidade que constroem sua interpretagio. E, contudo, 2 Aira ears do tempo disse Ricoeur (2000, p. 306), a forma literéria, | em cada uma de suas modalidades (estruturas narrativas, figuras ret6ricas, imagens e metéfo- |! Fas), ope uma resistencia ao que ele designa ‘como “a pulsio referencial do relato historico”, ‘A fangio de “representancia” da historia (dei- hida como “a capacidade do discurso histérico para representar o passado”) é constantemente uestionada, suspeitada pela distancia neces sariamente introduzida entre o passado repre- sentado e as formas discursivas necessérias para sua representagéo, Entio, como certificar a re presentagio histérica do passado? ‘Ricorur prope duas respostas primeira, de cordem epistemolégica, insiste na necessidade de listinguir claramente ¢ articular as trés “fases” dda operagio historiogrifica: 0 estabelecimento da prova documenta constrgio da explia ‘gio € 8 colocagio em forma literdria. A segunda resposta é menos familiar para os historiadores. Remete a certera da existncia do passado tal como a assegura‘o festemunho da memoria: De fato esta deve ser considerada como “matrz de histéria, na medida em que & a guardis da pro- blemética da relagio representatva do presente ‘com o passado” (RicczUR, 200, p. 106). Nio se trata de reivindiear a meméria conta a hist6ra, 4 manera de alguns escrtores do século XIX, ¢ sim de mostrar que o teste {j)|esiador da existencia de um passado ni | &mais, O discurso histérico encontra ai a cert n seu objeto, Mesmo que aproximadas dessa ma- neira, a meméria e a histria continuam sendo incomensuriveis. A epistemologia da verdade que rege a operagio histoiogrifca eo regime da renga que governa afidelidade da memeria sio irredutiveis, e nenhuma prioridade, nem supe- rioridade, pode ser dada a uma a custa da outra ~ Sem diivida, entre histéria e meméria as rela- $8¢s so claras.O saber histrico pode contibuir Para dssipar as ilusdes ou os desconhecimentos que durante longo tempo desorientaram as me- mérias coetivas. E, ao contri, as cerimonias de rememoragio € a institucionalizagio dos hu- gares de meméria deram origem repetias vezes pesquisa histricas originals. Mas nlo por isso smeméria e histéria so identificdves. A primeira £ condluzida pelas exigencias exstenciais das co- smunidades para as quais a presenga do passado ‘no presente € um elemento essencial da constru- lo de seu ser coletvo. A segunda se inscreve na drdem de um saber universalmente acitivel, “cienttico’ no sentido de Michel de Certea. As relagdes no pasado. Historia efcgio Ente historia efcgio, a distingSo parece cla- rae resolvda se se aceita que, em todas as suas formas (miticas,literrias, metaféricas) NEED. v cic em mn a storia pretende dar uma represen tagio adequada da realidade que foi e ja nao é. o Andra ou sur do tempo ‘esse sentido, o real ao mesmo tempo o objeto ¢.0 fiador do discurso da histéria, Hoje em dia, ontudo, muita razdes ofuscam essa distingio tio clara. A primeira é a evidenciacao da forga das representagoes do passado propostas pela Titeratura. A nogio de “energia’, que tem um papel essencial na perspectiva analitica de (Baap ve snr» compresner come ‘alguma sérias moldaram, mais pode- 1e 08 escritos dos historiadores, as coletivas do passado (GREEN- € XVII, e 0 romance, no século XIX, se apode- raram do passado, deslocando para 0 registro da ficgdo literiiafatos e personagens histéricos ¢ colocando no cenério ou na pagina situagoes {que foram reais ou que sio apresentadas como tais. Quando as obras estdo habitadas por uma | forca em particular, adquirem a capacidade de “produzir, moldare organizar a experiéncia co- |letiva mental efisica”(GreENBLATT, 1988, p.6) - € \entre ssas experiéncias se computa o encontro |com o passado. A titulo de exemplo, vejamos as histories ou peas historicas de Shakespeare. No folio de 1623, que reine pela primeira vez sete anos de- pois da morte de Shakespeare, 36 de suas obras, categoria de histories, situada entre as comedies ‘eas tragedies, reine de obras que, seguindo a or- ‘dem cronol6gica dos reinados, conta ahistéria da Inglaterra desde o rei juan até Henrique VIII, cexcluindo da categoria outras histories, as dos herdis romanos ou principes dinamarqueses e escoceses, situadas na categoria tragedies. Os editores de 1623 transformaram em uma hist6. tia dramética e continua da monarquia inglesa obras esritas em uma ordem que nio era a dos reinados, mas, antes, se incluem entre as obras mais representadas ¢ mais publicadas antes do folio de 1623. De modo que ¢ certo que, como declara Hamlet (Hamlet, I 2), os atores “sio © compéndio e a crdnica do mundo” e que as obras histricas moldaram, para seus especta. doreseleitores, representagdes do passado mais vivazese mais efetivas que a historia escrita nas ‘rénicas que os dramaturgos uilizam. ssa histria representada nos cenérios dos teatros é uma histéria recomposta, submetida 4s exigéncias da censura - como demonstra a auséncia da cena da abdicagio de Ricardo I nas ‘tes primeiras edigdes da obra ~ e esté muito aberta aos anacronismos. Assim, na sua ence- nagio da revolta de Jack Cade e seus artesios de Kent em 1450, como aparece na segunda parte de Henrique V1, Shakespeare reinterpreta o fato atribuindo aos rebeldes de 1450 um modo de falar milenatstae igualitirio e agdes violentas, destruivas de todas as formas de cultura esrita € de todos os que a encarnam, que os cronistas, 1no mais, associavam, com menor radicalizagio, com a revolta de Tyler e Straw de 1381. 0 resul- tado é uma representagio ambivalente ou con traditéria da revolta de 1450 que recapitula as formulas e os gestos das revolts populares, a0 2 Aisa oat do tempo mesmo tempo em que deixa ver a figura car- navalesca, grotesca cruel de uma impossivel ‘dade do ouro: a de um mundo ao revés, sem escritura, sem moeda, sem diferencas (Can- ‘us, 2006). De modo que a historia das histo- ries se baseia na distorgio das realidades his- tricas narradas pelos cronistas e prope aos espectadores uma representagio ambigua do ppassado, habitada pela confusdo, pelaincerte- zac pela contradicio. Uma segunda razio que faz vacilar a distin ‘gio entre histriae fccio reside no fato de que tre 05 dispositivos a ficgo que minam a Intenglo ou a pretensio de verdade da histria, capturando suas téenicas Jil de prova, deve-se colocaro “efeito de realida- de" definido por Roland Barthes ([1968] 1984) “como uma das principais modalidades da “ilu- io referencia” Na estéticaclssica, a categoria do “verossimil” assegurava o parentesco entre 6 relatohistdrico eas historias fingidas,jé que, segundo a defnigio do Dictionnaire de Fureti re, em 1690 ahistria€“descriglo, narragio das coisas, ou das ages como ocorteram ou como podiam ocorrer: De modo que o tempo designa, em conjunto a narragio continua e encadeada de varios fatos memoriveis que sucederam em uma ou em virias nagSes ou em um ou em vi- rios séculos” e “as narragGes fabuladas porém Aisi sien z verossimeis, que sio simuladas por um autor’ Demaneira que adivisio nio éentreahistériae 4 fabula, mas sim entre os relatos verossimeis — ‘mesmo que se refiram ao real ou no ~€0$ que nio oslo, Entendida desse modo, a historia esta radicalmente separada das exigencias criticas proprias da erudicio e muito desapegada da re- feréncia i realidade como garante seu discurso. ‘Ao abandonar o verossimil, a fabula forta- lecew mais sua relagio com a histéria, multi- plicando as notagées concretas destinadas a ‘arregar a ficgdo de um peso de realidade e a produzir uma lusio referencal. Para contrastar esse efit literdtio ~ necessério a toda forma de estéticarealista com a hstéria, Barthes diz que, para esta, “o ter-estado-ai das coisas é um principio suficiente da palara” CORIO ES Dai a apropriagao, por algumas ficgbes, das ‘téenicas da prova proprias da histéria, a fim de produzit nao “efeitos de realidade’, mas sim, preferencialmente, a ilusio de um discurso his- ‘rico. Junto com as biografias imaginérias de ‘Marcel Schwob ou10s textos apécrifos de Borges, como aparecem no apéndice “Etcétera’ da His. = Aisa uae do repo 16ria universal da infmia ou na secao “Museu” de 0 Fazedor, pode-se stuar 0 Jusep Torres plans, publicado por Max Aub ((1958) 1999) na cidade do México, em 1958, 0 livro poe ao ser vigo da biografia de um pintor imaginrio todas as téenicas da certiicagio moderna do discurso histérico: as fotografias que mostram os pais do artista ea este em companhia de seu amigo Pi- «asso, as reprodugoes de suas obras (expostas, certamente, em Nova York, em 1962, por ocasiao da apresentacio da tradugao inglesa do livro), os recortes da imprensa em que ele é mencionado, as entrevistas que Aub teve com ele e alguns de seus contemporaneos, o Cuaderno verde redigi- do por Campalans entre 1906 e 1914, et. ‘Abra aponta para os géneros eas categorias que a critica de arte privilegia: a explicagio da ‘obra pela biogeafia, as nogdes contraditrias e todavia relacionadas de influéncia ¢ de precur- sor. as téenicas da atribuigao, a decifragio de tengbes secretas, etc. Hoje em dia, essa obra talvez seja lida de outra maneira. Ao mobilizar (0s “efeitos de realidade” que partilham o saber histérico e a invengio literéria, mostra os pa- rentescos que os vinculam. Porém, ao multpli- car as adverténcias irdnicas (em particular, as rnumerosas referéncias a Dom Quixote ou a epi- sgrafe “Como pode haver verdade sem mentira?”), lembra aos seus letores a distancia que separa a fabula do discurso do conhecimento, a rea- lidade que foi e os referentes imaginarios. Por esse camino acompanha, de modo parddico, a esti isa » histéria das fasificagoes hist6ricas, sempre pos- siveis, sempre mais suis, mas também desmas- caradas pelo trabalho critico. Ha uma ultima razio da proximidade, se- dutora porém perigosa, entre a histéria como exercicio de conhecimento e a fccio, seja ela literatura ou mito, No mundo contemporineo, a necessidade de afirmagio ou de justificagio ntidades construidas ou reconstruidas.e “que nao sio todas nacionais,costuma inspirar uma reescrita do passado que deforma, esque- «ce ou oculta as contribuigdes do saber histérico controlado (HoBSBAWN, 1994). Esse desvio, im- pulsionado por reivindicagBes frequentemente muito legitimas, justfca totalmente a reflexio «pistemolégica em torno de eritrios de valida- fo aplicéveis a “operacio historiogrfica” em seus diferentes momentos. A capacidade eritica da hist6ria nao se limita, efetivamente, nega silo das falsficagbes ou das imposturas;ela pode ‘edeve submeter as construgées interpretativas a critrios objetivos de validagio on de negacio. Se se airibui essa fungio & historia, necessa- riamente se prope a pergunta sobre os critérios desse juizo: devem-se vinculi-los i coeréncia interna da demonstracio? A sua compatibilida-

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