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05/12/2028, 16:28 dy Costa, fino ~emces Academia Brasileira de Letras Odylo Costa, filho AMEU FILHO Recorro a ti para ndo separar-me deste chao de sargagos mas de flores, onde ha bichos que amaste e mais os frutos que com tuas mos plantavas e colhias. Por essas maos te pego que me ajudes e que afastes de mim com os dentes alvos do teu riso contido mas presente a tentagao da morte voluntaria, Nao deixes, filho meu, que a dor de amar-te me tire 0 gosto do terreno barro e a coragem dos lticidos deveres. Que estas drvores guardam, no céu puro, entre rastros de estrelas, a lembranga dos teus humanos olhos deslumbrados. (Cantiga incompleta, 1971.) SONETO DE JO Este grito, que é rio amargo, choro que nao é meu apenas, mas de todos bitpsiw.academia.or.briorint/10SRextos-escohidos 18 osr122028, 1628 yo Costa, ho que 0 filtro das ins6nias decantou, ouve-o, Senhor, que é grito de infelizes. Perdi-me e Te procuro pela névoa, no c&u em fogo, no calado mar. ATeus pés volto. Faga-se o que queres. Tanto me deste que por mais que tires sempre me resta do que Tu me deste. Deus necessita do perdao dos homens e 6 esse perdao que venho Te trazer. Com 0 coragao rasgado, mas ao alto, Senhor, te entrego os filhos que levaste pelo amor dos meus filhos que ficaram. (Cantiga incompleta, 1971.) SONETO DE N. S. DO BOM PARTO Aadolescente era a palmeira esguia de trangas. Mas no mel do seu cabelo tal mistério morava que de vé-lo a alma desesperada renascia. Era a Beleza? A simples alegria? Era a presenca do sutil desvelo? Era a graga, era 0 corpo, era a poesia? Era a saudade do materno zelo? Era a esperanca, a fé, a caridade? Impossivel dizé-lo com certeza. Mas nela havia tanta eternidade bitpsiw.academia.or.briorint/10SRextos-escohidos 218 05/12/2028, 16:28 dy Costa, fino que pés Nossa Senhora do Bom Parto nove bocas em tomo 4 nossa mesa e uma sombra perene em nosso quarto. (Cantiga incompleta, 1971.) SONETO DE FIDELIDADE Nao receies, amor, que nos divida um dia a treva de outro mundo, pois somos um s6 que nao se faz em dois nem pode a morte o que nao péde a vida ‘A dor nao foi em nés terra caida que de repente afoga mas depois cede a forga das aguas. Deus dispés que ela nos encharcasse indissolvida, Molhamos nosso pao quotidiano na vontade de Deus, aceita e clara, que nos fazia para sempre num. E de tal forma o préprio ser humano mudou-se em nés que nada mais separa © que era dois e hoje é apenas um (Cantiga incompleta, 1971.) SONETO DA REVISITAGAO Partamos juntos a rever o rio. onde primeiro 0 nosso amor nasceu e acalentando o meu humor sombrio entre os teus seios amadureceu. bitpsiw.academia.or.briorint/10SRextos-escohidos 318 05/12/2028, 16:28 Nasceu tao pleno quanto um sol de estio mas sobre a dor e a morte ainda cresceu, embora a prata tenha posto um fio no teu cabelo, e muitos neste meu. Vamos em busca de um repouso fundo que nos envolva de uma leve areia no banho antigo, em meio aos jugarais. Que a viagem nos cure deste mundo, cheia de vozes de teus filhos, cheia desta alegria de te amar demais. ILHEU Nasci numa ilha, Era meu destino. Numa ilha vivo desde pequenino, aestender os bragos pelo mundo todo em busca de tragos que a terra me liguem. Quero o continente! Nao me deixem s6, no me quero ausente. Ninguém me compreende esta busca ansiosa: tenho o mar comigo, bitpsiw.academia.or.briorint/10SRextos-escohidos dy Costa, fino (Cantiga incompleta, 1971.) 48 sre, 1628 Odyle Costa, ho quero ainda a rosa. Joguem fora a ancora! Pois o amor que achei, meu anel de amigos eacasa do rei trazem sede e fome de mais terra e céu. Por Deus compreendam quanto sou ilhéu! Carego de afetos em roda de mim. Foi sorte ou desgraca, numa ilha vim. Tempo de enxurrada nessa ilha nasci, como a agua que corre sou daqui, dali. Por Deus me acarinhem que nasci na ilha, num més de enxurrada, més de agua andarilha, sobrados e terra porém terra pouca, lavado azulejo sob uma Agua rouca Meu amor me abraga Porque sou ilhéu ando sé - na areia entre Aguas e céu, bitpsiw.academia.or.briorint/10SRextos-escohidos 58 osr122028, 1628 yo Costa, ho (Boca da noite, 1979.) PAZ DE AMOR Calemos esta paz como um segredo de amor feliz. Nao seja este siléncio ponto final em nosso temo enredo: nao nos encerre o amor, antes condense-o. Olhemo-nos nos olhos face a face. sem recuar surpresos como 0 amigo que de repente no outro deparasse apenas o lembrar do tempo antigo. Nao. Sempre em nés renascerdo searas. novas chuvas trardo nova colheita. folhas novas, transluicidas e raras. E brotard da tua mao direita gua sibita e casta do rochedo um novo amor, que venga a morte e o medo. (Boca da noite, 1979.) SONETO DA TARDE Nao digo que o sol pare, nem suplico que teu cabelo nao se faca branco. Nos segredos serenos que fabrico vive um pouco de mago e saltimbanco, mas te desejo simples, natural, e que o dia na tarde amadurega. Venceste muita noite e temporal. bitpsiw.academia.or.briorint/10SRextos-escohidos 68 osr122028, 1628 yo Costa, ho Confia em que outra vez ainda amanhega. O teu reino da infancia sempre aberto guarda o campo e os brinquedos infinitos nas cores puras, sob 0 céu coberto. Nos cajueiros, os passaros... Os gritos infantis... Mas a ronda neles nasce e embranquece o cabelo em tua face. (Boca da noite, 1979.) O AMOR CALADO Ainda que o canto desea, de atropelo como abelhas no enxame alucinante em tomo a um tronco, e me penetre pelo ouvido, em sua musica incessante, juro a mim mesmo: nunca hei de escrevé-lo. Hei de fecha-lo em mim como diamante dentro da pedra feia. Hei de escondé-lo na minha alma cansada e navegante. E nunca mais proclamarei que te amo. Antes 0 negarei como os namoros secretos de menino encabulado. Que se cale este verso em que te chamo Cessem para jamais risos e choros. Meu amor mineral ¢ tao calado! (Boca da noite, 1979.) bitpsiw.academia.or.briorint/10SRextos-escohidos 718

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