Professional Documents
Culture Documents
Elon Musk - Walter Isacsson
Elon Musk - Walter Isacsson
revisão Eduardo Carneiro eo Araújo revisão técnica ássius Veloso adaptação de projeto gráfico e
de capa Ilustrarte Design e Produção Editorial fotos de capa Frente: Art Streiber / AUGUST
Quarta capa: cortesia da @SpaceX
editoraintrinseca
@intrinseca
@editoraintrinseca
intrinsecaeditora
SUMÁRIO
Capa
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Epígrafe
Agradecimentos
Fontes
Notas
Créditos das fotos
Sobre o autor
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que
reinventei os carros elétricos e estou enviando pessoas a
Marte num foguete espacial. Você acha que eu seria um cara
tranquilo, normal?”
— Elon Musk, Saturday Night Live, 8 de maio de 2021
“As pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem
mudar o mundo são as que de fato o mudam.”
— Steve Jobs
prólogo
Musa de fogo
O parquinho
Em sua infância na África do Sul, Elon Musk conheceu a dor e aprendeu a
resistir a ela.
Aos 12 anos, foi levado de ônibus para um acampamento de
sobrevivência na selva conhecido como veldskool. “Era um Senhor das Moscas
paramilitar”, relembra ele. Cada criança recebia pequenas rações de comida
e água, e todas tinham permissão para lutar por elas — na verdade, eram até
incentivadas a isso. “O bullying era considerado uma virtude”, diz o irmão
mais novo de Elon, Kimbal. Os meninos maiores logo aprenderam a socar
os menores no rosto e pegar as coisas deles. Elon, que era pequeno e inábil
emocionalmente, foi espancado duas vezes. Acabaria perdendo cinco quilos.
Perto do fim da primeira semana, os meninos foram divididos em dois
grupos e receberam ordens de se atacar. “Foi insano, inimaginável”, lembra
Musk. De tempos em tempos, algum dos meninos morria. Os monitores
usavam essas histórias como alertas. “Não seja imbecil como o que morreu
ano passado”, diziam. “Não seja um imbecil fracote.”
Na segunda vez que Elon foi para o veldskool, estava prestes a fazer 16
anos. Ele tinha crescido muito, espichara para quase 1,80 metro de altura,
com o corpo feito o de um urso, e aprendera um pouco de judô. Dessa vez, o
veldskool não foi tão ruim. “Percebi então que, se alguém me enchesse o
saco, eu podia dar um soco forte no nariz do cara, e aí não me incomodavam
mais. Eles podiam me encher de pancada, mas, se eu acertasse um soco
forte neles, não viriam mais atrás de mim.”
A África do Sul dos anos 1980 era um lugar violento, onde ataques com
metralhadoras e esfaqueamentos eram comuns. Certa vez, Elon e Kimbal
saíram de um trem a caminho de um show contra o apartheid e tiveram que
desviar de uma poça de sangue ao lado de um cadáver com uma faca enfiada
na cabeça. Pelo resto da noite, o sangue seco na sola dos tênis deles fez
barulho sempre que pisavam no chão.
A família Musk tinha pastores-alemães treinados para atacar qualquer
um que passasse perto da casa. Aos 6 anos, Elon estava correndo pela
entrada de carros e seu cachorro favorito o atacou, dando uma enorme
mordida em suas costas. No pronto-socorro, quando estavam se preparando
para dar os pontos, ele recusou o tratamento até que prometessem que o
cachorro não seria castigado. “Vocês não vão matar o cachorro, vão?”,
perguntou Elon. Eles juraram que não matariam. Ao relembrar a história,
Musk se detém e olha para o nada por muito tempo. “Mas eles acabaram
matando o cachorro a tiros.”
As experiências mais marcantes da vida dele aconteceram na escola. Por
muito tempo, Elon foi o menor e o mais novo da turma. Ele tinha
dificuldade em entender sinais sociais. A empatia não era algo natural, e ele
não tinha o desejo, nem o instinto, de tentar agradar. Como resultado, era
regularmente acossado por valentões, que se aproximavam e davam socos no
rosto dele. “Se você nunca levou um soco no nariz, não tem ideia de como
isso te afeta pelo resto da vida”, diz.
Certa manhã, quando todos os alunos estavam reunidos, um garoto que
brincava com um grupo de amigos esbarrou nele. Elon reagiu empurrando o
sujeito. Houve uma discussão. O menino e os amigos dele foram atrás de
Elon no intervalo e o encontraram comendo um sanduíche. Eles se
aproximaram por trás, deram-lhe um chute na cabeça e o derrubaram
escada abaixo. “Eles sentaram em cima do Elon e simplesmente
continuaram batendo e chutando a cabeça dele”, diz Kimbal, que estava
sentado junto ao irmão. “Quando terminaram, não dava para reconhecê-lo.
O rosto era uma bola de carne tão inchada que quase não dava para ver os
olhos.” Ele foi levado para o hospital e ficou uma semana sem ir à escola.
Décadas depois desse episódio, ele ainda se submeteria a cirurgias corretivas
para tentar consertar o nariz.
Aquelas cicatrizes, contudo, eram pequenas comparadas às cicatrizes
emocionais deixadas pelo pai, Errol Musk, um engenheiro carismático,
sonhador e trapaceiro que até hoje atormenta Elon. Depois da briga na
escola, Errol deu razão ao menino que acabou com o rosto do filho. “O
menino tinha acabado de perder o pai, que se suicidara, e Elon chamou o
garoto de burro”, diz Errol. “Elon tinha o hábito de chamar as pessoas de
burras. Como eu podia culpar aquela criança?”
Quando Elon finalmente recebeu alta e foi para casa, o pai o repreendeu.
“Tive que ficar em pé por uma hora enquanto ele gritava comigo, me
chamava de idiota e dizia que eu era um inútil”, recorda Elon. Kimbal, que
testemunhou a bronca, diz que é a pior lembrança de sua vida. “Meu pai
simplesmente perdeu o controle, surtou, como frequentemente fazia. Ele
não tinha compaixão.”
Tanto Elon quanto Kimbal, que não fala mais com o pai, dizem que a
alegação de Errol de que Elon teve culpa na agressão é absurda, e que o
agressor acabou sendo enviado para um centro de detenção juvenil por
aquilo. Eles dizem que o pai é um mentiroso instável, que frequentemente
conta histórias fantasiosas, às vezes mentiras calculadas e outras, delirantes.
Uma natureza meio O Médico e o Monstro, segundo os dois. Em dado
momento, era simpático; no instante seguinte, começava uma série
interminável de insultos. Errol encerrava todas as agressões dizendo que
Elon era patético. Elon tinha que ficar parado ouvindo, sem permissão para
sair. “Era tortura psicológica”, diz Elon, que fica em silêncio por muito
tempo e se emociona um pouco. “Ele sabia perfeitamente como tornar tudo
terrível.”
No dia em que liguei para Errol, ele conversou comigo por quase três
horas. Depois passou a ligar para mim com frequência e a mandar
mensagens de texto pelos dois anos seguintes. Estava ansioso para descrever
— com direito a fotos — as coisas boas que dera aos filhos, pelo menos na
época em que os negócios envolvendo engenharia iam bem. Houve uma
época em que ele dirigiu um Rolls-Royce, construiu uma cabana na mata
para os meninos e comprou esmeraldas brutas do proprietário de uma mina
na Zâmbia, até que o negócio faliu.
No entanto, Errol admite que incentivava uma dureza física e emocional.
“A vida deles comigo fazia o veldskool parecer bem tranquilo”, diz ele,
acrescentando que aquela violência era parte da experiência educativa na
África do Sul. “Dois seguravam você no chão enquanto outro batia na sua
cara, esse tipo de coisa. Quando trocavam de escola, os meninos novos eram
forçados a brigar com o valentão no primeiro dia de aula.” Ele admite com
orgulho que impunha “uma autocracia urbana extremamente severa” aos
meninos. Em seguida, faz questão de acrescentar que “anos depois Elon iria
aplicar a mesma autocracia consigo mesmo e com os outros”.
“A adversidade me moldou”
“Alguém disse que todo homem tenta dar conta das expectativas do pai ou
corrigir os erros dele”, escreveu Barack Obama em seu livro de memórias, “e
acho que isso pode explicar o que eu vivi”. No caso de Elon Musk, o
impacto do pai na psique dele ia durar muito tempo, apesar das muitas
tentativas de expulsá-lo, tanto física quanto psicologicamente. Seus humores
alternavam ciclos que incluíam bons e maus momentos, passando pelo
modo intenso e engraçado, distante e emotivo, com mergulhos ocasionais
naquilo que os mais próximos temiam e chamavam de “modo demoníaco”.
Diferentemente do pai, Elon era atencioso com os filhos, mas, em outros
aspectos, seu comportamento flertava com um perigo que precisava ser
constantemente combatido: o fantasma de que, como resume sua mãe, “ele
poderia se tornar igual ao pai”. Esse é um dos temas mais recorrentes na
mitologia. Até que ponto a saga do herói de Star Wars exige que se
exorcizem demônios legados por Darth Vader e se lute contra o lado
sombrio da Força?
“Com uma infância como a que ele teve na África do Sul, acho que é
preciso se fechar emocionalmente um pouco”, diz a primeira esposa, Justine,
mãe de cinco dos dez filhos vivos de Elon. “Se seu pai está sempre te
chamando de débil mental e idiota, talvez a única resposta seja desligar
dentro de si tudo que possa abrir uma dimensão emocional com a qual não
se tem capacidade de lidar.” Essa válvula interruptora de emoções podia
torná-lo insensível, mas também fez dele um inovador sem medo de riscos.
“Ele aprendeu a calar o medo”, diz ela. “Se você cala o medo, talvez tenha
que calar outras coisas também, como a alegria e a empatia.”
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) da infância também
inculcou em Elon uma aversão ao contentamento. “Acho que ele não sabe
desfrutar o sucesso e sentir o perfume das flores”, comenta Claire Boucher, a
artista conhecida como Grimes, mãe de três dos outros filhos dele. “Acho
que ele aprendeu na infância que a vida é dor.” Musk concorda. “A
adversidade me moldou”, diz. “Minha resistência à dor é bem alta.”
Durante um período particularmente infernal de sua vida, em 2008,
depois que os três primeiros lançamentos dos foguetes SpaceX explodiram e
a Tesla estava prestes a falir, Musk acordava se debatendo e contava a
Talulah Riley, que se tornou sua segunda esposa, as coisas horríveis que o
pai lhe dissera. “Eu o ouvia pronunciar aquelas frases”, conta ela. “Isso teve
um efeito profundo no modo como Elon vive.” Quando ele recordava esses
momentos, desligava-se e desaparecia por trás dos olhos cor de aço. “Acho
que ele não tinha consciência de quanto isso ainda o afetava, porque pensava
que era algo que ficara na infância”, diz Riley. “Mas ele manteve um lado
infantil, quase intocado. No âmago, ele ainda é uma criança, uma criança
diante do pai.”
Desse caldeirão, Musk desenvolveu uma aura que às vezes o faz parecer
um alienígena, como se sua missão de chegar a Marte fosse um desejo de
voltar para casa e sua aspiração de construir robôs humanoides fosse uma
busca por pertencimento. Não seria surpresa para ninguém se ele tirasse a
camiseta e mostrasse que não tem umbigo e não é terráqueo. Contudo, a
infância dele também o fez humano demais, um menino bravo mas
vulnerável que decide embarcar em aventuras épicas.
Musk desenvolveu um fervor que disfarça o jeito pateta e um jeito pateta
que disfarça o fervor. Pouco à vontade no próprio corpo, como um homem
grande e forte que nunca foi atleta, ele anda com os passos largos de um
urso obstinado e dança com movimentos que parecem ensinados por um
robô. Com a convicção de um profeta, ele fala sobre a necessidade de nutrir
a chama da consciência humana, sondar o Universo e salvar nosso planeta.
A princípio, achei que fosse só encenação, discursos motivadores para a
equipe e fantasias de podcast de uma criança crescida que já leu O guia do
mochileiro das galáxias mais vezes do que deveria. Entretanto, quanto mais
eu o conhecia, mais acreditava que o sentimento de missão que ele tem é
parte daquilo que o motiva. Enquanto outros empreendedores lutam para
desenvolver uma visão de mundo, Musk procurou desenvolver uma visão do
cosmos.
A ascendência e a origem, assim como a maneira de ele pensar,
tornaram-no uma pessoa por vezes insensível e impulsiva. Também
incutiram nele uma alta tolerância ao perigo. Ele calcula riscos friamente e
os aceita de modo febril. “Elon gosta do risco pelo risco”, diz Peter iel,
que se tornou sócio dele no início da PayPal. “Ele parece curtir, às vezes até
parece viciado.”
Elon se tornou uma dessas pessoas que se sentem mais vivas quando um
furacão está chegando. “Nasci para a tempestade, e tempo bom não
combina comigo”, dizia Andrew Jackson. O mesmo vale para Musk, que
desenvolveu uma mentalidade paranoica a qual incluía uma atração, às vezes
um desejo, pela tempestade e pelo drama, tanto no trabalho quanto nos
relacionamentos amorosos que lutava para manter, sem sucesso. Musk se
sobressai quando há crises, prazos e sobrecargas intensas no trabalho.
Quando enfrentava desafios complexos, o esforço frequentemente o
mantinha acordado à noite e o fazia vomitar. Isso, contudo, também o
energizava. “Ele atrai drama”, diz Kimbal. “É a compulsão dele, o tema da
vida dele.”
Quando eu estava escrevendo sobre Steve Jobs, seu sócio, Steve Wozniak,
disse que a grande pergunta era: “Ele de fato tinha que ser tão mau assim?
Tão duro e insensível? Tão viciado em drama?” Quando fiz a mesma
pergunta para Woz no fim da minha pesquisa, ele disse que, se comandasse
a Apple, teria sido mais gentil. Teria tratado todo mundo como uma família
e não demitiria sumariamente as pessoas. Em seguida, parou e acrescentou:
“Mas, se eu comandasse a Apple, talvez a gente nunca tivesse feito o
Macintosh.” Portanto, a pergunta sobre Elon Musk é: poderia ele ser mais
tranquilo e ainda ser a pessoa que está nos levando a Marte e a um futuro
com veículos elétricos?
No início de 2022 — depois de um ano marcado pelo 31o lançamento
bem-sucedido de foguetes da SpaceX, com a Tesla vendendo quase 1
milhão de carros e ele se tornando o homem mais rico do planeta —, Musk
falou pesarosamente sobre sua compulsão por drama. “Preciso mudar minha
mentalidade e sair do modo crise”, disse ele, “no qual estou há pelo menos
catorze anos, ou por quase a maior parte da minha vida”.
Era um comentário melancólico, não uma resolução de Ano-Novo.
Mesmo enquanto fazia essa promessa, Musk estava secretamente
comprando ações do Twitter, o principal parquinho do mundo. Naquele
mês de abril, viajou discretamente para o Havaí, onde ficou na casa de seu
mentor, Larry Ellison, fundador da Oracle, acompanhado pela atriz
Natasha Bassett, uma namorada da época. Ofereceram a Musk um assento
no conselho do Twitter, mas durante o fim de semana ele concluiu que não
bastava. É da natureza dele querer ter controle total. Então, decidiu que iria
fazer uma oferta agressiva de compra direta da empresa. Ele voou até
Vancouver para se encontrar com Grimes. Lá, ficou acordado com ela até as
cinco da manhã jogando Elden Ring, um jogo de guerra e império. Logo
após terminar, pôs o plano em ação e entrou no Twitter. “Fiz uma oferta”,
anunciou.
Durante anos, sempre que estava em um momento difícil ou se sentia
ameaçado, Musk relembrava os horrores do bullying que sofreu na infância.
Agora ele tinha a oportunidade de se tornar o dono do parquinho.
capítulo 1
Aventureiros
Winnifred e Joshua Haldeman (no alto, à esquerda); Errol, Maye, Elon, Tosca e
Kimbal Musk (abaixo, à esquerda); Cora e Walter Musk (à direita)
Joshua e Winnifred Haldeman
A atração de Elon Musk por risco é um traço de família. Nesse sentido, ele
puxou ao avô materno, Joshua Haldeman, um aventureiro audacioso e
genioso criado numa fazenda nas planícies estéreis do Canadá central.
Haldeman estudou técnicas de quiroprática no Iowa e depois voltou para a
sua cidade natal, perto de Moose Jaw, onde domava cavalos e fazia sessões
de quiroprática em troca de comida e alojamento.
Mais tarde, Haldeman conseguiu comprar uma fazenda, mas a perdeu
durante a Depressão, nos anos 1930. Ao longo dos anos seguintes, ele
trabalhou como caubói, peão de rodeio e peão de obra. A única coisa
constante em sua vida era o amor pela aventura. Ele se casou e se divorciou,
e viajou clandestinamente em trens de carga e num transatlântico.
A perda da fazenda instigou em Haldeman um certo populismo, e ele
passou a participar de um movimento conhecido como Partido do Crédito
Social, que defendia dar aos cidadãos cartas de crédito gratuitas que
poderiam ser usadas como dinheiro. O movimento tinha uma base
conservadora e fundamentalista, com toques de antissemitismo. O primeiro
líder da organização no Canadá denunciava uma “perversão de ideais
culturais”, porque “um número desproporcional de judeus ocupava posições
de autoridade”. Haldeman chegou a ser presidente do conselho nacional do
partido.
Ele também se filiou a um movimento chamado de Tecnocracia, o qual
acreditava que o governo deveria ser comandado por tecnocratas em vez de
políticos. O movimento foi temporariamente banido no Canadá por causa
da oposição que fazia à entrada do país na Segunda Guerra Mundial.
Haldeman desafiou a proibição ao publicar no jornal um anúncio de apoio
ao movimento.
A certa altura, ele quis aprender dança de salão, e foi assim que conheceu
Winnifred Fletcher, cujo ímpeto aventureiro era semelhante ao dele. Aos 16
anos, ela conseguiu um emprego no Times Herald de Moose Jaw, mas
sonhava em ser dançarina e atriz. Por isso, foi de trem para Chicago e
depois para Nova York. Ao voltar, abriu uma escola de dança em Moose
Jaw, onde Haldeman apareceu para ter aulas. Quando ele a convidou para
jantar, Winnifred disse: “Não saio com meus clientes.” Então, ele desistiu
da aula e a convidou novamente. Alguns meses depois, ele perguntou:
“Quando você vai casar comigo?” Ela respondeu: “Amanhã.”
Eles tiveram quatro filhos, entre os quais meninas gêmeas, Maye e Kaye,
nascidas em 1948. Certo dia, os dois estavam em viagem quando ele viu
uma placa de - em um avião monomotor Luscombe que estava no
campo de um agricultor. Ele não tinha dinheiro, mas convenceu o
fazendeiro a aceitar o carro como pagamento. Foi uma decisão muito
impetuosa, uma vez que Haldeman não sabia pilotar avião. Ele contratou
alguém para levá-lo de avião para casa e ensiná-lo a pilotar.
A família passou a ser conhecida como os Haldeman Voadores, e ele foi
descrito por um jornal de quiroprática como “talvez o personagem mais
famoso na história dos quiropráticos voadores”, um elogio muito tacanho,
mas preciso. Eles compraram um avião monomotor maior, um Bellanca,
quando Maye e Kaye tinham 3 meses, e as crianças ficaram conhecidas
como as “gêmeas voadoras”.
Com opiniões estranhas, conservadoras e populistas, Haldeman passou a
acreditar que o governo canadense estava controlando demais a vida dos
indivíduos e que o país se acovardara. Em 1950, ele decidiu se mudar para a
África do Sul, que ainda vivia sob o regime do apartheid. Eles desmontaram
o Bellanca, guardaram-no em caixas e embarcaram em um cargueiro rumo à
Cidade do Cabo. Haldeman decidiu que queria viver no interior, de modo
que eles seguiram para Joanesburgo, onde a maioria dos cidadãos brancos
falava inglês em vez de africâner. Entretanto, enquanto sobrevoavam uma
região próxima a Pretória [atual Tshwane], as flores lilás dos jacarandás
haviam desabrochado, e Haldeman anunciou: “Vamos ficar aqui.”
Quando Joshua e Winnifred eram jovens, um charlatão chamado
William Hunt, conhecido (segundo o próprio dizia) como “Grande Farini”,
apareceu em Moose Jaw e contou histórias sobre uma “cidade perdida”
antiga que tinha visto quando cruzou o deserto do Kalahari, na África do
Sul. “Esse mentiroso mostrou fotos que eram obviamente falsas, mas meu
avô acreditou e decidiu que era missão dele descobrir a cidade”, diz Musk.
Depois que chegaram à África, os Haldeman faziam anualmente uma
expedição de um mês pelo deserto do Kalahari para procurar essa cidade
lendária. Eles caçavam a própria comida e dormiam armados para se
defender dos leões.
A família adotou um lema: “Viva perigosamente... com cautela.” Eles
embarcavam em voos de longa distância para lugares como a Noruega,
empataram em primeiro lugar num rali de 20 mil quilômetros da Cidade do
Cabo até Argel e se tornaram os primeiros a voar com um monomotor da
África para a Austrália. “Eles tiveram que tirar os bancos para colocar os
tanques de combustível”, relembra Maye.
A vida de riscos de Joshua Haldeman por fim cobrou um preço. Ele
morreu quando uma pessoa a quem estava ensinando a voar acertou um fio
de alta-tensão, o que fez com que o avião se desgovernasse e caísse. O neto
Elon tinha 3 anos na época. “Ele sabia que aventuras reais têm riscos”, diz.
“O risco o motivava.”
Haldeman instigou esse espírito em uma das filhas gêmeas, a mãe de
Elon, Maye. “Sei que posso assumir um risco desde que esteja preparada”,
afirma ela. Quando estudante, Maye se saía bem em ciências e matemática.
Também era linda. Alta e de olhos azuis, com maçãs do rosto salientes e o
queixo esculpido, ela começou a trabalhar aos 15 anos como modelo,
fazendo desfiles de moda em lojas de departamentos nas manhãs de sábado.
Nessa época, Maye conheceu um menino na vizinhança que também era
muito bonito, embora agisse de maneira ardilosa e bruta.
Errol Musk
Errol Musk era um aventureiro e negociante, sempre em busca da próxima
oportunidade. A mãe, Cora, era inglesa, havia concluído a escola aos 14
anos, trabalhara em uma fábrica na qual fazia revestimentos para
bombardeiros e, passado um tempo, resolvera embarcar num navio de
refugiados para a África do Sul. Lá, conheceu Walter Musk, um criptógrafo
e oficial da inteligência militar que trabalhava no Egito em planos para
enganar os alemães usando armas falsas e canhões de luz. Depois da guerra,
ele praticamente não fazia nada além de ficar sentado em silêncio numa
poltrona, bebendo e usando suas habilidades de criptografia para completar
palavras cruzadas. Então, Cora o deixou, voltou para a Inglaterra com os
dois filhos, comprou um Buick e retornou a Pretória. “Era a pessoa mais
forte que já conheci”, diz Errol.
Errol se formou em engenharia e trabalhou na construção de hotéis,
shopping centers e fábricas. No tempo livre, gostava de restaurar carros
antigos e aviões. Também se envolveu em política, derrotou um membro
africâner do Partido Nacional, pró-apartheid, e se tornou um dos poucos
membros anglófonos da Câmara de Pretória. O Pretoria News de 9 de
março de 1972 noticiou a eleição com a seguinte manchete: “Reação ao
status quo.”
Assim como os Haldeman, ele amava voar. Comprou um bimotor
Cessna Golden Eagle, que usava para levar equipes de televisão até um
chalé que construiu na selva. Em uma viagem em 1986, quando estava
tentando vender o avião, pousou numa pista na Zâmbia, onde um
empreendedor ítalo-panamenho quis comprá-lo. Eles acertaram um preço,
e, em vez de um pagamento em espécie, Errol recebeu uma parte das
esmeraldas extraídas de três minas pequenas que o empreendedor tinha na
Zâmbia.
À época, a Zâmbia tinha um governo negro pós-colonial, mas não havia
uma burocracia em funcionamento, então a mina não fora legalizada. “Se
você legalizasse, acabaria sem nada, porque os negros tomariam tudo de
você”, fala Errol. Ele critica a família de Maye por ser racista, e insiste que
ele próprio não é. “Não tenho nada contra os negros; eles são diferentes de
mim, nada mais”, diz de modo desconexo pelo telefone.
Errol, que nunca foi dono de nenhuma parte da mina, expandiu os
negócios ao importar mais esmeraldas brutas e lapidá-las em Joanesburgo.
“Muita gente me procurava com produtos roubados”, afirma ele. “Em
viagens ao exterior, eu vendia as esmeraldas para joalheiros. Era um negócio
clandestino, porque nada disso era legal.” Depois de obter lucros de cerca de
210 mil dólares, o negócio de esmeraldas faliu nos anos 1980, quando os
russos criaram em laboratório uma esmeralda artificial. Ele perdeu todos os
lucros que teve com as pedras.
O casamento
Errol Musk e Maye Haldeman começaram a namorar quando eram
adolescentes. Desde o início, o relacionamento era cheio de drama. Errol a
pediu em casamento diversas vezes, mas Maye não confiava nele. Quando
descobriu que estava sendo traída, ficou tão chateada que chorou por uma
semana e não conseguia comer. “Por causa do sofrimento, perdi cinco
quilos”, relembra ela, e isso a ajudou a vencer um concurso de beleza local.
Maye ganhou um prêmio de 150 dólares em dinheiro vivo e dez ingressos
para um boliche, além de ter se tornado finalista do Miss África do Sul.
Quando se formou na universidade, Maye se mudou para a Cidade do
Cabo com a finalidade de dar aulas de nutrição. Errol foi visitá-la, comprou
um anel de noivado e a pediu em casamento. Ele prometeu que mudaria e
seria fiel quando se casassem. Maye havia acabado de terminar um
relacionamento com outro namorado infiel, engordara bastante e começara
a recear que nunca se casaria, de modo que aceitou o pedido.
Na noite do casamento, Errol e Maye pegaram um voo barato até a
Europa para passar a lua de mel. Na França, ele comprou exemplares da
Playboy, que era proibida na África do Sul, e se deitou na pequena cama do
hotel para ver as revistas, o que irritou Maye. As brigas deles se tornaram
amargas. Quando voltaram para Pretória, ela pensou em dar fim ao
casamento. No entanto, começou a sentir enjoos matinais. Ela havia
engravidado na segunda noite da lua de mel, na cidade de Nice. “Estava
evidente que me casar com ele tinha sido um erro”, relembra Maye, “mas
àquela altura era impossível voltar atrás”.
capítulo 2
Uma mente livre
Pretória, anos 1970
Elon e Maye Musk (no alto, à esquerda); Elon, Kimbal e Tosca (abaixo, à
esquerda); Elon arrumado para a escola (à direita)
Sozinha e determinada
Às sete e meia da manhã do dia 28 de junho de 1971, Maye Musk deu à luz
um menino de 3,8 quilos com uma cabeça muito grande.
Ela e Errol a princípio queriam chamá-lo de Nice, em homenagem à
cidade na França onde ele fora concebido. A história poderia ter sido
diferente, ou pelo menos engraçada, se o menino tivesse que viver com o
nome Nice Musk. Em vez disso, na esperança de deixar os Haldeman
felizes, Errol concordou que os dois nomes do menino viriam daquele lado
da família: Elon, em homenagem ao avô de Maye, J. Elon Haldeman, e
Reeve, o nome de solteira da avó materna de Maye.
Errol gostava do nome Elon porque era bíblico, e ele mais tarde alegaria
ter previsto o futuro. Quando criança, diz que ouviu falar do livro de ficção
científica do cientista espacial Wernher von Braun chamado Projeto Marte,
que descrevia uma colônia no planeta comandada por um executivo
conhecido como Elon.
Elon chorava muito, comia muito e dormia pouco. Em dado momento,
Maye decidiu que ia deixar o menino chorar até dormir, mas desistiu depois
que os vizinhos chamaram a polícia. Os humores dele mudavam
rapidamente — quando não estava chorando, diz a mãe, era muito meigo.
Nos dois anos seguintes, Maye teve outros dois filhos, Kimbal e Tosca.
Ela não os mimava. Eles foram criados soltos. Não havia babá, só uma
empregada que prestava pouca atenção, mesmo quando Elon começou a
fazer experiências com foguetes e explosivos. Ele se diz surpreso por ter
chegado ao fim da infância com todos os dedos ilesos.
Quando ele tinha 3 anos, a mãe decidiu que alguém tão intelectualmente
curioso deveria ir para a pré-escola. O diretor tentou dissuadi-la, explicando
que ele era mais novo que os demais e teria dificuldades para se socializar.
Ele teria que esperar mais um ano. “Não posso fazer isso”, falou Maye.
“Elon precisa de alguém além de mim para conversar. Eu realmente tenho
um filho gênio.” Ela conseguiu.
Foi um erro. Elon não tinha amigos, e quando chegou ao segundo ano
passou a se desligar. “A professora se aproximava e gritava comigo, mas eu
não a via ou ouvia de fato”, conta ele. Os pais foram chamados pelo diretor,
que disse: “Achamos que o Elon é retardado.” Segundo explicou uma das
professoras, ele passava a maior parte do tempo num transe, sem ouvir nada.
“Ele fica olhando pela janela, e, quando digo para prestar atenção, ele diz:
‘As folhas estão ficando marrons.’” Errol respondeu que Elon estava certo, as
folhas estavam ficando marrons.
O impasse acabou quando os pais concordaram que era preciso testar a
audição de Elon, como se esse pudesse ser o problema. “Eles concluíram
que o problema era a minha audição, de modo que tiraram a minha
adenoide”, conta ele. Isso acalmou os diretores da escola, mas não mudou a
tendência de Elon de se desligar e se fechar num mundo próprio quando
estava pensando. “Desde criança, se eu começo a me concentrar muito em
alguma coisa, todos os meus sentidos se desligam”, diz. “Não consigo ver,
ouvir, fazer mais nada. Estou usando meu cérebro para computar, não para
receber informações externas.” As outras crianças pulavam e balançavam os
braços na cara dele, para ver se conseguiam fazer o menino voltar a prestar
atenção. Mas não funcionava. “Era melhor não interromper quando ele
estava com o olhar perdido”, afirma a mãe.
Somando-se aos problemas sociais do menino, havia o desinteresse em
tratar com educação as pessoas que ele considerava tolas. Ele usava a palavra
“burro” com frequência. “Quando começou a ir para a escola, Elon se
tornou muito solitário e triste”, conta a mãe. “Kimbal e Tosca faziam
amigos no primeiro dia e os traziam para casa, mas Elon nunca trouxe
ninguém. Ele queria ter amigos, mas não sabia como.”
Consequentemente, Elon era solitário, muito solitário, e aquela dor
permanece marcada em sua alma. “Quando eu era criança, tinha uma coisa
que eu dizia”, relembrou ele em uma entrevista para a Rolling Stone durante
um período tumultuado de sua vida amorosa em 2017. “‘Eu nunca quero
ficar sozinho.’ Era isso que eu dizia. ‘Não quero ficar sozinho.’”
Certo dia, quando tinha 5 anos, um de seus primos fez uma festa de
aniversário, mas Elon estava de castigo por ter se envolvido numa briga e
ficou em casa. Ele era uma criança muito determinada, e decidiu andar
sozinho até a casa do primo. O problema era que a casa ficava do outro lado
de Pretória, uma caminhada de quase duas horas. Além disso, ele era jovem
demais para ler as placas de trânsito. “Eu meio que sabia o caminho porque
tinha visto do carro, e estava decidido a ir até lá, então comecei a andar.” Ele
chegou quase no fim da festa. Quando a mãe o viu descendo a rua, se
apavorou. Temendo ficar de castigo de novo, Elon subiu numa árvore e se
recusou a descer. Kimbal se lembra de ter ficado embaixo, olhando com
perplexidade para o irmão. “Ele tinha essa determinação feroz que espanta e
às vezes assusta, e ainda tem.”
Aos 8 anos, Elon cismou que queria ter uma moto. Sim, aos 8 anos. Ele
ficava ao lado da poltrona do pai defendendo a ideia repetidamente.
Quando o pai pegava o jornal e o mandava ficar quieto, Elon apenas
permanecia ali. “Era extraordinário de assistir”, diz Kimbal. “Ele ficava em
pé ali em silêncio, depois recomeçava a defender a ideia, então se calava de
novo.” Isso aconteceu todas as noites por semanas. O pai finalmente cedeu e
deu a Elon uma Yamaha azul e dourada de 50 cilindradas.
Além disso, Elon tinha uma tendência a se distrair e sair andando
sozinho, completamente indiferente ao que os outros estavam fazendo. Em
uma viagem da família a Liverpool para visitar parentes, quando ele tinha 8
anos, os pais o deixaram, com o irmão, em um parque brincando sozinhos.
Não era da natureza de Elon ficar parado, então ele começou a andar pelas
ruas. “Algum menino me encontrou chorando e me levou até a mãe, que me
deu leite e biscoitos e chamou a polícia”, lembra Elon. Quando reencontrou
os pais na delegacia, ele não sabia o que havia de errado.
“Era uma loucura deixar a mim e meu irmão sozinhos no parque naquela
idade”, afirma ele, “mas meus pais não eram superprotetores como os pais de
hoje em dia”. Anos depois, eu o vi num canteiro de obras da construção de
um telhado solar com o filho de 2 anos, conhecido como X. Eram dez da
noite, e havia guindastes e outras máquinas em movimento iluminados por
apenas dois holofotes que formavam grandes sombras. Musk colocou X no
chão para que explorasse o local sozinho, algo que o menino fez sem medo.
Enquanto o filho brincava entre fios e cabos, Musk às vezes olhava para ele,
mas não tentava interferir. Finalmente, depois que X começou a escalar um
holofote móvel, ele se aproximou e pegou o garoto. X se contorceu e
reclamou, chateado por ter sido tolhido.
Tempos depois, Musk iria dizer — e até brincaria com isso — que tem
Asperger, nome popular de um tipo de transtorno do espectro autista que
pode afetar as habilidades sociais, os relacionamentos, os laços emocionais e
a autorregulação. “Ele nunca foi diagnosticado quando criança”, declara a
mãe, “mas diz que tem Asperger, e tenho certeza de que tem razão”. O
transtorno foi exacerbado pelos traumas de infância. Mais tarde, sempre que
ele se sentia acossado ou ameaçado, diz seu amigo íntimo Antonio Gracias,
o TEPT da infância tomava de assalto o sistema límbico dele, a parte do
cérebro que controla as reações emocionais.
Como resultado, ele tem dificuldade em compreender sinais sociais. “Eu
entendia as pessoas de forma literal quando elas estavam tentando dizer
algo”, fala, “e só depois que comecei a ler livros aprendi que as pessoas nem
sempre diziam o que realmente sentiam”. Ele tinha uma preferência por
coisas mais precisas, como engenharia, física e programação.
Assim como todas as características psicológicas, as de Musk são
complexas e individuais. Ele podia ser muito emotivo, especialmente em
relação aos filhos, e experimentara o tipo de ansiedade que acompanha a
solidão. Mas não tinha os receptores emocionais responsáveis pela gentileza
diária, pela cordialidade e pelo desejo de ser querido. A empatia não era algo
natural para ele, ou, para dizer em termos menos técnicos, ele podia ser um
babaca.
O divórcio
Maye e Errol Musk estavam numa edição da Oktoberfest com outros três
casais, bebendo cerveja e se divertindo, quando um homem de outra mesa
assobiou para Maye e disse que ela era sexy. Errol perdeu a cabeça, mas não
com o sujeito. Maye lembra que ele estava prestes a bater nela, e um amigo
teve que o segurar. Ela fugiu para a casa da mãe. “Com o passar do tempo,
ele foi ficando ainda mais maluco”, disse Maye depois. “Ele me batia na
frente das crianças. Lembro que Elon, que tinha 5 anos, batia na parte de
trás dos joelhos do pai para tentar fazer com que ele parasse.
Errol chama essas acusações de “mentira deslavada”. Ele alega que
adorava Maye e, no decorrer dos anos, tentou reconquistá-la. “Nunca bati
em uma mulher na vida, e certamente nunca bati em nenhuma das minhas
esposas”, afirma. “Uma das armas das mulheres é chorar acusando o homem
de abusar delas, chorar e mentir. E as armas do homem são comprar e
assinar.”
Na manhã depois da confusão na Oktoberfest, Errol foi até a casa da mãe
de Maye, se desculpou e pediu a Maye que voltasse. “Não se atreva a
encostar nela de novo”, asseverou Winnifred Haldeman. “Se você bater
nela, ela vai vir morar comigo.” Maye disse que ele nunca mais bateu nela
depois daquilo, mas os insultos continuaram. Ele dizia que ela era “chata,
burra e feia”. O casamento nunca se restabeleceu. Errol depois admitiu que
foi culpa dele. “Eu tinha uma esposa muito bonita, mas havia moças mais
jovens e mais bonitas”, disse. “Eu realmente amava Maye, porém estraguei
tudo.” Eles se divorciaram quando Elon estava com 8 anos.
Maye e as crianças se mudaram para uma casa na costa perto de Durban,
cerca de seiscentos quilômetros ao sul da área de Pretória-Joanesburgo, onde
ela se dividia entre os trabalhos de modelo e nutricionista. Ela ganhava
pouco dinheiro, e comprava para os filhos livros e uniformes de segunda
mão. Em alguns fins de semana e feriados, os meninos (geralmente não
Tosca) pegavam o trem para visitar o pai em Pretória. “Ele os mandava de
volta sem roupas, sem mochilas, de modo que eu tinha sempre que comprar
roupas novas para eles”, fala ela. “Errol dizia que uma hora eu voltaria para
ele, porque ficaria tão pobre que não seria capaz de dar de comer às
crianças.”
Maye com frequência viajava para trabalhos de modelo, ou tinha que dar
uma aula de nutrição e deixar as crianças em casa. “Nunca me senti culpada
por trabalhar em tempo integral, porque não tinha escolha”, diz. “Meus
filhos precisavam tomar conta de si mesmos.” A liberdade os ensinou a
serem autossuficientes. Quando se deparavam com um problema, ela dava
uma resposta pronta: “Você vai descobrir como resolvê-lo.” Como Kimbal
recorda: “Nossa mãe não era delicada ou carinhosa, e estava sempre
trabalhando, mas isso foi um presente para nós.”
Elon se transformou numa pessoa notívaga, que virava a noite lendo. Ao
ver a luz do quarto da mãe se acender às seis da manhã, ia para a cama e
dormia. Isso significava que ela encontrava dificuldade para acordá-lo a
tempo da escola, e, quando ela estava fora, às vezes Elon não chegava na
aula antes das dez da manhã. Depois de receber ligações da escola, Errol
começou uma batalha pela guarda dos filhos, e mandou intimar as
professoras de Elon, o agente de Maye e os vizinhos. Pouco antes do
julgamento, Errol desistiu do processo. De tempos em tempos, ele abria
outro processo e então desistia. Quando Tosca relembra essas histórias,
começa a chorar. “Me lembro da minha mãe sentada, chorando no sofá.
Não sabia o que fazer. Eu só podia dar um abraço nela.”
Maye e Errol eram mais atraídos pela intensidade dramática do que pela
paz doméstica, um traço que os filhos herdariam. Depois do divórcio, Maye
começou a sair com outro homem abusivo. As crianças o odiavam e, às
vezes, colocavam nos cigarros dele bombinhas que explodiam quando ele os
acendia. Logo depois que o homem a pediu em casamento, engravidou
outra mulher. “Era uma amiga minha”, diz Maye. “Tinha trabalhado
comigo como modelo.”
Elon com um dente quebrado e uma cicatriz
capítulo 3
A vida com o pai
Pretória, anos 1980
Elon cutuca um cágado e Errol observa (alto, à esquerda); Kimbal e Elon com
Peter e Russ Rive (alto, à direita); a cabana na Reserva Timbavati Game (abaixo)
A mudança
Aos 10 anos, Musk tomou uma decisão fatídica, da qual depois se
arrependeria. Ele decidiu morar com o pai. Pegou o perigoso trem noturno
de Durban para Joanesburgo sozinho. Quando avistou o pai esperando na
estação, começou “a sorrir de felicidade, como o sol”, diz Errol. “Oi, pai,
vamos comer um sanduíche”, gritou Elon. Naquela noite, ele dormiu na
cama do pai.
Por que ele decidiu morar com o pai? Elon suspira e fica em silêncio por
quase um minuto quando pergunto isso. “Meu pai estava solitário, muito
sozinho, e eu achei que devia fazer companhia a ele”, acaba dizendo. “Ele
usava artimanhas psicológicas comigo.” Elon também adorava a avó, a mãe
de Errol, Cora, conhecida como Nana. Ela o convenceu de que era injusto
que a mãe ficasse com as três crianças e o pai, com nenhuma.
De certa maneira, a mudança não foi uma surpresa. Elon estava com 10
anos, e não tinha traquejo social nem amigos. A mãe era carinhosa, mas
estava sobrecarregada, distraída e vulnerável. O pai, por sua vez, era
arrogante e viril. Era um homem grande, com mãos enormes e uma
presença fascinante. Teve muitos altos e baixos na carreira, mas na época
Errol estava se sentindo o máximo. Tinha um Rolls-Royce Corniche
dourado e, mais importante, duas coleções de enciclopédias, muitos livros e
uma coleção de ferramentas de engenharia.
Então Elon, ainda menino, escolheu morar com ele. “Acabou se
provando uma ideia muito ruim”, diz. “Eu ainda não sabia quão ruim ele
era.” Quatro anos depois, Kimbal fez o mesmo. “Eu não queria deixar meu
irmão sozinho com ele”, diz Kimbal. “Meu pai persuadiu meu irmão a ir
morar com ele. E depois fez a mesma coisa comigo.”
“Por que ele escolheu morar com alguém que magoava todo mundo?”,
perguntou Maye Musk quarenta anos depois. “Por que ele não preferiu uma
casa feliz?” Depois, ela fez uma pausa antes de dizer: “Talvez esse seja o
jeito dele.”
*
Após terem ido morar com o pai, os meninos ajudaram Errol a construir
uma cabana que ele alugaria para turistas na Reserva Timbavati Game, um
trecho intocado de selva 480 quilômetros a leste de Pretória. Durante a
construção, eles dormiam ao redor de uma fogueira, com fuzis Browning ao
lado para se proteger dos leões. Os tijolos eram feitos de areia do rio e o
telhado, de sapê. Por ser engenheiro, Errol gostava de estudar as
propriedades de diversos materiais, e utilizou mica para fazer o piso da casa,
porque era um bom isolante térmico. Elefantes em busca de água com
frequência desenterravam os canos e macacos volta e meia invadiam os
quartos e faziam cocô, de modo que havia muito trabalho a ser feito pelos
meninos.
Elon frequentemente acompanhava os visitantes em caçadas. Apesar de
ter apenas um fuzil de calibre .22, sua mira era boa, e ele se tornou um bom
atirador. Até ganhou um concurso local de tiro ao alvo, embora fosse novo
demais para receber o prêmio, que era uma caixa de uísque.
Quando Elon tinha 9 anos, o pai levou Kimbal, Tosca e ele numa viagem
aos Estados Unidos, onde dirigiram de Nova York, passando pelo Meio-
Oeste, até a Flórida. Elon ficou viciado nos jogos de fliperama da recepção
dos hotéis de beira de estrada. “Era de longe a coisa mais empolgante”, disse
ele. “Não existia isso na África do Sul.” Errol demonstrou sua mistura de
extravagância e frugalidade. Alugou um underbird e eles se hospedavam
em hotéis baratos. “Quando chegamos a Orlando, meu pai se recusou a nos
levar à Disneylândia porque era caro demais”, lembra Musk. “Acho que
fomos a algum parque aquático em vez disso.” Como em tantos outros
casos, Errol conta uma história diferente, e insiste que eles foram tanto à
Disneylândia, onde Elon gostou da casa assombrada, quanto ao Six Flags,
na Geórgia. “Eu disse para eles mais de uma vez na viagem: ‘Um dia vocês
vão morar nos Estados Unidos.’”
Dois anos depois, Errol levou os três filhos a Hong Kong. “Meu pai
misturava negócios legais e clandestinos”, relembra Musk. “Ele deixou a
gente no hotel, que era bem sujo, com 50 dólares ou algo assim, e então
ficamos sem saber dele por dois dias.” Eles viram filmes de samurai na TV
do hotel. Elon e Kimbal deixaram Tosca no quarto e passearam pelas ruas
de Hong Kong, entrando nas lojas de eletrônicos em que podiam jogar
videogame de graça. “Hoje em dia chamariam o Conselho Tutelar se
alguém fizesse o que o meu pai fez”, conta Musk, “mas para nós, na época,
foi uma experiência maravilhosa”.
Uma confederação de primos
Após Elon e Kimbal terem ido morar com o pai na região metropolitana de
Pretória, Maye se mudou para perto de Joanesburgo, onde estava a família.
Nas sextas-feiras, ela ia até a casa de Errol para pegar os meninos e depois
iam visitar a avó, a indomável Winnifred Haldeman, que fazia um frango
ensopado que as crianças odiavam, a ponto de Maye levar os filhos para
comer pizza depois.
Ao falar sobre o pai, Elon às vezes solta uma risada meio dura e amarga. É
parecida com a risada de Errol. Algumas das palavras que Elon usa, a
maneira como olha fixamente, as mudanças repentinas, fazem a família se
lembrar do Errol que habita dentro dele. “Eu via resquícios dessas histórias
terríveis que o Elon me contou surgirem no próprio comportamento dele”,
diz Justine, sua primeira esposa. “Isso me fez perceber como é difícil não se
deixar moldar por aquilo com que crescemos, mesmo quando não é o que
queremos.” Volta e meia, ela se permitia dizer algo como: “Você está
virando seu pai.” Ela me explica: “Era nossa senha para alertar que ele estava
adentrando as trevas.”
No entanto, Justine diz que Elon, que sempre esteve emocionalmente
envolvido com os filhos, é diferente do pai em algo fundamental. “Com
Errol havia a sensação de que coisas realmente ruins poderiam acontecer
perto dele”, relata ela. “Mas se o apocalipse zumbi acontecesse, você ia
querer Elon no seu time, porque ele descobriria uma maneira de colocar os
zumbis na linha. Ele pode ser muito duro, mas, no fim das contas, você
pode confiar que ele encontrará uma maneira de sobreviver.”
Para que isso acontecesse, ele tinha que seguir em frente. Era hora de
deixar a África do Sul.
Passagem só de ida
Musk começou a pressionar tanto a mãe quanto o pai, tentando convencê-
los a se mudarem para os Estados Unidos e levá-lo juntamente com os
irmãos. Nenhum dos dois estava interessado. “Então pensei: Bem, vou ter
que ir sozinho.”
Primeiro ele tentou obter a cidadania norte-americana com a alegação de
que o avô materno nascera em Minnesota, mas não conseguiu porque a mãe
dele nasceu no Canadá e nunca pediu a cidadania do país vizinho. Então,
ele chegou à conclusão de que ir para o Canadá podia ser um primeiro passo
mais fácil. Elon foi ao consulado canadense sozinho, pegou os formulários
para o passaporte e preencheu não só os dados dele, como também os da
mãe, do irmão e da irmã (mas não os do pai). As autorizações saíram no fim
de maio de 1989.
“Eu teria partido no dia seguinte, mas na época as passagens aéreas eram
mais baratas se você comprasse com catorze dias de antecedência”, diz ele,
“então tive que esperar duas semanas”. Em 11 de junho de 1989, cerca de
duas semanas antes do aniversário de 18 anos, Elon jantou no melhor
restaurante de Pretória, o Cynthia’s, com o pai e os irmãos, que depois o
levaram ao aeroporto de Joanesburgo.
“Você vai voltar em alguns meses”, conta Elon o que o pai lhe disse com
desdém. “Você nunca vai ser bem-sucedido.”
Como sempre, Errol tem sua própria versão da história, na qual ele é o
herói. De acordo com ele, Elon ficou seriamente deprimido durante o
último ano do ensino médio. O desespero chegou ao extremo no Dia da
República, 31 de maio de 1989. A família estava se preparando para ver o
desfile, mas Elon se recusou a sair da cama. O pai se encostou na grande
escrivaninha no quarto de Elon, sobre ela o computador usado, e disse:
“Quer estudar nos Estados Unidos?” Elon se animou: “Sim.” Errol alega o
seguinte: “Foi ideia minha. Até aquele momento, ele nunca tinha dito que
queria ir para os Estados Unidos. Então eu disse: ‘Bem, amanhã você tem
que encontrar o adido cultural americano’, que era meu amigo do Rotary.”
A versão do pai, segundo Elon, era outra das elaboradas fantasias de
Errol que o colocam como herói. Nesse caso, provavelmente era mentira.
No Dia da República de 1989, ele já tinha um passaporte canadense e estava
com a passagem aérea comprada.
capítulo 6
Canadá
1989
Com Robin Reb na Penn; com o primo Peter Rive e Kimbal em Boston
Física
Musk ficou entediado na Queen’s. O lugar era lindo, mas não era
academicamente desafiador. Então, quando um dos colegas se transferiu
para a Universidade da Pensilvânia, ele decidiu tentar o mesmo.
Dinheiro era um problema. O pai não estava ajudando e a mãe tinha três
empregos para conseguir pagar as contas. Entretanto, a Penn ofereceu a ele
uma bolsa de estudos de 14 mil dólares mais um empréstimo estudantil, de
modo que em 1992 ele se transferiu para lá a fim de cursar o terceiro ano.
Elon decidiu se formar em física porque, assim como o pai, ele sentia
atração pela engenharia. A essência de ser um engenheiro, para ele, era
enfrentar qualquer problema reduzindo-o aos princípios básicos da física.
Elon também decidiu se formar em administração. “Eu receava que, se não
estudasse administração, seria forçado a trabalhar para alguém que estudou”,
diz. “Meu objetivo era projetar produtos tendo uma noção da física, e nunca
precisar trabalhar para um chefe com um diploma de administração.”
Apesar de não ser nem político nem gregário, ele se candidatou para o
centro acadêmico. Uma das promessas de campanha provocava aqueles que
tentavam se eleger para abrilhantar seus currículos. A promessa final da
plataforma de campanha dele era: “Se este cargo um dia aparecer no meu
currículo, prometo ficar de cabeça para baixo e comer cinquenta cópias do
documento em um lugar público.” Felizmente Elon perdeu, o que o salvou
de entrar para a política estudantil, um mundo no qual não se encaixava.
Em vez disso, ele se encaixou perfeitamente na multidão de geeks que
gostava de fazer piadas inteligentes que envolviam forças científicas, jogar
Dungeons & Dragons, videogames e escrever código de computador.
O amigo mais próximo dele nesse grupo era Robin Ren, que venceu uma
olimpíada de física no seu país natal, a China, antes de ir para a Penn. “Ele
era a única pessoa melhor do que eu em física”, confessa Musk. Eles se
tornaram parceiros no laboratório de física, onde estudaram como as
propriedades de diversos materiais mudavam quando submetidas a altas
temperaturas. No fim de um conjunto de experimentos, Musk tirou as
borrachas dos lápis, jogou-as numa jarra de líquido superfrio e estilhaçou
tudo ao jogar no chão. Ele queria conhecer as propriedades dos materiais e
das ligas em diferentes temperaturas e ser capaz de vê-las.
Ren lembra que Musk estava concentrado em três áreas que iriam definir
sua carreira. Quer estivesse calibrando a força da gravidade ou analisando as
propriedades dos materiais, ele discutia com Ren como as leis da física se
aplicavam à construção de foguetes. “Elon sempre falava sobre fazer um
foguete que pudesse viajar até Marte”, relembra Ren. “É óbvio que eu não
prestei muita atenção, porque achei que ele estava fantasiando.”
Musk também se concentrou em carros elétricos. Ele e Ren compravam
o almoço de um dos food trucks e se sentavam no gramado do campus, onde
Musk revisava trabalhos acadêmicos sobre baterias. A Califórnia tinha
acabado de aprovar um requerimento que exigia que 10% dos veículos
fossem elétricos até 2003. “Eu queria fazer acontecer”, disse Musk.
Musk também se convenceu de que a energia solar, que em 1994 estava
começando a evoluir, era o melhor caminho em direção à energia
sustentável. Seu trabalho de conclusão de curso era intitulado “A
importância de ser solar”. Ele era motivado não só pelo perigo da mudança
climática, mas também pelo fato de que as reservas de combustíveis fósseis
iriam começar a declinar. “A sociedade em breve não teria outra opção além
de buscar fontes de energia renováveis”, escreveu ele. A última página
mostrava uma “estação de energia do futuro” que tinha um satélite com
espelhos capazes de concentrar a luz solar em painéis e enviar a energia
resultante de volta para a Terra por meio de um raio de micro-ondas. O
professor deu a ele nota 98 e disse que era um “artigo muito interessante e
bem escrito, exceto pela última imagem, que surge do nada”.
Festeiro
Durante a vida, Musk encontrou três maneiras de escapar do drama
emocional que tendia a criar. A primeira foi a que ele compartilhou com
Navaid Farooq na Queen’s: a capacidade de se concentrar em jogos de
estratégia e construção de impérios, como Civilization e Polytopia. Robin
Ren refletiu sobre outra faceta de Musk: o leitor de enciclopédia que gostava
de mergulhar na “vida, no Universo e em tudo mais”, como define O guia do
mochileiro das galáxias.
Na Penn, Musk desenvolveu uma terceira forma de relaxamento: um
gosto pelas festas, que o tirou da concha solitária que o cercara na infância.
Seu parceiro e facilitador, Adeo Ressi, era um sujeito sociável que gostava de
diversão. Alto, de cabeça grande, risada expansiva e personalidade forte,
Ressi era um ítalo-americano de Manhattan que amava casas noturnas.
Excêntrico, ele fundou um jornal sobre meio ambiente, o Green Times, e
tentou criar sua própria disciplina na faculdade, chamada revolução, usando
exemplares do jornal como trabalho de conclusão de curso.
Assim como Musk, Ressi veio transferido de outra faculdade, por isso os
dois foram colocados no dormitório dos calouros, em que havia regras
proibindo festas e visitantes depois das dez horas. Nenhum deles gostava de
seguir regras, de modo que alugaram uma casa numa parte pobre no oeste
da cidade.
Ressi elaborou um esquema para dar uma grande festa mensalmente.
Eles cobriam as janelas e decoravam a casa com luzes negras e pôsteres
fluorescentes. Certa vez, Musk descobriu que sua mesa tinha sido pintada
com tinta que brilha no escuro e pregada na parede por Ressi, que chamou
aquilo de instalação artística. Musk a tirou da parede e declarou que não, era
uma mesa. Eles encontraram uma escultura de metal da cabeça de um
cavalo num ferro-velho e colocaram uma luz vermelha dentro, para que
saíssem raios pelos olhos. Havia uma banda em um andar, um DJ em outro,
mesas com cerveja e shots de vodca com gelatina, e alguém na porta cobrava
5 dólares a entrada. Em algumas noites apareciam quinhentas pessoas, o que
dava de sobra para pagar o aluguel mensal.
Quando Maye o visitou, ficou chocada. “Enchi oito sacos de lixo e varri o
lugar, e achei que eles ficariam agradecidos”, diz ela. “Mas eles nem
repararam.” Na noite da festa, eles colocaram Maye no quarto de Elon,
perto da entrada, para guardar casacos e o dinheiro. Ela ficou com uma
tesoura na mão, pois achou que poderia usá-la contra qualquer um que
tentasse roubar o caixa, e colocou o colchão de Elon encostado numa das
paredes externas. “A casa tremia e sacudia tanto com a música que achei que
o teto fosse cair, então cheguei à conclusão de que, se eu ficasse na
extremidade da casa, estaria mais segura.”
Apesar de Elon amar a atmosfera das festas, nunca se deixou levar
totalmente por elas. “Eu não bebia na época”, diz. “Adeo ficava
completamente bêbado. Eu batia na porta dele e falava: ‘Cara, você precisa
vir cuidar da festa.’ Acabei sendo o cara que tinha que ficar de olho nas
coisas.”
Ressi mais tarde se diria maravilhado por ver que Musk geralmente
parecia indiferente. “Ele gostava de estar perto de uma festa, mas não muito
dentro. A única coisa para a qual ele se entregava eram videogames.” Apesar
de todas as festas, ele entendeu que Musk era fundamentalmente alienado e
indiferente, como um observador de outro planeta que tenta aprender as
jogadas da sociabilidade. “Eu gostaria que o Elon soubesse como ser um
pouco mais feliz”, diz Ressi.
capítulo 9
Rumo a oeste
Vale do Silício, 1994-1995
Julho de 1994
Estágio de verão
Nas universidades da Ivy League nos anos 1990, alunos ambiciosos eram
atraídos ou para o leste, o reino dourado das finanças em Wall Street, ou
para o oeste, rumo à utopia tecnológica e ao fervor empreendedor do Vale
do Silício. Na Penn, Musk recebeu algumas ofertas de estágio de Wall
Street, todas lucrativas, mas o mercado financeiro não o interessava. Ele
achava que banqueiros e advogados não contribuíam muito para a sociedade.
Além disso, não gostava dos alunos que conhecera nas aulas de
administração. Em vez disso, se sentia atraído pelo Vale do Silício. Era a
década de exuberância racional, quando bastava que alguém colocasse um
.com em qualquer fantasia e esperasse pelo rugido dos Porsches se
aproximando pela Sand Hill Road com investidores acenando com cheques.
Musk conseguiu essa oportunidade no verão de 1994, entre seu primeiro
e segundo anos na Penn, quando fez dois estágios que permitiam que ele
saciasse suas paixões por veículos elétricos, espaço e videogames.
Durante o dia, ele trabalhava no Pinnacle Research Institute,
basicamente um grupo de vinte pessoas que tinha um contrato modesto
com o Departamento de Defesa para estudar um “ultracapacitor”
desenvolvido pelo seu fundador. Um capacitor é um dispositivo que pode
manter brevemente uma carga elétrica e liberá-la rápido, e a Pinnacle
pensou que podia construir um modelo potente o suficiente para fornecer
energia a carros elétricos e armas espaciais. Em um artigo que escreveu no
fim do verão, Musk declarou: “É importante perceber que o ultracapacitor
não é uma simples melhoria, mas uma tecnologia radicalmente nova.”
À noite, Musk trabalhava para uma pequena empresa chamada Rocket
Science, que criava videogames. Quando ele apareceu no prédio certa vez e
pediu um estágio de verão, lhe deram um problema que não tinham
conseguido resolver: como fazer o computador realizar multitarefas lendo
gráficos gravados num CD-ROM enquanto simultaneamente move um
avatar na tela. Ele entrou em um fórum de discussão para perguntar a outros
hackers como evitar o BIOS e o leitor de joystick usando o DOS. “Nenhum
dos engenheiros seniores tinha conseguido resolver esse problema, e eu
resolvi em duas semanas”, conta.
Eles ficaram impressionados e queriam que Musk trabalhasse em tempo
integral, mas ele precisava se formar para conseguir um visto de trabalho nos
Estados Unidos. Além disso, Elon chegou a uma conclusão: era apaixonado
por videogame e tinha as habilidades para ganhar dinheiro criando jogos,
mas essa não era a melhor maneira de levar a vida. “Eu queria causar um
impacto maior”, diz.
Rei da estrada
Uma tendência infeliz dos anos 1980 foi a de tornar carros e computadores
máquinas hermeticamente vedadas. Era possível abrir e brincar com as
peças de um Apple II que Steve Wozniak desenvolveu no fim dos anos
1970, mas não dava para fazer isso com o Macintosh, que Steve Jobs tornou
quase impossível de abrir em 1984. Do mesmo modo, as crianças até os
anos 1970 ficavam fuçando na mecânica dos carros, mexendo nos
carburadores, mudando velas e turbinando os motores. Elas sabiam avaliar
válvulas e Valvoline usando a ponta dos dedos. Esse imperativo de colocar a
mão na massa e a tradição dos kits de montar se aplicavam até mesmo a
aparelhos de rádio e televisão; se quisesse, você podia mudar os tubos e
também os transistores e ter certa noção do funcionamento de um circuito.
Essa tendência de se fabricarem dispositivos fechados e selados
significava que a maioria dos técnicos que cresceu nos anos 1990 se dedicou
mais ao software do que ao hardware. Eles não sentiram o doce cheiro do
ferro de solda, mas programavam de maneira a fazer os circuitos cantarem.
Musk era diferente. Ele gostava tanto do hardware quanto do software. Ele
programava, mas também tinha um talento para componentes físicos, como
células de baterias e capacitores, válvulas e câmaras de combustão, bombas
de combustível e correia do alternador.
Musk tinha uma paixão especial por mexer em carros. Na época, ele
tinha uma BMW 300i de 21 anos, e passava os sábados vasculhando ferros-
velhos na Filadélfia à procura das peças de que precisava para turbinar o
carro. Ele tinha uma transmissão de quatro velocidades, mas decidiu
aprimorá-la quando a BMW começou a fabricar uma de cinco velocidades.
Pegando emprestado um macaco em uma oficina local, Musk conseguiu,
com alguns calços e um pouco de retificação, enfiar uma transmissão de
cinco marchas no que antes era um carro de quatro marchas. “Aquilo podia
arrastar um trem”, lembra ele.
No fim dos estágios de verão em 1994, ele e Kimbal dirigiram o carro de
Palo Alto até a Filadélfia. “Nós dois achávamos a universidade um saco, e
não tínhamos pressa para voltar”, lembra Kimbal, “então, fizemos uma
viagem de carro de três semanas”. O carro vivia quebrando. Uma vez, eles
conseguiram levá-lo até uma concessionária em Colorado Springs, mas
depois o carro acabou pifando de novo. Os dois empurraram a BMW até
uma parada de caminhões, onde Elon conseguiu refazer tudo que o
mecânico profissional tinha feito.
Musk também viajou na BMW com a garota que namorava na época,
Jennifer Gwyne. Durante o feriado de Natal em 1994, eles foram da
Filadélfia até a Queen’s University, onde Kimbal ainda estudava, e depois até
Toronto para ver Maye. Lá Musk deu a Jennifer um colar de ouro com uma
pequena esmeralda. “A mãe dele tinha vários desses colares numa caixa no
quarto, e Elon me disse que eram da mina de esmeralda do pai na África do
Sul... Ele tirou um da caixa”, destacou Jennifer 25 anos depois, quando o
leiloou pela internet. Na realidade, a mina, havia muito falida, não ficava na
África do Sul e não era do pai dele, mas na época ele não se importava em
passar essa impressão.
Quando se formou, na primavera de 1995, Musk decidiu fazer outra
viagem pelo país até o Vale do Silício. Ele levou junto Robin Ren, depois de
ensiná-lo a dirigir usando câmbio manual. Eles pararam no recém-
inaugurado Aeroporto de Denver, porque Musk queria ver o sistema de
manuseio de bagagem. “Ele estava fascinado com os robôs desenvolvidos
para lidar com as bagagens sem intervenção humana”, relata Ren. Mas o
sistema era uma bagunça. Musk aprendeu uma lição que iria ter que
reaprender quando construísse as altamente robóticas fábricas da Tesla. “Era
automatizado demais, e eles subestimaram a complexidade do que estavam
construindo”, diz ele.
A onda da internet
Musk planejava se matricular em Stanford no fim do verão para estudar
ciência dos materiais na graduação. Ainda fascinado por capacitores, ele
queria pesquisar como alimentar carros elétricos com eles. “A ideia era
aproveitar equipamentos de produção de chips para fazer ultracapacitores de
estado sólido com densidade de energia suficiente para dar longo alcance a
um carro”, diz. Contudo, quando a hora de se matricular foi se
aproximando, ele começou a se preocupar. “Percebi que poderia passar
muitos anos em Stanford, terminar o doutorado, e chegar à conclusão de
que os capacitores não eram viáveis”, comenta ele. “A maioria das pessoas
com doutorado é irrelevante. Quase nenhuma promove alguma mudança de
fato.”
À época, ele tinha concebido uma visão que iria repetir como um mantra.
“Pensei sobre coisas que afetariam de verdade a humanidade”, relata ele.
“Cheguei a três: internet, energia sustentável e viagem espacial.” No verão
de 1995, ficou evidente para Musk que a primeira dessas coisas, a internet,
não iria esperar que ele terminasse a faculdade. A web havia acabado de ser
aberta para uso comercial, e naquele agosto a startup do navegador Netscape
abriu o capital e chegou, em apenas um dia, ao valor de mercado de 2,9
bilhões de dólares.
No seu último ano na Penn, Musk teve uma ideia para uma empresa de
internet, quando um executivo da NYNEX deu uma palestra sobre os
planos da empresa de telefonia de lançar uma versão on-line das Páginas
amarelas. Chamada de Big Yellow, ela teria itens interativos para que os
usuários adaptassem as informações às necessidades pessoais, disse o
executivo. Musk pensou (e acertou, no fim das contas) que a NYNEX não
tinha ideia de como torná-la realmente interativa. “Por que não fazemos nós
mesmos?”, sugeriu ele a Kimbal, e começou a programar de forma a
combinar as informações dos negócios com dados geográficos. Ele chamou
aquilo de Virtual City Navigator.
Pouco antes do prazo final para se matricular em Stanford, Musk foi a
Toronto a fim de se aconselhar com Peter Nicholson, do Scotiabank. Ele
deveria prosseguir com a ideia do Virtual City Navigator ou começar o
doutorado? Nicholson, que era doutor por Stanford, foi categórico. “A
revolução da internet só vai acontecer uma vez na vida; então, vá nessa
enquanto a forja está quente”, disse ele a Musk enquanto os dois
caminhavam às margens do rio Ontário. “Você vai ter muito tempo para se
formar na faculdade depois, caso ainda esteja interessado.” Quando Musk
voltou para Palo Alto, contou a Robin Ren que tinha se decidido. “Preciso
deixar todo o resto de lado”, disse. “Tenho que pegar a onda da internet.”
Elon foi precavido em sua aposta. Ele se matriculou em Stanford e
imediatamente trancou o curso. “Escrevi um programa usando os primeiros
mapas da internet e as Páginas amarelas”, disse ele a Bill Nix, o professor de
ciência dos materiais. “Provavelmente vai dar errado, e, se for o caso,
gostaria de poder voltar.” Nix disse que não via problema em Musk adiar os
estudos, mas previu que ele nunca voltaria.
Maio de 1995
capítulo 10
Zip2
Palo Alto, 1995-1999
Gente que trabalha com produto tem compulsão por vender diretamente
aos consumidores, sem intermediários atrapalhando as coisas. Musk era
assim. Ele ficou frustrado com a nova estratégia da Zip2 de se contentar em
ser uma fornecedora sem marca para a indústria jornalística. “Acabamos em
dívida com os jornais”, diz Musk. Ele queria comprar o domínio “city.com”
e voltar a tratar direto com os consumidores, competindo com o Yahoo! e o
AOL.
Os investidores também tinham dúvidas sobre a estratégia. Guias de
cidades e diretórios da internet estavam proliferando no outono de 1998, e
nenhum estava tendo lucro. Então, o CEO Rich Sorkin decidiu se fundir
com um deles, o CitySearch, na esperança de que, juntos, os dois pudessem
ser bem-sucedidos. Entretanto, quando Musk conheceu o CEO da
CitySearch, ficou apreensivo. Com a ajuda de Kimbal e de alguns dos
engenheiros, Elon liderou uma rebelião que naufragou a fusão. Ele também
exigiu voltar a ser CEO. Em vez disso, o conselho o tirou da presidência e
reduziu seu papel na empresa.
“Grandes coisas nunca acontecerão com fundos de capital e gestores
profissionais”, declarou Musk para a revista Inc. “Eles não têm nem a
criatividade nem a compreensão.” Um dos sócios da Mohr Davidow, Derek
Proudian, assumiu o cargo de CEO interino, com a tarefa de vender a
empresa. “Essa é sua primeira empresa”, disse ele a Musk. “Vamos encontrar
um comprador e ganhar dinheiro para que você possa criar uma segunda,
terceira e quarta empresas.”
O milionário
Em janeiro de 1999, menos de quatro anos depois que Elon e Kimbal
lançaram a Zip2, Proudian os chamou no escritório e disse que a Compaq
Computer, que estava tentando aprimorar seu serviço de busca AltaVista,
havia oferecido 307 milhões de dólares em dinheiro. Os irmãos haviam
dividido seus 12% em 60% para Elon e 40% para Kimbal, de modo que
Elon, aos 27 anos, saiu com 22 milhões de dólares e Kimbal, com 15
milhões. Elon ficou atônito quando recebeu o cheque. “Minha conta
bancária foi de 5 mil dólares para 22.005.000 de dólares”, lembra ele.
Os Musk deram 300 mil dólares do lucro para o pai e 1 milhão de
dólares para a mãe. Elon comprou um apartamento de 167 metros
quadrados e esbanjou no que para ele era a indulgência máxima: um carro
esporte McLaren F1 de 1 milhão de dólares, o mais rápido da época.
Permitiu que a CNN filmasse a chegada do veículo. “Há apenas três anos eu
estava tomando banho num albergue e dormindo no chão do escritório, e
agora tenho um carro de 1 milhão de dólares”, disse ele, pulando de alegria
na rua enquanto o McLaren era descarregado de um caminhão.
Depois do surto impulsivo, ele percebeu que não era bom ficar dando
demonstrações frívolas de deslumbre com a riqueza. “Alguém podia
interpretar a compra do carro como um comportamento característico de
um pirralho imperialista”, admitiu ele. “Pode ser que meus valores tenham
mudado, mas eu não estava ciente disso.”
No entanto, os valores dele tinham de fato mudado? A riqueza permitia
realizar desejos e impulsos sem muitas restrições, o que nem sempre é
bonito de se ver. Mas a intensidade honesta e focada permaneceu intacta.
O jornalista Michael Gross estava no Vale do Silício apurando uma
matéria para a elegante revista Talk, de Tina Brown, sobre os pirralhos do
mundo da tecnologia que estavam enriquecendo. “Eu estava procurando um
personagem principal que gostasse de ostentação e valesse uma alfinetada”,
lembraria Gross anos depois. “Mas o Musk que conheci em 2000 era um
sujeito cheio de joie de vivre, agradável demais, quase impossível de alfinetar.
Ele tinha a mesma despreocupação e indiferença a expectativas que tem
hoje, mas era descontraído, aberto, charmoso e engraçado.”
Ser celebridade era atraente para um menino que cresceu sem amigos.
“Eu queria sair na capa da Rolling Stone”, declarou Musk para a CNN.
Contudo, ele acabaria tendo uma relação conflituosa com a riqueza. “Eu
podia comprar uma ilha nas Bahamas e transformá-la num feudo pessoal,
mas estou muito mais interessado em tentar construir e criar uma empresa
nova”, afirmou ele. “Não gastei meu dinheiro, vou investir quase tudo em
um jogo novo.”
capítulo 11
Justine
Palo Alto, anos 1990
Justine, Elon e Maye (acima); a família, com Errol e Maye, o segundo e a terceira a
partir da direita (abaixo)
Romance dramático
Quando Musk se acomodou no banco do motorista de sua nova McLaren
de 1 milhão de dólares, disse para o repórter da CNN que registrava a cena:
“O verdadeiro ganho é o sentimento de satisfação de ter criado uma
empresa.” Nesse momento, uma jovem linda, esbelta, que vinha a ser a
namorada de Elon, colocou os braços em volta dele. “Sim, sim, sim, mas o
carro também”, arrulhou ela. “O carro. Vamos ser honestos.” Musk pareceu
um pouco constrangido e olhou para baixo, conferindo as mensagens no
celular.
O nome dela era Justine Wilson, embora, no momento em que os dois se
conheceram na Queen’s University, ela ainda usasse o prosaico nome de
Jennifer. Como Musk, ela foi um rato de biblioteca quando criança, embora
preferisse romances de fantasia sombrios a ficção científica. Criada numa
cidadezinha à beira de um rio a nordeste de Toronto, ela achava que ia se
tornar escritora. Com cabelos soltos e um sorriso misterioso, Justine
conseguia ser radiante e opressora ao mesmo tempo, como um personagem
de um dos romances que esperava um dia escrever.
Ela conheceu Musk quando era caloura e ele estava no segundo ano na
Queen’s. Depois de vê-la numa festa, Musk a convidou para tomar sorvete.
Ela aceitou o convite na terça-feira seguinte, mas, quando ele foi buscá-la,
descobriu que ela não estava em casa. “De qual sorvete ela mais gosta?”,
perguntou Elon para um amigo de Justine. Flocos, foi a resposta. Então, ele
comprou uma casquinha e andou pelo campus, até que a encontrou
estudando um texto em espanhol num centro estudantil. “Acho que esse é o
seu favorito”, disse ele, entregando-lhe a casquinha derretida.
“Ele não é o tipo de cara que aceita não como resposta”, diz ela.
Justine na época estava terminando o relacionamento com alguém que
parecia mais legal, um escritor com uma barbicha embaixo do lábio inferior,
também chamada de mosca. “Achei que aquela mosca era um sinal certeiro
de que ele era um idiota”, comenta Musk. “Então, convenci Justine a sair
comigo.” Ele disse a ela: “Você tem um fogo na alma. Eu me vejo em você.”
Ela ficou impressionada com as ambições de Musk. “Diferentemente de
outras pessoas ambiciosas, ele nunca falava em ganhar dinheiro”, diz Justine.
“Ele deduziu que ou ia ficar rico ou ia falir, sem meio-termo. O que
interessava eram os problemas que ele queria resolver.” A vontade indomável
dele — seja por fazê-la sair com ele, seja por construir carros elétricos —
impressionou Justine. “Até mesmo quando parecia conversa de maluco, você
acreditava, porque ele acreditava.”
Eles tiveram apenas alguns encontros antes de Musk trocar a Queen’s
pela Penn, mas mantiveram contato, e às vezes ele mandava rosas. Ela
passou um ano dando aulas no Japão e deixou de lado o nome Jennifer
“porque era muito comum e parecia nome de chefe de torcida”. Quando
voltou para o Canadá, Justine disse para a irmã: “Se o Elon me ligar de
novo, acho que vou nessa. Acho que perdi uma chance.” A ligação veio
quando ele foi a Nova York para falar com o Times sobre a Zip2. Elon a
convidou para sair. O fim de semana foi tão bom que ele pediu que
voltassem juntos para a Califórnia. Ela foi.
Musk ainda não tinha vendido a Zip2, e eles estavam morando no
apartamento dele em Palo Alto com dois colegas e um Dachshund não
adestrado chamado Bowie, em homenagem a David Bowie. Ela passava a
maior parte do tempo no quarto escrevendo e sendo antissocial. “Os amigos
não queriam ficar lá em casa porque a Justine era muito mal-humorada”,
lembra ele. Kimbal também não se dava com ela, e diz: “Pessoas inseguras
podem ser muito maldosas.” Quando Musk perguntou à mãe o que ela
achava de Justine, Maye foi, como sempre, sincera. “Não tem nada nela que
compense o lado ruim.”
Musk, que gostava de intensidade nos relacionamentos, estava
encantado. Certa noite durante o jantar, lembra Justine, ele perguntou
quantos filhos ela queria ter. “Um ou dois”, respondeu ela, “mas, se eu
pudesse pagar babás, teria quatro”.
“Essa é a diferença entre mim e você”, retrucou ele. “Eu já presumi que a
gente vai ter babás.” Então ele embalou algo imaginário nos braços e disse
“bebê”. Àquela altura, ele já queria muito ter filhos.
Logo depois, ele vendeu a Zip2 e comprou a McLaren. De repente,
havia dinheiro para babás. Ela brincou, constrangida, que talvez ele fosse
trocá-la por uma modelo linda. Em vez disso, Musk se ajoelhou na calçada
em frente à casa deles, pegou uma aliança e pediu Justine em casamento,
bem como num desses livros românticos.
Ambos gostavam de drama e as brigas eram um combustível para a
relação. “Para alguém que era tão amoroso assim comigo, ele nunca hesitou
em dizer quando eu estava errada a respeito de algo”, confessa ela. “E eu
reagia. Percebi que podia dizer qualquer coisa para ele e que isso não o
derrubava.” Um dia eles estavam num McDonald’s com um amigo e
começaram a discutir em voz alta. “Meu amigo ficou constrangido, mas o
Elon e eu estávamos acostumados a discutir em público. Tem algo de
combativo nele. Não acho que dá para estar num relacionamento com o
Elon e não brigar.”
Em uma viagem a Paris, eles foram ver as tapeçarias A Dama e o
Unicórnio no Musée de Cluny. Justine começou a descrever o que a comovia,
e fez uma interpretação espiritual do unicórnio como uma espécie de Cristo.
Musk chamou isso de “imbecilidade”. Eles começaram a discutir
intensamente sobre simbolismo cristão. “Ele estava simplesmente inflexível
e furioso, e dizia que eu não sabia do que estava falando, que eu era burra e
doida”, relata ela. “Era bem o jeito como o pai falava com ele, pelo que ele
me contava.”
O casamento
“Quando Elon falou que ia se casar com ela, eu intervim”, lembra Kimbal.
“Falei: ‘Não se case, você não pode se casar, ela é a pessoa errada para você.’”
Navaid Farooq, que estava com Musk na festa em que ele conheceu Justine,
também tentou impedir o casamento. Mas Musk gostava tanto de Justine
quanto da confusão. O casamento foi marcado para um fim de semana em
janeiro de 2000 na ilha caribenha de Saint-Martin.
Musk voou para lá um dia antes com um acordo pré-nupcial redigido por
seus advogados. Ele e Justine rodaram a ilha procurando um tabelião que
pudesse ser testemunha na noite de sexta-feira, mas não conseguiram
encontrar ninguém. Ela prometeu que assinaria quando eles voltassem
(acabou assinando duas semanas depois), mas a conversa causou muita
tensão. “Acho que ele estava supernervoso por estar se casando sem o acordo
assinado”, diz Justine. Isso provocou uma briga, ela saiu do carro e foi ver os
amigos. Mais tarde, os dois se encontraram na casa em que estavam e
continuaram a brigar. “A casa tinha muitos espaços abertos, então todo
mundo ouviu a discussão”, diz Farooq, “e ninguém sabia o que fazer”. De
repente, Musk saiu e disse para a mãe que o casamento estava cancelado.
Ela ficou aliviada. “Agora você não vai ser um sujeito infeliz”, decretou
Maye. Mas aí ele mudou de ideia e voltou para Justine.
A tensão continuou no dia seguinte. Kimbal e Farooq tentaram
convencer Musk a ir embora. Quanto mais os dois insistiam, mais
intransigente ele ficava. “Não, eu vou me casar com ela”, garantiu.
À primeira vista, a cerimônia ao lado da piscina do hotel pareceu feliz.
Justine estava radiante em um vestido branco sem mangas e com uma tiara
de flores brancas, e Musk estava elegante num smoking feito sob medida.
Tanto Maye quanto Errol estavam lá, e os dois até posaram para fotos
juntos. Depois do jantar, todos dançaram conga, e Elon e Justine
apresentaram sua primeira dança. Ele colocou ambos os braços na cintura
dela. Ela pôs os braços em volta do pescoço dele. Eles sorriram e se
beijaram. Então, enquanto dançavam, ele sussurrou um lembrete para ela:
“Neste relacionamento, eu sou o alfa.”
capítulo 12
X.com
Palo Alto, 1999-2000
*
Musk administrava a empresa do mesmo modo que fazia na Zip2, e isso
nunca ia mudar. Suas maratonas de programação tarde da noite seguidas de
uma mistura de grosseria e indiferença durante o dia levaram o cofundador,
Harris, e os poucos funcionários a exigir que Musk renunciasse ao cargo de
CEO. A certa altura, Musk respondeu com um e-mail em que demonstrava
muito autoconhecimento. “Sou por natureza obsessivo-compulsivo”,
escreveu ele para Fricker. “O que importa para mim é vencer, e isso não é
pouco. Sabe lá Deus por quê... A raiz disso deve estar em alguma
profundidade psicanalítica muito perturbadora ou num curto-circuito
neural.”
Como era o sócio majoritário, Musk triunfou e Fricker se demitiu, junto
com a maioria dos funcionários. Apesar da confusão, Musk conseguiu
convencer o influente presidente da Sequoia Capital, Michael Moritz, a
fazer um grande investimento na X.com. Depois, Moritz intermediou um
acordo para que o Barclays Bank e um banco comunitário no Colorado se
tornassem sócios, de modo que a X.com pudesse oferecer fundos mútuos de
investimentos, ter uma carta patente e cobertura do fundo garantidor de
crédito dos Estados Unidos, o FDIC. Aos 28 anos, Musk era uma
celebridade das startups. Em uma matéria chamada “Elon Musk está prestes
a se tornar o próximo grande sucesso do Vale do Silício”, a Salon o chamou
de “O cara de TI no Vale do Silício”.
Uma das táticas de gestão de Musk, tanto na época quanto depois, era
estabelecer um prazo insano e motivar os colegas a cumpri-lo. Ele fez isso
no outono de 1999 ao anunciar, num gesto que um engenheiro chamou de
“babaquice”, que a X.com seria lançada para o público no fim de semana de
Ação de Graças. Nas semanas anteriores, Musk rondava o escritório todos
os dias, inclusive no Dia de Ação de Graças, em um frenesi que
contaminava os outros com seu nervosismo, e dormia debaixo da mesa na
maioria das noites. Um dos engenheiros que foi para casa às duas da
madrugada no Dia de Ação de Graças recebeu uma ligação de Musk às
onze da manhã pedindo que ele voltasse, porque outro engenheiro tinha
trabalhado a noite toda e “não está mais funcionando a pleno vapor”. Tal
comportamento causava discussões e ressentimentos, mas também resultava
em sucesso. Quando o produto entrou no ar naquele fim de semana, todos
os funcionários andaram até um caixa eletrônico ali perto, no qual Musk
inseriu um cartão de débito da X.com. O dinheiro saiu e a equipe
comemorou.
Na crença de que Musk precisava da supervisão de adultos, Moritz o
convenceu a sair no mês seguinte e permitir que Bill Harris, o ex-presidente
da Intuit, se tornasse CEO. Em uma reprise do que aconteceu na Zip2,
Musk permaneceu como diretor de produto e presidente do conselho, e
manteve a intensidade frenética. Depois de uma reunião com os
investidores, ele foi até a lanchonete onde havia instalado alguns fliperamas.
“Vários de nós estávamos jogando Street Fighter com Elon”, diz Roelof
Botha, o diretor financeiro. “Ele estava suando, e dava para ver que era uma
mistura de energia e intensidade.”
Musk desenvolveu técnicas de marketing virais, as quais incluíam
recompensas para usuários que conseguissem convencer amigos a se
tornarem clientes, e imaginou que seria capaz de fazer da X.com ao mesmo
tempo um serviço bancário e uma rede social. Assim como Steve Jobs,
Musk era apaixonado por desenhar interfaces simples. “Aprimorei a
interface do usuário para que a pessoa precisasse apertar o menor número de
teclas para abrir uma conta”, diz ele. A princípio era preciso preencher
formulários longos, com campos que pediam o número do seguro social e o
endereço residencial, por exemplo. “Por que a gente precisa disso?”,
perguntava Musk insistentemente. “Delete!” Uma descoberta pequena e
importante foi a de que os clientes não precisavam ter nome de usuário,
uma vez que o e-mail já era suficiente.
Um fator que impulsionou o crescimento foi um recurso para o qual eles
a princípio não deram bola: a capacidade de mandar dinheiro por e-mail.
Esse recurso se tornou muito popular, especialmente no site de leilões eBay,
em que os usuários estavam procurando uma maneira fácil de pagar a
desconhecidos por suas compras.
Max Levchin e Peter Thiel
Enquanto Musk monitorava os nomes dos novos usuários, um chamou a
atenção: Peter iel. Ele fora um dos fundadores de uma empresa chamada
Confinity, que havia funcionado no mesmo prédio da X.com e estava agora
na mesma rua. iel e o cofundador da empresa, Max Levchin, eram tão
intensos quanto Musk, porém mais disciplinados. Assim como a X.com, a
empresa deles oferecia um serviço de pagamento de pessoa para pessoa. A
versão da Confinity se chamava PayPal.
No início de 2000, num dos primeiros sinais de que a bolha da internet
poderia estourar, a X.com e a PayPal estavam numa corrida para conseguir
novos clientes. “Era uma competição maluca em que as duas empresas
ofereciam prêmios em dinheiro para quem trouxesse novos clientes e
indicasse amigos”, diz iel. Como Musk definiu depois, “era uma corrida
para ver quem ficava sem dinheiro por último”.
Musk lutava com a intensidade de um gamer. iel, por sua vez, gostava
de calcular os riscos friamente e mitigá-los. Logo ficou evidente para ambos
que o efeito de rede — quem crescesse primeiro cresceria ainda mais
rapidamente — significava que só uma empresa sobreviveria. Então, fazia
sentido unir as empresas em vez de transformar a competição numa partida
de Mortal Kombat.
Musk e seu novo CEO, Bill Harris, agendaram um encontro com iel e
Levchin no salão dos fundos do Evia, um restaurante grego em Palo Alto.
Os dois lados trocaram informações sobre número de usuários, e Musk
exagerou, como sempre. iel perguntou como ele imaginava os termos de
uma possível fusão. “Nós vamos ter 90% da empresa depois da fusão, e vocês
ficariam com 10%”, respondeu Musk. Levchin não sabia o que pensar sobre
Musk. Ele estava falando sério? As bases de usuários deles eram quase
iguais. “Musk estava com uma cara extremamente séria, de quem não estava
brincando, mas no fundo parecia ser ironia”, diz Levchin. Como Musk
admitiu depois, “estávamos jogando”.
Depois que a equipe da PayPal foi embora, Levchin disse a iel: “Isso
nunca vai dar certo, vamos partir para outra.” iel, no entanto, interpretava
melhor as pessoas e as situações. “Isso é só o começo”, falou. “Com um cara
como o Elon, basta ter paciência.”
O namoro continuou durante janeiro de 2000, o que levou Musk a adiar
a lua de mel com Justine. Michael Moritz, o principal investidor, organizou
uma reunião com os dois grupos no escritório dele, na Sand Hill Road.
iel pegou carona com Musk na McLaren.
“Então, qual é a potência desse carro?”, perguntou iel.
“Olha só isso”, respondeu Musk, passando para a faixa rápida e pisando
fundo.
O eixo da roda traseira quebrou e o carro girou, bateu numa barragem e
levantou voo como um disco voador. Partes da carroceria ficaram em
pedaços. iel, um libertário praticante, não estava com cinto de segurança,
mas saiu ileso. Ele conseguiu pegar uma carona até o escritório da Sequoia.
Musk, também ileso, ficou para trás por meia hora, enquanto o carro era
rebocado. Ao chegar à reunião, não contou a Harris o que havia acontecido.
Mais tarde, Musk conseguiu rir e dizer: “Pelo menos mostrei ao Peter que
eu não tenho medo de riscos.” iel comenta: “É, percebi que ele é meio
doido.”
O primeiro plano dele foi construir um pequeno foguete e enviar ratos para
Marte. “Mas eu fiquei preocupado, pois podíamos acabar com um vídeo
tragicômico de ratos morrendo lentamente numa pequena espaçonave.” Isso
não seria bom. “Então, tudo se resumia a ‘Vamos enviar uma pequena estufa
para Marte’.” A estufa iria pousar em Marte e enviar de volta fotografias de
plantas verdes crescendo lá. Em tese, o público ficaria tão empolgado que
iria clamar por mais missões. A proposta era chamada Oásis Marte, e Musk
estimava que poderia fazer isso por menos de 30 milhões de dólares.
Ele tinha o dinheiro. O maior desafio era conseguir um foguete acessível
que pudesse levar a estufa até Marte. No fim das contas, havia um lugar
onde ele poderia conseguir um barato, ou pelo menos era o que ele achava.
Na Mars Society, Musk ouviu falar de um engenheiro de foguetes chamado
Jim Cantrell, que trabalhou em um programa russo-americano para
desmontar mísseis. Um mês depois da viagem pela Long Island Expressway
com Adeo Ressi, Musk ligou para Cantrell.
Cantrell estava dirigindo em Utah com a capota do conversível aberta.
“Só consegui ouvir que um cara chamado Ian Musk estava dizendo que era
um milionário da internet e precisava falar comigo”, disse ele depois para a
Esquire. Quando Cantrell chegou em casa e conseguiu retornar a ligação,
Musk explicou sua visão. “Quero mudar o modo como a humanidade pensa
na ideia de ser uma espécie multiplanetária”, falou. “Podemos nos encontrar
neste fim de semana?” Cantrell estava vivendo uma vida meio clandestina
por causa do envolvimento com as autoridades russas, e por isso queria
encontrar esse interlocutor misterioso num lugar seguro, sem armas. Ele
sugeriu que os dois se encontrassem em um clube da Delta Air Lines no
aeroporto de Salt Lake City. Musk levou Adeo Ressi, e eles elaboraram um
plano para ir à Rússia com o propósito de ver se conseguiam comprar
algumas plataformas de lançamento ou alguns foguetes.
Justine, pelo contrário, era muito aberta quanto às suas emoções. “Ele ficava
um tanto incomodado com o fato de eu expressar meus sentimentos sobre a
morte de Nevada”, conta ela. “Ele me disse que eu estava sendo
emocionalmente manipuladora, que estava deixando meus sentimentos à
mostra.” Ela atribui a repressão emocional de Musk a um mecanismo de
defesa que Elon desenvolveu na infância. “Ele se fecha quando está numa
situação ruim”, diz Justine. “Acho que é uma questão de sobrevivência para
ele.”
Errol aparece
Quando Nevada nasceu, Elon convidou o pai, Errol, que estava na África
do Sul, para conhecer o neto. Era a chance, treze anos depois de deixar a
África do Sul, de se reconciliar com Errol, ou pelo menos de exorcizar
alguns demônios. “Elon era o primeiro filho do nosso pai, e talvez tivesse
algo a provar para ele”, opina Kimbal.
Errol levou a nova esposa, os dois filhos mais novos e os três enteados.
Elon pagou as sete passagens. Quando eles chegaram a Raleigh, na Carolina
do Norte, depois do primeiro trecho do voo de Joanesburgo, Errol recebeu
uma mensagem de um representante da Delta Air Lines. “Temos uma má
notícia”, disseram a ele. “Seu filho nos pediu que informássemos que
Nevada, seu neto, morreu.” Elon queria ter certeza de que o representante
da companhia aérea contaria a notícia, porque ele não conseguia pronunciar
as palavras.
Quando Errol pegou o telefone, Kimbal explicou a situação e disse: “Pai,
você não deveria vir.” Ele tentou convencer Errol a voar de volta para a
África do Sul. Errol se recusou. “Não, já estamos nos Estados Unidos, então
vamos para Los Angeles.”
Errol se lembra de ter ficado impressionado com o tamanho da cobertura
no Beverly Wilshire, “provavelmente a coisa mais incrível que já vi”. Elon
parecia estar em transe, mas também muito carente, de uma maneira
complexa. Ele estava incomodado por seu pai tempestuoso vê-lo em um
estado tão vulnerável quanto aquele. Contudo, ele também não queria
deixá-lo ir embora. E acabou pedindo ao pai e à nova família dele que
ficassem em Los Angeles. “Não quero que você volte”, disse. “Vou comprar
uma casa para você aqui.”
Kimbal ficou chocado. “Não, não, não, essa não é uma boa ideia”, falou
para Elon. “Você está se esquecendo de que ele é um ser humano cruel. Não
faça isso, não faça isso com você mesmo.” No entanto, quanto mais ele
tentava fazer o irmão desistir, mais triste Elon ficava. Anos depois, Kimbal
ainda tinha dificuldade de entender o que motivara o irmão. “Ver o filho
morrer, acho que foi por isso que ele quis o pai por perto”, disse ele para
mim.
Elon comprou uma casa em Malibu para Errol e sua prole, assim como o
maior Land Rover que encontrou, e conseguiu que as crianças fossem
matriculadas em boas escolas e transportadas até elas todos os dias. Mas as
coisas ficaram estranhas rapidamente. Elon começou a se preocupar porque
Errol, na época com 56 anos, estava se interessando, de uma maneira
constrangedora, por uma das enteadas — Jana, de 15 anos.
Elon ficou furioso com o pai por ver um comportamento que considerava
inapropriado, uma vez que ele tinha criado profunda empatia — e intensa
afinidade — pelos enteados de Errol. Elon sabia o que eles tinham que
aguentar. Por isso, se ofereceu para dar a Errol um iate que ficaria ancorado
a 45 minutos de Malibu. Se ele concordasse em morar sozinho, poderia ver
a família nos fins de semana. A ideia não era só estranha, era também ruim.
Tornava toda a situação estranha. A esposa de Errol, que era dezenove anos
mais jovem que ele, começou a obedecer a Elon. “Ela via Elon como
provedor, não eu”, reclama Errol, “e isso virou um problema”.
Certo dia, quando estava no iate, Errol recebeu uma mensagem de Elon.
“Esta situação não está dando certo”, disse ele, e pediu que Errol voltasse
para a África do Sul. Errol voltou. Meses depois, a esposa e a família
também voltaram. “Eu usei de ameaças, recompensas e argumentos para
melhorar meu pai”, diz Elon. “E ele...” Musk faz um longo silêncio. “De
forma alguma, só piorou.” Redes pessoais são mais complexas do que as
digitais.
capítulo 17
Acelerando
SpaceX, 2002
Tom Mueller
Tom Mueller
Em sua infância, na zona rural de Idaho, Tom Mueller adorava brincar com
pequenos foguetes. “Montei dezenas. Não duravam muito, óbvio, porque eu
sempre quebrava ou explodia os foguetes.”
Sua cidade natal, Saint Maries (com 2.500 habitantes), era um vilarejo de
exploração madeireira 160 quilômetros ao sul da fronteira com o Canadá. O
pai trabalhava como lenhador. “Quando criança, eu sempre ajudava meu pai
com sua caminhonete de trabalho, usando solda e outras ferramentas”,
lembra Mueller. “Colocar a mão na massa me deu uma noção do que
funciona e do que não funciona.”
Esguio e musculoso, com uma covinha no queixo e cabelos escuros como
azeviche, Mueller tinha a aparência bruta de um futuro lenhador. Por
dentro, porém, era estudioso como Musk. Mueller mergulhava na biblioteca
local e devorava a seção de ficção científica. Para um trabalho no ensino
fundamental, ele colocou gafanhotos dentro de um foguete em miniatura e
lançou o engenho no quintal para ver o efeito que a aceleração teria neles.
Ele aprendeu outra lição. O paraquedas falhou, o foguete caiu e os
gafanhotos morreram.
No começo, ele comprava kits de foguetes pelo correio, mas depois
começou a fazer seus próprios esboços. Quando tinha 14 anos, converteu o
maçarico do pai em um motor. “Injetei água nele para ver que efeito isso
teria no desempenho”, conta. “É uma coisa louca... Colocar água dá mais
impulso.”
O projeto ficou em segundo lugar na Feira de Ciências regional, o que o
classificou para as finais internacionais em Los Angeles. Foi a primeira vez
que ele esteve em um avião. “Não cheguei nem perto de vencer”, diz. “Havia
robôs e coisas que os pais de outras crianças tinham construído. Pelo menos
eu havia feito o meu projeto sozinho.”
Ele trabalhou como lenhador durante as férias de verão e nos fins de
semana com o propósito de ir para a Universidade de Idaho. Quando se
formou, se mudou para Los Angeles para procurar emprego no setor
aeroespacial. As notas de Mueller não eram boas, mas o entusiasmo era
contagiante e ajudou-o a conseguir um emprego na TRW, que construíra o
motor do foguete que permitiu que astronautas chegassem à Lua. Nos fins
de semana, ele ia ao deserto de Mojave para testar seus grandes foguetes
caseiros com colegas da Reaction Research Society, um clube de entusiastas
de foguetes fundado em 1943. Lá, se juntou ao colega John Garvey para
construir o que se tornou o motor de foguete amador mais poderoso do
mundo, com 36 quilos.
Certo domingo em janeiro de 2002, enquanto os dois estavam
trabalhando no motor amador deles num armazém alugado, Garvey
mencionou para Mueller que um milionário da internet chamado Elon
Musk queria conhecê-lo. Quando Musk chegou acompanhado de Justine,
Mueller estava soldando o motor de 36 quilos suspenso enquanto tentava
parafusá-lo a um suporte. Musk começou a enchê-lo de perguntas. Quanto
de impulso? Vinte mil quilos, respondeu Mueller. Você já fez algo maior?
Mueller explicou que na TRW estava trabalhando no TR-106, que tinha
970 mil quilos de impulso. Musk, então, perguntou quais eram os
combustíveis de propulsão. Mueller por fim desistiu de parafusar o motor
para se concentrar no interrogatório de Musk.
Musk perguntou a Mueller se ele podia construir um motor tão grande
quanto o TR-106 da TRW sozinho. Mueller reconheceu que havia
projetado o injetor e a ignição, conhecia bem o sistema de bomba e, com
uma equipe, poderia descobrir o resto. Musk queria saber quanto iria custar.
“Meu Deus, essa é difícil”, respondeu Mueller, que estava surpreso com a
rapidez com que a conversa havia evoluído para questões específicas.
Em dado momento, Justine, que vestia um casaco de couro comprido,
cutucou Musk e disse que era hora de ir. Ele perguntou a Mueller se os dois
poderiam se encontrar no domingo seguinte. Mueller estava relutante. “Era
o domingo do Super Bowl, e eu tinha acabado de comprar uma TV de tela
panorâmica e queria assistir ao jogo com uns amigos.” Contudo, sentiu que
era inútil resistir, e então concordou em receber Musk.
“Talvez a gente tenha visto, sei lá, uma jogada, porque estávamos
entretidos conversando sobre construir um veículo de lançamento”, lembra-
se Mueller. Junto com alguns outros engenheiros que estavam presentes, eles
desenharam planos para aquele que se tornaria o primeiro foguete da
SpaceX. O primeiro estágio, decidiram, seria impulsionado por motores
movidos a oxigênio líquido e querosene. “Eu sei como fazer isso funcionar
facilmente”, disse Mueller. Musk sugeriu peróxido de hidrogênio para o
estágio superior, mas Mueller imaginou que seria difícil de manusear. Ele
sugeriu em resposta tetróxido de nitrogênio, que Musk considerou caro
demais. Acabaram concordando em usar oxigênio líquido e querosene no
segundo estágio também. O jogo de futebol foi esquecido. O foguete era
mais interessante.
Musk ofereceu a Mueller o emprego de diretor de propulsão, responsável
por projetar os motores do foguete. Mueller, que vinha reclamando da
cultura avessa a riscos da TRW, consultou a esposa. “Você vai se arrepender
se não fizer isso”, opinou ela. Mueller se tornou, assim, a primeira
contratação da SpaceX.
Algo em que Mueller insistiu foi que Musk depositasse dois anos de
salário como garantia. Ele não era um milionário da internet, portanto não
queria correr o risco de ficar sem pagamento se o empreendimento falhasse.
Musk concordou. No entanto, isso o levou a considerar Mueller um
empregado, não um cofundador da SpaceX. Foi uma briga que ele teve na
PayPal e teria novamente na Tesla. Se você não está disposto a investir em
uma empresa, achava ele, não deveria ser visto como fundador. “Você não
pode pedir dois anos de salário em depósito e se considerar cofundador”,
comenta Musk. “Tem que existir alguma combinação de inspiração,
transpiração e risco para ser cofundador.”
Ignição
Depois de conseguir arregimentar Tom Mueller e alguns outros
engenheiros, Musk precisava de uma sede e de uma fábrica. “Estávamos nos
encontrando em salas de reunião em hotéis”, diz Musk, “então, comecei a
percorrer bairros onde ficam a maioria das empresas aeroespaciais, e
encontrei um armazém antigo bem perto do aeroporto de Los Angeles”. (A
sede da SpaceX e o vizinho estúdio de design da Tesla ficam tecnicamente
em Hawthorne, uma cidade no condado de Los Angeles, ao lado do
aeroporto, mas vou me referir ao local como Los Angeles.)
Ao projetar a fábrica, Musk seguiu sua filosofia de que as equipes de
design, engenharia e produção deveriam ficar todas juntas. “As pessoas na
linha de montagem deveriam ser capazes de chamar imediatamente um
designer ou um engenheiro e dizer: ‘Por que você fez isso assim?’”, explicou
ele para Mueller. “Se sua mão está no fogão e queima, você tira, mas, se é a
mão de outra pessoa, vai demorar mais para você agir.”
Enquanto a equipe crescia, Musk foi infundindo em todos sua tolerância
ao risco e sua disposição para deturpar a realidade. “Se você fosse negativo
ou pensasse que algo não podia ser feito, não seria convidado para a próxima
reunião”, lembra-se Mueller. “Ele só queria gente capaz de realizar as
coisas.” Era uma boa maneira de estimular as pessoas a fazer aquilo que
achavam ser impossível. Entretanto, também era uma boa maneira de se
cercar de pessoas temerosas de dar más notícias ou de questionar uma
decisão.
Musk e os demais jovens engenheiros trabalhavam até tarde da noite e
depois começavam um jogo de tiro com vários jogadores simultâneos, como
Quake III Arena, nos desktops, conectavam seus celulares e mergulhavam
em partidas frenéticas que podiam ir até as três da manhã. O nome de
usuário de Musk era Random9, e ele era o mais agressivo (óbvio). “Nós
ficávamos gritando e berrando uns com os outros, como um bando de
lunáticos”, disse um funcionário. “E Elon estava bem ali, no meio de tudo,
com a gente.” Ele costumava ganhar. “Elon era alarmantemente bom nesses
jogos”, falou outro. “Ele tem reações loucamente rápidas, e sabia todos os
truques e como surpreender as pessoas.”
Musk chamou o foguete que eles estavam construindo de Falcon 1, em
homenagem à espaçonave de Star Wars. Ele deixou que Mueller batizasse
seus motores, pois queria nomes legais, não só letras e números. Uma
funcionária de um dos fornecedores era falcoeira, e listou as diferentes
espécies daquela ave. Mueller escolheu “Merlin” para os motores do
primeiro estágio e “Kestrel” para os do segundo.
capítulo 18
As regras de Musk para construir foguetes
SpaceX, 2002-2003
Gwynne Shotwell
Gwynne Shotwell
Musk não se alia de modo natural a pessoas, seja social, seja
profissionalmente. Na Zip2 e na PayPal, ele mostrou que podia inspirar,
assustar e, às vezes, assediar colegas. Coleguismo, porém, não fazia parte das
habilidades dele, e deferência não lhe era natural. Ele não gosta de
compartilhar o poder.
Uma das poucas exceções era o relacionamento mantido com Gwynne
Shotwell, que entrou para a SpaceX em 2002 e acabou se tornando sua
presidente. Ela vem trabalhando com Musk, sentada em uma baia bem ao
lado da dele na sede da SpaceX, em Los Angeles, por mais de vinte anos,
mais do que qualquer um.
Direta, de língua afiada e corajosa, ela se orgulha de ser “bocuda” sem
chegar a ser desrespeitosa, e mantém a confiança agradável de quando foi
jogadora de basquete e líder de torcida no ensino médio. A assertividade
descontraída permite que ela fale com Musk com franqueza, sem que isso o
incomode, e reaja aos excessos dele sem bancar a babá. Shotwell é capaz de
tratá-lo quase de igual para igual e, ainda assim, mostrar deferência, sem
nunca esquecer que ele é o fundador e o chefe.
Nascida Gwynne Rowley, ela foi criada numa cidadezinha ao norte da
região metropolitana de Chicago. Quando era caloura no ensino médio, foi
com a mãe a um painel da Sociedade das Mulheres Engenheiras, no qual
ficou fascinada com uma engenheira mecânica bem-vestida que tinha um
negócio próprio de construção. “Quero ser como ela”, falou, e decidiu se
matricular na Escola de Engenharia na vizinha Universidade Northwestern.
“Eu me matriculei por causa da riqueza da Northwestern em outros
campos”, diria ela mais tarde para os alunos daquela faculdade. “Estava com
medo de ser chamada de nerd. Hoje, tenho muito orgulho de ser nerd.”
Enquanto se encaminhava para uma entrevista de emprego no escritório
da IBM na região de Chicago, em 1986, ela parou para assistir pela televisão
na vitrine de uma loja ao lançamento do ônibus espacial Challenger com a
professora Christa McAuliffe a bordo. O que deveria ter sido um momento
inspirador se tornou um pesadelo quando o Challenger explodiu um minuto
após o lançamento. Shotwell ficou tão abalada que não conseguiu o
emprego. “Devo ter errado o tom na entrevista”, cogita ela. Tempos depois,
foi contratada pela Chrysler em Detroit, e posteriormente se mudou para a
Califórnia, onde se tornou chefe de vendas de sistemas espaciais para a
Microcosm Inc., uma startup de consultoria no mesmo bairro da SpaceX.
Na Microcosm, ela trabalhava com o engenheiro alemão, aventureiro e
cara de pau Hans Koenigsmann, que conheceu Musk em um dos encontros
de fim de semana de aficionados por lançamento de foguetes no deserto de
Mojave. Logo em seguida, Musk foi à casa de Keonigsmann para recrutá-
lo, e ele se tornou o quarto empregado da SpaceX, em maio de 2002.
Para ajudá-lo a comemorar, Shotwell levou Koenigsmann a um
restaurante australiano chamado Chef Hannes, o favorito dele na região.
Depois, lhe deu carona por algumas quadras para deixá-lo na SpaceX.
“Entre”, disse ele. “Você pode conhecer o Elon.”
Shotwell se impressionou com as ideias de Musk para reduzir custos de
foguetes e fabricar peças internamente. “Ele sabia detalhes”, lembra. Mas
achou que a equipe não tinha a menor ideia de como vender os serviços. “O
cara que você tem para conversar com potenciais clientes é um fracasso”,
disse ela sem rodeios.
No dia seguinte, Shotwell recebeu uma ligação da assistente de Musk, a
qual disse que ele tinha uma proposta para lhe fazer: se tornar vice-
presidente de desenvolvimento de negócios. Shotwell era mãe de dois filhos,
estava se divorciando e prestes a completar 40 anos. A ideia de entrar para
uma startup arriscada comandada por um milionário temperamental não a
atraía muito. Ela passou três semanas pensando antes de chegar à conclusão
de que a SpaceX tinha o potencial de transformar uma indústria de foguetes
esclerosada em algo inovador. “Estou sendo uma idiota”, disse a Musk. “Vou
aceitar o emprego.” Shotwell se tornou a sétima funcionária da empresa.
Ela tem uma percepção especial que ajuda a lidar com Musk. O marido
dela tem o transtorno do espectro autista popularmente conhecido como
Asperger. “Pessoas como o Elon, com Asperger, não compreendem bem
sinais sociais e não pensam naturalmente no impacto que suas palavras
causam nas outras pessoas”, opina ela. “Elon entende personalidades muito
bem, mas como objeto de estudo, não como uma emoção.”
O Asperger pode fazer com que uma pessoa pareça não ter empatia.
“Elon não é um babaca, mas às vezes diz coisas que são cretinas”, comenta
Shotwell. “Ele apenas não pensa no impacto pessoal do que está falando, só
quer cumprir a missão.” Ela não tenta mudar Elon, apenas salva quem sai
ferido. “Parte do meu trabalho é atender os feridos”, revela.
Também ajuda o fato de Shotwell ser engenheira. “Não estou no nível
dele, mas não sou idiota. Entendo o que ele está falando”, afirma ela. “Ouço
com cuidado, levo o Elon a sério, leio suas intenções e procuro fazer o que
ele quer, mesmo que a princípio pareça loucura.” Quando Shotwell insiste
comigo que “ele tende a ter razão”, pode parecer que se trata de uma
bajuladora, mas não. Ela fala com ele de forma franca e se irrita com quem
não faz a mesma coisa. Ela cita alguns nomes e diz: “Eles trabalham muito,
mas são medrosos perto do Elon.”
Paquerando a NASA
Alguns meses depois de ela entrar para a SpaceX, em 2003, Shotwell e
Musk viajaram a Washington. O objetivo era conseguir um contrato com o
Departamento de Defesa para lançar um novo tipo de pequenos satélites
táticos de comunicação, conhecidos como TacSat, que iriam fornecer aos
comandantes de forças terrestres imagens e outros dados rapidamente.
Eles foram a um restaurante chinês perto do Pentágono, e Musk quebrou
um dente. Constrangido, ele ficava colocando a mão sobre a boca, até que
Shotwell riu dele. “Era muito engraçado vê-lo tentando esconder”, lembra
ela. Eles conseguiram encontrar um dentista de plantão, que fez uma coroa
dentária provisória para que Musk chegasse apresentável ao Pentágono na
manhã seguinte. Eles fecharam o contrato, o primeiro da SpaceX, por 3,5
milhões de dólares.
Para tornar a SpaceX mais conhecida do público em geral, em dezembro
de 2003 Musk levou um foguete Falcon 1 para Washington por ocasião de
um evento público na área externa do National Air and Space Museum. A
SpaceX construiu um trailer especial com um suporte de cor azul berrante
para carregar o foguete de sete andares desde Los Angeles, e Musk
determinou um cronograma curto com um prazo insano para deixar o
protótipo do foguete pronto para a viagem. Na opinião de muitos dos
engenheiros da empresa, aquilo parecia uma distração gigantesca, mas,
quando o foguete desfilou pela Independence Avenue com uma escolta
policial, Sean O’Keefe, o administrador da NASA, ficou impressionado. Ele
despachou um de seus subalternos, Liam Sarsfield, para a Califórnia com a
finalidade de avaliar a corajosa startup. “A SpaceX apresenta bons produtos
e um potencial sólido”, relatou Sarsfield na volta. “O investimento da
NASA neste empreendimento está bem protegido.”
Sarsfield admirava o apetite de Musk por informações extremamente
técnicas, desde o sistema de acoplagem da Estação Espacial Internacional
até as maneiras como os motores podem superaquecer. Eles trocaram longos
e-mails sobre esses e outros assuntos. Em fevereiro de 2004, porém, a
conversa por e-mail ficou mais tensa quando a NASA fechou um contrato
de 227 milhões de dólares, sem licitação, com uma empresa privada de
foguetes concorrente, a Kistler Aerospace. O contrato era para foguetes que
pudessem reabastecer a Estação Espacial Internacional, algo que Musk
achava que a SpaceX seria capaz de fazer (e estava certo, no fim das contas).
Sarsfield cometeu o erro de dar a Musk uma explicação sincera. A Kistler
havia fechado um contrato sem licitação, escreveu ele, porque sua “situação
financeira era temerosa”, e a NASA não queria que a empresa falisse.
Haveria outros contratos para a SpaceX disputar, garantiu Sarsfield a Musk.
Isso irritou Elon, que argumentou que a NASA deveria ter como objetivo
promover inovação, não ajudar empresas.
Musk se encontrou com autoridades na sede da NASA em maio de 2004
e, ignorando o conselho de Shotwell, decidiu processá-los por causa do
contrato da Kistler. “Todo mundo me disse que isso significaria que nunca
poderíamos trabalhar com a NASA”, diz Musk. “Mas o que eles fizeram era
errado e corrupto; então, eu os processei.” Ele até mesmo jogou Sarsfield,
seu maior defensor na NASA, na fogueira ao incluir no processo o e-mail
amigável dele com a explicação de que o contrato deveria salvar a Kistler.
A SpaceX acabou ganhando o processo, e a NASA foi obrigada a abrir
uma licitação para o projeto — da qual a SpaceX conseguiu vencer uma
parte importante. “Isso foi uma grande surpresa: imagine que venceu o
azarão com uma chance em dez”, declarou Musk a Christian Davenport, do
e Washington Post. “Isso surpreendeu a todos.”
Contratos de preço fixo
A vitória foi crucial não apenas para a SpaceX, como também para o
programa espacial norte-americano. Ela promoveu uma alternativa aos
contratos “com compensação” que a NASA e o Departamento de Defesa
geralmente usavam. Sob esses contratos, o governo mantinha o controle de
um projeto — tal como construir um novo foguete, motor ou satélite — e
emitia especificações detalhadas do que queria que fosse feito. Então,
fechava o contrato com empresas grandes como Boeing ou Lockheed
Martin, que tinham todos os custos pagos e lucro garantido. Essa
abordagem se tornou padrão durante a Segunda Guerra Mundial, para dar
ao governo controle completo sobre o desenvolvimento de armas e evitar a
percepção de que as empresas estavam lucrando com a guerra.
Durante a viagem a Washington, Musk depôs perante um comitê do
Senado e insistiu em fazer uma abordagem diferente. O problema com o
sistema de compensação, argumentou, é que ele impedia a inovação. Se o
projeto superasse o orçamento previsto, o contratado recebia mais dinheiro.
Havia pouco incentivo para que o pequeno clube das empresas com
contratos de compensação assumisse riscos, fosse criativo, trabalhasse rápido
e reduzisse custos. “A Boeing e a Lockheed só queriam saber de se manter
no trem da compensação”, reclama ele. “Não dá para chegar a Marte com
esse sistema. Eles têm um incentivo para nunca terminar. Se você nunca
termina um contrato de compensação, você mama nas tetas do governo para
sempre.”
Musk também chegou mais perto da fama ao fazer um tour pela fábrica
da SpaceX com o ator Robert Downey Jr. e o diretor Jon Favreau, que
estavam filmando Homem de Ferro. Musk se tornou um modelo para o
personagem principal, Tony Stark, um industrial célebre e engenheiro capaz
de se transformar em um homem de ferro com uma armadura mecanizada
desenvolvida por ele mesmo. “Minha mente não se impressiona facilmente,
mas esse lugar e esse cara são incríveis”, disse Downey posteriormente. Ele
pediu que um Tesla Roadster fosse colocado no cenário do filme que
mostrava a oficina de Stark. Musk depois fez uma aparição como ele mesmo
em Homem de Ferro 2.
Musk tinha uma regra sobre responsabilidade: cada peça, cada processo e
cada especificação precisam vir atrelados a um nome. Ele pode ser rápido
em encontrar um culpado quando algo dá errado. No caso do fracasso no
lançamento, ficou evidente que o vazamento viera de uma porca que
segurava o tubo de combustível. Musk apontou o dedo para um engenheiro
chamado Jeremy Hollman, uma das primeiras contratações de Tom
Mueller, que, na noite anterior ao lançamento, havia removido e recolocado
a porca para ter acesso a uma válvula. Em um simpósio público dias depois,
Musk descreveu o erro de “um dos nossos mais experientes técnicos”, e os
que estavam a par sabiam que ele estava se referindo a Hollman.
Hollman tinha ficado duas semanas a mais em Kwaj para avaliar os
destroços. No voo de Honolulu para Los Angeles, ele estava lendo
reportagens sobre o lançamento fracassado e ficou chocado ao saber que
Musk colocara a culpa nele. Assim que aterrissou, dirigiu por três
quilômetros até a sede da SpaceX e invadiu a baia de Musk. Os dois
começaram a gritar, e Shotwell e Mueller foram acalmar os ânimos.
Hollman queria que a empresa fizesse uma retratação pela declaração de
Musk, e Mueller fez pressão para ser autorizado a fazer isso. “Eu sou o
CEO”, falou Musk. “Sou eu que lido com a imprensa; fique fora disso.”
Hollman disse a Mueller que só ficaria na empresa se nunca mais tivesse
que lidar diretamente com Musk. Ele deixou a SpaceX um ano depois.
Musk diz que não se lembra da situação, mas acrescenta que Hollman não
era um bom engenheiro. Mueller discorda. “Perdemos um cara bom.”
No fim das contas, não foi culpa de Hollman. Quando o tubo de
combustível foi encontrado, parte da porca ainda estava conectada, mas
havia sido corroída e se quebrado ao meio. A culpa era da maresia em Kwaj.
A segunda tentativa
Depois do fracasso do primeiro lançamento, a SpaceX ficou mais cautelosa.
A equipe começou a testar com cuidado e a registrar os detalhes de cada
uma das centenas de componentes do foguete. Pela primeira vez, Musk não
pressionou todo mundo para fazer as coisas em alta velocidade e deixar de
lado o cuidado.
Mesmo assim, ele não tentou eliminar todos os riscos possíveis. Isso
tornaria os foguetes da SpaceX tão caros e demorados quanto os construídos
por empreiteiros com contratos de compensação do governo. Então, Musk
exigiu um gráfico que mostrasse cada componente, o custo dos materiais
brutos, o custo que a SpaceX estava pagando aos fornecedores e o nome do
engenheiro responsável por diminuir esse custo. Em reuniões, ele às vezes
mostrava que sabia esses números melhor do que os engenheiros que faziam
a apresentação, o que não era agradável. As reuniões de revisão podiam ser
brutais, mas os custos caíram.
Tudo isso significava correr riscos calculados. Por exemplo: foi Musk
quem aprovou o uso de alumínio barato e leve para a porca que havia sido
corroída e condenou o primeiro voo do Falcon 1.
Outro exemplo envolvia o que era conhecido como estabilizadores de
combustível. Enquanto o foguete ascende, o combustível remanescente nos
tanques pode balançar. Para evitar isso, anéis rígidos de metal podem ser
colocados na parte de dentro da parede do tanque. Os engenheiros fizeram
isso no primeiro estágio do Falcon 1, mas adicionar massa ao segundo
estágio era mais problemático, porque ele tinha que ser propulsionado até a
órbita.
A equipe de Koenigsmann fez várias simulações de computador para
testar os riscos de o combustível se mover de modo errático. Em apenas uma
pequena porcentagem dos modelos isso parecia ser um problema. Na lista
dos quinze maiores riscos, o número 1 era a possibilidade de que o material
fino que estavam usando na carcaça do foguete dobrasse durante o voo. A
movimentação errática de combustível no segundo estágio ocupou o 11o
lugar. Quando Musk repassou a lista com Koenigsmann e seus engenheiros,
decidiu que aceitaria alguns dos riscos, incluído o da movimentação do
combustível. A probabilidade da maioria desses riscos não podia ser
determinada com simulações. O risco de o combustível se mover teria que
ser testado num voo real.
O teste aconteceu em março de 2017. Como aconteceu um ano antes, o
lançamento começou bem. A contagem chegou a zero, o motor Merlin foi
acionado e o Falcon 1 foi arrastado para o espaço. Dessa vez, Musk estava
assistindo da sala de controle na sede da SpaceX, em Los Angeles. “Sim,
sim! Conseguimos”, gritou Mueller, abraçando-o. À medida que o segundo
estágio se separava como planejado, Musk mordeu o lábio e depois começou
a sorrir.
“Parabéns”, disse Musk. “Vou assistir a esse vídeo por muito tempo.”
Durante cinco minutos inteiros, tempo suficiente para abrir algumas
garrafas de champanhe, houve alegria. Então, Mueller notou algo no vídeo.
O segundo estágio estava começando a balançar. Os dados recebidos
confirmaram seus temores. “Soube na hora que era o combustível se
movendo”, revela.
No vídeo, parecia que a Terra estava girando numa secadora de roupas,
mas era, na realidade, o segundo estágio girando. “Pega! Pega!”, gritou um
engenheiro. Já não havia salvação. Aos onze minutos a transmissão foi
interrompida. O segundo estágio e sua carga estavam caindo de volta na
Terra de uma altura de trezentos quilômetros. O foguete havia atingido o
espaço sideral, mas não conseguiu entrar em órbita. A decisão de aceitar o
11o item na lista de riscos — não ter estabilizadores de combustível — havia
se voltado contra eles. “De agora em diante”, disse Musk para
Koenigsmann, “vamos ter uma lista de riscos de onze itens, nunca só de
dez”.
capítulo 24
A Equipe da SWAT
Tesla, 2006-2008
Quando Marks saiu, Musk recrutou um CEO que achou que seria mais
duro: Ze’ev Drori, um oficial paraquedista israelense testado em combate
que havia se tornado um empreendedor bem-sucedido no ramo de
semicondutores. “A única pessoa que concordaria em ser CEO da Tesla
seria alguém que não tivesse medo de nada, porque havia muito o que
temer”, diz Musk. Mas Drori não sabia nada sobre fazer carros. Depois de
alguns meses, uma delegação sênior de executivos liderados por JB Straubel
disse que eles teriam problema se continuassem a trabalhar com ele, e Ira
Ehrenpreis, um membro do conselho, ajudou a convencer Musk a assumir.
“Tenho que pôr as duas mãos no volante”, disse Musk a Drori. “Não
podemos ser dois na direção.” Drori saiu graciosamente, e Musk se tornou o
CEO oficial da Tesla (e o quarto a ter o título no período de um ano) em
outubro de 2008.
capítulo 26
Divórcio
Justine
2008
Depois da morte do filho, Nevada, Justine e Elon decidiram engravidar de
novo assim que possível. Eles foram a uma clínica de fertilização in vitro, e
em 2004 ela deu à luz gêmeos, Griffin e Xavier. Dois anos depois, de novo
por fertilização in vitro, eles tiveram trigêmeos chamados Kai, Saxon e
Damian.
No início do casamento, eles moravam juntos em um pequeno
apartamento no Vale do Silício que compartilhavam com três colegas de
quarto e um pequeno Dachshund que não havia sido adestrado, lembra
Justine, e naquele momento moravam em uma mansão de 560 metros
quadrados nas colinas de Bel Air, em Los Angeles, com cinco crianças
excêntricas, uma equipe de cinco babás e empregadas domésticas, além de
um Dachshund, que ainda não havia sido adestrado.
Apesar da natureza agitada dos dois, havia momentos em que o
relacionamento era afetuoso. Eles caminhavam até a Kepler’s Books, perto
de Palo Alto, um abraçado à cintura do outro, levavam as compras até um
café e liam enquanto bebiam. “Fico emocionada ao falar sobre isso”, diz
Justine. “Havia momentos de plena felicidade, plena mesmo.”
Musk era desajeitado no trato social, mas gostava de ir a festas cheias de
celebridades e ficar até de madrugada. “Nós íamos a jantares beneficentes e
conseguíamos as melhores mesas nas boates de Hollywood, com Paris
Hilton e Leonardo DiCaprio se divertindo ao nosso lado”, conta Justine.
“Quando o fundador do Google, Larry Page, se casou na ilha caribenha
particular de Richard Branson, estávamos lá nos divertindo em um solar
com John Cusack e vendo Bono posar com várias fãs encantadas.”
Contudo, eles brigavam o tempo todo. Ele era viciado em tempestades e
estresse e ela era sugada pela turbulência. Durante as piores discussões,
Justine expressava quanto odiava o marido e ele respondia dizendo coisas
como: “Se você trabalhasse para mim, eu te demitiria.” Às vezes ele a
chamava de “imbecil” e “idiota”, numa repetição assustadora do próprio pai.
“Quando passei um tempo com Errol”, diz Justine, “percebi que foi com o
pai que ele aprendeu o vocabulário”.
Kimbal, que brigava fisicamente com o irmão, achava duro vê-lo brigar
verbalmente com Justine. “Elon briga com muita intensidade”, conta
Kimbal. “E Justine também podia ser intensa. Eu ficava vendo, e pensava:
Meu Deus, que coisa brutal. Acabei me afastando dele durante anos por causa
da Justine. Eu simplesmente não conseguia ficar por perto.”
O estilo de vida instável levou a uma queda em espiral. “Era basicamente
um enorme aglomerado de coisas perturbadoras”, fala Justine. Ela percebeu
que estava se transformando, ou sendo transformada, em uma “esposa
troféu”, e “era péssima nisso”, diz. Musk insistia que ela deixasse o cabelo
mais loiro. “Deixe platinado”, pedia ele. Ela resistia, e começou a se retrair.
“Eu o conheci quando ele não tinha muita coisa”, lembra ela. “O acúmulo
de riqueza e fama mudou a dinâmica.”
Como fazia com os colegas no trabalho, Musk podia ir da luz à escuridão
e de volta à luz em instantes. Ele disparava alguns insultos, fazia uma pausa,
e então o rosto se desmanchava em um sorriso divertido e ele fazia umas
piadas estranhas. “Ele é determinado e poderoso, como um urso”, disse
Justine a Tom Junod, da Esquire. “Ele pode ser brincalhão e divertido e lhe
contar piadas, mas no fim das contas você ainda está lidando com um urso.”
Quando Musk estava concentrado em um problema do trabalho, entrava
num transe, como na época de escola, e ficava completamente absorto.
Tempos depois, quando contei a Justine todas as calamidades na SpaceX e
na Tesla que estavam afetando Musk, ela começou a chorar. “Ele não
compartilhava essas coisas comigo”, revela. “Acho que não ocorreu a ele que
talvez eu pudesse ajudar. Ele tinha uma relação muito combativa com o
mundo. Mas era só compartilhar isso comigo.”
O que Justine mais sentia falta nele era a empatia. “Ele é um grande
homem em muitos sentidos”, opina ela, “mas é a falta de empatia que me
incomoda”. Certo dia, durante um passeio de carro, ela tentou explicar a ele
o conceito de empatia verdadeira. Musk ficava transformando aquilo num
conceito intelectual, e explicava como, em razão do Asperger, havia
ensinado a si mesmo a ser mais psicologicamente astuto. “Não, não tem
nada a ver com pensar ou analisar ou interpretar a outra pessoa”, conta ela.
“Trata-se de sentimento. Você sente o que a outra pessoa sente.” Ele admitiu
que isso era importante em relacionamentos, mas sugeriu que a forma como
o cérebro dele era organizado era vantajosa para comandar uma empresa de
alto desempenho. “A determinação e a distância emocional que faziam dele
um marido difícil”, admite Justine, “podem ser a razão do sucesso que
obteve nos negócios”.
Elon ficava incomodado quando Justine o pressionava a experimentar a
psicoterapia. Ela havia começado a se consultar com um terapeuta depois da
morte de Nevada e desenvolveu um profundo interesse pela área. Isso a
levou, segundo ela, à descoberta de que a infância difícil de Elon e a forma
como o cérebro dele funciona permitiam que ele deixasse de lado as
emoções. A intimidade era difícil. “Quando você vem de um passado
disfuncional ou tem um cérebro assim”, diz ela, “a intensidade assume o
lugar da intimidade”.
Não é bem assim. Especialmente com os filhos, Musk pode se sentir
forte e emocionalmente carente. Ele sente falta de ter alguém por perto, até
mesmo ex-namoradas. No entanto, é verdade que o que lhe falta no tocante
à intimidade do dia a dia ele compensa com intensidade.
A insatisfação de Justine com o casamento aprofundou sua depressão e
deixou-a com raiva. “Ela deixou de ter altos e baixos para simplesmente se
sentir irritada todos os dias”, diz Elon. Ele culpava o Adderall, um
intensificador cognitivo que o psiquiatra dela havia prescrito, e saía pela casa
jogando fora as pílulas. Justine concorda que estava depressiva e dependia do
Adderall. “Fui diagnosticada com transtorno de déficit de atenção, e o
Adderall era uma ajuda maravilhosa para mim”, conta ela. “Mas essa não era
a razão pela qual eu estava com raiva. Eu estava com raiva porque o Elon
me ignorava.”
Na primavera de 2008, entre as explosões de foguetes e a confusão na
Tesla, Justine sofreu um acidente de carro. Depois disso, ficou sentada na
cama deles com os joelhos contra o peito e lágrimas nos olhos. Ela disse a
Elon que o relacionamento deles tinha que mudar. “Eu não queria ficar na
arquibancada assistindo ao espetáculo multimilionário da vida do meu
marido”, reclama ela. “Queria amar e ser amada, da maneira como éramos
antes desses milhões.”
Elon concordou em fazer terapia de casal, mas, depois de um mês e três
sessões, o casamento acabou. Segundo a versão de Justine, Elon deu um
ultimato: ou ela aceitava o casamento do jeito que era ou ele ia pedir o
divórcio. A versão dele é a de que ela dizia repetidas vezes que queria se
divorciar, até que ele por fim disse: “Estou disposto a ficar casado, mas você
tem que prometer não ser tão cruel assim comigo o tempo todo.” Quando
Justine deixou claro que a situação não era aceitável, ele pediu o divórcio.
“Eu me senti anestesiada”, lembra-se ela, “mas também estranhamente
aliviada”.
capítulo 27
Talulah
*
Musk havia ficado sem dinheiro, a Tesla estava numa sangria financeira, e a
SpaceX explodira três foguetes em sequência. Mas ele não estava pronto
para desistir. Em vez disso, iria falir, literalmente. “A SpaceX seguirá em
frente, sem hesitar”, anunciou ele algumas horas depois do fracasso. “Não
deve haver dúvidas de que a SpaceX vai conseguir entrar em órbita. Nunca
vou desistir, e falo muito sério.”
Na sala de conferências da SpaceX, no dia seguinte, Musk conversou por
telefone com Koenigsmann, Buzza e a equipe de lançamento em Kwaj. Eles
revisaram os dados e descobriram maneiras de dar mais tempo de separação
para que a colisão não acontecesse novamente. Musk estava taciturno. “Foi o
pior período da minha vida, pelo que estava acontecendo com meu
casamento, a SpaceX e a Tesla”, conta. “Eu não tinha nem casa. Justine
ficou com a nossa.” A equipe temia que ele fosse, como frequentemente
fazia, tentar culpar alguém. Eles se prepararam para uma explosão.
Em vez disso, Musk disse que havia componentes para um quarto
foguete na fábrica em Los Angeles. Construam-no, mandou ele, e o
transportem para Kwaj assim que possível. Ele definiu um prazo que quase
não era realista: lançá-lo em seis semanas. “Ele nos disse para seguir em
frente”, diz Koenigsmann, “e me surpreendeu”.
Uma onda de otimismo percorreu a sede. “Depois disso, acho que a
maioria de nós seguiria Elon até as portas do inferno, levando óleo
bronzeador”, fala Dolly Singh, a diretora de recursos humanos. “Em pouco
tempo, a atmosfera no prédio passou do desespero e da derrota para um
clima de muita determinação.”
Carl Hoffman, um repórter da Wired que havia assistido ao fracasso do
segundo lançamento com Musk, o procurou para perguntar como ele
mantinha o otimismo. “Otimismo, pessimismo, dane-se”, respondeu Musk.
“Nós vamos fazer isso funcionar. Juro por Deus, estou determinado a fazer
dar certo.”
capítulo 29
No limite
Todos ao redor de Musk achavam que ele teria que tomar uma decisão.
Com o fim de 2008, parecia que ele precisaria escolher entre a SpaceX e a
Tesla. Se concentrasse seus escassos recursos em uma das empresas, Musk
poderia com certeza garantir a sobrevivência da escolhida. Se tentasse
dividir os recursos, talvez as duas falissem. Um dia, Mark Juncosa, o amigo
que era uma espécie de alma gêmea mais animada, entrou na baia de Musk
na SpaceX. “Cara, por que você não desiste logo de uma delas?”, perguntou.
“Se a SpaceX toca seu coração, descarte a Tesla.”
“Não”, respondeu Musk, “isso ia servir como mais um argumento para o
pessoal que diz que ‘carros elétricos não funcionam’, e nunca vamos ter
energia sustentável”. Ele também não podia abandonar a SpaceX.
“Corremos o risco de nunca virmos a ser uma espécie multiplanetária.”
Quanto mais as pessoas o pressionavam a escolher, mais Musk resistia.
“Para mim, emocionalmente falando, era como se eu tivesse dois filhos e
estivesse ficando sem comida”, revela ele. “Você pode dar metade para cada
um, mas os dois vão morrer, ou dar toda a comida para um filho e aumentar
a chance de um deles sobreviver. Eu não conseguia escolher qual ia morrer,
então decidi que faria de tudo para salvar os dois.”
capítulo 30
O quarto lançamento
Kwaj, agosto a setembro de 2008
Um amor quase estranho pelo perigo: desa ando um atirador de facas vendado
em uma de suas festas de aniversário
Financiando a Tesla, dezembro de 2008
Musk só pôde curtir o contrato da NASA por alguns minutos. De fato, o
nível de estresse dele não diminuiu. A SpaceX até podia ter conseguido um
indulto de Natal, mas a Tesla ainda estava caminhando rumo à falência no
fim de 2008. O dinheiro iria acabar na véspera de Natal. Nem a empresa
nem o próprio Musk tinham dinheiro suficiente no banco para quitar a
próxima folha de pagamento.
Musk convocou seus financiadores na época para uma nova rodada de
meros 20 milhões de dólares. Seria o bastante para permitir que a Tesla
seguisse em frente por mais alguns meses. No entanto, quando achou que o
plano estava pronto, ele descobriu que um dos investidores estava
desistindo: a VantagePoint Capital, liderada por Alan Salzman. Para que o
novo capital fosse liberado, todos os investidores tinham que aprovar.
Salzman e Musk haviam passado os meses anteriores discordando em
relação à estratégia. Certa vez, na sede da Tesla, eles tiveram uma discussão
aos berros que pôde ser ouvida pelos funcionários. Salzman queria que a
Tesla se tornasse fornecedora de baterias para outras empresas automotivas,
como a Chrysler. “Isso ajudaria a financiar o crescimento da Tesla”, disse
Salzman. Musk achava maluquice. “Salzman estava insistindo que a gente
amarrasse nossa carroça à das empresas automotivas tradicionais”, conta ele,
“e eu dizia: ‘Este navio está literalmente afundando’”. Salzman chateava-se
por a Tesla estar gastando os depósitos feitos pelos clientes do Roadster
antes mesmo de os carros estarem prontos. “As pessoas achavam que tinham
feito um depósito, não um empréstimo sem garantia para a empresa. Era
moralmente errado.” Musk conseguiu um consultor externo que deu um
parecer afirmando que isso era legal. Salzman também foi repelido pelo
comportamento de Musk: “Ele era duro com as pessoas e
desnecessariamente insensível. Apenas fazia parte do DNA dele. Eu não
gostava disso.”
Em uma conferência por telefone não oficial com Kimbal na linha,
Salzman tentou preparar o terreno para remover Musk do cargo de CEO.
“Fiquei furioso com o que todos esses tolos do mal estavam tentando fazer
com Elon”, diz Kimbal. “Comecei a gritar: ‘Nem pensar, vocês não vão fazer
isso. Vocês são uns tolos.’” Antonio Gracias também estava na ligação.
“Não, estamos com Elon”, falou. Kimbal ligou para o irmão, que conseguiu
barrar a votação no conselho. Ele estava tão compenetrado que nem ficou
com raiva.
Salzman e seus parceiros insistiram que Musk fosse até o escritório deles
e detalhasse as necessidades financeiras futuras da Tesla. “Ele estava
tentando fazer uma cirurgia cardíaca, e nós estávamos tentando garantir que
ele não ia usar o tipo errado de sangue”, diz Salzman. “Quando você está
lidando com uma pessoa com controle excessivo e essa pessoa está sob
grande estresse, é uma situação arriscada.”
Musk se irritou. “Temos que fazer isso rápido, ou não vamos quitar a
folha de pagamento”, falou para Salzman. Mesmo assim, Salzman insistiu
que eles se encontrassem na semana seguinte, e marcou a conversa para as
sete da manhã, o que enfureceu Musk ainda mais. “Sou um sujeito notívago,
então achei aquilo horrível”, diz. “Salzman estava fazendo isso comigo
porque é um idiota.” Musk achava que Salzman estava feliz em dizer não na
cara dele, e foi o que aconteceu.
Musk é capaz de perdoar, como mostrou na reconciliação com os sócios
na PayPal. Contudo, há algumas pessoas que o fazem explodir, quase
irracionalmente. Martin Eberhart é uma. E Alan Salzman se tornou outra.
Musk achava que ele estava intencionalmente empurrando a Tesla para a
falência. “Ele é um babaca”, xinga Musk. “Quando digo que é um babaca, é
uma descrição, não algo pejorativo.”
Salzman calmamente nega as alegações de Musk, e parece não se
importar com os insultos. “Não tínhamos nenhum plano de assumir a
empresa ou de forçá-la a falir”, conta. “Isso é um absurdo. Nosso papel
simplesmente era o de apoiar a empresa e garantir que o capital fosse gasto
com bom senso.” Apesar dos ataques pessoais de Musk contra ele, Salzman
realmente expressa alguma admiração. “Ele tem sido uma força particular
por trás da empresa, e reconheço que funcionou. Tiro o chapéu para ele.”
De forma a contornar o veto de Salzman na nova rodada de
investimentos, Musk mexeu na estrutura de financiamento para que não
envolvesse a emissão de mais ações, transformando tudo em dívida. O
telefonema final aconteceu na véspera de Natal, dois dias depois que a
SpaceX fechou o contrato com a NASA. Musk estava na casa de Kimbal
em Boulder, no Colorado, junto com Talulah Riley. “Eu estava no chão
embrulhando presentes para as crianças e Elon estava na cama, ao telefone,
freneticamente tentando fazer as coisas darem certo”, lembra-se ela. “O
Natal é muito importante para mim, então minha prioridade era proteger as
crianças da situação. Eu repetia: ‘É Natal, vai acontecer algum milagre.’”
E aconteceu. A VantagePoint acabou apoiando o plano, assim como os
outros investidores que estavam na ligação. Musk caiu no choro. “Se tivesse
acontecido de outra forma, a Tesla estaria acabada”, diz, “e talvez o sonho
do carro elétrico fosse esquecido por muitos anos”. Na época, todas as
grandes empresas automotivas dos Estados Unidos haviam desistido de
produzir carros elétricos.
Empréstimos governamentais e o investimento da
Daimler
No decorrer dos anos, uma crítica feita à Tesla era a de que a empresa havia
sido “salva” ou “subsidiada” pelo governo em 2009. Na realidade, a Tesla não
recebeu dinheiro do Programa de Preservação de Ativos em Risco (TARP),
do Departamento do Tesouro, conhecido popularmente como “o resgate”.
Com o programa, o governo emprestou 18,4 bilhões de dólares para a
General Motors e para a Chrysler enquanto elas passavam por uma
reestruturação de concordata. A Tesla não se inscreveu para receber
nenhuma verba do TARP ou qualquer outro incentivo.
O que a Tesla realmente recebeu em junho de 2009 foram 465 milhões
de dólares em empréstimos a juros baixos de um programa do
Departamento de Energia. O Programa de Empréstimos para Tecnologias
Avançadas de Produção de Veículos concedia crédito para empresas fazerem
carros elétricos, ou carros mais eficientes quanto ao consumo de
combustível. A Ford, a Nissan e a Fisker Automotive também receberam
empréstimos.
O empréstimo do Departamento de Energia não era uma injeção
imediata de dinheiro. Ao contrário do dinheiro de resgate da GM e da
Chrysler, o empréstimo estava ligado a despesas reais. “Tínhamos que gastar
o dinheiro e prestar contas ao governo”, explica Musk. Sendo assim, o
primeiro cheque só chegou no início de 2010. Três anos depois, a Tesla
devolveu o empréstimo com 12 milhões de dólares em juros. A Nissan
pagou em 2017, a Fisker faliu e, em 2023, a Ford ainda devia dinheiro para
o programa.
Uma injeção mais significativa de dinheiro veio da Daimler. Em outubro
de 2008, em meio à crise da Tesla e aos fracassos nos lançamentos da
SpaceX, Musk foi até a sede da empresa alemã, em Stuttgart. Os executivos
da Daimler disseram estar interessados em criar um carro elétrico, e tinham
uma equipe que planejava visitar os Estados Unidos em janeiro de 2009.
Eles convidaram a Tesla a apresentar uma proposta de uma versão elétrica
do smart car da Daimler.
Assim que voltou, Musk disse a JB Straubel que eles deveriam correr
para montar um protótipo de um smart car elétrico para quando a equipe da
Daimler chegasse. Eles mandaram um funcionário ao México, onde havia
smart cars movidos a gasolina, para comprar um e levá-lo até a Califórnia.
Depois, colocaram o motor elétrico e as baterias do Roadster nele.
Quando os executivos da Daimler chegaram à Tesla em janeiro de 2009,
pareciam irritados por terem que ir a uma reunião com uma empresa
pequena e quase sem dinheiro, sobre a qual mal tinham ouvido falar.
“Lembro que eles estavam de muito mau humor e torcendo para sair dali o
mais rápido possível”, conta Musk. “Eles estavam esperando alguma
apresentação ruim de PowerPoint.” Então, Musk perguntou se queriam
dirigir o carro. “Como assim?”, indagou um dos membros da equipe da
Daimler. Musk explicou que haviam criado um modelo funcional.
Eles foram até o estacionamento, e os executivos da Daimler fizeram um
test drive. O carro disparou em um instante e atingiu cem quilômetros por
hora em cerca de quatro segundos. Isso impressionou os executivos. “O
smart car tinha uma potência incrível”, diz Musk. “Dava para dar cavalo de
pau com aquele carro.” Como resultado, a Daimler contratou a Tesla para
fornecer baterias e trens de força para os smart cars, uma ideia não muito
diferente da que Salzman havia sugerido. Musk pediu à Daimler que
considerasse investir na empresa. Em maio de 2009, antes mesmo de os
empréstimos do Departamento de Energia serem aprovados, a Daimler
concordou em comprar 50 milhões de dólares em ações da Tesla. “Se a
Daimler não tivesse investido na Tesla naquela época, teríamos fechado as
portas”, relata Musk.
capítulo 32
Model S
Tesla, 2009
Musk queria que o Model S tivesse uma grande tela touch ao alcance do
motorista. Ele e Von Holzhausen passaram horas discutindo ideias de
tamanho, formato e posicionamento da tela. Acabou sendo um marco para a
indústria automobilística. O equipamento dava ao motorista um controle
mais fácil sobre as luzes, a temperatura, a posição dos assentos, os níveis de
suspensão e quase tudo no carro, exceto abrir o porta-luvas (que, por alguma
razão, o governo exigia que tivesse um botão físico). Também permitia mais
diversão, como jogos eletrônicos, sons de pum nos bancos dos passageiros,
diferentes sons para a buzina e surpresas escondidas nas interfaces.
Mais importante ainda: pensar no carro como um software, e não só
como um hardware, permitiu que ele fosse continuamente atualizado.
Novos recursos podiam ser entregues pelo ar. “Estávamos encantados em ver
como podíamos acrescentar funcionalidades no decorrer dos anos, inclusive
mais aceleração”, diz Musk. “Isso permitia que o carro se tornasse melhor
do que era quando foi comprado.”
capítulo 33
Espaço privado
SpaceX, 2009-2010
Obama decidiu viajar a Cabo Canaveral em abril de 2010 para afirmar que
depender de empresas privadas como a SpaceX não significava que os
Estados Unidos estavam abandonando a exploração espacial. “Alguns
disseram que era inviável ou imprudente trabalhar com o setor privado dessa
forma”, disse em um discurso. “Eu discordo. Ao comprar os serviços de
transporte espacial — em vez dos próprios veículos —, podemos continuar a
garantir padrões rigorosos de segurança. Mas também vamos acelerar o
ritmo de inovação enquanto as empresas — de jovens startups a líderes
estabelecidas — competem para projetar, construir e lançar novas maneiras
de transportar pessoas e materiais para fora de nossa atmosfera.”
A equipe do presidente havia decidido que ele iria a uma das plataformas
de lançamento depois do discurso e faria uma sessão de fotos na frente de
um foguete. Segundo as reportagens, o presidente queria ir a uma
plataforma usada pela United Launch Alliance, mas eles estavam se
preparando para lançar um satélite de inteligência secreto, então a ideia foi
descartada. Lori Garver diz que a verdade era outra. “Todos nós na Casa
Branca concordamos que queríamos ir à plataforma da SpaceX.”
A imagem televisionada foi inestimável tanto para Obama quanto para
Musk: o jovem presidente, nascido no ano em que John Kennedy prometeu
mandar um norte-americano à Lua, caminhando ao lado do empreendedor
que aceita riscos, conversando casualmente enquanto andavam em volta do
brilhante Falcon 9. Musk gostou de Obama. “Achei ele moderado, mas
também disposto a forçar mudanças”, diz Musk. “Acho que ele queria
entender se eu era confiável ou meio doido.”
capítulo 34
O lançamento do Falcon 9
Cabo Canaveral, 2010
*
A SpaceX repetidamente provou que podia ser mais ágil do que a NASA.
Um exemplo aconteceu durante uma missão até a estação espacial em março
de 2013, quando uma das válvulas do motor da cápsula Dragon emperrou e
não abria. A equipe da SpaceX começou a correr para tentar descobrir como
abortar a missão e trazer a cápsula de volta antes que ela caísse. Então, eles
bolaram um plano arriscado. Talvez pudessem aumentar a pressão na frente
da válvula para fazê-la abrir. “Era uma espécie de versão espacial da
manobra de Heimlich”, declarou Musk posteriormente a Christian
Davenport, do e Washington Post.
As duas principais autoridades da NASA na sala de controle ficaram
apenas observando enquanto os jovens engenheiros da SpaceX elaboravam
um plano. Um dos engenheiros de software da SpaceX escreveu o código
que iria instruir a cápsula a aumentar a pressão, e eles o transmitiram como
se fosse uma atualização de software em um carro Tesla.
A válvula se abriu. A Dragon se conectou à estação espacial e voltou para
casa em segurança.
Isso acabou pavimentando o caminho para o próximo grande desafio da
SpaceX, maior e mais arriscado. Provocado por Garver, o governo Obama
decidiu que, quando o ônibus espacial fosse aposentado, os Estados Unidos
iriam depender só de empresas privadas, mais notavelmente da SpaceX,
para levar não apenas cargas, como também humanos, até a órbita. Musk
estava preparado para isso. Ele já havia dito aos engenheiros da SpaceX que
construíssem na cápsula Dragon um elemento que não era necessário para o
transporte de cargas: uma janela.
capítulo 35
Casando-se com Talulah
Setembro de 2010
Em um jantar em 2004
Jeff Bezos
Jeff Bezos, o superacelerado bilionário da Amazon, dono de uma risada
escandalosa e de um entusiasmo pueril, persegue suas paixões com um
talento para ser, ao mesmo tempo, exuberante e metódico. Como Musk, ele
era viciado em ficção científica na infância, lendo todas as obras de Isaac
Asimov e Robert Heinlein da biblioteca pública local.
Quando tinha 5 anos, em julho de 1969, assistiu pela televisão à
cobertura da missão da Apollo 11, que culminou com Neil Armstrong
andando na Lua. Esse foi um “momento seminal” para ele, de acordo com
Bezos. Tempos depois, ele financiaria uma série de missões que recuperaram
do oceano Atlântico um motor da Apollo 11, o qual instalou em um nicho
na sala de estar de sua casa em Washington, D.C.
A empolgação com o espaço transformou Bezos num daqueles fanáticos
por Star Trek que conhecem todos os episódios. Como orador da turma do
ensino médio, o discurso dele foi sobre como colonizar planetas, construir
hotéis no espaço e salvar a Terra ao encontrar outros lugares para fábricas.
“Espaço, a fronteira final, encontrem-me lá!”, concluiu ele.
Em 2000, depois de tornar a Amazon a empresa de vendas on-line
dominante no mundo, Bezos silenciosamente lançou uma empresa chamada
Blue Origin, nome inspirado no planeta azul-claro onde os humanos
surgiram. Como Musk, ele se concentrou em construir foguetes
reutilizáveis. “Em que aspectos a situação no ano 2000 é diferente da
situação nos anos 1960?”, pergunta Bezos. “A diferença está nos sensores
eletrônicos, nas câmeras, nos softwares. Ser capaz de pousar verticalmente é
o tipo de problema que pode ser enfrentado pelas tecnologias que não
existiam em 1960.”
Tal qual Musk, ele embarcou em empreendimentos espaciais mais como
um missionário do que como um mercenário. Há maneiras mais fáceis de
ganhar dinheiro. A civilização humana, Bezos acreditava, logo acabará com
os recursos de nosso pequeno planeta. Isso nos levará a uma escolha: aceitar
parar de crescer ou se expandir para lugares além da Terra. “Não acho a
estática compatível com a liberdade”, diz. “Podemos resolver esse problema,
e há uma solução: nos mudar para o sistema solar.”
Os dois se conheceram em 2004, quando Bezos aceitou o convite de
Musk para fazer um passeio na SpaceX. Em seguida, Bezos ficou surpreso
ao receber um e-mail seco de Musk, que expressava irritação por Bezos não
ter retribuído o convite para que Musk conhecesse a fábrica da Blue Origin
em Seattle, o que ele prontamente fez, então. Musk foi de avião com
Justine, visitou a Blue Origin, depois eles jantaram com Bezos e a esposa,
MacKenzie. Musk estava cheio de conselhos, expressados com a intensidade
usual. Avisou a Bezos que ele estava indo pelo caminho errado: “Cara, nós
tentamos isso e acabou sendo muito idiota, então me escute, não faça a
mesma bobagem que fizemos.” Bezos se lembra de pensar que Musk era um
pouco confiante demais, dado que ainda não tinha lançado com sucesso um
foguete. No ano seguinte, Musk pediu a Bezos que a Amazon fizesse uma
avaliação do novo livro de Justine, um thriller de horror urbano sobre seres
metade demônio, metade humano. Bezos explicou que não dizia para a
Amazon quais livros avaliar, mas falou que iria pessoalmente publicar uma
avaliação de cliente. Musk enviou uma resposta áspera, mas mesmo assim
Bezos publicou uma elogiosa resenha pessoal.
Pad 39 A
No início de 2011, a SpaceX ganhou uma série de contratos da NASA para
desenvolver foguetes que poderiam levar humanos até a Estação Espacial
Internacional, uma tarefa crucial desde a aposentadoria do ônibus espacial.
Para cumprir essa missão, ela precisava aumentar as instalações no Pad 40,
em Cabo Canaveral, e Musk decidiu alugar as instalações mais históricas do
lugar, o Pad 39 A.
O Pad 39 A havia sido palco central da Era Espacial Norte-Americana,
gravado na memória de toda uma geração que viu pela televisão e prendeu a
respiração quando a contagem regressiva começou: “Dez, nove, oito...” A
missão de Neil Armstrong na Lua a que Bezos assistiu quando criança fora
lançada do Pad 39, em 1969, assim como a última missão tripulada para a
Lua, em 1972. E também a primeira missão do ônibus espacial, em 1981, e
a última, em 2011.
Em 2013, porém, com o programa do ônibus espacial encerrado e meio
século de aspirações espaciais norte-americanas tendo terminado com
estrondos e choramingos, o Pad 39 estava enferrujando e ervas daninhas
cresciam no fosso de chamas. A NASA ansiava por alugá-lo. O cliente
óbvio era Musk, cujos foguetes Falcon 9 já haviam sido lançados em missões
de carga do Pad 40, que ficava próximo e Obama tinha visitado. No
entanto, quando a locação foi aberta para lances, Jeff Bezos, tanto por
razões sentimentais quanto práticas, decidiu competir pelo lugar.
Quando a NASA decidiu locar o espaço para a SpaceX, Bezos entrou
com uma ação judicial. Musk ficou furioso, declarou que era ridículo que a
Blue Origin contestasse o aluguel “quando eles não conseguiram colocar
nem um palito em órbita”. Ele ridicularizou os foguetes de Bezos,
apontando que só eram capazes de chegar ao limite do espaço e então
caíam; eles não tinham o impulso necessário para romper a gravidade da
Terra e entrar em órbita. “Se eles de alguma forma conseguirem apresentar
nos próximos cinco anos um veículo nos padrões de qualificação humana da
NASA que possa se acoplar à estação espacial, que é a finalidade do Pad 39
A, vamos acomodar com alegria as necessidades deles”, disse Musk.
“Francamente, acho mais provável descobrir unicórnios dançando no duto
de chamas.”
A batalha dos barões sci-fi havia começado. Um funcionário da SpaceX
comprou dezenas de unicórnios infláveis e os fotografou no duto de chamas
da plataforma.
Bezos acabou conseguindo alugar um complexo de lançamento próximo
de Cabo Canaveral, o Pad 36, que havia sido o local de lançamento das
missões para Marte e Vênus. A competição dos bilionários infantis estava
pronta para continuar. A transferência dessas plataformas sagradas
representava, tanto simbolicamente quanto na prática, que a tocha da
exploração espacial iniciada por John Kennedy estava passando das mãos do
governo para o setor privado — da outrora gloriosa e hoje esclerosada
NASA para um novo tipo de pioneiros com sentido de missão.
Foguetes reutilizáveis
Tanto Musk quanto Bezos tinham uma visão sobre o que iria tornar as
viagens espaciais mais viáveis: foguetes que pudessem ser reutilizados. O
foco de Bezos era criar os sensores e o software que guiassem o foguete para
um pouso seguro na Terra. Mas isso era apenas parte do desafio. A maior
dificuldade seria colocar todos esses atributos em um foguete que
permanecesse leve o bastante e cujos motores teriam impulso suficiente para
chegar à órbita. Musk se concentrava obsessivamente nesse problema de
física. Ele gostava de meditar, meio brincando, que nós, terráqueos, vivemos
em uma simulação de videogame criada por senhores inteligentes com senso
de humor. Eles fizeram a gravidade em Marte e na Lua fraca o suficiente
para que se lançar em órbita fosse fácil. Na Terra, porém, a gravidade parece
perversamente calibrada para tornar quase impossível chegar à órbita.
Como um alpinista organizando o conteúdo da mochila, Musk estava
obcecado em reduzir o peso de seus foguetes. Isso tinha um efeito
multiplicador: remover um pouco de peso — excluindo uma parte, usando
um material mais leve, fazendo soldas mais simples — resulta em menos
combustível necessário, o que reduz ainda mais a massa que os motores
precisam impulsionar. Quando andava pelas linhas de produção da SpaceX,
Musk parava em cada estação, observava em silêncio e desafiava a equipe a
descartar alguma parte. Quase todas as vezes, ele, de forma maníaca, batia
em uma só tecla: “Um foguete completamente reutilizável é a diferença
entre ser uma civilização de um único planeta e ser uma de múltiplos
planetas.”
Musk levou essa mensagem para o jantar anual de 2014 do centenário
Explorers Club, na cidade de Nova York, onde recebeu o President’s Award.
Ele compartilhou o palco com Bezos, que aceitou um prêmio pelo trabalho
que a equipe dele fizera quando da recuperação do motor da espaçonave
Apollo 11, comandada por Neil Armstrong. No jantar formal, foram
servidos pratos destinados a atrair os superaventureiros, como escorpiões,
morangos cobertos com larvas, pênis de boi agridoce, martínis com olho de
cabra e jacarés inteiros estavam entalhados nas laterais da mesa.
Um vídeo mostrando os bem-sucedidos lançamentos de foguetes da
SpaceX apresentava Musk. “Vocês foram gentis em não mostrar nossos
primeiros três lançamentos”, disse ele. “Vamos ter que mostrar um vídeo de
erros de gravação em algum momento.” Então ele fez um sermão sobre a
necessidade de um foguete completamente reutilizável. “É isso que nos
permitirá estabelecer vida em Marte”, explicou. “Nosso próximo lançamento
terá pernas no foguete para pouso pela primeira vez.” Foguetes reutilizáveis
poderão, algum dia, reduzir o custo de levar uma pessoa a Marte para 500
mil dólares. A maioria das pessoas não vai poder viajar, admitiu, “mas
suspeito que algumas pessoas nesta sala iriam”.
Bezos aplaudiu, mas naquele momento estava preparando um ataque
inesperado. Ele e a Blue Origin haviam pedido o registro de uma patente
nos Estados Unidos intitulada “Pouso em mar de veículos espaciais”, e
poucas semanas depois do jantar a obtiveram. O registro de dez páginas
descrevia “métodos para pouso e recuperação de um foguete auxiliar e/ou
outras porções dele em uma plataforma no mar”. Musk ficou furioso. A
ideia de pousar em navios no mar “é algo que tem sido discutido por, tipo,
meio século”, disse ele. “Está em filmes de ficção; está em inúmeras
propostas; há tantos antecedentes da invenção, é uma loucura. Então, tentar
patentear algo que as pessoas têm discutido por meio século é, obviamente,
ridículo.”
No ano seguinte, depois que a SpaceX entrou com um processo, Bezos
concordou em cancelar a patente. A disputa, no entanto, aumentou a
rivalidade entre os dois empreendedores espaciais.
capítulo 38
O falcão escuta o falcoeiro
SpaceX, 2014-2015
*
Então veio a espera de dez minutos para ver se o foguete auxiliar iria voltar e
pousar em segurança na plataforma de pouso que a SpaceX havia construído
a cerca de 1,5 quilômetro do Pad 39 A. Logo depois que o segundo estágio
se separou, o foguete auxiliar ligou seus propulsores para fazer a volta e
retornar para Cabo, apontar a base para baixo e reduzir a velocidade na
descida. Com o GPS e os sensores dele próprio guiando-o e as aletas de
grade o ajudando a manobrar, ele desceu tranquilamente em direção à
plataforma de pouso. (Pare um momento e pense em quão incrível é isso.)
Musk correu para fora da sala de controle e saiu pela estrada encarando a
escuridão, para ver o foguete reaparecer. “Desça, desça devagar”, sussurrou
em pé na rodovia, as mãos na cintura. Então houve um som de explosão.
“Ah, merda”, disse ele, virando-se e andando desanimado pela estrada.
Dentro da sala de controle, entretanto, havia gritos de comemoração. Os
monitores mostravam o foguete em pé na plataforma, e o narrador do
lançamento ecoou as palavras que haviam sido usadas por Neil Armstrong
na Lua: “O Falcon pousou.” O som alto, no fim das contas, era o estouro
sônico da reentrada do foguete na atmosfera.
Uma das engenheiras de voo correu para fora da sala de controle com a
notícia. “Está em pé na plataforma!”, gritou. Musk deu meia-volta e se
arrastou rapidamente em direção à plataforma, dizendo “Puta merda” para
si mesmo. “Puta merda.”
Naquela noite, todos foram a um bar na orla chamado Fishlips para
festejar. Musk ergueu um copo de cerveja e gritou para os cerca de cem
funcionários e outros observadores impressionados: “Nós acabamos de
lançar e pousar o maior foguete do mundo!” Enquanto isso, a multidão
bradava o nome do país, e ele pulava e dava socos no ar.
* Um trocadilho com a palavra “boring”, que em inglês significa tanto “perfuração” quanto
“entediante”. [N. da E.]
capítulo 44
Relações complicadas
2016-2017
Com Amber Heard, que lhe deixou uma marquinha de beijo na bochecha; com
Donald Trump; Errol Musk
Trump
Musk nunca foi muito político. Como muitos especialistas em tecnologia,
ele era progressista em assuntos sociais, mas com uma grande resistência
libertária a regulamentações e ao politicamente correto. Ele fez doações para
as campanhas de Barack Obama e depois de Hillary Clinton, e foi um
crítico de Donald Trump nas eleições de 2016. “Trump não parece ter o
tipo de caráter que reflete bem nos Estados Unidos”, disse à CNBC.
Entretanto, depois que Trump venceu, Musk ficou cautelosamente
otimista de que ele poderia governar como um renegado independente, em
vez de um ressentido direitista. “Achei que talvez algumas das coisas mais
loucas que ele tivesse dito durante a campanha fossem só uma atuação e que
ele acabaria sendo mais sensato”, diz Musk. Então, a pedido do amigo Peter
iel, um apoiador de Trump, Musk concordou em se juntar a um grupo de
CEOs de tecnologia que iam se encontrar com o presidente eleito em Nova
York em dezembro de 2016.
Na manhã do encontro, Musk visitou os conselhos editoriais do e New
York Times e do e Wall Street Journal e depois, como o trânsito parecia
ruim, pegou o metrô na Lexington Avenue para chegar à Trump Tower.
Além de iel, entre os vinte CEOs de tecnologia na reunião estavam Larry
Page, do Google; Satya Nadella, da Microsoft; Jeff Bezos, da Amazon; e
Tim Cook, da Apple.
Depois do encontro, Musk ficou para uma reunião privada com Trump.
O presidente lhe disse que ganhara de um amigo um Tesla, mas ele nunca
dirigira. Musk ficou perplexo, mas não falou nada. Em seguida, Trump
afirmou que “queria muito botar a NASA em operação de novo”. Isso
deixou Musk ainda mais perplexo. Ele incitou Trump a estabelecer objetivos
maiores — principalmente enviar humanos a Marte — e a deixar as
empresas realizá-los. Trump pareceu impressionado com a ideia de mandar
pessoas a Marte, mas reiterou que queria “botar a NASA em operação de
novo”. Musk achou a reunião estranha, mas Trump amigável. “Ele parece
meio louco”, disse depois, “mas pode acabar se revelando ok”.
Posteriormente, Trump disse a Joe Kernen, da CNBC, que ficou
impressionado com Musk. “Ele gosta de foguetes e se sai bem com os
foguetes, a propósito”, comentou Trump, e depois entrou no modo
trumpiano confuso. “Nunca vi onde essas máquinas descem sem asas, sem
nada, e elas estão pousando, e eu falei ‘Nunca vi isso antes’, e fiquei
preocupado com ele, porque é um dos nossos maiores gênios e temos que
proteger nossos gênios, você sabe que temos que proteger omas Edison e
temos que proteger todas essas pessoas que criaram originalmente a
lâmpada e a roda e todas essas coisas.”
Juleanna Glover, uma bem relacionada consultora de assuntos
governamentais, ajudou a organizar outras reuniões enquanto eles estavam
na Trump Tower, inclusive um encontro com o vice-presidente eleito, Mike
Pence, e os assessores de segurança nacional Michael Flynn e K. T.
McFarland. O único que impressionou Musk foi Newt Gingrich, que era
um fã do espaço e compartilhava o entusiasmo por deixar empresas privadas
licitarem para missões.
No primeiro dia de Trump como presidente, Musk foi à Casa Branca
participar de um conselho dos principais CEOs, e duas semanas depois
voltou para uma sessão parecida. Ele concluiu que o Trump presidente não
era diferente do Trump candidato. A bufonaria não era só teatro. “Trump
talvez seja um dos melhores falastrões do mundo”, diz. “Como o meu pai. A
baboseira pode, às vezes, confundir o cérebro. Se você pensar em Trump
apenas como um tipo de vigarista, então o comportamento dele faz
sentido.” Quando o presidente tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris,
um acordo internacional para combater a mudança climática, Musk se
retirou dos conselhos presidenciais.
Amber Heard
Musk não foi criado para a tranquilidade doméstica. A maioria dos
relacionamentos amorosos dele envolve turbulência emocional. O mais
angustiante deles foi com a atriz Amber Heard, que o arrastou em um
vórtice sombrio por mais de um ano e causou uma dor profunda que
perdura até hoje. “Foi brutal”, diz ele.
O relacionamento começou depois que ela participou de um filme de
ação, em 2012, chamado Machete mata, longa que apresenta um inventor
que quer criar uma sociedade em uma estação espacial em órbita. Musk
concordou em servir de consultor porque queria conhecê-la, mas isso só
ocorreu um ano depois, quando ela perguntou se podia visitar a SpaceX.
“Acho que, para alguém que é chamada de gostosa, eu até que posso ser
considerada geek”, disse ela brincando. Musk levou Amber para um passeio
num Tesla, e ela pensou que, para um engenheiro de foguetes, até que ele
era atraente.
A vez seguinte que ela o viu foi na fila do tapete vermelho no jantar de
gala do Metropolitan Museum, em Nova York, em maio de 2016. Heard,
na época com 30 anos, estava na iminência de um divórcio explosivo de
Johnny Depp. Ela e Musk conversaram no jantar e na festa que se seguiu.
Após o relacionamento conturbado com Depp, ela achou que Musk era uma
lufada de ar fresco.
Poucas semanas depois, Amber estava trabalhando em Miami, e Musk
foi visitá-la. Eles ficaram à beira da piscina em uma villa que ele alugou no
Delano Hotel, em Miami Beach, e então Musk a levou, junto com a irmã
dela, de avião até Cabo Canaveral, onde um lançamento do Falcon 9 estava
programado. Ela achou que aquele era o encontro mais interessante que já
tivera.
Para o aniversário de Musk, em junho, Amber decidiu surpreendê-lo, e
viajou da Itália, onde estava trabalhando, até a fábrica da Tesla em Fremont.
Quando estava perto, ela parou no acostamento e colheu algumas flores
silvestres. Com a ajuda da equipe de segurança dele, escondeu-se na traseira
de um Tesla e saltou para fora com as flores quando Musk se aproximou.
O relacionamento ficou mais sério em abril de 2017, época em que Musk
voou para ficar com Amber na Austrália, onde ela estava filmando
Aquaman, no qual interpretava a princesa guerreira e par romântico de um
super-herói que tentava salvar o mundo. Eles andaram de mãos dadas por
um santuário de vida selvagem e fizeram um curso de arvorismo, depois do
qual Heard deixou uma marquinha de beijo na bochecha dele. Musk lhe
disse que ela o fazia se lembrar de Mercy, a personagem favorita dele no
jogo de videogame Overwatch, e então ela passou dois meses desenhando e
encomendando uma fantasia completa a fim de poder encenar para ele.
O lado divertido de Amber, no entanto, era acompanhado pelo tipo de
turbulência que atraía Musk. O irmão e os amigos dele a odiavam tanto, que
a aversão que sentiam por Justine parecia até esmorecer. “Ela era
simplesmente muito tóxica”, diz Kimbal, “um pesadelo”. O chefe de equipe
de Musk, Sam Teller, a compara com um vilão dos quadrinhos. “Ela parecia
o Coringa, do Batman”, comenta. “O único objetivo dela era o caos. Ela
acha ótimo quando desestabiliza tudo.” Amber e Musk ficavam acordados a
noite toda brigando, e ele só conseguia se levantar à tarde.
Eles romperam em julho de 2017, mas em seguida reataram e ficaram
juntos por mais cinco turbulentos meses. O fim finalmente aconteceu depois
de uma viagem insana para o Rio de Janeiro em dezembro com Kimbal, a
esposa dele e alguns dos filhos. Quando chegaram ao hotel, Elon e Amber
tiveram outra das brigas incendiárias. Ela se trancou no quarto e começou a
gritar que tinha medo de ser atacada e que Elon havia pegado o passaporte
dela. Os seguranças e a esposa de Kimbal tentaram convencê-la de que
estava segura, o passaporte encontrava-se na mala dela e Amber podia — e
devia — partir quando quisesse. “Ela realmente é uma ótima atriz, então diz
coisas que fazem você pensar Uau, talvez seja verdade, mas não é”, fala
Kimbal. “A maneira como ela é capaz de criar uma realidade própria me faz
lembrar do meu pai.” (Pense nisso por um minuto.) Amber concorda que
eles brigaram e ela foi meio dramática. Entretanto, diz que fizeram as pazes
naquela noite, que era o Ano-Novo. Eles foram a uma festa e celebraram o
início do novo ano em pé numa sacada com vista para a praia de
Copacabana, ela em um vestido de linho branco decotado, ele com uma
camisa de linho branca meio desabotoada. Kimbal e a esposa estavam lá,
junto com o primo Russ Rive e a esposa dele. Para mostrar que haviam se
acertado, Amber me enviou fotos e vídeos da noite. Em um deles, Elon
deseja a ela um feliz Ano-Novo e a beija apaixonadamente nos lábios.
Ela chegou à conclusão de que Musk cultivava o drama porque precisava
de muito estímulo para mantê-lo revigorado. Mesmo depois que eles
romperam definitivamente, a chama permaneceu. “Eu o amo muito”, diz
Amber. Ela também o entende bem. “Elon ama o fogo”, comenta ela, “e às
vezes acaba se queimando”.
O fato é que a atração de Musk por Amber era parte de um padrão. “É
muito triste que o Elon se apaixone por pessoas que fazem muito mal a ele”,
diz Kimbal. “Elas são lindas, sem dúvida, mas têm um lado sombrio e o
Elon sabe que são tóxicas.”
Então por que ele faz isso? Quando pergunto a Elon, ele dá uma risada.
“Porque sou um tolo apaixonado”, responde. “Muitas vezes sou um tolo,
mas especialmente quando estou apaixonado.”
Errol e Jana
Elon não via o pai desde o fim de 2002, quando Errol e a família fizeram
uma visita depois da morte do bebê Nevada. Durante a estadia, Elon havia
ficado desconfortável com o carinho do pai pela enteada Jana, então com 15
anos, e o pressionado a voltar para a África do Sul.
No entanto, em 2016, Elon e Kimbal planejaram uma viagem com as
respectivas famílias à África do Sul e decidiram que deveriam ver Errol, que
estava divorciado e havia tido problemas cardíacos. Elon compartilha
algumas coisas com o pai, provavelmente mais do que gostaria de admitir,
inclusive o dia do aniversário: 28 de junho. Então, eles marcaram um
almoço para tentar se reconciliar, pelo menos por um momento, no
aniversário deles — Elon estava completando 45 anos e Errol, 70.
Encontraram-se em um restaurante na Cidade do Cabo, onde Errol
morava. Estavam presentes Kimbal e a nova esposa, Christiana, e Elon e a
atriz Natasha Bassett, com quem ele saía de vez em quando. Justine havia
pedido que os filhos, que foram na viagem, não tivessem contato com Errol,
portanto as crianças deixaram o restaurante pouco antes de o avô chegar.
Antonio Gracias também estava presente e perguntou se podia ir embora.
“Elon pôs a mão na minha perna e pediu: ‘Fica, por favor’”, recorda-se
Gracias. “Foi a única vez que vi as mãos do Elon tremendo.” Quando
entrou no restaurante, Errol elogiou Elon em voz alta pela beleza de
Natasha, o que deixou todos desconfortáveis. “Elon e Kimbal se fecharam,
ficaram silenciosos”, diz Christiana. Após uma hora, disseram que era hora
de ir.
Elon tinha planejado levar Kimbal, Christiana, Natasha e as crianças a
Pretória, para verem onde os dois haviam crescido. Contudo, depois do
encontro com o pai, não havia mais clima. Elon interrompeu a viagem
abruptamente e voou de volta para os Estados Unidos, dizendo aos demais e
a si mesmo que precisava retornar para lidar com a situação do motorista
que havia morrido na Flórida enquanto usava o Autopilot da Tesla.
*
A visita, apesar de breve, parecia anunciar uma détente com o pai, que
poderia, talvez, ter ajudado Elon a domar alguns dos demônios que ainda o
assombravam. Mas isso não aconteceu. Naquele mesmo ano, não muito
depois que Elon partiu da África do Sul, Errol engravidou Jana, que estava
então com 30 anos. “Éramos pessoas solitárias, perdidas”, disse Errol
depois. “Uma coisa levou a outra. Você pode chamar isso de plano divino ou
plano da natureza.”
Quando Elon e os irmãos descobriram, ficaram assustados e furiosos.
“Eu estava, na realidade, gradativamente fazendo as pazes com meu pai”,
diz Kimbal, “mas aí ele teve um filho com a Jana e eu decretei: ‘Acabou,
estou fora. Nunca mais quero falar com você.’ E não falei mais com ele
desde então”.
Logo depois de saber da notícia, no verão de 2017, Elon tinha uma
entrevista agendada com Neil Strauss para uma matéria de capa da Rolling
Stone. Strauss começou a entrevista com uma pergunta sobre o Model 3 da
Tesla. Como acontecia com frequência, Musk simplesmente ficou em
silêncio. Ele estava processando ambas as situações, a com Amber Heard e a
com o pai dele. Sem dar muita explicação, Musk se levantou e saiu.
Depois de mais de cinco minutos, Teller foi buscá-lo. Quando Musk
voltou, ele explicou para Strauss: “Acabei de terminar com minha
namorada. Estava realmente apaixonado, e dói muito.” Mais adiante na
entrevista, ele falou sobre o pai, mas sem mencionar o filho que Errol havia
acabado de ter com Jana. “Ele é um ser humano tão terrível”, disse Musk,
começando a chorar. “Meu pai sempre vai ter um plano maléfico
cuidadosamente urdido. Ele planeja o mal. Quase todo crime no qual você
possa pensar, ele já cometeu.” No perfil que publicou, Strauss destacou que
Musk não entrou em detalhes. “Nitidamente, existe algo que Musk quer
compartilhar, mas não consegue expressar com palavras.”
capítulo 45
Descida para a escuridão
2017
Nunca peça à sua tropa para fazer algo que você não quer fazer.
As únicas regras são as que são ditadas pelas leis da física. Tudo o mais é
uma recomendação.
Na linha de montagem
* Em inglês, “intense in tents”, um famoso trocadilho com as palavras “intense” [intenso] e “in tents”
[em tendas], que brinca com a dificuldade de acampar e é usado para se referir a algo complicado. [N.
da E.]
capítulo 47
Aviso de malha aberta
2018
* O processo de difamação, que incluiu os e-mails para o BuzzFeed, foram a julgamento em Los
Angeles em 2019. Em seu depoimento, Musk se desculpou e disse não acreditar que o explorador de
cavernas fosse um pedófilo. O júri absolveu Musk.
capítulo 48
Radioatividade
2018
O jeito pateta de Musk é o outro lado do seu modo demoníaco. Quando ele
está nos momentos mais sombrios, frequentemente alterna entre raiva e
estrondosas gargalhadas.
O humor dele tem muitos níveis. O mais baixo é a afeição pueril por
emojis de cocô, sons de pum programados no Tesla e outras demonstrações
de humor escatológico. Dê a ordem “Abrir ânus” para o console de um Tesla
e o carro abre uma porta na traseira do veículo.
Musk também tem um humor mordaz, irônico, demonstrado por um
pôster na parede da baia dele na SpaceX. A imagem mostra um céu azul-
escuro estrelado onde se vê uma estrela cadente, e um texto diz: “Quando
você faz um pedido para uma estrela cadente, seus sonhos podem se tornar
realidade. A menos que seja um meteoro vindo em direção à Terra que
destruirá toda a vida no planeta. Nesse caso você está ferrado, não importa o
que desejou. A menos que seu desejo seja morrer atingido por um
meteorito.”
O tipo mais profundamente enraizado de humor de Musk é uma
esperteza divertida e metafísica da ciência geek que ele absorveu quando leu
e releu o livro de Douglas Adams, O guia do mochileiro das galáxias. Em
meio à sua crise em 2018, Musk decidiu lançar seu velho Tesla Roadster
vermelho-cereja no espaço sideral, em uma órbita que iria, depois de quatro
anos, levá-lo para perto de Marte. Ele fez isso no primeiro lançamento do
novo Falcon Heavy, um foguete de 27 motores construído a partir da junção
de três foguetes auxiliares Falcon 9. O Tesla tinha um exemplar de O guia do
mochileiro das galáxias no porta-luvas e um cartaz no painel com
!, regra extraída do livro.
Ruptura com Kimbal
Durante a infância difícil e enquanto parceiros no Zip2, Kimbal e Elon
costumavam brigar ferozmente um com o outro. Mas, acima de tudo isso,
Kimbal foi o mais próximo compatriota de Elon, aquele que o entendia e
ficava com ele, mesmo quando lhe dizia verdades desconfortáveis.
Depois que Antonio Gracias o convocou a voltar da lua de mel em julho,
Kimbal trabalhou quase em tempo integral na Tesla, ignorando o
restaurante no estilo “do produtor direto para a mesa” que havia aberto no
Colorado. Durante a crise com a SEC, ele foi uma das vozes mais
ressoantes pressionando Elon a aceitar o acordo. E, quando Elon ficou
temeroso de que alguns membros do conselho pudessem estar se
organizando contra ele, Kimbal voou até Los Angeles para ficar com o
irmão. Durante uma tensa reunião de sábado na casa de Elon, Kimbal fez o
que havia feito depois do fracasso do lançamento do Falcon em Kwaj e
muitas outras vezes: aliviou a tensão cozinhando. Dessa vez, ele preparou
salmão com ervilhas e um cozido de batata com cebola.
Entretanto, a frustração de Kimbal com o irmão vinha crescendo,
especialmente quando pessoas de fora precisavam convencê-lo a aceitar o
acordo com a SEC. Em outubro, houve um ponto de ruptura. A rede de
restaurantes dele estava tendo problemas de financiamento e ele precisava
levantar capital. “Então liguei para o Elon e disse: ‘Olha, preciso da sua
ajuda para financiar meu negócio.’” A rodada deveria ser de cerca de 40
milhões de dólares, e Kimbal precisava que Elon emprestasse 10 milhões.
Elon inicialmente concordou. “Eu me lembro”, diz Kimbal, “de escrever no
meu diário ‘amor incondicional pelo Elon’”. Contudo, quando Kimbal o
procurou para que ele transferisse o dinheiro, Elon havia mudado de ideia.
O gerente financeiro pessoal dele, Jared Birchall, havia analisado os
números e disse a Elon que o negócio de Kimbal não era sustentável. “O
dinheiro que Elon estava colocando na empresa do irmão estava escorrendo
pelo ralo”, me disse Birchall. Então Elon deu a Kimbal a má notícia: “Fiz o
cara das minhas finanças dar uma olhada na situação, e os restaurantes estão
indo mal. Acho que eles deveriam morrer.”
“O que você disse?”, gritou Kimbal. “Vá se foder. Vá se foder. Não é
assim que funciona.” Ele lembrou a Elon, vigorosamente, que, quando as
finanças da Tesla estavam mal das pernas, ele tinha ido trabalhar ao lado do
irmão e fornecido financiamento. “Se você tivesse olhado para as finanças da
Tesla, ela deveria ter morrido também”, disse Kimbal. “Então, não é assim
que funciona.”
Elon acabou cedendo. “Eu basicamente o forcei a colocar 5 milhões”, diz
Kimbal. Os restaurantes sobreviveram, mas o incidente causou uma ruptura.
“Fiquei furioso com o Elon e não falei com ele”, relata Kimbal. “Senti como
se tivesse perdido meu irmão. Que a experiência na Tesla o havia feito
perder a cabeça. Naquele momento eu pensei: ‘Para mim já deu.’”
Depois de seis semanas de silêncio, Kimbal tentou contato para resolver o
conflito. “Decidi voltar a ser o irmão do Elon porque não queria perdê-lo”,
diz ele. “Senti falta do meu irmão.” Perguntei como Elon reagiu quando ele
o procurou. “Reagiu como se nada tivesse acontecido”, respondeu Kimbal.
“Elon é assim.”
JB Straubel sai
Não foi surpresa que muitos dos principais executivos de Musk tenham
fugido durante o inferno da produção de 2018 e da tempestade que se
seguiu. Jon McNeill, o presidente da Tesla que supervisionava vendas e
marketing, havia assumido o papel de ajudar Musk durante as crises de
sofrimento mental que o acometiam, como fez quando ele estava deitado no
chão da sala de conferências. “Estava ficando absolutamente exaustivo para
mim”, diz McNeill. Ele foi até Musk em janeiro de 2018, incentivou-o a
procurar ajuda psicológica e disse: “Adoro você, mas não consigo mais
continuar assim.”
Doug Field, o vice-presidente sênior de engenharia, era cogitado como
futuro CEO da Tesla. Musk, contudo, perdeu a confiança nele no início do
inferno da onda e o tirou do papel de supervisor de produção. Ele saiu para
ir trabalhar na Apple e depois na Ford.
A saída mais importante, pelo menos dos pontos de vista simbólico e
emocional, foi a de JB Straubel, o animado cofundador que havia
acompanhado Musk por dezesseis anos, desde o jantar deles em 2003,
quando Straubel exaltou a possibilidade de usar baterias de íon de lítio para
fazer carros elétricos. No fim de 2018, ele tirou longas férias, as primeiras
férias de verdade em quinze anos. “Meu nível percentual de felicidade estava
baixo e tendendo a cair”, diz. Ele estava se divertindo muito mais num
empreendimento secundário que havia fundado, a Redwood Materials, cujo
objetivo era reciclar baterias de íon de lítio de carros. Outro fator foi o
comportamento de Musk na época. “Ele estava sofrendo, e por isso se
mostrava mais temperamental que de costume”, explica Straubel. “Eu me
senti terrível por ele e tentei ajudá-lo como amigo, mas não consegui.”
Geralmente, Musk não é sentimental com a partida das pessoas. Ele
gosta de sangue novo. O que o preocupa mais é um fenômeno que chama de
“ricos preguiçosos”, ou seja, pessoas que trabalham por muito tempo na
empresa e, como já adquiriram dinheiro suficiente e casas de veraneio, não
têm mais o apetite para passar a noite toda no chão de fábrica. Mas, no caso
de Straubel, para além da confiança profissional, Musk sentia uma afeição
pessoal. “Fiquei um pouco surpreso com a relutância de Elon em aceitar
minha demissão”, diz Straubel.
Durante o início de 2019, eles tiveram várias conversas e Straubel foi
capaz de perceber as complexidades das oscilações emocionais de Musk.
“Ele pode mudar, normalmente sem aviso, de um humor muito emotivo e
humano para o exato oposto disso”, diz Straubel. “Às vezes ele pode ser
extremamente amável e carinhoso, de forma chocante até, e você pensa Ah,
meu Deus, é verdade, já passamos por grandes dificuldades juntos e temos uma
ligação profunda, e eu te amo, cara. Então isso se mistura àquele olhar vazio,
quando parece que ele está olhando através de você sem emoção alguma.”
O plano que eles elaboraram era anunciar a saída de Straubel da Tesla na
reunião anual de junho de 2019, que seria realizada no Museu da História
do Computador, perto de Palo Alto. Considerando o local, seria uma
chance de andar pela história da Tesla, que em dezesseis anos deixou de ser
um sonho para se transformar na rentável pioneira da era dos veículos
elétricos. Em seguida, eles apresentariam o sucessor de Straubel, Drew
Baglino, um veterano que estava na empresa havia doze anos. Straubel e
Baglino tinham a mesma linguagem corporal e modos esguios, além de uma
profunda afeição.
Nos bastidores, antes do evento, Musk repensou se faria o anúncio da
saída de Straubel. “Estou com um mau pressentimento sobre isso”, disse.
“Não acho que a gente deva fazer o anúncio hoje.” Straubel ficou aliviado,
porque lidar com a própria saída estava sendo emocionalmente difícil.
Musk fez a primeira parte da apresentação sozinho. “Foi um ano
infernal”, começou ele, uma frase que era verdadeira em muitos níveis. O
Model 3 estava, na época, vendendo mais que todos os concorrentes juntos
— a gasolina e elétricos — na categoria de carro de luxo e era o carro mais
vendido em receita nos Estados Unidos. “Há dez anos, ninguém teria
acreditado que isso poderia acontecer”, disse Musk. O humor tolo dele veio
à tona por um momento. Ele começou a rir com o “aplicativo de pum”, o
qual permitia que os motoristas do Tesla, ao apertar um botão, fizessem o
assento do passageiro emitir um som de pum quando alguém se sentasse.
“Talvez seja meu melhor trabalho”, falou Musk.
Ele também, como sempre, prometeu que os Teslas autônomos estavam
próximos. “Esperamos apresentar a autonomia completa até o fim deste
ano”, declarou — mais um ano em que isso era prometido. “Esse carro deve
ser capaz de ir da garagem da sua casa até o estacionamento do trabalho sem
intervenção.” Uma pessoa da plateia foi até o microfone e o desafiou,
quando disse que as promessas anteriores que ele fizera não haviam se
concretizado. Musk riu, pois sabia que o interlocutor estava certo. “Pois é, às
vezes eu sou um pouquinho otimista demais com relação a prazos”, disse
ele. “Vocês já devem ter percebido, não é? Mas será que eu estaria fazendo
isso se não fosse otimista? Jesus!” A plateia aplaudiu. Eles entendiam a
piada.
Quando Musk convidou Straubel e Baglino ao palco, houve aplausos.
Entre os fãs da Tesla, eles eram astros queridos. Straubel disse com afeição
genuína: “Drew se juntou à minha equipe alguns anos depois da fundação
da empresa, quando meu time era pequeno, apenas cinco ou dez pessoas, e
desde então ele tem sido meu braço direito, fez parte de todos os principais
projetos que toquei.” Esse seria o momento em que Straubel anunciaria a
aposentadoria, assim havia planejado. Em vez disso, Straubel e Musk
aproveitaram a ocasião para relembrar o passado. “Lembro da origem da
Tesla, em 2003, quando JB e eu almoçamos com Harold Rosen”, disse
Musk. “É, aquela foi uma boa conversa.”
“Nós não previmos exatamente como as coisas aconteceriam”,
acrescentou Straubel.
“Eu tinha certeza absoluta de que não ia dar certo”, falou Musk. “Em
2003, as pessoas achavam que carros elétricos eram a coisa mais estúpida do
mundo, ruim em todos os sentidos, algo como um carrinho de golfe.”
“Mas era algo que precisava ser feito”, disse Straubel.
Durante uma reunião de resultados algumas semanas depois, Musk
anunciou casualmente a saída de Straubel. O respeito de Musk por ele,
entretanto, permaneceu. Em 2023, ele iria convidar Straubel para fazer
parte do conselho da Tesla.
capítulo 49
Grimes
2018
Claire Boucher, conhecida como Grimes, vestida para uma apresentação; com
Musk no Met Gala
em+cb
De vez em quando, frequentemente nos momentos mais complexos, os
Criadores da Nossa Simulação — os patifes que conjuram aquilo que somos
levados a acreditar ser realidade — apresentam um novo elemento brilhante,
que cria novas e caóticas subtramas. E foi exatamente assim que, na
primavera de 2018, em meio ao tsunami emocional causado pelo
rompimento com Amber Heard, surgiu na vida de Musk uma franzina
tecelã de sons: Claire Boucher, conhecida como Grimes, uma artista
performática inteligente e hipnótica, cujo aparecimento acarretaria três
novos filhos, intermitentes períodos de vida doméstica e até mesmo uma
batalha pública com uma rapper instável.
Nascida em Vancouver, Grimes havia produzido quatro álbuns na época
em que começou a sair com Musk. Baseando-se em temas e memes de
ficção científica, ela combinava de forma hipnotizante textura sonora com
elementos de dream pop e música eletrônica. Uma intrépida curiosidade
intelectual a levou a se interessar por ideias ecléticas, como um experimento
mental conhecido como Basilisco de Roko, o qual postula que a inteligência
artificial poderia sair de controle e torturar qualquer humano que não a
tenha ajudado a ganhar poder. Esse é o tipo de coisa com as quais ela e
Musk se preocupam. Quando Musk quis tuitar um trocadilho sobre o
assunto, deu uma busca no Google para encontrar uma imagem e então
descobriu que Grimes havia transformado isso em um elemento do
videoclipe “Flesh Without Blood”, de 2015. Ela e Musk deram início a
uma conversa no Twitter, que, à maneira moderna, acabou em trocas de
mensagens privadas em redes sociais e mensagens de celular.
Os dois já haviam se encontrado antes — ironicamente, quando Musk
estava em um elevador com Amber Heard. “Você se lembra daquele
encontro no elevador?”, perguntou Grimes durante uma conversa que tive
com ela e Musk tarde da noite. “Foi superestranho.”
“De tantos momentos em que a gente podia ter se encontrado...”,
concordou Musk. “Você estava me encarando muito intensamente.”
“Não”, corrigiu ela, “era você que estava me encarando com um olhar
estranho”.
Depois que se reencontraram na conversa sobre o Basilisco de Roko no
Twitter, Musk a convidou para voar até Fremont e visitar a fábrica dele, sua
ideia de um bom encontro. Era fim de março de 2018, durante o frenesi
enlouquecido para fazer 5 mil carros por semana. “Nós simplesmente
andamos pelo chão de fábrica a noite toda, e eu o vi tentar consertar coisas”,
conta Grimes. Na noite seguinte, enquanto a levava a um restaurante, ele
mostrou quão rápido o carro acelerava, depois tirou as mãos do volante,
cobriu os próprios olhos e a deixou experimentar o Autopilot. “Fiquei, tipo,
esse cara é muito louco”, diz ela. “O carro dava a seta e mudava de pista
sozinho. Parecia uma cena de filme da Marvel.” No restaurante, ele escreveu
+ na parede.
Quando ela comparou os poderes dele aos de Gandalf, Musk fez um quiz
com ela sobre O Senhor dos Anéis. Ele queria testar se ela era realmente fã.
Ela passou no teste. “Era importante para mim”, diz Musk. Grimes deu de
presente para ele uma caixa de ossos de animais que havia colecionado. À
noite, eles ouviam “Hardcore History”, de Dan Carlin, e outros podcasts de
história e audiolivros. “A única maneira de eu estar em um relacionamento
sério é se a pessoa com quem estou também for capaz de ouvir, tipo, uma
hora de história de guerra antes de dormir”, diz ela. “Elon e eu passamos
por muitos assuntos, como Grécia Antiga, Napoleão e as estratégias
militares da Primeira Guerra Mundial.”
Tudo isso estava acontecendo enquanto Musk passava por suas crises
mentais e de trabalho em 2018. “Cara, você realmente parece estar com a
cabeça bem cheia”, disse Grimes para ele. “Quer que eu traga meu material
de música para cá e trabalhe na sua casa?” Musk respondeu que gostaria
disso. Não queria ficar sozinho. Ela achou que ficaria com ele por algumas
semanas, até que a turbulência emocional abrandasse. “Mas a tempestade
meio que nunca passou, e então você já está embarcado, viajando, e eu
simplesmente fui ficando ali.”
Ela foi com Musk à fábrica em algumas noites quando ele estava no
modo batalha. “Elon está sempre procurando pelo que está errado com o
motor, o que está errado com o mecanismo, o escudo térmico, a válvula de
oxigênio líquido”, diz ela. Certa noite, eles saíram para jantar e Musk de
repente ficou em silêncio, pensando. Depois de um minuto ou dois, ele
perguntou se ela tinha uma caneta. Ela tirou um delineador da bolsa. Musk
pegou e começou a desenhar em um guardanapo uma ideia para modificar
um escudo térmico do motor. “Percebi que, mesmo quando estava com ele,
havia momentos em que a mente dele ia para outro lugar, geralmente para
algum problema do trabalho”, comenta Grimes.
Em maio, Musk tirou uma breve folga do inferno de produção na fábrica
da Tesla e foi com ela a Nova York para participar do evento anual de gala
do Metropolitan Museum, uma extravagância cintilante em que as pessoas
exibem uma moda fora do comum e fantasias. Musk sugeriu ideias para o
traje dela, um conjunto punk medieval em preto e branco com espartilho de
vidro rígido e um colar feito de pontas que lembravam o logotipo da Tesla.
Ele até conseguiu alguém da equipe de design da Tesla para ajudar Grimes a
produzi-la. Ele usou uma camisa branca com um colarinho clerical e um
smoking branco puro com uma discreta inscrição novus ordo seclorum, uma
frase em latim que anuncia uma nova ordem dos tempos.
Batalha de rap
Embora quisesse ajudar Musk durante a crise, Grimes não era uma
influência tranquila. A intensidade que a tornava uma artista ousada trazia
junto um estilo de vida confuso. Ela ficava acordada boa parte da noite e
dormia durante o dia. Grimes era exigente e não confiava na equipe que
cuidava dos afazeres domésticos de Musk, bem como tinha um
relacionamento difícil com Maye.
Musk era viciado em drama e Grimes tinha uma característica que
intensificava isso: era um ímã para drama. Ela atraía situações dramáticas,
fosse de propósito ou não. Bem quando o incidente da caverna tailandesa e a
confusão sobre tornar a Tesla uma empresa privada estavam saindo de
controle, em agosto de 2018, Grimes convidou a rapper Azealia Banks para
ficar com ela na casa de Musk e colaborar em algumas músicas. Ela havia
esquecido que tinha feito planos com Musk de visitar Kimbal em Boulder.
Grimes disse a Banks que ela poderia ficar na casa de hóspedes no fim de
semana. Naquela manhã de sexta, três dias depois do tuíte sobre tornar a
Tesla uma empresa privada, Musk se levantou, se exercitou, fez algumas
ligações e viu de relance Banks na casa. Quando está concentrado em outras
coisas, ele não presta muita atenção no que acontece ao redor. Musk não
sabia ao certo quem vinha a ser ela, apenas que era amiga de Grimes.
Chateada por Grimes ter cancelado a sessão de gravação delas para ficar
com Musk, Banks soltou uma sequência de ofensas em seu perfil do
Instagram, que tinha muitos seguidores. “Esperei o fim de semana todo
enquanto grimes mimava o namorado por ser estúpido demais para saber
que não se entra no twitter sob efeito de ácido”, postou. Isso era mentira
(Musk nunca usou ácido), mas compreensivelmente instigou não apenas a
imprensa, como também a SEC. Os posts de Banks sobre Grimes e Musk
se tornaram progressivamente mais insanos: LOL, Elon musk se daria
melhor contratando uma acompanhante. Pelo menos uma acompanhante
teria ficado de boca fechada sobre as coisas dele. Ele tem uma viciada em
metanfetamina suja, traiçoeira, saída da floresta, tipo aquela gata da cerveja
Pabst, correndo pela cidade contando TUDO SOBRE ELE PRA TODO
MUNDO. Só porque ele precisava de uma companhia para o Met Gala
para esconder da Amber Heard o pau encolhido LOL... Ele está no
espectro da síndrome de Down. Tem alguma coisa errada com aquele cara.
Não acho que ele mereça ser chamado de alienígena. Ele é um mutante...
Branquelos do cacete. Última vez que tento trabalhar com uma cadela
branca.
Quando a Business Insider fez uma entrevista por telefone com Banks, ela
ligou a situação ao compromisso de Musk de tornar a Tesla uma empresa
privada, o que deixou as coisas legalmente piores. “Eu o vi na cozinha com o
rabinho entre as pernas, pedindo que investidores salvassem o traseiro dele
depois daquele tuíte”, disse ela. “Ele estava estressado e com o rosto
vermelho.”
Até então, histórias malucas envolvendo Musk tinham uma vida útil
curta. Essa história foi sensação nos tabloides por cerca de uma semana,
depois começou a sumir quando Banks postou um pedido de desculpa.
Grimes conseguiu transformar a situação em munição para uma música.
Em 2021, lançou uma faixa chamada “100% Tragedy”, que era sobre “ter
que derrotar Azealia Banks quando ela tentou destruir minha vida”.
Muitos tons de Musk
Apesar de dramas desse tipo, Grimes era uma boa companheira para Musk.
Como Amber Heard (e o próprio Musk), também era atraída pelo caos,
mas, diferentemente da ex de Musk, o caos de Grimes era fortalecido pela
bondade e até pela doçura. “Meu alinhamento no Dungeons and Dragons era
caoticamente bom”, diz, “enquanto o da Amber deve ser caoticamente
mau”. Ela percebeu que era isso que tornava Amber atraente para Musk.
“Ele é atraído pelo caos ruim. É por causa do pai dele e da infância que teve,
e ele logo se deixa ser maltratado. Associa amor a ser mau ou abusivo. Há
uma ligação entre Errol e Amber.”
Grimes gostava da intensidade dele. Certa noite foram assistir ao filme
Alita: Anjo de combate, em 3-D, mas quando chegaram não havia mais
óculos. Musk insistiu que ficassem e assistissem de qualquer maneira,
mesmo que a tela fosse parecer completamente desfocada. Quando Grimes
estava fazendo as gravações de vozes para a ciborgue popstar a quem ela
dava vida no jogo Cyberpunk 2077, ele apareceu no estúdio sacudindo uma
arma de 200 anos e insistiu que o deixassem fazer uma ponta. “Os caras do
estúdio começaram a suar”, conta Grimes. Musk acrescenta: “Eu disse a eles
que estava armado, mas que não era perigoso.” Eles cederam. Os implantes
cibernéticos no jogo eram uma versão de ficção científica do que Musk
estava fazendo na Neuralink. “Isso me chamou a atenção”, diz.
A percepção básica dela quanto a Musk era a de ele ser diferente dos
outros. “A síndrome de Asperger torna você uma pessoa muito difícil”,
comenta Grimes. “Ele não é bom em sentir o clima. A compreensão
emocional dele é bastante diferente da que as pessoas comuns têm.” As
pessoas deveriam ter em mente a constituição psicológica de Musk quando
o julgam, argumenta ela. “Se alguém tem depressão ou ansiedade, nós
somos empáticos; se tem Asperger, dizemos que é um babaca.”
Grimes aprendeu a lidar com as muitas personalidades de Musk. “Ele
tem diversas mentes e muitas personalidades bem distintas”, diz, “e transita
entre elas em alta velocidade. Você simplesmente sente o clima mudar na
sala e de repente toda a situação simplesmente passa para o outro estado
dele.” Ela notou que as personalidades diferentes têm diferentes gostos,
mesmo com relação a música e decoração. “A minha versão favorita do E é a
que gosta do Burning Man, dorme no sofá, come sopa enlatada e é
relaxado.” A bête noire é o Elon que ela chama de modo demoníaco. “O
modo demoníaco é quando ele fica sombrio e se esconde dentro da
tempestade no próprio cérebro.”
Certa noite, enquanto jantavam com um grupo, eu percebi o momento
em que o clima pesou e o humor dele mudou. Grimes se afastou. “Quando
ficamos juntos, eu me asseguro que estou com o Elon certo”, explicou ela
depois. “Há alguns caras naquela mente que não gostam de mim, e eu não
gosto deles.”
Às vezes, uma das versões de Elon vai parecer não se lembrar do que a
outra fez. “Você vai dizer coisas para ele e depois ele simplesmente não vai
se recordar de nada, porque estava em um espaço cerebral”, diz Grimes. “Se
ele estiver concentrado em algo em particular, não vai receber estímulo, não
vai absorver nenhuma informação do mundo externo. As coisas podem estar
bem na frente dos olhos dele, mas Elon não vai ver.” Igual a como acontecia
na época da escola.
Durante a turbulência emocional de 2018 na Tesla, ela tentou fazê-lo
relaxar. “Nem tudo precisa ser ruim”, disse para Musk certa noite. “Você não
precisa ficar eufórico com tudo o tempo todo.” Grimes também entendia,
de maneiras que outras pessoas não entendem, que a inquietação de Musk
era um dos motores do sucesso dele. Assim como o modo demoníaco,
embora ela tenha demorado mais a valorizar esse aspecto. “O modo
demoníaco causa muito caos”, diz Grimes, “mas também faz as coisas
acontecerem”.
capítulo 50
Xangai
Tesla, 2015-2019
O grande desafio de Ren era encontrar uma forma de fabricar na China. Ele
podia ou insistir até dissuadir a resistência de Musk e fazer a Tesla criar uma
joint-venture, que era o que todas as outras empresas automotivas tinham
feito, ou convencer os principais líderes chineses a mudar a lei que havia
definido o crescimento industrial chinês por três décadas. Descobriu que
esta última opção era mais fácil. Mês após mês, Ren fez lobby junto ao
governo chinês. O próprio Musk voltou para lá em abril de 2017 a fim de se
encontrar com os líderes chineses novamente. “Nós continuávamos a
explicar por que seria bom para a China deixar a Tesla construir uma fábrica
automotiva, mesmo que não fosse uma joint-venture”, diz Ren.
Como parte dos planos do presidente Xi Jinping de fazer do país um
centro da inovação na energia limpa, a China finalmente concordou, no
início de 2018, em deixar a Tesla construir uma fábrica sem ter que entrar
numa joint-venture. Ren e sua equipe conseguiram negociar um acordo por
mais de oitenta hectares perto de Xangai com empréstimos a juros baixos.
Ren voltou para os Estados Unidos com o propósito de discutir o acordo
com Musk em fevereiro de 2018. Infelizmente, Musk encontrava-se em
meio ao inferno de produção na fábrica de baterias em Nevada, e estava em
tal frenesi andando pelo chão de fábrica que Ren não foi capaz de conseguir
encurralá-lo para uma conversa. Os dois foram para Los Angeles juntos
naquela noite, mas só depois de pousarem Ren conseguiu conversar com ele.
Ren começou a mostrar uma sequência de slides com mapas, condições de
financiamento e termos do acordo, mas Musk não olhou para aquilo. Em
vez disso, ficou olhando para fora da janela do avião dele por quase um
minuto. Então encarou Ren e disse: “Você acredita que é a coisa certa a se
fazer?” Ren ficou tão desconcertado que parou por alguns segundos antes de
responder que sim. “Ok, vamos nessa”, decretou Musk e saiu do avião.
A cerimônia formal de assinatura com os líderes chineses aconteceu em
10 de julho de 2018. Musk foi a Xangai saído direto da caverna na
Tailândia, onde esteve com água até a cintura para entregar o
minissubmarino que havia construído para resgatar os jovens jogadores de
futebol. Ele trocou de roupa e vestiu um terno escuro, então ficou de pé
rigidamente no salão de banquetes vermelho enquanto todos trocavam
brindes. Os primeiros modelos Tesla começaram a sair da fábrica em
outubro de 2019. Em dois anos, a China estaria fabricando mais da metade
dos veículos da empresa.
capítulo 51
Cybertruck
Tesla, 2018-2019
A sala de estar e o quintal de Musk em Boca Chica; Bill Riley e Mark Juncosa
Grande foguete
Se o objetivo de Musk fosse criar uma empresa lucrativa de foguetes, ele
poderia ter se permitido reunir suas conquistas e relaxar depois de ter
sobrevivido a 2018. O Falcon 9 reutilizável havia se tornado o foguete mais
eficiente e confiável do mundo, e ele tinha desenvolvido os próprios satélites
de comunicação, que posteriormente proporcionariam uma receita
abundante.
O objetivo dele, porém, não era meramente se tornar um empreendedor
espacial. Era levar a humanidade a Marte. E não seria possível fazer isso em
um Falcon 9 nem em seu irmão mais reforçado, o Falcon Heavy. Os Falcons
só eram capazes de voar até uma certa altura. “Eu podia ganhar muito
dinheiro, mas não teria como tornar a vida multiplanetária”, diz ele.
Foi por isso que em setembro de 2017 ele anunciou que a SpaceX iria
desenvolver um foguete reutilizável muito maior, o mais alto e mais
poderoso já construído. Musk deu ao grande foguete o codinome de BFR.
Um ano depois, ele tuitou: “Rebatizando o BFR como Starship.”
O sistema Starship teria um foguete auxiliar no primeiro estágio e uma
espaçonave no segundo estágio que, juntos, somariam quase 120 metros de
altura, 50% mais alto do que o Falcon 9 e dez metros mais alto do que o
foguete Saturno V usado pela NASA no programa Apollo, na década de
1970. Com 33 motores auxiliares, seria capaz de lançar mais de cem
toneladas de carga em órbita, quatro vezes mais do que o Falcon 9. E, em
algum momento, conseguiria transportar cem passageiros para Marte.
Embora estivesse assoberbado com as fábricas da Tesla de Nevada e de
Fremont, Musk encontrava tempo toda semana para dar uma olhada nas
renderizações dos serviços e das comodidades que a Starship ofereceria aos
passageiros durante uma viagem de nove meses a Marte.
Aço inoxidável, de novo
Em razão da infância, quando perambulava pelo escritório de design do pai,
em Pretória, Musk tinha uma boa noção das propriedades dos materiais de
construção. Nas reuniões da Tesla e da SpaceX, ele se concentrava nas várias
opções de cátodos e ânodos de baterias, válvulas de motor, chassis,
estruturas de foguetes e de carroceria de caminhonete. Ele podia (e com
frequência o fazia) discorrer longamente sobre lítio, ferro, cobalto, inconel e
outras ligas de níquel e cromo, compostos plásticos, graus de alumínio e
ligas de aço. Em 2018, Musk estava se apaixonando por uma liga bastante
comum, que, ele percebeu, funcionaria igualmente bem num foguete e no
Cybertruck: o aço inoxidável. “O aço inoxidável e eu temos uma história de
amor”, brincava com a equipe dele.
Havia um alegre e humilde engenheiro chamado Bill Riley trabalhando
com Musk na Starship. Ele tinha sido membro da lendária equipe de
corrida de Cornell e ajudado a treinar Mark Juncosa, que mais tarde o
convenceu a entrar para a SpaceX. Riley e Musk tinham um amor em
comum pela história militar — especialmente pelos conflitos aéreos da
Primeira e da Segunda Guerra Mundiais — e por ciência de materiais.
Um dia, no fim de 2018, eles estavam visitando a unidade de produção
da Starship, que ficava perto do porto de Los Angeles, mais ou menos 25
quilômetros ao sul da fábrica e da sede da SpaceX. Riley explicou que
estavam tendo problemas com a fibra de carbono. As placas estavam
enrugando. Além disso, o processo era lento e caro. “Se continuarmos com a
fibra de carbono, vamos nos ferrar”, disse Musk. “Extrapolando isso, morrer
é o nosso fim. Eu nunca vou conseguir chegar a Marte.” Fabricantes que
trabalham com custo mais margem não pensam assim.
Musk sabia que os primeiros foguetes Atlas, que no início dos anos 1960
impulsionaram os primeiros quatro norte-americanos até a órbita, foram
feitos de aço inoxidável, e ele havia decidido usar esse material na carroceria
do Cybertruck. No fim de uma caminhada pela unidade, ele ficou muito
quieto e olhou para os navios que chegavam ao porto. “Pessoal, a gente
precisa mudar de rumo”, disse Musk. “Nunca vamos construir foguetes
rápido o suficiente com esse processo. Que tal aço inoxidável?”
De início houve resistência, até certa incredulidade. Quando se reuniu
com seu time de executivos na sala de conferências da SpaceX poucos dias
depois, eles argumentaram que um foguete de aço inoxidável provavelmente
seria mais pesado do que um construído com fibra de carbono ou com a liga
de alumínio-lítio usada no Falcon 9. Os instintos de Musk diziam outra
coisa. “Façam as contas”, falou para os executivos. “Façam as contas.”
Quando fizeram, eles determinaram que o aço poderia, na verdade, ser mais
leve nas condições que a Starship enfrentaria. Em temperaturas muito frias,
a resistência do aço inoxidável aumenta em 50%, o que significa que ele
seria mais forte quando estivesse carregado com o combustível de oxigênio
líquido super-resfriado.
Além disso, o alto ponto de fusão do aço inoxidável eliminaria a
necessidade de um escudo contra o calor na lateral da Starship voltada para
o espaço, o que reduziria o peso total do foguete. Uma última vantagem era
a simplicidade de soldar juntas as peças de aço inoxidável. A liga de
alumínio-lítio do Falcon 9 exigia um processo chamado soldagem por
fricção, que precisava ser feito num ambiente imaculado. O aço inoxidável,
entretanto, podia ser soldado em grandes tendas ou mesmo ao ar livre, o que
tornava mais fácil realizar o processo no Texas ou na Flórida, perto dos
locais de lançamento. “Com o aço inoxidável, você pode fumar um charuto
enquanto solda”, diz Musk.
Certa noite, James Musk, um primo jovem de Musk que era programador
da equipe do Autopilot, estava jantando com o chefe da equipe, Milan
Kovac, em um restaurante chique de São Francisco quando o celular tocou.
“Vi que era o Elon e pensei Ah, coisa boa não é”, lembra-se James. Ele andou
até o estacionamento, onde ouviu Musk dizer em um tom sombrio que a
Tesla iria quebrar se eles não fizessem algo dramático. Por mais de uma
hora, Musk perguntou a James quem na equipe do Autopilot era realmente
bom. Como acontecia muitas vezes quando ele entrava no modo crise,
Musk queria limpar a casa e demitir gente, mesmo em meio a uma onda de
trabalho.
Ele decidiu que precisava se livrar de todos os principais gestores da
equipe do Autopilot, mas Omead Afshar interveio e o convenceu a pelo
menos esperar o Dia da Autonomia. Shivon Zilis, que tinha a ingrata tarefa
de tentar servir de escudo entre Musk e a equipe, também tentou adiar as
demissões, assim como Sam Teller. Musk, não sem certa relutância,
concordou em esperar o Dia da Autonomia, mas não estava feliz. Ele
transferiu Zilis da Tesla para um cargo na Neuralink. Teller também acabou
saindo durante o turbilhão.
James Musk recebeu a tarefa de tentar integrar no software do Autopilot
a capacidade de ler sinais vermelhos e verdes em semáforos, uma tarefa
bastante básica que ainda não era parte do sistema. Ele conseguiu, mas ficou
evidente que a equipe não daria conta do desafio de Musk de demonstrar
um carro capaz de se autoconduzir por Palo Alto. À medida que o Dia da
Autonomia se aproximava, ele diminuiu a exigência para uma tarefa que era
apenas, como descreveria tempos depois, “insanamente difícil”: o carro teria
que andar pela sede da Tesla, ir até a rodovia, fazer uma volta que abrangia
sete curvas e voltar. “A gente não acreditava que ia conseguir fazer o que
Musk estava exigindo, mas ele acreditava”, diz Anand Swaminathan, um
membro da equipe do Autopilot. “Em questão de semanas, conseguimos
fazer o carro contornar sete curvas difíceis.”
Na apresentação do Dia da Autonomia, Musk mesclou, como fazia com
frequência, visão e empolgação. Nem na cabeça dele havia mais uma
fronteira clara entre aquilo em que ele acreditava e aquilo em que queria
acreditar. A Tesla, voltou ele a dizer, estava a mais ou menos um ano de
criar um veículo completamente autônomo. Àquela altura, a empresa
colocaria nas ruas 1 milhão de Robotáxis que as pessoas poderiam chamar
para levá-las de um lugar a outro.
Em uma reportagem, a CNBC disse que Musk “fez promessas ousadas e
visionárias que só os seguidores mais leais dele acreditavam que pudessem
ser cumpridas”. Musk também não impressionou plenamente grandes
investidores. “Fizemos várias perguntas difíceis quando falamos com ele em
uma chamada mais tarde na presença de analistas”, diz Joe Fath, gerente de
investimentos da T. Rowe Price. “Ele ficava dizendo: ‘Vocês simplesmente
não entendem.’ E então ele desligou na nossa cara.”
O ceticismo era justificado. Um ano depois — na verdade, nem sequer
quatro anos depois — não haveria 1 milhão de Robotáxis da Tesla, ou pelo
menos um único deles, andando de forma autônoma pelas ruas das cidades.
No entanto, por trás da empolgação e da fantasia, Musk conservava,
convicto, a visão de que, assim como foguetes reutilizáveis, um dia
transformaria nossa vida.
capítulo 55
Giga Texas
Tesla, 2020-2021
Omead Afshar
Austin
Quais são suas cidades favoritas? Esse se tornou um passatempo entre Musk
e outras pessoas na Tesla no início de 2020, e muitas vezes eles pegavam os
respectivos celulares, abriam o aplicativo de mapas e diziam nomes. Chicago
e Nova York? Claro, mas não funcionariam para esse propósito. A área de
Los Angeles e São Francisco? Não, era disso que eles estavam tentando
fugir. A Califórnia estava conturbada, cheia de gente se opondo a qualquer
novo empreendimento no local, entupida de regulamentações e de
comissões enxeridas, além de estar assustada demais com a covid. Que tal
Tulsa? Ninguém tinha pensado no Oklahoma, mas as lideranças locais
haviam feito uma campanha animada que precisava ser levada em
consideração. Nashville? Omead Afshar disse que Nashville era um lugar
que as pessoas queriam visitar, mas não era um bom lugar para morar.
Dallas? O Texas era sedutor, mas Dallas, eles concordavam, era texana
demais. Que tal Austin, uma cidade universitária que tinha boa música e se
orgulhava de proteger os bolsos contra esquisitices?
A questão era onde construir uma nova fábrica da Tesla, uma que fosse
grande o suficiente para merecer o rótulo de gigafábrica. A unidade de
Fremont, na Califórnia, estava à beira de se tornar a fábrica de carros mais
produtiva dos Estados Unidos, entregando mais de 8 mil carros por semana,
mas já operava em plena capacidade e uma expansão seria difícil.
Diferentemente de Jeff Bezos, que promoveu uma disputa entre as
cidades que estavam ávidas para receber uma segunda sede da Amazon,
Musk decidiu tomar a decisão de seu modo usual, por instinto, confiando na
própria intuição e na de seus executivos. Ele detestava a ideia de desperdiçar
meses sendo obrigado a ouvir discursos políticos e vendo apresentações de
PowerPoint de consultores.
No fim de maio de 2020, surgiu um consenso. Enquanto estava sentado
no centro de comando de Cabo Canaveral, quinze minutos antes de a
SpaceX fazer seu primeiro lançamento de astronautas humanos, Musk
mandou uma mensagem para Afshar. “Você ia preferir morar em Tulsa ou
Austin?” Quando Afshar, com todo o devido respeito por Tulsa, deu a
Ó
resposta esperada, Musk escreveu: “Ótimo. Vamos construir a fábrica em
Austin, e você vai ser o responsável pela unidade.”
Um processo semelhante levou à escolha de Berlim para ser a sede de
uma gigafábrica europeia. As fábricas da Alemanha e de Austin seriam
construídas em menos de dois anos e, junto com as unidades de Fremont e
Xangai, se tornariam os pilares da fabricação de carros da Tesla.
Em julho de 2021, um ano depois de a construção ter começado, a
estrutura básica da gigafábrica de Austin estava completa. Musk e Afshar
ficaram de pé diante de uma parede em um escritório temporário da
construção e analisaram fotos da obra em várias fases. “Estamos construindo
com o dobro da velocidade de Xangai por metro quadrado, apesar das
regulamentações que enfrentamos”, disse Afshar.
Com 930 mil metros quadrados de chão de fábrica, a Giga Texas, como
ficou conhecida, teria o dobro de área de chão de fábrica de Fremont e 50%
a mais que o Pentágono. Segundo alguns parâmetros, explicou Afshar, seria
a maior fábrica do mundo em área, depois que fossem acrescentados alguns
mezaninos. Havia um shopping center na China com mais metros
quadrados, e a Boeing, com vários hangares imensos, talvez tivesse mais
volume. “De quanto mais precisaríamos para podermos dizer que essa é a
maior construção do mundo?”, perguntou Musk. Mesmo com a expansão
de cerca de 45 mil metros quadrados que eles cogitavam, Afshar respondeu:
“Não vamos chegar lá.” Musk assentiu. Houve uma pausa muito longa na
conversa. Depois ele deixou a ideia para lá.
Os construtores mostraram a Afshar planos para janelas que iam quase
do nível do piso de cada andar até o teto. “Será que não ia ser melhor se elas
fossem exatamente do piso ao teto?”, perguntou ele. Uma proposta voltou
com vidraças produzidas sob medida, cada uma com quase dez metros de
altura, e Afshar mostrou as fotos para Musk. Steve Jobs, que tinha uma
obsessão por vidro, não economizava para conseguir vidraças imensas para
lugares que serviriam de cartão de visitas da Apple, como a loja na Quinta
Avenida, em Nova York. Musk era mais cauteloso. Ele perguntou se o vidro
precisava ser tão espesso como o sugerido e também de que forma aquilo
afetaria o modo como o sol aquecia o prédio. “Não podemos fazer coisas
tolas do ponto de vista do custo”, afirmou.
Enquanto caminhava pela fábrica quase pronta, Musk parava em cada
estação ao longo da linha de montagem. A certa altura ele começou a
interrogar o técnico que estava na estação em que o aço seria resfriado. “Não
dá para fazer o processo de resfriamento ser mais rápido?” O sujeito
explicou os limites da velocidade do processo de resfriamento. Musk
insistiu. Esses limites são baseados de fato na física do aço? Será que o aço
pode ser igual a um biscoito, que fica duro por fora e viscoso por dentro? O
técnico manteve o ponto de vista. Musk parou de fazer perguntas, mas a
intuição o levou a concluir que o processo deveria levar menos de um
minuto. Ele deixou a cargo do técnico descobrir um modo de atingir essa
meta. “Quero deixar claro: o tempo de resfriamento não pode passar de 59
segundos, ou eu vou voltar aqui e resolver isso pessoalmente”, disse Musk.
Gigapress
Um dia, no fim de 2018, Musk estava sentado diante da mesa dele na sede
da Tesla, em Palo Alto, brincando com uma versão em miniatura do Model
S. Parecia uma versão miniaturizada do carro de verdade, e ao desmontar ele
viu que havia inclusive uma suspensão ali dentro. No entanto, todo o fundo
do carro tinha sido fundido em uma peça única de metal. Numa reunião
com a equipe naquele dia, Musk pegou o brinquedo e o colocou na mesa de
reuniões branca. “Por que a gente não pode fazer assim?”, perguntou.
Um dos engenheiros apontou o óbvio, que o fundo de um carro de
verdade é muito maior. Não havia máquinas de fundição grandes o
suficiente para fazer algo daquele tamanho. A resposta não satisfez Musk.
“Descubram como fazer”, disse ele. “Peçam uma máquina de fundição
maior. Isso não quebra as leis da física.”
Ele e seus executivos chamaram seis grandes empresas que trabalhavam
com fundição, e cinco delas desdenharam da ideia. Contudo, uma empresa
chamada Idra Presse, na Itália, especializada em máquinas de fundição de
alta pressão, topou o desafio de construir máquinas muito grandes que
seriam capazes de produzir em grande escala o fundo inteiro do Model Y,
tanto a parte de trás quanto a da frente. “Fizemos a maior máquina de
fundição do mundo”, diz Afshar. “A máquina que produz o Model Y pesa 6
mil toneladas, e vamos usar uma de 9 mil toneladas para o Cybertruck.”
As máquinas injetam rajadas de alumínio derretido num molde frio de
fundição, capaz de produzir em apenas oitenta segundos um chassi
completo que antes tinha mais de cem peças que precisavam ser soldadas,
rebitadas ou unidas. O processo antigo gerava falhas, tremores e
vazamentos. “Então passamos de um pesadelo horroroso para um processo
que é insanamente barato, fácil e rápido”, diz Musk.
O processo reforçou a admiração de Musk pela indústria de brinquedos.
“Eles precisam produzir as coisas muito rápido, barato e sem falhas, e
precisam fazer tudo a tempo do Natal, ou as crianças vão ficar tristes.”
Repetidas vezes, ele fez a equipe ter ideias a partir de brinquedos, como
robôs e Legos. Enquanto andava pelo chão de fábrica, Musk falou com um
grupo de mecânicos de usinagem sobre a precisão da modelagem das peças
de Lego. Elas são precisas e idênticas, com uma diferença que não passa de
mícrons, o que significa que cada parte pode ser facilmente substituída por
outra. Peças de carros precisavam ser assim. “Precisão não é algo caro”, diz
Musk. “Tem mais a ver com cuidado. Você se preocupa em fazer as coisas
com precisão? Então dá para fazer com precisão.”
capítulo 56
Vida familiar
2020
Jeff Bezos logo após sua viagem; Richard Branson logo antes da dele
Provocação mútua
A partir de 2013, Jeff Bezos e Elon Musk começaram a disputar para saber
quem alugaria o célebre Pad 39 A em Cabo Canaveral (Musk ganhou),
quem seria o primeiro a pousar um foguete que houvesse chegado ao limite
do espaço sideral (Bezos), a pousar um foguete que pusesse carga em órbita
(Musk) e a colocar humanos em órbita (Musk). O espaço era uma paixão
pessoal dos dois, e a competição entre eles, assim como a que havia ocorrido
entre os barões das ferrovias um século antes, serviria para tornar os avanços
no campo mais rápidos. Apesar das reclamações sobre o espaço ter se
tornado um hobby de meninos bilionários, a visão deles de privatizar os
lançamentos foi o que impulsionou os Estados Unidos, que haviam ficado
atrás da China e até mesmo da Rússia, a voltar à liderança da exploração
espacial.
A rivalidade voltou em abril de 2021, quando a SpaceX venceu a Blue
Origin de Bezos na disputa por um contrato para levar astronautas da
NASA na parte final de uma viagem à Lua. A Blue Origin recorreu da
decisão, mas não teve sucesso. O site da empresa exibiu um gráfico que
criticava o plano da SpaceX, afirmando em letras garrafais que se tratava de
algo “imensamente complexo” e de “alto risco”. A SpaceX respondeu
ressaltando que a Blue Origin nem sequer havia conseguido produzir um só
foguete ou uma espaçonave capaz de atingir a órbita. Os fãs de Musk no
Twitter fizeram um flash mob para ridicularizar a Blue Origin, e Musk
participou. “Não consegue subir (para a órbita) rsrsrs”, tuitou ele.
Outra disputa irrompeu em função das empresas rivais dos dois na área de
satélites de comunicação. No verão de 2021, a SpaceX tinha colocado quase
2 mil satélites da Starlink em órbita. Sua internet com base no espaço estava
disponível em catorze países. Em 2019, Bezos dera início a planos para que
a Amazon criasse uma constelação semelhante de satélites e uma internet
própria, chamada Projeto Kuiper, mas, até o momento, nenhum satélite
havia sido lançado.
Musk acreditava que a inovação era guiada pelo estabelecimento de
métricas claras, como o custo por tonelada colocada em órbita ou o número
médio de quilômetros dirigidos no Autopilot sem intervenção humana. No
caso da Starlink, ele surpreendeu Juncosa ao perguntar quantos fótons eram
coletados pelos painéis solares dos satélites em comparação com o que eles
eram capazes de mandar de forma útil para a Terra. Era uma proporção
enorme — talvez 10 mil para 1 —, e Juncosa jamais havia pensado naquilo.
“Eu certamente nunca tinha pensado nisso como uma métrica”, conta ele.
“Isso me forçou a testar ideias criativas sobre como podíamos aumentar a
eficiência.”
Como resultado, a SpaceX desenvolveu uma segunda versão da Starlink,
e a empresa decidiu solicitar a aprovação da Comissão Federal de
Comunicações (FCC, na sigla em inglês). A solicitação previa uma altitude
orbital mais baixa no caso de futuros satélites da Starlinks, o que reduziria a
latência da rede.
Isso deixaria a empresa mais perto das órbitas planejadas pela constelação
da Kuiper, a concorrente de propriedade de Bezos, de modo que este
protocolou uma objeção. Mais uma vez, Musk o atacou no Twitter, e
escreveu seu nome errado de propósito, para que ficasse igual à palavra em
espanhol para “beijos”: “Na verdade, Besos se aposentou e agora tem um
emprego em tempo integral: se dedica a processar a SpaceX.” A FCC
determinou que Musk podia prosseguir com os planos.
Passeios de bilionários
Um dos sonhos de Bezos era ir ele mesmo ao espaço. Por isso, no verão de
2020, em meio às brigas com Musk, anunciou que ele e o irmão Mark iriam
voar até o limite do espaço sideral (embora sem chegar a entrar em órbita)
em um salto de onze minutos em um foguete da Blue Origin. Ele seria o
primeiro bilionário no espaço.
Sir Richard Branson, o sorridente bilionário britânico que fundou a
Virgin Airlines e a Virgin Music, também tinha esse sonho. Ele havia
criado uma empresa de voos espaciais, a Virgin Galactic, com um modelo
de negócios em grande medida dependente de levar ricos em busca de novas
experiências a viajar nos foguetes da empresa dele. O talento para o
marketing o fez incluir a si mesmo como o rosto e o espírito da empresa.
Ele sabia que não havia maneira melhor de promover a empresa de turismo
espacial, e de se divertir muito (algo que ele adorava fazer), do que entrar
em um dos foguetes dele próprio. Por isso, depois que ficou impossível para
Bezos mudar a data de lançamento de seu foguete, Branson anunciou que
voaria no dia 11 de julho, nove dias antes. Sempre interessado em
transformar tudo em espetáculo, ele convidou o apresentador Stephen
Colbert para narrar a transmissão e o cantor Khalid para apresentar uma
música nova na ocasião.
Quando acordou pouco antes da uma da manhã, no dia do lançamento,
Branson foi à cozinha da casa em que estava e viu Musk ali com o bebê X.
“Elon foi supergentil de ir com o bebê ver nosso voo”, conta Branson. Musk
estava descalço e vestia uma camiseta preta estampada com a frase
, em comemoração aos 50 anos da missão à Lua. Eles
se sentaram e conversaram por algumas horas. “Parece que ele não dorme
muito”, comenta Branson.
O voo, em um foguete suborbital com asas que foi alçado até a altitude
de lançamento por um cargueiro, correu bem. Branson e cinco funcionários
da Virgin Galactic chegaram à altitude de 89 quilômetros, o que criou uma
pequena discussão sobre eles terem ou não chegado ao “espaço” de fato —
que, pela definição da NASA, começa oitenta quilômetros acima da Terra,
mas outras nações dizem que começa na linha de Kármán, a cem
quilômetros.
A missão de Bezos, nove dias depois, também foi bem-sucedida. Musk,
obviamente, não esteve presente no lançamento. Bezos, o irmão e a equipe
atingiram uma altitude de 106 quilômetros, bem acima da linha de Kármán,
o que deu a ele mais motivos para se gabar. A cápsula espacial deles pousou
delicadamente de paraquedas no deserto do Texas, onde a mãe de Bezos,
muito ansiosa, e o pai, calmo, estavam à espera.
Musk fez elogios superficiais a Bezos e a Branson. “Eu achava bacana
que eles estivessem gastando dinheiro no avanço da exploração espacial”,
disse para Kara Swisher na Conferência Code em setembro. Apesar disso,
ele apontou que saltar a pouco mais de cem quilômetros era um passo
pequeno. “Para colocar as coisas em perspectiva, entrar em órbita exige mais
ou menos cem vezes a quantidade de energia necessária para um voo
suborbital”, explicou. “E depois, para voltar de órbita, você precisa queimar
essa energia, e para isso precisa de um escudo pesado para se proteger do
calor. Entrar em órbita é mais ou menos duas ordens de magnitude mais
difícil do que fazer um voo suborbital.”
Musk era amaldiçoado com uma mentalidade conspiratória, o que o
levava a crer que grande parte dos comentários negativos sobre si mesmo na
imprensa se deviam a interesses secretos ou inconfessáveis das pessoas que
eram donas dos veículos de comunicação. Isso se acentuou bastante quando
Bezos comprou o e Washington Post. Ao ser contatado pelo jornal em
2021 para uma reportagem, Musk enviou um e-mail que dizia
simplesmente: “Mande um abraço para o sujeito que está manipulando
você.” Na verdade, Bezos sempre manteve uma atitude admirável de não se
meter na cobertura do Post, e o respeitado repórter de assuntos espaciais
Christian Davenport publicava matérias sobre os êxitos de Musk, incluído
um texto sobre a rivalidade com Bezos. “Por ora, Musk está bem à frente
em quase todas as áreas”, escreveu Davenport. “A SpaceX enviou três grupos
de astronautas para a Estação Espacial Internacional, e na terça-feira deve
enviar uma equipe de astronautas civis em uma viagem de três dias
orbitando a Terra. A Blue Origin realizou apenas uma missão suborbital ao
espaço, que durou somente cerca de dez minutos.”
capítulo 59
A onda da Starship
SpaceX, julho de 2021
*
A disposição de Brian Dow nunca diminuiu. “Sou a pessoa que vai
literalmente varrer o chão se isso for ajudar a empresa”, disse ele para Musk.
Apesar disso, ele tinha uma tarefa impossível. O negócio de instalar
telhados solares exige muito trabalho, e não dá para ser feito em escala.
Musk era um mestre em desenhar fábricas que poderiam reduzir o custo dos
produtos físicos ao produzi-los em quantidades cada vez maiores, mas o
custo de cada instalação de telhado não se altera se você instalar dez ou cem
por mês. Musk não tinha paciência para esse tipo de empreendimento.
Apenas três meses depois de contratá-lo para dirigir o negócio de
telhados solares da Tesla, Musk convocou Dow de volta a Boca Chica. Era
aniversário de Dow, e ele tinha planejado ficar com a família, mas correu
para ir até lá. Quando perdeu a conexão em Houston, alugou um carro,
dirigiu seis horas pela costa do Texas e chegou às onze da noite. Uma equipe
estava refazendo o telhado na mesma casa em que havíamos estado em
agosto, dessa vez com novos métodos e componentes. Quando Dow
chegou, Musk estava em pé no topo do telhado, e as coisas pareciam estar
correndo bem o bastante. “A equipe está indo bem usando nossos novos
métodos”, diz Dow. “Estavam terminando a instalação em apenas um dia.”
No entanto, quando Dow subiu e se juntou a ele no topo, Musk começou
a questioná-lo sobre valores. Dow é um homem grande, maior do que
Musk, e eles estavam com dificuldade para se manter em pé no telhado,
escorregadio devido à maresia. Então, eles se sentaram no topo enquanto
Dow revisava as cifras em seu iPhone. O queixo de Musk endureceu
quando ele viu quanto dinheiro estavam perdendo em cada telhado
instalado. “Você precisa cortar custos”, falou. “Tem que me mostrar um
plano na semana que vem para reduzir os custos pela metade.” Assim como
antes, Dow demonstrou entusiasmo. “Ok, vamos nessa”, falou. “Vamos
arrasar e reduzir custos.”
Ele passou todo o fim de semana trabalhando em um plano de corte de
custos para apresentar para Musk na segunda. Contudo, assim que a reunião
começou, Musk mudou de assunto e questionou Dow sobre quantas
instalações haviam sido concluídas na semana anterior e pediu detalhes
sobre a redistribuição de pessoal. Dow não tinha algumas das respostas, e
reclamou que estava trabalhando desde o aniversário dele no plano para
reduzir custos, não nos detalhes sobre os quais Musk o questionava agora.
“Obrigado por tentar”, disse Musk finalmente, “mas não está dando certo”.
Dow levou um minuto para perceber que estava sendo demitido. “Foi a
demissão mais estranha que você pode imaginar”, comentou Dow depois.
“Já tínhamos passado por muitas coisas juntos, e no fundo Elon sabe que
tenho algo de especial. Ele sabe que dou conta do recado, porque já fizemos
isso no passado, na fábrica de baterias de Nevada. Mas ele achava que eu
estava perdendo o jeito, apesar de eu ter perdido meu aniversário com
minha família para estar em cima daquele telhado com ele.”
Após a saída de Dow, Musk ainda não havia conseguido acertar os
números. Um ano depois, a Tesla Energy estava instalando cerca de trinta
telhados por semana, muito longe dos mil telhados que Musk ficava
insistindo que fizessem. Todavia, o fervor em resolver o problema cedeu em
abril de 2022, quando um tribunal em Delaware decidiu a favor de Musk
em um processo pela compra da SolarCity pela Tesla. Com aquela ameaça
encerrada, ele não se sentia mais tão desesperado assim para mostrar que a
aquisição fazia sentido do ponto de vista das finanças.
capítulo 61
Luzes apagadas
Verão de 2021
Com Maye, no palco do Saturday Night Live, e com Grimes em uma festa
Saturday Night Live
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que reinventei os carros
elétricos e estou enviando pessoas a Marte num foguete espacial. Você acha
que eu seria um cara tranquilo, normal?” Musk sorriu timidamente
enquanto fazia o monólogo de abertura como apresentador convidado do
Saturday Night Live. Alternando o peso de uma perna para outra, ele estava
fazendo um trabalho passável ao tentar transformar estranheza em charme.
Este era o objetivo dele: mostrar-se que estava consciente das próprias
limitações emocionais. Com a ajuda da capacidade infalível do produtor
Lorne Michaels de fazer um convidado se sair bem, Musk usou a
participação como anfitrião em maio de 2021 para suavizar sua imagem.
“Na verdade, estou entrando para a história esta noite como a primeira
pessoa com Asperger a apresentar o SNL — ou pelo menos a primeira a
admitir isso”, disse. “Não vou fazer muito contato visual com o elenco aqui
hoje, mas não se preocupem, sei fazer o modo ‘humano’ do meu emulador
funcionar muito bem.”
Era Dia das Mães, então Maye teve a chance de subir ao palco. No
ensaio, na sexta-feira, ela leu os cartazes com as falas e disse: “Isso não é
engraçado.” Então recebeu permissão para improvisar algumas falas, e fez
isso. “Deixamos mais real e engraçado”, opina ela. Grimes também
apareceu, em um quadro inspirado no jogo Super Mario Bros. Uma ideia que
eles ensaiaram, em que a piada era com alguns dos tuítes antiwoke de Musk,
envolvia-o representando um James Bond totalmente woke, mas não
funcionou, e essa parte foi cortada do programa.
A festa pós-programa aconteceu na badalada casa de shows de Ian
Schrager, o Public Hotel, que estava fechada por causa da covid, mas
reabriu só para o evento. Chris Rock, Alexander Skarsgård e Colin Jost
estavam lá junto com Grimes, Kimbal, Tosca e Maye. Elon foi embora por
volta das seis da manhã e rumou, com Kimbal e algumas outras pessoas,
para a casa de Tim Urban, o blogueiro, onde ficou acordado por mais
algumas horas conversando. “Ele é um cara tão nerd que na infância não
sabia cair na farra”, diz Maye, “mas agora já compensou isso”.
Aniversário de 50 anos
Musk costumava comemorar seus aniversários com festas à fantasia
elaboradas. Principalmente as que Talulah Riley coreografava. Entretanto,
quando chegou ao marco de 50 anos, em 28 de junho de 2021, ele havia
acabado de se submeter à terceira cirurgia no pescoço para aliviar a dor da
lesão que sofrera ao tentar derrubar um lutador de sumô na festa de
aniversário de 42 anos. Então, decidiu fazer só uma reunião tranquila com
amigos próximos em Boca Chica.
No trajeto de saída do aeroporto de Brownsville, Kimbal comprou a
maioria dos fogos de artifício em uma banca de beira de estrada, os quais
disparou com os filhos mais velhos de Elon, Griffin, Kai, Damian e Saxon.
Eram fogos de artifício de verdade, não pequenos e fracos foguetes de
garrafa, porque, como Kimbal explica, “no Texas você pode fazer o que
quiser”.
Além da dor no pescoço, Musk estava exausto do trabalho. Ele havia
passado o dia andando pelas tendas de produção em Boca Chica, onde se
irritou com a complexidade da seção que ligava o foguete auxiliar da
Starship com a espaçonave de segundo estágio. “Há tantas aberturas na
cobertura que parece um queijo suíço!”, reclamou ele em um e-mail para
Mark Juncosa. “O tamanho dos buracos para antenas deveria ser mínimo —
só o suficiente para passar o fio. Todas as cargas e outras exigências de
design devem ter um nome individual atribuído a elas. Nada de design
coletivo.”
Durante boa parte do fim de semana de aniversário, os amigos dele o
deixaram sozinho para que pudesse dormir. Quando finalmente acordou,
reuniu todo mundo para um jantar no Flaps, o restaurante para funcionários
que a SpaceX havia construído perto da base de lançamento. Depois, todos
foram para a pequena casa dele e se reuniram no estúdio ainda menor, que
ficava na cabana no quintal em que Grimes trabalhava. Havia apenas
almofadões no chão, e eles simplesmente ficaram ali, Musk deitado no chão
com uma almofada sob o pescoço, e conversaram até o dia raiar.
Burning Man 2021
Para Elon e Kimbal, ir ao Burning Man — o imenso festival de arte e
autoexpressão que acontece no fim do verão no deserto de Nevada — era,
desde o fim dos anos 1990, um ritual espiritual importante e uma chance
para criar vínculos, dançar e festejar em um acampamento com Antonio
Gracias, Mark Juncosa e outros amigos. Depois que o evento foi cancelado
em 2020 por causa da covid, Kimbal assumiu o papel de captar recursos para
garantir que ele voltaria no fim do verão de 2021. Elon concordou em
colaborar com 5 milhões de dólares, com a condição de que Kimbal entrasse
para o conselho.
Na primeira reunião, em abril de 2021, Kimbal ficou chocado ao ver que
o conselho tinha decidido cancelar o evento daquele verão também. “Vocês
estão brincando?”, perguntava repetidas vezes. Ele e alguns dos outros
baluartes do Burning Man organizaram um “Renegade Burn” não
autorizado no mesmo local. Cerca de 20 mil participantes, em vez dos
tradicionais 80 mil, apareceram, mas isso conferiu ao evento um clima
intimista e rebelde, igual ao que o festival tinha nos primórdios. Como o
festival não tinha alvará, eles não podiam fazer a enorme fogueira ritual em
que se queimava uma efígie de madeira que dá nome ao festival, de modo
que Kimbal trabalhou com um amigo para reproduzir o visual do homem
em chamas usando luzes de drones. “Esta é uma experiência religiosa para
uma comunidade leal”, disse Kimbal. “O homem deve ser queimado! E
queimou.”
Elon foi apenas para a noite de sábado e ficou no acampamento de
Kimbal, situado em volta de uma tenda em formato de lótus que tinha
espaço para quarenta pessoas dançarem ou apenas ficarem por lá. Como
costumava ser o caso, desencadeou-se uma crise — dessa vez, reuniões sobre
problemas na cadeia de suprimentos da Tesla —, o que servia de desculpa
para ele não tirar muito tempo de folga.
Grimes foi com Elon, mas o relacionamento não andava bem. Os
romances dele frequentemente envolviam uma quantidade enorme e nada
saudável de mesquinhez mútua, e com Grimes não foi diferente. Às vezes
ele parecia prosperar na tensão, e exigia que Grimes fizesse coisas como
constrangê-lo por estar gordo. Quando chegaram ao Burning Man, os dois
entraram no trailer deles e não saíram por horas. “Eu te amo, mas não te
amo”, disse Musk a ela. Grimes respondeu que se sentia da mesma forma.
Eles estavam esperando outro filho via barriga de aluguel para o fim do ano,
e concordaram que seria mais fácil para ambos ser pai e mãe se não
estivessem envolvidos romanticamente, de modo que terminaram.
Grimes depois expressou seus sentimentos em uma música na qual estava
trabalhando, “Player of Games”... Um título adequado em muitos níveis
para o maior de todos em jogos de estratégia: If I loved him any less I’d
make him stay But he has to be the best Player of games...
I’m in love with the greatest gamer But he’ll always love the game More than
he loves me Sail away To the cold expanse of espace Even love Couldn’t keep
you in your place*
Met Gala, setembro de 2021
O término com Grimes não durou muito, ou pelo menos não totalmente.
Em vez de terminar, o relacionamento deles se tornou uma montanha-russa
de companheirismo, criação conjunta de filhos, fuga da solidão,
estabelecimento de limites, afastamento, bloqueios, mensagens sem
respostas e reencontros.
Algumas semanas depois do Burning Man, eles foram do sul do Texas
para Nova York com a finalidade de participar do Met Gala, o espetáculo
extravagante de fantasias que Grimes adorava. Eles ficaram com Maye no
pequeno apartamento dela em Greenwich Village. Musk havia acabado de
enviar seu avião para buscar um recém-comprado cachorro shiba inu — raça
que é o rosto da criptomoeda Dogecoin — chamado Floki. Ele também
levou seu outro cachorro, Marvin, que não se dava bem com Floki. Nenhum
dos dois era adestrado. O apartamento de dois quartos de Maye virou uma
arena.
A roupa que Grimes preparou para o baile era uma homenagem a Duna,
o livro de ficção científica adaptado em filme: um vestido transparente com
capa preta, uma máscara prateada e uma espada. Musk não deixara claro se
iria ou não, e, numa decisão nada surpreendente, encontrou uma desculpa
de trabalho para evitar chegar no início da festa. Um foguete Falcon 9
estava sendo lançado naquela noite, e uma confusão burocrática causara um
atraso na obtenção de permissão para a espaçonave reentrar no espaço aéreo
indiano. Isso foi resolvido de pronto e provavelmente não exigia a atenção
dele, mas Musk amava se jogar nos dramas do trabalho, grandes ou
pequenos.
Depois do baile, ele e Grimes deram uma festa no badalado clube Zero
Bond, no bairro de NoHo, em Manhattan. Leonardo DiCaprio e Chris
Rock estavam entre as celebridades presentes. Contudo, durante a maior
parte da festa, Musk ficou na sala dos fundos, fascinado pelos truques de um
mágico. “Fui chamar o Elon para ir lá na frente cumprimentar as pessoas,
mas ele queria ficar vendo o mágico”, disse Maye.
Tendo alcançado o auge da fama no verão de 2021, Musk achou a
situação empolgante, mas estranha. No dia seguinte, eles foram ver uma
instalação que Grimes havia feito como parte de uma badalada exposição
audiovisual no Brooklyn, que apresentava uma animação na qual ela
representava uma ninfa guerreira que vivia em um futuro distópico. De lá,
rumaram direto para o jato de Musk e voaram até Cabo Canaveral para
acompanhar a tentativa da SpaceX de ser a primeira empresa privada a
lançar civis no espaço. A realidade dele era capaz de superar a fantasia.
* “Se eu o amasse menos/ Faria com que ele ficasse/ Mas ele tem que ser o melhor/ Jogador/ Estou
apaixonada pelo maior jogador/ Mas ele sempre vai amar o jogo/ Mais do que me ama/ Navegue para
longe/ Para a fria imensidão do espaço/ Nem mesmo o amor/ Conseguiu te segurar aqui.” [N. da T.]
capítulo 62
Inspiration4
SpaceX, setembro de 2021
A última vez que civis haviam sido lançados em órbita fora em 1986, na
missão do ônibus espacial Challenger, que levava a professora Christie
McAuliffe e explodiu um minuto após a decolagem. Grimes achava que essa
era uma ferida que os Estados Unidos precisavam curar, e a Inspiration4
faria isso. Por isso, ela assumiu o papel de “feiticeira mestra”, e lançou
feitiços de boa sorte no foguete antes do lançamento.
Como sempre ocorria durante momentos de tensão, Musk distraía a
mente pensando no futuro. Sentado na sala de controle ao lado de Kiko
Dontchev, que estava tentando se concentrar na contagem regressiva, ele
ficou fazendo perguntas sobre o sistema da Starship que estava sendo
construído em Boca Chica e sobre como convencer os engenheiros a sair da
Flórida e se mudar para lá.
Hans Koenigsmann estava participando de seu último lançamento.
Depois de trabalhar por vinte anos na SpaceX, desde o grupo destemido que
lançou os voos originais da Falcon 1 em Kwaj, Musk foi empurrando o ex-
parceiro para fora após o relatório que ele escreveu sobre a desobediência às
ordens meteorológicas da FAA. Depois que o foguete Inspiration4 decolou,
ele se aproximou e abraçou desajeitadamente Musk para se despedir. “Fiquei
preocupado com a possibilidade de eu acabar ficando um pouco chateado ou
emotivo”, confessa Koenigsmann. “Trabalhei lá mais tempo do que todos os
outros.”
Eles conversaram por alguns minutos sobre quão importante era essa
missão civil para a história da exploração do espaço. Quando Koenigsmann
estava saindo, Musk voltou a atenção para o telefone a fim de checar seu
feed no Twitter. Grimes deu um cutucão nele: “É a última missão dele”,
disse ela.
“Eu sei”, replicou Musk, olhando para Koenigsmann e acenando.
“Não fiquei ofendido”, diz Koenigsmann. “Musk se importa muito, mas
não é emocionalmente carinhoso.”
Esse foi um lampejo essencial que Musk teve sobre si mesmo. Quanto
mais terrível a situação, mais energizado ele ficava. No entanto, quando não
estava no modo sobrevivência, sentia-se incomodado. Os momentos que
deveriam ser bons eram enervantes. Isso o levava a armar ondas insanas de
trabalho, promover dramas, se jogar em batalhas que poderia evitar e
assumir novos empreendimentos.
Naquele feriado de Ação de Graças, a mãe dele e a irmã voaram até
Austin a fim de comemorar com ele, os quatro filhos mais velhos, X e
Grimes. Dois dos primos de Elon e as duas meias-irmãs do segundo
casamento do pai também estavam lá. “Precisávamos estar com Elon porque
ele se sente sozinho”, diz Maye. “Ele ama ter a família por perto, e temos
que fazer isso por ele, sabe, porque ele está sob muito estresse.”
No dia seguinte, Damian cozinhou massa para todos e tocou música
clássica no piano. Mas Musk decidiu se concentrar nos motores Raptor, da
Starship. Depois de andar algum tempo pela sala de jantar, parecendo
estressado, ele passou a maior parte do dia em reuniões por telefone.
Depois, abruptamente, anunciou que tinha que voar de volta a Los Angeles
para lidar com a crise do Raptor. Era uma crise que existia principalmente
na cabeça dele. Era fim de semana de Ação de Graças, e o Raptor não seria
necessário por pelo menos um ano.
“Semana passada foi uma boa semana”, comentou ele comigo por
mensagem de texto. “A bem da verdade, passei a noite toda de sexta e
sábado na fábrica de foguetes trabalhando nos problemas do Raptor; ainda
assim, foi uma boa semana. É muito doloroso, mas temos que nos esforçar
para construir o Raptor, mesmo que ele de fato precise de um redesenho
completo.”
capítulo 68
Pai do ano
2021
Viva a vida como um jogo. “Tenho essa sensação”, comentou Zilis certa
vez para Musk, “de que, quando você era criança e estava jogando um
desses jogos de estratégia, sua mãe desligou o videogame e você nem
reparou, e continuou vivendo a vida como se fosse aquele jogo”.
Não tenha medo de perder. “Você vai perder”, afirma Musk. “Vai doer nas
primeiras cinquenta vezes. Quando se acostumar a perder, vai jogar cada
partida com menos emoção.” Você será mais ousado, correrá mais riscos.
Starlink ao resgate
Uma hora antes de iniciar a invasão à Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022,
a Rússia lançou um ataque gigantesco de malware para impedir o
funcionamento dos roteadores da empresa norte-americana de satélites
Viasat, que fornecia serviços de comunicação e internet para o país. O
sistema de comando das Forças Armadas ucranianas ficou prejudicado, o
que praticamente impossibilitou a organização de uma defesa. De modo
frenético, altos oficiais ucranianos pediram ajuda a Musk, e o vice-primeiro-
ministro, Mykhailo Fedorov, usou o Twitter para pedir que ele fornecesse a
conectividade. “Pedimos que você forneça estações da Starlink para a
Ucrânia”, escreveu.
Musk aceitou. Dois dias depois, quinhentos terminais chegaram à
Ucrânia. “As Forças Armadas dos Estados Unidos querem ajudar com o
transporte, e o Departamento de Estado ofereceu voos humanitários e uma
pequena compensação”, escreveu Gwynne Shotwell num e-mail a Musk. “O
pessoal está realmente empenhado!”
“Maravilha”, respondeu Musk. “Parece bom.” Ele entrou em uma
chamada por Zoom com o presidente Volodymyr Zelensky, discutiu a
logística de um sistema mais robusto e prometeu visitar a Ucrânia quando a
guerra acabasse.
Lauren Dreyer, diretora de operações corporativas da Starlink na
SpaceX, começou a mandar e-mails com atualizações para Musk duas vezes
por dia. “A Rússia derrubou boa parte da infraestrutura de comunicações da
Ucrânia hoje, e vários kits da Starlink já estão permitindo que as Forças
Armadas ucranianas continuem operando centros de comando”, escreveu ela
em 1o de março. “Esses kits podem salvar vidas, já que o oponente agora
está se concentrando intensamente em infraestrutura de comunicações. Eles
estão pedindo mais.”
No dia seguinte, a SpaceX enviou mais dois terminais pela Polônia.
Dreyer, contudo, disse que não havia eletricidade em algumas áreas, de
modo que muitos dos kits não iriam funcionar. “Vamos oferecer o envio de
kits de energia solar + baterias”, respondeu Musk. “Podemos mandar
Powerwalls da Tesla e Megapacks também.” As baterias e os painéis solares
logo estavam a caminho.
Durante todos os dias daquela semana, Musk fez reuniões regulares com
os engenheiros da Starlink. Ao contrário de todas as outras empresas e até
mesmo de setores das Forças Armadas norte-americanas, eles conseguiram
encontrar modos de derrotar o bloqueio de comunicações imposto pela
Rússia. No domingo, a empresa estava oferecendo conexão de voz para uma
brigada de operações especiais da Ucrânia. Kits da Starlink também estavam
sendo usados para conectar as Forças Armadas ucranianas com o Comando
de Operações Especiais Conjuntas dos Estados Unidos e retomar as
transmissões televisivas no país. Em questão de dias, mais 6 mil terminais e
antenas foram enviados, e em julho havia 15 mil terminais da Starlink
operando na Ucrânia.
Não demorou para que a Starlink recebesse uma cobertura generosa na
imprensa. “O conflito na Ucrânia ofereceu à novata rede de satélites de
Musk e da SpaceX um teste de fogo que despertou o apetite de muitas
Forças Armadas no Ocidente”, escreveram os repórteres do Politico depois
de fazer um perfil de soldados ucranianos no front que estavam usando o
serviço. “Comandantes ficaram impressionados com a capacidade da
empresa de entregar, em poucos dias, milhares de estações de satélite do
tamanho de uma mochila para o país devastado pela guerra e de mantê-los
conectados à internet, apesar dos ataques cada vez mais sofisticados de
hackers russos.” O e Wall Street Journal também publicou uma
reportagem. “Sem a Starlink estaríamos perdendo a guerra”, declarou um
comandante de pelotão ucraniano ao jornal.
A Starlink contribuiu com metade do custo das antenas e dos serviços
oferecidos. “O que doamos até agora?”, escreveu Musk para Dreyer em 12
de março. Ela respondeu: “Dois mil Starlinks gratuitos e serviço mensal.
Além disso, trezentos outros com desconto significativo para a associação de
TI de Lviv, e demos isenção da taxa mensal de serviço para
aproximadamente 5.500.” Pouco depois, a empresa doou mais 1,6 mil
terminais, e Musk estimou a contribuição total em cerca de 80 milhões de
dólares.
Outra fonte de financiamento veio de agências governamentais dos
Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Polônia e da República Tcheca.
Também houve contribuições de pessoas físicas. O historiador Niall
Ferguson enviou um e-mail para amigos com o propósito de tentar
arrecadar 5 milhões de dólares para a compra e o transporte de mais 5 mil
kits da Starlink. “Se você quiser contribuir, por favor, me informe o quanto
antes”, escreveu. “Eu não tenho como exagerar a importância do papel que a
Starlink tem desempenhado na manutenção das comunicações do governo
ucraniano, impedindo que elas sejam derrubadas pela Rússia.” Três horas
depois, ele recebeu uma resposta de Marc Benioff, o bilionário cofundador
da Salesforce: “Vou doar 1 milhão de dólares. Elon é demais.”
Nenhuma boa ação…
“Podia ter sido um desastre gigantesco”, escreveu Musk para mim. Era uma
noite de sexta-feira de setembro de 2022, e ele tinha entrado no seu modo
crise e drama, dessa vez com razão. Uma questão perigosa e complicada
surgira, e ele acreditava haver “uma possibilidade não desprezível”, nas
palavras dele, de que isso pudesse levar a uma guerra nuclear, com a Starlink
sendo parcialmente responsável. As Forças Armadas da Ucrânia estavam
tentando um ataque furtivo à frota naval russa baseada em Sebastopol, na
Crimeia: enviaram seis pequenos drones submarinos com cargas explosivas,
e estavam usando a Starlink para guiá-los até os alvos.
Embora Musk tivesse prontamente apoiado a Ucrânia, os instintos dele
com relação à política internacional eram os de alguém realista que havia
estudado a história militar europeia. Ele acreditava que seria imprudente da
parte da Ucrânia lançar um ataque na Crimeia, anexada pela Rússia em
2014. O embaixador da Rússia havia alertado Musk, em uma conversa
poucas semanas antes, que atacar a Crimeia poderia equivaler a ultrapassar
uma linha capaz de levar a uma resposta nuclear. Musk me explicou os
detalhes da lei e da doutrina russas que determinavam essa resposta.
Ao longo daquela noite, Musk se encarregou pessoalmente da situação e
concluiu que permitir o uso do Starlink para o ataque seria um desastre para
o mundo. Portanto, ele reafirmou uma política secreta que havia
implementado, da qual os ucranianos não tinham conhecimento, para
desativar a cobertura num raio de cem quilômetros em volta da costa da
Crimeia. Como resultado, quando os drones submarinos se aproximaram da
frota russa em Sebastopol, perderam a conectividade e foram parar na praia,
sem causar danos.
Quando as Forças Armadas ucranianas perceberam, no meio da missão,
que a Starlink estava desabilitada na Crimeia e em seu entorno, Musk
recebeu telefonemas frenéticos e mensagens de texto com pedidos para que
ele ativasse novamente a cobertura. Mykhailo Fedorov, o vice-primeiro-
ministro que antes havia pedido a ajuda dele, compartilhou em sigilo com
ele os detalhes de como os drones submarinos eram cruciais para a luta pela
liberdade. “Nós mesmos construímos os drones submarinos, eles são capazes
de destruir qualquer cruzador ou submarino”, escreveu Fedorov usando um
aplicativo criptografado. “Eu não compartilhei essa informação com
ninguém. Eu só quero que você, a pessoa que está transformando o mundo
por meio da tecnologia, fique sabendo disso.”
Musk respondeu que o projeto dos drones era impressionante, mas se
recusou a ligar novamente a cobertura em volta da costa da Crimeia, e
argumentou que a Ucrânia “agora está indo longe demais e atraindo uma
derrota estratégica”. Ele discutiu a situação com o assessor de segurança
nacional de Biden, Jake Sullivan, e com o chefe do Estado-Maior Conjunto,
general Mark Milley, e explicou que a SpaceX não desejava que a Starlink
fosse usada em ofensivas militares. Musk também ligou para o embaixador
russo para garantir que a Starlink estava sendo usada apenas para propósitos
defensivos. “Acho que se os ataques da Ucrânia tivessem conseguido afundar
a frota russa, isso teria sido uma espécie de mini-Pearl Harbor, e levaria a
uma grande escalada da guerra”, opina Musk. “Nós não queríamos fazer
parte disso.”
Musk: Nada, nada vai impedir a Rússia de tentar manter a Crimeia. Isso
cria um risco catastrófico para o mundo… Busquem a paz enquanto vocês
estão em boas condições de negociar… Vamos discutir isso. [Musk incluiu o
número de seu novo celular particular.] Vou dar meu apoio a qualquer
caminho pragmático para a paz que vise ao bem maior para a humanidade.
Fedorov: Entendo. Nós vemos as coisas pelos olhos dos ucranianos e você
vê da posição de alguém que quer salvar a humanidade. E não só quer, como
faz mais por isso do que qualquer outra pessoa.
*
Havia uma questão controversa que eles precisavam abordar. Gates vendera
ações da Tesla a descoberto, apostando alto que elas iam desvalorizar. Ele
estava errado. Quando chegou a Austin, tinha perdido 1,5 bilhão de dólares.
Musk ficara sabendo disso e estava furioso. Pessoas que apostam na baixa
das ações estavam nos círculos centrais do inferno de Musk. Gates disse que
lamentava o fato, mas isso não aplacou Musk. “Eu pedi desculpa”, relatou
Gates. “Quando ficou sabendo que eu tinha feito venda a descoberto, ele foi
supergrosseiro comigo, mas ele é supergrosseiro com muita gente, então não
dá para levar muito para o lado pessoal.”
A disputa era reflexo de mentalidades diferentes. Quando perguntei a
Gates por que ele havia apostado na baixa da Tesla, ele explicou que tinha
calculado que a oferta de carros elétricos seria maior do que a demanda, o
que levaria os preços a cair. Assenti com a cabeça, mas insisti na mesma
pergunta: por que ele tinha vendido as ações a descoberto? Gates me olhou
como se eu não tivesse entendido o que ele tinha acabado de explicar e
respondeu como se a resposta fosse óbvia: ele achou que ao vender as ações
da Tesla a descoberto podia ganhar dinheiro.
Esse modo de pensar não fazia sentido para Musk. Ele acreditava na
missão de levar o mundo a passar a usar carros elétricos, e investiu todo o
dinheiro de que dispunha nesse objetivo, ainda que não parecesse um
investimento seguro. “Como alguém pode dizer que é apaixonado pela luta
contra as mudanças climáticas e aí fazer algo que reduzia o investimento
total na empresa que mais estava fazendo algo nessa direção?”, me
perguntou Musk poucos dias depois da visita de Gates. “É pura hipocrisia.
Por que ganhar dinheiro com o fracasso de uma empresa automotiva de
energia sustentável?”
Grimes acrescentou a interpretação dela: “Acho que é meio que uma
competição para ver quem tem o pinto maior.”
Pausa
No dia seguinte ao Giga Rodeio, sexta-feira, 8 de abril de 2022, Musk se
encontrou com Kimbal para um brunch. Ele estava frustrado com as
conversas que tivera com os membros do conselho do Twitter. “Eles são
simpáticos, mas nenhum deles usa o Twitter”, afirmou. “Acho que não vai
acontecer nada.”
Kimbal não foi muito encorajador: “Cara, você nunca participou de um
conselho, então você não tem ideia de quanto isso vai te sugar”, disse. “Você
diz o que pensa, aí as pessoas sorriem e fazem que sim com a cabeça e te
ignoram.”
Kimbal achava que seria melhor para o irmão fundar sua própria
plataforma de mídias sociais baseada em blockchain. Elon especulou que
talvez desse até para incluir um sistema de pagamento com a utilização de
Dogecoin. Depois do brunch, ele mandou mensagens para Kimbal
imaginando um “sistema de mídia social de blockchain que faz pagamentos e
publica mensagens curtas de texto como o Twitter”. Como não teria um
servidor central, “não haveria garganta para engasgar, e a liberdade de
expressão estaria garantida”.
Elon disse, ainda, que a outra opção era comprar o Twitter, em vez de
simplesmente entrar para o conselho. “Passei a acreditar que o Twitter
estava indo na direção do precipício, e que eu não teria como salvar a
empresa apenas participando do conselho”, afirma. “Então pensei: Talvez eu
devesse comprar o Twitter, fechar o capital e consertar tudo.”
Ele já tinha aceitado, tanto por mensagem de texto quanto num tuíte
público, o convite amigável para fazer parte do conselho do Twitter. Mas,
depois do brunch com Kimbal, telefonou para Birchall e disse a ele que não
concluísse nada, pois ainda precisava pensar.
Havaí
Naquela noite, Musk voou até a ilha de Larry Ellison no Havaí, Lanai. O
fundador da Oracle construíra para si mesmo um pacato condomínio numa
colina no centro da ilha, e cedeu a Musk sua antiga casa perto da praia.
Musk tinha planejado a viagem como um encontro tranquilo com uma das
mulheres com quem ele saía de vez em quando, a atriz australiana Natasha
Basset. Mas, em vez de ser um período sossegado de miniférias, Musk
passou a maior parte daqueles quatro dias pensando no que fazer com o
Twitter.
Na primeira noite, quase não dormiu, remoendo os problemas da
empresa. Quando olhou para uma lista com as pessoas com mais seguidores,
como Barack Obama, Justin Bieber e Katy Perry, Musk percebeu que essas
contas já não estavam ativas. Então, às 3h32 da manhã, pelo fuso do Havaí,
ele postou um tuíte: “A maioria dessas contas com mais seguidores tuíta
raramente e posta pouquíssimo conteúdo. Será que o Twitter está
morrendo?”
Em São Francisco, onde estava o CEO do Twitter, Agrawal, eram seis e
meia da manhã. Cerca de noventa minutos depois, ele mandou uma
mensagem para Musk: “Você tem liberdade para tuitar ‘Será que o Twitter
está morrendo?’ ou qualquer outra coisa que queira, mas é minha
responsabilidade dizer que isso não me ajuda a melhorar o Twitter no
contexto atual.” Era uma mensagem contida, escrita com cuidado para
evitar insinuar que Musk não tinha mais o direito de falar mal da empresa.
Agrawal acrescentou que eles deveriam tratar em breve de como evitar
“distrações” que estavam “prejudicando nossa capacidade de fazer as coisas”.
Quando Musk recebeu a mensagem, eram pouco mais de cinco da
manhã no Havaí, mas ele continuava alerta, talvez alerta demais para aquela
hora e aquela situação. Um minuto depois, enviou uma resposta
contundente: “O que você conseguiu realizar nesta semana?” Era a típica
tentativa de Musk de humilhar as pessoas.
Depois, enviou uma fatídica série de três frases: “Não vou participar do
conselho. É uma perda de tempo. Vou fazer uma oferta para fechar o capital
do Twitter.”
Agrawal ficou chocado. Eles já tinham anunciado que Musk iria
participar do conselho. Não houve indícios de que em vez disso ele tentaria
uma aquisição hostil. “Podemos conversar?”, perguntou ele, queixoso.
Três minutos depois, Bret Taylor, presidente do conselho do Twitter,
enviou uma mensagem para Musk com um pedido semelhante para
conversar. A manhã de sábado deles não estava começando bem.
Justo naquele momento, em meio ao diálogo dele com Taylor e Agrawal,
Elon recebeu uma resposta de Kimbal para as mensagens que ele tinha
mandado mais cedo sobre a possibilidade de criar uma rede social baseada
em blockchain. “Adoraria saber mais”, disse Kimbal. “Fucei bastante sobre
Web3 (não é exatamente cripto), e a distribuição do direito a voto é
impressionante e verificada. O blockchain impede que as pessoas deletem
tuítes. Prós e contras, mas que comecem os jogos!”
“Acho necessária uma nova empresa de mídia social que seja baseada em
blockchain que inclua pagamentos”, respondeu Elon.
No entanto, ao mesmo tempo que estava falando com Kimbal sobre criar
uma rede social, ele repetiu para Agrawal e Taylor que queria comprar o
Twitter. “Podem esperar uma oferta para fechar o capital”, escreveu.
“Você me dá cinco minutos para eu entender o contexto?”, pediu Taylor.
“Acertar o Twitter conversando com o Parag não vai funcionar”,
respondeu Musk. “É preciso tomar uma ação drástica.”
“Faz 24 horas que você entrou para o conselho”, respondeu Taylor.
“Entendo o seu argumento, mas só quero entender a mudança repentina.”
Musk esperou quase duas horas para responder, passavam das sete da
manhã no Havaí, e ele ainda não tinha ido dormir. “Logo vou entrar num
avião, mas posso conversar amanhã”, escreveu.
Musk relata que ao chegar no Havaí ficou claro que ele não ia acertar o
Twitter sendo parte do conselho. “Eu estava basicamente caindo numa
armadilha”, diz. “Eles escutavam, concordavam e não faziam nada. Decidi
que eu não queria ser cooptado e ser uma espécie de traidor no conselho.”
Em retrospecto, isso soa como um motivo bem estudado. Na época, porém,
havia outro fator. Musk estava em seu modo maníaco e, como costuma
acontecer, agindo por impulso.
Naquela tarde de sábado, 9 de abril, ele escreveu para Birchall para dizer
que tinha decidido comprar o Twitter. “É pra valer”, garantiu ele. “Não tem
como consertar a empresa com 9% das ações, e os mercados de ações não
são bons em pensar além do trimestre seguinte. O Twitter precisa eliminar
os bots e os enganadores, o que vai dar a impressão de uma queda
gigantesca no número de usuários por dia.”
Birchall escreveu para um banqueiro no Morgan Stanley: “Ligue para
mim assim que tiver um minuto.” Naquela noite, eles começaram a
trabalhar num plano para chegar a um preço razoável pelo Twitter e em
como Musk poderia financiar isso.
Em paralelo, Musk continuou disparando contra o Twitter. Ele postou
uma enquete sobre a sede da empresa em São Francisco. “Que tal converter
a sede do Twitter em SF num abrigo para sem-teto, já que ninguém aparece
para trabalhar mesmo?”, tuitou. Um dia depois, havia 1,5 milhão de votos,
mais de 91% a favor.
“Ei, você consegue conversar hoje no fim da tarde?”, escreveu Taylor para
ele. “Vi seus tuítes e preciso urgentemente entender sua posição.” Musk não
respondeu.
No domingo, Taylor desistiu. Ele disse a Musk que o Twitter anunciaria
que ele havia mudado de ideia e não participaria mais do conselho. “Acho
ótimo”, respondeu Musk. “Na minha opinião, o melhor é fechar o capital do
Twitter, reestruturar e voltar à bolsa quando isso estiver feito.”
Agrawal oficializou em um tuíte tarde da noite: “A nomeação de Elon
para o conselho seria efetivada em 9 de abril, mas ele avisou na manhã
daquele dia que não vai mais entrar para o conselho. Acho que é melhor
assim. Nós sempre valorizamos e continuaremos valorizando a opinião de
nossos acionistas, estejam eles no conselho ou não.”
Musk fez uma reunião remota com Birchall e os banqueiros do Morgan
Stanley na tarde de segunda-feira, no fuso do Havaí. Eles tinham chegado a
uma proposta de qual seria o preço a ser ofertado por ação: 54,20 dólares.
Musk e Birchall riram porque mais uma vez apareceu a gíria de internet
para maconha, assim como no preço para “fechar o capital” da Tesla, de 420
dólares. “Essa piada nunca perde a graça”, disse Musk. Empolgado com a
perspectiva de comprar o Twitter, ele começou a se referir à ideia de criar
uma alternativa baseada em blockchain como “plano B”.
Vancouver
Grimes vinha insistindo com Musk que fossem a Vancouver, cidade natal
dela, para que pudessem apresentar X aos pais e aos avós idosos. “Meu avô é
engenheiro, e faz muito tempo que ele queria um bisneto”, afirma Grimes,
“e minha avó está bem velhinha, e a gente não sabe quanto tempo ela vai
aguentar”.
Eles decidiram que uma boa data seria quinta-feira, 14 de abril, quando
Chris Anderson estaria fazendo a conferência anual do TED em Vancouver.
Anderson havia gravado uma entrevista com Musk uma semana antes na
Giga Texas, mas estava ansioso — especialmente tendo em vista a saga do
Twitter, que não parava de ter mudanças rápidas — para entrevistá-lo
também ao vivo na conferência.
Eles chegaram a Vancouver na quarta, 13 de abril, após Grimes ter saído
de Austin e Musk, do Havaí. Musk foi a uma loja da Nordstrom para
comprar um terno preto, pois não havia levado um na viagem ao Havaí. À
tarde, Grimes viajou com X 120 quilômetros até a cidadezinha de Agassiz,
onde os avós dela moravam, e deixou Musk no hotel. “Dava para ver que ele
estava estressado e que a história do Twitter ia se concretizar”, diz ela.
Ia mesmo. Ainda naquela tarde, de seu quarto de hotel em Vancouver,
Musk enviou uma mensagem para Bret Taylor com a decisão oficial.
“Depois de vários dias de deliberação — esta, obviamente, é uma decisão
importante —, decidi tocar a ideia de fechar o capital do Twitter”, declarou
ele. “Vou mandar uma carta esta noite com uma oferta.” A carta dizia:
Investi no Twitter por acreditar em seu potencial para ser uma plataforma
de liberdade de expressão no mundo todo, e acredito que a liberdade de
expressão seja um imperativo social para uma democracia funcional.
No entanto, desde que fiz meu investimento, percebo que a empresa
não vai nem prosperar nem servir a esse imperativo social do jeito que
está. O Twitter precisa ser transformado em empresa privada.
Como resultado, estou fazendo uma oferta para comprar 100% do
Twitter por 54,20 dólares por ação em dinheiro vivo, um ágio de 54%
sobre o dia em que comecei a investir no Twitter e de 38% sobre o dia
anterior ao meu investimento ser publicamente anunciado. Essa é minha
melhor oferta e é minha oferta final, e, caso ela não seja aceita, eu
precisaria reconsiderar minha posição como acionista.
O Twitter tem um potencial extraordinário. Eu vou liberar esse
potencial.
O acordo
O conselho do Twitter e os advogados de Musk terminaram de trabalhar
nos detalhes do plano de compra num domingo, 24 de abril. Quando Musk
me mandou uma mensagem às dez da manhã, disse que tinha passado a
noite em claro. Perguntei se era por estar trabalhando nos últimos detalhes
ou se ele estava preocupado com a compra do Twitter. “Não, é que eu fui a
uma festa com amigos e bebi Red Bull demais”, respondeu.
Quem sabe ele devesse diminuir o tanto de Red Bull que tomava?
“Mas me dá asas”, retrucou.
Musk passou o dia tentando encontrar investidores externos que o
ajudassem a financiar a compra. Ele falou com Kimbal, que não quis. A
conversa com Larry Ellison foi mais bem-sucedida. “Sim, claro”, respondeu
Ellison quando Musk perguntara naquela semana se ele tinha interesse em
investir no negócio.
“Mais ou menos quanto?”, indagou Musk. “Não vou comprometer você
com esse valor, mas tem muita gente interessada, então eu preciso reduzir ou
tirar alguns dos participantes.”
“Um bilhão”, disse Ellison, “ou o que você recomendar”.
Ellison não publicava um tuíte havia uma década. Na verdade, ele nem se
lembrava da senha da sua conta do Twitter, de modo que Musk teve que
resetar pessoalmente a conta para ele. Contudo, Larry achava que o Twitter
era importante. “É um serviço de notícias em tempo real, e não existe nada
igual”, me disse ele. “Se você concorda que é importante para a democracia,
então acho que vale a pena fazer um investimento.”
Uma pessoa que realmente queria participar do negócio era Sam
Bankman-Fried, o fundador da corretora de criptomoedas FTX — a qual
pouco depois cairia em desgraça —, que acreditava que o Twitter podia ser
reconstruído com base em blockchain. Ele dizia ser um defensor do altruísmo
eficaz, e o fundador daquele movimento, William MacAskill, mandou uma
mensagem para Musk com o intuito de tentar marcar uma reunião, assim
como Michael Grimes, principal banqueiro de Musk no Morgan Stanley,
que estava trabalhando para viabilizar o financiamento. “Estou atolado de
trabalho”, escreveu Musk para o banqueiro. “É urgente?”
Michael Grimes respondeu que Bankman-Fried “faria a engenharia para
a integração entre mídia social e blockchain, e colocaria 5 bilhões de dólares
no negócio”. Ele poderia voar para Austin no dia seguinte, caso Musk
estivesse disposto a conversar.
Musk havia falado com Kimbal e outras pessoas sobre a possibilidade de
usar blockchain como espinha dorsal do Twitter. Embora estivesse se
divertindo com a Dogecoin e outras criptomoedas, ele não era um fanático
do blockchain, e achou que não seria rápido o suficiente para as postagens
apressadas do Twitter. Portanto, Musk não tinha interesse em se encontrar
com Bankman-Fried. Quando Michael Grimes insistiu, dizendo que
Bankman-Fried “poderia colocar 5 bilhões de dólares se toda a visão
batesse”, Musk respondeu com um emoji de polegar para baixo. “Um
Twitter blockchain não é possível, as exigências de banda e de latência não
podem ser suportadas por uma rede ponto a ponto.” Ele disse que poderia se
encontrar com Bankman-Fried em outro momento, “desde que não
precisemos fazer um debate cansativo sobre blockchain”.
Bankman-Fried então mandou uma mensagem diretamente para Musk,
dizendo que estava “realmente empolgado com o que você vai fazer com o
TWTR”. Ele disse que tinha 100 milhões de dólares em ações do Twitter
que pretendia “rolar”, querendo dizer que as ações seriam convertidas em
participação na nova empresa caso Musk fechasse o capital. “Desculpe,
quem está mandando essa mensagem?”, respondeu Musk. Quando
Bankman-Fried pediu desculpa e se apresentou, Musk disse laconicamente:
“Fique à vontade para fazer isso.”
Isso levou Bankman-Fried a ligar para Musk em maio. “Meu detector de
besteiras disparou como um alerta vermelho num contador Geiger”, afirma
Musk. Bankman-Fried começou a falar rápido, sempre sobre si mesmo.
“Ele estava falando como se tivesse tomado metanfetamina ou Aderall, dois
quilômetros por minuto”, conta Musk. “Achei que ele fosse me fazer
perguntas sobre a compra, mas ficou me falando de coisas que estava
fazendo. E eu pensando: Rapaz, se acalme.” A sensação foi mútua;
Bankman-Fried achou que Musk parecia maluco. A ligação durou meia
hora, e Bankman-Fried acabou não fazendo investimentos nem mantendo
suas ações do Twitter.
Os principais investidores que Musk reuniu incluíam Ellison, a Sequoia
Capital, de Mike Moritz, a corretora de criptomoedas Binance, Andressen
Horowitz, um fundo de Dubai e um fundo do Qatar. (Parte do acordo com
os investidores do Qatar era a promessa de ir ao país para a final da Copa do
Mundo.) O príncipe Alwaleed bin Talal, da Arábia Saudita, concordou em
manter o investimento que já tinha no Twitter.
Na tarde de segunda-feira, 25 de abril, o conselho do Twitter aceitou o
plano. Presumindo que os acionistas o aprovassem, a compra seria fechada
no outono. “Esse é o caminho certo”, escreveu para Musk o cofundador da
empresa, Jack Dorsey. “Vou continuar fazendo o que for preciso para que
tudo dê certo.”
Em vez de comemorar, Musk foi de Austin para a Starbase, no sul do
Texas. De lá, participou da reunião noturna regular sobre o redesenho do
motor Raptor, e por mais de uma hora se debateu para saber como lidar
com inexplicados vazamentos de metano que estavam acontecendo. As
notícias sobre o Twitter eram o assunto mais comentado da internet e no
mundo todo, mas não na reunião sobre o Raptor. Os engenheiros sabiam
que ele gostava de ficar concentrado na tarefa que tinha diante de si, e
ninguém mencionou o Twitter. Depois, Elon encontrou Kimbal num café
de beira de estrada em Brownsville que apresentava shows ao vivo de
músicos locais. Ficaram lá até as duas da manhã, sentados a uma mesa bem
de frente para o palco, só ouvindo a música.
Sinais de alerta
Na sexta-feira, depois de o conselho do Twitter aceitar a oferta de Musk, ele
foi a Los Angeles jantar com os quatro filhos mais velhos num restaurante
no alto de um prédio no Soho Club, em West Hollywood. Eles não usavam
muito o Twitter, e estavam intrigados. Por que o pai ia comprar a empresa?
Só pelo questionamento, já dava para ver que eles não achavam aquilo uma
boa ideia.
“Acho que é importante ter uma arena pública inclusiva e na qual as
pessoas confiem”, respondeu Musk. Depois de uma pausa, ele perguntou:
“Se não for assim, como a gente vai conseguir eleger o Trump em 2024?”
Era uma piada. Mas, no caso de Musk, às vezes era difícil saber, até
mesmo para os filhos dele. Talvez até para ele mesmo. Os filhos ficaram
horrorizados. Musk tranquilizou os meninos dizendo que era só
brincadeira.
No fim do jantar, eles tinham aceitado a maior parte das razões do pai
para a compra do Twitter, mas continuavam um tanto incomodados. “Eles
achavam que eu estava procurando sarna para me coçar”, revela Musk.
Claro, os meninos tinham razão. Eles também sabiam que o pai na verdade
gostava de ir atrás de problemas.
*
Musk reagiu ao turbilhão na família em meados de 2022 dando início a
mais um surto, mas dessa vez um surto paterno. Ele levou os quatro filhos
mais velhos, além de Grimes e X, para um passeio pela Espanha junto com
James e Elisabeth Murdoch e os filhos deles. James, que faz parte do
conselho da Tesla, é o membro progressista da família de Rupert Murdoch,
e Elisabeth é ainda mais progressista do que ele. Eles transmitem a Musk
uma influência pessoal tranquilizadora, além de fazer um contrapeso
político.
Poucas semanas depois, ele e os meninos viajaram a Roma, onde foram
recebidos pelo papa Francisco em uma audiência. Musk tuitou uma foto do
encontro, que o mostrava num traje inadequado, com Saxon se contorcendo
de nervoso, e os irmãos vestidos com camisas pretas e parecendo sombrios.
“Meu terno é trágico”, admitiu Musk. Quando os meninos acordaram no
dia seguinte, ficaram chateados porque o pai tinha tuitado a foto. Um deles
chegou a chorar. No grupo de mensagens on-line deles com o pai, que usam
mesmo quando viajam juntos, um dos garotos pediu que Musk não
publicasse mais fotos sem permissão. Musk ficou deprimido, saiu do grupo e
minutos depois avisou que eles estavam voltando para os Estados Unidos.
Uma casa, não um lar
Musk se deu conta de que era difícil ter uma vida familiar estável sem ter
uma casa para a família. Por isso, em meio aos dramas domésticos do verão
de 2022, ele começou a sonhar com uma casa própria em Austin.
Considerou, então, algumas casas que estavam à venda, mas achou todas
muito caras. Em vez de comprar, decidiu construir uma casa numa grande
fazenda de criação de cavalos, com um lago tranquilo, que ele tinha
comprado perto da Giga Texas, mas do outro lado do rio Colorado. Ele
achou que poderia usar outras partes da propriedade para a Neuralink e suas
outras empresas.
Musk caminhou pela fazenda numa noite de sábado com Grimes e
Omead Afshar, que estava encarregado de construir a Giga Texas, e eles
bolaram diversas ideias, entre elas a possibilidade de que a e Boring
Company cavasse um túnel sob o rio para ligar a casa à fábrica. Ele também
caminhou pela propriedade alguns dias depois com Shivon Zilis. “Uma
coisa sobre a qual eu vinha atazanando ele, de um jeito carinhoso, era que
ele tinha que encontrar um lugar que pudesse chamar de lar”, conta ela.
“Elon precisa de um lugar onde a alma dele more, e é isso que a fazenda de
criação de cavalos vai ser para ele.”
Numa tarde quente no verão de 2022, Musk se sentou debaixo de um
toldo de armar na propriedade junto com lorde Norman Foster, o arquiteto
que projetou, entre outras coisas, a sede circular de aparência espacial da
Apple para Steve Jobs. Foster tinha saído de Londres, com seu bloquinho
de desenho, para discutir ideias com Musk. Sentado diante de uma mesa de
carteado, Musk olhou alguns desenhos de Foster e em seguida começou a
fazer uma associação livre de ideias. “Devia ser algo que tivesse caído do
espaço, como uma estrutura de outra galáxia que pousou no lago”, disse
Musk.
Birchall, que estava com eles, procurou no Google imagens de prédios
futuristas, enquanto Foster fazia mais esboços em seu caderno. Musk
sugeriu: “Quem sabe, um caco de vidro saindo do lago?” O andar de baixo
poderia ficar parcialmente submerso na água, acessível por meio de um túnel
que partia de outra estrutura na margem do lago.
Comentei posteriormente que aquela, na verdade, não parecia uma casa
de família. Musk concordou. “É mais um projeto artístico do que uma casa”,
explicou. Ele adiou a construção.
capítulo 76
Sacudida na Starbase
SpaceX, 2022
Ari Emanuel esguichando água em Musk com uma mangueira em Mykonos; Alex
Spiro
O exterminador
Sem saber o que queria fazer com relação ao Twitter, Musk pediu três
opções em junho de 2022. O Plano A era seguir com o acordo de compra
de 44 bilhões de dólares. Os planos B e C envolviam tentar alterar o valor
do acordo ou desistir totalmente, de alguma forma. Para ajudar no modelo
financeiro dessas opções, ele chamou Bob Swan, um ex-CEO do eBay e da
Intel e sócio na empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, que
estava financiando a oferta de Musk.
O problema era que Swan, um homem direto, estava comprometido com
o Plano A. Achava que não havia justificativa concreta para desistir do
acordo. Ele aceitou a maioria dos números apresentados no relatório aos
acionistas do Twitter, aplicou um pequeno desconto e apontou um modelo
financeiro um tanto otimista. Musk, convencido de que o mundo iria entrar
em recessão e de que o Twitter estava distorcendo seus problemas com
robôs, questionou Swan raivosamente. “Se você consegue me apresentar isso
de cara lavada, então não é provável que seja a pessoa certa para o trabalho”,
esbravejou.
Swan era bem-sucedido demais para ser tratado assim. “Já que eu lhe
apresentei isso de cara lavada, você tem razão”, respondeu, “provavelmente
não sou a pessoa certa para o trabalho”. E se demitiu.
Mais uma vez, Musk ligou para o amigo íntimo e um dos primeiros
investidores da Tesla, Antonio Gracias, cuja equipe à la SWAT havia
descoberto problemas na Tesla em 2007. Gracias estava de férias na Europa
com alguns dos filhos quando recebeu a ligação. “No dia em que você saiu
do conselho da Tesla, disse que eu podia ligar se precisasse de ajuda”,
lembrou Musk. Gracias concordou em montar uma equipe para fazer uma
análise minuciosa das finanças do Twitter.
Gracias achava que precisava encontrar um banco de investimentos
independente para ajudar a determinar a avaliação adequada e a estrutura de
capital. Ele conversou com o amigo Robert Steel, da Perella Weinberg
Partners, que de maneira franca perguntou diretamente a Musk qual era o
objetivo dele: desistir de comprar o Twitter ou comprar o Twitter a um
preço mais baixo? Musk disse que queria a segunda opção. Isso era verdade,
pelo menos na maior parte do tempo, mas ele estava impedido, tanto legal
quanto psicologicamente, de dizer algo ainda mais verdadeiro, ou seja, que
havia algumas manhãs e noites em que achava que talvez estivesse diante de
uma missão infrutífera e ficaria feliz se tudo acabasse. Steel tinha uma visão
interessante sobre Musk. Quando são dadas três ou quatro opções aos
clientes, a maioria pergunta qual delas o banqueiro recomenda. Musk, em
vez disso, fez perguntas detalhadas sobre cada opção, mas não solicitou uma
recomendação. Ele preferia tomar a decisão por conta própria.
Quando ficou claro que o acordo iria ser concluído, Ari Emanuel voltou a
falar com Musk. Enviou-lhe uma mensagem de três parágrafos, pelo serviço
de mensagens de texto criptografadas Signal, com uma proposta: deixar que
ele e a agência Endeavor, da qual era CEO, comandassem o Twitter.
Emanuel propôs que, por uma taxa de 100 milhões de dólares, se
encarregaria de cortar os custos, criar uma cultura melhor e gerir as relações
com anunciantes e marqueteiros. “A ideia era a de que nós iríamos gerir a
operação, mas Musk nos diria o que queria e ficaria responsável por toda a
engenharia e a parte técnica”, diz Emanuel. “Fazemos muitos negócios com
anunciantes, e temos experiência no assunto, sabe?”
Birchall chamou a mensagem de “ofensiva, humilhante, insana”. Musk
foi mais otimista e educado. Ele valorizava a amizade com Emanuel. “Olha,
agradeço a oferta”, respondeu, “mas o Twitter é uma empresa de tecnologia,
uma empresa de programação”. Emanuel rebateu que contrataria os
técnicos, mas Musk o respondeu com um não firme. Ele tinha uma crença
fundamental de que não dá para separar a engenharia do design do produto.
Na realidade, o design do produto deveria ficar a cargo dos engenheiros. A
empresa, assim como a Tesla e a SpaceX, deveria ser liderada pela
engenharia em todos os níveis.
Havia mais uma coisa que Emanuel não entendia. Musk queria
comandar pessoalmente o Twitter, assim como estava fazendo com a Tesla,
a SpaceX, a e Boring Company e a Neuralink.
capítulo 79
Apresentação do Optimus
Tesla, setembro de 2022
Milan Kovac
capítulo 80
Robotáxi
Tesla, 2022
Omead Afshar, Musk, Franz von Holzhausen, Drew Baglino, Lars Moravy e Zach
Kirkhorn; o conceito de Robotáxi
Vamos apostar tudo na autonomia
Carros autônomos, Musk acreditava, iriam fazer mais do que simplesmente
liberar a população da chatice de ter que dirigir. Em grande medida,
eliminariam a necessidade de as pessoas terem carros. O futuro seria do
Robotáxi: um veículo sem motorista que apareceria quando chamado,
levaria você até o destino desejado e depois seguiria até o próximo
passageiro. Algumas pessoas poderiam adquirir um para uso próprio, mas a
maioria dos Robotáxis seria de empresas de transporte ou da Tesla.
Naquele mês de novembro, Musk reuniu seus seis principais assessores
em Austin para discutir esse futuro durante um jantar informal na casa
parcialmente mobiliada de Omead Afshar, que contratou um chef particular
para preparar bifes de costela maturada supergrossos. Estavam presentes
Franz von Holzhausen, Drew Baglino, Lars Moravy e Zach Kirkhorn. Eles
decidiram que o Robotáxi seria um carro menor, mais barato e menos veloz
que o Model 3. “Nosso principal foco tem que ser em volume”, disse Musk.
“Não há uma quantidade que possamos fabricar que seja suficiente. Um dia
vamos querer chegar a 20 milhões por ano.”
O desafio central era descobrir como desenhar um carro sem volante ou
pedais que pudesse atender aos padrões de segurança do governo e lidar com
situações especiais. Semana após semana, Musk considerava cada detalhe.
“E se alguém esquecer de fechar a porta do Robotáxi quando descer?”,
perguntou. “Temos que garantir que ele possa fechar as portas sozinho.”
Como um Robotáxi poderia entrar em um condomínio ou em um
estacionamento? “Talvez precise de um braço para conseguir apertar um
botão ou pegar um tíquete”, disse. Isso parecia um pesadelo. “Talvez
possamos simplesmente excluir os lugares em que não dá para entrar
facilmente”, concluiu Musk. Às vezes, as conversas eram tão sérias e
detalhadas que contradiziam a ousadia do conceito.
No fim do verão de 2022, Musk e a equipe perceberam que tinham que
tomar uma decisão final sobre um assunto com o qual lidaram ao longo de
um ano. Eles deveriam optar pelo caminho seguro e incluir volante, pedais,
retrovisores e outros itens atualmente exigidos pela legislação? Ou deveriam
fazer carros de fato autônomos?
A maioria dos engenheiros ainda pressionava pela alternativa mais
segura. Eles tinham uma visão mais realista sobre quanto tempo levaria para
fazer a Direção Totalmente Autônoma (FSD, na sigla em inglês) funcionar.
Em uma reunião fatídica e dramática no dia 18 de agosto, reuniram-se para
resolver o problema.
“Queremos garantir que estamos avaliando o risco com você”, disse Von
Holzhausen a Musk. “Se optarmos por não ter volante e a Direção
Totalmente Autônoma não estiver em operação, não vamos poder colocar os
carros na rua.” Ele sugeriu que construíssem um carro que tivesse volante e
pedais, mas que fossem removíveis com facilidade. “Basicamente, nossa
proposta é incluí-los agora, mas tirá-los quando for permitido.”
Musk fez que não com a cabeça. O futuro não chegaria rápido o
suficiente, a menos que eles o forçassem.
“Pequenos”, insistiu Von Holzhausen, “que possamos retirar facilmente e
projetar ao redor”.
“Não”, disse Musk. “Não. NÃO.” Houve uma longa pausa. “Sem
retrovisores, sem pedais, sem volante. Estou assumindo a responsabilidade
por esta decisão.”
Os executivos sentados em volta da mesa hesitaram. “Certo, vamos voltar
a falar disso com você”, disse um deles.
Musk mudou de humor e adotou um ar gélido. “Vou ser claro”, falou
devagar. “Esse veículo deve ser desenhado como um Robotáxi limpo. Vamos
assumir esse risco. É minha culpa se der merda. Mas não vamos projetar um
anfíbio, uma espécie meio sapo, meio carro. Vamos apostar tudo na
autonomia.”
Semanas depois, ele ainda estava animado com a decisão. Durante um
voo para levar Griffin até a universidade, participou da reunião semanal do
Robotáxi pelo telefone. Como sempre, tentou instigar um senso de
urgência. “Esse vai ser um produto historicamente megarrevolucionário”,
declarou Musk. “Vai transformar tudo. Esse é o produto que fará da Tesla
uma empresa de 10 trilhões. As pessoas vão falar sobre este momento daqui
a cem anos.”
O carro de 25 mil dólares
Como mostravam as discussões sobre o Robotáxi, Musk podia ser
ferozmente teimoso. Ele tinha uma obstinação que distorcia a realidade e
uma presteza para atropelar os pessimistas. Essa dureza pode ter sido um
dos superpoderes que levaram aos sucessos dele, assim como aos fracassos.
Eis, porém, uma característica menos conhecida de Musk: ele podia
mudar de ideia. Era capaz de ouvir argumentos que parecia estar rejeitando
e recalibrar os cálculos de risco. E foi isso que aconteceu com os volantes.
No fim do verão de 2022, depois que Musk se manifestou sobre estar
“apostando tudo” em um Robotáxi sem volante, Von Holzhausen e Moravy
decidiram persuadi-lo a cobrir a aposta. Eles sabiam como fazer isso de uma
maneira não desafiadora. “Apresentamos novas informações, que talvez ele
não tivesse digerido completamente antes”, diz Moravy. Mesmo que carros
autônomos fossem aprovados pelas agências reguladoras dos Estados
Unidos, argumentou ele, ainda levaria anos até que fossem aprovados no
exterior. Por isso, fazia sentido construir uma versão do carro com volante e
pedais.
Por anos eles conversaram sobre como deveria ser a próxima geração de
produtos da Tesla: um carro para o mercado de massa, pequeno e barato,
vendido por cerca de 25 mil dólares. O próprio Musk havia aventado a
possibilidade em 2020, mas suspendeu os planos e pelos dois anos seguintes
repetidamente vetou a ideia, quando disse que o Robotáxi tornaria o outro
carro desnecessário. Apesar disso, Von Holzhausen manteve a ideia viva em
sigilo e tocou um projeto secreto no estúdio de design.
Numa quarta-feira tarde da noite, durante a viagem para apresentar o
Optimus em setembro de 2022, Musk se abrigou em um refúgio de longa
data: Júpiter, a sala de conferências sem janelas da fábrica de Fremont.
Moravy e Von Holzhausen levaram alguns dos principais membros da
equipe da Tesla até a sala para uma reunião reservada. Eles apresentaram
dados que mostravam o seguinte: para a Tesla crescer 50% por ano,
precisava de um carro pequeno e barato. O mercado global para esse tipo de
veículo era enorme. Em 2030, poderiam existir até 700 milhões deles, quase
o dobro da categoria Model 3/Y. Então eles mostraram que era possível usar
a mesma plataforma e a mesma linha de montagem para fazer o carro de 25
mil dólares e o Robotáxi. “Nós o convencemos de que, se construíssemos
fábricas e tivéssemos as plataformas, daria para produzir tanto os Robotáxis
quanto o carro de 25 mil dólares, usando a mesma arquitetura de veículo”,
conta Von Holzhausen.
Depois da reunião, Musk e eu nos sentamos a sós na sala de conferências
e ficou evidente que ele não estava entusiasmado com o carro de 25 mil
dólares. “Não é um produto muito empolgante”, comentou. O que ele
realmente queria era transformar os meios de transporte com os Robotáxis.
Contudo, ao longo dos meses, foi se entusiasmando bastante. Em uma
reunião de avaliação de design numa tarde de fevereiro de 2023, Von
Holzhausen colocou modelos do Robotáxi e do carro de 25 mil dólares lado
a lado no estúdio. Os dois tinham o ar futurista do Cybertruck. Musk
adorou os designs. “Quando um desses contornar uma esquina”, disse ele,
“as pessoas vão achar que estão vendo algo que veio do futuro”.
O novo veículo para o mercado de massa — assim como o carro com
volante e o Robotáxi — tornou-se conhecido como “a plataforma da nova
geração”. A princípio, Musk decidiu que a Tesla construiria uma nova
fábrica no norte do México, cerca de 650 quilômetros ao sul de Austin, toda
projetada para produzir esses carros. A unidade iria usar um método de
produção completamente novo, com alta automatização.
Não demorou, porém, para que um problema surgisse na mente dele:
Musk sempre acreditou que os engenheiros de design da Tesla precisavam
estar bem ao lado da linha de montagem, e não em um local distante da
produção. Assim, os engenheiros podiam receber um feedback instantâneo
sobre como incluir inovações de projeto que não só melhorariam o carro,
como também tornariam a produção mais fácil. Isso valia, principalmente,
no caso de um carro e de um método de produção novos. Contudo, ele
percebeu que teria problemas em conseguir que os engenheiros principais se
mudassem para a nova fábrica. “A engenharia da Tesla tem que estar junto
da linha de produção para que tudo dê certo, e nunca vamos conseguir
mudar todo mundo para o México”, me disse ele.
Por isso, em maio de 2023, decidiu mudar para Austin a localização
inicialmente pensada para a fábrica da nova geração de carros e de
Robotáxis, onde ele e seus principais engenheiros estariam trabalhando bem
ao lado da nova linha de montagem super-rápida e ultra-automatizada. Ao
longo do verão de 2023, Musk passou horas, todas as semanas, trabalhando
com a equipe a fim de projetar cada estação da linha de montagem,
buscando modos de reduzir em milissegundos cada passo e cada processo.
capítulo 81
“Vocês vão ter que aceitar”
Twitter, 26 e 27 de outubro de 2022
Quando Musk voltou para o segundo andar, três das salas de conferências
estavam sendo tomadas pela força mercenária de engenheiros leais da Tesla
e da SpaceX, que, sob a direção de Musk, estavam passando um pente-fino
no código do Twitter e desenhando diagramas nos quadros magnéticos para
determinar quais funcionários valia a pena manter. Outras duas salas foram
ocupadas pelo batalhão de banqueiros e advogados. Eles pareciam estar se
preparando para a batalha.
“Já conversou com Jack?”, perguntou Gracias a Musk. O cofundador do
Twitter e ex-CEO, Jack Dorsey, havia inicialmente apoiado a compra da
empresa por Musk, mas nas semanas anteriores ficara nervoso com a
polêmica e o drama envolvidos. Ele temia que Musk fosse estripar seu bebê.
E não tinha certeza se estava disposto a fazer vista grossa. Mais
significativamente, Dorsey estava hesitando em permitir que as ações que
ele tinha no Twitter fossem transformadas em patrimônio na nova empresa
privada controlada por Musk. Se não cedesse as ações, isso poderia ser ruim
para os planos de financiamento de Musk. Na semana anterior, Musk havia
ligado para ele quase todos os dias, reassegurando que amava o Twitter de
verdade e não o prejudicaria. Por fim, Musk fez um acordo com Dorsey: se
ele cedesse as ações, Musk se comprometeria a pagar preço cheio por elas no
futuro caso Dorsey precisasse do dinheiro. “Ele concordou com a
transferência completa”, disse Musk. “Ainda somos amigos. Ele se preocupa
com a liquidez no futuro, então me comprometi com 54,20 dólares.”
No fim daquela tarde, Agrawal entrou discretamente no lounge do
segundo andar e encontrou Musk. Eles iam agir como gladiadores na noite
seguinte, mas, naquele momento, ambos fingiram coleguismo casual.
“Oi”, disse Agrawal gentilmente. “Como foi seu dia?”
“Minha cabeça está cheia”, respondeu Musk. “Vou precisar de uma noite
de sono para transformar os dados em alguma coisa.”
* Em inglês, “Let that sink in”, uma expressão com sentido de que é preciso deixar a ficha cair, digerir
e aceitar a situação. O trocadilho se dá por causa de “sink”, que significa “pia”. [N. da E.]
capítulo 82
Tomando posse
Twitter, quinta-feira, 27 de outubro de 2022
Antonio Gracias, Kyle Corcoran, Kate Claassen e Musk com um bourbon; Pappy
Van Winkle; David Sacks e Gracias na sala de guerra
O sino anuncia a compra
A compra do Twitter seria fechada no dia 28 de outubro, uma sexta-feira.
Era o que os gestores do Twitter, o público e Wall Street imaginavam. Uma
transição tranquila tinha sido programada com cuidado para a abertura do
mercado de ações naquela manhã. O dinheiro seria transferido, os
documentos seriam assinados, as ações sairiam do mercado e Musk estaria
no controle. Isso ofereceria um gatilho duplo — a saída da bolsa e a
mudança de controle —, permitindo a Parag Agrawal e a seus principais
assessores no Twitter receber rescisões e exercer as opções de ações.
Musk, porém, não queria isso, e em segredo arquitetou com a equipe um
plano para desarticular tudo. Ao longo da tarde de quinta-feira, ele entrava e
saía de uma sala de conferências abarrotada onde Antonio Gracias, Alex
Spiro, Jared Birchall e mais algumas poucas pessoas planejavam
metodicamente uma manobra de jiu-jítsu: eles iam forçar um fechamento
rápido na noite de quinta. Se fizessem tudo no momento certo, Musk
poderia demitir Agrawal e alguns dos principais executivos do Twitter “por
justa causa” antes que eles pudessem exercer as opções de ações.
Era um tanto audacioso, e até cruel. Na cabeça de Musk, porém, isso se
justificava em função do preço que ele estava pagando e da convicção de que
a gestão do Twitter havia tentado enganá-lo. “Tem uma diferença de 200
milhões em jogo entre fechar o negócio hoje à noite e amanhã de manhã”,
disse ele a mim no fim da tarde de quinta-feira na sala de guerra enquanto o
plano era executado.
Além de servir como vingança e poupar dinheiro, o plano tinha como
motor o gosto de Musk por manipular jogadas. No fim, a surpresa ganharia
um tom dramático, como um ataque no momento certo no Polytopia.
O marechal de campo para o fechamento de surpresa na noite de quinta
era o advogado de longa data de Musk, Alex Spiro. Um atirador de elite do
mundo jurídico irritadiço e divertido, Spiro estava sempre ansioso por uma
batalha. Ele se tornou um conselheiro de confiança de Musk durante as
tempestades de 2018, quando o ajudou a se livrar dos problemas causados
pelos tuítes sobre “pedo” e “tornar a Tesla privada”. Musk tinha como regra
desconfiar de pessoas cuja confiança fosse maior do que a competência.
Spiro era extremamente confiante, mas também extremamente competente,
o que fez Musk valorizar o trabalho dele, ainda que por vezes
acompanhando tudo de perto.
“Só dá para demitir o Parag depois que ele assinar o certificado, certo?”,
perguntou Musk a certa altura.
“Eu preferiria demiti-los antes que a coisa esteja consumada”, disse Spiro.
Ele conferenciou com colegas e bolou opções enquanto esperavam os
números de referência do Banco Central norte-americano que mostrassem
que o dinheiro tinha sido transferido.
Às 16h12 pelo fuso do Pacífico, depois de receberem a confirmação de
que o dinheiro tinha sido transferido e os documentos necessários haviam
de fato sido assinados, Musk e sua equipe tomaram a decisão de fechar o
negócio. Jehn Balajadia, assistente de longa data de Musk que tinha sido
convocado de volta para ajudar na tomada do Twitter, entregou exatamente
naquele momento as cartas de demissão de Agrawal, Ned Segal, Vijaya
Gadde e do conselheiro-geral, Sean Edgett. Seis minutos depois, o chefe da
segurança de Musk entrou para dizer que todos tinham sido “retirados” do
prédio e o acesso deles ao e-mail fora cortado.
O bloqueio imediato do e-mail era parte do plano. Agrawal estava com a
carta de demissão, na qual era citada a mudança de controle, pronta para ser
enviada. Contudo, quando teve a conta de e-mail do Twitter bloqueada, ele
levou alguns minutos na operação de transferência do documento para uma
mensagem de Gmail. Àquela altura, já tinha sido demitido por Musk.
“Ele tentou se demitir”, disse Musk.
“Mas a gente ganhou dele”, replicou Spiro.
Numa outra área da sede do Twitter, a empresa estava dando uma festa de
Halloween, cheia de abraços de despedida, chamada Trick or Tweet.*
Birchall brincou com as outras pessoas que estavam na sala de guerra: “Ned
Segal veio com uma fantasia de CFO.” Nas salas de conferências ao lado,
alguns dos engenheiros da SpaceX estavam grudados em uma transmissão
de vídeo em seus computadores. Pouco depois das seis, um foguete Falcon 9
decolou de Vandenberg carregando 52 satélites da Starlink.
Michael Grimes, o principal executivo do banco Morgan Stanley, pegou
um voo em Los Angeles e chegou à sala de guerra com presentes. O
primeiro era uma montagem que mostrava defesas históricas da liberdade de
expressão — de John Milton, em 1644, à cena de Musk entrando na sede
do Twitter e dizendo “Vocês vão ter que aceitar!”. Ele também levou uma
garrafa de Pappy Van Winkle, o melhor bourbon do mundo, que a esposa
tinha ganhado de aniversário. Cada um na sala tomou um pequeno gole e
em seguida Musk assinou a garrafa pela metade para ela.
Minutos depois, ele fez a primeira modificação de produto. Até então,
quando as pessoas entravam no site Twitter.com, a primeira tela que viam as
instruía a fazer login. Musk achou que em vez disso elas deviam cair numa
página de “Explorar”, que mostraria os assuntos mais quentes e as
tendências do momento. Uma mensagem foi enviada para a pessoa
encarregada da página “Explorar”, um jovem engenheiro chamado Tejas
Dharamsi, que estava num voo voltando ao país depois de visitar a família
na Índia. Ele respondeu dizendo que faria a mudança assim que chegasse ao
escritório na segunda-feira. Faça agora, foi a ordem que recebeu. Assim,
usando o wi-fi do voo da United, ele fez a mudança naquela noite.
“Tínhamos trabalhado em muitas possíveis novas funcionalidades por anos,
mas ninguém tomava decisões sobre elas”, diria Dharamsi posteriormente.
“De repente, esse cara chegou tomando decisões rápidas.”
Musk estava hospedado na casa de David Sacks. Quando ele voltou para
lá, perto das nove da noite, Ro Khanna, o deputado democrata do distrito,
já estava presente. Khanna é um defensor da liberdade de expressão que
entende de tecnologia, mas a conversa não foi sobre o Twitter. Na verdade,
eles falaram sobre o papel da Tesla em atrair as indústrias de volta para os
Estados Unidos e o perigo de não encontrar uma solução diplomática para a
guerra na Ucrânia. Foi uma conversa animada que durou quase duas horas.
“Musk tinha acabado de fechar a compra do Twitter, e eu fiquei surpreso
por não termos falado disso”, conta Khanna. “Ele parecia querer falar de
outras coisas.”
* Um trocadilho, em inglês, com a brincadeira “Doce ou travessura?” (Trick or treat). [N. da E.]
capítulo 83
Os três mosqueteiros
Twitter, 26 a 30 de outubro de 2022
Com James Musk, Dhaval Shroff e Andrew Musk analisando o código (topo); Ross
Nordeen estudando a arquitetura do soware do Twitter (abaixo, à esquerda);
James e Andrew Musk (abaixo, à direita)
James, Andrew e Ross
Quem comandava a jovem tropa da tecnologia nas salas de conferências do
segundo andar naquela quinta-feira era um rapaz de 29 anos
espantosamente parecido com Musk. James Musk, filho do irmão mais
novo de Errol, tinha o cabelo idêntico, o sorriso cheio de dentes, os
maneirismos de levar a mão ao pescoço e um sotaque sul-africano óbvio
como o do primo de primeiro grau. Havia uma dureza na mente e nos
olhos, mas ele compensava isso com um grande sorriso, um jeito sempre
emocionalmente alerta e uma disposição em agradar aos outros, coisas que
não faziam parte do repertório de Elon. Engenheiro de software, James
trabalhou duro na equipe do Autopilot da Tesla e então se tornou o núcleo
de um pequeno grupo de mosqueteiros leais que coordenaram os mais de
trinta engenheiros da empresa automotiva e da SpaceX que aportaram na
sede do Twitter como uma força expedicionária naquela semana.
Desde os 12 anos, James acompanhava avidamente as aventuras de Elon
e escrevia cartas para ele com regularidade. Assim como Elon, ele deixou a
África do Sul por conta própria quando estava prestes a completar 18 anos e
passou um ano vagando pela Riviera, trabalhando em iates e hospedando-se
em albergues. Depois, foi para Berkeley e entrou para a Tesla bem a tempo
de ser convocado por Elon para a onda insana de 2017 na fábrica de baterias
de Nevada. Em seguida, tornou-se parte da equipe do Autopilot, quando
desenvolveu a rota de planejamento da rede neural que analisa os dados em
vídeo de motoristas humanos para aprender como um carro autônomo
deveria se comportar.
Quando Elon o chamou no fim de outubro e o “convocou a se
voluntariar” para ajudar na iminente tomada do Twitter, James relutou por
um momento. O aniversário da garota que ele namorava era naquele fim de
semana e eles pretendiam viajar para ir ao casamento da melhor amiga dela.
No entanto, ela entendeu que James precisava ajudar o primo. “Você tem
que estar lá”, disse a ele.
O irmão ruivo e mais tímido, Andrew, engenheiro de software na
Neuralink, juntou-se a James na missão. Durante a infância na África do
Sul, eles eram jogadores da liga nacional de críquete, além de alunos de
engenharia de destaque. Meia geração mais jovens que Elon e Kimbal, eles
não faziam parte do grupinho dos irmãos Rive, primos de Elon por parte de
mãe. Elon colocou Andrew e James debaixo das asas quando eles deixaram a
África do Sul, pagando a mensalidade de ambos na universidade e as
despesas pessoais. Andrew foi para a UCLA, a Universidade da Califórnia
em Los Angeles, onde pesquisou a tecnologia de blockchain com o teórico
pioneiro da internet em comutação de pacotes, Len Kleinrock. E, como se
fosse uma herança genética da família (o que pode até ser), James e Andrew
ficaram viciados no Polytopia. “Minha ex-namorada me odiava por isso”, diz
Andrew. “Talvez por isso seja minha ex-namorada.”
Quando Roth chegou à sede para se encontrar com Sacks e Calacanis, havia
uma crise em andamento. O Twitter estava sendo inundado por postagens
racistas e antissemitas. Musk tinha declarado ser contra a censura, e agora
enxurradas de trolls e provocadores estavam testando os limites. O uso de
termos agressivos contra negros cresceu 500% nas doze primeiras horas
depois de Musk assumir o controle. A liberdade de expressão irrestrita, a
nova equipe descobriu rapidamente, tinha um lado negativo.
Roth sabia que Sacks havia lido as reportagens sobre as tendências
esquerdistas dele, e ficou surpreso por ver como ele estava sendo educado e
solícito. Eles falaram sobre os números da onda de discurso de ódio e sobre
quais ferramentas tinham à disposição para lidar com isso. Roth explicou
que a maior parte das postagens não era de usuários expressando opiniões
pessoais e individuais, mas, sim, de trolagem organizada e de ataques feitos
por bots. “Ficou nítido que era algo coordenado”, diz Roth, “e não apenas
pessoas reais sendo mais racistas”.
Depois de mais ou menos uma hora, Musk entrou na sala de
conferências. “Então, que negócio é esse de racismo que está rolando?”,
perguntou.
“É uma campanha de trolls”, respondeu Roth.
“Acabem já com isso”, disse Musk. “Força total.” Roth ficou empolgado.
Ele achou que Musk iria se opor a qualquer tentativa de moderação.
“Discurso de ódio não tem lugar no Twitter”, continuou Musk, como se
estivesse fazendo uma declaração oficial. “Não dá para aceitar isso.”
Calacanis falou para Roth que ele tinha explicado a situação muito bem.
“Por que você não posta uns tuítes sobre isso?”, sugeriu Calacanis. Então
Roth postou um fio. “Estamos nos concentrando em endereçar o
crescimento de discurso de ódio no Twitter”, escreveu. “Mais de 50 mil
tuítes usando um xingamento em particular surgiram de apenas trezentas
contas. Quase todas essas contas são falsas. Tomamos medidas para banir os
usuários envolvidos nesse ataque.”
Musk retuitou os posts de Roth e acrescentou outro dele próprio, que
tinha como objetivo tranquilizar anunciantes que estavam começando a
fugir do Twitter. “Para ser superclaro”, tuitou, “não demos início ainda a
nenhuma mudança na política de moderação de conteúdo do Twitter”.
Como faz com pessoas que ele considera parte de seu círculo mais
íntimo, Musk começou a mandar mensagens para Roth regularmente com
perguntas e sugestões. Mesmo quando uma enxurrada de novas reportagens
surgiu requentando os tuítes esquerdistas de Roth de cinco anos antes,
Musk ficou do lado dele, tanto em particular quanto em público. “Ele me
disse que achava alguns dos meus tuítes antigos engraçados, e ele realmente
me apoiou mesmo quando muitos conservadores estavam pedindo a minha
cabeça”, disse Roth. Musk chegou até a responder a um conservador no
Twitter com uma defesa de Roth. “Todos nós publicamos tuítes
questionáveis, eu mais do que a média, mas quero deixar claro que estou
com Yoel”, escreveu. “Minha opinião é de que ele tem uma grande
integridade e todos nós temos direito a nossas crenças políticas.”
Embora Musk não tivesse descoberto ainda como pronunciar o nome
dele (Yo-El), parecia que podia ser o início de uma bela amizade.
capítulo 85
Halloween
Twitter, outubro de 2022
Naquela noite de domingo, Musk voou até Nova York para se encontrar
com a equipe de vendas de anúncios do Twitter e tentar tranquilizar os
anunciantes e as respectivas agências. Levou X junto, e eles chegaram por
volta das três da manhã no apartamento de Maye em Greenwich Village.
Musk não gostava de hotéis nem de ficar sozinho. Pela manhã, tanto Maye
quanto X foram com ele à sede do Twitter em Manhattan, servindo a um só
tempo de escudo e apoio emocional para reuniões que seriam tensas.
Musk tem uma intuição para problemas de engenharia, mas as redes
neurais dele têm dificuldades para lidar com sentimentos humanos, por isso
a aquisição do Twitter tornou-se tão problemática. Ele pensava no Twitter
como uma empresa de tecnologia, quando, na realidade, era um meio
publicitário baseado em emoções humanas e relacionamentos. Ele sabia que
tinha que ser solícito na viagem a Nova York, mas estava com raiva. “Existe
uma campanha agressiva contra mim desde que o acordo foi anunciado em
abril”, me disse Musk. “Grupos ativistas têm pressionado os anunciantes
para que deixem de assinar acordos.”
As reuniões naquela segunda-feira não ajudaram muito a tranquilizar os
anunciantes. Enquanto Maye assistia e X brincava, Musk falou num tom
monocórdio, primeiro com a equipe de vendas e depois por meio de
telefonemas com a comunidade de publicidade. “Quero que o Twitter seja
interessante para um amplo número de pessoas, talvez 1 bilhão algum dia”,
disse ele em uma dessas conversas. “Isso anda de mãos dadas com
segurança. Se você deparar com uma avalanche de discurso de ódio ou for
atacado, vai embora.” A cada reunião ele era questionado a respeito do tuíte
sobre Paul Pelosi. “Eu sou quem eu sou”, disse uma hora, o que não era
muito tranquilizador para nenhum dos interlocutores, que de alguma forma
esperavam o contrário. “Minha conta no Twitter é uma extensão do que eu
sou pessoalmente, e, bem, vou tuitar algumas coisas que vão se mostrar
estúpidas, vou cometer erros.” Ele disse isso não com uma humildade
envergonhada, mas com uma fria modéstia. Em uma das reuniões que fizera
via Zoom, era possível ver anunciantes cruzando os braços e saindo da
ligação. “Que merda é essa?”, murmurou um deles. O Twitter supostamente
era um negócio de bilhões de dólares, não uma extensão das falhas e
idiossincrasias de Elon Musk.
No dia seguinte, muitos dos principais executivos do Twitter que tinham
a confiança da comunidade publicitária se demitiram ou foram demitidos,
mais notavelmente Leslie Berland, Jean-Philippe Maheu e Sarah
Personette. Além disso, grandes marcas e agências de publicidade
anunciaram a intenção de pausar os anúncios no Twitter, ou fizeram isso
discretamente. As vendas caíram 80% naquele mês. As mensagens de Musk
passaram de tranquilizadoras para bajuladoras e então ameaçadoras. “O
Twitter teve uma queda massiva na receita, devido à pressão de grupos
ativistas aos anunciantes, apesar de nada ter mudado na moderação de
conteúdo e de tudo que fizemos para agradar aos ativistas”, tuitou Musk
depois das reuniões. “Estão tentando destruir a liberdade de expressão nos
Estados Unidos.”
Comandantes espaciais
O Halloween é um dos feriados favoritos de Musk, uma chance para jogos
reais de representação. Outro motivo para ele voar até Nova York, além de
tentar tranquilizar os anunciantes, era ter prometido acompanhar a mãe à
festa anual de Halloween da modelo Heidi Klum, que contava com um
desfile no tapete vermelho de fantasias exageradas para o deleite dos
paparazzi.
Musk só voltou das reuniões com os anunciantes para o apartamento de
Maye às nove da noite, quando ela e uma amiga o ajudaram a vestir a
armadura de couro vermelha e preta da fantasia de “Devil’s Champion” —
um guerreiro do diabo — que ela havia providenciado. Apesar de terem sido
levados para uma área VIP, eles odiaram a festa. Maye achou o som alto
demais e Elon ficou incomodado por todo mundo estar tentando tirar selfies
com ele. Por isso, ficaram apenas dez minutos e foram embora. Musk,
porém, mudou sua foto do perfil no Twitter para uma dele vestido de Devil’s
Champion. Ele achou que combinava com a situação naquele momento.
Na manhã seguinte, ele acordou cedo para assistir com a mãe e o filho à
transmissão da decolagem do Falcon Heavy, a primeira vez em três anos que
o foguete de 27 motores da SpaceX era lançado. Depois, voou até
Washington para uma cerimônia que marcou a mudança dos principais
generais do Comando Espacial dos Estados Unidos. Apesar das tensões que
tinha com o governo Biden, Musk ainda foi bem recebido pelo Pentágono,
especialmente porque a SpaceX era a única entidade norte-americana capaz
de enviar grandes satélites militares e tripulação para a órbita. Durante a
cerimônia, ele foi destacado pelo general Mark Milley, o chefe do Estado-
Maior Conjunto. “O que ele simboliza”, disse Milley, “é a combinação entre
a cooperação civil e militar e o trabalho em equipe que faz dos Estados
Unidos o país mais poderoso no espaço”.
capítulo 86
Contas verificadas
Twitter, 2 a 10 de novembro de 2022
Christopher Stanley, à direita, tirando uma sel e com Musk e engenheiros depois
de um hackathon (acima); Ross Nordeen e James Musk (abaixo)
De mudança
O lançamento do Twitter Blue, o qual Musk achou que seria o elixir para
salvar a empresa, estava então suspenso e o colapso das vendas de anúncios
não dava sinais de diminuição. Novas rodadas de demissões que reduziriam
mais a equipe estavam sendo planejadas. Os que permanecessem teriam que
ser tão maníacos quanto os engenheiros da Tesla e da SpaceX. “Acredito
muito na ideia de que um pequeno número de pessoas excepcionais muito
motivadas pode se sair melhor que um grande número de pessoas que são
muito boas e moderadamente motivadas”, disse Musk para mim no fim
daquela dolorosa segunda semana no Twitter.
Se queria que os sobreviventes do Twitter fossem hardcore, Musk teria
que mostrar quão hardcore ele podia ser. Ele havia dormido no chão do
primeiro escritório na Zip2 em 1995. Havia dormido no telhado da fábrica
de baterias da Tesla em Nevada em 2017. Havia dormido debaixo da mesa
dele na montadora de Fremont em 2018. Não porque tivesse sido realmente
necessário; fazia isso porque era da natureza dele amar o drama, a urgência e
o sentimento de que era um general em guerra capaz de motivar suas tropas
para a batalha. Agora chegara o momento de dormir na sede do Twitter.
Quando voltou de uma viagem de fim de semana a Austin no fim da
noite de domingo, 13 de novembro, Musk foi direto para o escritório do
Twitter e tomou posse de um sofá na biblioteca do sétimo andar. Steve
Davis, seu principal faz-tudo, havia ido para o Twitter com o propósito de
supervisionar a redução de custos. Junto com a esposa, Nicole Hollander, e
o filho de 2 meses, Davis se mudou para a sala de conferências próxima. A
sede confortável do Twitter tinha chuveiros, uma cozinha e uma sala de
jogos. Eles brincavam que era tudo muito luxuoso.
Segundo round
Enquanto voava até São Francisco naquele domingo à noite, Musk ligou
para o primo James e disse que ele e o irmão, Andrew, precisavam se
apresentar e encontrá-lo no Twitter quando ele, Musk, chegasse. Era
aniversário de Andrew e eles tinham saído com amigos para jantar. Mas
ambos foram. “As pessoas na empresa estavam postando merda sobre o
Elon, e ele disse que precisava de alguns de nós em quem pudesse confiar”,
diz James.
Ross Nordeen, o terceiro mosqueteiro, já estava lá. Ele tinha passado o
fim de semana todo na sede, revisando o código dos engenheiros do Twitter
para ver quem era bom e quem era ruim. Depois de sobreviver basicamente
à base de bolachas salgadas por duas semanas, o corpo magro parecia
esquelético. Naquele domingo, ele dormiu na sala de jogos da empresa, no
quinto andar. Quando acordou na segunda de manhã e ouviu que Musk
queria fazer mais cortes grandes, o estômago dele se revirou. “Eu me senti
um merda com a ideia de demitir mais 80% da empresa.” Ele foi ao
banheiro e vomitou. “Só acordei e botei tudo para fora”, diz. “Nunca tinha
feito isso antes.”
Ross foi até o apartamento para tomar banho e pensar nas coisas. “Saí e
senti que não queria estar ali naquele momento”, conta. Ao meio-dia,
porém, ele decidiu que não iria abandonar o time, então voltou. “Eu não
queria deixar o James na mão.”
É
“É uma ideia que é um soco no estômago, uma coisa muito ousada. E uma
coisa boa.”
Musk fazia visitas semanais aos laboratórios da Neuralink para participar
de reuniões de avaliação de projeto. Durante uma das visitas, em agosto de
2022, o chefe de engenharia, Jeremy Barenholtz, esperava no café o começo
da reunião. Ele tinha se formado em ciência de sistemas de informática em
Stanford um ano antes, mas, com os cabelos ruivos lambidos e a barba rala,
ainda podia se passar por alguém que estava participando de uma feira de
ciências na escola. “Elon achou que controlar um computador com a mente
é bacana, mas que isso não tem o mesmo impacto límbico que fazer uma
pessoa com paraplegia voltar a andar”, disse ele. “Portanto, estamos nos
concentrando em um plano para fazer isso.” Ele me falou dos diferentes
métodos de estimulação muscular e começou uma discussão sobre por que
ele acredita que os sinais no cérebro se propagam por meio da difusão
química de moléculas carregadas eletricamente, não por meio de ondas
eletromagnéticas, como prega a teoria convencional.
Quando Musk terminou de mandar e-mails e postar tuítes pelo celular,
uma dúzia de jovens engenheiros entrou na sala de conferências, todos eles,
inclusive Zilis, usando camisetas pretas, como ele sempre fazia. Barenholtz
passou para os colegas uma mostra de hidrogel que parecia os tecidos moles
do córtex cerebral, e mostrou um vídeo de dois porcos do experimento,
chamados Capitão e Tennille, movendo as pernas em resposta a sinais
elétricos. “Precisamos ser capazes de distinguir entre reações a dor e ação
muscular, senão vai ser simplesmente ‘Você pode andar, mas vai sentir uma
dor horrível’”, falou Musk. “Mas isso mostra que não estamos indo contra as
leis da física ao tentar permitir que as pessoas voltem a andar, o que pode ser
superimpressionante, quase uma obra de Jesus.”
Quando Musk perguntou em quais outros milagres eles poderiam mirar,
Barenholtz sugeriu estimulação auditiva e visual, em outras palavras,
permitir que os surdos ouçam e os cegos enxerguem. “O mais simples seria
curar a surdez por meio da estimulação coclear”, comentou ele. “A visão é
superinteressante. Para obter uma visão de alta definição, você precisa de
muitos canais.”
“A gente podia dar visões malucas para as pessoas, sabe?”, acrescentou
Musk. “Quer ver infravermelho? Ultravioleta? Que tal ondas de rádio ou
radar? É, em termos de melhorias, essa é bem bacana.”
Depois, começou a rir: “Eu estava revendo A vida de Brian”, disse,
referindo-se ao filme do grupo Monty Python. Ele falou da cena em que
um morador em situação de rua reclama que depois que Jesus o curou da
lepra, viver de esmolas era difícil: “Eu estava mancando por aí, cuidando da
minha vida, e de repente Ele chega e me cura! Num instante eu era um
leproso que tinha um ganha-pão; em outro, havia perdido tudo. E Ele nem
pediu permissão, só disse ‘Você está curado, meu irmão’. Benfeitor sacana.”
A apresentação
No fim de setembro, Musk voltou a ficar impaciente. Ele vinha forçando
Zilis e Barenholtz a fazer um evento público para exibir o progresso deles,
mas os dois diziam que não estavam prontos. Em uma das sessões semanais
de avaliação de projeto, o semblante dele se fechou. “Se não acelerarmos,
não vamos conseguir grandes coisas antes de morrermos”, alertou. Então,
Musk decretou uma data para a apresentação: quarta-feira, 30 de novembro.
Acabou coincidindo com o dia em que ele visitara Tim Cook na Apple.
Quando Musk chegou naquela noite, havia duzentas cadeiras colocadas à
disposição para a apresentação na unidade da Neuralink em Fremont. Um
dos podcasters favoritos de Musk, Lex Fridman, fora participar do evento,
assim como Justin Roiland, do desenho animado televisivo Rick and Morty.
Os três mosqueteiros, James, Andrew e Ross, não tinham sido convidados,
mas deram um jeito de entrar.
Musk queria que a apresentação mostrasse tanto suas ambições maiores
quanto os objetivos mais imediatos. “Minha maior motivação com a
Neuralink”, disse para a plateia, “é criar um dispositivo geral de entrada e
saída de informações capaz de interagir com todos os aspectos do seu
cérebro”. Em outras palavras, isso seria a fusão mental definitiva entre
humanos e máquinas, o que nos protegeria contra a possibilidade de a
inteligência artificial sair do controle. “Ainda que a IA seja benévola, como
podemos garantir que vamos ser incluídos nisso?”
Então, Musk revelou as novas missões de curto prazo que tinha
estabelecido para a Neuralink. “A primeira é restaurar a visão”, falou. “Ainda
que uma pessoa tenha nascido cega, nós acreditamos que é possível fazer
com que ela enxergue.” Em seguida, ele falou da paraplegia e da tetraplegia.
“Por mais que pareça milagroso, estamos confiantes de que é possível
restaurar a funcionalidade do corpo inteiro para pessoas que tenham sofrido
uma lesão na medula espinhal.” A apresentação durou três horas. Ele ficou
na unidade até a uma da manhã, numa comemoração com os engenheiros, e
comentou que era um descanso bom do “incêndio” no Twitter.
capítulo 90
Twitter Files
Twitter, dezembro de 2022
Uma reportagem que Weiss e sua equipe escreveram com base nos Twitter
Files descrevia o que era conhecido como “filtro de visibilidade”, a prática de
diminuir o acesso a certos tuítes ou usuários reduzindo a exposição nos
primeiros lugares das buscas e impedindo que aparecessem nos trending
topics. Em extremo, essa era uma prática conhecida como shadow banning,
em que os usuários podiam fazer os posts e vê-los, mas eles jamais seriam
informados de que esses tuítes ficavam invisíveis para todos os demais
usuários.
O Twitter não praticava shadow banning no sentido técnico, mas usava
filtros de visibilidade. Em discussões com Yoel Roth, o próprio Musk tinha
adotado a ideia como uma alternativa ao banimento puro e simples de
usuários, e ele tinha elogiado a política semanas antes: “Tuítes negativos/de
ódio terão a visibilidade reduzida e serão desmonetizados; portanto, nada de
anúncios ou de outras receitas no Twitter. Você só vai encontrar esse tuíte se
procurar.”
O problema surgiu quando o filtro de visibilidade foi usado com viés
político. Weiss concluiu que os moderadores do Twitter eram mais
agressivos na supressão de tuítes de direita. “O Twitter mantinha uma lista
secreta, com equipes de funcionários que tinham como tarefa suprimir a
visibilidade de contas ou indivíduos vistos como indesejáveis”, escreveram
Weiss e a equipe dele. Além disso, o Twitter, assim como muitas instituições
de mídia e educação, haviam tornado mais estritas as definições do que era
um discurso aceitável. “As pessoas encarregadas dessas instituições aplicaram
os novos parâmetros, e expandiram as definições de palavras como
‘violência’, ‘dano’ e ‘segurança’.”
A covid era um caso interessante. Em um dos extremos havia
desinformações médicas claramente danosas, como o incentivo a falsas curas
e a práticas que podiam levar à morte de pessoas. Entretanto, Weiss
descobriu que o Twitter estava disposto a suprimir postagens que não se
adequavam aos pronunciamentos oficiais, incluídos assuntos válidos, como a
discussão sobre se as vacinas com base em RNA mensageiro podiam causar
problemas cardíacos, se o uso obrigatório de máscaras funcionava e se o
vírus tinha surgido de um teste de laboratório na China que acabou
vazando.
O Twitter colocou o professor Jay Bhattacharya, de Stanford, por
exemplo, na lista proibida dos Trends, o que significava que a visibilidade
dos posts fora reduzida. Ele tinha organizado um manifesto de alguns
cientistas o qual dizia que o confinamento e o fechamento de escolas
trariam mais prejuízos do que benefícios, um ponto de vista controverso que
depois se verificou ter certa validade. Quando Weiss descobriu como
Bhattacharya foi suprimido, Musk mandou uma mensagem para ele. “Olá.
Você pode vir à sede do Twitter esta semana para que a gente mostre o que
o Twitter 1.0 fez?” Musk, que tinha visões semelhantes sobre o
confinamento durante a covid, e Bhattacharya conversaram por quase uma
hora.
*
Os Twitter Files mostraram uma evolução do jornalismo convencional ao
longo dos últimos cinquenta anos. Durante o Watergate e a guerra no
Vietnã, os jornalistas em geral viam a CIA, as Forças Armadas e as
autoridades governamentais com desconfiança, ou pelo menos com um
saudável ceticismo. A maioria tinha escolhido a profissão inspirada pelo
trabalho de reportagem de David Halberstam e Neil Sheehan sobre o
Vietnã e pelas reportagens de Bob Woodward e Carl Bernstein sobre
Watergate.
Entretanto, a partir dos anos 1990, e ainda mais depois do 11 de
Setembro, jornalistas de carreira se sentiram cada vez mais à vontade para
compartilhar informações com pessoas em altos escalões do governo e em
comunidades de inteligência e para cooperar com eles. A mentalidade foi
replicada nas empresas de mídias sociais, como demonstram todos os
briefings que o Twitter e outras empresas de tecnologia receberam. “Essas
empresas pareciam não ter muita escolha com relação a se tornar parte
fundamental de uma vigilância global e do aparato de controle
informacional”, escreveu Taibbi, “embora os indícios sugiram que os
executivos traiçoeiros em geral estavam bastante dispostos a aderir”. Acho
que a segunda parte da frase dele é mais verdadeira do que a primeira.
Os Twitter Files trouxeram certa transparência ao modo como o Twitter
tinha lidado com a moderação de conteúdo, e mostraram como a tarefa
pode ser difícil. O FBI, por exemplo, avisou ao Twitter que certas contas
que postavam comentários negativos sobre vacinas e sobre a guerra na
Ucrânia estavam sendo alimentadas em segredo por diretores da inteligência
russa. Se fosse realmente o caso, era válido que o Twitter suprimisse essas
contas? Como o próprio Taibbi escreveu: “É um dilema difícil da liberdade
de expressão.”
capítulo 91
Caminhos perigosos
Twitter, dezembro de 2022
@elonjet
Se tem uma coisa que certamente deixa Musk enlouquecido é uma ameaça
ao filho dele de 2 anos, X, seu companheiro de todas as horas e alegre fonte
de energia. Numa noite de quinta-feira em dezembro, em meio ao
escândalo dos Twitter Files, Musk percebeu que essa ameaça tinha ocorrido,
e os ecos dessa situação abalaram as fundações de sua proclamada batalha
pela liberdade de expressão.
Um sujeito que vinha stalkeando Grimes havia muito tempo ficou de
tocaia durante um dia todo na rua onde ficava a casa em que ela e Musk
estavam hospedados na região de Los Angeles, e, em certo momento,
dizem, ele seguiu um carro dirigido por um dos integrantes da segurança de
Musk, que levava X e a babá para um hotel ali perto. O segurança parou em
um posto de gasolina, confrontou o motorista e fez um vídeo dele trajado
como ninja, com luvas e máscara. O sujeito ou pulou sobre o capô do carro
ou tentou subir nele quando foi encurralado (os detalhes não são claros), e,
quando a polícia chegou, não prendeu ninguém. Por meio do vídeo que
Musk postou, o e Washington Post rastreou o sujeito, que disse ao jornal
acreditar que Grimes estava mandando mensagens cifradas para ele em seus
posts no Instagram. Musk tuitou: “Ontem à noite, um carro levando o
pequeno X em LA foi seguido por um stalker maluco (achando que era eu),
que depois bloqueou o carro impedindo a passagem e subiu no capô.”
Musk achava que o stalker tinha conseguido encontrar o lugar onde ele e
Grimes estavam hospedados por causa de uma conta no Twitter chamada
@elonjet, alimentada por um aluno chamado Jack Sweeney, que postava em
tempo real decolagens e aterrissagens do jato de Musk, com base em
informações públicas de voos. A conexão era obscura: Musk tinha pousado
em Los Angeles um dia antes, mas Grimes disse que foi aí que ela começou
a perceber o carro montando tocaia do lado de fora.
Havia muito tempo que Musk andava irritado com a conta @elonjet, que
ele considerava uma invasão de privacidade e algo que o colocava em risco.
Em abril, quando estava pensando em comprar o Twitter, ele discutiu a
situação em um jantar com amigos e a família em Austin, e tanto Grimes
quanto a mãe dele defenderam de modo enfático que ele devia banir a
conta. Musk concordou, mas não fez isso quando assumiu o Twitter. “Meu
compromisso com a liberdade de expressão se estende inclusive a não banir
a conta que segue o meu avião, embora isso seja um risco de segurança
pessoal”, tuitou no início de novembro.
Isso impressionou Bari Weiss, mas, quando estava montando seu
primeiro fio do Twitter Files, ela descobriu que Musk tinha feito com
@elonjet aquilo que o antigo regime do Twitter fizera com parte da extrema
direita: @elonjet estava passando por um rigoroso “filtro de visibilidade”
para que não aparecesse nas buscas. Ela ficou decepcionada, pois parecia
hipocrisia. Então, depois do incidente que envolveu X, Musk tomou a
decisão unilateral de suspender @elonjet de uma vez. Ele justificou a ação
dizendo que o Twitter passara a ter uma regra contra apontar a localização
de pessoas.
Pior ainda, especialmente do ponto de vista de tornar o site um porto
seguro para a liberdade de expressão, Musk suspendeu arbitrariamente um
punhado de jornalistas que escreveram sobre o que ele havia feito com
@elonjet. A justificativa que dera foi a de que as reportagens tinham feito
links para a conta @elonjet e, desse modo, também estavam alavancando a
exposição dela, mas na verdade a conta @elonjet não estava disponível e os
links só levavam a uma página que dizia “Conta suspensa”. Por isso, parecia
que Musk tinha agido em parte por ressentimento, em retaliação a
jornalistas cujas matérias eram críticas a ele — nesse grupo estavam Ryan
Mac, do e New York Times, Drew Harwell e Taylor Lorenz, do e
Washington Post, e pelo menos outros oito.
Weiss, que continuava trabalhando no bunker para produzir mais
reportagens sobre os Twitter Files, se encontrou numa situação difícil. “Ele
estava fazendo exatamente as coisas que dizia desprezar nos antigos donos
do Twitter”, afirma ela. “Algumas pessoas que ele estava expulsando eram
meus maiores algozes no Twitter. Eu não gosto nem um pouco de algumas
dessas pessoas. Mas a minha impressão era a de que ele estava traindo as
coisas que dizia querer para o Twitter: que a rede fosse uma praça pública
sem qualquer viés. E, de um ponto de vista puramente estratégico, ele estava
transformando um bando de cretinos em mártires.”
Weiss mandou uma mensagem privada para Musk no Signal: “Ei, o que
está acontecendo aqui?”
“Eles violaram a minha privacidade e revelaram a localização do meu
avião”, respondeu ele. “Eles atacaram meu filho.”
Weiss discutiu o assunto com alguns dos outros jornalistas no bunker,
mas em última instância ela era a única que estava disposta a falar do
assunto. “Não tem como você ser jornalista e ver jornalistas serem expulsos
do Twitter e não dizer nada”, comenta ela. “Eu ainda me importo com
princípios.” Ela sabia que isso podia significar perder acesso para continuar
as reportagens sobre os Twitter Files. E, como disse brincando para Nellie
Bowles: “Acho que o Elon nunca vai doar esperma para a gente depois
disso.”
“O antigo regime do Twitter era orientado por seus próprios caprichos e
vieses, e sem dúvida parece que o novo regime sofre do mesmo problema”,
tuitou Weiss na manhã de 16 de dezembro, um dia depois de os jornalistas
serem expulsos. “Eu me oponho em ambos os casos.”
“Em vez de ir atrás da verdade com rigor”, respondeu Musk via Twitter,
“você está fingindo ser virtuosa para mostrar à elite da imprensa que é
‘boazinha’, para manter um pé em cada barco”. Depois disso, ele restringiu o
acesso dela aos Twitter Files.
Twitter Spaces
“Isso é loucura”, disse por mensagem Jason Calacanis a David Sacks sobre a
decisão de Musk de suspender jornalistas. “Isso vai arruinar a atenção dada
aos Twitter Files. A gente tem que reverter isso.” Por isso, os dois enviaram
mensagens a Musk. “Você tem que deixar esse pessoal voltar.” Musk foi
evasivo.
Em meio às trocas de mensagens, Calacanis percebeu que no Twitter
Spaces, o lugar em que os usuários podem organizar discussões em áudio,
muitas pessoas estavam falando sobre o assunto. Dois dos jornalistas
suspensos, Drew Harwell, do Post, e Matt Binder, do Mashable, estavam
participando. Embora estivessem proibidos de postar, o software do Twitter
não tinha impedido que eles participassem da conversa em áudio, contou
Calacanis a Musk, que surpreendeu os participantes ao ir ao Spaces (onde
falou em tom muito defensivo e ríspido) e entrar na conversa. A história
logo se espalhou, e em questão de minutos havia 30 mil usuários ouvindo.
Quando a organizadora, a repórter do BuzzFeed News Katie Notopoulos,
pediu que Musk explicasse as suspensões, ele disse que o motivo eram os
links para páginas que o haviam exposto. “Você está sugerindo que nós
dissemos a sua localização, e isso não é verdade”, disse Harwell. “Eu nunca
postei seu endereço.”
“Você postou um link para o endereço”, respondeu Musk.
“Nós postamos links para @elonjet, que não está mais on-line”, disse
Harwell. Ele acusou Musk de “usar exatamente a mesma técnica de
bloqueio de links que tinha criticado como parte da reportagem do New
York Post sobre Hunter Biden”.
Musk se irritou e desapareceu da sessão. Minutos depois, o Twitter
abruptamente encerrou a conversa. Na verdade, o Spaces foi fechado por um
dia para tornar impossível que usuários suspensos participassem das
conversas. “Estamos consertando um bug que herdamos”, tuitou Musk
sobre o fechamento do Spaces. “Deve estar funcionando amanhã.”
Musk logo percebeu que tinha ido longe demais, e procurou um modo de
reverter as próprias ordens. Ele postou uma enquete em que perguntava aos
usuários se jornalistas barrados do Twitter deviam ter as contas restauradas.
Mais de 58% dos 3,6 milhões de votos disseram que sim. As contas foram
reintegradas.
Processe/Fauci
À medida que a controvérsia se desenrolava, Musk se alternava entre a
irritação e o modo brincalhão. Numa noite, sentado na sala de conferências
do bunker com Weiss, parte dos colegas dela e James, ele começou a brincar
com a prática das pessoas de postar seus pronomes. Alguém brincou que os
de Musk deviam ser “Processe/Fauci”. Houve uns poucos risos nervosos —
Weiss admite que não queria desafiar Musk naquele momento —, e Musk
começou a rir. Ele repetiu a piada três vezes. Então, lá pelas três da manhã,
tuitou por impulso: “Meus pronomes são Processe/Fauci.” Não fazia muito
sentido, não era engraçado, e conseguiu, com apenas cinco palavras, tirar
sarro de pessoas trans, conjurar conspirações sobre uma autoridade da área
de saúde pública que tinha 81 anos, Anthony Fauci, assustar mais
anunciantes e criar mais um punhado de novos inimigos que jamais iriam
comprar Teslas.
O irmão dele esteve entre os que se sentiram ultrajados. “Que merda é
essa, cara, você está falando de um senhorzinho que só estava tentando
descobrir o que fazer durante a covid”, disse Kimbal a ele. “Isso não é legal.”
Até Jay Bhattacharya, o professor de Stanford cujas críticas às políticas de
Fauci o levaram a ser filtrado pelo Twitter, criticou a postagem: “Acho que
Fauci cometeu erros graves. Mas acho que o certo não é um processo contra
ele, e sim que ele entre para a posteridade por ter cometido esses erros.”
O tuíte sobre Fauci não era um mero exemplo em que Musk estava
expressando sentimentos antiwoke e ligados à direita. Em certos momentos,
ele parecia estar à beira de caminhos perigosos que levavam a teorias da
conspiração, as quais envolvem forças sinistras que agem na elite global. Era
o labo B das especulações espirituosas dele sobre estarmos, na verdade,
vivendo em uma simulação. Quando estava em seus humores mais
sombrios, ele imaginava que por trás de nossa realidade havia forças
conspiratórias nefastas, como em Matrix. Ele retuitou comentários de
Robert Kennedy Jr., por exemplo, um ardoroso crítico das vacinas, o qual
alegava que a CIA tinha assassinado o tio dele, o presidente. Depois do
tuíte de Musk sobre Fauci, Kennedy postou: “Fauci comprou a omertà dos
virologistas globalmente com um total de 37 bilhões de dólares de
pagamentos anuais em verbas para pesquisas. Com o responsável por fazer
os pagamentos fora de cena, as ortodoxias irão se desfazer.”
“Precisamente”, respondeu Musk. Ele posteriormente seria anfitrião de
um Twitter Spaces com Kennedy quando ele decidiu concorrer à presidência
contra Biden.
Como sempre, havia ecos incômodos do pai dele. Errol vinha falando de
teorias da conspiração sobre a covid havia mais de dois anos. “Esse cara
precisa ser demitido!”, disse ele sobre Fauci no Facebook em abril de 2020.
Naquele mesmo ano, alegou que Bill Gates soube da covid seis meses antes
de o vírus se espalhar, e negociou um contrato de 100 bilhões de dólares
para rastrear a epidemia. Em 2021, ele se tornou um negacionista completo
das vacinas contra a covid, da derrota de Trump nas eleições e dos ataques
terroristas do 11 de Setembro. “Por todas as informações a que estamos
tendo acesso, parece que os ataques do 11 de Setembro foram uma armação,
e as provas são muito contundentes”, alegou ele. Poucas semanas antes de
Elon dar início aos Twitter Files, Errol postou um ataque no Facebook em
que dizia que a covid era “uma mentira”. Ele disse sobre as vacinas: “Se você
é burro o bastante para tomar a injeção, e especialmente os reforços, você vai
morrer em breve.”
Depois que os Twitter Files foram publicados, Errol mandou para o filho
mais uma mensagem não solicitada: “A Esquerda (ou gângsteres) precisa ser
detida. A civilização corre risco.” A eleição tinha sido roubada de Trump, e
era “essencial” deixar que ele voltasse ao Twitter. “Ele é nosso único raio de
luz.” Ele então aconselhou o filho a se lembrar da lição que ele aprendera na
infância nos parquinhos da África do Sul. “Tentar apaziguar os bandidos é
inútil. Quanto mais você tenta, menos eles têm medo de você ou te
respeitam. Bata com força neles, ou bata com força em qualquer um, e eles
vão te respeitar.”
Elon nunca viu as mensagens. Numa tentativa de expurgar os demônios
do pai, ele tinha mudado o endereço de e-mail, e nunca deu o novo para
Errol.
Queda
Quando Yoel Roth pediu demissão do Twitter, em novembro, tinha como
maior preocupação a possibilidade de que Musk jogasse contra ele uma
turba de usuários do Twitter que pudessem lhe colocar em risco a segurança.
No começo, parecia ter sido poupado. Depois, porém, quando os e-mails e
as mensagens de Slack foram divulgadas nos Twitter Files em dezembro,
Musk mirou em Roth seu lança-chamas.
Os Twitter Files mostraram Roth discutindo como lidar com questões
como a história do laptop de Hunter Biden. A maioria dos comentários dele
era bem pensada, mas isso não impediu que houvesse reações furiosas no
Twitter. A certa altura, um usuário postou uma mensagem que dizia: “Acho
que posso ter encontrado o problema.” A mensagem apontava para um post
que Roth fez em 2010 que continha um link, sem nenhum comentário, para
um artigo de jornal que perguntava se era errado que um professor fizesse
sexo com um aluno de 18 anos de idade. “Isso explica muita coisa”,
respondeu Musk. A partir daí, Musk assumiu o comando do ataque. Ele
tuitou uma imagem que exibia um parágrafo da tese de doutorado de Roth
na Universidade da Pensilvânia, intitulada “Dados sobre gays”, que falava
sobre modos como sites de encontros para gays, como o Grindr, podiam
lidar com usuários menores de 18 anos de idade. Musk comentou: “Parece
que o Yoel está defendendo que crianças possam ter acesso a serviços de
internet para adultos.”
Roth não tinha nada a ver com pedofilia, mas as insinuações de Musk
levaram ao surgimento de conspiradores no estilo Pizzagate, que ficavam
nos cantos escuros do Twitter disparando uma onda de ataques
homofóbicos e antissemitas. Em seguida, um tabloide publicou o endereço
de Roth, o que o levou a se esconder. “Musk tomou a decisão de
compartilhar uma alegação difamatória de que eu apoio a pedofilia ou sou
conivente com ela”, declararia Roth posteriormente. “Precisei sair da minha
casa e vendê-la. Essas são as consequências desse tipo de assédio e de
discurso na internet.”
*
No domingo em que Musk causou ultraje com o tuíte sobre Fauci, ele
apareceu no bunker no Twitter e ofereceu aos mosqueteiros e a outras
pessoas ingressos para um show de comédia de Dave Chapelle naquela
noite. Até mesmo em um show de um comediante notoriamente antiwoke,
ficou evidente que os tuítes de Musk lhe acrescentaram uma nova camada
de dano à reputação. “Senhoras e senhores, uma salva de palmas para o
homem mais rico do mundo”, disse Chapelle ao convidar Musk para o
palco. Houve aplausos, mas também um coro de vaias. “Parece que tem
gente que você demitiu na plateia”, falou Chapelle. Para tranquilizar Musk,
ele brincou ao dizer que as vaias eram principalmente de gente que tinha
ficado em “lugares horríveis no teatro”.
Os tuítes erráticos de Musk prejudicaram ainda mais a relação do Twitter
com os anunciantes. Ele pediu uma conversa com David Zaslav, o CEO da
Warner Bros. Discovery, e eles conversaram por mais de uma hora. Zaslav
disse que Musk estava agindo de modo autodestrutivo, o que tornava difícil
atrair novas marcas. Ele devia se concentrar em melhorar o produto
acrescentando a possibilidade de postar vídeos mais longos e fazendo com
que os anúncios fossem mais eficientes.
Essa situação chegou inclusive a afetar a Tesla. As ações da empresa
tinham caído para 156 dólares, sendo que estavam em 340 dólares quando
ele anunciou pela primeira vez seu interesse no Twitter. Na reunião em
Austin em 14 de dezembro, o conselho da Tesla, normalmente muito
solícito, disse a Musk que as controvérsias do Twitter estavam prejudicando
a marca da Tesla. Musk respondeu dizendo que os números de vendas iam
mal no mundo todo, inclusive nos lugares em que as pessoas não estavam
prestando atenção às controvérsias, e isso se devia principalmente a fatores
macroeconômicos. Contudo, tanto Kimbal quanto o presidente do conselho,
Robyn Denholm, continuaram pressionando, dizendo que o
comportamento dele era um fator. “O elefante gigantesco na sala era ele
agindo como um idiota”, afirma Kimbal.
capítulo 92
Travessuras natalinas
Dezembro de 2022
Será que a ousadia e a insolência que movem Musk a tentar façanhas épicas
justificam o mau comportamento, a indiferença, a imprudência dele? As
vezes que ele age como um cretino? A resposta é não, óbvio que não. É
possível admirar as boas qualidades de uma pessoa e lamentar as más.
Contudo, também é importante compreender como os fios estão
entrelaçados, às vezes de maneira que se torna impossível separá-los. Pode
ser difícil retirar as características ruins sem desfazer a trama toda. Como
Shakespeare nos ensina, todo herói tem falhas, algumas trágicas, algumas
conquistadas, e aqueles que vemos como vilões podem ser figuras
complexas. Mesmo as melhores pessoas, escreveu ele, são “moldadas por
suas faltas”.
Durante a semana do lançamento, Antonio Gracias e outros amigos
falaram com Musk sobre a necessidade de ele conter os ímpetos e os
instintos destrutivos. Para que de fato liderasse uma nova era de exploração
espacial, disseram, Musk precisava ser mais nobre, pairar acima das
discussões políticas. Eles lembraram a ocasião em que Gracias trancou o
celular de Musk num cofre de hotel a noite toda e digitou a senha, de modo
que Musk não tivesse como retirá-lo de lá para tuitar de madrugada —
Musk acordou às três da manhã e chamou a segurança do hotel para abrir o
cofre. Depois do lançamento, ele demonstrou um toque de autoconsciência.
“Atirei tantas vezes no meu pé que eu devia comprar botas Kevlar”, brincou
Musk. Talvez, cogitou ele, o Twitter devesse ter um botão de delay para
controlar os impulsos.
Era um conceito agradável: um botão de controle de impulsos que
pudesse desarmar os tuítes de Musk e também todas as ações impulsivas
negativas e as eclosões do lado demoníaco dele que deixam um rastro de
destroços. Entretanto, será que um Musk cheio de limites conseguiria fazer
o mesmo que um Musk sem freios? Será que a ausência de filtros e
restrições eram parte essencial de quem ele é? Teria como colocar foguetes
em órbita ou fazer a transição para veículos elétricos sem aceitar todos os
aspectos de Musk, estivessem eles atrelados um ao outro ou não? Às vezes,
grandes inovadores são homens com jeito de criança, que gostam de correr
riscos e resistem ao peniquinho. Eles podem ser imprudentes, causar
vergonha alheia e até mesmo ser tóxicos. Podem ser loucos também. Loucos
o suficiente para achar que podem mudar o mundo.
Elon Musk permitiu que eu o seguisse por dois anos, me convidou para
participar de reuniões, concedeu dezenas de entrevistas e conversas tarde da
noite, me forneceu e-mails e mensagens de celular e incentivou os colegas, a
família, adversários e ex-esposas a falar comigo. Ele não me pediu para ler,
nem leu, o livro antes de ser publicado e não exerceu nenhum tipo de
controle sobre a obra.
Sou grato a todas as pessoas citadas nas fontes que me concederam
entrevistas. Gostaria de destacar algumas que me ajudaram em especial,
cederam fotos e me direcionaram: Maye Musk, Errol Musk, Kimbal Musk,
Justine Musk, Claire Boucher (Grimes), Talulah Riley, Shivon Zilis, Sam
Teller, Omead Afshar, James Musk, Andrew Musk, Ross Nordeen, Dhaval
Shroff, Bill Riley, Mark Juncosa, Kiko Dontchev, Jehn Balajadia, Lars
Moravy, Franz von Holzhausen, Jared Birchall e Antonio Gracias.
Crary Pullen foi a intrépida editora de fotografia, papel que já exerceu
em muitos dos meus livros anteriores. Todos foram publicados pela Simon
& Schuster, que terá para sempre minha lealdade, por seus valores e pela
grande equipe: Priscilla Painton, Jonathan Karp, Hana Park, Stephen
Bedford, Julia Prosser, Marie Florio, Jackie Seow, Lisa Rivlin, Kris Doyle,
Jonathan Evans, Amanda Mulholland, Irene Kheradi, Paul Dippolito, Beth
Maglione e o espírito sempre presente da falecida Alice Mayhew. Judith
Hoover, mesmo aposentada, atendeu a meu pedido para mais uma vez fazer
o copidesque. Quero também agradecer à minha agente, Amanda Urban,
assim como a suas colegas internacionais Helen Manders e Peppa Mignone,
e à minha assistente em Tulane, Lindsey Billips.
E, como sempre, a Cathy e Betsy.
fontes
entrevistas
Prólogo: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal Musk, Errol Musk,
Maye Musk, Tosca Musk, Justine Musk, Talulah Riley, Claire Boucher
(Grimes), Peter iel. Tom Junod, “Triumph of His Will”, Esquire,
dezembro de 2012 (inclui a piada sobre não ter umbigo).
Capítulo 81 — “Vocês vão ter que aceitar”: Entrevistas do autor com Elon
Musk, Parag Agrawal, David Sacks, Ben San Souci, Yoni Ramon, Esther
Crawford, Leslie Berland.