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A teoria de Vejichi Fillahpuhr cada vez se enraizou mais na mente de Ariandhel.

A ideia de que em
alguma vida passada, fora um elfo negro chamado Mizzrabar, mas em um momento chave se voltou
contra sua natureza maligna e se devotou a Corellon Larenthian, o fazendo renascer como um ar-tel-
quessir, um elfo do sol. Essa ideia era no mínimo absurda, mas por que fazia tanto sentido? Haviam
poucas maneiras de descobrir. Arian precisaria se encontrar com sua ex esposa, mas isso estava
fora de cogitação. Também poderia ter mais devaneios em que tivesse algo revelado, mas não sabia
o que foi usado como gatilho para que aquilo ocorresse. Por último e não menos importante, ele
poderia pedir para o próprio Corellon em seu templo, na cidade de Evereska. Algo tão divino
provavelmente seria impossível, mas para alguém desesperado, não custa nada tentar.

As memórias de Ariandhel voltavam aos poucos naquela majestosa cidade, tão linda mas tão…
vazia? Ele não sabia dizer, mas não se sentia mais em casa naquele local. Nunca se sentiu, afinal.
Mas apesar de não ter crescido naquelas ruas, era difícil não encontrar o templo de Corellon
Larenthian, se erguendo impávido e imponente perante a cidade, tão alto quanto os muros.
O elfo exitou um pouco, antes de entrar no templo, nem mesmo ele sabia o que aconteceria dali para
frente, sentiu pela primeira vez em muitos anos, medo e incerteza, enquanto caminhava na direção
da grande estátua central de Corellon, suas pernas tremiam enquanto ele se aproximou.

Em pouco tempo, estava em frente a enorme estátua, de sua boca e de suas mãos, sangue pingava,
pois cravou seus dentes nos labios, e unhas nas mãos. Respirando fundo, ele buscava se acalmar,
enquanto prontamente se sentava em posição de lótus, e retirava de sua bolsa uma pequena caixa
de madeira. De dentro dela, Arian pegava um pequeno vestido surrado, um par de brincos, um de
calçados e um pequeno coelho encardido de pelúcia, pertences que um dia foram de sua filha Niel.

- Niel, minha filha, me dê a força que eu preciso para continuar.

Ele disse enquanto proferia palavras na lingua dos dragões, enquanto gesticulou suas mãos, fazendo
duas figuras aparecerem em sua frente. Novamente ilusões básicas, mas naquele momento, talvez
pelo turbilhão de emoções, aos olhos dele, estavam com mais vida do que nunca. Uma delas era
uma pessoa idosa, com cabelo e barba grisalhos, levemente corcunda e com diversas rugas pelo
rosto. Aquela figura era o próprio Dhuurza, antigo mentor de Ariandhel, e o humano que um dia o
acolheu em sua casa e ensinou os primeiros passos da magia. A outra imagem era menor do que o
homem de feição rabugenta, e era detentora de cabelos tão brancos como o do velho homem, no
entanto tinha a aparência infinitamente mais jovem. Seus olhos eram lilás e sua beleza era algo que
mesmo para os elfos, era considerado estratosférico. Aquelas eram duas figuras que Ariandhel mais
teve carinho em sua vida, e agora elas ajudariam de maneira moral, seu antigo aprendiz e pai a
descobrir a verdade por trás de tudo.

As duas figuras estavam estáticas ali, observando com olhares vazios enquanto o elfo terminava sua
preparação. De dentro de sua bolsa também eram retiradas algumas velas aromáticas e incensos,
que eram acesas através de uma pederneira, pois acima de tudo, Arian estava esgotado de magias.
Com tudo pronto, ele retirou de seu grimório talvez o seu bem mais precioso, uma flor de coloração
amarela, que se encontrava seca. Aquele era junto dos pertences de sua falecida filha, o seu bem
mais precioso, pois era a última das flores que um dia, Ariandhel havia cultivado junto de sua filha, na
época mais pacífica de sua vida. Nem mesmo Fortuna sabia da existência daquela pequena flor.

Segurando ela como uma espécie de foco, o elfo lentamente começa a regular sua respiração, a fim
de se acalmar e concentrar de maneira mais eficaz. Assim como pensa em tudo que ocorreu naquela
última hora, mês, década e centena de anos. Tudo que ele vivera até ali havia moldado a ser quem
ele era, no entanto, mesmo após tantas coisas ocorrerem, ainda não possuía a resposta para seu
maior problema. Mehru’nna e a vingança de ambos.

Por fim, com seus olhos fechados, lentamente começa a fazer sua prece ao Deus dos Elfos em sua
língua natal.

- Hei-Corellon shar-shelevu (Corellon, ouça por favor minhas preces). Por toda minha vida eu lutei
para seguir em frente, ó Senhor de Arvandor. Busquei seguir um caminho justo e de bondade,
ajudando àqueles que precisavam. Mas hoje, eu venho buscar ajuda, Protetor dos elfos. Tenho
medo, mas não por mim. Há pessoas a quem eu preciso proteger, e quem eu não posso deixar cair
em lutas que não são suas.
Em minha vida, conheci uma elfa negra, a quem me apaixonei e gerei uma vida. A vida mais pura de
todas. E hoje sei que o que fiz, foi uma blasfêmia contra seu nome. Em pouco tempo eu sinto que
esta mulher irá caçar a meus aliados. Ela possui poder para isso, e não quer minha vida. Sinto que
seu objetivo é apenas escurecer meu coração, para que eu me volte contra os costumes iluminados
ensinados por vós. Ela deseja apenas meu sofrimento, e eu me entregarei para que ela consiga isso.
No entanto, não posso admitir que ela se aproxime e machuque pessoas pelas quais eu me apeguei,
pessoas por quem eu daria minha vida sorrindo. Artemísia, Naz, Perin, Margareth, Lothar e até
mesmo Bruce, o nobre meio orc que arriscou a vida para salvar nossa cidade. Mas principalmente
Kiristia e a tiefling que atende como Fortuna.
Eu suplico, ó Senhor dos Poetas, permita que eu entre em comunhão com minhas vidas passadas,
para que eu possa saber exatamente o que aconteceu no passado, quem é o elfo negro de nome
Mizzrabar e como eu posso impedir Mehru’nna de se aproximar dos amigos tão queridos que fiz. Já
não busco mais vingança por minha filha, é um sentimento que não a trará de volta, e irá me custar
caro demais, escurecendo minha alma e coração.

Eu imploro, Corellon Larenthian, O Pai de todos os elfos, ilumine a mim e aos meus companheiros
nos tempos de trevas que virão.

Tudo fica escuro, e aos poucos, pequenos lapsos de memórias vem e vão. A batalha dos phaerimms
e a sensação desesperadora de culpa, as crianças transformadas em zumbis no templo
subterrâneo… O roubo dos olhos de Margor… A descoberta de uma cripta abaixo da cidade onde
conheceu seus companheiros, assim como outra onde encontrou Kiristia… Quando conheceu
Fortuna… O nascimento e falecimento de sua filha Niel, o dia em que conheceu Mehru’nna, sua
primeira lição com o velho chamado Dhuurza que fora seu pai adotivo por anos… Quando estava em
Evereska com seus pais até o fatídico dia quando foi mandado embora, assim como vagar assustado
e ferido pela floresta próxima de águas profundas. Ele conseguia se lembrar de tudo. Algumas
memórias eram mais fáceis de serem lembradas. As mais felizes e as mais dolorosas principalmente.

Como espectador, o elfo pode observar a si mesmo colhendo flores amarelas com sua filha,
enquanto ambos olhavam quase que diretamente para ele, pois estava no caminho do pôr do sol
mais lindo que já vira. Naquela noite, ele lembra exatamente do sabor das codornas que foram
caçadas por Mehru’nna, que naquela época era a pessoa mais gentil que conhecera.

A maioria daquelas lembranças eram amargas, mas essa última devolveu a ele a força que precisava
para continuar lutando por aquilo que ele acredita. Mas ainda assim…Aquilo não era o suficiente. Ele
precisaria voltar mais e mais. Ele precisava regressar até entender o que ocorreu anos atrás, e se a
teoria de Filahpuhr estava correta no final de contas. Ariandhel estava disposto a voltar milênios se
fosse necessário para conseguir entender tudo e pensar em uma solução para tudo aquilo. De
alguma maneira, ele sentia que toda a sabedoria de gerações estava dentro dele, mas ele precisaria
olhar profundamente para dentro de si mesmo para então, obter respostas.

Eventualmente, ele foi tragado por seus próprios pensamentos. Gritava desesperadamente, mas
nenhum som saía de sua boca. Aquele turbilhão prismático que ironicamente lembrava a maneira
como quatro de seus companheiros foram mortos, se abria como um grande túnel em sua frente,
sem se mostrar como um perigo de fato. Arian caminhou lentamente por aquele local lúdico, aos
poucos entendendo o que aquilo representava.

Aquilo funcionava como um tipo de consciência coletiva, de todas as encarnações que já teve
enquanto caminhava por Toril, até mesmo fora dali. Por alguns milésimos de segundo, pode perceber
que uma vez, fora um espírito sem forma, vagando ao lado de outras figuras etéreas em um bosque
paradisíaco. Sem sombra de dúvidas, aquele era o local mais belo que Ariandhel já havia visto.

Houve certa vez em que ele foi uma jovem elfa selvagem, caçando para sobreviver Alta Floresta, em
tempos imemoriais. Seu arco e lança eram símbolos de coragem para sua tribo.

Em outra, um belo Avariel que voava se exibindo para todo o mundo. Teve incontáveis relações
durante sua vida, com homens e mulheres. Foi um bardo charmoso e encantador.

Em tempos remotos, foi um elfo da lua, guarda de um grande rei de um reino há muito esquecido.

- Meu tempo está acabando…onde ele está…?

Ainda em tempos mais remotos, fora um grande Observador Cósmico, de poder imensurável. Viajava
entre planos da existência com facilidade tremenda, enquanto nas horas vagas aprendia a tocar
instrumentos e estudava astrologia.
Em uma de suas vidas porém, ele fora uma feiticeira no mínimo exótica. A elfa exibia cabelos
estranhamente azuis e arrepiados, como se tivesse sido eletrocutada, além de possuir uma
aparência desleixada. Ela possuía um cajado tão estranho quanto ela mesma, e parecia ser
extremamente impulsiva. O que no entanto surpreendeu Ariandhel, é que no pouco tempo em que
ele permaneceu na lembrança, a elfa imediatamente o encarou, como se estivesse ciente de sua
existência.

- MIZZRABAR, ONDE VOCÊ ESTÁ? - Arian gritava enfurecido, tentando se recompor para não
perder a sua concentração.

Ao terminar a frase, um portal estranho se formou em sua frente, onde enormes monumentos subiam
até o topo de um local que não possuía céu. Era ali, não tinha como o drow não estar ali.
Imediatamente ele saltou para dentro do portal. Como das outras vezes, ele sentia que podia
explorar por poucos tempo, sem interagir diretamente com as coisas, pois era intangível e invisível
para todos ali.
Ao longe, ele pode enxergar uma figura assustadoramente familiar. Era ele mesmo, no entanto sua
pele era escura como a noite, e seus longos cabelos, brancos. Este obviamente não pode enxergar o
elfo, apesar de ter aparentado sentir algo e parar por uns instantes. Correndo, Arian foi em sua
direção, pois precisava descobrir o que estava acontecendo. No entanto, sentiu algo dentro daquele
local. Ele fora puxado por alguém.
De alguma forma, aquela elfa estranha de antes havia chegado até ali junto dele, que estava
assustado e fora pego totalmente de surpresa, como aquilo era possível? Viajar entre memórias?

- Você precisa acordar agora, moço…

Foram as últimas palavras que o elfo ouviu, antes de ser abraçado pela jovem elfa, antes de tudo
ficar escuro novamente.

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