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Do pensamento A poesia: Heidesser e Hiloerlin Marco Aurélio Werle’ Resumo Abstract O autor investiga as varias referencias de The author investigates the various ref- Heidegger & concepcao poética de Hélderlin erences of Heidegger to Hélderlin’s poetic para mostrar como ela é decisiva para determi- conception to show how the latter is important nar o conjunto da compreensao defilosofiae de _ for determining the whole of the Heideggerian linguagem heideggerianas. understanding of Philosophy and Language. Para compreendermos a nocdo de poesia em Heidegger devemos, inicialmente, notar como é que este a toma de Hélderlin. Com efeito, quando trata da nocao de poesia em Hélderlin, Heidegger sempre se refere a ela no sentido amplo do termo alemao Dichtung.’ Este termo chega, até mesmo, nesse autor, a ultrapassar os limites da propria arte, constituindo uma critica a nocéo moderna de técnica, esta que manteria estreita vinculacéo com o dominio da “estética”. O ato poético sempre é visto no sentido amplo da conhecida expressdo “Holderlin e a esséncia da poesia”, de que Hilderlin é “o poeta dos poetas” (HWD, p. 34). Este nao é alguém que somente faz poesia e junto a isso teoriza sobre a arte poética, mas alguém que poetiza a propria poesia. Em sua obra vemos a poesia colocada em questao enquanto tal. Em seu labor poético, se anuncia o mais essencial da esséncia da poesia, “aquilo que nos obriga a uma decisao, se e como tomarmos no futuro seriamente a poesia, se e como portarmos os pressupostos para permanecermos em seu campo de forca” (HWD, p. 34).? Hélderlin estaria colocado numa dimensao histérica para o destino do pensamento e do povo ocidental, e dali responderia com a sua poesia aos anseios do destino historial de um povo. A partir do centro da existéncia humana, ele captaria a esséncia da poesia e, projetando, a transmiti- ria para o povo. “Na verdade, Hélderlin é 0 poeta dos poetas (...) porque vai buscar a poesia e, com isso, a si mesmo em sua origindria esséncia e torna perceptfvel a poténcia da poesia e, novamente fundando, a projeta muito adiante de seu tempo” (GR, p. 219). O empenho em falar assim da poesia nao 1. Doutorando em Filosofia pela Universidade de Sao Paulo. Fildsofos v.3(2)97-n2,jul./dez.1998 decorreria de uma falta de ter 0 que fazer. “Hélderlin poetiza o poeta (...) a partir de uma abundancia de necessidade, que o impele a fundar novamente, antes de qualquer outro, a existéncia sobre a poesia” (GR, p. 219). E neste sentido amplo, em que a poesia se define na relacéo com os varios 4mbitos fundamentais da existéncia humana, que Heidegger se refere a Hilderlin. Mas, a partir de que registro mesmo, Heidegger toma a poesia de Hélderlin? Com certeza nao é por “interesse literério” que comenta 0 poeta. Nao deveriamos, portanto, achar que a ‘referéncia’ a ‘Hélderlin e a esséncia da poesia’ fora dada para quea estética ea ciéncia da literatura possam ter uma nova ocasido para criar um conceito de esséncia de poesia. Outra coisa esté em jogo do que a mera purificagao da confusao que reina na ciéncia da literatura. (EH, p. 72) No prefacio 4 quarta edic&o ampliada de Interpretagées da poesia de Hélderlin, temos, junto a critica, uma pista positiva para a assimilacéo de Hélderlin: “As presentes Interpretagées nao pretendem ser contribuic6es para a estética e a pesquisa literdria. Elas decorrem de uma necessidade de pensamento” (EH, p. 7). As interpretacdes sobre Hélderlin decorrem de uma necessidade de pensamento. Este parece ser o caminho: a poesia, sobre a qual incidem estas interpretacdes, é invocada exclusivamente a partir de uma questao de pensamento. Em Ser e tempo, a nocao de poesia é examinada a partir da nocao de linguagem. Este modo de proceder com a poesia sempre sera repetido nos textos posteriores sobre os poetas: a reflexdo sobre a poesia vem acompanhada ou precedida pela reflexao sobre a linguagem. A diferenca de Ser e tempo em relac&o a estes textos posteriores, no entanto, é que tanto a linguagem quanto a poesia nao recebem nele muita atencdo. O discurso poético somente é mencionado de passagem. No pardgrafo 5, anuncia-se que a poética (Dich- tung), enquanto uma das disciplinas de interpretacdo existencidria (existenziell), deve ser legitimada por uma analitica do ser-af. Somente esta pode estabelecer os parametros de uma interpretacdo existencial do ser-ai. Psicologia filoséfica, antropologia, ética, ‘politica’, poética, biografia e historiografia perseguiram a partir de distintos caminhos e numa escala variada as posturas, capacidades, forcas, possibilidades e habilidades do ser-ai. Mas, a questo permanece, seestas explicacées foram também conduzidas de um modo originalmente existencial. (SE, p. 16) : 98 Marco Aurélio Werle Do pensamento a poesia... A poesia é novamente mencionada no parégrafo 34.“ A comunicacaéo das possibilidades existenciais da disposicao, isto 6, a abertura da existéncia, pode ser o proprio objetivo do discurso ‘poético’ ” (SE, p. 162). Embora esta ultima afirmacao possa ser vista como uma antecipacdo positiva do lugar que a poesia assumird em seu pensamento posterior, fica claro que ela é aqui somente uma possibilidade da linguagem e, diga-se de passagem, uma de suas mais pobres, se pensarmos em “Hilderlin e a esséncia de poesia”. Jé a linguagem possui um espaco um pouco maior em Ser e tempo, mas ainda bastante limitado. No projeto da analitica existencial, ela, por sis6, nao constitui uma abertura origindria para o ser-no-mundo. Ou seja, 0 ser-af, unicamente através dela, nao consegue estabelecer uma referéncia (Verweisung) adequada com o mundo. Pois, esta, para se completar, depende de um estar envolvido com um todo (Bewandnis) instrumental, através de um lidar intramundano (umvweltliches Umgehen) (SE, parégrafo 17), ambos modos de ser anteriores ao contato promovido pela linguagem. A relacao primdria do homem como mundo semprese da segundo uma “pratica”, num envolvimen- to com o mundo, no qual o homem desde sempre se encontra. Neste contexto, a linguagem somente poderé aparecer num momento posterior, o que seré possivel a partir da nocao de discurso (Rede), este que se situa entre o lidar intra mundano direto e o ambito da constituicéo de significados. O discurso, ao lado da disposicao (Befindlichkeit) e da compreenséo (Verstehen), caracteriza uma abertura origindria de mundo. No desdobramento do ser do ser-ai enquanto ser-no-mundo, sao estas duas - a disposicao e a compreensdo ~ que preparam o caminho para ele. Na ordem de termalizacao do ser do af (Seis des Da), eles aparecem como os primeiros dois existenciais fundamentais. “Os existenciais fundamentais que constituem o ser do ai, a abertura do ser-no-mundo, sao a disposic4o e a compreensao” (SE, p. 160). O discurso vem na seqiiéncia, enquanto a explicitacéo do que é compreendido no momento em que o ser-ai se encontra envolvido (sic befinden) com um mundo. Ele se anuncia na interpretacao (Auslegung). Esta implica a articulacéo de mundo que o ser-ai, envolvido na compreensdo, opera. Trata-se sempre de um passo posterior realizado pelo ser-ai. Primeiro ele compreende, ou seja, esta na compreensao, e se envolve, ou seja, esté envolvido, para depois somente explicar, e nao o contrario: primeiro ele explica ou “teoriza sobre”, para depois compreender. O interpretar nasce no momento em que o ser-ai elabora uma forma. O ser-ai, no seio do projeto lancado (geworfener Entwurf), isto é, numa compreensao e num envolvimento, elabora formas. Interpretar é, 99 Filésofos v.3(2)97-012,jul./dez.1998 assim, a explicitacéo (ausdriicken) daquilo que se situa no nivel do que é possivel de ser captado pelo ser-ai. Isso se refere a um dizer, mas que ainda nao é propriamente o fazer proposicGes. Esse dizer é algo que emerge do proprio lidar cotidiano, a partir do manejo com instrumentos cotidianos, quando, por exemplo, um utensilio é trocado por outro. A originria execugao da interpretago néo reside num enunciado tesrico afirmativo, amas no colocar de lado decorrente de um lidar cotidiano, respectivamente, na troca de um instrumento inadequado, ‘sem perder uma palavra juntoa isso’ (...)a interpretagéo expressada do que esta em tomo nao € j4 necessariamente um enunciado em sentido definitério. (SE, p. 157) A partir disso, pode-se considerar que o discurso constituia base por exceléncia do surgimento da interpretacdo, sendo, por isso, igualmente origindrio 4 compreensio e a disposicéo. “O discurso é, em termos existen- ciais, igualmente origindrio 4 disposic&o e 4 compreensao” (SE, p. 161). A linguagem tem seu lugar no momento do pronunciamento do discurso, j4 que nele sempre acontece um auto-expressar-se (Sichaussprechen) do ser-ai. Todo discurso sobre (...) que, junto ao que fala, compartilha algo, tem imediatamen- te o carter do auto-expressar” (SE, p. 162). Expressar o que é articulado no discurso e na interpretac4o, esta é a tarefa da linguagem. Neste sentido, enquanto um conjunto de “simbolos”, ela é sempre um fenémeno posterior para aanalitica existencial. Em termos existenciais, sé cabe falarem linguagem num sentido, quando ela esté referida diretamente a existéncia através do discurso. “O fundamento ontoldégico-existencial da linguagem é o discurso” (SE, p. 160). O ser-ai se abre para a linguagem através do ato discursivo, quando hd a articulacao significativa da compreensibilidade do ser-no-mundo. O que se pode concluir dessa posicgao da linguagem no seio do discurso é o seguinte: limitada por sua capacidade expressiva, a linguagem ainda nao é prevista como aquilo que possui a possibilidade de dizer o que nao é expressdvel (unaussprechlich), mas que também deve ser pensado e nomeado (nenen). Por um lado, ela se localiza como estando acima de um mero simbolismo ou significacionismo, que se mantém somente no nivel gramatical. Por outro lado, ela ainda permanece atrelada a situacGes da lida cotidiana, onde se dé a fala esponténea articulada diretamente a partir de situacdes existenciais. A partir dessa posicdo intermediéria, a linguagem ainda nao é percebida como estando de modo decisivo no ambito poético enquanto tal, em que se desdobram as suas mais ocultas potencialidades. A partir daqui se 100 Marco Aurélio Werle Do pensamento & poesia... explica a mencdo isolada ao discurso poético, pois este 6 sempre algo mais elaborado, embora possua também raizes no cotidiano. Aquelas possibilidades da linguagem, que no discurso poético (de Hélderlin) adquirem sua plena desenvoltura, a saber, o escutar e o silenciar, mesmo se j4 reconhecidos em Ser e€ tempo como essenciais para o discurso, sao somente mencionados neste tratado (Cf. SE, p. 163-165) e néo recebem um desenvolvimento mais amplo.? A principal lacuna, ou quest4o em aberto que fica posta apés o abandono da perspectiva existencial, pode ser traduzida pelas perguntas: Que tipo de discurso permite uma abertura essencial mesma para o ser-ai? E quem podera operar este discurso, ou seja, como ele se constituiré? A urgéncia de uma reflexao mais profunda sobre a linguagem e a poesia se far4 sempre mais presente nos textos imediatamente posteriores a Ser e tempo. E esta necessidade se anuncia a partir do problema que ja era central no tratado de 1927, que é o da abertura do ser-ai. O problema de como 0 ser- ai, o ente privilegiado que coloca a questao do sentido do ser (Cf. o pardgrafo 4 de SE, p. 11-15), consegue um acesso ao ser mesmo, isto 6, iluminar a existéncia na qual esté inserido, nao foi definitivamente solucionado pela questao do ser no ambito da analitica existencial. Serdo as reflex6es acerca deste “aberto”, no qual ocorre a abertura do ser-af, que se aprofundarao imediatamente apés Ser e tempo. ° Esta postura implicaré uma mudanca de acento quanto a propria questao do ser, pois nao ser mais possivel manter o ser-ai como o ponto de apoio e convergéncia da andlise. A solucéo de Heidegger ira passar pela questéo da verdade do ser, que vai a par coma questéo da esséncia do fundamento (do ser). Examinando essa nova orientaco, seré possivel compreender como a nocao de poesia, de um lugar inexpressivo, péde passar a um primeiro plano. Deixemos, portanto, a questao da linguagem de lado e nos voltemos um pouco para isso. A mudanca que ocorre no pensamento de Heidegger logo apés Ser e tempo, e que permite que se imponha um pensamento aliado a poesia e a linguagem, tem seu principal sentido na questao da busca sempre maisintensa de um solo propicio para o desenvolvimento da questéo do ser. Em Ser e tempo, a questao do ser foi somente colocada. O que permanece para o pensamento subseqiiente é o desenvolvimento de sua intencao fundamental. Trata-se, para Heidegger, de operar uma desvinculacao da problematica do ser calcada em categorias contaminadas pela metafisica e de buscar um acesso mais direto ao ser que sempre transcende o ser do homem. Neste caso, 0 caminho a percorrer seré o de reduzir 0 peso “existencidrio” (existenziell) e, até 101 Filésotos v.3(2)97-112, jul, /dez.1998 mesmo, “existencial” (existencial) da questao do ser e sempre voltar mais para trés, mais para o fundo daquela instancia da analitica existencial de Ser e tempo. Estas reflexdes serao feitas por Heidegger, a partir de uma evidéncia do auténtico solo que sustenta a esséncia da verdade e a esséncia do fundamento, duas das principais questdes de que sempre se ocupou a reflexdo da metafisica tradicional.‘ O percurso do texto “Sobre a esséncia da verdade” pode ser visto como uma tentativa exemplar de instauracdo deste nivel mais origindrio.” Como o titulo indica, o objeto é a questéo da verdade. No que toca a emergéncia dos temas da linguagem e da poesia, que ganharo espaco a partir do ponto final atingido por este texto, importa que atentemos para o seguinte trajeto: inicialmente, Heidegger se ocupa em mostrar que a esséncia da verdade nao reside na proposicao, mas, mais atras, de onde esta emerge. “A verdade nao esté originariamente em casa, quandose situa na proposicao” (W, Pp. 183). A proposicao é, neste caso, segundo o estabelecimento aristotélico que se manteve vigente por toda a tradicao do pensamento ocidental, o enunciar de algo sobre algo. A verdade secundaria da proposicdéo somente pode se afirmar quando o 4mbito no qual ela se encontra lhe é dado enquanto aberto. Oencontro com a coisa (0 algo), no enunciar concordante da proposicéo com a coisa, somente é possivel num aberto (Afania), “cuja abertura nao é primeiramente criada pelo representar, mas sempre é somente recebida e assumida como 4mbito referencia” (W, p. 181-182). A esséncia da verdade nao é constituida pelo encontro com o ente manifesto (das Offenbare), mas pelo Ambito, que é o aberto mesmo e a verdade origindria (urspriingliche Wahrheit). “Este ‘aberto’ o pensamento ocidental apreendeu em seu inicio como ta aAnGera, o que est4 desoculto” (W, p. 186). Quem busca pensar esta verdade “transforma e pensa em sua origem, a partir do que ainda nao foi apreendido do descobrimento e do desabrigo do ente, o corriqueiro conceito de verdade no sentido da certeza do enunciado” (W, p. 186). E mais atrés ainda da esséncia da verdade reside a nao-verdade, “a ocultacdo do ente no todo” (W, p. 191). Sua maior riqueza é o mistério (Geheimnis), ou seja, “a ocultacdo abaixante do que estd oculto como um todo” (W, p. 191). Pensar a verdade (do ser) significa, pois, em tiltima instancia, pensar este mistério. Este é o ponto final no qual se detém a reflexao sobre a esséncia da verdade. A exigéncia de dar conta deste mistério fica colocada como uma tarefa a ser concretizada. Seré a partir daqui que a reflexao sobre a linguagem a poesia entrarao em cena. E neste campo que Heidegger buscaré encontrar 102 Marco Aurélio Werle Do pensamento a poesia... os meios para dar conta do que nao é meramente representacional.’O discurso poético sera aquele que buscar4 dar conta deste ambito, a partir de um uso especial da linguagem. O que aqui est4 em jogo, portanto, nao é somente uma questdo particular, o que se entende por “verdade”, mas uma questao de fundo, acerca da base do ser do homem historial sobre a terra. E esse, por exemplo, o sentido de uma das frases finais de “Sobre a esséncia da verdade”: “quem for um daqueles que souber escutar, decidiré acerca do estatuto dos homens na hist6ria” (W, p. 196). Um desses supremos momentos de escuta da auténtica verdade ser4 mesmo alcancado com a poesia de Hélderlin.” Ainda no tiltimo curso universitario dedicado a um de seus hinos, “O isto”, podemos perceber o quanto o poeta ajudou nessa problematica: Mas este caréter dos homens de ter uma estadia se funda no fato de que em geral o ser se abriu aos homens e este aberto é aquele que o homem assume para si e, assim, determina seu estar num lugar. Falamos aqui do aberto em referéncia aquilo que na bem entendida palavra e nocao aAnOeta, descobrimento do ente, propriamente é dito. (Holderlin, p. 113) O ser poderé abrir-se, mas, para isso, hd a necessidade de uma poténcia criadora. Mais ou menos da mesma época de “Sobre a esséncia da verdade” é “Sobre a esséncia do fundamento”. A reflexdo de Heidegger sobre a esséncia do fundamento se apéia em grande parte na direcéo propria da analitica existencial, mas termina abrindo uma porta para o surgimento dos temas da linguagem e da poesia. Que este texto caminha para a poesia se torna evidente nao s6 quanto a orientacao geral, mas também quanto a nocao especifica de fundar (stiften), que aparece nele esbocada. Lembremos que o fundar nos textos sobre Holderlin nada mais é do que a propria esséncia da poesia. O problema do fundamento, que na tradicao metafisica sempre fora solucionado pelo principio da razAo, é questionado por Heidegger, a partir de uma perspectiva semelhante aquela do questionamento da esséncia da verdade. Tal como a proposicao, que tem seu sentido num 4mbito mais para tras do de sua afirmacdo, o fundamento (Gruna) também deve ser examinado pelo ambito que lhe é mais proprio e auténtico. E este é apresentado, no inicio do texto, como sendo o da transcendéncia do ser-ai. A transcendéncia, neste caso, nao deve ser confundida com aquela que é prépria do sujeito moderno que se estende sobre o mundo, funcionando como a base constituidora deste. Na verdade, o ser-ai nao dispée da transcendéncia, mas se dispée nela, nao é 103 alguém que a tem, mas alguém que esté nela, que é possuido por ela. “ ‘o ser-ai transcende’ significa: ele é na esséncia de seu ser formador de mundo, e, na verdade, ‘formador’ no sentido miltiplo de deixar acontecer o mundo” (W, p- 157). Ea partir deste ambito que se torna possivel a questao do fundamento, ow seja, o fundamento se concebe a partir daqui, e isso enquanto significa um ato fundador (stiftende Griinden) do ser-ai no mundo. £0 ser-ai que, envolvido num mundo, projeta este mesmo mundo (Weltentwurf) num ato fundador. A transcendéncia permite o fundar a partir de um fundo, que é um fundamento que se define segundo trés caracteristicas: a possibilidade, 0 chao e a legitimacdo. “Mas, a transcendéncia propriamente se descobre como origem do fundamentar, se este for levado a uma evidéncia a partir de sua tripla estrutura. A partir disso, o fundamento designa: “possibilidade, chao, legitimacio” (W, p. 168). A esta tipicidade, o ser-ai corresponde através da fundacdo (Stiftung), do tomar chao (Bode-nehmen) e do legitimar (Rechtgebung) (Cf. WG, p. 169). Estes trés “atos”, por sua vez, somente sao possiveis através da liberdade. “A liberdade é o fundamento do fundamento” (WG, p. 171). Esta, a liberdade, nao é aqui uma propriedade humana, mas sim uma falta de fundamento, um abismo (Ab-grund) do ser-ai, abismo que escapa ao alcance conceptual decorrente de um ato livre do ser-ai. Mas, se a transcendéncia (...) € compreendida como abismo, entao acirra-se também, com isso, a esséncia disso que foi denominado de absorpiio do ser-ai no e pelo ente (...) o fatodea transcendéncia, enquantoacontecimento origindrio, se temporalizar, issonao reside no poder dessa liberdade mesma. (WG, p. 172) A transcendéncia é algo que se da e que se mostra como algo que madurou (zeitigt) por si. O resultado desse submeter-se humano 4 situacao abismal implica um distanciamento (Ferne) do verdadeiro fundamento. Distanciamento esse que é necessario, para que o ser-ai possa perceber 0 ser. E, assim, o homem, enquanto transcendéncia existentelancado em possibilidades,é um ser de distancia, Somente através de distancias originarias, que ele configura para si em. sua transcendéncia sobre todos os entes, acontece-lhe a verdadeira proximidade com as coisas. (WG, p. 173) O que entao temos é 0 fato de o homem ser um ser estranho, tomado pelo distanciamento. Ele nao esté no inicio de sua existéncia em casa, junto a sua origem, mas se encontra exilado de si mesmo. A familiaridade, a esséncia 104 Marco Aurélio Werle Do pensamento a poesia... da proximidade, deve ser conquistada a partir dessa distancia em relacao a si eas coisas. O discurso poético seré para Heidegger uma poténcia que buscaré combinar essa distancia com a proximidade, o estranho com o préprio, a fim de que o ser histérico de um povo possa ser pensado em toda a sua extensao. No que concerne ao campo que esté sendo instaurado neste texto, para o entrar em cena da linguagem e da poesia, dois aspectos podem ser notados. Em primeiro lugar, atentemos para o seu ponto de chegada. A conclusdo a que se chega é de que o fundamento tem sua sede num nivel que escapa a qualquer tentativa conceptual humana. A questao que permanece se refere a possibilidade de dar conta deste abismo, no qual o homem desde sempre esté inserido. Aqui vai-se exigir um dizer mais rigoroso e penetrante. Para captar o incaptavel (Ab-grund) faz-se necessario, como ja foi frisado, o dizer poético, que esté sempre acima dos mortais comuns. Em segundo lugar, atentemos para a nocao de fundacAo (Stifter). Aqui ela se encontra inserida no seio do fundar (Griinden), enquanto uma de suas modalidades, e compreende- se a partir da problemitica da analitica existencial, que se expressa na nogéo de “transcendéncia”. O destaque que a nocao de fundar receberé no ambito da poesia jé pode ser antevisto no papel central que ela ocupa aqui em relacéo aos outros modos de fundacdo (griinden) do ser-ai. Pois o fundar (stiften) corresponde a um projetar um mundo e é o fundamento da possibilidade (Méglichkeit). Em relacéo aos outros dois fundares - 0 tomar chao (Boden- nehmen) e o legitimar (Rechtgebung) —, o fundar (Stiften) j4 se destaca como aquilo que daré o salto instaurador que abrir4 um caminho novo e inusitado. Os outros dois fundares tém um aspecto de consolidacao de um determinado ambito ja aberto. Eles séo mais apropriados para a afirmacao de algo ja conquistado. Em contrapartida, o fundar (stiften) j4 se antecipa neste texto como sendo o que vai dar conta de uma regio diferente, algo semelhante a uma aventura exploradora, que sé a poesia ser capaz de realizar. Nos anos seguintes, Heidegger se ocuparé com a busca da nocao auténtica deste fundar no poetizar de Holderlin. O ‘problema’ deixado aqui em aberto ganharé com Hélderlin uma resposta, mas, ao mesmo tempo, a nocao de fundar também assumir4 novos contornos, 0 que ultrapassa os limites deste ‘problema’ de “Sobre a esséncia do fundamento”.’° A constatacao da presenca de uma orientacaéo de pensamento em “Sobre a esséncia da verdade” e “Sobre a esséncia do fundamento”, que vai na direca@o da problematica da esséncia da poesia nas interpretacdes sobre Hélderlin, pode ser confirmada a partir de uma olhada na grande obra de 105 Filésofos v.3(2)97-012,jul,/dez.1998 Heidegger da época, que é Contribuicées para a filosofia (Sobre o acontecimento), somente publicada no final dos anos 80 no plano da obra completa.” Nela encontram-se articuladas num tinico todo estruturado a questao da verdade e as interpretacdes sobre Hélderlin.’? O seu intento geral consiste em mostrar o 4mbito e as caracteristicas de um novo pensamento que nao ser mais metafisico. Heidegger denomina antecipadamente esse pensamento futuro de “o outro comeco” (der andere Anfang). © outro comeco do pensamento é denominado assim nao porque somente possui uma outra forma em relacdoa qualquer outra filosofia queaté hoje existiu, mas porque deve ser o tinico que é diferente em relacdo ao singular e nico primeiro comeso. (BE, p. 5) Na verdade, nesta obra estao articulados todos os principais esforcos de pensamento de Heidegger nos anos 30. A superacdo da metafisica é nela vista a partir de um esforco de pensamento na direcéo do 4mago da tradicao metafisica.” Boa parte deste livro se ocupa em pensar a questdo da consumacao da metafisica, que surge no momento em que ela se torna um problema. E, como se sabe pelas interpretacdes de Heidegger sobre Nietzsche, que datam desta mesma época, o embate deve acontecer com a metafisica da vontade de poténcia. Ao contrario do que aconteceré nos anos 50, quando o ser é interpelado diretamente, a énfase da superacao da metafisica é entendida a partir da epocalizacao do ser, no sentido de sua verdade histérica. Nao se trata, no anos 30, de tentar um pensar do ser “totalmente abrigado na casa do ser”, mas de buscar o ser em sua “ocultacao” na “tradicao”. A questao da verdade do ser significa entéo o seu acontecer mesmo, o acontecimento enquanto tal (Ereignis),'* que determina todo o desenvolvimento de saber da tradicdo ocidental. Os varios modos histéricos deste acontecer se dao numa apropriacao do proprio ser, ou seja, o ser acontece enquanto se a-propria, torna-se o tema dominante deste pensamento iniciante. Areferéncia de Contribuigées para a filosofia (Sobre o acontecimento) a Hélderlin move-se num campo em que ja se opera e se pensa a partir de sua labuta poética. Ou seja, Heidegger constréi esta obra j4 tendo em vista as interpretacdes sobre Hélderlin. O poeta aparece nela estrategicamente situado, enquanto aquele que é o nome mais necessério para o salto para dentro do pensar do ser que necessita ser instituido. “A questao do ser é 0 salto no ser, que o homem, enquanto aquele que procura o ser, realiza, na medida em que é alguém que cria pensativamente. Procurador do ser 6, segundo um excesso singular, a forca procuradora do poeta, que ‘funda’ o ser” 106 Marco Aurélio Werle pensamento & poesia... (BE, p. 11).”° Ele é aquele que esté mais préximo do futuro (Zulainftigster), dentre os homens futuros da guarda do ser. Os seres futuros, que no ser-af fundado na insisténcia do animo da postura, a quem somente sobrevém oer (salto), enquanto acontecimento, eos abarca e 0s capacita para, o abrigo de sua verdade. Hélderlin, seu poeta que mais progrediue, por isso, poeta que mais est4 no futuro. Hélderlin é o que mais est4 no futuro, porque ele vem da mais longinqua distancia e, nesta distancia, atravessa e transforma aquilo que é 0 maior. (BE, p-401) Seu nome é o mais indispensdvel para levar o pensar da verdade do ser a cabo, porque sua obra nao se enquadra na tradicao metafisica.”” A diferenca de Hélderlin em relacao a Nietzsche, quanto tradicao, é de que o primeiro possui, em sua obra, indicativos efetivos para a superacéo da metafisica, enquanto o iiltimo ainda esta preso a ela. “A diferenciagéo de Hélderlin, em contrapartida, devemos apreender a compreender como sendo a do mensageiro da superacdo de toda metafisica” (AN, p. 143).'8§ Com Hélderlin é possivel aquele pensar que re-corda (An-denken) (cf. AN, p. 55), que nao meramente repete o discurso tradicional da metafisica relacionado 4 presencialidade do ente presente, que se espalha por todos os setores énticos, até mesmo pelo da arte, “porque na poesia de Hélderlin pela primeira vez o 4mbito da arte, da beleza e de toda a metafisica, onde ambos tém realmente sua sede, é superado” (AN, p. 63). Para o que aqui especificamente interessa, vale uma atenc4o para o ‘campo’ de apropriacao da obra de Hélderlin. Sé com a sua ajuda seré possivel para o pensar mais rigoroso penetrar no ambito da verdade do ser/Ereignis, da clareira e do “aberto”. “A disposicaéo fundamental despertada em sua tiltima e mais madura poesia, disposicéo que é sagrada, triste, mas uma opressao preparada, funda o lugar metafisico de nosso futuro ser historial” (GR, p. 146). E com ele que ser4 possivel instaurar um discurso nao mais viciado nos conceitos tradicionais e capaz de descer ao ser oculto dos ocidentais. “Assim, a obra de Hélderlin esta fixa como um salto a frente, em si rigido, dado na existéncia de nosso povo: uma fundacéo poética oculta de nosso ser” (GR, p. 184). Este ser, pensado no 4mbito do acontecimento que apropria (Ereignis), j4 se situa no campo da virada de pensamento (Kehre), nao sé em relacéo 4 metafisica, mas também em relacdo aos esforgos préprios de Heidegger em Ser e tempo. Hélderlin, com sua palavra, chama para dentro 107 Filésofos v.32)97-112,jul./dez.1998 desta “dupla virada”. “Mas 0 sino - seu soar é 0 céntico do poeta. Ele chama para dentro da virada do tempo” (EHD, p. 197).” Com Holderlin, é operada uma virada de pensamento tanto da metafisica quanto do pensar da analitica existencial. Desse modo, a publicacao do volume sobre a Ereignis confirma que a famosa virada (Kehre) ja estava em curso bem antes do surgimento de Carta sobre o humanismo.” Esta questao pode ser percebida nesta carta, no momento em que se menciona o nome de Hélderlin (Cf. Marcas do caminho, p. 334-335), de que o didlogo com ele se dé segundo um pensar que jé nao mais opera com © pensar conceptual (Cf. ibid., p. 358). A conviccao de que é necessdrio viver sem nomes (Namenloss) (nota 22) s6 pode ser afirmada apés uma experiéncia de didlogo com a poesia. Notas: 1. A poesia enquanto Dichtung abrange muito mais do que a poesia enquanto Poésie. Esta perfaz somente um setor da Dichtung que, por seu lado, sempre envolve toda a producao relativa a arte. Em A origem da obra de arte, Heidegger distingue claramente estes dois termos (cf. p. 60), fazendoa ressalva de que a Poésie é, mesmo assim, um setor essencial da Dichtung. 2. Oquestionamento sobre o porqué da escolha de Hélderlin como “poeta dos poetas” e nfo de um outro poeta fica aqui em aberto. Podemos adiantar, no entanto, que a questéo néo comporta uma mera “justificagao”, pois no é uma nogao universal de poesia que esta em jogo. “Como podemos comprovar que a palavra de Hélderlin poetiza algo que ¢ inicial?” (AN, p. 8), diz Heidegger, por ocasiao de uma comparagio simulada entre Hélderlin e outros grandes poetas da tradicéo da literatura ocidental (As siglas empregadas no artigo equivalem aos textos de Heidegger: EHD — Interpretacdes da poesia de Hélderlin; HWD - Hélderlin e a esséncia de poesia; GR - Os hinos de Hélderlin “Germania” e“O Reno”; AN - O hino de Hélderlin “Recordar”; 1-O hino de Hélderlin “0 Istro”; BE - Contribuicdes para a filosofia [Sobre o acontecimento]; WG - Sobre a esséncia do fundamento; WW ~ Sobre a esséncia da verdade; SZ - Ser e tempo). 3. Benedito Nunes, em Passagem para o poético, sustenta que a nocao de linguagem no Heidegger posterior a Ser e tempo nao significa uma ruptura com o sentido da analitica existencial. Heidegger teria explorado nos textos posteriores a Ser ¢ tempo exatamente a potencialidade poética da linguagem jé presenteno discurso, no fato de seu aspecto dialogistico, cf. p. 193-200. Jé Egon Vietta pensa o contrario: “Em Ser ¢ tempo foi evidenciada a conexo entre a linguagem e o ‘filosofar existencial’, a linguagem foi’ pensada’ a partir do ser-al. A este resultado nao é dada seqiiéncia nos. escritos posteriores, sobretudo nao em Interpretagbes da poesia de Holderlin, eos enunciados mantém, por isso, ocarater de fragmentos. No entanto, deve ser tentada, através dessas citagdes fragmentari- as, a reconstrugéo da ousadia deste pensar, pois enunciados como ‘a linguagem é a casa do ser’ somente adquirem sentido quando o ser se ilumina, e para isso o trabalho de Ser ¢ tempo primeiramente apenas conduziu a questao. (A questo do ser em Heidegger, p.75) 108 Marco Aurélio Werle Do pensamento d poesia. 4. Traduzimos das Offene por“oaberto” e Erschlossenheit por “abertura”. A diferencaentreos termos 6 que o primeiro é mais amplo, envolvendo a histéria, o destino, o povo, os deuses etc, enquanto co segundo aponta para uma abertura especificamente existencial que 36 o ser-ai pode alcangar (¢ este que sempre se decide - entschliefit sich). “O ser-af € a sua abertura”(Das Dasein ist seine Erschlossenheit), SZ, p. 133. 5, Em relacdo ao significado de Ser e tempo para o pensamento do ser em Heidegger, citamos aqui a apropriada expresso de Wilhelm Szilasi, que considerou o tratado um Sprungbrett (trampolim, ponto de apoio para um salto). “Interpretacao e histéria da filosofia”. In: A influéncia de Martin Heidegger sobre as ciéncias, p. 73-87. 6. Beda Allemann vé no conceito de histéria, quanto a problematica da diferenca entre Geschichte ¢ Historie em Sere tempo, um motivo central que levou Heidegger paraa interpretacao de Hélderlin. Como poeta, 0 fildsofo teria encontrado um pensamento auténtico da historia enquanto Gesichte (cf. Heidegger e Hélderlin, p. 103). A poesia teria mais condig6es do quea analitica existencial de colocar © ser historial em questo. Embora consideremos este ponto de vista de Allemann plausivel, achamos que omais adequado€éencarar ocaminho para Halderlin ndo a partir de temas especificos, mas a partir de uma orientagio de pensamento em sentido amplo. Tomamos a questéo da Tinguagem como sendo a portadora desta orientacdo, porque ela esta explicitamente associada & esséncia da poesia, algo que também se dé, mas num nivel diferente, com a nogio de histéria, o que nao permite, no entanto, segundo nossa opinio, que ela possa ser igualmente deslocada para um plano tao fundamental. Do mesmo modo, concebemos as questoes do fundamento e da verdade somente como vias que despertaram Heidegger para a poesia e paraa linguagem endo como temas “necessarios” de um “desenvolvimento de pensamento”. 7.0 pardgrafo 44 de Ser e tempo, embora ja aponte para isso, ainda nao vai t4o longe, uma vez que amarra o problema da verdade ao da analitica existencial. O ser-ai ainda permanece a referéncia essencial, sendo que a verdade nao é pensada tinica e exclusivamente a partir dela mesma. “Verdade ‘somente hé’, enquanto e na medida em que existir ser-ai” (SZ, p. 226). 8. A referéncia ao mistério, que em “Sobre a esséncia de verdade” é somente mencionado e nao recebeum desenvolvimentomais detalhado,seré uma constantenas interpretagées sobre Hélderlin. Em Os hinos de Holderlin ‘Germénia’e ’O Reno’, diz-se, por exemplo: “O mistério (..) mesmo a mais alta configuragio da verdade”, p.119. Adiantamos aqui que omistério, enquanto osagrado mesmo, 60 quea poesia de Hélderlin, segundo Heidegger, busca resguardar. E nesse sentido que se pode pensé-lo como estando a base da verdade. 9. Nessa poesia, a verdade poderé realmente emergir, posto que vinculada a uma escuta postica. Em relagao ao saudar (poético) que ocorre no hino “Recordar”, dira Heidegger: “Aqui o saudar alcanca um ambito no qual ‘verdade’ e ‘poesia’, isto 6, o que é real e‘o que € poético’ no podem mais ser distinguidos, porque aquilo que poético mesmo permite que emerja a auténtica verdade do que é verdadeiro” (AN, p. 53). 109 Filésofos v.3(2)97-02,jul./oez.1998 10. Acerca do trajeto deste texto, Benedito Nunes diz o seguinte: “Desse ponto de vista a esséncia do fundamento, anteriormente divisada como abismo, A luz da liberdade do Dasein, é poética” bid, p. 266). 11. Para o organizador deste volume e de outros da obra completa, Friedrich Wilhelm von Herrmann, trata-se do segundo maior texto de Heidegger, depois de Ser e tempo (Cf. BE, p. 511) 12. Acerca disso, diz Otto Péggeler: “Na obra principal dos anos trinta, os Beitrilge zur Philosophie, fala-se do ser em sua verdade e ao mesmo tempo como reunio em uma aspiragao decisiva e, desta maneira, como ambit do sagrado e do divino” (Filosofia e politica em Heidegger, p. 142). Wergin também concorda que esta obra estabelece os trilhos dentro dos quais seguem as interpretacdes sobre Hélderlin. Cf. “Sobre a verdade da acdo. A propésito do aspecto poético da interpretacao heideggeriana de Hélderlin” e Pensar apés Heidegger, p. 288. 13, Essa é a versdo da “destruicao da metafisica” dos anos 30. 14. Em AN, p.77, a Ereignis é tomada como sendo o fundoa partir do qual acontece o encontro entre os homens e os deuses. Trata-se do grande encontro, que se dé numa festa. Ela é 0 elemento festivo dessa festa e sempre é um dia incomum. Esta definigéo da Ereignis, enquanto um acontecer fundamental, também é defendida por Jean Beaufret ( Didlogo com Heidegger, Ill, p. 226). 15, Friedrich Wilhelm von Hermann informa que 0 provével ano do término da redacdo de Contribuigées para a filosofia (Sobre o acontecimento) teria sido 1988. O inicio da redacao data de 1936, ano em que a maior parte foi concluida e por isso esse 6 também o ano de referéncia para a publicacao (cf. BE, p. 512-513). Lembremos que o primeiro curso sobre Hélderlin é de 1934. 16. O poeta da o salto para dentro da verdade, mas ele necessita do pensador que saiba reconhecé- lo. O Contribuicdes para filosofia (Sobre oacontecimento) sugere um trabalho conjunto entre o pensador €0 poeta. “Jé aqui o salto no ser e sua verdade sao exigidos, também a experiéncia de que sob o nome de Hélderlin se da aquele singular colocar-sob-decisao, se dé, néo algo mais ou menos como se deu” (BE, p. 464). 17. Comparando Hélderlin a Hegel, no que toca a expressdo “tudo est4 unido” (Alles ist innig), Heidegger diz: “a posicao fundamental de Hegel ainda é metafisica, masa de Hélderlin nao mais” (AN, p. 99). Para a expressiio do pensamento de Hegel deveriamos dizer, segundo Heidegger, o seguinte: “Tudo € passagem” (Alles ist Ubergang). (Cf. AN, p. 99.) 18. A diferenciag&o em questdo se refere ao que € proprio dos gregos e ao que é proprio dosalemaes. A distinc&o que Nietzsche fez entre Apolo e Dionisio nada teria a ver com isso, porquanto se enraizaria na metafisica moderna. Em Nietzsche I (“A vontade de poténcia como arte”[1936/37]), onde menciona a carta de Hélderlin a Béhlendorf de 4/12/1801 e afirma que Jacob Burckhardt ja estava na pista do que descobriu Nietzsche, Heidegger sustenta que Hélderlin apreendeu mais profundamente a referida distincdo. “Esta contraposicéo no pode ser compreendida como uma verificacdo histérica indiferente. Para a meditacdo imediata ela aponta muito mais para o destino ea determinacdo dos alemaes. Por ora devemos ficar com esta indicacéo, uma vez que o saber 110

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