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ALBERT SOBOUL A REVOLUCAO FRANCESA s* EDICAO Tradugao Rotanpo Rogue Da Siva DIFEL Capyrigh © by Press Unive de Franc, PUE Tire original La Rain oie (Capa: Radio Rogues 2007 lene n0 Bra Prine rail Pn, Cao ens ‘Sesion Nia Ee Lt [555% Sao Al OTH reds Net Fanci memoria do medi d ‘et Ol Stree Raa BS alee mre ba, Sa ag sat ane ISN Spe-dhrasz-055-7 1. Fag — Hina Rei, 178917981. Ta cop - 9444 SOU 94 ares Todos osdriosrescevalospla DIFEL-sdlocdoril ds EDITORA BERTRAND ERASILLTDA. [Ran Argentina, 171—1*andar~ Sto Crstvo 2092-380 Rio de Janeiro RJ Tels (O21) 2585.2070 Fas (x21) 2585-2087 [Neo permite reproduo cot ou paca dem bre, porqui- quer eis sem aprvaautorzf pore da Eder, Arendemospeo Remo Psa INDICE Inemopucio — Das causas da Revolugo Francesa e de seus caracteres.. 1. Feudalismo e capitalism, 8 — Tl Estratara & ‘onjuntura, 11 1. Antagonismos socais, 1, — 2 Flutuardes econdmicas e demograficas, 21. — Esponianeidade e organizayao evolacionrias, 28 ag APeansn eo med, 282 A prin po CAPTULO] = Noventa e nove. Revolugo ou Compro- isso? (VBI) LA “atoligdo” da feadalidade &1. ~ © iberalismo burguts, 44.—I0. O impossive!compromiso, 48. CAPITULO — Noventa ets. Republica Burguesa ou ‘Democracia Popular? (1792-1795) |. O despotismo da libertade, 58.1. Girondinos «e Monianheses (12-1793), 582. — Montanheses, Jacobinos ¢ Sans-Culoties (1798-1794), 60, — I Grandeza contradicbes da Repibica do ano I, {68.— 1, Tendéncias soca pritica politica do mo- Vimenio popular, 63.2. Governo revoluconsrio ditadurajacobina, 66, — IL A impossvel Rept bla iatitaria,71.— 1. Paeadae decinio da mo- vimento popular (primavera de 1794), 71. — 2. A \queda do Governo revelucionirio a fim do mo- Vimento popular (ermidos, ano I-praiial, ano Il), ™, 1TULO I — overt e inca. Liberalismo ou Dita- Aura? (175-17). 1.4 hesanga termidorinas propriodad «liber Me, 82.—IL A catdstrate monetiniae a Conspira- 7 » a Igualdade (195.797), 86.— M.A prtica olka: Mo iterate ciretoral x0 autoiarsno eel 3 Concttsio — A Revolugio Francesa na histéria do ‘mundo contemporined. 1.0 resultado da revolugio, 98. ~ i, Revlucto Francesa ¢revlucies bugueses, 11 BIBLIOGRAFIA SUMARA. 9 107 INTRODUGAO DAS CAUSAS DA REVOLUGAO FRANCESA E DE SEUS CARACTERES ‘A Revclupio assinala a elevacto da sociedade burguesae ca- pasta ne istria da Franca. Sua earacersticaessencialé ter realizado @ unidade nacional do pals por meio da destuiga0 do regime senhorial e das ordens feudaisprivilegiadas: porque, se _gundo Tocqueville em Ancien Régime etla Revolution ivro Il, ap. D, sex. “objetivo particular era abolir em toda parte o resto das instituigies da Tdade Media O fat deter chegado, finalmen- te, aoestabolecimento de uma democracia liberal particuariza ain- dd a sua signficacio histérica. Deste duplo ponto de vita, @ sob ‘© Angulo da histSria mundial, ela merece ser considerada 0 mo- ‘elo clissico da revolusio burguesa. ‘A histria da Revolucio Francesa coloca assim duas séries de problemas. Problemas de ordem geral: os concernentes ei hi ‘orica da tansigso do feudalismo ao capitalismo moderno, Pro- blemas de ordem particular: os que se prendem 3 estrutura espe- senda stciedade no fim do Antigo Regime ¢levam em consi- eroglo os caracteres priprios da Revolugao Francesa em relaga0 9 diverss tipos da "revoluczo burguesa”. Impose um reparo de voeabulévio, Conhecemos as obser- ‘do cites suscitadas peles termos feudaldade,feudalisma, npryados; Georges Lefebvre, a propéito de um debate ransigio do feudalismo 20 capitalism, adianara que fot ho eram apropriados. Camo desde entao designaro tipo de ‘onyanizagho econdnicae social destrufdo pela Revolucto e que Jw aracieriava, nao apenas pelos sobrevivencias da vassalidade 7 ‘¢ do desmernbramento do poder pubico, mas jgualmente pela persistonca da apropriacio dire por parte dos senhores do pro- Aicte do sobre teat doe osmponcics, como tetemunavam ius ne aneijaoe ince Ce sop an ing ma ones ‘0s fundamentos materiais proprios do regime. E neste sentido que eagle nt ero ft SLR on bere pri rts: sect pl pe ee apnea nee po Siiejeciow minsalln penne Soomro Ai aelae ands tm re sateme so. ise ects notes en & antigen Ginaip ie sense arto cree" srg eens eth oan art ‘eS TTRIRE Rey lesan a ro se edo ‘ig sels atic, oe perccnbus dopsiaic hia tp Misdinn autre Splondenom moat soca pc einen nt Peon helt mbchrptng aide tomes toy de nee paseo ngs pop ison Saas Mreenslactagat passa cree dati en es ane soe pl a 1 elon pane Stn oe XV, i ac a Paseo nach ees aa een eo hen mt o cmatem rai Yor et, scl eres mo rs erie Sr rer atte ef SE oe tee nae eae ioe oe clan he 4 Soeete Pia Re here Aveta a ase ip cienane te Cea ne sence Eel ree tea tecg mena Eee ae ioc meter mires 8 _gem, da época em que a terra constitufa nia forma de riqueza social econfeia, portanto, aos seus possuidores © poder sobre fos que a culavavam. a monarqaa dos Capetos, 90 prego de gran des esfrgos havia despojado iteiramente os senhores de seus direitos realengos: ests tinham conservado apenas seus privil- Bivs sociais © econémicos. Os direitos senhorais sempre subli- mhavam a sujeigto dos camponeses. ‘O renascimento do comérci eo desenvolvimento da produ- fo artesanal tinham, do abstant,criado, desde os séculos X © XI, uma nova forma de riqueza ariqueza mobilira,eatzavés dela, dado nascimeato a uma nova classe, a burguesia, cuja ad- missio aos Estados geras, desde o século XIV, Ie consagrara a mportincia. No quadro da sociedade feudal, ela dera prossegu ‘mento a0 sea imppulso a0 proprio ritmo do desenvelvimento do apitalsmo,estimulado pelos grandes descabrimentes dos secu los XV e XVIe pela exploragio dos mundo colonials, bem como pelos operaciesfinanceiras de uma monarguia sempre carente {de dinheio, No séeulo XVI, a burguesia estava a testa das fi angas, do comérci, da indstria; formecia 8 monarquia no $6 ‘os quadrosadministrativos como também os recursos necessrios ‘marcha do Estado. A arisoeraia,cujo papel ndotinha cessado ‘le diminui, permanecia ainda na primeira escala da hierarquia sovial:porém se esleosava em casta, no momento mesme em que a Burguesia aumentava em nimezo, em poder econdrica, ‘bem em cultura eam consciéncia. O progresso das Luzes 30” spnva os fundamentos ideolgicos da adem estabelecda, ao mes- mo tempo que se aiemava a consciéncia de clase da burguesia. ‘Si bow conscignca: lass em ascenseacreditando no progres- fo tinha a cunvigao de representaro interes geral ede asst Ineo encargs da nagao; classe progressva, exercia uma tiunfan- nracio sobre as massas populares como sobre os setres dss dons da aritocraca, Contudo, a ambicso burgues, apoiada pela ldo seal eeconBmica, se chocava com 0 esprit aritocré- Hoo das leis e das instituigoes Fes camacteres no Solvam a Franga do resto da Europa Hin toda partenaicensio da burguesia se operaraem detriment slnnuisloxracine nos proprioe quads da socedade feudal, Mas, os diversos pases europeus tivessem partcipado de ma Jane desizual no desenvolvimento da economia capita i caracteresafetavam-nos em graus varados, da Holanda 9 ‘eda inglaterra que, desde o século XVI, tinha completado a sua revolucio burgess As grandes monarquias da Europa do Cen tuo e du Leste a buryuesas pouco numierosas e desprovidas de grande influénca [Na Franca, na segunda motade do século XVII, o avango da ‘economia capitalist, sobre cujosfundamentos etinha edificado ‘© poderio da burguesia, permanecia frenado pelos quadzos fet dais ca sociedade, pela rganizacio tradicional eregulamentar da propriedade, da producio e das trocas. "Ea preciso romper es- tes grifhdes — escrevem os autores do Manifesto — e romperem- se” Eassim que se coloca o problema da passagem do feudalis- ‘mo 20 capitalisme. Ele ndo excapou aos mals clarividentes dos homens da época. Longe de ser nspirada por um idealsme abs- treo, como supuna Taine, a burguesiarevoucionératinha uma ‘consciénca esclarecida da realidade econdmica que constituia 2 ‘ua forge Ihe determinava a vitéria Bamave foi o primeiro aformlar, mais de meio século antes de Marx, a teoria da revolucio bunguesa. Tendo vivido no Dat pPhiné, no meio dessa intensaatividade industrial que, a acreditar- se no que escevie, em 1785, oinspetor das manuifaturas Roland, fazia desta provincia, pela variedade e pola densidade de suas em- presas, pela importincia de sua producio, uma das primeleas do rena Bamave vem aconceber aque a propriedade industrial pro- ‘yeaa ascensio politica da classe que a poss. Em sua Introdic- tion ja Révoluton francaise, eseta em 1732, publicada em 1813, pds haver colocado o principio de que a proprieade inf so- bre as institulgdes, Barnave constata que as insttuigbes criadas pela aristocraciafundisria contraviam e retardam a ascensio da Sociedade nova, “O reino da aristocrcia dura enguanto a popt- Jago agricola continuar a gnorar ou a negligenciar a ates en- quanto a propriedade das terrascontinuar aser a nia igaez. “Assim que as artes eo comeércio conseguem penetrar no povo & iam tum novo meio de riqueza em auio da classe Iaborioss, repara-se uma revolucio nas leis politicas; uma nova distribu io da riqueza prepaca urta nova distrbuigio do poder, Da mes- ‘ma maneira que a posse das teraselevou a aristocracia, a pro- Priedade industrial eleva 0 poder do povo; ele acquire a sua fie berdade’.. 0 povo:entendamos, na pena de Barnave, a urgue- sia, Tendo afirmado assim ntidamente a correspondéncia neces sta enre as insttuies politeas e o movimento da ecenomia, 10 Bamaveajunta-the omovimento des espiritos:’A medida que as artes. aindistria eo coméreio onriquorom a lace labora da [povo, empodrecendo os grandes propretarios de terrae reapro imando as classes pela fortuna, os progressos da instrucio as reaproximam pelos costumes e enam a chamat. apés um longo esquecimenso, as Idéias primitivas da igualdade, Domesmomodoqueaigualdadecomaaristcraca,eraaliber- dadequeaburpuesiarelamava:aliberdadepolicacertamente,con- ‘udomaisaindaa iberdadeecondmica, adoempreendimentoedo Ico. O cepialismoexgiaaliberdade porgue necestitava dela pa- aassegurar seu impulso,aliberdadesobodas assuasformas!i- berdade da pessoa, condicio do assalariado ~liberdade dos bens, ‘condigdo de sua modbalidade — liberdade do esprit condligio da pesquisa € dss descobertas centificas e éenicas, ‘Que as causes profundas da revligio devam ser pesquisagas nas sobrevvincias feudals enascontradigoes da ntigasociedade, ‘obsticulo so desenvolvimento dos novos melos de pradugaoe de troca, as revolugSes neerlandesa, desde o fim do século XVI, © inglesa do século XVII ao tinham demonstrado, Tal aspect, po- 16m, nao expica todos os caracteres da Revolugio Francesa. AS 0es de ei ter constituido o episédio mais explosive, mesmo, or sua violéncia, das lutas de clase que levaramao poder abur- jjuesa, dover ser procuradas nos agos especficos da sociedade francesa do Antigo Regime. 1M — Estrutura e conjuntura 1. Aniagonismos sociais — A aristocraca (isto 6, a nobreza ‘e0altoclero;aandem do cero neo apresentavarvenhuma unidade octal) possuia um duplo problema, sada politico. Socialmente, mais que sobre o8 mates ¢ a8 oposigdes nas eins da aréstocracia, deve-se insite sobre 2 sua tinidade pro- funda e seus trags espeeticas: mensuramo-tos por comparacao ‘com ristoraciainglesa que no conheceu nem oprivlégio fiscal m0 prejulzado da perda dos fores de nobreza E indubitavel {ue nobrezs francesa nao erahomogénea, pois aevolugao istS- ‘Ho linha introduzido dferenciagdes no interior daordem: nobre- 1 tle espaca tradicional e nobrezatogada, adquirida na origem — nobreza de corte e nobreza provincial, ambas de sangue, mas ‘posta por seus géneros de vida. Sem diva, ainda no século XVII, odinheireimpunhorse A nobrera, cons busgucsia fe dina dissociar suas fleas. Onobre, mesmo de expada, nada era sendo pobre, Haviaque ser rico para adquirieanobreza ico ainda para conservar sua cndicao. Nas suas camadas superiors, aa focracia era amputada de uma minoria que o dinheir, 0 espirto rando de ser uma insttuigio poliiea, escreveu Tocqueville. As- ‘sim reduzida, ectava muito mais dio ainda, e pode-se dizer com ‘base na verdade que, em destruindo ma parte das instiuigbes da dade Média, hava se tornado cem vezes mais adioso 0 que elas se deiavs’ Tace a explorego feudal, comundade rural permaneci ni dla: face 20 senhor, face 20 coletor da dima, face ainda a0 im- posto real. Mas até deste antagonismo fundamental j se per- {ebiam opesgdes que traziam em germe as lutas do séeulo XIX, tama vez destuidas a eadaldade ea anstocracia. A desigualda- dde penetrarahavia muito na comunidade rural, tendia a disso- oléta, "Nas egies de grande cultura, a apicagio do capital ede seus sméodos 20 tabalho agricla, em vista de uma cultura intensiva 2 de uma producio para 0 mercado, tinha provecado evidentes repercussoes sobre a condlcao camponese. O grupo social dos srandes eukivadores desenvoveu-se amplemerte no fim do Ar 19 tigo Regime, concentrando nao a propriedade mas a exploracio: 19s camponeses das planiciescerealiferas da Baca parisiense se Aquenaram em seus registos de reclamacoes da "Feuniac” das franjase em vao se obstinaram, até ano I, em reclamar a dvisio| fdas mesmas. Dest'atejéseafirmava o antagonismo de um eapi- talsmo agricola de um campesinato em via de proetaizagao. CCarentes de tera, despojados de seus direitos coletivos a medi dda que se reforgavam a propriedade privada e a grande explora- ‘0s pequenos camponeses engrossavam as ficras de um pro- Tetariado miserdvel einstivel, pronto a levantarse igualmente con- tra as fazendas, bem como contra os castelos. ‘Sem duvida, nao ha que exagerar tas rags: as wésperas da evolugio, na maior parte do pals permanecia o dominio da pe- «quena cultura tradicional, Mas, mesmo aqui, a desigualdade fora {nrocizida no seio da comunidad rural. A propricade dos bens comunai, a coardes coletivas sobre a propriedade privada (in- terdigio de cereas, oagio obrigatria), os direitos de uso sobre fos campos (pastagem live, direitos de respigadurae de corte de rustolhe), sobre os prados(direito de segundo corte) ou sobre os bosques tinham, havia muito, constitudo sélides fundamentos ‘comunitérios. Na segunda metade do século XVlll, sob o impul- ‘0 do individualism agriio e como apoio do poder real (éditos de cercadua,triagem dos bens comunais), a estrutura comuni- téviafoiabolada:aaristocraca, sbretudo, aprowetourse disso Mas, zo seio da comunidade, alguns lavradores proprietivos, “alos do alia’; dominavam jomaleiros e pequenos camponeses que dleles dependiam para suas atrelagens ou seu pao cotidiano mais ou menos, produziam para 0 mercado, monopolizavam a aadministracio alded ese adaptavam & renovacao da agrcultura [te campesinatn proprietiro, tanto quanto a aistocracia que Ihe pesava sobre a tera por seus direitos senhorias, era hostl & co ‘munidade rural que a onerava de direitos coltivos ele limitava A liberdade de exploragso ede lero: ele aspirava a libertar-se de todas as resrigdes. Contrariamente,o campesinato pobre, caren te de tera obrigato, a fim de garantir seu po, air em busca dle um salicio mideo em terra alheia ow na indstria rural, agartava- aos direitos coletivos e 20s modos tradcionals de pro: ducdo, com tanto mais afinco quanto mais percebla que estes Ihe fugiam: a massa camponesa opunha a regulamentagi0 da cult: ra a iberdade da exploracao. 2» CConcepsio de um diretolimitado da propriedade, gio rei -vindicadora contra aconcentracio das exploragdes ou das empre- a8: estes taco carctenzavam um ideal social popular na medi ddadas condicdes exonmicas do tempo. Campancses¢ artes, ‘para disporem livemente de suas pessoas ede seu trabalho, de veriam antes de tudo delat de estar enfeudados a outrem, liga os 3 terra ou prisioneios no quadro de uma corporacio. Da set ‘aio contra aarstocracia eo Antigo Regime: as classes populares foram o moter da revolugao burguesa. Mas, produtoresimedia- tos cu com anbigdes para o futuro, camponesese artesdos fun-

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