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QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA As bases te6ricas e praticas da qui- mica analitica qualitativa, indispensd- veis a todo quimico, sao apresentadas de modo minucioso e, ao mesmo tem- po, didatico, nesta obra de Arthur I. Vogel, como fruto de sua longa expe- riéncia com grande ntimero de estu- dantes. Seu principal objetivo é proporcionar ao estudante de nivel superior, bem como aos professores e profissionais afins, um texto basico ao qual pos- sam continuamente recorrer. A obra tem igualmente demonstrado ser de grande valor como livro de referéncia. Entre outros assuntos, o autor apre- senta: ® Aspectos fisico-quimicos basicos das reacées utilizadas nas andlises qualitativas inorganicas. ® Completa descrigéo dos instru- mentos de laboratério, com as respectivas ilustragGes. © Operacdes que incluem técnicas micro e semimicro, bem como mé- todos eletroquimicos, espectrosc6- picos e cromatograficos. © Reacées dos cations e anions mais importantes. @ Preparacao de amostras de solucao e fusdo de substancias. © Ions menos comuns, sua separacéo e identificagéo no curso de uma andlise sistematica. Ao final do livro, um curso simpli- ficado de andlise qualitativa constitui o tema de um dos capitulos. Este curso € especialmente util quando o tempo destinado ao trabalho de ana- lise € limitado. Todo o material é apresentado de modo claro, acessivel e bem cuidado, © que facilita o trabalho do leitor. A riqueza de informacées estende-se também aos numerosos grdficos e ao Apéndice, com tabelas indispensdveis ao trabalho de laboratdrio. A Quimica Analitica Qualitativa é util a Escolas Superiores e labora- torios industriais. wut QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA CIP-Brasil. Catalogacdo-na-Fonte CAmara Brasileira do Livra, SP Vogel, Arthur Israel, 1905- V868q Quimica analitica qualitativa / Arthur {. Vogel ; {ttadugdo por Antonio Gimeno da] 5. ed. rev. por G. Svehla. — S30 Paulo : Mestre Jou, 1981. 1. Quimica analitica qualitative [. Svehla, Gyula. 11, Titulo. 81-0029 CDD-Sa4 Indices para catélogo sistematico: 1. Anélise qualitativa : Quimica 544 2. Quimica analftica qualitativa S44 ARTHUR I. VOGEL Quimica Analitica Qualitativa Quinta edigao revista por G. SVEHLA, Ph. D., D. Sc. F.R.I.C., Professor de Quimica Analitica na Queen's University, Belfast 4 Ath EDITORA MESTRE JOU SAO PAULO Titulo original: Textbook of macto and semimicro qualitative inorganic analysis, 5.2 edigho Primeira edigéo em portugues: 1981 ‘Tradugio: Antonio Gimeno Revisao: Shizuka Kuchiki Yara Schramm Montagem: Rosa Verbiejus Trani Sebramm @® Longman Group Limited, Londres, 1979. Esta publicagdo da 5.9 edigéo ¢ feita mediante acordo com.a Longman Group Limited, Londres. Diteitos reservados para os paises de lingua portuguesa pela EDITORA MESTRE JOU Rua Jodo BatistasLeme da Silva, 126 SAO PAULO DO PREFACIO A PRIMEIRA EDIGAO A experiéncia no ensino da Andlise Qualitativa, ao longo dos anos, a um grande ntmero de estudantes forjou a base em torno da qual esta obra foi desenvolvida. O objetivo final foi criar um texto basico, que possa ser continuamente utilizado pelo estudante no trato da matéria. Na opiniao do autor, a base teérica da Anélise Qualitativa, muitas vezes descurada ou sumariamente explanada dentro dos limites de textos compactos, merece um tratamento téo minucioso quanto os aspectos praticos envolvidos; € somente deste modo que se adquire o verdadciro espirito da Andlise Quali- tativa. Assim, este livro se inicia com um amplo capitulo intitulado “Bases Tedricas da Andlise Qualitativa”, no qual a maioria dos principios tedricos que encontram aplicag&o neste campo é¢ tratada. O autor agradeceria aos professores ¢ outros interessados a comunicagéio de erros que tenham escapado a sua observacao, bem, como serao bem- -vindas as sugestées que, de qualquer forma, contribuam para o aperfeigoa- mento desta obra. A. I. Vogel Woolwich Polytechnic, Londres SE. 18 BASES TEORICAS DA ANALISE QUALITATIVA A. FORMULAS E EQUACOES QUIMICAS 11 S{MBOLOS DOS ELEMENTOS. A fim de expressar a composicao das substancias e descrever as mudangas qualitativas e quantitativas que ocorrem durante uma reagio quimica, de forma precisa, concisa e direta, usam-se os simbolos e as formulas quimicas. Conforme as recomendacdes de Berzelius (1811), os simbolos dos elementos quimicos séo formados pela primeira letra de seu nome internacional (latim) seguida, na maioria dos casos, de uma segunda letra que também ocorre em seu nome. A primeira letra € sempre maitiscula. Simbolo Nome (portugues) Nome (latim) ° Oxigénio Oxygenium H Hidrogénio Hydrogentum c Carbono Carbonium Ca Calcio Calcium Cd Cadmio Cadmium cl Cloro Chiorinum Cr Cromo Chromium Cu Cobre Cuprum N Nitrogénio Nitrogenium Na Sédio Natrium K Potdssio Kalium Os simbolos tanto podem ser usados numa referéncia qualitativa ao elemento como também so muito empregados num contexto quantitativo. O simbolo do elemento representa 1 4tomo do elemento ou, em casos espe- cfficos, 1 4tomo-grama. Assim: Simbolo ‘Atomo do elemento Atomo-grama c T 12,0110 g de carbono ° 1 15,9994 g de oxigénio H 1 1,0080 g de hidrogénio Os nomes, simbolos ¢ massas atémicas relativas dos elementos séo enumerados na Segéo IX.1. 10 ARTHUR I. VOGEL. 1.2 FORMULAS EMPIRICAS. Para expressar a composig&o de substin- cias cujas moléculas sio formadas por mais de um dtomo, usam-se as fér- mulas empiricas. Estas séo formadas pelos simbolos dos elementos pelos quais a substancia € composta. O ntimero de dtomos de cada elemento em particular é subscrito apds o simbolo do elemento (o néimero 1 nunca é subscrito, porque o préprio simbolo do elemento representa 1 d4tomo). Moléculas Atomes envolvidos Férmula empirica Di6xido de carbono c-1 (gas. carbénico) o-2 CO, Sa : Agua H~2 o-1 HO Peréxido de hidrogénio H— (4gna_oxigenada) o-2 Hy0, Embora n§o existam normas estritas que regulem a ordem dos simbolos nas f6rmulas, no caso das substéncias inorganicas o simbolo do metal ow do hidrogénio é escrito em primeiro lugar, seguinde-se os nfo-metais e finalizando com 0 oxigénio, No caso de substancias orgdnicas, geralmente € aceita a seguinte ordem: C, H, O, N, S, P. A determinagéo da férmula empirica de um composto pode ser feita experimentalmente, estabelecendo-se o percentual de cada elemento presente na substancia através da andlise quimica quantitativa. Paralelamente, deve- -se determinar a massa molecular relativa do composto. A partir desses resultados pode-se calcular facilmente a férmula empirica. Se, por qualquer razao, for impossivel determinar a massa molecular relativa, a formula mi- nima somente poderd ser calculada a partir de dados fornecidos pela quimica analitica; a férmula real poderia conter um némero miltiplo de dtomos considerados na férmula minima. Se a férmula empirica molecular de um composto for conhecida, pod mos estabelecer vérias caracteristicas fisicas ¢ quimicas da substancia. Sa @) Pela férmula empitica, sabemos quantos dtomos de cada elemento formam a molécula do composto. Assim, a molécula do dcido clorfdrico (HCl) € formada por um dtomo de hidrogénio e um de cloro; a do 4cido . sulfarico (H,SO,), por dois 4tomos de hidrogénio, um de enxofre ¢ quatro de oxigénio. 5) A partir da f6rmula empirica podemos determinar a massa molecular relativa (peso molecular), simplesmente somando as massas atémicas rela- tivas (peso atdmico) dos elementos constituintes do composto, Neste some- t6rio, considera-se que a massa atémica relativa de cada elemento deve ser multiplicada pelo nimero de 4tomos com que concorre na molécula. Assim, calcula-se a massa molecular relativa do écido cloridrico (HCI); M, = 1,0080+ 35,453 = 36,4610 a do Acido sulfurico (H,SO,) ¢: M, = 2x 1,0080+ 32,06+4 x 15,9994 = 98,0736 e assim por diante. QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA UW c) A {érmula empfrica permite ainda calcular facilmente a quantidade relativa dos elementos presentes, ou seja, a composigdo percentual da subs- f€ncia. Para estes cdlculos, deve-se usar as massas atémicas relativas dos elementos em questao. Assim, no Acido cloridrico (HCI), as quantidades rela- tivas de hidrogénio e cloro séo: H:Cl = 1,0080:35,453 = 1,0000: 35,172 ~— e (como a massa molecular relativa do dcido cloridrico é 36,461) coniém: 1,008 36,461 35,453 _ 100 x 36.461 = 97,24 %de C1 Do mesmo modo, a quantidade relativa dos elementos no acido sulftrico (H,SO,) €: 198 x = 2,76 % de H H:8:0 = 2x 1,0080:32,06:4 x 15,9994 = 2,016:32,06 63,9976 1:15,903:31,745 e, conhecendo-se a massa molecular relativa do dcido sulftrico (98,0736), podemos calcular sua composig&o percentual, como se segue: 2,0160 2.0160 de H 100 > seaag = 2.05% de 32,06 _ 100 * seirag — 369% des € 63,9976 100 x Fo 73g 7 6525 % do O e assim por diante. d) Finalmente, se a f6rmula é conhecida — o que naturalmente implica no conhecimento da massa molecular relativa —- podemos calcular o volume de uma massa conhecida de uma substancia gasosa a uma temperatura ¢ pressdo consideradas, Se: p = pressio em atmosferas T = temperatura absoluta em graus Kelvin M, = massa molecular relativa da substancia em unidades g mol-* m = peso do gés em gramas v = volume do gés em litros temos: MRT yao, ¢ onde R é a constante dos gases, 0,0823 € atm K~!-mol7!, (O gés ¢ conside- rado um gs perfeito.) R ARTHUR I. VOGEL 13 VALENCIA E NOMERO DE OXIDACAO. 0 conceito de valéncia assume papel relevanie no conhecimento da composigo dos compostos e da estrutura de suas moléculas. Observando-se a formula empirica de varias substancias, surge a quest4o:-existem leis que delimitem o nimero de dtomos que podem formar moléculas est4veis? Para melhor compreenséo, exami- nemos alguns compostos simples que contenham hidrogénio. Vejamos, por exemplo, 4cido cloridrico (HCN, Acido bromidrico (HBr), décido iodidrico (HD, agua (H,O), gés sulfidrico (HS), aménia (HN), fosfina (H,P), me- tano (H,C) e silano (H,Si). Comparando-se essas férmulas, observa-se que 1 4tomo de alguns desses elementos (como Cl, Br e I) combina-se com 1 4tomo de hidrogénio para formar um composto estével, enquanto outros se combinam com dois (O, S), trés (N, P) ou até mesmo quatro Atomos (C, Si). Esse numero, que representa uma. das caracteristicas quimicas mais impor- tantes do elemento, ¢ denominado valéncia. Assim, podemos afirmar que 9 cloro, bromo e iodo sio monovalentes; oxigénio e enxofre sio divalentes; nitrogénio e f6sforo séo trivalentes; e carbono e silfcio sfo tetravalentes. O hidrogénio € um elemento monovalente. Do exposto, obviamente, conclui-se que a valéncia de um elemento pode ser determinada a partir da combinagao de seus compostos com hidro- génio. Alguns elementos (como, por exemplo, alguns metais) nao se combi- nam em absoluto com o hidrogénio. A valéncia desses elementos somente poderd ser determinada por método indireto, examinando-se a composigéo de seus compostos formados com cloro ou oxigénio e verificando-se o namero de 4tomos de hidrogénio necess4rios 4 substituigio de tais elementos. Assim, conclui-se que, a partir das formulas do é6xido de magnésio (MgO) e do cloreto de magnésio (MgCl,), oMg 6 um metal divalente; do mesmo modo, da composigao de cloreto de aluminio (AICl,) ou do dxido de aluminio {Al,0,), torna-se bvio que o aluminio é um metal trivalente etc. Férmula Férmulss Subst, hipotética Conelusiio# a examiner anteriores MgO H,0 ,',0 = 2H Mg 24 Mg ~ 2H MgCly HCl. Cl =H Mg 2H Me é divalente AICls HCl, Cl=H AL 3H Al = 3H AlOg H,0 °,0 =2H Al; 6H AL 6 trivalente Em conclusao, podemos dizer que a valéncia de um elemento € o ntimero que expressa quantos dtomos de hidrogénio ou outros dtomos equivalentes ao hidrogénio podem combinar-se com um 4tomo do elemento em questao.? Se necessdrio, a valéncia do elemento pode ser evidenciada + Quadro do tradutor. (N. do E.) 2 er Mellor, Modern Inorganic Chemisiry, edigio revista por G. D. Parkes, Longman, 1967, pp. 99 s. QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA 13 por um algarismo romano seguindo o simbolo, como Cl (I), Br (1), N (IID, ou por um sobrescrito, como Cli, Br’, N™ etc, Alguns elementos, tais como hidrogénio, oxigénio ou os metais alca- linos, apresentam sempre a mesma valéncia em todos os seus compostos. Outros, no entanto, apresentam valéncias diversas; como, por exemplo, o cloro que pode ser mono, tri, penta ou heptavalente em seus compostos. Na realidade, esses compostos de um mesmo elemento com valéncias dife- rentes apresentam caracterfsticas fisicas e quimicas diversas. Um estudo mais profundo da composi¢Z0 dos compostos e do meca- nismo das reagdes quimicas revela que o conceito classico de valéncia, acima definido, nao explica certos fendmenos adequadamente. Assim, por exemplo, o cloro é monovalente no Acido cloridrico (HCI) ¢ no Acido hipo- cloroso (HCIO), porém as marcantes diferencas no comportamento quimico destes dois dcidos indicam que o estado do cloro nestas substancias é completamente diferente. Nés sabemos, pela teoria das ligagdes quimicas,1 que, na formagao do Acido cloridrico, o 4tomo de cloro recebe um elétron, adquirindo assim uma carga negativa. Por outro lado, quando da formacao de Acido hipocloroso, o dtomo de cloro libera um elétron, tornando-se assim uma particula com uma carga positiva. Como se sabe, o recebimento ou liberago de elétrons corresponde a uma reduc&o ou a uma oxidacdo (cf. Segio 1.35); por conseguinte, podemos dizer que ainda que o cloro seja monovalente naqueles 4cidos, seu estado de oxidacfo é diferente. Torna-se importante definir 0 conceito de mimero de oxidacdo e passar a usé-lo em substituigéo ao de valéncia. O ntimero de oxidag&o € idéntico & valéncia, porém, com um sinal que expressa a natureza de carga da particula em questéo, quando formada a partir do dtomo neutro. Assim, 0 nimero de oxidagao do cloro no dcido clorfdrico € —1, enquanto no dcido hipocloroso é +1. De modo semelhante, podemos dizer que o ntimero de oxidacio do cloro no acido cloroso (HCIO,) € +3, no acido clérico (HCIO,) é +5 e no Acido perclérico (HCIO,) € +7. O conceito de ntimero de oxidacado seré amplamente utilizado neste texto. 1.4 FORMULAS ESTRUTURAIS. A partir do conceito de valéncia, podemos expressar a composic¢éo dos compostos através das férmulas es- truturais. Cada valéncia de um elemento pode ser considerada como um brago ou gancho através dos quais as ligacdes quimicas sao formadas. Cada yaléncia pode ser representada por um tracgo simples, que se destaca do simbolo do elemento: H— Cl O= Cc As férmulas estruturais dos compostos podem ser expressas por meio de tragos entre os 4tomos: ? 1. Cf, Mellor, op. cit, pp. 155 s. 2. Nao ha restriggo quanto A direcko destes tracos (w ndo ser nos casos de diferenciacéo entre isdmeros estereoquimicos). Nem, tampouco, ha testric6es nas distancias entre os dtomos. As férmulas estruturais devem, portanto, ser encaradas somente como uma aproximacio A estrutura real, Uma representagio tridimensional com direcdes reais e distancias proporcionais pode adequadamente ser feita por meio de um kit de modelo molecular. 4. ARTHUR I. VOGEL ° 4 H-Cl H—-O—H c i i, N HCH YN | H H H As f6rmulas estruturais s6 serao usadas neste texto quando necessdrio, prin- cipalmente quando se tratar de reagentes orginicos. Nao nos aprofunda- remos no estudo das férmulas estruturais; os iniciantes deverao consultar obras especificas.! Devemos apenas lembrar que o hex4gono simples O (SO = O} representa o anel do benzeno. O benzeno (C,H,) pode, assim, ser repre- sentado pela férmula simplificada do anel, na qual as ligacdes duplas e simples s&o alternadas (também chamadas ligacdes conjugadas): H- —H Todos os compostos aromaticos contém o anel do benzeno, L5 EQUACOES QUIMICAS. As relagdes qualitativas ¢ quantitativas, envolvidas numa reaco quimica, podem ser expressas com maior preciséo pelas equacdes quimicas. Estas equagdes representam as formulas das subs- tancias zeagentes no primeiro termo da equagio ¢ as formulas dos produtos da reagio no segundo termo. Ao escrever uma equac&o quimica, devemos levar em consideragao: a) Devido ao fato de as férmulas dos reagentes ficarem no primeiro termo e as férmulas dos produtos obtidos, no segundo, os dois termos da equacto geralmente néo podem ser trocados (observe-se que uma equagio quimica nfo é equivalente a uma equago matemitica). No caso de reagdes de equilibrio, ? onde a reacao pode processar-se em ambas as direcSes, deve- se colocar entre os dois termos uma dupla seta (@) ao invés de um sinal de igualdade (=) ow uma simples seta (=). b) As férmulas individuais, usadas nas reagdes quimicas, devem ser escritas corretamente. ¢) Se um ntimero maior de moléculas (4tomos ou fons) de uma mes- ma substancia estéo envolvidas na reacao, um mimero estequiométrico apro- 1. Cf. Mellor, Modern Inorganic Chemistry, edigdo revista por G. D. Parkes, Longman, 1967, p. 155. 2. Teoricamente falando, todas as reagdes tendem para o equilibrio. Este, no entanto, pode ser completamente deslocado em diregko da formagio dos produtos. QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA 15 priado deve ser escrito antes da f6rmula. Este numero é um fator de multi- plicag&o que se aplica a todos os 4tomos da férmula, Assim, por exemplo, 2Ca,(PO,), significa que temos na equagiio 6 4tomos de calcio, + de fésforo e 16 de oxigénio. d) Uma equacio quimica deve ser escrita de tal modo que satisfaga a lei da conservagao da matéria, a qual € de fundamental importancia nas reagdes quimicas. [sso quer dizer que as equagSes devem ser balanceadas estequiometricamente, a fim de igualar 0 ntimero de dtomos individuais em ambos os termos da equacao. e) Se particulas carregadas (ions ou elétrons) estdo envolvidas numa reagHo, estas cargas devem ser indicadas nitidamente (Fe*~ ou Fet**) ¢ devem ser balanceadas corretamente. O somatério das cargas no 1.° termo deve ser igual ao somatério do 2.° termo. O eléiron, sendo uma particula carregada, ser denotado neste texto por e~. Como exemplo, expressemos a equagdo da reagio entre o hidréxido de calcio e 0 Acido fosférico. Sabendo-se que os produtos dessa reagdo sfo o fosfato de cilcio ¢ 4gua, podemos escrever, inicialmente, as formulas das substancias envol- vidas, numa equagao quimica ainda incompleta: Ca(OH), +H,PO, > Ca,(PO,),+H,O (incompleta) (Observe que os termos da equacao nfo podem ser trocados, porque a reacio nfo se processa na direcdo inversa.) Agora, tentaremos balancear a equacfo, aplicando os indices estequioméiricos: : 3Ca(OH); +2H;PO, = Ca;(PO,); +6H20 E aconselhvel conferir a equagio, verificando se o nimero de dtomos individuais € 0 mesmo nos dois termos da equagao. Fazendo a verificacgio, constatamos que em ambos os termos da equacio encontramos: 3 dtomos de calcio, 2 de fésforo, 12 de hidrogénio e 14 de oxigénio. E interessante assinalar o estado fisico dos participantes da reagao. Costuma-se utilizar as letras s, 1 e g, respectivamente, para sélidos, liquidos ¢ gases, enquanto o simbolo aq ¢ usado para solugdes aquosas, Tais simbolos so colocados entre parénteses apdés as férmulas, por exemplo, AgCl(s), H,00), CO,(g). O simbolo aq acompanha a forma, sem par€nteses; por exemplo, H,PO,aq. O uso sistemdtico dessas notagdes somente é impor- tante em termodinamica quando se estuda a energética das reagdes. No presente texto, somente sero usadas em alguns casos. A formagio de um precipitado ser denotada por uma seta no sentido descendente } (indi- cando que o precipitado decanta-se no fundo da solugao), enquanto a libe- racio de gases seré denotada por uma seta no sentido ascendente t. Caso néo sejam especificadas, as reagdes se processario em solugSes aquosas dilufdas. Observando-se as consideragdes apresentadas na Segdo 1.2, as massas telativas, os balangos de massa e os volumes (somente de substincias gaso- sas) podem ser calculades com.o auxilio das equagées quimicas. Tais edleulos so inerentes a todos os tipos de anélise quantitativa baseados em reagdes quimicas. 16 ARTHUR I. VOGEL B. SOLUGOES AQUOSAS DE SUBSTANCIAS INORGANICAS L6 ELETROLITOS E NAO-ELETROLITOS. A andélise quantitativa inorganica baseia-se principalmente na observagéo de reagdes quimicas conduzidas em solugdes aquosas, Raramente sfo usados outros solventes, 4 nfo ser para processes e testes especiais. E, pois, importante ter um co- nhecimento geral das caracteristicas das solugées aquosas de substéncias inorganicas. A solugio € um produto homogéneo obtido quando se dissolve uma substancia (denominada soluto) num solvente (4gua). As substancias podem ser classificadas em dois importantes grupos de acordo com seu comporte- mento quando se passa uma corrente elétrica através de suas solugdes. No primeiro grupo enquadram-se as que conduzem a corrente elétrica; entéo, as solugdes sofrem alteragdes quimicas. O segundo grupo é composto de materiais que, quando dissolvidos em Agua, ndo conduzem a corrente elé- trica e permanecem sem modificages. As primeiras sio denominadas ele- trolitos e nelas esto inclufdas, com poucas excegdes, todas as substancias inorganicas (tais como: dcidos, bases e sais}; as segundas s&o ditas ndo- -eletrélitos e sfo exemplificadas por materiais organicos, tais como: cana- -de-aguicar, manose, glicose, glicerina, etanol e uréia. Deve-se registrar que uma substincia que se comporte como um eletrélito em Agua, por exemplo cloreto de sédio, pode n@o formar uma solucio condutora em outro solvente, como o éter ou hexano. No estado de fusdo, a maioria dos eletrélitos condu- zir a eletricidade. 17 ELETROLISE, NATUREZA DA CONDUTANCIA ELETROLITI- CA, [ONS. A dgua quimicamente pura ndo conduz eletricidade; se, no entanto, como jé foi estabelecido, nela dissolvermos 4cidos, bases ou sais, a solucao resultante nao s6 conduziré a corrente elétrica, como também coarrerdo transformagGes quimicas. O processo completo denomina-se ele- trélise. Os fenédmenos que ocorrem durante a eletrélise podem ser estudados na célula eletrolitica (Fig. 1.1). A solugo eletrolitica € colocada em um recipiente, no qual sio imersos dois condutores (metais) chamados elétrodos. Liga-se uma bateria (ou qualquer outra fonte de c.c.) aos elétrodos, estabe- Jecendo-se assim uma diferenca de potencial. © elétrodo com carga negativa na célula eletrolitica € denominado cétodo, enquanto o carregado positi- vamente é chamado 4nodo.* As reagSes quimicas que ocorrem durante “a eletrdlise podem ser observadas nas proximidades dos elétrodos. Em muitos casos, esta reagio & uma simples decomposig&o. Se, por exemplo, uma solugio dilufda de écido cloridrico for eletrolisada (usando elétrodos de platina), o gas hidro- 1. Devemos enfatizar que, somente nas células eletroliticas, os termos cAtodo ¢ Anodo correspondem aos elétrodos negativos ¢ positives, respectivamente. De acordo com a nomenclatura de Faraday, cétodo ¢ 0 elétrodo onde os catfons perdem suas cargas, enquanto os anions perdem as suas no Anodo. Conseqiientemente, numa bateria (como a pitha de Daniell), 0 anodo € 0 elétrodo negative ¢ 0 chtodo & 0 positive, QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA 17 Fonte da corrente ybateria) Hh Anodo, Cftodo + = Fight génio desprende-se no catodo e 0 cloro no anodo; a concentragéo do acido cloridrico na solugéo diminui. E facil demonstrar que numa célula eletrolitica sempre ocorre trans- porte de material, durante a eletrdlise. Se, por exemplo, misturarmos em partes iguais uma solugdo de sulfato de cobre (azul) e uma solugao de dicromato de potassio (Jazanja), em concentragdes eqiimoleculares, obte- remos uma solugio de cor marrom. Colocamos esta solugSo misturada numa eélula eletrofitica em forma de um tubo ém U e a recobrimos, nos dois bragos, com uma camada incolor de écido sulfdrico diluido (Fig. 1.2). Pt HsSO, Laranja (Crz03-) Marrom (CuSO +KzCr20,) Fig. 1.2 Iniciando a eletidlise, a solugao, até entfo incolor, vai formando a coloracéo azul nas proximidades do cdtodo e laranja junto ao anodo. Como a colo- rago azul indica a presenga do cobre ¢ a laranja assinala a do dicromato, 18 : ARTHUR I. VOGEL podemos afirmar que, durante a eletrdlise, o cobre deslocou-se em diregio ao cétodo e o dicromato em diregfo ao anodo. Essa movimentacéo de fons € caracteristica exclusiva da eletrdlise; 6 Sbvio que estas particulas que se movem em diregdo a seus elétrodos devem estar eletricamente carregadas e esta carga deve ser oposta a dos elétrodos aos quais se dirigem, A migracéo de tais particulas é resultante de uma forga de atrago eletrostética que & gerada ao ligar-se a corrente. Assim, as particulas de hidrogénio ou cobre, que se movem em direg&o ao cétodo, devem estar carregadas positivamente, enquanto as de cloro e dicromato devem estar carregadas negativamente, Faraday denominou fons essas parti- culas eletricamente cartegadas, sendo cations os positives e anions os nega- tivos. As soluces de eletrdlitos de modo geral nao contém moléculas neutras dispersas entre as moléculas do solvente, como é 0 caso das solugdes néo- -eletrélitas; elas so compostas por fons. Os cations e¢ anions num eletrélito se equivalem e estio uniformemente dispersos na solugao entre as moléculas do solvente; dai decorre que, sempre que retirarmos uma amostza da solugao, ela se nos apresenta eletrostaticamente neutra. 18 PROPRIEDADES DAS SOLUCOES AQUOSAS. Determinou-se ex- perimentalmente que quantidades eqiiimoleculares de néo-eletrélitas, dissol- vidos num mesmo peso de solvente, atingiréo pressSes osméticas idénticas é tém © mesmo efeito sobre a diminuig&o da press&o de vapor, a diminuigdo do ponto de congelamento e a elevacéo do ponto de ebulicdo. Usando-se 4gua como solvente, | molécula de um néo-cletrélito quando ‘dissolvido em 1000 g de Agua, por exemplo, diminui seu ponto de congelamento em aproximadamente 1,86°C e¢ eleva seu ponto de ebulic&o em torno de 0,52°C. Dessa maneira, 6 possivel determinar experimentalmente a massa molecular telativa de substancias soliiveis ndo-eletrélitas. Quando um néo-eletrélito é dissolvido em dgua, suas moléculas se apresentam como particulas indivi- duais em solugdo. Conseqiientemente, podemos afirmar que numeros iguais de particulas, presentes em quantidades iguais de solucdo, apresentario a mesma pressdo osmética, idéntica diminuicdio da presséo de vapor, dimi- nuigfo do ponto de congelamento, ou elevagéo do ponio de ebulicso. Portanto, quantificando esses valores, pode-se determinar o németo de particulas presentes na solugao. Quando sclugdes de eleirdlitos sto submetidas 20 mesmo tratamento, obtém-se resultados anormais. Assim, quando empregamos o cloreto de sddio ow © sulfato de magnésio, os resultados encontrados para a dimi- nuicio do ponto de congelamento e elevagio do ponto de ebulic&o séio aproximadamente o dobro do que os calculados a partir de sua massa molecular relativa; empregando-se o cloreto de célcio ou o sulfaio de sédio, encontrou-se o triplo daquilo que se esperava. Considerando-se o exposto acima, podemos afirmar que’o ntimero de particulas de cloreto de sédio ou sulfato de magnésio em solucdo € 0 dobro do numero de moléculas pre- sentes, enquanto, no caso do cloreto de calcio ou sulfato de sédio, ha 3 particulas presentes para cada moléewla. L9 TEORIA DA DISSOCIACAO ELETROLITICA. Nas Sécdes L7 ¢ 1.8, descrevemos dois fatos experimentais, aparentemente independentes: a QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA aS corrente elétrica € conduzida pela migracéo de particulas carregadas em solugZo de eletrélitos, e, em solugdes de eletrélitos, o ntimero de parti- culas ¢ 2, 3 ou mais vezes maior que o numero de moléculas dissolvidas. Arrhenius desenvolveu uma teoria para explicar esses fendmenos (1887). De acordo com sua teoria, as moléculas dos eletrdlitos, quando dissolvidas em 4gua, se dissociam em dtomos ou agrupamentos de dtomos carregados que, na realidade, sao os fons que conduzem a corrente elétrica por migra- cdo. Esta dissociagéo é um processo reversivel; o grau de dissociagao varia de acordo com o grau de diluig&o. Quando atingimos diluigdes muito gran- a dissociagao dos eletrdlitos é praticamente completa. A dissociag&o eletrolitica (ionizagéo) de compostos pode ser represen- tada pelas equagdes de reago: NaCl # Na* +Cl- MgSO, @ Mg?* +SO3- CaCl, @ Ca?+ +2C1- Na,SO, @ 2Na* +SO27 Os fons transportam cargas positivas ou negativas, Visto que uma solugao é eletricamente neutra, o ntimero total de cargas positivas na solucao deve ser igual ao ntimero total de cargas negativas. O ntimero de cargas transpor- tadas por um fon é igual valéncia do 4tomo ou do radical. A explicacdo para os resultados irregulares obtidos na medicao. do abaixamento do ponto de congelamento ou clevagao do ponto de ebulig&o esté inteiramente de acordo com as bases da teoria da dissociago eletro- litica, No caso do cloreto de sddio e sulfato de magnésio, os valores medidos so 0 dobro daqueles calculados a partir da massa molecular relativa, por- que estas substancias, quando dissociadas, liberam 2 fons por molécula. Do mesmo modo, o abaixamento do ponto de congelamento ou elevacio do ponto de ebulicaio do cloreto de calcio ou sulfato de sédio é 0 triplo do de uma solugio eqiiimolecular de um nao-eletrélito, porque estas substAncias, quando dissociadas, liberam 3 fons por molécula. O fendmeno da eletrélise é também explicado simplesmente pela teoria da dissociagao eletrolitica. A condutancia de solugées eletroliticas € devida a presenca de fons (particulas carregadas) na soluc&o, os quais, ligados a corrente, iniciam sua migragao por suas forgas eletrostéticas em diregéio ao elétrodo de carga oposta. No caso do Acido cloridrico, temos fons hidro- génio e cloreto na solugdo: HCl 2 H*+Cl- e € 6bvio que os ions hidrogénio migrarao para o cétodo, enquanto os fons cloreto se deslocarao para o anodo. Na solug&o anteriormente mencionada contendo sulfato de cobre ¢ dicromato de potéssio, temos fons azuis devido ao cobre (II), laranjas, provenientes do dicromato, além dos fons incolores potdssio e sulfato: CuSO, 2 Cu?* +S02- K,Cr,0, @ 2K* +Cr,037 0 ARTHUR I. VOGEL e é por isso que os ions cobre (juntamente com os ions potissio) se dirigem ao cétodo negativamente carregado, enquanto os ions dicromaio (como tam- bém os ions sulfato) encaminham-se ao dnodo, carregado positivamente. As reagdes que ocorrem nos elétrodos, durante a eleirélise, podem também ser facilmente explicadas com base na teoria da dissociagéo eletrolitica. Retornando ao exemplo da eletrdélise do Acido cloridrico, onde, como foi dito anteriormente, os fons hidrogénio migram para o cétodo e os ions cloreto vao para o 4nodo, temos a seguinte seqiiéncia para o processo: os ions hidrogénio, quando’ atingem o cétodo, recebem um elétron e assumem a forma neutra do A4tomo de hidrogénio: Hi+e 3H Os dtomos de hidrogénio se retinem em pares, formando as moléculas, que se desprendem em forma de gas: 2H ~ Hag) No Anodo, os fons cloreto liberam os elétrons, formando os atomos de cloro: Cr + Cl+e™ que se agrupam formando moléculas: 2c ClL(g) sendo liberados sob a forma de gds cloro. Os elétrons sao aceitos pelo anodo, sendo transportados pelo circuito elétrico ao cdtodo, onde passam a ser captados pelos fons hidrogénio. O fendmeno da eleirélise néo é sempre tao simples como foi apre- sentado no caso do dcido cloridrico, mas é uma realidade que elétrons sao captados pelos tons no cdtodo ¢ elétrons séo liberados pelos tons no énodo. Nao é necessariamente o cation ou o anion da substancia dissolvida que reage com os elétrodos, embora estes fons transportem a corrente elétrica, por migragao. Numa solug&o aquosa, quantidades extremamente reduzidas de fons hidrogénio e hidroxila estfo sempre presentes, devido & ligeira dissociacio da agua (cf. Segdes L18 ¢ 1.24), H,O @ H*+OH™ Os ions da substancia dissolvida, bem como ions hidrogénio e hidro- xila, competem pela descarga nos elétrodos, obtendo sucesso aquele fon que necessitar da menor energia para a descarga. Empregando terminologia eletroquimica, dirfamos que, em determinadas circunstancias, 0 fon que requerer um menor potencial eletrolitico negativo serd o primeiro a ser descarregado no cétodo, enquanto o que necessitar do menor potencial posi- tivo sera liberado no 4nodo. A liberacao de ions hidroxila no dnodo ocasiona a formacio do gas oxigénio: 40H” > 4e~ + 2H,0+0,(g) A concorréncia de varios fons nos elétrodos para liberagao de elétrons pode conduzir a varias combinacdes; se, por exemple, fizermos a eletrélise do sulfato de sédio {com elétrodos de platina), nao haverd liberag#o de fons sédio, nem fons sulfato (Na,SO, = 2Nat + SO%-), mas, sim, QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA 21 de fons hidrogénio e hidroxila; em conseqiiéncia, a eleirdlise liberard g4s hidrogénio do cétodo e oxigénio no 4nodo. Como os fons hidro- génio sfo removides das imediagdes do cétodo, a concentracio dos fons hidroxila ultrapassardé a concentragao de ions hidrogénio, tornando alcalina essa drea da solugéo. O oposto ocorre em torno do 4nodo, onde haverd predominio de fons hidrogénio, tornando 4cida essa area da solucdo. Se, apés a eletrélise, se misturar a solugdo, ela ficard neutra novamente. Na eletrdlise do cloreto de sddio (NaCl=Na* + Cl-), em condigdes seme- Ihantes, os ions hidrogénio e cloreto sdo liberados sob forma gasosa no cétodo @ no &nodo, respectivamente. O sédio e os fons hidroxila perma- necem e tornam a solugéo alcalina. Finalmente, se o sulfato de cobre (CuSO,=Cu?+ + SO3-) for submetido a eletrélise sob as mesmas condi- gdes, os fons cobre e hidroxila serao liberados, ficando o c4todo revestido por um filme de cobre metélico, enquanto o oxigénio é liberado no anodo. Qs fons hidrogénio ¢ sulfato permanecem na solug&o, tornando-a dcida. Nos capitulos a seguir, veremos que a aceitagio de elétrons sempre significa redugio, enquanto a liberagio de elétrons indica oxidacio. Resu- midamente, podemos afirmar que durante a eletrdlise @ redugdo ocorre no cdtodo, enquanto a oxidagao é realizada no anodo. Esta regra € valida para qualquer processo eletroquimico, sendo verdadeira, por exemplo, para a operacao de células eletromotoras (baterias}. 110 GRAU DE DISSOCIACAO. ELETROLITOS FORTES E FRACOS. Quando estudamos a tcoria da dissociagao eletrolitica, foi estabelecido que é um processo reversivel e que suas limitagdes variam de acordo com a concentracdo (e também com outras propriedades fisicas, como a tempe- tatura). O grau de dissociagéo (a) € igual & frago das moléculas que estéo efetivamente dissociadas. q = Bémero de moléculas dissociadas numero total de moléculas O valor de @ pode variar de O a 1. Se a = 0, nao ha dissociacao, e se « = 1, a dissociacao sera total. O grau de dissociagao pode ser determinado por vérios métodos expe- rimentais, As técnicas criosc6pica e ebulioscépica baseiam-se, respectivamente, no abaixamento do ponto de congelamento e¢ na elevacaio do ponto de ebuligéo. Como mencionado anteriormente, foram determinados valores experimentais mais elevados que os tedricos. A relacZo entre eles A (obs.) A (te6r.) esté intimamente ligada ao namero de particulas presentes na solugio. O fator i (chamado coeficiente de van’t Hoff) indica o niméro médio de parti- culas formadas, por uma molécula; sendo este um nitmero médio, i nfo € um ntimero inteiro. E sempre maior que a unidade. Esse nimero pode facil- mente ser associado ao grau de dissociag&ic. Consideremos um eletrélito que quando dissociedo origina n fons por molécula, Se dissolvermos 1 molécula 22 ARTHUR I. VOGEL desse eletrolito, e seu grau de dissociacao for a, poderemos calcular o ntimero total de particulas (fons mais moléculas nao dissociadas) do seguinte modo: 0 ntimero de fons (por molécula) serd na, enquanto o nimero de moléculas nao dissociadas sera 1 — x. O somatério desses termos é i, 0 coeficiente de van't Hoff: i= nat+l—a = 14+(n—I1)x em decorréncia do qual podemos expressar o grau de dissociagao: Determinando-se i, a partir de dados experimentais, pode-se calcular facilmente a. Um método importante na determinag&o do grau de dissociagao € ba- seado na medida da condutividade do eletrélito (método da condutividade). Este método esta associado ao fato de que a corrente elétrica é transportada pelos ions em solucao; seu numero relativo, que esté intimamente ligado ao grau de dissociagao, determinard a condutividade da solugao. A condutivi- dade € um valor dependente, porque n&o pode ser determinada diretamente. Para determinar a condutividade, devemos medir a resisténcia especifica (resistividade) da solucao. Isto pode ser feito, colocando-se a solucio numa célula cibica, de 1 cm de lado, na qual duas faces paralelas atuam como condutores (platina).' Essa célula € entéo conectada, constituindo a resis- téncia desconhecida numa ponte de Wheatstone, alimentada por uma cor- rente altérnada de baixa voltagem e perfeitamente simétrica (senoidal). A corrente continua poderia causar mudangas na concentragéo devida & eletré- lise. A resisténcia especffica, p, 6 expressa em unidades Q cm. A reciproca da resisténcia especifica é a condutancia especifica ou condutividade, x, e 6 expressa em unidades 27! cm™!. No caso das solugées eletroliticas € comum definir uma grandeza chamada condutividade molar, A, que é a condutancia de uma solug&o que contém uma molécula de soluto entre dois elétrodos, de tamanho indefinido, com 1 cm de separagado. A condutancia especifica e a condutividade molar estao, assim, relacionadas: Aan =* ¢ onde: Vv € o volume da solug&o em cm (ml), contendo 1 molécula do soluto. c = €aconcentracéo em mol cm™?. A condutividade molar é expressa em cm? Q-! mol-1. Kohlrausch descobriu, no século passado, que a condutividade molar das solugdes aquosas de eletrdlitos aumenta com a diluig&o, atingindo um valor limite em diluigdes muito grandes. O aumento da condutividade molar, 1. Nao é, de fato, indispensdvel usar essa célula especifica para tais medidas: qualquer célula com dimensdes constantes pode ser utilizada, desde que tenha sido determinada sua “constante celular” calibrada, usando um eletrélito (por exemplo, solucio de cloreto de potdssio), com resisténcia espectfica conhecida. QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA 23 em concordancia com a teoria de Arrhenius, provém do aumento do grau de dissociag&o, sendo que o valor limite corresponde & dissociagéo completa. Este valor limite da condutividade molar é denotado por A, (também se usa Aj)» enquanto seu valor a uma concentragéo ¢ é denotado por A,. O grau de dissociagio pode ser expresso como a relagio entre essas duas condu- tividades molares: AL a= No para uma determinada concentragéo (c) do eletrélito. A variagio da condutividade molar em relagdo & concentragdo, para varios eletrélitos, é relacionada na Tabela I.1. Devido & variagéo da condu- tancia em fungéo'da temperatura (temperaturas mais altas correspondem a condutancias mais altas), deve-se sempre indicar a temperatura na qual foram Tabela 1.1 Condutividades molares de cletrélites a 25°C em unidades cm? Q-* mol-1 Concentragio Eletrdlito ‘mol £-! kal Natt HCl NaOH KOH CH,COONa CH,COOH —OeAy) 1501 126242357 26092839913 388,6 10,0001 M920 12530 — — = - = 0,002 _- —_ _ _ _ - 104,0 0.0005 483 1243 422,226,270] 89.4 64,5 0.001 1445 (123542161 244.7 2682 88,7 43,7 0,002 1465 122.2 419,2 242.5 266,2 87,7 38,2 0,008 1442 «119,84149 2388 SRS. ng 0.01 1416 N78 410523452589 83,7 162 medidas as condutancias. Os valores indicados na Tabela I. foram medidos a 25°C, Podese obsetvar que enquanto a variaggo da condutividade molar da maioria das solugdes em fung%o de suas concentragées é minima, no caso do dcido acético hé uma grande variagao. A diferenca de comportamento pode ser melhor observada na Fig. L3, onde as condutividades molares so 1, 300 = HCI (4cido forte) a CH,COOH (écido = fraco) =” KOH (base forte) NH,OH (base fraca) 200) KCI (sat) 100) wo 0 0? 1? We? 1 Wh We WO? Wt e/mol 1" Fig. 1.3 24 ARTHUR I. VOGEL plotadas em fungéo da concentragao, usando-se, para melhor percep¢fo, uma escala logarftmica para esta ultima. As cinco substancias consideradas per- tencem a cinco grupos diferentes de composios inorganicos, sendo que dentro de cada grupo hé uma pequena variacdo, por exemplo, a curva do dcido nitrico esta muito préxima quela do Acido cloridrico. Mas, se verificarmos as curvas em termos de grau de dissociagdo, observatemos que somente exis- tem dois grupos com comportamentos diferentes. O primeiro grupo formado por dcidos fortes, bases fortes e sais (incluindo os derivados de Acidos fracos e bases fracas) € 0 grupo dos eletrdlitos fortes; estes se dissociam quase completamente, mesmo em diluigdes relativamente pequenas — solugdes 0,01M, sendo que diluig6es posteriores produzem apenas pequenas variagdes nos graus de dissociagio. O segundo grupo, dos eletrdlitos fracos (acidos ¢ bases fracas), somente comega a se dissociar em concentragées muito baixas e, nesta faixa de concentragao, apresenta uma variacdo considerdvel em seu grau de dissociagao. Os dois métodos, 0 crioscépico e 0 ebulioscépico de um lado e 0 da con- dutividade de outro, apresentam valores significativamente semelhantes no grau de dissociagdo, a despeito dos princ{pios muito diferentes que envolvem estes dois métodos de medig&o, A Tabela 1,2 apresenta alguns resultados representativos. Observe-se que a concordancia é particulaymente boa para solugSes diluidas de eletrdlitos binarios (KCl). Quanto mais concentradas forem as solugdes, maiores serao as diferencas. A Tabela 1.3 apresenta o grau de dissociagéo de varios eletrdlitos a uma concentragio 0,1m. A partir Tabela 1.2 Grau de dissocingia de cletrdlitos, caleutadas a partir de medigdes do ponto de congelamento e da condutividade “a fi artir do ° Substancia Concenteusio partir do ax particda N°de.ions congelamento. condutividade 1 molécula, n Kal 001 0.946 0983 2 002 0915 0.924 0.05 0.890 891 010 0.862 0,864 Bach, 0,001 0,949 0.959 3 O01 0.903, 0,886 0,10 0,798 0,754 K 80, 0,901 0.939 0.957 3 09) 0.887 0.873, 0.10 0748 ‘O76 Ks[Fe(CN)¢] 0,001 0,946 0930 4 601 0,865 6822 0,10 O715 desses valores, conclui-se facilmente que a substaéncia considerada pode ser um eletrélito forte ou fraco. 1.11 MIGRACAO INDEPENDENTE DE f0NS. CALCULO DAS CON- DUTIVIDADES A PARTIR DAS MOBILIDADES IONICAS. Para eletré- QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA 25 Tabela 1.3 Grau de dissociago eletrolitica om solucSes squosas 0,1 Acidos Cloridrice (H+, CI-) 092 Nitrico (H+, NO3) 0,92 Sulftrico (H+, HSO7) 0,61 Fosférico (H+, H,POT) 0,28 Fluoridrico (H+, F-} 0,085 Acético (H+, CHy.COO~) 0,013 Carbénico (H+, HCOT) 0.0017 Sulfidrico (H+, HS—) 0,0007 Cianidrico (H+, CN~) 0,0001 Bérico (H+, HBO) 0,0001 Sais Potéssio, Cloreto (K+, Cl) 0,86 Sédio, Cloreto (Na+, Cl-) 0,86 Potéssio, Nitrate (K+, Clr) 082. Prata, Nitrato (Ag+, NO,) 0,82 Sédio, Acetato (Na+, CH,.COO-}) 0,80 Bério, Cloreto (Ba®+, 2Cl-) 0,75 Potissio, Sulfato (2K+, SO%-) 073 Sédio, Carbonato (2Na+, CO3}-) 0,70 Zinco, Sulfate (Zn?+, SO?) 0,40 Cobre, Sulfato (Cutt, SO) 0,39 Mercério, Cloreto (Hg*+, 2CI-) <0,01 Mereirio, Cianeto (Hgtt, 2CN-) infimo Bases Sédio, Hidréxido (Nat, OH-) 093 Potéssio, Hidréxido (K+, OH-) 0,91 Béario, Hidréxido (Batt, 20H-) O81 Aménia (NHt, OH-) 0,013 litos fortes, o limite da condutividade molar, Ag, pode ser determinado, esten- dendo-se as determinagdes para os niveis de baixa concentracdo ¢, entéo, extrapolando o gréfico da condutividade até atingir a concentragdo zero, Para eletrélitos fracos, tais como dcido acético e aménia, esse método nao pode ser empregado, visto que a dissociac’o est# longe de ser completa a baixas concentragdes, nas quais podem ser feitas as medigdes necessérias com preciso (~ 10~1m). B, no entanio, possivel calcular tais limites de condutancia através da lei de migracado independente de fons. 26 ARTHUR I. VOGEL Apés prolongados e cuidadosos estudos da condutancia de solugdes de sais a baixas concentragdes, Kohlrausch verificou que a diferenga de condu- tividades molares entre pares de sais, com anions semelhantes e sempre os mesmos dois cations, € constante e independente da natureza do anfon. Veri- ficou, por exemplo, que as diferengas entre as condutividades molares limi- tantes (medidas em cm? 71 mol~! a 18°C) séo quase aproximadamente Ag(KCI)—A,(NaCl) = 130,1- 109,0 = 21,1 Ag(KNO3)—Ag(NaNO,) = 126,3—105,3 = 21,0 iguais. Desses resultados, ¢ de outros semelhantes, Kohlrausch concluiu que a condutividade molar de um eletrélito é o somatério das condutividades dos fons componentes. Matematicamente, isso pode ser expresso como: Ag = ab +45 onde Ag ¢ Ag so as condutividades molares limitantes ou mobilidades do cation e do anion, respectivamente. As mobilidades iénicas so calculadas a partir dos valores A,, com auxilio dos mumeros de transferéncia, Estes ex- pressam a corrente transportada pelo cation ¢ anion, respectivamente, ¢ podem ser determinados em caréter experimental pela diferenga na concen- tracdo dos eletrélitos entre.o grosso da solugan e as areas vizinhas ao cétodo e ao 4nodo.* Assim, por exemplo, o ntimero de transferéncia do fon cloreto numa solugio de cloreto de potdssio foi determinado como 0,503, enquanto o do potdssio € 0,497 (a soma destes mimeros de transferéncia para um determinado eletrélito é, por definigaio, igual a 1), O valor limite da condu- tividade molar da solugao de cloreto de potdssio (a 18°C) é 130,1 cm? Q7-1 mol!. Assim, a mobilidade do ion potdssio é: AS(K*) = 0,497 x 130,1 = 64,6 cm? Q7' mot! e a do ion cloreto ¢: AS (CI-) = 0,503 x 130,1 = 65,5 cm? O-! molm? Um ndmero selecionado de mobilidades iénicas a 18°C ¢ 25°C € apresentado na Tabela £4. Esta é utilizada para calcular as condutividades molares limi- Tabela 1.4 Mobilidades idnicas limitantes a 18°C ¢ 25°C expressas em cm*™ ©-1 mol—* 18°¢ 25°C at 3170 OH 1740 Ht 3480 = OH™ 210.8 Nat as or 65,5 Nat 498 Cr 76,4 Kt 64,6 = NOZ O18 Kt 134 105 42,0 Agt 34400 Be 61,7 Agt . 619 CH,COO" 40,6 172 Ca?" 52200 IT 66,1 1/2 Sc S17 468 12 Bat* 580 = CIOS $50 1/2 Pb?* 616 10; 34,0 172 Cd2* 46,5 CH3COO™ 32.5 1f2 Zn? 46,0 172 SO}- 68,3 12. Cu? 43,9 1/2 (COO) 615 1, Para maiores detathes sobre nimeros de transteréncia, consulte livros de fisico- -quimica. (Cf. Moore, W. J. Physical Chemistry, 4. ed., Longman, 1966, pp. 333 s.) QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA a7 tanies para qualquer eletrélito formado pelos fons relacionados. Assim, para © &cido acético a 25°C temos: Ao(CH3COOH) = 45(H*)+45(CH3COO7) 48,0+ 40,6 = 388,6 cm? 7! mol”! O grau de dissociagdo pode ser calculado a partir da expresso: a= Ao onde A, é a condutividade molar na concentragao c, o que pode ser deter- minado experimentalmente. 112 TEORIA MODERNA DOS ELETROLITOS FORTES. A teoria da dissociaco eletrolitica pode ser empregada para explicar uma grande parte dos fenémenos importantes da andlise qualitativa inorganica. A teoria, como desenvolvida por Arrhenius, pode ser aplicada sem grandes desvios no que conceme aos eletr6litos fracos, mas & medida que novas evidéncias surgiram — principalmente a respeito da estrutura da matéria no estado sdlido — ela foi-se tornando cada vez menos adequada para os eletrétitos fortes. Tornou-se claro que as stibstancias classificadas como eletrdlitos fortes so constitufdas por fons no estado sélido (cristalino), Num cristal de cloreto de sédio, por exemplo, néo existem moléculas de cloreto de sdédio (estas moléculas s6 existem no cloreto de sédio em estado de vapor). O cristal é formado por fons cloro e sédio distribufdos numa rede cdbica, de tal forma que um fon de sédio & sempre cercado por seis fons de cloro e vice-versa (cf. Fig. 14,a). Como os fons j4 esto presentes em estado sdlido, seria incorreto sugerir que na dissolugao ocorre a dissociagio das moléculas em fons. A dissolugao de um cristal idnico em agua € um processo fisico. Esta provado que, numa molécula de 4gua, os dois atomos de hidro- genio e o de oxigénio formam um arranjo triangular, com uma distincia de 0,0958 nm entre os centros dos dtomos de hidrogénio e oxigénio e um Angulo de 106° entre as diregdes seguidas pelos d4tomos de hidrogénio (cf. Fig. 1.4,b). Em fungao dessa disposicao, o setor da molécula de agua, con- tendo os dtomos de hidrogénio, torna-se eletrostaticamente positive em opo- sigdo a0 setor onde se localiza o oxigénio que fica negativo. Assim, a molécula de Agua adquire a caracteristica de um dipolo. Se um cristal iénico for colocado na agua, esses dipolos se organizaréo de uma maneita orientada ém torno dos fons da camada externa da rede, Forgas eletrostéticas tenderdo a extrair esses ions do cristal (cf. Fig. 1.4,c). Quando um fon for removido da rede, formar-se-4 em torno dele uma esfera simétrica de moléculas de 4gua (orientadas eletrosiaticamente) e todo o fon hidratado com a sua esfera de moléculas de agua sera afastado do cristal por movimento térmico, Um novo jon sera, eritio, exposto A agdo das moléculas de dgua e, lentamente, todo cristal ser dissolvido. Conclui-se, entéo, que nas solugGes de eletrélitos fortes existem somente fons (hidratados); em outras palavras, a “dissociagio” é completa. - Quando esse modelo é aceito para explicar a dissolugao de eletrélitos fortes, novos problemas surgiéo. Como foi explicado na segfo anterior, a 28 ARTHUR I. VOGEL 00° 3 © O— O © : e260 S2085 106° 0625 6 0,0958nm Hq ©OS © Fig. 14 teoria da dissociag&o eletrolitica estaria plenamente de acordo com o fato de que a condutividade molar dos eletrélitos fortes varia de modo consideravel com a concentracéo em concentragdes mais elevadas (cf. Fig. 1.3). Este fato no parece estar de acordo com a teoria acima delineada. Sendo constante o ntimero de ions ao se dissolver uma determinada quantidade de eletrdélito, independente de sua concentrag&o, dever-se-ia obter uma solug&o cuja con- dutividade molar fosse constante. Somente em 1923, Debye e Hiickel (e On- sager em 1925) tentaram a interpretacao desse fendmeno com sua famosa teoria da atracao interiénica. Esta teoria foi elabordda num enfoque quanti- tativo ¢ conduziu as diversas descobertas importantes na quimica das solu- gdes. Para um estudo mais extenso, devem ser consultados os compéndios de fisico-quimica. ! No presente texto, a teoria é delineada apenas na extensao necessdria a uma melhor compreenstio dos fenémenos que ocorrem na anélise qualitativa inorganica. 1. Cf. Moore, W. J., Physical Chemistry, 4.4 ed., Longman, 1966, pp. 359 s. QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA 29 A teoria de Debye-Hiickel-Onsager aceita o fato de as solucdes de ele- ir6litos fortes serem completamente ionizadas. Quando em repouso, isto é, quando n&o ha diferenga de potencial aplicada nos elétrodos, cada fon é rodeado por uma “‘atmosfera” simétrica de fons de carga oposta. Quando é aplicada uma diferenga de potencial, os fons iniciam sua migrag&o para o elétrodo de carga oposta, devido a forcas eletrostdticas. No entanto, a migra- ¢&o de um fon individual esté longe de nado apresentar obstaculos. De acordo com a teoria, existem duas causas identificdveis, 4s quais se pode atribuir o retardamento dos fons. A primeira delas é 0 denominado efeito eletro- forético e tem sua origem no fato de que o fon considerado deve mover-se contra uma corrente de ions de carga oposta que se encaminham ao outro elétrodo. Como foi dito anteriormente, tais ions transportam uma grande quantidade de moléculas de 4gua (ou solvente) e a fricc&o. entre estes ions hidratados (solvatados) retarda sua migrago. Quanto mais elevada for a concentragao, maior seré a aproximacao entre os fons e mais pronunciado sera este efeito. A segunda, ejeito assimétrico (distensdo), € 0 resultado da quebra da simetria da atmosfera dos ions com carga oposta em torno do fon em questo. Assim que o fon inicia sua migragdo para o respectivo elétrodo, ele se afasta do centro da esfera de sua atmosfera idnica, deixando para tras mais fons pertencentes & esfera original. Ao menos, por um momento, desen- volver-se-4 uma distribuigao assimétrica de fons, e aqueles fons deixados para wés atrairao eletrostaticamente o fon considerado. Como esta forca é exer- cida na diregéo oposta ao movimento, a migrag&o do fon é retardada. Este efeito € tanto mais pronunciado quanto maior for a concentracao da solugdo. Se o circuito elétrico for interrompido, decorreré algum tempo para que os fons retomem seu arranjo simétrico (em outras palavras, para que a distensfio seja completa), e este tempo, chamado tempo de distensdo, pode ser expresso matematicamente em fungdo de parametros mensuraveis da solucao. & inver- samente proporcional & concentragio. As mudangcas de condutividade em fungdo da diluicao nio podem, por- tanto, sex atribuidas a mudangas no grau de dissociagao como mencionou Arrhenius, mas sim & variagio de forgas interiénicas como foi delineado acima. A condutividade molar, a uma concentragao ¢, pode ser expressa pela equagéo (simplificada): Ag = Ao—(A+ Bho Je onde A, é © valor limite da condutividade molar a uma concentragéo zero. Ae B sho constantes (para um ion particular, num solvente especifico, numa temperatura constante) e correspondem aos efeitos assimétrico ¢ eletroforé- tico, respectivamenite. O grande mérito da teoria de Debye-Hiickel-Onsager provém do fato de que os fatores A e B podem ser expressos por parametros mensurdveis da solucao ¢ com algumas constantes naturais, ¢ que as condu- tividades calculadas por esta equagéo combinam com os valores determinados experimentalmente, de modo especial se as concentragdes nfo forem eleva- das demais. A relagio AJAg na moderna teoria dos eletrélitos fortes, baseada na ionizagao completa, nao indica mais o grau de dissociagiio « de um eletrélito forte (que, no caso, deveria ser igual A unidade); é mais apropriado deno- minéla coeficiente de condutividade ou relagdo de conduténcia. Ela fornece 30 ARTHUR }. VOGEL aproximadamente o grau de dissociagao para eletrétitos fracos, mas, mesmo ai, existem forcas interiénicas contribuindo para uma diminuigio da condu- tividade, podendo-se aplicar uma corregdo indicada pela teoria de Debye- -Hiickel-Onsager. 113 EQUILIBRIO QUIMICO, LEI DA ACAO DAS MASSAS. Um dos principios mais importantes a respeito das reagdes quimicas é que todas as reagées quimicas so reversivcis. Sempre que uma reagio guimica se inicia, os produtos da reagdo comecgam a se formar e, por sua vez, reagirdo entre si, constituindo uma reacdo reversivel. Ap6s um intervalo de tempo, atinge-se o equilibrio dinamico; isto é, na mesma unidade de tempo decom- poem-se tantas moléculas (ou fons) quantas se formam. Em alguns casos, esse equilibrio € quase gue totalmente atingido ao lado da formagéo de uma outra substaticia, ¢ a reag&o assim parece ter-se processado até a fase final. Em outros, seria tarefa do pesquisador criar as circunst@ncias nas quais as reagdes, ao invés de atingir um equilibrio, se completassem. Isso ocorre freqientemente na andlise quantitativa. As condigdes do equilibrio quimico podem, mais facilmente, ser deri- vadas a partir da Jei da ag&o das massas.? Esta lei foi definida inicialmente por Guldberg e Waage, em 1867, como: A velocidade de uma reago quimica a uma temperatura constante é proporcional ao produto das concentragdes das substancias reagentes. Consideremos inicialmente uma reacio reversivel simples a uma temperatura constante: A+BaC+D A velocidade de reago entre A e B é proporcional as suas concentragdes vy =k, x [A] xB] onde &, é uma constante denominada constante de velocidade e os colchetes indicam as concentragSes molares das substancias neles inseridas. Do mesmo modo, a velocidade da reagHo no processo inverso € expressa por: vy = ky x[C] x [D] Ao atingir o equilibrio, as velocidades de formagio e decomposigio das substancias séo iguais (este € um equilibrio dinamico e nao estatico), por conseguinte: Vy = ¥ ou ky x [A] x [B] = ka x{C] x [D] ou, ainda [C}x[D] Lk [A] (B] ~ &, ~ * 1. Deve-se enfatizar que as caracteristicas do equilibtio quimico podem ser dedu- zidas, © melhor explicadas, pela termodinSmica, stm envolver absolutamente a veloci- dade das reacdes, Os livros de fisico-quimica contém naturalmente a interpretacdo termo- dinamica. (Cf. Moore, W. J., Physical Chemistry, 42 ed., Longman, 1966, pp. 167 &) QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA 3t K é a constante de equilibrio da reag’o. Seu valor independe das concen- tragSes das substancias em reacdo, variando ligeiramente com a temperatura € a pressio. Essa expressdo pode ser generalizada para reagdes mais complexas. Para uma reacao reversivel, representada pela equacdo: vgA+ vpB+¥ceC+ + °° yy L+yyM+ oy onde v4, vp ... etc. so os ntimeros estequiométricos da reagio, a constante de equilibrio pode ser expressa por: k= [L]* x[My™x (NT... fAysx[By® x f[epe... Em termos: quando se atinge o equilibrio numa reagdo reversivel, a uma pressio e temperatura constantes, é constante o produto das concentragdes moleculares dos produtos resultantes (substancias do lado direito da equacao), dividido pelo produto das concentragdes moleculares dos reagentes (subs- tancias do lado esquerdo da equagdo), sendo cada concentragao elevada a uma poténcia determinada pelo numero estequiométrico da substancia con- siderada. A expresso da constante de equilibrio enunciada é a chave do problema com o qual nos deparamos, freqiientemente, na andlise qualitativa: como conseguir reagGes completas, em outras palavras, como deslocar o equilibrio da reacao na direcfo desejada. A fim de melhor elucidar essa questo, con- sideremos a reacdo de ions arseniato com iodeto. Se misturarmos solugdes de arseniato de sédio, iodeto de potdssio ¢ dcido cloridrico, a solugio resul- tante torna-se amarela ou marrom, devido a formagao de iodo. A reacio processa-se entre os vrios fons presentes, formendo-se simultaneamente ions arsenito e agua, e pode ser expressa pela equagao: AsO3" +21" +2H* = AsO3" +1, +H,0 Os ions cloreto, sédio e potassio, integrantes dos reagentes, ndo participam da reagao e, por isso, néo s&o representados na equacao. Esta reagao é rever- sivel ¢ tende para um equilibrio. Aplicando a lei da ag&o das massas, pode- mos expressar a constante de equilibrio pela reagao: _ (SORT <1] « HL0] fasO}}x(r Px? Suponhamos que queiramos reduzir. todo arseniato ¢ arsenito, isto é, deslocar 0 equilibrio da equag&o para a direita, Podemos conseguir isso de varias ma- neiras, Se adicionarmos mais dcido clorfdrico 4 solucao, observaremos que a cor marrom vai escurecendo; isso significa que hd mais formagao de iodo. A explicag&o desse fato ¢ Sbvia, se observarmos a expressdo da constante de equilibrio, Ao adicionarmos 4cido cloridrico 4 solugao, aumentaémos a con- centragao de hidrogénio, tornando maior 0 denominador da expressao da constante de equilibrio. Esta deve permanecer invaridvel e, conseqiiente- mente, o numerador da expressio deve aumentar também. Isso somente pode ser realizado pelo aumento das concentragdes individuais no numerador, o que significa que mais arscnito, iodo e 4gua devem ser formados. Conclui-se que o equilibrio é deslocado para o lado direito. O mesmo acontecerd se 32 . ARTHUR I. VOGEL adicionarmos mais iodeto de potdssio @ solugdo. Existem, todavia, outras maneiras de atingir esse objetivo. Podemos, por exemplo, remover o iodo formado durante a reacdo por evaporacdo ou por extracao com solvente nao miscivel em Agua. Neste caso, o numerador da expressaio diminui e, como o valor K & constante, o denominador também é forgado a diminuir. Isso significa um maior consumo de reagentes e maior formagao de produtos da reagéo. Normalmente, podemos dizer que o equilibrio quimico, a uma temperatura e pressZo constantes, pode ser deslocado no sentido de obtermos maior formacdo de produtos, seja pela adigao de mais reagentes, seja pela supress@o de um dos produtos do sistema (homogéneo) em equilibrio. Em termos das reagSes empregadas na anilise qualitativa, isso significa ou a adicdo de reagentes em excesso ou a remogao dos produtos da reagio da fase em solucao, por quaisquer meios, tais como: precipitagio, evaporacado ou extracao. Do exposto, lui-se que acdes opostas deslocarao o equilibrio para a direg&o oposta. Adicionando-se, por exemplo, mais iodo ao sistema em equilibrio, ou removendo-se parte dos fons hidrogénio, por meio de um tampao, ou removendo-se os ions iodeto por precipitagao pelo nitrato de chumbo, formando o iodeto de chumbo, o equilfbrio serd deslocado no sentido da formac&o de arseniato. Outro processo para deslocar o equilibrio para qualquer das duas diregdes € baseado no fato de que a constante de equilfbrio depende da temperatura e, pelo menos em alguns casos, da pressio. O aquecimento é, muitas vezes, utilizado na anélise qualitativa, objetivando 0 aumento da yelocidade das reagées (influéncia cinética) mais do que sua influéncia nas condigées de equilibrio. Em alguns casos, o resfriamento da solugao pode atender a esse objetivo. Por exemplo, a constante de equilibrio da reacao Pb?* +21” 2 PbI,(s) varia de tal forma que o resfriamento da solugao favorece a formacéo do iodeto de chumbo, Assim, se quisermos precipitar o iodeto quantitativamente com chumbo, devemos operar a uma baixa temperatura e, além disso, adi- cionar excesso de reagente. O equilibrio das reagGes em solucdo, nas quais alguns dos reagentes ou produtos formados sao gases, pode ser influcnciado variando-se a presséo sobre a solucao. O carbonato de cAlcio precipitado, por exemplo, pode ser dissolvido, introduzindo gés carbénico num recipiente fechado até que a press&io aumente em algumas atmosferas, quando o equi- librio se deslocard no sentido da formacao do bicarbonato de calcio: CaCO;(s)+CO,(g)+H,O0 2 Ca** +2HCO; Do mesmo modo, 0 gas sulfidrico é mais reativo se utilizado a uma pressaio ligeiramente elevada, do que se fora borbulhado numa solucao em recipiente aberto. Por outro lado, se o produto da reacdo for um gas, poderemos facil- mente deslocar 0 equilibrio no sentido da formacao dos produtos, se remo- yermos o gas a uma pressao reduzida. 1.14 ATIVIDADE E COEFICIENTES DE ATIVIDADE. No estudo da lei da ac&o das massas, empregamos a concentracao das espécies quimicas como varidveis ¢ deduzimos que a constante de equilfbrio é independente QUIMICA ANALITICA QUALITATIVA 33 destas concentragdes. Estudos posteriores evidenciaram que tal conceifo sé era aproximadamente yalido para solugSes diluidas (quanto maior a diluigao, maior seria a aproximagio dos resultados) e absolutamente incorreto para solugSes mais concentradas. Discrepancias semelhantes avultavam, quando outras grandezas termodinamicas, tais como potencial de elétrodos ou energia quimica livre, eram envolvidas. Para superar essas dificuldades ¢ ainda assim reter expressdes simples derivadas para tais grandezas, G. N. Lewis intro- duziu um novo conceito termodinamico, denominado atividade, que, substi- tuindo as concentragdes nas fungdes termodinamicas, oferece resultados per- feitamente concordantes com dados experimentais. Essa grandeza tem as mesmas dimensées da concentragao. A atividade, a,, do componente A é proporcional & sua concentragao efetiva [A] e pode ser expressa por: ay = fax [A] onde fa & denominado coeficiente de atividade, quantidade adimensional, que varia de acordo com a concentragaéo. Tomando-se a reagaéo de equilfbrio, mencionada na Seg&o 113 A+Be2C+D podemos expressar mais precisamente a constante de equilibrio por: we eXdy _ FAC) x/(D] _Se%fy , [C1x1D] Xa FLAD

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