You are on page 1of 14
Coordenagae Editorial da Biblioteca Basica de Servigo Social Blisabete Borgianni Conse editorial ta Ava de Secigo Socal Adem Aves da Siva Dilséa Adeodata Bonetti Maria Licia Carvalho da Sitfh Maria Liici Siva Barroco Dados Intemacionais de Catalogacio na Publicagéo (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Netto, José Paulo Economia politica : uma introducio critica / José Paulo Netto, Marcelo Braz. ~7. ed, -Sio Paulo; Cortez, 2011. ~ (Biblioteca bésica de servigos social: v. 1) Bibliografia, ISBN 978-85.249-17615 1. Beonomia 1 Braz, Marcelo. I, Titulo, I. Série 1.95669 cop 330 Incies pera atone slemaion, 1. Citncias econémicas 330 2. Economia 330 3. Eeonomia politica 330 ze José Paulo Netto Marcelo Braz ECONOMIA POLITICA” uma introdugao critica BIBLIOTECA BASICA DE SERVIGO SOCIAL VOLUME 1 Pedicéo Seis Quanto a relagas Hlustragdo/Modemnidade, vale a consulta ao quarto en- ‘aio do livro de Sérgio Paulo Rouanet, Mal-estar na madernidade (So Pau- "To: Companhia dis Caras, 1993. Avante!, 1997), No que tange 20 método de Manx sua andliserigorosa deve-se a Georg Lukées #-Ontologia do ser: social Os 8 ontolbgicds tas 5 Te ese aie Celi lige febdament ders Co 1979); aproximagoes sucintas, referenciadas & SR » Trabatho, sociedade e valor J& vimos, na Introducio, que o objetivo da Economia Politica ¢ 0 estu- do das leis sociais que regulam a produgio e a distribuicéo dos meios que ppermitem a satisfacio das necessidades dos homens, historicamente deter- ‘minadas. Tais meios — que, em seu conjunto, representam a riqueca social — asseguram aquela satisfacio, sem a qual a sociedade nao pode manter- se e reproduzir-se. Assim, pois, o objeto da Economia Politica séo as rela- bes sociais proprias & atividade econémica, que & 0 processo que envolve a producio ea distribuigao dos bens que satisfazem as necessidades indivi duais ou coletivas dos membros de uma sociedade. [Na base da atividade econémica esté 0 trabalho — & ele que toma pos- sivel a produgdo de qualquer bem, criando os valores que constituem a ri- _guoza social. Por isso, os economistas politicos sempre concederam ao tra- batho uma importancia especial ern seus estudos. Entretanto, 0 trabalho é muito mais que um tema ou um elemento te6rico da Economia Politica. De fato,trata-se de uma categoria que, além de indispensavel para a compreensio da atividade econdmica, faz referén- cia ao proprio modo de ser dos homens e da sociedade. Por essa razao, neste capitulo nao trataremos o trabalho apenas como pertinente & Econo- mia Politica, mas indicaremos sobretudo algumas das determinagdes que fazem dele uma categoria central para a compreensio do préprio fendme- no humano-social. $6 a0 final deste capitulo, depois dessas consideracdes, ‘mais abrangentes, € que retomaremos a argumentacio mais pertinente & Economia Politica 2.1. Trabalho: transformagéo da natureza e constituigo do ser social ‘Como observaremos mais adiante, cia ¢ reprodugio da sociedade — vale dizer, a satisfacéo material das ne. cessidades dos homens e mulheres que constituem a sociedade — obtem. se numa interago com a natureza: a sociedade, através dos seus membros (homens e mulheres), transforma matérias naturais em produtos que aten- dem as suas necessidades. Essa transformagao 6 realizada através da ativi- dade a que denominamos trabalho, Sabe-se que atividades sao generalizadas entre espécies animais — pense-+ as condigdes materiais de exist {os (estas, alids, podem apresentar complexa organizacio gregitia). Tais atividades, contudo, processam-se no interior de citcuitos estrtamente na. furais' realizam-se no marco de uma heranca delerminada genticamiente (0 joao-de-barro nasce “programado” para construtir sua casa, as abelhas nas. com “programadas” para construit colméias e recolher pélen etc), numa ‘elagdo imediata entre o animal e o seu meio ambiente (0s animals atunn diretamente sobre a matéria natural) e satisfazem, sob formas em geral fic as, neceysidades biologicamente estabelecidas (necessidades praticamente invariaveis) O que chamamos trabelto ¢ algo substantivamente diverso dessas ati- vidades. Na medida em que foi se estruturando e desenvolvendo ao longo de um langulssimo decurso temporal trabalho ronpeu com o padiie ve tural daquelas atividades ‘+ em primeiro lugar, Porque o trabalho ndo se opera com wma atuacao Jmediata sobre a mat cria natural; diferentemente, ele exige instrumen- panne detir, patir de ago, quando nos eferinos apenas henenviones pra no repetit homer: emulherfhomens em hres, estamos remetendo aos membros do ger urns ‘consttuldo necesséria econeretamente por homens ¢ mulheres ~~ eoonaravTea vianmonxtockmin fes que, no seu desenvolvimento, vio cada vez mais se interpondo + em segundo lugar, porque o trabalho ndo se realiza cumprindo, deem pratcanenteincarivel de necessidades, nem as satistaz sob formas fi deve ser atendido (alimentagio, Prteoconts intempéis, sep lugdo bic ica etc.), as formas desse atendimento variam muit i sas atc do tabtho so prprns das atvidades de terinadas pla natures elas configura, em reas vida natural umn po novo de atinidade,exclusivo de uma espécie animal, s6 por ela pratica — pc rece pe rt, jr a nates, Essa atviade, quando intiramentedesenvelvia,€ 0 wabalho, Antes de prosseguir com a nossa argumentagao, € preciso aprofundar a: arotaoey anteriores gue permitem ditinguto tbat de qualuer ot tra atividade natural, Para fazé-lo, vale a pena tomar como referéncia algu- ‘mas refiexdes de Marx [+1 0 trabalho 6 um processo entre 0 homem e a natureza, um processo Sr sun propria acho, medi regula conta seu metal eee PNeo cet reiras formas instintivas, ‘er ou, ainda, de se realizar, em qualquer tempo, como atividade isolada de tum ou outro membro da espécie humana. O trabalho &, sempre, ativi- dade coletiva seu sujeto nunca ¢ um sujeitoiolado, mas sempre se insere crite dunte (maior ou menor, mais ou menos estruturado) de outros sa. Fetes, Essa insergio exige no 56 a coleivizagao de conhecimenton mas Sobretudo implica convencer ou obrigar outros A realizacdo de atividades, ‘guagem articulada, ndo esté regido ou determin. {6gicas;conseqdentementeo cardter coletivo do trabalho neo se deve rng aaa aris de tenha raizes natuais, mas, anes, expressa um tipo especi, co de vinculasdo entre membros de uma espécie que jd nao obedece’e pu {Gs determinismos orginico-naturais Esse cardtercoletvo da ativdade do trabalho ¢, substantivamente, aquilo que se denominaré de social, Como se pode observar, portanto, o trabalho ndo transforma apenas a Imatéria natural, pela ago dos seus sujetes, numa interagio que pode ser caracterizada como o metabolism entre socedade ¢ natureza. © tabelho tan Pllca mais que a rlio sociedade/natureza: implica uma inicio no nnn co da propria sociedad, afetando os seus sujeitos &a sua organizagdo, O tra- balho, através do qual o syeito transforma a natuteza (e, na medide nn is Cuma tansformasao que se realiza materialmente, trata-se de uma trans. formasio prétca), transforma também 0 seu sujeite: foi através de tere Tho que, de grupos de primatas, surgiam os primeiros grupos humanos que fez emergir um novo tipo de ser, distinto do ser natural forgénico e inorganico}:o ser social. Nossa argumentacdo chega, agora, a um momento extremamente ime porlante: ¢stamos afirmando que o trabalho, tal como o viemos caracters, Zando até aqui 86 deve ser pensado como a atividade exercide exehaeinn ae ernment, membros de uma socedade, atividade através da qual mas naturais em produtos que satisfazem necessida- Ser social, Em poucas palavras, estima afirmando que foi através do teabadia fal. preciso que nos detenhamos, mes- ‘mo que brevemente, nessa questdo essencial, Fr conowarau waeonschOcacr 1.2. Trabalho, naturezae ser social A siden pe esse a natura — afi € ee card as condigées da manutencio da vi rabalho, que propicia Gosmetrondasocednde Tore alr wide an on ta oo ‘ipo existe da ia historicamente & a moda- inti tse oguesaastoanet le lide de rea a soe com aturen: vara, 20 longo da histria tipes de transformacio que, através do trabalho, a sociedade ope a emis tua les srr tec ep essa tanoformagto, Vale di fcam-se, 20 longo da hist6ria da essa transformagio. Vale dizer moins 20 longo da his ae hhumanidade, as formas de produgio material da vida social e, noes s condi ncia nas quais vive os homens. inte, as condicBes materiis de existencia nas q : fies € mite fate de que a reproducio da sociedade depende da exis da naturez és sxistir e subsistir sem a socie- téncia da natureza (a natureza, porém, pode existir e subs dade). —— conjunto dos seres que conhecem Por natureza entendemios 0 conjunt 2 res, -ederam o surgimento dos primeiros gr ices ntedls Sta eee oe are de su humanos e continuaram a ex os dese sug mento. Ela se compée de seres que podem ser agrupados ee > anes iveis: aqueles que nio dispéem da propriedade de sereproak (arabe teza inorginic) e aquces que possuem essa propriedade, 0s seres vivos, vegrns animes runmena tr) A sng enc ening nape orinic,contudo, no significa a existéncia de uma “dupla nature- = defato a naturenn & uma uid aricolando seus diferentes nivel za’ — de fato, a nat numa fotalidade complex. “souctenemen Nao hi ests tin senhsivos gs expen afentemen s2 du a dvesfiago entre os nivel inorgice orgie eee 0 surgimento da vida, ligado a complexos processos fisico- Ghumicos, fot produto de um longo caminho evolutivo, 2 cabo ee gual bre a base da mat i ju um novo tipo de ser, dotado tobre a base da matésa Inorganica, emergh ; tipo de er, dota da capacidade de se reproduzir: 0 ser vivo, orginico. Esse sarime E sr un smica da matéria inorgénica de salto qualitatico na dinamica ; (a enao» re fora de esti da ates) una vee ‘wear Ta ene ra natureza um tipo de ser com gem do inorgdnico ao orgénico fez aparecer na natut eee trutura de complexidade diferente e maior, cujas carac ao pe dem ser deride as cracerisins da mat nog As cond lem ser deduzidas das trabalho [] € atividade orientada @ um fim para produzir valores de uso, apropriacio do natural para satisfazer a necessidades humanas, condligae universal dometabolismo entre o homem ea natureza,condicio natural eterna da vida humana e, portato, [..|comum a todas as suas formas socais (Mar, 1983: 149-150, 153), A diferenga da atvidades natura, o trabalho se especifica por uma relaglo mediada entre 0 seu sujeito (aqueles que o executam, homens em Sociedade) ¢ 0 seu objeto (as varias formas da natureza, orginica ¢ ‘orginica), Seja um machado de pedra lascada ou uma perfuracora de Pocos de petréleo com comando eletrénico, entre o sujeito e a matéria natu. ral hé sempre um meio de trabalho, um instrumento (ou um eonjunto de instrumentos) que toma mediada a relacSo entre ambos. E a natureza nao Cra instrumentos: estes sio produtos, mais ou menos elaborados, do pro. rio sujeito que trabalha. A criagio de instrumentos de trabalho, memo zos niveis mais elementares da histéria, cloca para o sujeito do trabalho o Problema dos mcos e dos ins (falidades) e, com ele, o problema das escolins, Se um machado mais longo ou mais curto é ou nao adequado (ttl, bom) ao fim a que se destina (a caca, a autoderfesa etc), Esses dois problemas, postos pelo trabalho, determinam, para a sua eetivagto, componentes muito especiais. De uma parte, o fim (a finale, dl) € como que anteipaio nas representagées do sujeto: idealmente (men. talmente, no seu cérebro), antes de efetvar a atividade do trabalho, osu. Lo prefigurao resultado da sua agio. Nao & importante saber em que medi. a 0 fim a ser alcangado corresponderd mais ou menos a idealizagao (refigurapio) do sueto; importante ¢ destacar que sua atividade parte ce uma finalidade que ¢ antecipada idealmente, é sublinhar que sua ativida. de tem como ponto de partida uma intencionalidade prévia — muais exata, mente, ¢ importante ressalar que 0 trabalho é uma atividade projetade, {cleclogicamentedireonads, ow sea: conduida a parts do fim proposto pelo sueito. Entretanto, se essa prefiguragio (ou, no dizer de Lukécs, essa prcvia ieaglo) € indispensavel a efetivacio do trabalho, ea em absoluto o realize, 4 relizao do trubaia 56 se dé quando essa prefigurag ideal se objetiva, sto ‘quando a materia natural, pela ago material do sujeto,é transformeda, © ‘rabalho implica, pois, um movimento indissociével em dois planos: nam Plano subjetvo (pois aprefiguragio se processa no ambito do sujeito) enum Plano objetio (que resulta na transformacéo material da natureza); asim, 2 realizagdo do trabalho constitui uma objetivacio do sujeito que o efetny rT eremaraunex umumooxsocren 2 De outra parte, tanto o fim quanto os meios do trabalho pdem a0 st- jeito exigéncias e impoem a ele condigbes que vio além das determinacées naturais, Em primeiro lugar, o sujeito deve fazer escalhas entre altemnativas concretas; tais escolhas nao se devem a pulses naturais, mas a avaliagdes que envolvem elementos (i, intl, bom, mau etc.) pertinentes & obtencdo dos resultados do trabalho. Em segundo lugar, as objetivagdes em que se realiza 0 trabalho (seus produtos), tendo por matéria a natureza, enquanto efetividades, nio se identificam com o sujeito: elas e 0 sujeito tém existéncia auténoma (0 machado de pedra passa a ter uma existéncia independente do seu criador,o refigio construfdo existe independentemente do seu cons- trutor) ~ é assim, pois, que, no trabalho, surge primariamente a distinggo e a relacdo entre sujeito (aquele que realiza a agio) e objeto (a matéria, o ins- trumento ¢/ou 0 produto do trabalho). Em terceiro lugar, a questo dos meios e dos fins do trabalho pée duas ordens de exigéncias interligadas, sem a solugio das quais o trabalho ¢ invivel: 0 conhecimento sobre a natu- reza e a coordenagao miltipla necesséria ao sujeit. Tanto a feitura de instrumentos quanto a de produtos (da produgio de um machado até a confeccdo de um instrumento mais complexo, da construgio de um abrigo de pedra ao erguimento de um arranha-céu) exi- ge que 0 sujeito conhoea as propriedades da natureza, Nao basta prefigurar idealmente o fim da atividade para que 0 sujeito realize o trabalho; é preci- so que ele reproduza, também idealmente, as condigdesobjeticas em que atua (a dureza da pedra etc.) e possa transmitir a outrem essas representacOes. Estas, a pouco e pouco, tendem a se desprender da experiéncia emp' imediata —tendem a recobrir outras situagées, projetadas para outros Iu- Bares e tempos; ou seja: a partir das experiéncias imediatas do trabalho, 0 sujeito se vé impulsado e estimulado a generalizar e a universalizar 0s sabe- tes que detém. Ora, tudo isso requer um sistema dé comunicagio que nao deriva de cédigos genéticos, uma vez que se relaciona a fendmenos que ‘do se configuram como processos naturais, mas a fendmenos surgidos no Ambito do ser que trabalha — por isso, o trabalho requer e propicia a cons- tituigio de um tipo de linguagem (a linguagem articulada) que, além de ‘aprendida, 6 condicio para o aprendizado. Através da linguagem articula- da, 0 sujeito do trabalho expressa as suas representacées sobre 0 mundo que o cerca. Contudo, aqui, a comunicagao € tanto mais necessiria se se leva em conta que o trabalho jamais ¢ um processo capaz de surgir, de se desenvol- que Propiciaram aquele slto, que inscreveu a vida no universo que conhe-

You might also like