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GLOBALIZACAO ECONOMICA NO SETOR PUBLICO BRASILEIRO: NOTAS PARA DISCUSSAO Antonio Ricardo de Souza’ Resumo O objetivo deste paper é discutir os principais impactos da globalizagéo da economia nos servigos puiblicos brasileiros. O pressuposto fundamental das mudangas de ordem cultural, econ6mica, teenolégica, empresarial e politica, 6 a adequagao dos setores publico e privado diante das novas exigéncias por competitividade, qualidade e produtividade. Assim, os estados-nag6es precisam, urgentemente, viabilizar politicas ¢ ajustes que vao ao encontro das novas demandas sociais por qualidade e eficiéncia nos servigos ptiblicos, assim como, a teadequagao destes servicos em relagio aos novos modelos de gestio publica. Palavras-chave: globalizagéo da economia; “fim da_ historia’; stakeholders; “welfare state”; tecnologia da informagao; crise fiscal do Estado; plano diretor da reforma do aparelho do Estado - PDRAE, administragéo publica gerencial. Globalizagao Econémica: Uma Introdugio A Globalizagiio da economia se tornou um neologismo (os grifos sfo nossos). Um dos principais impactos causados por este processo de internacionalizagio da economia é 0 aumento da fragilidade dos governos e do setor ptblico em relagao a forte dependéncia dos capitais especulativos, os chamados “hot money", provocando grandes fndices de vulnerabilidade para os estados- nagoes. A globalizagdo é claro, nao é necessariamente um conceito estranho, pelo menos no ambiente gerencial e empresarial. Neste contexto, ela é entendida através da tese do “fim da ideologia” ou do “fim da histéria". A tese do fim da histéria surgiu em meados de 1989, em pleno processo de atenuagdo dos antagonismos entre as ' Professor Mestre do Departamento de Administragzo da Faculdade de Administracdo, Economia ¢ Ciéncias Contébeis - FAECC/UFMT. 43 superpoténcias (EUA e URSS) que provocou o fim da Guerra Fria. A tese foi desenvolvida por um cientista politico norte-americano chamado Francis Fukuyama. Para cle, talvez —_estejamos testemunhando nao apenas o fim da Guerra Fria, ou a conclusao de uma etapa na hist6ria do pds-guerra, mas o Fim da Histéria como tal. Ou seja, o ponto final da evolugdo ideolégica da humanidade e a universalizagdo da democracia liberal ocidental como forma de governo. Assim, © centro da tese de Fukuyama é a questao da ideologia, isto é, 0 problema das relagGes entre o pensamento, a realidade e a agao. Portanto o “Fim da Histéria” é o “Fim da Ideologia”. Mais recentemente se argumentou que cada aspecto importante da realidade social (a estrutura, a cultura ¢ a personalidade na terminologia tradicional) é submetido simultaneamente a globalizagdo, como testemunha da emergéncia de uma economia mundial, uma cultura cosmopolita e movimentos sociais internacionais. Os impactos da globalizagéo econémica no setor ptblico requerem uma atengio especial e uma andlise permanente e aprofundada a respeito dos riscos econdmicos tfpicos do capitalismo globalizado. As vulnerabilidades dos estados nacionais cm termos culturais ou ambientais, o papel da midia internacionalizada ¢ as transferéncias de tecnologias, s4o alguns dos pontos desta andlise. Por outro lado, a vulnerabilidade dos estados nacionais, paradoxalmente, reenfatiza a nova importancia da geografia, das fronteiras culturais e da soberania econémica, dentro da chamada “nova ordem internacional”. Assim, a iniciativa da Comunidade Econémica Européia (CEE) € 0 desafio do Oriente (Hong Kong, Coréia do Sul, Cingapura ¢ Taiwan) em todos os aspectos empresariais, definiram um processo irreversivel de operagGes entre as fronteiras ou uma globalizagdo de operagdes institucionalizadas. O surgimento das cxigéncias da globalizagio dos negécios ¢ da globalizagio da organizagio dos "stakeholders" transnacionais ¢ transculturais levou a criagdo de novas formas organizacionais. Tal globalizagio cxige que as Stakeholders € uma palavra em inglés que no possui uma tradugdo para o portugués. Entretanto, significa um grupo de pessoas, individuos ou empresas que demandam por algo (produtos ou servigos) de uma organizagio, de um municipio ou de um governo, 44 organizagdes multinacionais e transnacionais adotem decisdes operacionais (produgao, marketing e distribuigao) baseadas na posicgaio de cada aspecto de suas operagdes mundiais. A Tecnologia da Informagéo (TI) tem um papel fundamental no apoio as tais organizag6es globais, com despesas em equipamentos ¢ servigos para capacitar a infra-estrutura de algumas centenas de bilhGes de délares e produzir uma mudanga econémica em diregao a uma concentragao nos servicgos e na informagio. Desta forma, verifica-se atualmente, que 70% de todos os empregos nos paises industrializados estao concentrados nas indtstrias de TI (telecomunicagdo e computadores). A répida mudanga tecnoldgica e os mercados globais significam um ciclo de vida mais curto dos produtos e uma erosio das vantagens competitivas estabelecidas nos negécios e na economia. A globalizagao dos ambientes de trabalho acrescenta uma nova dimensiéo & suposta diversidade cultural dos cidadios e dos "stakeholders", proyocando uma complexidade adicional para a gestao dessas interagdes, além de aumentar as relagGes de dependéncia dentro dos espacgos globais, exemplificados pelas organizagdes multinacionais e transnacionais. A elevada mobilidade global dos atores transforma organizagdes predominantemente etnocéntricas em multiculturais. A antiga tendéncia do executivo em tomar decisdes independentes colocando dificuldades nas relagdes transculturais, hoje nao é mais adotada. As hipoteses da administragdo tradicional, tais como o fato de que a estratégia e a estrutura sao fortemente correlacionadas, estio progressivamente sendo invalidadas pela Tecnologia da Informagao. O surgimento de “metanegécios,” ou organizagdes em rede, cria lagos com a TI e dependéncias entre as organizagdes, levando os atores a obter uma grande mobilidade, tornando impossivel definir a fronteira de uma organizagao: onde termina e onde comega. O exemplo mais importante é o da General Motors e o relacionamento entrelagado da GM com as instituigdes econémicas dentro da economia asiatica. Estas instituig6es/organizacGes fornecem, de uma forma distinta, uma coordenagdo da atividade econdémica, independente e flexivel, para a participagio da estrutura da organizacio, em uma situagio dinfmica onde uma organizagao nado for¢a mudangas estruturais na outra. 45 Novas Competéncias Estratégico-Gerenciais: Uma Perspectiva Pré-Ativa A evidéncia empirica também sugere que as redes sociais, facilitadas pela globalizagio ¢ pela TI, esto agora mais distribuidas e ganhando aceitagdéo como uma forma organizacional mais efetiva para 0 alcance dos objetivos atrayés do processamento das informagoes sociais. A TI tornou as redes atuais e efetivas, por permitir uma proximidade e acessibilidade de relagdes e comunicagdes ao redor das organizagées e¢ através das fronteiras geograficas, conectando atores organizacionais uns com os outros, bem como com os clientes, vendedores e parceiros estratégicos. Crises fiscais; reformas micro e macroeconémicas; reengenharia radical do sector ptiblico baseada na Tecnologia da Informagao; vantagens competitivas substituindo as comparativ: pesquisa e desenvolvimento (P&D) e estratégias industriai desregulamentagao do mercado de trabalho e outras pautas da globalizacao, tais como economia regional e acordos de comércio implicam em sistemas de administragéo ptiblica inovadores e pré- ativos. Isto acontece desta forma, ao que parece, dado o grau das mudangas ¢ reformas nos tiltimos cinco anos na Europa, Asia e muitas outras regides no mundo. Podemos identificar que um dos principais fenémenos que a globalizagao produziu, foi a centralidade da polftica econémica como politica de estado, e, ao mesmo tempo, a desiluso de que os governs nao sao todos poderosos. As estratégias gerenciais, governamentais no contexto da globalizagio, levantam preocupagdes_significativas sobre a vulnerabilidade dos governos nacionais e a retérica do livre mercado na nova ordem global. A mudanga econémica e a competéncia gerencial do governo nao foram amplamente discutidas, assim como a proposigao intrigante de que o setor ptiblico pode ser estrategicamente debilitado e ou fragilizado diante de um processo de reforma administrativa. As crises gerenciais e os riscos globais acabam sendo 0 centro das atengdes governamentais, sem levar em considerag3o, ao menos, 0 desenvolvimento sustentavel e a questio ambiental. A capacidade gerencial e as articulagdes do arcabougo juridico dos estados nacionais também se constituem uma das areas menos 46 pesquisadas da polftica, e um dos segmentos mais importantes ¢ vulnerdveis em muitos governos ao redor do mundo. A reestruturacio industrial em nivel global articulada ao NAFTA esta reconfigurando 0 Estado de bem-estar social’. Novos regimes tributdrios; instrumentos de dfvidas subnacionais; o surgimento das forgas de trabalho do centro e da periferia; a segmentagao das forgas de trabalho e a necessidade de repensar 0 tradicional Estado de bem-estar em torno das conseqtiéncias dos mercados de trabalho regionalizados e “racionalizados”, 0 aumento dos impostos e a politica social que aparecem na economia global. Parece que os governos nacionais (e também as unidades subnacionais) reagem muito lentamente (quando o fazem), em um mundo globalizado. Aparentemente, os aspectos multifacetados da racionalidade econémica da globalizagao, associadas as agéncias do setor publico, confronta significativamente, de um lado a eficiéncia econ6mica e, de outro, as debilidades do setor publico, O contronto entre a capacidade governamental e o seu aprendizado, por um lado, ¢ a diregao financeira ¢ informacional da globalizagao, pelo outro, é um tema muito importante, tanto para a administragao ptiblica como para o discurso gerencial na cra da globalizagao. Tal confronto aponta para alguns temas que exigem atengao: 1. Os governos nacionais podem ser culpabilizados pela exacerbagiéo provocada na economia, e dentro das economias globalizadas, quando da nao intervengio do Estado no controle dos grande fluxos financeiros especulativos; 2. Os governos nacionais precisam viabilizar politicas publicas para atender todo um espectro de questées sociais, econémicas e organizacionais; 3. “As regras do jogo” globalizadas precisam ser claramente “Welfare State” como € conhecido na literatura especializada. surgiu na Gra-Bretanha, € se popularizou apos a Segunda Guerra Mundial, Estado na sociedade por meia de politicas sociais e piblicas, como politicas de educac’ previdéncia social, sancamento bésico, dentre outras, com 0 objetivo de atender as demandas socials, 47 articuladas no contexto das quest6es de transferéncia de gestao; 4. A “Melhor Pratica” governamental pode estar muito longe da melhor prati 5. As politicas fiscais e o endividamento (externo/interno) sao problemas importantes em todos os niveis de governo; 6, As grandes disparidades surgem da mobilidade estratégica da informagao e do capital em relagdo & relativa imobilidade do trabalho qualificado; 7. Os mercados de capitais desregulados sao articulados a partir de altos riscos (volatilidade), exigindo dos estados-nagdes capacidades gerenciais ¢ jurisdicionais; 8. A falta de capacitagao estratégica do setor ptiblico est4 debilitando os governos nos niveis nacionais e subnacionais; 9. As estratégias de modernizagéio implicam diversidade de parcerias ¢ aliangas estratégicas; 10. A modernizagdo, num contexto de globalizagao dirigida pela Tecnologia da Informag&o, dé exemplos de desindustrializagao e comoditizagao da cultura, ete. Os Impactos Gerenciais no Setor Publico Brasileiro: Uma Visao Geral Diante do exposto, é patente a intengao das elites brasileiras em implementar, & luz do que esta se fazendo no primeiro mundo, ou seja, nos paises industrializados, as chamadas reformas estruturais. Tais reformas na América Latina, desde anos 80, estaéo sendo chamadas de “Ajuste Estrutural” nas economias latino-americanas.* O principal objetivo dessas reformas 6, grosso modo, preparar as instituigGes, as 2conomias, as empresas, tanto o setor ptiblico como o setor produtivo, * 0 pressuposto fundamental das politicas de “Ajuste Estrutural” ¢ a identificagdo da Crise Fiseal do Estado, Essa Crise do Estado jé fora identificada no final dos anos 70 e inicio dos 80, que grosso modo, significa a incapacidade do Estado em financiar as suas politicas publicas, e desta forma fomentar o crescimento ¢ 0 desenvolvimento econémico. No entanto, 0 objetivo deste paper nio ¢ discutir as causas da Crise Fiscal, e sim, levantar questionamentos acerca dos impactos da globalizago nos servigos pablicos brasileiros, 48 para o enfrentamento das novas exigéncias impostas pelos mercados globalizados. Assim, tanto 0 governo, quanto as empresas, precisam pensar e agir estrategicamente diante da nova ordem econémica mundial, que prescinde um Estado forte e “enxuto”, um servidor piiblico educado e qualificado para melhor realizar as suas fungdes nos servigos piblicos, e€ uma economia competitiva, de forma a melhor enfrentar a concorréncia com os produtos americanos, canadenses e ingleses, dentre outros. Desde 1995 o Brasil esté implementando o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado — (PDRAE, 1995), que tem os seguintes objetivos estratégicos: 1. A Reforma Econémica (Plano Real) — O Plano Real é um plano de estabilizagéo monetdria que tem por objetivo estabilizar (fortalecer) a moeda e ao mesmo tempo debelar os altos indices de inflagio, téo comuns na economia brasileira. De forma geral, apesar de muitas controvérsias sobre a questio do Plano Real, em um primeiro momento ele atendeu aos seus principais objetivos, restando ainda algumas politicas de ajuste fiscal e tributario, para fazer valer de forma eficiente o fortalecimento tanto da moeda como do préprio sistema financeiro nacional. 2. A Reforma Administrativa do Setor Ptiblico - No Brasil houveram varias tentativas de modernizagio dos servi¢gos ptiblicos. A primeira tentativa foi com a criagéo do DASP em 1936. O Departamento Administrativo do Servigo Ptiblico foi criado para -estabelecer no setor ptblico brasileiro uma administragéio publica (uma burocracia profissional) ao estilo weberiano, ou seja: criagdo de concursos piiblicos; ascensao profissional com base no mérito; especializagdo; impessoalidade nas aces; definigao de normas e regras formalizadas, dentre outras caracteristicas do estilo weberiano de administragdo. A segunda tentativa foi a publicacao do decreto-lei n° 200/67, que preconizava pela primeira vez na administragao publica brasileira a adogio de um modelo de administragao gerencial. A terceira tentativa foi a promulgagao da Constituigdo de 88, que enfatizava direitos politicos e sociais dos servidores ptblicos, assim como ensejava alguns processos de 49 descentralizagaéo administrativa e transparéncia na gestdo, dentre outros. Enfatiza-se que essa Constituigao transformou de uma nica vez, aproximadamente, 30 mil servidores celetistas em estatutérios. A quarta tentativa é a atual reforma preconizada no PDRAE, que tem por objetivo a adogdéo de uma administragao publica gerencial, em detrimento da burocratica. O pressuposto fundamental da administragéo gerencial € a €énfase nos fins/resultados da organizagéo, em detrimento dos meios ou processos burocratico-administrativos. A Reforma da Previdéncia Social — Essa reforma é a que teve mais impacto na sociedade; provocado muito mais pelo discurso ameagador das elites governantes do que, propriamente, pelas agdes do governo. Assim, um dos principais resultados dessa politica foi a aposentadoria precoce de um grande ntimero de servidores ptiblicos, ameagados pela perda de direitos historicamente adquiridos. Isso contribuiu para o esfacelamento de alguns segmentos do setor ptiblico - como as universidades, onde varios professores doutores apressaram as suas aposentadorias com medo das ameagas provocadas pelos cortes de remuneragées e fungées gratificadas, dentre outros direitos. Os Planos de Demissao Voluntaria, os famigerados PDV’s, surgiram como uma tentativa de amenizar os impactos de uma demissao por “enxugamento da maquina ptiblica”; s6 serviram para expor servidores ptiblicos a um mercado de trabalho cada vez mais intransigente com relagdo ao homem, ao trabalhador de uma forma geral. E mister enfatizar que esta reforma tinha como objetivo a eqiiidade e a justiga social com © equilfbrio no pagamento das aposentadorias e na remuneragao dos servidores ativos do servigo piiblico. Ou seja, a reforma da previdéncia social deveria culminar em mudangas quantitativas em relagao aos pagamentos dos ativos e inativos, diminuindo ou amenizando as grandes disparidades salariais existentes entre um pequeno ntimero de servidores da ativa e aposentados (que ganham até trinta vezes o salério minimo do pais) e a grande massa de trabalhadores assalariados que constitui nos 80% dos servidores ptiblicos. A Reforma Fiscal e Tributaria — Essa reforma é considerada vital para a consecucao dos objetivos do PDRAE e, conseqiientemente, 50

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