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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO CAMPUS

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

Resistência anarquista no governo Vargas (1932-1935): entre a experiência corporativista no


mundo do trabalho e o projeto libertário

Orientadora: Dra. Edilene Teresinha Toledo

Guarulhos
2022
MAIARA PUK GÓES DA SILVA

Resistência anarquista no governo Vargas (1932-1935): entre a experiência corporativista no


mundo do trabalho e o projeto libertário

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à UNIFESP -


Universidade Federal de São Paulo, como requisito parcial para a
obtenção do grau em Licenciado em História. Orientadora: Profa.
Dra. Edilene Teresinha Toledo.

Guarulhos
2022

1
Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos autorais no
9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório Institucional da
UNIFESP ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer ressarcimento dos direitos
autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico para fins de divulgação
intelectual, desde que citada a fonte.

SILVA, Maiara Puk Góes da.

Resistência anarquista no governo Vargas (1932-1935): entre a experiência corporativista


no mundo do trabalho e o projeto libertário.

Guarulhos, 2022.

229 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação em História/Licenciatura) -


Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, 2022.

Orientadora: Dra. Edilene Teresinha Toledo

1. Trabalho 2. Sindicato 3. Leis trabalhistas 4. Anarquismo 5. Corporativismo

2
“O caminho se faz ao caminhar”
Antônio Machado

3
MAIARA PUK GÓES DA SILVA

Resistência anarquista no governo Vargas (1932-1935): entre a experiência corporativista no


mundo do trabalho e o projeto libertário

Aprovado em: ____/____/_____

________________________________________________________

Profa. Dra. Edilene Teresinha Toledo


Universidade Federal de São Paulo

________________________________________________________

Prof. Dr. Denilson Botelho de Deus


Universidade Federal de São Paulo

________________________________________________________

Prof. Dr. Luigi Biondi


Universidade Federal de São Paulo

4
DEDICATÓRIA

Ao meu bisavô, Francisco Puk, incentivador dos meus estudos e inspiração


para a realização dessa pesquisa a partir da sua história como trabalhador.
Hoje me guia em outro plano. E à minha avó, Márcia Puk, sua filha, grande
professora e que se foi há muitos anos, mas suas lembranças e
ensinamentos sempre estiveram presentes em minha trajetória. Ambos
reforçaram ao longo de suas vidas a importância de estudar e da educação.

5
Agradecimentos

A produção deste Trabalho de Conclusão de Curso ocorreu durante a pandemia, entre


2020 e 2021, e corresponde aos resultados obtidos com a realização de uma Iniciação Científica,
financiada pelo CNPq. Foi um longo período de reclusão em casa, que me afastou do cotidiano
universitário e da pesquisa nesse ambiente, dos professores, amigos e de todos aqueles que
compõem a Unifesp, mas possibilitou um maior contato com a minha família. Gostaria de
começar agradecendo-os.
Agradeço primeiramente ao meu avô Flázio por ter sido o responsável financeiramente
pela viabilidade dos meus estudos longe de casa. Além desse crucial apoio, sempre esteve
preocupado comigo e com a minha formação, por essa razão se fez presente também
afetivamente durante toda a minha vida.
Agradeço mais do que tudo à minha irmã, Izabela, por estar literalmente ao meu lado
ao longo de todo esse processo, por me apoiar e me amparar em todas as diversas vezes em que
precisei. Definitivamente sem ela, sem sua companhia e ajuda, eu não conseguiria. Agradeço à
minha mãe, Sibele, por formar quem eu sou, ainda que com todas as dificuldades enfrentadas.
Crescer com sua sensibilidade e empatia me fizeram uma pessoa melhor e acredito também que
uma historiadora melhor. Seu zelo durante todo meu período escolar e na graduação foram os
responsáveis por eu estar aqui, pois, junto a minha irmã, são as duas pessoas que mais acreditam
no meu potencial. Agradeço ao meu pai por ter empenhado sua vida como trabalhador de fábrica
para poder proporcionar o possível a mim e a minha irmã.
Não poderia deixar de agradecer também aos meus tios, Edilaine e Luiz, e ao meu primo
Lucas por incentivarem meus estudos durante todas as etapas e vibrarem muito com a minha
aprovação na universidade. Por fim, agradeço ao meu companheiro João, que esteve comigo
mesmo de longe ao longo desses 4 anos e meio, sua presença foi muito importante para meus
momentos de calmaria frente às dificuldades da graduação.
Falando em companheirismo, gostaria de agradecer aos meus amigos que estiveram
comigo e que também foram fundamentais para tornar esse processo mais leve e especial.
Foram trocas que corroboraram em minha formação, mas também proporcionaram
aprendizados para além da vida acadêmica. Meus agradecimentos vão especialmente para:
Isabella Covre, com quem dividi minha moradia em Guarulhos durante todo esse tempo e por
isso se tornou uma irmã pela grande conexão que estabelecemos; Bruna Pilon, uma das minhas
primeiras amigas e uma grande companheira com quem também morei; Marcela Testai e
6
Daniele Somensari, ambas muito importantes e responsáveis por parte das lembranças mais
alegres desse período; e Bruno Maslin, um grande amigo para todos os momentos.
Por fim, mas não menos importante, gostaria de agradecer a toda Universidade e a todos
seus integrantes, especialmente aos professores com os quais tive contato: os responsáveis pela
historiadora e professora que me tornei. Um grandíssimo obrigada à professora Edilene, por
todos os seus ensinamentos, pela sensibilidade e empatia durante as orientações. Seus
incentivos foram cruciais para me manter firme na pesquisa, já que sempre acreditou e validou
meu potencial. A pesquisa ao longo da pandemia foi menos solitária por conta das várias
chamadas de vídeo feitas entre nós.
Gostaria também de agradecer ao professor Denilson Botelho, não só por estar em
minha banca, como também por todos os ensinamentos ao longo da graduação e pelo período
quando foi meu co-tutor no PET. Aliás, esse programa e as pessoas que conheci foram
fundamentais para a minha formação e por isso agradeço também ao professor Jaime Rodrigues,
meu tutor na época. Ambos sempre foram muito gentis e solícitos. Desse período, levo
ensinamentos e saberes práticos do ofício do historiador.
Agradeço também ao professor Luigi Biondi por aceitar avaliar meu trabalho de
conclusão de curso e por ter participado da minha formação. Finalizo meus agradecimentos às
professoras Maria Luiza de Oliveira e Maria Rita Toledo, ao Centro de Memória e Pesquisa
Histórica da Unifesp e às colegas dessa monitoria. Minha última experiência na graduação foi
neste local e com ambas professoras, fechando minha formação com chave de ouro!

7
RESUMO

Esta pesquisa teve como finalidade analisar os exemplares (no: 01 ao 07 e do 30 ao 91)


do periódico libertário A Plebe, publicados entre 1932 e 1935. Esses anos correspondem à parte
do governo provisório e parte do governo constitucional de Getúlio Vargas, quando a questão
social teve maior enfoque (se comparado ao período anterior) e algumas das leis trabalhistas
foram gestadas. Contudo, elas foram embasadas em uma política corporativista que propunha
a intervenção do Estado na relação entre capital e trabalho, indo de encontro à ideologia
libertária que defendia a total autonomia para resolução de conflitos e a conquista de direitos,
por meio da atuação no sindicalismo revolucionário. Assim, o objetivo geral foi compreender
a experiência dos trabalhadores de tendência anarquista em relação ao estabelecimento das
políticas trabalhistas, com ênfase na lei de sindicalização. Buscou-se entender a repercussão de
tais mudanças sobre os militantes e trabalhadores, além da forma como estes se posicionaram
tanto a elas quanto ao governo federal (mais especificamente a Vargas). Ademais, houve
preocupação em verificar se a organização libertária e a luta em prol ao sindicalismo
revolucionário conseguiram se manter de alguma forma mesmo diante aos ataques, ainda que
indiretos, ao sindicalismo independente e com a crescente repressão policial sobre os
trabalhadores, sindicatos e ao próprio jornal. Essa repressão foi interpretada como uma
despreocupação aos direitos políticos e civis, apesar do inicial avanço nos direitos sociais com
a instituição de órgãos responsáveis para o trato da questão trabalhista. O intuito foi dar
visibilidade a uma parte da população, mais especificamente aos trabalhadores anarquistas que
simbolizaram resistência na década de 30 frente à deslegitimação das formas organizativas da
classe operária.

Palavras-chave: Trabalho; Sindicato; Leis trabalhistas; Anarquismo; Corporativismo;


Revolução Social; Getúlio Vargas.

8
ABSTRACT

This research aimed to analyze the copies (numbers: 01 to 07 and 30 to 91) of the
libertarian periodical A Plebe, published between 1932 and 1935. These years correspond to
part of the provisional government and part of the constitutional government of Getúlio Vargas,
when the social issue was more focus (compared to the previous period) and some of the labor
laws were created. However, they were based on a corporatist policy that aimed for the state
intervention in the relationship between capital and work, going against the libertarian ideology
that defended total autonomy for conflict resolution and the conquest of rights, through action
in the revolutionary syndicalism. Thus, the general objective was to understand the experience
of those workers with an anarchist tendency concerning to the establishment of labor policies,
with emphasis on the unionization law. We sought to understand the repercussions of such
changes on the militants and the workers, as well as the way in which they positioned
themselves about the changes and the federal government (more specifically to Vargas).
Furthermore, it was a concern to verify if the libertarian organization and the struggle in favor
of revolutionary syndicalism managed to maintain itself in some way even in the face of attacks,
even though they were indirect, against independent syndicalism and with the growing police
repression on workers, unions and the periodical. This repression was interpreted as a lack of
concern for political and civil rights, despite the initial advance in social rights with the
institution of agencies responsible for dealing with the labor issue. The aim was to give visibility
to a part of the population, more specifically to anarchist workers who symbolized resistance
in the 1930s against the delegitimization of the organizational forms of the working class.

Keywords: Labor; Syndicate; Work laws; Anarchism; corporatism; social revolution; Getúlio
Vargas.

SUMÁRIO
9
Introdução 11

1. Os anarquistas e seus princípios 19

1.1 Um jornal libertário 29

2. A Experiência libertária na década de 30 43

2.1 A legislação trabalhista e a instabilidade do governo de Vargas 43

2.2 A experiência libertária frente à lei de sindicalização 57

2.3 Um sindicato a ser seguido 59

2.4 A experiência com a nova lei de sindicalização e as percepções sobre o governo 63

3. Corporativismo e a impossibilidade de harmonia entre as classes 108

3.1 A experiência corporativista brasileira na historiografia 116

4. A sindicalização por parte de outros grupos da esquerda 126

6. A resistência anarquista nos primeiros anos da década de 30 139

6.1 O princípio da ação direta: a única forma para a emancipação 140

6.2 Resistir por meio do incentivo discursivo e prático da ação direta 143

6.3 A aplicação da ação direta em prol o cumprimento dos direitos trabalhistas 154

7. Outras formas de resistir à nova organização corporativista 170

7.1 Realização de um Congresso Operário 170

7.2 Uma Resistência ampla 171

7.2.1 Propagandas libertárias 173

7.2.2 O descontentamento dos sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho 185

7.2.3 Precarização da vida do trabalhador 192

7.2.4 Projeto libertário como solução 194

8. A repressão constante sobre os indesejáveis e a busca pela liberdade 195

8.1 A repressão pela ótica e vivenciada por A Plebe 197

Considerações finais 215

10
Introdução
Em outubro de 1930, foi realizado um “movimento revolucionário” por parte de uma
coligação partidária oposicionista à política que caracterizava a Primeira República, a Aliança
Liberal. O golpe foi dado em um momento de grande instabilidade política e econômica,
resultado do crescimento dos movimentos sociais e políticos, e das consequências geradas pela
quebra da Bolsa em 1929, fortalecendo as correntes antiliberais e autoritárias 1.
Os governos entre 1889 a 1930 tinham como características o federalismo, o liberalismo
e o rodízio no poder das oligarquias mais fortes do país, com São Paulo à frente. As eleições
eram fraudadas, a política era muito excludente, não havia uma legislação de proteção aos
trabalhadores e as conquistas dos movimentos operários muitas vezes eram efêmeras, o que os
obrigava a realizar lutas constantes pela ação direta, corroborando para que o movimento
anarquista ganhasse adeptos e fosse a corrente mais influente, pois alguns de seus princípios
mais importantes eram a defesa das ações autônomas, sem interventores, isto é, diretas, e a
oposição à política institucional. Parte dos trabalhadores participou dos comícios da Aliança
Liberal e se entusiasmaram com as promessas de mudanças em relação à questão social. Assim,
Getúlio Vargas, através de um golpe, assumiu em novembro a chefia de um suposto governo
provisório, que se estendeu a um governo Constitucional (1934-1937) e à ditadura do Estado
Novo (1937-1945).
Esse primeiro governo corresponde aos anos de indefinição ou incertezas, as quais se
prolongam até 1937, de acordo com as autoras Dulce Pandolfi e Maria Helena Capelato, uma
vez que existiam vários projetos e, portanto, várias possibilidades, tornando o governo instável
2
. Tal instabilidade advinha também da heterogeneidade da Aliança Liberal, uma junção,
basicamente, de oligarcas dissidentes e de tenentes. Assim, enquanto uns defendiam a
manutenção de um Estado liberal descentralizado e com pouca intervenção nas áreas
econômica, social e política, o outro era favorável a um modelo de Estado forte e
intervencionista, mas esses não eram os únicos projetos em disputa. Essa indefinição levou
outros grupos a acharem que seus projetos seriam efetivados, gerando grande efervescência
política. Dentre eles estavam as correntes de esquerda, como os anarquistas, defensores da
Revolução Social.

1
CAPELATO, Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília
de Almeida Neves. O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. (O
Brasil Republicano, v.2). RJ: Ed. Civ. Brasileira, 2003.
2
Ibidem.
11
Inicialmente, Vargas fechou o Congresso, as assembleias estaduais e municipais, além
de depor os governadores e suspender a Constituição de 18913. Assim, durante esse primeiro
momento, Getúlio optou por uma política centralizadora, com a diminuição da autonomia dos
estados em paralelo ao aumento de seu intervencionismo frente às questões do país, logo, uma
centralização política que favoreceu a ala tenentista, defensora do projeto corporativista. Ou
seja, apesar do embate de projetos, o “arcabouço institucional de cunho autoritário e
corporativista”, como denomina Angela Araújo, estava sendo formado 4. Na área social, assim
como nas demais, também exerceu uma política intervencionista a partir da criação de
“mecanismos institucionais para o enfrentamento dos conflitos de trabalho” 5, como o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, ainda em 1930, e a lei de sindicalização, em
1931. Ao mesmo tempo, entre 1931 e 1934, durante a parte final da administração de Lindolfo
Collor e a administração de Salgado Filho (ministros do trabalho), promulgou uma série de
decretos e leis de proteção ao trabalhador, direcionando seu foco para a área trabalhista, para a
previdência social e para a questão sindical, de acordo com José Murilo de Carvalho 6:
estabeleceu as 8 horas de trabalho; regulamentou o trabalho das mulheres e dos menores; adotou
a lei de férias; instituiu a carteira de trabalho (vista como um documento de identidade do
trabalhador), o direito a pensões e a aposentadorias etc. 7
A atenção dada às reivindicações dos trabalhadores foi importante, pois era um dos
assuntos mais relevantes, motivo de diversos conflitos entre os governantes e a população e
entre essa e os empregadores, durante a Primeira República. Anteriormente, por mais que
tivessem certa autonomia para se organizarem, sofriam muita repressão e seus direitos eram

3
PANDOLFI, Dulce. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de
Almeida Neves. O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. (O Brasil
Republicano, v.2). RJ: Ed. Civ. Brasileira, 2003.
4
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos 30,
Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 36.
5
Como as Comissões e Juntas de Conciliação, Convenções Coletivas de Trabalho. In: GOMES, Angela de Castro.
Burguesia e Trabalho. Política e Legislação Social no Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro: Campus, 1979, p. 226.
6
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. – 23º ed. – Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2017, p. 116.
7
PANDOLFI, Dulce. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de
Almeida Neves. O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. (O Brasil
Republicano, v.2). RJ: Ed. Civ. Brasileira, 2003. Muitos desses pontos foram defendidos pelos tenentes, pois esses
defendiam a existência de uma legislação que regulasse as condições do trabalho e cercasse o trabalhador de todas
as suas garantias. No pós-30, lançaram um documento que antecipou as iniciativas da legislação trabalhista
promulgada no governo provisório, isto porque, de acordo com suas concepções, a criação da legislação pelo
Estado era fundamental para o equilíbrio e a harmonia entre as classes: base para a construção da nação. In:
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos 30,
Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 73.
12
pouco ou quase nada assegurados 8. Assim, apesar de existir alguma preocupação com essa
questão, como quando foi instituído o Código do Trabalho após a Greve Geral de junho de 1917
(primeira interferência do Estado na relação entre empresa e sindicato) 9, e, portanto, de acordo
com Maria D’Araújo o trato da questão social não iniciou após 30, é fato que o governo Vargas
foi mais efetivo na garantia e fiscalização das leis, marcando o início concreto da intervenção
direta do Estado no mundo do trabalho 10. Segundo Angela Araújo:

“A criação do MTIC, a Lei de Sindicalização, a Legislação Trabalhista e Previdenciária, o Departamento


Nacional do Café, o Código de Minas e de Águas; o Conselho Federal de Comércio Exterior e os demais
conselhos técnicos constituíam exemplos da centralização, do intervencionismo ampliado e do
corporativismo que passaram a caracterizar o novo Estado. A criação destas instituições, que
configuravam uma nova forma de Estado, mostrava que as ações do Governo Vargas, ao longo dos seus
15 anos, não consistiam em respostas ad hoc a questões e pressões conjunturais, mas indicavam a
execução de um projeto político que vinha sendo elaborado, e nos anos 30, adquiriu contornos mais
precisos” (ARAÚJO, 1994, p.36).

O que embasava essa interferência era a ideologia corporativista defendida já na década


de 20 pelos intelectuais nacionalistas autoritários de matriz teórica positivista e organicista
(Francisco Campos, Oliveira Viana e Azevedo Amaral11) e pelos tenentes. Ambos eram críticos
das instituições republicanas, das ideias que a formavam e do liberalismo, por isso
desenvolveram propostas de reorganização social e política, formulando um novo projeto 12.
No caso dos primeiros, a adoção do autoritarismo e do corporativismo era uma resposta
à crise institucional da Primeira República e aos seus valores liberais (“exógeno e exótico”),
considerados inadequados à nossa formação histórica e à capacidade política do povo. O
resultado dessa incompatibilidade foi a formação de uma população que não teria um ideal
nacional, pois os interesses regionais predominavam sobre os interesses coletivos, gerando a
desagregação social. Somente um Estado autoritário e interventor (atuando por meio de
conselhos técnicos, por exemplo), que organizasse as classes e a economia em moldes

8
TOLEDO, Edilene. Um ano extraordinário: greves, revoltas e circulação de ideias no Brasil em 1917. Estudos
Históricos (Rio de Janeiro), 2017, p. 508
9
SIMÃO, Azis. Os Anarquistas: duas gerações distanciadas. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 1.sem.
1989, p. 62.
10
D’ARAÚJO, Maria Celina. Estado, classe trabalhadora e políticas sociais. In: FERREIRA, Jorge e
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu
do Estado Novo. (O Brasil Republicano, v.2). RJ: Ed. Civ. Brasileira, 2003, p. 231-232.
11
Intelectuais que teriam participação importante no governo do pós-30. Oliveira Viana, por exemplo, foi técnico
do Ministério do Trabalho de 1932 a 1940, a convite de Lindolfo Collor (ministro). Foi bastante influente na
implantação da estrutura sindical corporativa e no sistema de Previdência Social. ARAÚJO, Angela M. C.
Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos 30, Campinas, Tese de
Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 39.
12
Ibidem, p. 39-42.
13
corporativistas, conseguiria salvar o país da crise em que se encontrava, desenvolveria uma
identidade entre Estado e Nação e, o mais importante de acordo com as finalidades desta
pesquisa, harmonizaria os interesses dos grupos e das classes sociais, acabando com a luta de
classes, já que esse tipo de organização, isto é, por meio de corporações, tinha o intuito de
homogeneizar os diferentes interesses e incorporar às classes ao Estado, de modo a agir
13
conjuntamente e sem conflitos (sem greves e manifestações) . Assim, para os nacionalistas
autoritários, essa forma de organização resolveria a questão social e estabeleceria vínculos
orgânicos entre sociedade e Estado: a classe considerada perigosa, isto é, os trabalhadores,
seriam incorporados politicamente e teriam seus direitos e demandas reconhecidos ao mesmo
tempo em que seriam de certa forma controlados pelo Estado:

“Este projeto procurava enfrentar a questão social pela cooptação dos trabalhadores, ou seja, através de
uma política que combinava o atendimento de determinados interesses deste segmentos via mecanismos
corporativos, com o controle estrito do Estado sobre a sua atividade” (ARAÚJO, 1994, pp.56-57).

O projeto corporativista tinha o intuito de realizar uma “revolução conservadora”, em


que o Estado passava a ter um papel fundamental promovendo a organização das classes e o
desenvolvimento nacional pela industrialização. No pós-30 adquiriu força e teve um peso
14
decisivo no sustento do Governo Provisório, de acordo com Araújo . Segundo Samuel de
Souza, é difícil estabelecer o quanto a opinião de Oliveira Vianna contou para a produção dos
textos legais e a forma pela qual seus pareceres poderiam formular um decreto ao fim dos
debates do MTIC, mas o fato de estar no Ministério como Consultor Jurídico e atuar como um
dos principais articuladores da elaboração das leis ao longo da gestão de Salgado Filho garantiu
que o projeto político defensor de uma sociedade baseada na organização corporativa tivesse
lugar importante 15.
No caso do projeto defendido pelos tenentes, esse grupo tinha propostas parecidas com
as dos intelectuais autoritários, inclusive a respeito da construção de instituições corporativas.
O eixo central era a formação da unidade nacional, ideia crucial que direcionava o discurso
tenentista relacionando todas as suas propostas políticas, econômicas e sociais:

13
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 39-42 e 46-48.
14
Ibidem, p. 57
15
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho nos
anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p.12-13 e 42.
14
“Como no projeto dos intelectuais a constituição da unidade nacional estava diretamente relacionada
com a construção de um Estado forte e centralizado capaz de organizar e dirigir a nação submetendo os
interesses particularistas aos interesses maiores da coletividade” (ARAÚJO, 1994, p.61).

Da mesma forma que os intelectuais autoritários, defendiam a necessidade de organizar


a representação dos interesses de todas as partes do “organismo social” (grifo de Araújo) para
a construção da Nação, pois eram essas parcelas que formavam os interesses da nacionalidade
e, por isso, deveriam ser expressas no Estado por meio das associações profissionais e não pelos
partidos. Portanto, nessa proposta corporativista, a organização das classes deveria ser feita em
associações sindicais, as quais seriam reguladas por uma lei que pregaria a harmonia e a
equidade entre os proprietários e trabalhadores em todos os setores da produção.
A sindicalização e representação das classes defendida pelos tenentes possibilitaria que
o Estado incorporasse os interesses classistas e os submetesse ao seu controle. As diferenças
definidas por Araújo entre os intelectuais autoritários e os tenentes dizem respeito ao maior
enfoque dado por esses últimos à organização de uma economia nacionalmente integrada e na
importância da realização de medidas reparadoras das injustiças sociais: condições para a
construção da unidade nacional 16.
Foi sob influência desses ideais que o novo governo desenvolveu um Estado corporativo
e pautou a organização sindical das classes, a qual foi a base da estrutura estatal, de acordo com
17
Angela Araújo , criando ainda no governo provisório uma legislação sindical, em que os
empregadores e empregados deveriam ser os elementos de sustentação do governo, reunidos
nas associações de classe 18.
A nova legislação, através do decreto nº 19.770 conhecido como “lei de sindicalização”,
propôs a organização das classes em um novo sindicato único atrelado à estrutura do Estado.
Com ele houve a transformação do padrão das associações do movimento operário que
existiram durante a Primeira República: ao invés dos trabalhadores aderirem ao sindicalismo
independente e negociarem diretamente suas reivindicações, deveriam se incorporar ao
sindicato corporativista. O objetivo também, segundo Angela de Castro Gomes, era combater
toda organização que quisesse se manter independente, assim como todas as lideranças
(socialistas, comunistas, anarquistas), ao proibir que os sindicatos fizessem propagandas de

16
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 62-74.
17
Ibidem, p. 49. Essa organização sindical já era pautada por Oliveira Viana na década de 20. Ver p. 53- 55.
18
PANDOLFI, Dulce. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de
Almeida Neves. O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. (O Brasil
Republicano, v.2). RJ: Ed. Civ. Brasileira, 2003.
15
19
ideologias políticas, como ocorria até então . Ademais, somente um sindicato por categoria
profissional seria reconhecido pelo Estado; e os sindicatos deixariam de ser um órgão
representativo dos interesses dos operários e dos empregadores, tornando-se um órgão de
cooperação entre as duas classes juntamente ao Estado. Dessa forma, os sindicatos deixaram de
ser uma instituição de direito privado e passaram a ter uma personalidade jurídica pública: não
representavam mais os interesses privados para que pudessem se tornar um “órgão consultivo
e técnico” do governo; e não havia mais a possibilidade da criação de mais de um sindicato por
categoria profissional, substituindo a pluralidade pela unicidade sindical 20.
Em 1932, foram criadas as Juntas de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas
de Conciliação, responsáveis por arbitrar os conflitos entre empregadores e empregados. Tais
atitudes intervencionistas no tocante a essa questão continuaram com a instituição do governo
Constitucional em 1934, mesmo apresentando uma Constituição com um viés mais liberal.
O novo Estado brasileiro e o projeto que trazia para o plano social iam de encontro a
uma parcela da classe operária. No meio dela, estava a defensora do projeto libertário: os
anarquistas, adeptos da atuação nos sindicatos de caráter revolucionário e que se mantiveram
resistentes desde o início à proposta corporativista. Primordialmente, essa oposição foi feita
porque seus princípios eram contrários à presença do Estado na sociedade, ainda mais nas
características que passou a ter na década de 30. Outro princípio importante, como já explicado,
era a defesa da ação direta, sem a presença de intermediários, pois alegavam ser os únicos
capazes de defender seus interesses. Ademais, a oposição também foi feita porque, no projeto
exposto nas fontes analisadas, o sindicato era essencial para a eclosão da revolução social e
para o fim das explorações a que os trabalhadores eram submetidos, então o controle das
associações operárias além de não ter sido visto como uma maneira de garantir os direitos
trabalhistas, também foi cada vez mais associado a uma tentativa de fascistização do país.
Nas páginas do periódico libertário A Plebe, que voltou a circular em novembro de
1932 e permaneceu até 1935, foi possível acompanhar o embate entre ambos os projetos, as
razões da oposição e a experiência e resistência anarquista ao longo desses anos. Já no primeiro
número da nova fase, por exemplo, o jornal afirmou ser um "modesto semanário dedicado ao
estudo e debate de todos os problemas que se relacionam com a Questão Social e com as
aspirações dos trabalhadores". Os objetivos propostos eram educar, instruir e congregar os

19
GOMES, Angela de Castro. Os anos 20: o Debate ou “a razão se dá aos loucos”. A invenção do trabalhismo
– 3. ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 163.
20
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. – 23º ed. – Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2017, p. 119-121
16
trabalhadores com a finalidade de se opor à opressão e a exploração de que eram vítimas, por
meio de suas publicações. Por fim, afirmou seguir princípios “apolíticos e ação direta” 21.
Essa pesquisa confirma a presença e a atuação dos anarquistas na década de 30, uma
constatação nova na historiografia, a qual geralmente apontava o declínio dessa ideologia
política já na década de 2022. Nos anos 1990, Angela Araújo 23 reconheceu em sua tese a
influência anarquista no movimento sindical durante os primeiros anos da década de 30, ao
contrário da maioria dos historiadores. Trabalhos como de Edgar Rodrigues 24 e Raquel de
Azevedo25 apontam para indícios da existência do anarquismo mesmo após a criação do PCB
e da Revolução de 30, constando a sua continuidade por meio da publicação de jornais, nas
manifestações e na resistência nos/dos sindicatos contra o atrelamento ao Estado. Rodrigo Silva
confirma que durante os cinco primeiros anos da década de 30 existia um movimento anarquista
ativo, presente em meios diversos26. Assim, é nesse sentido que essa pesquisa caminha: a fim
de mostrar a atuação dos trabalhadores anarquistas nesse período ao resistirem ao projeto
corporativista.
Para finalizar essa introdução, vale mencionar que as pesquisas a respeito da história do
anarquismo ganharam impulso na década de 1980, quando os estudos sobre a história do
movimento operário brasileiro se proliferaram, a partir do interesse despertado pelo
crescimento da mobilização sindical no final da década de 70, no Brasil. Os trabalhadores,
então, ganharam destaque como novos personagens na cena política brasileira e, para isso, o
conceito de classe foi muito importante. A obra do historiador britânico Edward Thompson foi
relevante ao redimensionar o conceito de classe social, desvinculando-o da concepção que o
ligava a uma categoria estática, sem dinâmica própria. O conceito de classe social, então, deixou
de ser definido somente pelo lugar em que os homens ocupavam na produção de bens e passou
a ser entendido como processo histórico, que se forma na relação de conflito entre grupos
sociais com interesses antagônicos, na medida em que seus agentes tomam consciência dessa

21
“O nosso reaparecimento - A nossa ação”, A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.4.
22
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São Paulo
(1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005, p. 14.
23
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994.
24
RODRIGUES, Edgar. Novos Rumos (1922-1946), Rio de Janeiro, Mundo Livre, 1972; RODRIGUES, Edgar.
A Nova Aurora Libertária (1945-1948), Rio de Janeiro, Achiamé, 1992.
25
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002.
26
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São Paulo
(1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005, p. 18.
17
realidade27. Como afirma André Santoro, o estudo do anarquismo no Brasil está associado ao
estudo da própria classe operária, da qual muitos militantes se originaram, e o elo com a História
do Trabalho é fundamental 28.
Foi na década de 1980 também que, a partir de um diálogo crítico com a historiografia
precedente, surgiu uma produção acadêmica preocupada em captar as experiências dos
dominados de acordo com suas práticas 29, corroborando para que fossem entendidos como
agentes de sua própria história e focando no ponto de vista daqueles que haviam sido silenciados
ou esquecidos. A classe operária, então, deixou de ser entendida como um sujeito subordinado,
como era nas décadas de 60 e 7030. Emília Viotti da Costa complementa que:

“A nova historiografia reavalia as relações entre as lideranças operárias e as bases, privilegiando estas e
subestimando aquelas, ao mesmo tempo em que acentua o caráter espontâneo dos movimentos operários.
Rejeita também as abordagens que identificam etapas no desenvolvimento econômico e repudia o
conceito de falsa consciência. Ao mesmo tempo, valoriza o papel dos anarquistas no movimento
operário e acentua a importância das condições subjetivas, da ideologia e da cultura política no
movimento operário” 31. (grifo meu)

Apesar do abandono das análises mais tradicionais e estruturalistas possibilitarem tornar


os trabalhadores como sujeitos, sendo tão importantes quanto a história das elites, os estudos
mais bem sucedidos, segundo Costa, são aqueles que conseguem estabelecer uma síntese entre
experiência e estrutura, isto é, sem desconsiderar o conceito de classe 32. É o que buscaremos
fazer aqui.

27
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, pp. 14-15.
28
FERNANDES, André Santoro. O apóstolo da anarquia: quatro décadas de militância de José Oiticica.
Dissertação (Mestrado em Mestrado em História) - Universidade Federal de São Paulo - Campus Guarulhos,
2020, p. 14.
29
CHALHOUB, Sidney; SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e
trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cadernos Arquivo Edgard Leuenroth (UNICAMP),
v. 14 (26), 2010: pp. 25-26. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ael/article/view/2558
30
COSTA, Emília Viotti da. Novos públicos, novas políticas, novas histórias: do reducionismo econômico ao
reducionismo cultural. Anos 90, vol 6, n. 10, 1998. Disponível em:
http://www.seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/view/6211/3702 APUD FERNANDES, André Santoro. O
apóstolo da anarquia: quatro décadas de militância de José Oiticica. Dissertação (Mestrado em Mestrado em
História) - Universidade Federal de São Paulo - Campus Guarulhos, 2020.
31
COSTA, Emília Viotti da. Estruturas versus experiência. BIB, Rio de Janeiro, n. 29, 1990, p. 5. Disponível
em: http://anpocs.org/index.php/universo/acervo/biblioteca/periodicos/bib/bib-29/412-estruturas-versus-
experiencia-novas-tendencias-da-historia-do-movimento-operario-edas-classes-trabalhadoras-na-america-latina-
o-que-se-perde-e-o-que-se-ganha/file
32
Ibidem, p.8.
18
1. Os anarquistas e seus princípios

“(...) é derivada do grego A. e an significam não, sem. Cracia e Arquia, significa


poder, mando, governo, direção política. Assim, pois os vocábulos anarquia e crácia
equivalem a não governo de escravisadores [sic] do povo, e sim governo de cada um,
e de iguais para iguais em comunas livres e de afinidade, sem comarca, sem fronteiras,
e com o único fim de unir a todos os habitantes da terra e leva-los a viver em paz e
harmonia” 33.
Angelo Lasheras 34

O anarquismo é uma doutrina política que surgiu na década de 1860, na Europa, ligado
ao movimento operário internacional. Desde seu surgimento teve como elementos
fundamentais: a oposição a todo tipo de dominação, a organização da sociedade pela autogestão
e a transformação social de “baixo para cima”, segundo Danillo Marcelino 35. A ocorrência da
Primeira Internacional, na segunda metade do século XIX, foi crucial para que o anarquismo se
formulasse como um movimento político e social e se relacionasse de fato com o movimento
operário, algo que aconteceu a partir da compreensão das desigualdades sociais e da exploração
econômica, defendendo um projeto de sociedade que prezava pelo bem-estar de vida a toda
humanidade36:

“As teorias de Bakunin, Kropotkin, Malatesta, Pouget, Pelloutier, entre outros, estavam pautadas em
formas de como o operariado poderia romper com tal situação, enquanto, por outro lado, havia outras
teorias, como as liberais, as darwinistas, defensoras do Estado como regulador da sociedade, que
justificavam a situação dos trabalhadores dentro do processo de desigualdade, argumentando que ela é
parte do processo de competitividade social que naturalmente a sociedade está submetida (...).”
(MARCELINO, 2018, p. 20).

Essa doutrina chegou ao Brasil por meio de livros, folhetos e jornais, através dos navios
que partiam da Europa e atracavam no porto do Rio de Janeiro e de Santos. De acordo com
Edilene Toledo, tais ideais tiveram uma presença significativa no país desde a década de 1890,
quando profissionais liberais (professores, médicos e advogados) - e não só os operários - viam
nele uma possibilidade real de transformação, tanto de si mesmos quanto da sociedade da época,
através do desaparecimento do Estado, das Igrejas e do capitalismo (vistos como instituições

33
LASHERAS, Angelo. “Passe livre”. A Plebe, nº 6, 31/12/1932. São Paulo, p. 3.
34
Angelo Lasheras era pintor, desenhista e responsável por diversas ilustrações e artigos em A Plebe. Além
disso, produzia gravuras e quadros com a temática libertária na década de 30. SILVA, Rodrigo Rosa da.
Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São Paulo (1930-1945). Dissertação
(Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005, p. 70.
35
MARCELINO, Danillo Rosa. Ação direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São
Paulo (1906-1919). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018, p.24-28.
36
Ibidem, p. 13 e 20.
19
de apoio ao Estado), da propriedade e das classes sociais, juntamente ao aumento da liberdade
e igualdade 37.
Foi somente a partir de 1903 que os anarquistas conseguiram maior penetração e
influência entre os trabalhadores, quando, tanto os trabalhadores brasileiros quanto os
estrangeiros, o procuraram para demonstrar suas revoltas e para lutar por transformações
revolucionárias frente às explorações e outros problemas que os atingiam 38. A maior ampliação
junto aos sindicatos aconteceu de fato a partir de 1906 39, com o I Congresso Operário no Rio
de Janeiro, ainda que as deliberações tenham sido mais tenham sido mais sindicalistas
revolucionárias que anarquistas e, às vezes, mais sindicalistas que revolucionárias, segundo
40
Toledo . Assim, por mais que seus ideais tenham sido formulados em outros espaços
nacionais, tornando-se um movimento internacional, foram transformados e adaptados à
realidade brasileira41. Isso demonstra a transnacionalidade do movimento e da própria classe
trabalhadora ao articular lutas estruturais em diferentes espaços.
Enfim, os anarquistas eram críticos da autoridade em geral e dos micro-poderes
cotidianos. De acordo com Oliveira, também rejeitavam a ideia de representação política,
dentro ou fora do meio parlamentar, por não acreditarem na sua efetividade para a resolução
dos problemas sociais e por prezarem pela autonomia e liberdade individual42. Aliás, a liberdade
era um princípio fundamental e inalienável, mas vinha acompanhada da solidariedade. Dessa
maneira, qualquer forma de controle era entendida como autoritarismo. Segundo Angela de
Castro Gomes, esse ideal afastava-os do modelo liberal durante a 1º República, além de
possibilitar que houvesse a busca por uma nova identidade para os trabalhadores, levando a
redefinição da ideia de “política” 43. Portanto, a adesão dos trabalhadores ao movimento deveria

37
TOLEDO, Edilene. A trajetória do anarquismo na Primeira República. In: Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis.
(Org.). A formação das tradições (1890-1945). 1a. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007, v. 1,
p. 55-57.
38
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São Paulo
(1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005, p. 40.
39
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p.57.
40
Importante explicar que Toledo apresenta esse argumento porque defende, através de fontes, que o anarquismo
não é sinônimo do sindicalismo revolucionário. Este representa outra forma de luta e em alguns pontos se
aproxima do anarquismo. Angela de Castro Gomes e Azis Simão divergem nesse ponto em relação à Toledo e,
por essa razão, afirmam que o anarquismo foi a maior ideologia presente no movimento operário. TOLEDO,
Edilene. A trajetória do anarquismo na Primeira República. In: Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis. (Org.). A
formação das tradições (1890-1945). 1a. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007, v. 1, p. 63
41
MATTOS, Marcelo Badaró. O Sindicalismo brasileiro após 1930. Zahar: Rio de Janeiro, 2003, p. 5-7.
42
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p. 81 e 82
43
GOMES, Angela de Castro. O anarquismo: outra sociedade, outra cidadania. In: A invenção do trabalhismo. –
3º ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 83-84.
20
ser feita sem que houvesse um caráter obrigatório, porque isso seria ir contra suas convicções
44
.
Azis Simão explica que para exercerem sua luta e, ao mesmo tempo, não precisarem se
submeter a tais associações ou partidos, os anarquistas optaram pelo exercício da autogestão e
da democracia direta 45. Isso explica o porquê de apresentarem como objetivos a extinção do
Estado e a luta contra o capitalismo, isto é, de quaisquer instituições que privassem a liberdade
e ainda corroborassem para a exploração, prezando por uma sociedade descentralizada. Essa
opinião é evidente em A Plebe, quando o jornal descreveu o Estado como uma expressão de
tirania a serviço dos “interesses das castas” e contra os interesses do povo 46. Sobre essa questão,
a ação direta (princípio do século XIX) foi um ponto bastante importante, pois os anarquistas
almejavam a eclosão da Revolução Social e ela só ocorreria com a construção do sujeito
revolucionário que transformaria a sociedade por meio de suas próprias ações, extinguindo o
Estado, o sistema capitalista e suas instituições47.
A classe trabalhadora da década de 30, assim como em outros momentos da nossa
história, não era homogênea. Existiam diferentes posições políticas dentre aqueles que a
compunham e, portanto, diferentes formas de se posicionar frente aos acontecimentos do
cotidiano, principalmente às mudanças relacionadas a uma questão que os impactava
diretamente, isto é, as mudanças que estavam sendo realizadas no mundo do trabalho. As
divergências poderiam existir também dentro dos próprios grupos adeptos a determinada
ideologia política, como aconteceu no movimento anarquista, pois ele foi composto por
diferentes correntes.
Dentre as correntes anarquistas, existiam duas favoráveis à participação nos sindicatos,
pois enxergavam-no como uma das possíveis organizações de resistência dos trabalhadores, um
local adequado para a discussão e decisão de questões que envolviam suas relações e condições
de trabalho48. Uma das vertentes realmente acreditava que a luta anarquista deveria se dar
através deles, mas propunha que os sindicatos não aderissem a nenhuma corrente política

44
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p., p. 81 e 82
45
SIMÃO, Azis. Os Anarquistas: duas gerações distanciadas. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 1.sem.
1989.
46
“Liberdade de escravos”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 1.; GARCIA, M. “A tendência humana
para a liberdade”. A Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo, p. 2.; GARCIA, M. “Centralismo e Federalismo”. A
Plebe, nº63, 26/05/1934. São Paulo, p. 1.: Outro artigo a respeito da oposição a todas as formas de Estado por se
fundamentarem no princípio de autoridade.
47
MARCELINO, Danillo Rosa. Ação direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São
Paulo (1906-1919). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018.
48
Ibidem
21
específica; a outra aderiu aos sindicatos a fim de realizar a propagação de seus ideais,
simbolizando mais uma mudança de estratégia do que uma mudança doutrinária 49. Essa última
era influenciada pela teoria de Errico Malatesta (um importante militante anarquista italiano).
Seus adeptos reconheciam o sindicato como um espaço privilegiado da propaganda anárquica
e com o objetivo de guiá-los a caminho da revolução. Isso de fato representou uma mudança de
posicionamento, porque, inicialmente, acreditavam que o sindicato tendia ao reformismo, o que
faria perdurar a sociedade capitalista, afastando-os da revolução almejada 50. Para Malatesta, o
sindicalismo era um meio para o alcance da revolução e não um fim em si mesmo, e a função
do anarquismo era ser algo que transformasse o caráter reformista do movimento operário
tornando-o revolucionário 51. Realmente era esse o propósito dos anarquistas na década de 30.
De acordo com Edilene Toledo, essa heterogeneidade de opiniões dentro do anarquismo
se explica pela falta de organização de partido, pela falta de uma estrutura fixa e pela não
exigência de uma uniformidade ideológica. Existiam os “grupos de propaganda”, que eram a
“célula organizativa” do movimento anarquista, mas não havia obrigações impostas aos
52
participantes quanto a entrada e saída deles . Thiago Oliveira também discorre sobre a
existência de muitas correntes internas dentro do anarquismo, as quais dificultam uma definição
geral que englobe algo em comum entre todos os matizes de concepções filosóficas, ideais de
futuro e métodos de luta. Sendo assim, Alex Cortês define a existência de anarquismos, no
plural, os quais abarcam ideias múltiplas e práticas baseadas na propaganda pela ação direta,
pautando os meios para a construção de uma sociedade libertária 53. Enfim, Thiago Oliveira ao
buscar uma definição para o anarquismo alega que:

49
Inicialmente, acreditavam que o sindicato tendia ao reformismo, o que faria perdurar a sociedade capitalista,
afastando-os da revolução almejada. TOLEDO, Edilene. A trajetória do anarquismo na Primeira República. In:
Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis. (Org.). A formação das tradições (1890-1945). 1a. ed. Rio de Janeiro:
Editora Civilização Brasileira, 2007, v. 1, p. 73-75. Havia ainda uma última corrente contrária à atuação nos
sindicatos: a individualista, em que a limitação da liberdade era a principal preocupação e qualquer sujeição era
sinônimo de ataque a esse princípio. A adesão aos sindicatos, portanto, foi considerada uma forma de coação que
limitaria a plena liberdade. In: OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil
(1906-1936). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p.59.
50
TOLEDO, Edilene. A trajetória do anarquismo na Primeira República. In: Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis.
(Org.). A formação das tradições (1890-1945). 1a. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007, v. 1,
p. 73-75.
51
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p. 69.
52
TOLEDO, Edilene. A trajetória do anarquismo na Primeira República. In: Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis.
(Org.). A formação das tradições (1890-1945). 1a. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007, v. 1,
p. 58-69.
53
CORTÊS, Alex Sandro Barcelos. Raízes do anarquismo no Brasil. In DEMINICIS, Rafael Borges e FILHO,
Daniel Aarão Reis (orgs.). História do anarquismo no Brasil. - Vol. 1. Niterói: Eduff; Rio de Janeiro: Mauad
2006, p. 56.
22
“Dizer que as bases comuns do anarquismo são a aversão ao Estado, a ação direta e a primazia do
indivíduo como elemento revolucionário é aceitável até certo ponto: dependendo da vertente, há os que
defendem intransigentemente a liberdade individual como valor supremo e intocável (e a ação direta seria
fruto exclusivo dessa liberdade individual absoluta) e os que mesmo a considerando como princípio
fundamental, ponderam que ela deve, às vezes, estar submetida aos interesses e estratégias definidas
coletivamente; (...) em linhas gerais, a aversão ao Estado e a defesa intransigente da liberdade individual,
e a ação direta são elementos presentes, pelo menos em teorias e discursos, do que se diziam anarquistas
no Brasil” (OLIVEIRA, 2009, p.58).

Uma diferenciação importante e que deve ser feita é entre os anarquistas e os


sindicalistas revolucionários, confusão geralmente presente na historiografia. Esses últimos
entram nessa pesquisa, pois, por meio da fonte analisada, isto é, o jornal libertário A Plebe, foi
possível ter acesso à experiência e às opiniões dos adeptos ao sindicalismo revolucionário que
também atuavam nos sindicatos. Além disso, a definição dessas duas ideologias políticas causa
divergência na bibliografia que trata sobre o anarquismo, movimento operário e o próprio
sindicalismo 54.
Segundo Danillo Marcelino, a principal função do sindicalismo revolucionário era ser
um espaço de resistência dos trabalhadores sem a defesa de nenhum tipo de ideologia política
(inclusive a anarquista), determinação existente justamente pelo movimento operário ser
influenciado e disputado por diferentes pensamentos políticos. Ou seja, o sindicato deveria ser
primeiramente operário, uma organização de classe, ajudando a superar as divisões no interior
do movimento sindical. Da mesma forma que o anarquismo, esse tipo de sindicalismo defendia
o princípio da ação direta como estratégia para que os trabalhadores tivessem suas
reivindicações atendidas. Em seu projeto político, a classe trabalhadora ocupava posição de
destaque em relação aos outros grupos sociais na organização da sociedade futura, na qual os
sindicatos dos trabalhadores seriam a base da organização econômica e política, diferentemente
do anarquismo que direcionava seu discurso a todos, porque sua perspectiva de massa estava
para além deles, e não necessariamente era a favor da permanência dos sindicatos após a eclosão
da revolução 55. Sobre isso, Marcelino explica que:

“(...) apesar das identificações possíveis com o socialismo e o anarquismo, temos que o sindicalismo
revolucionário teve limites definidos que podem diferenciar sua proposta política dos demais
pensamentos que tiveram contato com o movimento operário na virada do século XIX para o XX. A ação
direta foi fundamental para anarquistas e sindicalistas revolucionários, mas o modo como eles a
concebiam também tinha sua diferença. Ao anarquismo a ação direta não deveria ser condicionada pelos

54
MARCELINO, Danillo Rosa. Ação direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São
Paulo (1906-1919). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018.
55
Ibidem, p.2.
23
trabalhadores nas lutas de objetivos imediatos, para os sindicalistas revolucionários as greves com
reivindicações salariais, por exemplo, eram úteis para servirem aos operários como um ensinamento na
luta contra o capitalismo e o Estado” (MARCELINO, 2018, p. 16).

Para Tiago Bernardon, o sindicalismo revolucionário foi muito mais um método de ação
do que propriamente uma corrente política autônoma, sendo uma estratégia de sobrevivência
adotada pelos anarquistas a fim de conseguirem se manter no meio operário nos principais
centros em industrialização do país 56. Diferentemente, Toledo além de o considerar autônomo
(sobretudo entre 1904 e 1914) também defende a existência de um corpo teórico e práticas de
ações próprias. A autora entende que, posteriormente, os anarquistas se tornaram os principais
herdeiros dessa política que defendia a ação direta e a autonomia. Dessa forma, a autora alega
que o movimento operário em São Paulo durante a 1º República foi muito mais sindicalista
revolucionário do que anarquista e até mesmo mais sindicalista do que revolucionário 57.
No jornal A Plebe, a Federação Operária de São Paulo (FOSP) tinha tendência
sindicalista revolucionária e expressava sua opinião, experiência e projeto político na seção
“Movimento Operário”, assim como os sindicatos atrelados a ela que poderiam ser ou não
sindicalistas. A Federação tinha seus princípios baseados na ação direta, na greve geral
revolucionária, nas sabotagens, no antipartidarismo e nos princípios apolíticos. O Artigo 3º da
“Afirmação de Princípios” da FOSP demonstrava a vontade de manter fora dos sindicatos os
partidos políticos e as religiões. Portanto, entendia que o sindicato deveria ser um órgão de
todos os trabalhadores, independentemente de sua orientação política ou religiosa 58.
Por essa razão é importante deixar claro que tanto A Plebe e seus produtores se
reconheciam como “anarquistas” ou “libertários” e eram adeptos da ação nos sindicatos. Em
diversas páginas, por exemplo, Malatesta foi referenciado, assim como a importância de suas
59
obras e sua influência , como em 1932. Neles, abarcou as diferenças existentes entre os
libertários: aqueles que recorriam ao uso da força para a transformação da ordem e para a
criação de um ambiente em que houvesse a “livre evolução dos indivíduos e das coletividades”,

56
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p.31 e 32.
57
TOLEDO, Edilene. A trajetória do anarquismo na Primeira República. In: Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis.
(Org.). A formação das tradições (1890-1945). 1a. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007, v. 1.
58
SILVA, Rodrigo da. A Federação Operária de São Paulo: Anarquistas e sindicalistas nos anos 1930. Anais do
XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho de 2011, p.8. Disponível em: <
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1312754708_ARQUIVO_AFederacaoOperariadeSaoPauloRo
drigoRosadaSilvaOK.pdf >, p. 11-13. Acesso em: 08/07/2021.
59
MALATESTA, Errico. “Sobre a tolerância”, de 8 de abril de 1926. A Plebe, nº3, 03/12/1932. São Paulo, p.2;
Citação dos escritos de Errico Malatesta: “Como Malatesta encarava a próxima transformação social”. A Plebe,
nº34, 22/07/1933. São Paulo, p. 2. O Nº34 foi feito em sua homenagem, assim como uma sessão do Centro de
Cultura Social por conta do primeiro ano após sua morte (nº33, p.1) ; Nº 61, p.4 e 5, em “Grandes figuras do
anarquismo”
24
e entre aqueles que acreditavam que a transformação só aconteceria com a mudança dos
indivíduos realizada por meio da educação e propaganda. Malatesta também discorreu sobre as
divergências quanto à adesão ou não ao movimento sindical e a organização (ou não) dos
militantes, uma posição que reitera a real existência dessas diferenças. Sua indicação era a
necessidade da tolerância. 60
Vale ressaltar que a compreensão defendida pelo jornal para a ocorrência da revolução
também seguia as concepções de Malatesta, o qual argumentava que deveriam ser alcançados
“verdadeiros progressos” e não “reformas hipócritas”, pois essas iriam desviar o povo da luta
contra a autoridade e contra o capitalismo, sob a alegação de que eram “melhoramentos
imediatos”. Nesse caminho em busca da transformação social deveria estar clara a compreensão
de que os governos61 eram inimigos, com o qual nunca seria possível estabelecer a paz62.
Somente com o fim desses seria conquistada a liberdade, para todos:

“(...) a liberdade inteira e o direito aos meios de trabalho, sem os quais a liberdade é uma mentira” 63.

Além disso, a atuação nos sindicatos como meio para a eclosão da Revolução Social foi
64
bastante defendida . Em 1933, por exemplo, há uma sequência de artigos que defendem da
organização nos sindicatos autônomos e explicações do que era essa ação, que foi referenciada
como “sindicalismo revolucionário” 65. A divergência entre esses e outros grupos anarquistas,
posta em alguns números, era em relação à permanência ou não dos sindicatos após a revolução
66
.

60
“Sobre a tolerância”, escrito por Errico Malatesta em 8 de abril de 1926. A Plebe, nº3, 03/12/1932. São Paulo,
p. 2.
61
Governo era: “qualquer homem ou grupo de homens que, no Estado, na província, no município ou
associação, tenha o direito de fazer a lei e de impor àqueles a quem ela não agrada”. Citação dos escritos de
Errico Malatesta: “Como Malatesta encarava a próxima transformação social”. A Plebe, nº34, 22/07/1933. São
Paulo, p.2.
62
Citação dos escritos de Errico Malatesta: “Como Malatesta encarava a próxima transformação social”. A
Plebe, nº34, 22/07/1933. São Paulo, p.2.
63
Citação dos escritos de Errico Malatesta: “Como Malatesta encarava a próxima transformação social”. A
Plebe, nº34, 22/07/1933. São Paulo, p.2. Outra crítica aos governos, em geral, é feita por Maria Lacerda de
Moura, no mesmo número e página, em “Nem governos e nem sacerdotes...”. (22/07/33)
64
Nº30 ao 36, p.2, em “Anarquismo e Sindicalismo”, escrito por L.M ; Nº56 ao 59, p.2, em “Anarquismo,
Sindicalismo e Revolução Social”, escrito por M. Garcia.
65
Um exemplo é a sequência de explicações que abarca os números 30, 31, 32, 33, 36, 38, 39 e tem como título
“Anarquismo e Sindicalismo”.
66
PADILHA, A. “O sindicato e a Sociedade futura”. A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p. 2, escrito em
06/01/34 ; NEVES. A. “Sindicalismo e anarquismo”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 2, do grupo
anarquista “Acção Libertaria”: defende que o sindicalismo não deve existir após o acontecimento da revolução
social. Esse assunto gerou até a realização de uma reunião cultural, no Centro de Cultura Social, em fevereiro
sobre “O sindicato como orgão da revolução, assunto de palpitante atualidade sobre o social” (“Centro de
Cultura Social”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p.4).
25
Então, ser anarquista não impedia que enxergassem de maneira positiva o sindicalismo
revolucionário, tanto que diversos militantes de orientação claramente anarquista atuaram na
FOSP, como Hermínio Marcos Hernandez, Arsênio Palácios, Francisco Cianci (litógrafo
italiano67) e Pedro Catalo. Também havia vários outros homens e mulheres, entre anônimos e
conhecidos. Muitos deles eram vigiados pelo DEOPS e classificados como uma ameaça à
ordem social e política. Dentre eles: Donato de Vitis, Natalino Rodrigues, Francisco Augusto
Neves, José Carlos Boscolo, Agostinho Farina, José Oiticica, Angelo Lasheras, Benedito
Romano, Alexandre Cerchiai, Eleutério do Nascimento, João Peres Parada, Avelino Fernandes,
Ernesto Gattai, Antonio Araújo Ribeiro, Atílio Pessagno, Gusmão Soler, Francisco Valdivia e
Napoleão Saldanha68. Alguns deles aparecerão ao longo da pesquisa. Rodrigo Silva fala sobre
esses circularem e participarem dos mesmos meios e atividades, evidenciando os elos de ligação
entre diversas práticas libertárias69.
Silva também explica que a atuação dos anarquistas na FOSP, especialmente durante os
anos de 1931 e 1937, marcou a presença relevante dos trabalhadores anarquistas no movimento
sindical de massa. Essa presença também foi notada pela polícia que vigiava a Federação
constantemente70. Já Raquel de Azevedo afirma que por mais que não seja possível delimitar
com precisão o alcance da presença libertária nos sindicatos e embora não houvesse a
predominância dessa corrente no meio sindical na década de 30, tratava-se de uma influência
tão significativa quanto a dos seus oponentes, apesar da historiografia do movimento operário
tender a mencioná-los de forma esporádica nesse período e muitas vezes se baseando em
parâmetros exteriores ao processo sindical libertário 71.

67
Ver: OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p. 192.
68
SILVA, Rodrigo da. A Federação Operária de São Paulo: Anarquistas e sindicalistas nos anos 1930. Anais do
XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho de 2011, p.8. Disponível em: <
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1312754708_ARQUIVO_AFederacaoOperariadeSaoPauloRo
drigoRosadaSilvaOK.pdf >. Acesso em: 08/07/2021.
69
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São Paulo
(1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005, p.18.
70
SILVA, Rodrigo da. A Federação Operária de São Paulo: Anarquistas e sindicalistas nos anos 1930. Anais do
XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho de 2011, p.8. Disponível em: <
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1312754708_ARQUIVO_AFederacaoOperariadeSaoPauloRo
drigoRosadaSilvaOK.pdf p.7>, p.12.Acesso em: 08/07/2021.
71
A respeito dessa diminuição de predominância no meio sindical, Azevedo explica que isso ocorreu por uma
série de fatores que interferiram nas práticas sindicais: a perseguição dos anarquistas mais destacados nas
manifestações operárias, algo intensificado nos anos 20, com prisões, deportações, degredos, atingiu parte da
militância mais atuante. Junto a isso, os comunistas reforçavam a competição pela direção dos sindicatos,
apresentando sucesso, principalmente no RJ. Teve sucesso por conta do ingresso de ex-libertários no PCB e pela
penetração de novos integrantes, fazendo com que vários sindicatos mudassem sua orientação para a estratégia
da centralização comunista. Outro fator foi a intervenção estatal na organização operária, por meio da Legislação
Trabalhista e dos sindicatos oficiais. Para os anarquistas, esses novos agentes (estranhos ao meio operário)
26
Até mesmo a orientação da Federação não é consenso entre a bibliografia. Rodrigo Silva
afirma que a FOSP era de orientação anarquista, por conta de os militantes deixarem
transparecer sua filiação ao movimento anarquista, mas em outro momento alegou ser possível
concluir, por meio dos documentos do DEOPS e por aqueles que foram produzidos pelos
trabalhadores, que a Federação, em teoria e na prática, era contrária às ideias anarquistas 72. Essa
compreensão coloca em dúvida a primeira alegação e o autor acaba concluindo que:

“O fato de em seu seio serem acolhidos todos anarquistas que se interessassem em participar ativamente
do movimento sindical, sem que com isso, entrassem em contradição com suas idéias [sic] e, ao mesmo
tempo, a relação da Federação com diversos grupos e indivíduos anarquistas faz com que possamos
afirmar que a ação sindical dentro da FOSP era uma das diversas táticas empregadas pelos anarquistas
em suas lutas cotidianas pela emancipação dos trabalhadores e de toda humanidade.”(SILVA, 2011, p.13)

Edilene Toledo, ao citar um trecho de um relatório policial de 1931, concluiu que esse
documento seria uma fonte que confirmaria “a tese da influência das ideias sindicalistas
revolucionárias no movimento operário paulista”, permitindo negar a associação da FOSP de
forma direta a qualquer corrente política (TOLEDO, 2004, p.118). Ao contrário de Lúcia Parra,
que compreendeu o inverso a partir do mesmo documento, isto é, que é possível fazer tal
associação e, portanto, os sindicalistas e “anarco-sindicalistas” eram a maioria no movimento
operário 73.
Deixando essa discussão de lado e entrando efetivamente no que os trabalhadores
anarquistas defendiam no início da década de 30 por meio do jornal A Plebe, em suma podemos
constatar que permaneceram se opondo à continuidade do Estado e do sistema capitalista74,
75
assim como da Igreja e de seus valores religiosos , princípios já defendidos anteriormente e

representavam a “multiplicidade de seus inimigos” e isso contrastava com seus anos de “hegemonia” (grifo
dela). AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, pp. 359-360.
72
SILVA, Rodrigo da. A Federação Operária de São Paulo: Anarquistas e sindicalistas nos anos 1930. Anais do
XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho de 2011, p.8. Disponível em: <
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1312754708_ARQUIVO_AFederacaoOperariadeSaoPauloRo
drigoRosadaSilvaOK.pdf p.7>, p.11 e 13 Acesso em: 08/07/2021.
73
PARRA, Lucia Silva. Combates pela liberdade: o movimento anarquista sob a vigilância do DEOPS/SP
(1924-1945). São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial do Estado, p. 49.
74
“Como e quem age nos bastidores da política das nações”, A Plebe, nº30, 07/01/1933.São Paulo, p.1; “O
exterior da agonia Estatal e Capitalista”. A Plebe, nº31, 01/07/1933.São Paulo, p.2. ; “O que é a tão apregoada
justiça burgueza”; “Miseria!”. A Plebe, nº32, 08/07/1933.São Paulo, p.1. ; A Plebe, nº42, 30/09/1933. São
Paulo, p.1; PINHO, A. de. “Ideias de reconstrução social”. A Plebe, nº63, 26/05/1934. São Paulo, p. 2; “Logica
proletaria”. A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p. 1; “Algumas considerações sobre o regime de propriedade
depois da revolução”. A Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo, p. 6; “Liberdade de escravos”. A Plebe, nº56,
17/02/1934. São Paulo, p. 1; “Vida Anarquista.. Anarquismo, sindicalismo e Revolução Social”. A Plebe, nº57,
03/03/1934. São Paulo, p. 2; ALMEIDA, Fialho de.“Vida Anarquista. A engrenagem estatal”. A Plebe, nº83,
02/03/1935. São Paulo, p. 2. KROPOTKIN. “A negação do Estado”. A Plebe, nº89, 25/05/1935. São Paulo, p. 4.
75
SÔ, Jota.“Os males da burguezia”. A Plebe, nº31, 01/07/1933. São Paulo, p.2.; Nº34, p.1, em “A criação do
homem e da Bíblia”; “A religião ao lado da tirania”. A Plebe, nº35, 29/07/1933. São Paulo, p. 2.; LASHERAS,
27
pilares da ideologia76. É perceptível também a descrença da política partidária 77, aliás, a política
institucional junto à religião e ao capital foram considerados a “trindade tirânica”, responsáveis
pelo sofrimento da sociedade 78. Com a ascensão do fascismo mundialmente, a concepção
disseminada em 1934 era de que o clero, a burguesia e os políticos eram “forças fascistas” (grifo
do jornal) com o intuito de domesticar o proletariado 79. Ademais, se opuseram às leis 80;
defenderam o princípio da liberdade em oposição à tirania e ao princípio de autoridade (fruto
do sistema capitalista)81; defenderam a ação direta como meio para a conquista de direitos82 e
para a eclosão da revolução social libertária 83; e visavam a instauração do Comunismo
Libertário: “regime verdadeiro da liberdade” 84. De acordo com o periódico, aqueles que eram
anarquistas ansiavam por uma sociedade formada por federações de trabalhadores que
produzissem de acordo com suas capacidades e consumissem de acordo com suas necessidades,
em que todas as terras e riquezas pertencessem aos trabalhadores. Na sociedade ideal não
haveria opressão das massas trabalhadoras por uma “minoria de ricaços egoístas”; também não
existiria moedas nem prisões, misérias e ditaduras, seria onde os indivíduos pudessem se

Angelo.“As religiões”. A Plebe, nº37, 12/08/1933. São Paulo, p. 4.; Escritos de H.Halpern. “A religião e o
Proletariado”. A Plebe, nº42, 30/09/1933. São Paulo, p. 4. (continua no número 43) ; “Pensamentos rebeldes”. A
Plebe, nº43, 07/10/1933. São Paulo, p. 1; A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p.1; ORTEGA, Teodoro.
“Preconceitos sociais”. A Plebe, nº59, 31/03/1934. São Paulo, p. 2.
76
TOLEDO, Edilene. A trajetória do anarquismo na Primeira República. In: Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis.
(Org.). A formação das tradições (1890-1945). 1a. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007, v. 1,
p. 55-57.
77
“Que é política?”. A Plebe, nº30, 24/06/1933. São Paulo, p.1; A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p.1;
ORTEGA, Teodoro.“Preconceitos sociais”. A Plebe, nº59, 31/03/1934. São Paulo, p. 2.
78
“O flagelo da humanidade”. A Plebe, nº70, 01/09/1934. São Paulo, p. 4.
79
A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p.1; ORTEGA, Teodoro. “Preconceitos sociais”. A Plebe, nº59,
31/03/1934. São Paulo, p. 4: oposição à religião, à política, aos partidos políticos, à propriedade privada; “O
flagelo da humanidade”. A Plebe, nº70, 01/09/1934. São Paulo, p. 4: oposição à capital, à religião e à política:
formam a “trindade tirânica” que fazem com que a humanidade sofra.
80
“O regime da lei”. A Plebe, nº66, 07/07/1934. São Paulo, p. 1.
81
“Pela liberdade contra todas as tiranias”. A Plebe, nº37, 12/08/1933.São Paulo, p.1.; BERTONI, Luiz. “O caráter
pratico do anarquismo”. A Plebe, nº45, 21/10/1933. São Paulo, p. 2; LARCHER, Simão. “Conceitos da
autoridade”. A Plebe, nº51, 23/12/1933. São Paulo, p.2.; CIANCI, Francisco. “Como entendemos a liberdade”. A
Plebe, nº51, 23/12/1933. São Paulo, p. 3.; “A tendencia humana para a liberdade”. A Plebe, nº61, 28/04/1934. São
Paulo, p. 1; p.2, em “Vida Anarquista. Problemas de liberdade”; LISLE, Claudio. “Autoridade e justiça”. A Plebe,
nº85, 30/03/1935. São Paulo, p. 2. ; “Comemorando os martires de Chicago”. A Plebe, nº87, 27/04/1935. São
Paulo, p. 2.
82
OITICICA, José. “Carta aberta aos fundadores do Partido Socialista Brasileiro”, A Plebe, nº5, 24/12/1932. São
Paulo, p. 1.; ROCKER, Rodolfo. “O Socialismo e os principios da A.I.T”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo,
p. 2 (escrito em 1933): defende que a emancipação dos trabalhadores deveria vir deles próprios, princípio
defendido pela A.I.T também; A.F. “‘Um punhado de arroz...’”. A Plebe, nº82, 16/02/1935. São Paulo, p. 3.
83
GARCIA, M. “Anarquismo, sindicalismo e Revolução Social”. A Plebe, nº58, 17/03/1934. São Paulo, p. 2.
84
“Anarquismo pratico”. A Plebe, nº66, 07/07/1934. São Paulo, p. 2 e “Anarquismo pratico”. A Plebe, nº67,
07/07/1934. São Paulo, p. 2; “Estamos onde sempre estivemos. Em defesa da liberdade e contra todas as tiranias”.
A Plebe, nº90, 08/06/1935. São Paulo, p. 1.
28
desenvolver de maneira livre sua personalidade, assim como no trabalho, na ciência e nas artes
85
.
Assim, por meio da leitura do respectivo jornal foi possível entender os princípios dessa
ideologia política na década de 30, como também a experiência desse grupo de trabalhadores
frente às mudanças no mundo trabalho, dando ênfase na lei de sindicalização, pouco abordada
de forma aprofundada pela bibliografia existente.

1.1 Um jornal libertário


“Divulgar ‘A PLEBE’ é dever de todo o trabalhador de conciencia [sic] livre” 86.

A Plebe foi um dos jornais libertários e anticlericais que compõem a imprensa operária
do início do século XX. Foi fundado em 1917, pelo jornalista e militante anarquista Edgard
Leuenroth e prosperou até 1951. Seu surgimento ocorreu em meio ao contexto do final da
Primeira Guerra Mundial, em um cenário de instabilidade e carestia na vida dos trabalhadores
brasileiros. Inicialmente, afirmou ser uma continuação do periódico anticlerical A Lanterna e
se posicionou como um órgão em prol a luta dos trabalhadores em contraposição à opressão e
à miséria no país. Nessa primeira fase, noticiou sobre os países da América Latina e Espanha,
principalmente. Também discorreu sobre a organização e as ações dos sindicatos na capital de
São Paulo e no interior. Ademais, buscou conceituar o anarquismo, o bolchevismo e o
comunismo 87.
Em 1917, no mesmo ano de fundação, em meio à greve geral e por Leuenroth estar
envolvido nela (sendo inclusive preso), o jornal foi empastelado. Florentino de Carvalho
(pseudônimo do militante anarquista e espanhol Primitivo Raymundo Soares, adepto ao
movimento desde 190188) continuou praticamente sozinho com a publicação através da
utilização de vários pseudônimos, mas, segundo Parra, seria expulso do Brasil ao ser acusado

85
“Que é o anarquismo”. A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 3.
86
(Sem título). A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 1.
87
Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PLEBE,%20A.pdf. Acesso
em: 13/04/21.
88
PARRA, Lucia Silva. Leituras libertárias: cultura anarquista na São Paulo dos anos 1930. Dissertação
(Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, 2014, p. 49.
29
de ter sido um dos líderes da greve de 1917 em São Paulo, voltando em 191889. Em 1921,
Leuenroth conseguiu reabrir o jornal e manteve sua circulação até 1924, quando deixou de ser
emitido novamente por conta do estado de sítio do governo de Arthur Bernardes.
Posteriormente, o jornal voltou a ser editado em 1927, publicando denúncias de exílio de
operários e ativistas envolvidos no movimento de 1924. Nesse ano também foi criada a Lei
90
Celerada (06/08/27), que instituiu a repressão aos sindicatos e jornais operários . Portanto, a
trajetória do periódico vinha de um contexto turbulento e marcado pela censura.
Na década de 30, após a repressão gerada no período anterior sob o governo de Epitácio
Pessoa (1919-1922) e de Bernardes (1922-1926), ambos responsáveis por aniquilar grande
parte dos núcleos libertários que atuavam no Rio de Janeiro e em São Paulo, houve a retomada
de importantes canais de expressão libertária, principalmente em São Paulo, como o Ateneu de
Cultura Libertária, em 1931; o Centro de Cultura Social, a editora A Sementeira e o jornal A
Lanterna, em 1933; e A Plebe, em 1932, em uma nova fase.
Em 19 de novembro de 1932, durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas e após
as revoluções de Outubro (1930) e Constitucionalista (1932), o periódico retomou suas
atividades em São Paulo sob a coordenação de Rodolfo Felipe (também militante anarquista
desde pelo menos 1913 e editor de periódicos durante sua vida, como La Barricata e
Germinal91). Era um contexto de maior intervenção do governo federal em vários segmentos,
inclusive na questão social, a qual havia sido motivo de diversos conflitos durante a Primeira
República. Ao mesmo tempo, o movimento operário se reorganizava, a classe trabalhadora
reivindicava seus direitos e a efetivação deles por meio de greves. É importante destacar
também ser um período após a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, em que o Brasil vivia
as consequências da depressão e, portanto, a situação dos trabalhadores não era favorável.
Ademais, havia sido finalizada há pouco tempo a chamada Revolução Constitucionalista,
conflito ocorrido entre São Paulo e o governo federal, e que também gerou consequências para
o respectivo estado.
Sua publicação perpassa o período de disputas pelo poder entre as oligarquias e os
tenentes que caracterizava o Governo Provisório, como também os anos da eleição para a
Constituinte e a promulgação da Constituição (com o surgimento do Governo Constitucional),

89
Ibidem.
90
Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PLEBE,%20A.pdf Acesso
em: 13/04/21
91
PARRA, Lucia Silva. Leituras libertárias: cultura anarquista na São Paulo dos anos 1930. Dissertação
(Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, 2014, p. 50.
30
chegando em 1935 com a criação da Lei de Segurança Nacional e o fim das edições, as quais
ressurgiram apenas em 1947.
Apesar das dificuldades financeiras estarem presentes do início ao fim, fechando o
balancete sempre em déficits de valores variados, a venda do jornal permaneceu sempre no
mesmo valor: o número avulso correspondia a $200; o semestre a 5$000; o ano a 10$000, e o
pacote com 12 exemplares a 2$000. Por ser um periódico destinado aos trabalhadores que não
tinham segurança financeira, pois a legislação social com suas garantias e direitos ainda estava
sendo gestada, essa permanência pode significar a necessidade de cobrar um valor acessível
para todos, até porque um dos objetivos era a educação e conscientização da classe operária,
tanto da ideologia anarquista quanto do cenário nacional e internacional, assim como angariar
adeptos auxiliando na reorganização do movimento operário.
Inicialmente ele foi publicado semanalmente, sempre aos sábados, com a sede da
redação e administração abertas todos os dias e com expediente à noite, no Parque D. Pedro II,
nº103, 2º andar, mas ainda em 1932 mudaria para a Ladeira do Carmo nº7. Posteriormente, com
quase um ano de publicação semanal e conforme o saldo negativo foi aumentando, seja pelo
não pagamento por parte dos leitores ou gastos maiores do que as entradas com a compilação
dos números, a publicação passou a ser quinzenal, mais especificamente a partir do nº 45 do dia
21 de outubro de 1933. Em dezembro do mesmo ano tentou voltar a ser publicado
semanalmente, conseguindo por um tempo, mas logo isso se alterou no início de 1934, a partir
da quinquagésima terceira publicação 92. Em março deste ano, sua localização mudou para a
Avenida Rangel Pestana, nº 251, antiga Ladeira do Carmo, nº 9, permanecendo até 1935 93. O
valor das assinaturas permaneceu o mesmo 94, assim como o local destinado para a
correspondência (Caixa Postal, 195). Por fim, outro fator que pode ter afetado as publicações
foi o aumento das vigilâncias rigorosas em todas as tipografias da cidade, com a apreensão
sucessiva de manifestos e a grande censura sobre os editoriais de A Plebe. Também foi um
período caracterizado por relatos de prisões de “camaradas e simpatizantes” 95.
Com o intuito de angariar mais recursos financeiros para que houvesse mais edições e a
regularização da publicação semanal (algo que nunca foi alcançado), foram feitos festivais

92
A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo.
93
A Plebe, nº59, 31/03/1934. São Paulo, p. 1.
94
Número avulso: $200; Semestre: 5$000; Ano: 10$000; Pacote com 12 exemplares: 2$000.
95
“Tudo nos une... E’cos da visita do General Justo”. A Plebe, nº45, 21/10/1933. São Paulo, p. 1; p.3, em
“Movimento Operario. União dos Operarios Metalurgicos de S. Paulo”, escrito pela Comissão e em “Movimento
Operario. Ainda as ultimas prisões”. (21/10/33)
31
96
desde a sua volta em 1932 . Esses festivais também eram organizados com a finalidade de
estreitar os laços de solidariedade entre os anarquistas, considerados uma “família libertaria
[sic]”. Sempre eram compostos por orquestras, conferências e atos teatrais 97. Além dos
festivais, foram feitos piqueniques e rifas.
Ainda com relação à sua estrutura, todos os números são compostos por 4 páginas, ou
seja, o jornal apresentava uma estrutura padronizada, com exceção da publicação comemorativa
98
do 1º de maio de 1934, de 28 de abril, que conteve 8 páginas . Era impresso em forma de
tablóide, com uma diagramação que ocupava todos os espaços, característica marcante desde a
99
1º República, segundo Albino Rubim . Tinha boa qualidade, ainda mais se levada em
consideração os problemas financeiros. De acordo com Carlos Marques, a padronização não
era algo recorrente da imprensa operária por conta do conteúdo, das condições financeiras, das
máquinas disponíveis etc.100 Apesar de o jornal enfrentar parte desses problemas, a estrutura
(número de páginas e formato) se manteve, mudando apenas a periodicidade, mas até mesmo
ela não foi tão irregular como já discorrido.
Em sua composição, havia ilustrações e alguns números também apresentavam
fotografias, ainda que a incidência fosse menor. De forma geral, as ilustrações eram utilizadas
para criticar a condição de vida e de trabalho dos operários e de suas famílias, retratando a
101 102
desigualdade social , mas também para transmitir os princípios libertários e realizar
críticas aos acontecimentos da época, como a ascensão da violência policial 103 e do fascismo

96
O primeiro foi realizado no dia 24 de dezembro de 1932 (nº5)
97
Essas informações sempre acompanham os anúncios das conferências. Ex: Nº 30, p.1, em “Grande Festival
Pró ‘A PLEBE’”.
98
A Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo.
99
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Sobre a imprensa das classes subalternas 1880-1922. Revista de
Comunicação Social, Fortaleza, v. 11, n. 1, p. 15-23, jan./jun. 1981, p.21.
100
MARQUES, Carlos. A Imprensa Libertária: jornalismo operário e resistência anarquista na primeira década
do Século XX. Antíteses, vol.5, n.10, jul./dez. 2012. Universidade Estadual de Londrina, Londrina, p. 862.
101
Exemplos: “Só quem trabalha é quem terá a camisa”. A Plebe, nº36, 05/08/1933. São Paulo, p. 1.; “Frutos da
civilização burgueza. A família proletária sem pão, sem lar, sem nada”. A Plebe, nº37, 12/08/1933.São Paulo, p.
1.; “Contrastes… O operario que constroí os luzuosos palacios e os imponentes ‘arranha-ceus’, vê-se na rua sem
um ‘cortiço’ onde morar…”. A Plebe, nº40, 16/09/1933.São Paulo, p.1.
102
“Ah! Ah”. Título: O moderno Prometheu. O proletariado, amarrado aos preconceitos pelas leis e pela
religião, é devorado até ás entranhas”. A Plebe, nº45, 21/10/1933. São Paulo, p. 1 ; “O povo acorrentado... mais
um esforço, e ele se libertará”. A Plebe, nº46, 04/11/1933. São Paulo, p. 1; “Vida Livre”. A Plebe, nº89,
25/05/1935. São Paulo, p. 1.
103
“O regime (?) fascista (?) que vivemos prende, deporta e sonega a justiça de (?) presos sociais. O regime
integralista aspira redobrar (?) essas violencias, matando e torturando inquisitorialmente (?) (?) (?)”. A Plebe,
nº75, 10/11/1934. São Paulo, p. 1 ; A Plebe, nº76, 24/11/1934. São Paulo, p.1.
32
104
. De acordo com Raquel de Azevedo, o principal objetivo delas eram intensificar o apelo à
mobilização do leitor pela revolta105 Já as fotografias retratavam os dias de associações dos
trabalhadores, em piqueniques ou reuniões 106. Esse recurso também foi usado para mostrar o
rosto de um trabalhador que ficou por tempos desaparecido no final de 1934 e início de 1935
(Natalino Rodrigues)107.
A Plebe não apresentava anúncios e nem financiamentos, pois isso seria ir contra o
sentido doutrinário da imprensa operária e da ideologia anarquista (MARQUES, 2012, p. 859).
Então, o dinheiro arrecadado vinha apenas da venda dos números por meio de listas a cargo de
militantes e de subscrições voluntárias de simpatizantes (de São Paulo, mas também de várias
outras regiões do país) ou de sindicatos, um exemplo é a Liga Operária da Construção Civil que
geralmente constava na coluna das “Munições para ‘A Plebe’” como uma das contribuintes. A
oposição à existência de anúncios é evidente desde o primeiro número, em que afirmam:

“O nosso jornal viveu, vive e viverá do apoio moral e econômico que lhe é dado por todos que se
interessam pela sua publicação. Essa afirmativa foi sempre comprovada pelas subscrições permanentes
abertas em seu favor, onde se registram os tostões arrancados o mais das vezes á rudes necessidades – ao
pão para a boca (...)” 108.

Quando o jornal completou um ano de publicação, em 30 de dezembro de 1933 (nº 52)


seus editores afirmaram que estavam estudando táticas para o aumento das tiragens. Foi o único
número em que registraram o número de tiragens, alegando ter atingido 5000 exemplares e
pretendiam chegar a 10.000 no próximo ano 109. Apesar da falta de informação a respeito dessa
questão, é possível constatar a abrangência do periódico ao analisar a coluna das “Munições”,
pois nela são citadas as várias cidades que recebiam o jornal. Percebe-se que as assinaturas e
contribuições eram feitas de várias localidades, do norte ao sul do país e do interior de São

104
Exemplos:“Fascismo. Nazismo. Símbolos macabros duma civilização agonizante”. A Plebe, nº34,
22/07/1933. São Paulo, p. 1; Nº 38, p.1, “Queima de livros. Hitler, qual Nero redivivo, regogiza-se ante sua
obra”
105
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p.170.
106
“No Parque Jabaquara, um festival demonstração do (?) de ‘A PLEBE’, os amigos e simpatizantes deste
jornal posam alegremente, harmoniosamente, para a objetiva do fotografo. E’ um conjunto de energias vivas,
composto de familias proletarias que assim, ao ar livre, como uma só família, integradas no mesmo ideal de
fraternidade e justiça que constitue o objetivo da publicação deste jornal, estavam a realisação de um sonho de
liberdade”. A Plebe, nº86, 13/04/1935. São Paulo, p.1; “No Parque Jabaquara, durante o pique-nique de ‘A
Plebe’, cada qual procurava distruir-se (?) a seu modo. No presente (?) vê-se um grupo de pessôas que
aproveitando a frescura das arvores amigas conversam. discutem ou simplesmente observam o objetivo que as
surpreendeu”. A Plebe, nº86, 13/04/1935. São Paulo, p. 4.
107
A Plebe, nº78, 22/12/1934. São Paulo, p. 1.
108
A Plebe. nº1, 19/11/1932. São Paulo, p. 3.
109
A Plebe, nº52, 30/12/1933. São Paulo, p. 1.
33
Paulo. Em 1933, o periódico chegou a locais, como Goiás 110, Rio de Janeiro111, Porto Alegre,
Curitiba, Pelotas112, Uruguaiana, Recife 113
; e no interior do Estado de São Paulo, como em
Sorocaba114, Barretos, Bauru, Poços de Caldas, Itajubi, Santa Adélia, Santos 115
, Araraquara,
Amparo, Alvora, Barretos, Campinas, Catanduva, Itajubi, Mirasol, Ribeirão Claro, Rio Preto,
Santos, S. Carlos, Poços de Caldas, Bandeirantes 116, etc. Em 1934, foram registradas as
seguintes cidades: Pelotas, Porto Alegre, Rio Preto, Presidente Prudente, Marília, Rio de
117
Janeiro, Sorocaba, Guararema e Campinas , ou seja, até as últimas publicações ainda o
periódico conseguiu ter boa abrangência. O registro das cidades sempre vinha acompanhado
dos nomes dos contribuintes e do valor arrecadado.
Outra característica relevante desse tipo de imprensa é a inexistência de repórter. De
acordo com Rubim (citando observações feitas por Nazareth em seu livro), era a notícia que ia
ao encontro do jornal, demonstrando uma relação entre o leitor e o jornal. Isso fazia com que a
notícia sobre o fato aparecesse, por exemplo, na íntegra dos textos, discursos, conferências etc.
118
.
Por fim, com relação ao conteúdo, a imprensa operária foi marcada por temáticas
doutrinárias e educativas, principalmente, e A Plebe não foge disso apresentando trechos de
obras de autores clássicos do anarquismo, como Errico Malatesta, Peter Kropotkin, Louise
Michael, Luis Fabbri, Leon Tolstói, Sebastien Faure entre outros. Seus artigos foram escritos
pelo Grupo Editor, mas também por meio de correspondências de outros locais; por outros
autores, dentre os quais poderiam ser os trabalhadores; pela escrita de outros grupos anárquicos;
por comunicados emitidos pelas comissões dos sindicatos e da Federação Operária; por
telegramas de outros países etc. Aliás, já em 1933, apesar do retorno recente, a contribuição
com conteúdos para a publicação parecia ser grande. Na coluna “Aos nossos colaboradores”,
os redatores avisam:

110
“‘A PLEBE’ em Anapolis (Goiaz)”. A Plebe, nº35, 29/07/1933. São Paulo, p. 3.
111
Apesar de que já em 32 estava sendo vendido na região pelo companheiro Sebastião Batista, na rua Teófilo
Otoni, 148, na segunda sede da Liga Anticlerical. A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 3.
112
“‘A PLEBE’ no Interior”. A Plebe, nº35, 29/07/1933. São Paulo, p. 3.
113
“‘A PLEBE’ no interior”. A Plebe, nº43, 07/10/1933. São Paulo, p. 2.
114
Também já estava sendo vendido na região, em 1932, pelo camarada Albino, na Rua Ermelindo Matarazzo,
61. “Em Sorocaba”, A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 4.
115
“‘A PLEBE’ no Interior”. A Plebe, nº35, 29/07/1933. São Paulo, p. 3.
116
“‘A PLEBE’ no interior”. A Plebe, nº43, 07/10/1933. São Paulo, p. 2.
117
“Munições para A Plebe”. A Plebe, nº90, 08/06/1935. São Paulo, p. 3.
118
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Sobre a imprensa das classes subalternas 1880-1922. Revista de
Comunicação Social, Fortaleza, v. 11, n. 1, p. 15-23, jan./jun. 1981, p. 22.
34
“Os nossos colaboradores nos desculpem. Nós fomos os primeiros a pedir colaboração. Mas o jornal é
tão pequeno e os artigos, ás vezes [sic], são tão extensos! (...) Nós temos vontade de servir e agradar a
todos os colaboradores. Mas não é possível publicar tudo o que nos enviam apezar [sic] do nosso desejo
e vontade de concertar o que merece e pode ser concertado (...)”119.

Portanto, entende-se que muitos viam nesse periódico libertário a possibilidade de


expressarem suas opiniões e se posicionarem frente aos acontecimentos. A partir disso, é
possível fazer uma ligação entre essa informação e o número crescente de autores nas
120
publicações desse ano . Rodrigo Silva confirma essa intrínseca relação, inclusive muito
importante para dar continuidade às publicações (essa mobilização da imprensa anarquista foi
alvo da polícia):

“Os livros e, em especial, os jornais anarquistas tinham muitos e fiéis leitores, que para além de
consumidores passivos, tinham a oportunidade de participar de alguma parte do processo de concepção,
confecção ou difusão de alguma publicação, e muitas vezes faziam valer essa abertura e exerciam um
papel ativo. Assim, qualquer publicação anarquista possuía uma rede de colaboradores e articuladores
que se revezava nas diferentes tarefas para conseguir manter, com fundos próprios, a periodicidade ou a
continuidade dos trabalhos.” (SILVA, 2005, p. 96).

Na década de 30, os conteúdos abarcaram episódios internacionais ocorridos no


primeiro quinquênio e a posição do jornal frente a eles. Dessa forma, os artigos fizeram
oposição à ascensão do fascismo, nazismo e do integralismo; acompanharam e apoiaram a
ocorrência de movimentos revolucionários, principalmente na Espanha e em Cuba; e criticaram
o Bolchevismo russo, assim como suas ações.
O historiador Edgard Carone, ao tratar da imprensa operária durante a Primeira
República alegou a respeito dos conteúdos que:

“Estas publicações reproduzem fartamente o material da época, e baseiam argumentos e reivindicações


em torno do pensamento destas lideranças europeias. Ainda mais, a maioria esmagadora destas
reproduções trata largamente da questão da ideologia, do problema organizatório e, superficialmente, da
política cotidiana...” 121.

O periódico libertário em análise se encaixa na maioria dessas definições. Entretanto,


percebe-se nesse momento que a situação política do país é tratada em vários números, com um
claro posicionamento, diferentemente do que era comum anteriormente segundo Carone. A
elaboração da Constituinte e a promulgação das leis sociais, por exemplo, foram

119
“Aos nossos colaboradores”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 1.
120
Ver tabela: “Nomes dos autores dos textos”, a partir do número 30.
121
CARONE, Edgar - Introdução ao estudo do movimento operário do Brasil (1817-1944). Ensaios de Opinião.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, p. 43-45.
35
frequentemente abordadas. O que pode explicar esse maior enfoque nos acontecimentos
políticos do país é o fato de o governo federal estar exercendo interferência na relação entre
capital e trabalho ao propor uma nova forma de organização baseada no corporativismo, a qual
impedia que os sindicatos tivessem um caráter autônomo e revolucionário, o que ameaçava a
existência dos anarquistas, dos sindicalistas revolucionários e da sociedade que almejavam.
Portanto, eram medidas que os atingiam diretamente. Nesse sentido, desde a primeira
publicação de 1932, o jornal se apresentou como um “periódico libertário”, afirmando ser um
"modesto semanário dedicado ao estudo e debate de todos os problemas que se relacionam com
a Questão Social e com as aspirações dos trabalhadores". Os objetivos propostos eram, por meio
de suas publicações, educar, instruir e congregar os trabalhadores com a finalidade de se opor
à opressão e a exploração de que eram vítimas. Ademais, afirmou seguir princípios “apolíticos
e ação direta” 122.
Esse intuito educativo acompanhou a trajetória do jornal nos anos em que esteve em
circulação. Em 1933, por exemplo, os editores se direcionam aos leitores pedindo que:

“Se não o colecionas, não inutilizes este jornal. Dá-o a um amigo, oferece-o a um companheiro, envia-o pelo
correio a um parente ou a um conhecido. Se te agrada e interessa faz o possível para que outras pessoas
também o leiam e por ele se interessem. Quantas vezes um simples semanário de propaganda achado por
acaso a embrulhar qualquer mercadoria não contribuiu para atrair ás nossas idéas [sic] aquele que lhe lançou
os olhos, movido pela simples curiosidade do título? Por isso não desperdices nenhum exemplar” 123.

No fim da mesma página, reiteraram que:


“Divulgar ‘A PLEBE’ é dever de todo o trabalhador de conciencia [sic] livre” 124.

Seu público era composto principalmente por trabalhadores, mas também encontrava
“boa acolhida por propagar e defender um principio [sic] de equidade e de justiça” entre a classe
125
média . Essa alegação reitera a explicação de que o anarquismo não se dirigia apenas aos
trabalhadores, mas a todos aqueles que pudessem ser aptos para a eclosão da revolução social.

1.2 O sindicato como meio de luta para uma nova sociedade


Sobre a definição de sindicato, Marcelino explica que:

“(...) partindo da tentativa de definição de sindicato, como aponta Marcel van der Linden (2013), a
literatura que trata da questão não apresenta um consenso quanto a isso, contudo, parecer haver

122
“O nosso reaparecimento. A nossa ação” A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.4.
123
“Leitor Amigo”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p.1.
124
A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 1.
125
“‘A PLEBE’ aos seus amigos. Precisamos desenvolver a propaganda libertaria”. A Plebe, nº35, 29/07/1933.
São Paulo, p. 1.
36
concordância de que os sindicatos sejam “organizações que capacitam os trabalhadores a defender seus
interesses” (p. 245), podendo ser esses interesses variados indo de reclamações salariais, estabelecimentos
de horas de trabalhos, instituição de algum tipo de auxílio ao trabalhador, a defesa contra maus-tratos no
trabalho, entre outros. Muito se crê que eles tenham sido originados entre o final do século XVIII e início
do século XIX. Entretanto, o que o autor traz de fulcral em seu trabalho, está no que ele disse sobre a
fundação dos sindicatos que atende a mais de um meio para ser concretizado e cita os exemplos de
sindicatos surgidos pela imitação de outros e aqueles formados pela transformação (2013, p. 246-248)”.
(MARCELINO, 2018, p. 42)

A discussão a respeito da questão social tocava necessariamente na importância da


atuação no sindicato para o projeto libertário, indo de encontro ao projeto corporativista. De
acordo com a explicação do próprio jornal, o sindicalismo surgiu visando a mudança
fundamental das bases e da estrutura orgânica da sociedade. O termo foi inventado por
anarquistas da França no século XIX, mas antes disso já existia um movimento operário, isto é,
organizações proletárias e uma trajetória reformista, ambas inspiradas no desejo da “grande
revolução” 126. Portanto, sindicato era um meio importante para alcançar a revolução e um local
para a defesa dos interesses dos trabalhadores:

“Sindicalismo era denominação com que se conhecem a luta da classe operaria na defeza [sic] de seus
interesses contra o capital. (...) O ponto ideal em que deveria situar-se o ‘sindicato’ era, pois, o da
equidistância entre o socialismo e o anarquismo. Dilucidar [sic] questões de doutrina, propagar os
princípios de socialização da terra e da riqueza em geral, aconselhar a luta impostergável contra a
burguezia [sic] e o Estado sob qualquer de suas formas, manifestar-se contra a autoridade do
sacerdote, do legislador e do patrão no templo sindical (...)” 127. (grifo meu)

Os anarquistas se inspiraram nos sindicatos sob os moldes franceses da Confédération


Génerale du Travail (C.G.T – Confederação Geral do Trabalho), uma confederação de
sindicatos autônomos e independentes que surgiu no final do século XIX e defendia a
congregação de todos os trabalhadores em sindicatos organizados por ofício, sem ligação com
correntes políticas e visando estimular a resistência ao capitalismo. Assim, o sindicato deveria
ser algo que incentivaria a reunião e a ação entre os trabalhadores que poderiam estar divididos
por outras questões. Nos sindicatos desenvolviam solidariedade entre os trabalhadores,
fortalecendo que interesses em comum fossem definidos em oposição aos empregadores 128.
Além disso, para o pensamento anarquista, as associações operárias eram associações de

126
L.M. “Anarquismo e Sindicalismo”. A Plebe, nº33, 15/07/1933. São Paulo, p.2.
127
L.M. “Anarquismo e Sindicalismo”. A Plebe, nº36, 05/08/1933. São Paulo, p. 2.
128
Essa forma de se organizar se consolidou no Brasil a partir das resoluções aprovadas no I Congresso Operário
Brasileiro, em 1906, no Rio de Janeiro. OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no
Brasil (1906-1936). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p.
64.
37
resistência com a finalidade de superar a organização no partido político socialista ou em
qualquer associação oposta à ação direta129.
A partir dos escritos da obra “De Solidariedade Obreira”, o jornal deixa clara sua
posição a favor da organização operária por julgar ser o meio mais eficaz para a disseminação
dos ideais de “renovação e transformação social”:

“Somos partidários decididos da organização operaria [sic] e a ela dedicamos toda a nossa atividade e
capacidade, porque entendemos e comprovamos também que é o meio mais eficaz que temos os
anarquistas para fazer penetrar no seio do povo as nossas ideias de renovação e transformação social” 130

Também enxergavam a necessidade de ela persistir mesmo após a eclosão da Revolução


Social, pois defendiam que o sindicato deveria ser a “base construtiva da sociedade futura”.
Assim, o trabalho de organização sindicalista deve ser visto como necessidade orgânica da fase
construtiva da revolução131. Ou seja, a atuação dos anarquistas dentro do sindicato era de modo
a auxiliar os trabalhadores a perceberem o potencial revolucionário que tinham, como explica
Oliveira132.
Desde 1932, A Plebe já se posicionava a favor dos sindicatos desde que fossem
organizados de forma espontânea por aqueles que demonstrassem interesse e pudessem agir de
maneira livre133. Na trigésima publicação, de junho de 1933, foi republicado um manifesto de
1922 em que explicavam que o sindicato era um organismo de luta permanente contra o
patronato e contra o capitalismo, assim como um importante elemento de educação social dos
trabalhadores, pois desenvolvia o exercício do sentimento de solidariedade, mantendo a
combatividade e estava destinado a ser a base essencial da reconstrução da sociedade,
assegurando a viabilidade das concepções libertárias em oposição a toda tendência centralista
e autoritária. A ação dos anarquistas nos meios sindicais deveria ser desenvolvida a fim de
difundir a propaganda dos seus princípios com o objetivo de conquistar a consciência dos
trabalhadores. Dessa forma, compreendiam que a resistência dos trabalhadores era um
fenômeno imanente da sociedade capitalista, algo natural da luta de classes, que se manifestava

129
MARCELINO, Danillo Rosa. Ação direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São
Paulo (1906-1919). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018, p. 53.
130
“Anarquia e Anarquismo”, trecho de “De Solidariedade Obreira”. A Plebe, nº38, 26/08/1933. São Paulo, p. 4.
131
Grupo Editor de A Plebe. “Vida Anarquista. Em torno do sindicalismo”. A Plebe, nº52, 30/12/1933. São
Paulo, p. 2.
132
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p. 84.
133
“A lei de sindicalização obrigatória”. A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p.1.
38
e se desenvolvia com ou contra a vontade de qualquer partido, como algo necessário para a
defesa de seus direitos “vilependiados (sic) pelo patronato” 134.
A importância do sindicato foi também demonstrada por aqueles vinculados à FOSP.
Por exemplo, a Comissão do Sindicato dos Trabalhadores em Fabricas de Chapéos reiterava
que, de acordo com suas bases, seu sindicato não deveria estar ligado a iniciativas políticas e
nem religiosas, mas poderia protestar contra “todos os males que da política ou religião
provierem em prejuízo da liberdade e do progresso” e era o que estavam fazendo. Denominam-
se como “sindicalistas revolucionários” e explicam sua forma de agir, a qual era oposta à dos
reformistas:

“A questão para nós, sindicalistas revolucionários, está posta da seguinte maneira: lutar contra o patronato
para obter, á [sic] custa dele um aumento constante de bem estar, tendo por fim a supressão da exploração.
(...) O operário entra no sindicato para aí lutar contra o patronato, instrumento direto da sua escravidão e
contra o Estado, defensor natural do patronato. E’ [sic] no sindicato que ele adquire toda a sua força de
ação e onde ideias começam a evoluir para a defeza dos seus interesses” 135.

Segundo Silva, era bastante a intensidade da propaganda sindicalista nesse momento.


Outros jornais de categorias profissionais específicas e editados por seus respectivos sindicatos
circulavam ideias e notícias, assim como A Plebe, e eram parte importante da luta operária,
entre eles: O Trabalhador da Light, O Trabalhador Padeiro, O Trabalhador Chapeleiro, O
Trabalhador Vidreiro, A Voz dos Profissionais do Volante 136.
As ações nos sindicatos visavam também a instauração do Comunismo Libertário, um
desejo latente e perceptível nas páginas do jornal ao perceberem que o sistema capitalista estava
em crise e prestes a entrar em derrocada137. Sobre essa questão, é interessante observar como
desde 1933 a revolução anárquica que estava em curso na Espanha é citada de modo que as
ações de parte do povo espanhol serem vistas e referenciadas como um exemplo aos anarquistas
brasileiros138. Percebe-se, então, uma transnacionalidade dos ideais anárquicos.

134
Grupo Editor de A Plebe. “Vida Anarquista. Em torno do sindicalismo”. A Plebe, nº52, 30/12/1933. São
Paulo, p. 2.
135
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial. Sindicato dos Trabalhadores em
Fabricas de Chapéos”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 4.
136
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 25.
137
Ex: Nº 66 e 67, p.2, em “Anarquismo pratico”: instruções de como concretizar o comunismo libertário por
meio de um programa mínimo que pautava a realização de algumas práticas.
138
“Os martires de Chicago e o 1º de Maio". A Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo, p. 2: O jornal para que os
“precursores e pioneiros da Liberdade” continuassem batalhando, com caráter, convicção pela mesma causa,
identificados pelos mesmos princípios e que imitassem os irmãos da “heroica Espanha Revolucionaria de hoje”,
39
Em 1934 tinham certeza da falência do sistema capitalista, algo perceptível pelas
manifestações, insurreições, conflitos, reação fascista e a crise econômica em diversas partes
do mundo. Com isso, houve uma intensificação da necessidade da revolução. Em “A onda se
avoluma - A civilização capitalista está em frangalhos”, o periódico abarca acontecimentos em
diversos países, argumentando ao final que:

“O sistema burguês, faliu... A situação do mundo exige pronto remédio [sic]. A revolução profundamente
social, se impõe” 139.

Nesse sentido, o sindicalismo revolucionário seria responsável pelo fim do sistema


capitalista. Um exemplo para constatar essa afirmação é uma ilustração publicada no final de
março, na primeira página da quinquagésima nona edição. Nela foi retratado um cenário
industrial, com fábricas ao fundo. Em primeiro plano, estão três trabalhadores puxando para
baixo com força uma barra em que está escrito “sindicalismo revolucionário”. Essa barra está
ancorada em uma pedra, em que está escrito “anarquia”. O ato de puxá-la para baixo jogaria
para fora um bloco chamado “capitalismo” 140
.

Imagem 1

Então, evidentemente, os anarquistas participaram da reorganização do movimento


operário que ocorreu no final de 1930, a partir de movimentos grevistas e por uma articulação

ou seja, em rumo do Comunismo Libertário; “Como se faz a propaganda anarquista na Espanha”. A Plebe, nº71,
15/09/1934. São Paulo, p. 2.
139
Na França, fascistas fizeram uma manifestação pedindo a existência de um rei, o povo respondeu indo às ruas
para enfrentar essa reação, gerando conflitos violentos. Na Áustria, a situação era semelhante, pois um príncipe
queria restaurar a monarquia, mas a resposta foi a insurreição armada. Portugal e Espanha também estavam em
um conflito, com 20.000 presos sociais e greves, motins e explosões. Na Alemanha, depois de um ano de
“terror”, o povo estava na miséria. Na América do Norte, a situação econômica e social piorava cada dia mais
(muito desemprego). Na Inglaterra ocorria o mesmo fenômeno. Da mesma forma, na Argentina, Uruguai e Brasil
a situação era um indício do que estava se alastrando por todo o mundo. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo,
p. 1.
140
A Plebe, nº59, 31/03/1934. São Paulo, p. 1.
40
encabeçada por eles e os trotskistas, através do Comitê de Reorganização Sindical. Sindicatos
foram criados para várias categorias e outros foram refeitos, culminando na formação de duas
federações sindicais estaduais: a Federação Sindical Regional de São Paulo (FSRSP), dirigida
por comunistas; e a Federação Operária de São Paulo, a qual congregava a maior número de
sindicatos e algumas das categorias de trabalhadores mais importantes da capital 141.
Falando especificamente da FOSP: a Federação foi fundada em 1905, mas sua retomada
aconteceu durante a 3º Conferência Operária Estadual, entre os dias 13 a 15 de março de
1931142. Nesse momento, se localizava na Rua Quintino Bocaiúva, nº80 e reunia diversos
sindicatos de orientação anarquista e se destacou por sua luta contra a oficialização, recusando-
se também a aceitar a carteira de trabalho. Assim, foi um dos focos de maior resistência ao
controle estatal e, segundo Rodrigo Silva, a entidade de caráter libertário com maior projeção
nos primeiros anos após a Revolução de 30, sendo sempre supervisionada pelos investigadores
ligados ao DEOPS. Sobre a Federação nesse momento, Silva explica que:

“Em torno da FOSP havia uma grande quantidade de grupos, ligados direta ou indiretamente à entidade.
Filiados a ela existiam dezenas de sindicatos e pequenos grupos de afinidade, mas também circulavam
em sua sede (...) diversos militantes e agrupações libertárias. Nesse salão encontravam-se instaladas
diversas secretarias de sindicatos filiados e havia espaço para assembleias e reuniões. A Federação possuía
um jornal que era considerado, pelos investigadores do DEOPS, “órgão oficial da Federação Operária”,
batizado de O Trabalhador” 143.

Assim, por meio do jornal foi possível acessar não só a reorganização da FOSP, como
também seu posicionamento e dos sindicatos atrelados a ela. Para o periódico, esse momento
de reorganização marcava uma nova fase do movimento operário, de ainda mais valor, em que
“todos os organismos proletários” estavam buscando unir ainda mais os “laços de fraternidade”
a todos os trabalhadores, ao mesmo tempo em que os “tentaculos [sic] do poder” queriam
transformar a consciência desses (referência à nova lei de sindicalização) 144:

“(...) O movimento associativo atingiu uma fase pleitorica [sic], de mais valor no momento atual, porque
os tentaculos do poder pretendem, com a carta de sindicalização transformar a conciencia [sic] das massas

141
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30. Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p.47)
142
RODRIGUES, Edgar. Os Companheiros- Vol.2, Rio de Janeiro, VJR, 1995.
143
SILVA, Rodrigo da. A Federação Operária de São Paulo: Anarquistas e sindicalistas nos anos 1930. Anais do
XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho de 2011, p.8. Disponível em: <
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1312754708_ARQUIVO_AFederacaoOperariadeSaoPauloRo
drigoRosadaSilvaOK.pdf >. Acesso em: 08/07/2021
144
“Movimento Operario. Pelo campo, fabricas e oficinas”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.3.
41
trabalhadoras, que à margem da política, respondem á afronta organizando-se livremente, em torno da
Federação Operaria de São Paulo” 145.

No primeiro número do jornal, por meio de uma Nota Oficial, a Federação relatou sofrer
oposições de “politiqueiros de todos os matizes”, os quais tentavam exterminá-la por meio de
vários ataques e calúnias contra seus militantes. Mas os trabalhadores foram solidários ao
recorrerem à filiação nos sindicatos.
A FOSP foi a entidade de caráter libertário de maior alcance nos primeiros anos da
década de 30, sendo responsável por coordenar o movimento sindical da capital e do interior,
por meio dos “princípios apolíticos e da ação direta”. Em 1931 congregava 13 sindicatos e mais
de 1000 filiados146, já no período da volta do jornal, eram filiados a ela: a União dos Artífices
em Calçados147; a União dos Operarios Metalurgicos148; o Sindicato dos Operarios em
Fabricas de vidros; o Sindicato dos Manipuladores de Pão e anexos confeiteiros de São
Paulo149; a União dos Operarios em Fabricas de Chapéos; a União dos Trabalhadores da
Light; o Sindicato dos Profissionaes do Volante; o Sindicato dos Caneiros de Itatiba; os
Canteiros de Ribeirão Pires; a Liga O. da Construção Civil; a União dos Empregados em
Cafés; Sindicato dos Operarios em Frigorifico e anexos150; a União dos Trabalhadores da
Limpeza Publica; o Sindicato dos Trabalhadores em fabricas de Bebidas151; a União dos
Operarios em Fabricas de botões, Pentes e Similares152. Em suma, ou estavam agindo de modo
a fazer com que a lei de férias e a lei das 8 horas de trabalho fossem cumpridas ou estavam em
fase inicial de reorganização. Vale ressaltar que com o passar dos anos é perceptível uma queda
nos sindicatos adeptos à Federação, isso porque não resistiu às diversas investidas contrárias
por parte de outras tendências políticas e por parte do Estado. Em 1933, por exemplo, foram
registrados como filiados à FOSP apenas os seguintes sindicatos: União dos Artifices em
Calçados e Classes Anexas, Sindicato dos Trabalhadores em Fabricas de Chapéos, União dos

145
“Movimento Operario. Pelo campo, fabricas e oficinas”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.3.
146
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 19.
147
Descrito como um sindicato que permanecia na “coluna da vanguarda do sindicalismo revolucionário”.
“Movimento Operario”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.3.
148
Sua filial havia sido fundada em São Caetano. “Movimento Operario”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.3.
149
Havia participado das greves de maio e tentava recuperar seu prestígio.“Movimento Operario”. A Plebe, nº1,
19/11/1932, p.3.
150
Havia sido criado dentro das normas do sindicalismo revolucionário.“Movimento Operario”. A Plebe, nº1,
19/11/1932, p.3. No nº 2, p.4, consta que sua sede já se localizava na na Rua Quintino Bocayuva, 80.
151
Já funcionava na Rua Quintino Bocayuva, 80, obedecendo às normas do sindicalismo revolucionário.
152
Os nomes foram escritos seguindo a grafia do jornal. Nº1, p.3
42
153
Canteiros de São Paulo e Liga Operaria da Construção Civil . De qualquer forma, Silva
considera que essa federação foi “um dos focos de maior resistência à ingerência do Estado
sobre as organizações de trabalhadores em São Paulo” (SILVA, 2005, p.19).
Após três anos de atuação, a FOSP foi forçada, de acordo com o jornal, a deixar o prédio
onde realizava suas reuniões e atos associativos. Transferiu sua sede para a Praça da Sé, 39, 2º
andar, onde continuaria “a sua obra de organização e defesa dos interesses das classes
proletarias [sic]”. Para esse mesmo prédio também foram transferidas as sedes da Liga Operária
da Construção Civil, o Sindicato de Ofícios Vários, a União dos Operários Metalúrgicos, a
União dos Artífices em Calçados e Classes Anexas e o Sindicato dos Manipuladores de Pão,
Confeiteiros e Similares, ocupando a sala 72. De acordo com o que o periódico registrou sobre
a FOSP, a Federação afirmou continuar fiel aos seus princípios de organização fora da política,
seguindo, como sempre seguiu, “as normas de ação direta na luta pela emancipação dos
trabalhadores”. Ademais, foram iniciadas em sua sede de forma gratuita aulas de geografia,
português, matemática e oratória, sob responsabilidade do acadêmico em Direito, Clóvis A.
Campos154.

2. A Experiência libertária na década de 30


2.1 A legislação trabalhista e a instabilidade do governo de Vargas
A situação dos trabalhadores no período anterior a 1930 foi marcada pela repressão,
pela redução dos salários, pelo desemprego, pela crise econômica, pelo fechamento das
organizações sindicais e pelo não tratamento adequado da questão social. Esse cenário
favoreceu com que se criasse um ambiente propício para que movimentos apoiassem a queda
do governo da 1º República (oligárquico, liberal e excludente) e enxergassem com simpatia a
Revolução de Outubro de 1930. Assim, sua chegada ao poder, através de um golpe,
desencadeou nos últimos meses deste ano uma intensa atividade organizativa e greves que se
estenderam por anos. De acordo com Ângela Araújo, isso mostrava a receptividade dos

153
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São
Paulo, p. 4.
154
“Movimento Operario. A nova sede da Federação Operaria de S. Paulo. A Plebe, nº88, 11/05/1935. São
Paulo, p. 3.
43
trabalhadores e explicitava quais eram suas expectativas em relação ao novo regime que se
anunciava155.
Algumas leis já estavam sendo gestadas desde a década de 20, embora não tenham sido
praticamente efetivadas, mas de fato só tomaram um caráter mais sistemático após a Revolução
de 30. Além disso, entre 1889 a 1930 vários decretos foram aprovados de modo a melhorar a
condição operária. Ou seja, elas não foram outorgadas pelo novo governo, um mito construído
pelo próprio regime Varguista. Os anarquistas, segundo Raquel de Azevedo, questionaram esse
mito desde a decretação das primeiras leis trabalhistas na década de 30, assim como já eram
críticos da ineficácia das leis anteriores156. Mas, de fato, foi a nova Legislação Trabalhista que,
de acordo com Azevedo, tornou-se um novo fator para coibir a atuação libertária 157. Assim, a
atitude dos anarquistas permaneceu a mesma dos anos anteriores, quando criticavam de forma
geral as leis por essas serem uma forma de desviá-los da verdadeira luta158.
Não foi novidade também desse novo governo a criação de organismos oficiais para a
implantação e fiscalização dos direitos. Anteriormente já existiam o Departamento Estadual do
Trabalho (1911), Departamento Nacional do Trabalho (1917) e o Conselho Nacional do
Trabalho (1923). Uma das reais mudanças do pós-30 foi o deslocamento da elaboração das leis
159
para o Poder Executivo com a criação do Ministério do Trabalho já em 1930 . Além disso, o
Departamento Nacional do Trabalho teria órgãos responsáveis pela mediação dos conflitos e
para uma fiscalização mais efetiva.
Logo no primeiro quinquênio foram criados órgãos responsáveis, como o Ministério do
Trabalho, e algumas das leis trabalhistas e sindicais foram gestadas, como a lei de
sindicalização, para compor suas bases corporativas. Tal lei foi promulgada em março de 1931,
a partir do Decreto nº 19.770, e representou a concretização da intervenção do poder público na
relação entre capital e trabalho a fim de minimizar os conflitos, compreendidos como os
motivos da instabilidade das primeiras décadas do século XX. Assim, esta lei está dentro das
ações efetuadas no pós 30 visando o controle da situação, visto que desde as décadas passadas
diversas greves e movimentos sociais haviam eclodido reivindicando direitos, posicionando-se

155
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 153.
156
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 271- 273.
157
Ibidem, p. 271.
158
Ibidem, p. 285.
159
Ibidem, p. 273.
44
contra os governos oligárquicos. Foi ela principalmente a responsável por colocar em xeque o
projeto libertário.
A nova lei atrelou as organizações sindicais de empresários e trabalhadores ao Estado,
colocando em prática um modelo sindical baseado no corporativismo. Para isso foi preciso
romper com a pluralidade sindical (vários sindicatos para uma mesma categoria profissional) e
adotar a unicidade sindical (que depois seria revista em 34 160). Nos novos sindicatos foram
proibidas propagandas política e religiosa, isso porque o Art. 5º do decreto definia-os como
uma agência do Estado, agregando a eles um caráter público 161 e não seriam mais uma
organização em prol da defesa de interesses pessoais. Durante o período aqui analisado, de 1932
a 1935, não era obrigatória, porém somente aqueles sindicatos reconhecidos pelo governo
poderiam ser beneficiados pela legislação social e usufruir dos direitos que estavam sendo
reivindicados há tempos. Ademais, impedia a atuação de estrangeiros na direção sindical; ⅔
dos associados precisavam ser brasileiros natos; e impedia a difusão de ideologias políticas 162.
Aliás, com o intuito de viabilizar esse novo modelo de sindicalismo foram introduzidas
várias leis trabalhistas e previdenciárias, tanto com o primeiro ministro do trabalho Lindolfo
Collor (dez. de 1930 a março de 1932) quanto - e principalmente - com Salgado Filho (abr. de
1932- jul. de 1934), o segundo ministro. Entre elas: a Carteira de Trabalho em 1932; a Lei de
Férias de 1934 (que mais reverberou de forma negativa entre os anarquistas); o novo Código
de Menores; a regulamentação do trabalho feminino; o estabelecimento de convenções
coletivas de trabalho; criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões etc. Além disso, a lei
de sindicalização foi atrelada à política institucional e aqueles que se sindicalizassem poderiam
eleger deputados classistas na Assembleia Constituinte, participando da elaboração da
Constituição, uma grande mudança com relação aos direitos políticos163. Isso tudo correspondia

160
Em 34, na Assembleia, a unicidade sindical foi derrotada e substituída pelo princípio da pluralidade sindical.
Com isso surgiu uma nova lei de sindicalização (decreto nº 24.694, de julho de 1934), que garantiu maior
autonomia sindical, mas manteve o reconhecimento pelo Ministério do Trabalho. Disponível em: <
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-
37/PoliticaSocial#:~:text=Essa%20interven%C3%A7%C3%A3o%20ganhou%20express%C3%A3o%20concret
a,estabelecida%20a%20Lei%20de%20Sindicaliza%C3%A7%C3%A3o.&text=A%20sindicaliza%C3%A7%C3
%A3o%20n%C3%A3o%20era%20obrigat%C3%B3ria,ser%20beneficiadas%20pela%20legisla%C3%A7%C3%
A3o%20social. > Acesso em: 06/07/2021. É interessante observar como essa alteração não foi relatada pelo
jornal e, portanto, somente a lei de 1931 foi citada durante esses anos.
161
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 84.
162
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 299.
163
Disponível em: < https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-
37/PoliticaSocial#:~:text=Essa%20interven%C3%A7%C3%A3o%20ganhou%20express%C3%A3o%20concret
a,estabelecida%20a%20Lei%20de%20Sindicaliza%C3%A7%C3%A3o.&text=A%20sindicaliza%C3%A7%C3
%A3o%20n%C3%A3o%20era%20obrigat%C3%B3ria,ser%20beneficiadas%20pela%20legisla%C3%A7%C3%
A3o%20social. > Acesso em: 06/07/2021
45
a um projeto político: o corporativista, que na época entrou em embate com os demais, inclusive
com o libertário. Por conta dessas disputas, o governo permaneceria bastante instável até 1937.
Em 1932, durante o Governo Provisório, em meio a um cenário de instabilidade acirrado
pela crise política que emergiu com a rearticulação dos setores oligárquicos contra o chamado
“governo revolucionário”, a movimentação operária teve grande importância na continuidade
na defesa de suas reivindicações. No primeiro semestre deste ano houve um aumento no número
de greves entre as várias categorias mais importantes do movimento operário. Elas foram
promovidas e conduzidas pelas organizações autônomas dos trabalhadores. De acordo com
Angela Araújo, aquelas que tiveram início no dia 2 de maio foram as mais importantes da
década de 30, com mais impacto político desde 1919. Nesse momento, o descontentamento por
parte do operariado era resultado das consequências da crise econômica que ainda não havia
sido superada e pela ineficiência do governo em promulgar e cumprir a legislação trabalhista.
As pressões que se sucederam fizeram com que o Governo criasse leis que correspondiam em
parte às demandas dos trabalhadores, como a que estabelecia a jornada de 8 horas para a
indústria (nº 21.304) e a que regulamentou o trabalho da mulher na indústria e no comércio (nº
21.417). É nesse rol de acontecimentos que eclodiria em julho do mesmo ano a Revolução
Constitucionalista, a qual significou para os trabalhadores a intensificação do trabalho, o
desrespeito à legislação social e o aumento da repressão 164.
O jornal A Plebe volta com sua circulação no final de 1932 e a instabilidade do período,
assim como as mudanças de opiniões ao longo do tempo frente ao governo foram notadas e
expressadas. Além disso, as reivindicações trabalhistas continuaram a acontecer em prol à
melhora da condição de vida, mesmo com a promulgação das leis. A Federação Operária de
São Paulo reivindicava férias, jornada de 8 horas, salário mínimo e "outras medidas de
indiscutível necessidade imediata para a classe trabalhadora", pois algumas delas já haviam
sido instituídas, mas continuavam sendo burladas pelos patrões165. Até o fim do ano, a FOSP
permaneceria reivindicando o cumprimento das 8 horas de trabalho 166, porque entendia ser um
direito trabalhista conquistado pela luta dos próprios trabalhadores e, portanto, deveria ser

164
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 167-175.
165
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.3.
166
Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de São Paulo, filiado à FOSP, foi a única
associação que reivindicou de forma específica o cumprimento das 8 horas de trabalho, enquanto os demais se
manifestavam reivindicando outros direitos ou criticando as burlas das leis sociais por parte dos patrões e a
inutilidade dos fiscais em fazer com que eles as cumprissem.
46
respeitado. No caso do estabelecimento do salário mínimo, a Federação justificava sua
reivindicação a fim de que as necessidades da vida dos operários fossem supridas 167.
A Lei de férias também era outra reivindicação: única lei herdada do governo anterior e
que havia sido suspensa para a revisão e o decreto que determinava o pagamento das férias
referente a 1930 não estava sendo cumprido 168. Então, a Federação argumentava ser apenas
uma “vaga promessa” por parte do Ministério, uma vez que tal lei não estava sendo
169
implementada da forma ideal . Outras reivindicações também presentes foram o trabalho
diurno e o tratamento a seco170. A conquista de todos esses direitos era incentivada por meio da
ocorrência da ação direta e pelo esforço coletivo, sem intermediários.
Essas pautas permaneceriam ao longo dos anos de emissão do jornal. Em 1933, os
sindicatos atrelados à FOSP reivindicavam o cumprimento dos direitos já garantidos em lei e
faziam oposição à lei de sindicalização, direcionando as críticas, nesse último caso, ao
Ministério do Trabalho, e concordando com a posição defendida pela Federação. Em outro
artigo, M. Garcia, argumenta que mesmo São Paulo sendo o maior centro industrial da América
do Sul, a miséria era característica à família das classes produtoras: os bairros industriais
estavam em estado deplorável, apesar de ser dessa região os produtores da riqueza social.
Famílias grandes viviam em quartos pequenos e imundos, sem higiene, sem luz e muitas vezes
sem água, em suma, eram cortiços insalubres habitados por “centenas de familias [sic]
proletárias” 171.
Dessa forma, a vida dos trabalhadores não melhorou de uma hora para outra e isso foi
sendo comentado junto à instabilidade do período. A primeira publicação ao retornar, por
exemplo, faz um balanço da situação, em que se encontrava não só o Brasil como os outros
países: o povo estava cansado de “promessas vãs” e de “perspectivas sedutoras”, por isso a
indignação era universal e seria responsável por acabar com todos os “privilégios e monopólios
de castas ou de classes” e estabelecer um “reinado da paz e da fraternidade universal” em todo

167
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial”. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo,
p.4.
168
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 167.
169
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial”. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo,
p. 4.
170
Comissão Executiva.“Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de
São Paulo”. A Plebe, nº48, 02/12/1933. São Paulo, p. 3.
171
GARCIA, M.“Miserias do capitalismo”. A Plebe, nº47, 18/11/1933. São Paulo, p.2.
47
o mundo, o qual havia sido “palco de misérias, de injustiças, de guerras, de calamidades” até
aquele momento 172.
Na quinta publicação, do dia 24 de dezembro de 1932, alguém assinando com o nome
“Victor Franco” pronunciou-se expondo o ponto de vista dos libertários frente ao momento
marcado por problemas sociais e políticos, em que o brasileiro passava por uma “oscilação de
ideias e choques de opiniões”. De acordo com Franco, o Brasil estava em um período de
transição, com mudanças de valores e instabilidade nas instituições, por isso, surgiam vários
que se colocavam na posição de guias, de “salvadores com espírito messianico [sic]”, mas ainda
não havia aparecido aquele que resolveria realmente os problemas. Era preciso a ocorrência de
uma “revolução libertadora” que criasse novos valores sociais e libertasse as pessoas, pois as
173
leis e as ditaduras não eram a salvação .
Essa instabilidade continuou a ser descrita nos próximos anos, como em 1934, quando
na primeira publicação do ano o jornal alega que:

“O castelo de cartas da revolução de 30 desmorona-se ao sopro fatalista do determinismo


histórico”174

Nesse momento, de acordo com o periódico, predominava na cena política “choques de


interesses” e o governo, assim como os outros, não permitia que “aos patrões, banqueiros e
plutocratas” fossem impactados, por isso o povo deveria ser explorado, continuando sem
direitos. Além disso, colocava novamente “o nosso povo bom e tolerante, trabalhador e amigo
da liberdade” a diversas formas de violência 175.
Apesar disso, é notório que essa efervescência política ocasionada pelo golpe da Aliança
Liberal, veio acompanhada da esperança por possíveis transformações, na concepção dos
libertários, as quais poderiam permitir o surgimento de uma nova sociedade. De acordo com o
jornal, isto é, para os anarquistas o que prosperava inicialmente no país era o desejo de
mudança:
“(...) Assiste-se atualmente a uma ebulição extraordinária nos espíritos e nas instituições. Todos
compreendem que conservar os costumes, hábitos e processos antigos é impossível (...) E’ uma
efervescência continua, um interesse muito vivo em meio à desorientação geral (...).”.176

172
“A maré montante”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.2.
173
FRANCO, Victor. “Nosso verbo”. A Plebe, nº5, 24/12/1932. São Paulo, p. 3.
174
“Logica proletária”. A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p. 1.
175
“Logica proletária”. A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p. 1.
176
“Novos horisontes. Novas possibilidades”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.1.
48
Na primeira publicação, na primeira página e abrindo o jornal, a posição defendida era
de que a questão social, a respeito das demandas do trabalhador estava finalmente sendo tratada
no Brasil, apesar da demora e depois de várias lutas e revoluções, sendo um período de novas
possibilidades em oposição à repressão dos anos passados e aos costumes antigos. Por mais que
essa opinião fosse mudar já no próximo ano, esperavam que dessa situação de "caos" saísse
uma nova concepção compatível com as necessidades modernas, em que estivesse presente o
espírito de tolerância, do respeito "a todas as idealidades", em que abrisse caminho "a todas as
aspirações de liberdade, de igualdade e fraternidade". Esperavam também uma sociedade livre
de todos os "preconceitos irracionais" e sem desigualdade econômica, pois essa gerava todas as
outras. Queriam uma sociedade sem castas, classes, injustiças, que fosse nova e sem privilégios.
Em suma, defendiam a "remodelação da sociedade e integral regeneração da humanidade" 177.
Contudo, apesar dessas novas expectativas, o jornal exprime em outra publicação a consciência
de que a liberdade, os direitos e a justiça foram prometidos ao povo com a intenção de amenizar
as revoltas 178, evidenciando um posicionamento cauteloso por parte dos anarquistas.
Essa esperança também foi compartilhada pelos sindicatos aderentes à FOSP. No
número publicado no início de dezembro de 1932, a Liga Operária da Construção Civil
referenciou a “Revolução de 30” como um triunfo, porque foi por meio dela que essa associação
conseguiu se refazer. A Liga esperava que a partir desse novo momento suas reivindicações
fossem atendidas, mas seu intuito mesmo era a realização de uma “obra revolucionária”,
indicando aos trabalhadores que não caíssem em ilusões:

“Alerta trabalhadores em construção civil! Que cada trabalhador seja um elemento ativo em nossa meta.
Nada de ilusões, nada de engodos, queremos fazer a obra verdadeira e francamente revolucionária,
baseada nos modelos de ação direta” 179

A partir dessa alegação, entende-se que com a reorganização do movimento operário,


encabeçada pela FOSP e que continha elementos anarquistas em seu meio, tais sindicatos
permaneceram agindo de modo a alcançar a revolução. Além disso, apesar da lei de
sindicalização já ter sido instituída e o Estado corporativista em voga sendo desenvolvido pelo
novo governo que se apresentava como revolucionário, inicialmente a posição dos anarquistas
e de pelo menos alguns sindicalistas revolucionários frente a esse novo cenário político foi
favorável no sentido de que mudanças maiores poderiam acontecer pelo fato do regime
oligárquico ter supostamente saído do poder (Thiago Oliveira também constata essa maior

177
“Novos horisontes. Novas possibilidades”. A Plebe, nº1, 19/11/1932. São Paulo, p.1.
178
“Hoje como ontem, como sempre. A nossa atitude”. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo, p. 1.
179
“Movimento Operario. Nota da Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe, nº3, 03/12/1932. São Paulo, p. 3.
49
receptividade180). Nesse primeiro momento, influenciados pelo fim da Revolução
Constitucionalista (descrita como uma “pavorosa tragédia”), o principal inimigo era o governo
oligárquico paulista, o qual fora responsável pela eclosão desse conflito 181 e pela “ruína moral,
econômica e financeira” tanto do país quanto do Estado de São Paulo182, na perspectiva do
jornal. Até mesmo ao mencionar esse assunto, a visão sobre o novo período é positiva, pois o
jornal explica que o infeliz conflito aconteceu somente porque os paulistas queriam ocupar o
poder central para impedir que todas as possibilidades de melhorias e garantias populares
fossem conquistadas. Por fim, completou alegando que os conservadores eram contra a
concessão de direitos aos trabalhadores para lucrarem ainda mais e, com a Revolução de 30,
perderam suas posições e a possibilidade de mandar sem algum tipo de fiscalização 183.
Entretanto, esse posicionamento positivo e esperançoso, ainda que cuidadoso, se alteraria
conforme os anos e até mesmo em 32.
Na segunda publicação, por exemplo, em um artigo de Brazilio Botafogo, o autor se
posicionou contra o retorno daqueles que estavam no poder, se opôs à “plutocracia de São
Paulo”, e ao mesmo tempo também definiu como inimigo o “governo pseudo revolucionário de
1930” 184. O motivo de tal designação ocorreu por Botafogo considerar que o “governo do Sr.
Getulio [sic] e do Sr. Aranha” 185 não ter realizado mudança alguma, apenas colocado pessoas
próximas a eles nos cargos e por manter “umas cambiantes furtacores, ora socialisteiras, ora
clericais para enganar e confundir”. Quem continuava a governar era a classe conservadora
(referenciada como a “tropilha ganhadeira”) responsável por tirar os governantes de São Paulo
186
do poder . Na mesma publicação, em uma correspondência recebida do Rio de Janeiro,
Getúlio foi mencionado como um ditador junto à alegação de que sua base de sustentação tinha
o intuito de reprimir a “corrente esquerdista” 187
. A desilusão frente ao governo tenderia a

180
Ver: OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p.190.
181
“A sinistra aventura”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.4. e “Lei das compensações. Os últimos acontecimentos”.
A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo, p. 1.
182
“O que o povo de São Paulo deve a’ corja política que o arrastou a’ contra-revolução”. A Plebe, nº 6,
31/12/1932. São Paulo, p. 3.
183
“Os verdadeiros desordeiros”. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo, p. 3.
184
BOTAFOGO, Brazílio. “Voto obrigatório, sindicalismo forçado e ante-projeto constitucional”. A Plebe. nº2,
26/11/1932. São Paulo, p.2.
185
Vale lembrar que Aranha foi um dos que mais defendeu a eclosão da solução armada por parte da Aliança
Liberal depois da derrota de Vargas nas eleições. Além disso, foi bastante influente nesse primeiro momento.
Conferir em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/oswaldo_aranha (Acesso em:
17/05/2021)
186
BOTAFOGO, Brazílio. “Voto obrigatório, sindicalismo forçado e ante-projeto constitucional”. A Plebe. nº2,
26/11/1932. São Paulo, p.2. É possível que sua fala seja uma referência aos tenentes.
187
“Correspondencia do Rio”. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo, p. 3.
50
aumentar nos anos seguintes conforme novas ações referentes ao mundo do trabalho foram
sendo promulgadas. Essas ações tinham relação com a lei de sindicalização.
A mudança de opinião também esteve presente na FOSP. Na terceira publicação, o
governo foi mencionado de forma crítica por ela como “liberal e socialista” 188
. Mas a posição
que predominou no caso dessa Federação, inclusive antes dessas designações, foi a crítica ao
governo federal e ao Ministério do Trabalho pela promulgação do decreto da lei de
sindicalização, por corresponder a uma “fascistização dos sindicatos”. De acordo com sua
opinião, por mais que a lei tivesse sido inspirada nas necessidades do proletariado, reforçava
ainda mais o poder “de uma classe privilegiada e parasitaria [sic] em detrimento de uma classe
explorada”. Portanto, o posicionamento inicial não era esperançoso como o do jornal, mas
também não era de total crítica, visto que considerava que o novo governo estava levando em
consideração as reivindicações dos trabalhadores189.
No início de 33, ao criticar a “contra-revolução” em um artigo publicado no primeiro
número e que fora escrito por João Pontos Moraes, o autor afirma que sua eclosão ocorreu
contra as “ideais relativamente avançadas da Republica [sic] Nova”. Portanto, percebe-se que
o inimigo primordial ainda era a elite paulista e por mais que houvesse críticas ao novo governo,
elas eram mais relacionadas a forma como estava sendo definida a organização das classes 190.
Até então, a posição do periódico frente ao novo governo ainda era positiva, de certa
forma. Na primeira página da trigésima segunda publicação, ao discorrer sobre como a política
da 1º República estava finalmente enfraquecendo (a última medida que demonstrava isso foi o
estabelecimento da “chapa única” para a disputa das eleições), apesar dos políticos do
perrepismo (seus representantes) agirem de todas as formas para conquistar um assento como
deputados, o jornal afirmou:

“Mas os tempos são outros. Apezar [sic] dos pezares [sic] respira-se aragem nova, briza mais fresca, ar mais
sadio. Os espíritos, á força de serem feridos e chocados por tantas dissenções e contradições e
acontecimentos, acabam por deixar cair a venda que os impedia de reaciocinar [sic], de pensar e de examinar
os homens e os sucessos e os fenômenos que provocaram percebendo que aquilo que julgavam ídolos, deuzes
[sic], feitiços, não passavam de impositores, de embuateiros, de charlatães que os engodavam (...) Mas tudo
tem um fim, até a tirania organizada, até os políticos carcomidos e sem entranhas! Assim seja ”191

188
“Movimento Operario. Nota da Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe, nº3, 03/12/1932. São Paulo, p. 4.
189
Sem título. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo, p. 3.
190
MORAES, José Pontes. “O clero e a contra-revolução”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 3.
191
“O Camartelo do progresso tudo ataca até o pêrrêpismo está combalido”. A Plebe, nº33, 15/07/1933. São
Paulo, p.1.
51
Dessa maneira, o novo governo instaurado representava certa mudança, pelo menos para
o estado de São Paulo, e a “tirania” do passado estava chegando ao fim com a dissolução do
PRP (Partido Republicano Paulista). Se os que estavam no poder até então eram os “tiranicos”,
entende-se não ser essa a definição daqueles que ocupavam o poder a partir de 1930. Contudo,
essa mudança foi atribuída como responsabilidade da população paulista, alegação que
demonstra não existir uma adoração cega:

“(...)Seria ignomia que um povo de 6 a 7 milhões de individuos [sic], que é quantos conta do Estado de
S. Paulo, um povo ávido, deligente, laborioso e empreendedor, se deixasse dominar eternamente por um
grupo de homens que ainda não perderam as tradições da escravidão e que julgam que um povo se dirige
como os escravos nas senzalas: a relho e salmoura ”192

Junto a essa visão positiva, ainda existia um sentimento de esperança frente à


possibilidade de surgimento de uma nova sociedade, a qual poderia ter como base seus
princípios:
“(...) temos uma vantagem que nos equilibra e nos atenta: não é o nosso, mas o mundo burguez [sic] que
se desmorona e cai. (...) o nosso pensamento está em eclosão e não póde [sic] morrer”193

O desejo por essa nova sociedade fica ainda mais claro quando analisamos a gravura
publicada nesta mesma página. Ao centro há uma ilustração grande de uma mulher com o nome
de “Civilização” (escrito na faixa em sua cabeça). Ela tem cabelos grandes e veste um vestido
longo, de pano fino e leve que voa como se estivesse ventando. Está em posição de triunfo,
segurando objetos acima de sua cabeça: martelos, foices, pás. Sob seus pés existe um canhão,
espadas e objetos quebrados. Junto à ilustração está escrito: “E’ preciso que a civilização
libertaria [sic] se levante sobre os escombros da sociedade capitalista ” 194.

192
“O Camartelo do progresso tudo ataca até o pêrrêpismo está combalido”. A Plebe, nº33, 15/07/1933. São
Paulo, p 1.
193
“Uma obra necessaria. Em torno de uma iniciativa”. A Plebe, nº39, 09/09//1933. São Paulo, p. 1.
194
Eles alegam ter reproduzido tal imagem, pois a censura havia impedido sua publicação na maior parte da
edição do dia 5 de agosto. “Uma obra necessaria. Em torno de uma iniciativa”. A Plebe, nº39, 09/09/1933. São
Paulo, p. 1.
52
Imagem 2
Raquel de Azevedo explica que existia uma razão para a escolha do uso da alegoria
feminina:

“(...) à afirmação da dignidade operária, representando o trabalhador robusto e altivo, aos ideais de
revolução e de harmonia projetados na alegoria feminina, sobrepunha-se o estereótipo do anarquista
terrorista e subversivo difundido pela grande imprensa e pelos retratos policiais do DOPS. (...) As imagens
gráficas veiculadas nos periódicos libertários eram alvo de censura por parte do DOPS, do mesmo modo
que eram destacados nos relatos policiais as expressões agressivas utilizadas por seus militantes nas
assembleias operárias. Verificavam-se, assim, tentativas de contenção do poder de persuasão e de
mobilização que as imagens e discursos possuíam apesar da sua aparente anacronia, já que foram
reeditados durante décadas” (AZEVEDO, 2002, p. 361)

A desilusão mais evidente por parte do jornal em relação ao governo só aconteceria


mesmo em meados 1933, quando a “Nova Republica” passou a cometer os mesmos erros da
“velha” ao não garantir o cumprimento das leis sociais:

“Quando foram votadas as leis sociais da velhissima [sic] e carunchosa Republica [sic] Nova, que o diabo
a leve, dissemos aos trabalhadores que não haviam de esperar muito tempo para se desiludirem dos
apregoados beneficios [sic] das leis sociais do Ministerio [sic] do Trabalho. Não nos enganavam, porque
nós sabiamos [sic] não estar enganados (...)”195.

Essa decepção gerou posicionamentos contrários por parte dos trabalhadores à


“República Nova” e às políticas da época. De acordo com o artigo “Em defesa da liberdade”, a

195
“Movimento Operario. A mentira das Leis sociais”. A Plebe, nº52, 30/12/1933. São Paulo, p. 3.
53
consequência desse desagrado foi a violência policial desse desagrado, outra atitude que
também a assemelhava ao governo anterior:

“Pelas colunas dos jornais diarios [sic] continuam a passar os relatos das façanhas policiais contra os
trabalhadores, porque estes não se querem deixar reduzir á expressão de simples maquinas [sic] de
produção, e se arrogam o direito de ter ideias e opiniões. A Republica [sic] Nova, á qual o povo deu o seu
sacrificio [sic] e o seu sangue, nega, como a Velha Republica [sic], canto á Monarquia, como o imperio
[sic], ao individuo o direito de pensar e expressar seu pensamento” 196.

Em outro momento e na mesma publicação, Souza Passos197 dá continuidade a esse


pensamento de desilusão a respeito do movimento revolucionário de 30:

“(...) Na Revolução de 30, a par de muitas ambições políticas e de um sem numero [sic] de pescadores de
aguas [sic] turvas, vinha, não temos nenhum interesse em o negar, muitos homens que, de fato estavam
convencidos haver chegado momento de dar ao povo do Brasil um regime capaz de assegurar a
todos os cidadãos ao menos o comezinho direito de pensar e a relativa liberdade de expôr o seu
pensamento, além da solução, naturalmente de alguns problemas economicos [sic], que a seu ver eram
faceis [sic] e dependia apenas da boa ou má vontade para resolve-los. Alguns deles tiveram as rédeas do
poder nas interventorias dos estados e outros ocuparam altos cargos nos ministerios e chefaturas de
policia; e tanto uns como os outros, aqueles que não foram postos a nocaute á força de solavancos e
cambalachos, acharam mais prudente desistir do intento de salvar o Brasil e passaram a outros candidatos
á experiencia [sic] o papel de ‘salvadores’(...) uma revolução que se perdeu na propria [sic] historia
(...)”.198 (grifo meu)

Outra atitude da República “Nova” que coincidia com os erros do governo anterior dizia
respeito aos seus dirigentes terem alegado que a questão social deixaria de ser um caso de
polícia, mas ainda ocorreriam as perseguições e prisões, assim como o fechamento dos
sindicatos, o aparelhamento bélico da Força Pública nas ações contra os grevistas e a
transformação das forças federais da 2º Região em corpo policial a disposição dos capitalistas
e da plutocracia paulista. Inclusive, Salgado Filho é citado como “legítimo defensor das
companhias inglesas, dos Guinle, dos Matarazzo, etc.” 199
. Para o jornal, o novo governo se
perdia nas suas ações em relação aos problemas sociais, já que a chamada “questão social”
continuava a ser tratada de forma autoritária e com violência:

“Cada vez mais se afunda a ‘Republica Nova’ na (?) das suas ações descontroladas em relação aos
problemas sociais. A questão social entre nós continua a ser ‘um caso de polícia’, levada agora ao (?) de
não permitir que o proletariado se agite nem mesmo em torno das chamadas ‘leis sociais’ que o
anacreôntico Ministério do Trabalho fez presente ao povo laborioso e que ha [sic] 4 anos veem servindo

196
“Em defesa da liberdade”. A Plebe, nº40, 16/09/1933. São Paulo, p.3.
197
Felipe Gil de Souza Passos era um garçom e escritor português, além de ser autodidata. In: PARRA, Lucia
Silva. Leituras libertárias: cultura anarquista na São Paulo dos anos 1930. Dissertação (Mestrado em Filosofia).
Universidade de São Paulo, 2014, p. 54.
198
PASSOS, Souza. “Os revolucionarios passam... ‘A Revolução Brasileira vai aos poucos devorando os seus
proprios filhos...’”. A Plebe, nº40, 16/09/1933. São Paulo, p. 4.
199
“A greve dos ferroviarios”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo, p. 2.
54
de mota e risota aos exploradores que conhecendo o valor que teem as leis no Brasil nem sequer se dignam
tomar conhecimento delas. [sic]”200

Raquel de Azevedo explica que, de fato, logo após a ocorrência da “Revolução de 30”,
vários sindicatos sob orientação libertária tinham certa expectativa em relação à liberdade de
reunião e associação, assim como referente a alguns benefícios anunciados. Todavia, logo essa
opinião foi frustrada com as atitudes repressivas da “Nova República”. Além disso, existiam
também sindicatos que desconfiaram das promessas da Aliança Liberal previamente:

“Frente à mudança de regime, os anarquistas confrontavam seu caráter político e corrupto com a
verdadeira revolução popular almejada, cobrando suas promessas de liberdades democráticas e soluções
para os anseios do proletariado” (AZEVEDO, 2002, p. 297).

Por fim, vale ressaltar que a desilusão com o movimento de 30 é de fato constatada com
a realização da Constituinte, no final de 1933 e, a partir disso, a visão seria completamente
negativa. A argumentação utilizada em oposição era de que esta em nada beneficiaria o povo
brasileiro, era um “feitiche [sic] de malandragens e maroteiras políticas”. Assim, depois da
mentira revolucionária de 30, viria a “farsa, a comedia [sic] constitucional de 33”, em que nada
seria feito em prol aqueles que realmente deveriam e tinham o direito de se governar: os
trabalhadores, os produtores, os proletários, os quais não deveriam esperar nada dessa
“politicalha” 201
. Assim, em 1934 a ideia presente era de uma total desilusão com o governo
provisório e, posteriormente, com o constitucional.
Quando esse sentimento de não correspondência com o que esperavam alcançou certa
generalização - e vamos ver mais a frente que tem relação com a “obrigatoriedade” da
sindicalização com a instauração da Lei de Férias e o aumento da repressão-, o jornal passou a
alegar que toda essa situação, marcada também pela instabilidade como vimos acima, não era
surpresa e afirma que há tempo isso era avisado:

“Para nós não é surpreza [sic] o que se passa nesse grande prostibulo [sic] dos mecericos [sic] politiqueiros:
Dissémo-lo quando ainda a revolução de 30 arvorava a bandeira de promessas, vimo-lo afirmando no decorrer
dos acontecimentos e repetimo-la hoje: atrás de uma cairão os outros, todas as figuras que tomaram ares de
(?) irão ficando á margem na enxurrada das inquietações populares” 202.

De acordo com o periódico, essa situação de continuidade da República Velha (e até


mesmo de piora da situação anterior) já estava clara para eles, mas o intuito era alertar os

200
“Politica e questão social”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 1.
201
“Está aberta a sessão... ‘Façamos a revolução, antes que o povo a faça...”. A Plebe, nº47, 18/11/1933. São
Paulo, p. 1.
202
“Logica proletária”. A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p. 1.
55
trabalhadores que não tinham percebido ainda. A conclusão era a de que a política da época era
mais perigosa aos proletários:

“A politica [sic] atual, mais perigosa para o proletariado porque é mais traiçoeira vai aos poucos arrancando
a mascara [sic]: começa a caracterizar-se por sintomas de decadencia [sic], começa a pisar em falso e a
mostrar os dentes da sua truculencia reacionaria [sic]. Entramos na fase dos assaltos ao individuo e á
associação; das ameaças e perseguições; dos espancamentos e prisões arbitrarias [sic], enfim na fase que
justifica os ultimos [sic] dizeres da carta do Sr. Aristides Lobo (...)” 203.

Apesar de realmente passar a desferir críticas ao governo e ao Ministério do Trabalho,


indicando aos trabalhadores que rejeitassem intermediários e aderissem à ação direta, de certa
forma a alegação acima não era totalmente verídica, visto que por um tempo permaneceu
vigente a ideia de possíveis mudanças e posicionamentos positivos frente à alteração daqueles
que estavam no poder e às novas medidas tomadas.
Para o periódico, o governo enfrentava uma decadência e instabilidade em 34. Essa
perda de poder por parte daqueles que realizaram a revolução estava levando a uma maior
centralização, a um regime fascista:

“E’ a republica [sic] que esperneia, a democracia que se contorce, a sociedade burguesa que se agoniza. No
fundo escuro da política nacional não se deslumbra nenhuma rêstea de luz, nenhum ponto branco onde as
almas cândidas possam confiar na estabilidade da paz aparente e fictícia em que vivemos. Tudo o que ha [sic]
por ai esta podre. (...) Senão, vejamos: Quase todas as figuras de maior destaque da revolução política de 30,
vendo o fracasso clamoroso de ‘sua’ revolução, hoje voltam suas vistas para o regime de força, de tirania e
de truculencia [sic], que carateriza o fascismo. Os srs. Osvaldo Aranha, Góes Monteiro e João Alberto
[tenentistas], como é voz corrente, estão atacados de magalomania fascista e andam ameaçando o povo com
a implantação de um regime de força e de tirania, prometendo femeutidamente, de tira-lo do estado de miseria
[sic] e de opressão em que eles mesmos, com o nome de outubristas, o reduziram com promessas de ‘livra-
lo’, de ‘salva-lo’ da escravidão moral e social a que, por sua vez, já o havia reduzido a republica [sic] velha
sob a egide [sic] do perrepismo (...)”204

A crítica continuou nas próximas publicações. No final de janeiro de 1934, o jornal


constata que no Brasil estava sendo desenvolvido “o governo da geringonça” e satirizam duas
características com o intuito de mostrar que na opinião do periódico elas não correspondiam ao
governo vigente: popular e liberal, colocadas entre aspas. A crítica nesse momento foi a

203
Essas considerações foram feitas após a leitura de uma carta publicada nos “A pedidos” do Diário da Noite,
do dia 5 de fevereiro pelo sr. Aristides Lobo, que falava sobre os fatos da rua Barão de Paranapiacaba na sede da
U.T.G. Lobo terminava sua carta revelando e denunciando aos trabalhadores e ao povo as manobras dos policiais
no sentido de eliminar o sr. Francesco Frola. O jornal diz que essa advertência deve ser levada em conta pelos
trabalhadores. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo.
204
[sem título] A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p. 2.; “Nos arraias da mistificação proletaria”, o governo é
referenciado como “fascista ‘A la Mussolini’”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 3.
56
aproximação de Getúlio a líderes tirânicos, como o de Mussolini (“histrião maximo [sic] da
bestiologia universal”) e tais afrontavam a dignidade das massas produtoras e exploradas 205
.
Depois desse breve mapeamento, agora nos concentraremos na experiência vivenciada
por esse grupo de trabalhadores em relação à lei de sindicalização que, ao propor o controle das
organizações dos trabalhadores e mediar a relação dessas com o patronato, colocou em risco a
continuidade do projeto libertário, levando a tais opiniões a respeito do governo de Vargas.
Oliveira explica que os anarquistas apresentam na fala, isto é, no discurso, uma das mais fortes
formas de expressão, sendo importante uma análise que dê destaque ao discurso dos militantes.
Contudo, alerta para que essa análise englobe também os métodos práticos de organização e
206
propaganda , sendo exatamente isso que se pretende fazer aqui: entender uma experiência
que abarque o discurso e a prática.

2.2 A experiência libertária frente à lei de sindicalização


Para entender a experiência desse grupo de trabalhadores em relação à nova
sindicalização, recorri principalmente à seção do “Movimento Operário”, na quarta página, por
ser um espaço destinado à FOSP expor suas Notas Oficiais e os comunicados emitidos pela
comissão dos sindicatos atrelados a ela, perpassando pela questão social. Essa discussão
envolvia o Decreto nº 19.770, como também a Lei de Férias de 1934, a instituição da Carteira
Profissional, a forma como os sindicatos estavam se organizando, a realização de reuniões,
notícias de greves, críticas ao governo e ao Ministério do Trabalho etc. Apesar desta seção não
ser necessariamente um espaço para a publicação das notas oficiais da Federação, foi sempre
marcada pelas ações dos sindicatos filiados a ela e por acontecimentos relacionados aos
trabalhadores, não somente aqueles que compunham associações autônomas com tendências
libertárias. Assim, foi noticiada nesta seção a situação de trabalhadores de outras regiões do

205
A aproximação se deu por meio da distribuição de um distintivo (“um Cruzeiro do Sal de tatão, com fitinha
verde-amarela, como a do samba carnavalesco") a todos que eram “amigos do peito e de afinidade”, tudo à custa
do povo. O jornal diz que logo esse Cruzeiro estaria pendurado no peito de todos os tiranos: Justo (na
Argentina), Carmona (em Portugal), Kermal Pachá (na Turquia), Hitler (na Alemanha) e provavelmente Stalin
(na Rússia). A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo.
206
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p.33.
57
país, como os de Alagoas207, Juiz de Fora208, de Pelotas (RS)209, de Cuiabá210 etc. Por meio dela
também foi possível acompanhar as assembleias gerais das classes realizadas pelas associações,
em que debatiam sobre os assuntos da atualidade que consideravam importantes; as trocas das
211
comissões; os aniversários de fundação, maneiras de intensificação da propaganda etc. .
Além disso, algumas publicações registram nesse espaço relações estabelecidas entre
associações de outros estados e as de São Paulo 212.
Vale ressaltar que tanto a “questão social” quanto mais especificamente as opiniões a
respeito da lei de sindicalização não foram assuntos restritos apenas a essa seção, tendo em vista
que o próprio periódico alegou ser um "modesto semanário dedicado ao estudo e debate de
todos os problemas que se relacionam com a Questão Social e com as aspirações dos
213
trabalhadores" , como também já afirmado. Dessa forma, outras partes do jornal, inclusive
as ilustrações, foram analisadas.
Enfim, desde a primeira publicação do jornal a respectiva lei foi abordada e criticada.
A crítica persistiu e se tornou maior até as últimas publicações em 1935, tendo em vista que os
anarquistas foram o único grupo entre a classe trabalhadora a fazer oposição do início ao fim à
deslegitimação das formas de organização autônoma e de caráter revolucionário dos
trabalhadores. Resumidamente, a oposição se tornou maior conforme o governo realizou novas
formas de cooptação ao novo sindicato, por meio do Ministério do Trabalho (instituindo uma
nova Lei de Férias), e pela repressão policial ter aumentado sobre a imprensa operária e sobre
os sindicatos. A Plebe, os trabalhadores aderentes à FOSP e a própria Federação estavam entre
os alvos.

207
“Movimento Operario. Notícias do Norte do paiz. Em Viçosa (Alagoas), o solo foi banhado pelo sangue de
um mártir das lutas obreiras”. A Plebe, nº38, 26/08/1933. São Paulo, p. 3.
208
“Movimento Operario. De Juiz de Fora. Manifesto do ‘Sindicato dos Trabalhadores Texteis’. A Plebe, nº37,
12/08/1933. São Paulo, p. 3.
209
Nesse caso, fala sobre a prisão da diretoria da Liga e de como essa associação estava tentando agir seguindo
os “principios anti-politicos” da antiga Federação Operária do Rio Grande do Sul. MARTINS, Orlando.
“Movimento Operario. Ainda o caso da liga operaria de Pelotas”. A Plebe, nº40, 16/09/1933. São Paulo, p.3.
210
“Movimento Operario. Sindicato dos pedreiros de Cuiaba’”. A Plebe, nº45, 21/10/1933. São Paulo, p. 3:
lamentavam que esse novo sindicato estava obedecendo as normas do sindicalismo oficial, às “ilusões” do
Ministério do Trabalho.
211
Exemplo: “Movimento Operario”. A Plebe, nº33, 15/07/1933. São Paulo, p.3: a União dos Artifices em
Calçados, o Sindicato dos Manipuladores de Pão e Classes Anexas e o Sindicato dos E. em Padarias fariam
assembleias em suas sedes para debaterem sobre temas que consideravam importantes. O último sindicato citado
faria uma conferência pública para tratar do seguinte assunto: “A organização operaria atravez dos tempos”,em
que Hermínio Marcos seria o palestrante. Já o primeiro sindicato comemoraria seus 16 anos de fundação.
212
“Movimento Operario”. A Plebe, nº33, 15/07/1933. São Paulo, p.3: A União Operaria de Anápolis, de Goiás,
queria estabelecer relações com “todas as sociedades congêneres” através de correspondências “em prol dos
interesses das classes laboriosas do Brasil.
213
“O nosso reaparecimento. A nossa ação”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.4.
58
2.3 Um sindicato a ser seguido
“Sindicato, meus bons amigos, é órgão de luta proletária contra o Estado, contra a máquina social de
patrões, argentários políticos profissionaes e cleros parasitários.” 214.
José Oiticica

A Lei de Sindicalização representou o início da implantação do arcabouço corporativo


que foi concluído com a instauração da representação de classes na Assembleia Constituinte
em 1932, após a Revolução Constitucionalista. Junto a isso, como vimos, foram promulgadas
as principais leis regulamentadoras das condições de trabalho. Ela foi aprovada em março de
1931, mas já estava sendo elaborada pelo Ministério do Trabalho desde o final de 1930 215.
Segundo Angela Araújo, tanto os setores da burguesia quanto do movimento operário resistiram
a esse modelo de organização, afirmando a existência da luta política entre distintos projetos
que caracterizou a primeira metade da década de 30216. Angela de Castro Gomes, afirma que o
período em que Salgado Filho esteve à frente do Ministério do Trabalho (início do período aqui
analisado) foi marcado por uma “franca disputa física e ideológica pela liderança do movimento
operário organizado, caracterizando-se pela existência paralela de um sindicalismo oficial e de
um sindicalismo independente”217. Em suma, a “redefinição corporativa” não era algo
absoluto218.
Nas próprias publicações é possível encontrar as respostas para entender em que sentido
a proposta de organização corporativista dos sindicatos era contrária aos princípios anarquistas.
Em “Temas de sempre. Anarquismo e Sindicalismo” (seção que se estendeu a vários números),
por exemplo, é possível compreender a forma pela qual as associações deveriam ser organizadas
e a crítica ao princípio de autoridade. “L.M”, o autor dessa seção, explicava que:

“O nível progressivo e portanto a verdadeira vida associativa da humanidade estão na razão direta da
liberdade e, por consequência, na razão inversa do princípio de autoridade” 219.

214
OITICICA, José. “Carta aberta aos fundadores do Partido Socialista Brasileiro”. A Plebe, nº5, 24/12/1932.
São Paulo, p. 1.
215
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 104 e 159.
216
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 124.
217
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo – 3. ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 164-
165.
218
GOMES, Angela de Castro. Burguesia e Trabalho. Política e Legislação Social no Brasil (1917-1937). Rio de
Janeiro: Campus, 1979, p. 217.
219
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial. União dos Empregados em Cafés”. A
Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 4.
59
Portanto, apenas associações pautadas na liberdade de organização, na interpretação dos
libertários que estamos estudando, poderiam levar ao progresso e, nesse sentido, o princípio de
autoridade era oposto ao desenvolvimento. A liberdade era um princípio caro defendido pelos
anarquistas, assim como a crítica ao autoritarismo. A existência do Estado configurava uma
sociedade autoritária, porque era a “mais forte entidade representativa da força”, isto é, da
autoridade. Foi por meio do Estado que, para os anarquistas, todos os “impulsos violentos”
foram feitos, corroborando para a existência de hierarquias e da “dominação do homem pelo
homem”. Essa dominação precisou conter “os embates da evolução e do progresso pela efusão
de sangue e pela moral do escarmento, para fixar na mentalidade das criaturas a mais irracional
e cega fé na invulnerabilidade das tradições passadas e dos princípios herdados” 220.
Outros artigos dão exemplos e representações da tentativa de instauração do
autoritarismo: os governos fascistas e comunistas. Um dos problemas do fascismo estava, para
esses militantes, na extinção da liberdade individual e na imposição de processos “na marcha
evolutiva da sociedade”, impedindo a livre manifestação das pessoas. A Igreja, o Estado e
Capitalismo eram as instituições responsáveis por barrarem a “marcha no caminho sem fim do
progresso”. Nesse sentido, o anarquismo surgiu em oposição a elas. De acordo com Jota Sô:
“O anarquismo advoga pela emancipação moral, pela independência intelectual e pela libertação física
do escravo moderno” 221.

Em suma, diziam ser materialistas e ateus perante todas as religiões, antiautoritários


222
contra o Estado e socialistas frente ao capitalismo . A partir disso, é possível entender o que
significava para os anarquistas o surgimento de um Estado que propunha e tentava controlar as
organizações operárias, levando em conta também que naquele momento o fascismo havia se
consolidado como regime, tanto na Itália quanto na Alemanha, e uma de suas ações foi a
execução do corporativismo minando as atividades do sindicalismo autônomo. Nesse sentido,
o principal argumento utilizado ao se referirem ao decreto 19.770 era o de que ele tinha o
propósito inibir a emancipação da classe trabalhadora e a obra dos trabalhadores conscientes,
como será apresentado.
O Estado também foi descrito como o “maior inimigo do proletariado”, por garantir por
meio da força armada a exploração do homem pelo homem, patrocinando as guerras e
fomentando o ódio entre os povos. Junto ao capitalismo, ele tinha o intuito, segundo o jornal,

220
L.M, “Temas de sempre. Anarquismo e Sindicalismo”, A Plebe, nº30, 24/06/1933.São Paulo, p. 2.
221
SÔ, Jota, “Os males da burguezia”. A Plebe, nº30, 24/06/1933.São Paulo, p. 2.
222
Ibidem.
60
223
de combater os trabalhadores conscientes e libertários . A oposição a ambos aumentava
quando estes tentavam interferir nas organizações sindicais autônomas, como argumentou J.
Carlos Boscolo224:

“As organizações sindicalistas não podem pertencer a partidos políticos, sejam eles mesmos
exclusivamente proletarios [sic]. E’ destruir os seus princípios nos quais se empenha o sindicalismo para
o bem-estar das coletividades. O sectarismo partidário não cria consciências libertárias, mas amolda e
cristaliza paixões estereis [sic] no sentimento do operário, transformando-o fatalmente na mais hedionda
bêsta (...)” 225.

O jornal, então, expõe a defesa do sindicalismo a ser seguido em oposição ao modelo


corporativista. A luta efetuada pelos trabalhadores contra a exploração do capitalismo só se
efetivaria quando a “engrenagem estatal” desaparecesse, junto aos “parasitas que medram a sua
sombra”. O meio para alcançar uma sociedade livre seria a ação nos sindicatos e a solução
apontada em um dos artigos publicados era:

“(...) estreitar os laços de União com todos os teus companheiros e juntos lançardes as bases do balnarde
(?) associativo (...)” 226.

Dessa maneira, isto é, dentro das associações, as devidas reivindicações poderiam ser
pleiteadas. Todavia, mais do que estabelecer o sindicato, era preciso defendê-lo do “assalto dos
políticos de todas as cores ainda dos da mais vermelha”, mostrando que a oposição era também
destinada aos campos da esquerda e não só ao modelo proposto pelo governo 227.
No caminho em busca da transformação social deveria estar clara a compreensão de que
os governos228 eram inimigos, com o qual nunca seria possível estabelecer a paz 229. Somente
com a extinção deles seria conquistada a liberdade, para todos:

223
“Vida Anarquista. Anarquismo, sindicalismo e Revolução Social”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p.
2.
224
Também era um trabalhador autodidata e foi um gráfico. PARRA, Lúcia.Leituras libertárias: cultura
anarquista na São Paulo dos anos 1930. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, 2014 ,
p. 54.
225
BOSCOLO, J. Carlos. [sem título]. A Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo, p. 5.
226
VINHAIS, Antonio Manuel. “O exterior da agonia Estatal e Capitalista”, A Plebe, nº31, 01/07/1933. São
Paulo, p.2.
227
VINHAIS, Antonio Manuel. “O exterior da agonia Estatal e Capitalista”, A Plebe, nº31, 01/07/1933. São Paulo,
p.2.
228
Governo era: “qualquer homem ou grupo de homens que, no Estado, na província, no município ou associação,
tenha o direito de fazer a lei e de impor àqueles a quem ela não agrada”. Citação dos escritos de Errico
Malatesta“Como Malatesta encarava a proxima transformação social”. A Plebe, nº34, 22/07/1933. São Paulo, p.
2.
229
Citação dos escritos de Errico Malatesta“Como Malatesta encarava a proxima transformação social”. A Plebe,
nº34, 22/07/1933. São Paulo, p. 2.
61
“(...) a liberdade inteira e o direito aos meios de trabalho, sem os quais a liberdade é uma mentira” 230.

Assim como argumenta Raquel de Azevedo, o motivo da radicalização da postura


libertária ao negar a penetração e o controle estatal sobre as associações operárias ocorreu
principalmente pela necessidade de preservar a autonomia sindical, visto ser esse um espaço
essencial para a construção da nova sociedade:

“A adesão a qualquer estrutura burocrática significaria sua própria extinção enquanto afirmação do
princípio da liberdade antiestatal” (AZEVEDO, 2002, p. 272)

O “apreço” pela sindicalização por parte do governo provisório (e que se estenderia para
o Governo Constitucional, acirrando-se) foi motivo de estranhamento por parte do jornal, visto
que medidas tão invasivas iguais a essa nunca haviam acontecido. A situação foi relatada por
meio de uma oposição à forma pela qual essa questão foi tratada pelo governo anterior, mas
também não concordavam com a maneira com que estava sendo trata nesse momento:

“No regimen [sic] passado, derrocado com a revolução de 1930, era assim que se procedia. Os políticos
decaídos, os sinistros políticos paulistas, principalmente, não toleravam que se falasse em questão
associativa ou sindical, em proletariado, em questão social, cousas [sic] para eles inconvenientes,
desconhecidas, irreais, antipáticas. E, quando alguém transgredia o preceito, quando uma pessoa ou
coletividade tratava desses assuntos pelos quais eles sentiam verdadeira ogerisa [sic], arremetiam furiosos
e desvairados, como touros bravios quando na arena lhes acenam com a bandefrota [sic] vermelha. E o
temerário que os enfrentasse era derrubado, machucado, atropelado, sem do [sic] nem piedade. Agora,
então, assiste-se a um fato inteiramente diverso. Os atuais governantes entenderam de estabelecer o
SINDICALISMO OBRIGATORIO, forçando os trabalhadores a pertencerem ao sindicato do seu ofício
ou profissão, dando lhes direitos eleitorais, impedindo que estrangeiros façam parte de seus corpos
gerentes e diretorias, etc. E, nós, não concordamos com este zelo desmedido pelos sindicatos” 231.
(grifo meu)

Não entendiam tamanha oposição entre as ações tomadas pelos governantes antes e pós-
30. Desse modo, ao contrário de antes, quando aconselhavam a todo o operariado a sindicalizar-
se, pois era na congregação e união que se encontrava a sua força, o jornal não concordou com
esse tipo de sindicalização, vista como forçada e mantiveram-se indiferentes. Segundo Oliveira,
232
o ato de obrigar essa integração era considerado uma violência autoritária e é exatamente
isso que se percebe com a leitura do jornal. Seguindo o princípio de liberdade integrante da
doutrina anarquista, reivindicavam o direito da liberdade de organização, isto é, de todos os

230
Ibidem. Outra crítica aos governos, em geral, foi feita por Maria Lacerda de Moura, no mesmo número e
página, em “Nem governos e nem sacerdotes...”. (22/07/33)
231
“A lei de sindicalização obrigatoria”. A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 1.
232
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p. 80.
62
trabalhadores aderirem espontaneamente a um sindicato de acordo com o que mais lhes
agradasse:

“(...) e não serem impelidos a entrar em um exclusivo, enquadrados como qualquer militar, onde não
tenham liberdade de pensar, de agir e de propagar todas as ideias, teorias e doutrinas que mais lhe
agradarem, mas, ao contrário, transformando-os em possíveis eleitores, em molas da máquina eleitoral
para favorecer os novos aspirantes ao poder” 233.

2.4 A experiência com a nova lei de sindicalização e as percepções sobre o


governo
Nos primeiros números desde a sua volta, o jornal alertou para o risco de a “carta de
sindicalização” ser um novo mecanismo que apresentava o intuito de desmobilizar a luta
operária. Para eles, essa situação demarcava uma nova fase do movimento operário, a qual
234
julgavam ser ainda mais importante do que a anterior . Ademais, a opinião defendida pelo
jornal, de forma a convencer os trabalhadores, era a de que a sindicalização obrigatória
impediria a liberdade dos trabalhadores de se organizar da forma como queriam, além de
representar a perda de liberdade de propagação de seus ideais 235.
Na penúltima publicação de 32, José Oiticica236, professor e importante militante
anarquista desde a 1º República, em carta aos fundadores do Partido Socialista Brasileiro (artigo
que abarca quase toda a primeira página) afirmou que a sindicalização daquele momento era
fascista e fora arquitetada pelo “Clube 3 de Outubro”, isto é, demonstra a consciência por parte
desse autor, mas também por parte do jornal, que o projeto corporativista tinha influência dos
tenentistas e realmente, nesse primeiro momento, o governo revolucionário era mais próximo
desse grupo centralizador. Para Oiticica, a “sindicalização forçada” significava a dominação
política do trabalhador, feita pelo Estado e para fins eleitorais, opondo-se ela no “Congresso
Revolucionário” e propondo a substituição de todo o parecer da comissão por um único artigo
237
que reivindicava a sindicalização inteiramente livre, sem nenhuma interferência do Estado .

233
“A lei de sindicalização obrigatoria”. A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 1.
234
“Movimento Operario. Pelo campo, fabricas e oficinas”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.3.
235
“A lei de sindicalização obrigatoria” A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 1.
236
De acordo com André Fernandes, Oiticica foi um militante e alguém que merece destaque entre os libertários
que tiveram importante atuação e capacidade de divulgação da ideologia anarquista. Atuou na imprensa operária
e libertária, ministrou conferências, também escreveu peças teatrais com temáticas sociais e escreveu uma obra
sobre o anarquismo (“A Doutrina anarquista ao alcance de todos”). Além de militante foi um filólogo, teatrólogo
e professor do Colégio Pedro II. FERNANDES, André Santoro. O apóstolo da anarquia: quatro décadas de
militância de José Oiticica. Dissertação (Mestrado em Mestrado em História) - Universidade Federal de São
Paulo - Campus Guarulhos, 2020, p. 17-22.
237
OITICICA, José. “Carta aberta aos fundadores do Partido Socialista Brasileiro”. A Plebe, nº5, 24/12/1932.
São Paulo, p. 1.
63
Portanto, a oposição à lei e o alerta aos seus riscos foram manifestadas desde o início. Vale
ressaltar que Oiticica junto a Leuenroth, Rodolfo Felipe e Maria Lacerda de Moura eram os
militantes anarquistas nascidos no Brasil mais destacados neste período, de acordo com Parra
238
.
A concepção de Oiticica estava de acordo com os escritos de Malatesta, o qual
argumentava sobre a necessidade de se alcançar “verdadeiros progressos” e não “reformas
hipócritas”, pois essas iriam desviar o povo da luta contra a autoridade e contra o capitalismo,
sob a alegação de que eram “melhoramentos imediatos” 239
. Em outra publicação, Oiticica
explicou que:

“O sindicato nasceu desse ‘imperativo economico’, reconhecido na primeira Internacional, segundo o


qual cumpria aos trabalhadores do mundo inteiro unir-se para combater a Internacional dos capitalistas
(...) Contra a liga universal dos sindicatos patronais, forçoso era erguer a liga universal dos salariados” 240.

No próximo ano, logo na primeira publicação, José Prados Escobar argumentou que o
governo federal criou o sindicalismo obrigatório e outras leis trabalhistas com o intuito de evitar
novas insurreições, como as de 32, pois por meio dessas leis teria o apoio dos trabalhadores,
depois de ter perdido o apoio dos políticos com os quais havia realizado “o movimento de 30”
(alegação que também evidencia a continuidade da instabilidade do governo provisório e as
articulações entre os grupos políticos). De fato, Samuel de Souza e a bibliografia mais recente,
num geral, entende que a nova legislação social tinha uma predisposição em efetuar um certo
controle dos trabalhadores, mas isso não quer dizer que era manipuladora e autoritária 241.
Escobar ao direcionar sua fala aos trabalhadores (algo que pode ser percebido pelo título:
“Avante Camaradas!”) explica que, na verdade, isso era uma obra da “burguesia fascista e do
governo” para o benefício de terceiros. Depois de mapear a situação do governo, relacionando
à Revolução Constitucionalista, expõe sua visão negativa sobre as novas leis:

“Depois de ter sido jugulado pelas armas o movimento militar deste Estado, que cobriu de luto e de dor
grande parte da família proletária brasileira, o governo federal chegou á [sic] conclusão de que, para
contradeter a ambição desmedida dos profissionais da política, dos industriais falsificadores e do clero
vorás [sic] e exterminador, á [sic] espera sempre de ocasião propícia para cravar o punhal mil vozes
assassino, sem alma nem piedade, deve contar com uma nova força que o ampare e evite novas e possíveis
insurreições. Abandonado pelos políticos que o acompanharam no movimento de 30, hostilisado [sic]

238
PARRA, Lucia Silva. Leituras libertárias: cultura anarquista na São Paulo dos anos 1930. Dissertação
(Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, 2014, p. 31.
239
Citação dos escritos de Errico Malatesta“Como Malatesta encarava a proxima transformação social”. A
Plebe, nº34, 22/07/1933. São Paulo, p. 2.
240
OITICICA, José. “Carta aberta aos fundadores do Partido Socialista Brasileiro”, A Plebe, nº5, 24/12/1932.
São Paulo, p. 1.
241
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, p. 228, 2007,
p.50.
64
pelo capitalismo estrangeiro por não ter satisfeito todos os apetites que este ambicionava, talvez os
militares sós não o podessem [sic] sustentar se de novo outro levante chegasse a estourar e, para isso,
precisou que a única classe lhe poderia prestar o apoio almejado, seria a numerosa classe proletária
[sic], que sempre foi a que não soube guardar rancores aos seus inimigos. Com tal fim, e para estar
prevenido para o que der e vier, lembrou-se de criar o sindicalismo obrigatório a ver se chama a si
o apoio dos trabalhadores, o mais vasto núcleo do Brasil, e publicou leis que parecem serem
favoráveis ao proletariado como a lei de férias, lei das oito horas, sindicalização etc. porém
resalvando aquilo que dizem ser os privilégios do capitalismo e da burguezia [sic], procurando
encobri-lo com o maior cuidado áqueles [sic] que, pela sua ignorância, não estão em estado de
compreender esse maquiavelismo” 242. (grifo meu)

Com esse texto, o jornal expõe uma visão não tão favorável aos que subiram ao poder
após 30 e uma clara crítica à burguesia, mostrando que ambos estavam tentando se beneficiar
a partir de uma pauta dos trabalhadores, emergindo, então, a compreensão de que as leis sociais
foram gestadas também pela burguesia. Escobar diz ser um engano da parte deles insistir nesta
questão, visto que os trabalhadores se organizavam com a finalidade de defender seus direitos
e para prestar solidariedade ao proletariado nacional e internacional, os quais sofriam do mesmo
mal. O objetivo dos trabalhadores futuramente seria “varrer como um ciclone toda a casta
privilegiada e exploradora” que era protegida por “suas leis draconianas”. Contudo, para que
isso fosse realizado, era necessário que as organizações proletárias não tivessem relações com
a política e nem com os “aproveitadores da boa fé proletária”, pois esses tentavam se introduzir
nos meios operários para interromperem a obra dos trabalhadores, por estarem, para o autor, a
serviço da “burguesia exploradora”:

“Para isso, torna-se necessário que nossas organizações sejam limpas de toda a política e dos aproveitadores
da boa fé proletária que se introduzem no nosso meio para interromper a nossa obra, por estarem a serviço
da burguezia [sic] exploradora e ladravaz. Nossas organizações de classe e os seus militantes aconselhados
pela experiência têm adquirido durante as sucessivas lutas proletárias, todos sem exceção, devem estar
prevenidos e dar o gesto de alerta a todos os oprimidos contra os nossos inimigos que, sem duvida alguma,
procurarão impedir por todos os mais crapulosos meios a nossa obra de Redenção Proletaria [sic]” 243. (grifo
meu)

Assim, na análise política dos libertários, tanto a burguesia quanto o governo eram
inimigos do proletariado, pois a promulgação dessas leis teria segundas intenções e visaria,
principalmente, impedir a revolução almejada pelos libertários. Escobar termina pedindo aos
trabalhadores não abandonarem a luta, pois a “escravidão” que tinham vivenciado nos últimos
12 anos (fazendo referência e crítica ao governo da 1º República) dava ainda mais força para
continuarem lutando por algo já iniciado. Em sua opinião, a “Aurora da Liberdade” estava

242
ESCOBAR, José Prados. “Avante, camaradas!”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 3.
243
ESCOBAR, José Prados. “Avante, camaradas!”, escrito por José Prados Escobar. A Plebe, nº 7, 07/01/1933.
São Paulo, p. 3.
65
próxima, mas deveriam se atentar porque existiam tentativas de golpes por parte da burguesia
para aniquilá-los 244.
Além disso, como os anarquistas agiam fora da política institucional, o jornal declara
que não era de interesse dos libertários participar da realização das leis, nem das eleições e nem
dos “parlamentos”, pois todas essas instituições já haviam falido e era justamente o excesso de
leis que levava ao não funcionamento da “máquina social”, ocasionando também mais
245
restrições às liberdades . Tais posicionamentos são completamente compreensíveis se
levarmos em conta o projeto político defendido pelos anarquistas. Essa alegação deve ter sido
feita, pois no início dos anos 30 foi recorrente o uso de comissões para a elaboração das leis no
MTIC e tais comissões poderiam ser formadas por representantes dos empregadores, mas
também dos trabalhadores (como foi o caso da regulamentação da lei nº 21.186, que instituiu o
horário de trabalho no comércio)246. Além disso, em abril de 1933 seria instituída a
representação de classes na Assembleia Constituinte, algo bastante atrativo, pois aqueles que
fizessem parte dos sindicatos legalmente reconhecidos pelo MT poderiam participar
247
politicamente e ativamente, uma experiência nova e importante . Portanto, apesar dos
posicionamentos contrários, os trabalhadores também poderiam estar por detrás da elaboração
das leis – e provavelmente seriam/eram considerados traidores pelos anarquistas - até porque
uma preocupação recorrente do Governo Provisório foi a busca por legitimidade à legislação
que estava sendo elaborada 248.
No caso da FOSP, em Nota Oficial, a Federação recorreu ao posicionamento emitido
em 1931, quando o decreto foi promulgado, determinando sua posição contrária não só no
discurso como também na prática, já considerando desde 1932 uma medida de caráter fascista:

“Considerando que a lei de sindicalização (...) visa a fascistização [sic] das organizações operárias (...),
o que é contrário às mais rudimentares normas sindicalistas (...), não se inspira nas necessidades
intrínsecas do proletariado. (...) A Federação Operária resolve: a) Não tomar conhecimento da lei que
regulamenta a vida das associações operarias [sic]; b) Promover uma intensa campanha aos sindicatos
por meio de manifestos, conferencias [sic] , etc... de critica á lei; c) Fazer, mediante essa campanha de
reação proletária, com que a lei seja derrogada” 249.

244
Ibidem
245
“A lei de sindicalização obrigatoria”. A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 1.
246
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 51.
247
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, 135.
248
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 51-53.
249
“Movimento Operario - A lei de sindicalisação”. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo, p. 4.
66
A respectiva fala indica não somente uma recusa, como também a necessidade de ações
práticas a fim de que a lei fosse revogada (as reações desses trabalhadores serão tratadas mais
a frente). Enfim, a tendência da Federação seria considerar o governo fascista por conta da lei,
uma posição que ainda não seria tomada de forma contundente pelo jornal. Segundo Raquel
Azevedo e também pelo o que podemos interpretar, a proposta libertária era ignorar a lei e ao
mesmo tempo combatê-la até sua extinção, visando minar desde o início a tentativa de
interferência institucional no meio sindical, ação necessária para evitar que os trabalhadores
cogitassem a participar da “farsa oficial” (grifo da autora) por estarem esperançosos em
desfrutar dos benefícios sociais 250. Assim, percebe-se que da mesma forma que o periódico, a
Federação entendia que as leis sociais foram criadas também pela burguesia com o objetivo de
desmobilizar a luta operária, mais um motivo para repeli-la, já que os interesses eram opostos.
Ademais, por entender que as novas leis tinham por trás a ação dos capitalistas, alegava que em
nada elas beneficiariam os trabalhadores, já que os interesses eram opostos251.
A recusa à lei de sindicalização foi feita também nas reuniões realizadas pelos sindicatos
atrelados à FOSP. Ainda em dezembro de 1932, o jornal registrou que os trabalhadores da Lapa
demonstraram em uma reunião feita pelo Sindicato dos Ofícios Vários (responsável por unir
trabalhadores de várias indústrias que não pertenciam a um sindicato de classe) que não a
aceitavam e preferiam a associação livre pelas normas do sindicalismo revolucionário 252. De
acordo com a própria Federação, os filiados a ela recusaram as novas políticas, porque tinham
consciência:

“Os manejos reacionários do capitalismo, aliado aos governantes fascistas da hora atual, não produziram
efeito deante [sic] da repulsa conciente [sic] dos trabalhadores organizados e filiados á Federação
Operaria de S. Paulo”. 253

No início de 33, a FOSP já indicava a posição tomada pelos trabalhadores guiada pela
desilusão (não tão presente em 32):

“Os trabalhadores de São Paulo, desiludidos mais uma vez com as promessas dos políticos e reacionários
respondem com o seu desinteresse e com a sua repulsa, ás manobras do Ministerio do trabalho que com
a Lei de Sindicalização, pretende amarrar os trabalhadores ás conveniências políticas da burguezia [sic]”.

E completa dizendo sobre o fracasso de tal lei em São Paulo:

250
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 300.
251
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São
Paulo, p. 4.
252
“Movimento Operario. Sindicato de Oficios Varios”. A Plebe, nº3, 03/12/1932. São Paulo, p. 4.
253
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São
Paulo, p. 4.
67
“A lei de sindicalização não surtiu efeito em São Paulo, onde os trabalhadores conservam a linha de
conduta, nas lutas contra os exploradores e mercenarios da industria [sic] e da política, adquirida em mais
de 30 anos de propaganda libertaria [sic]”. 254

De fato, ao final de 1932, dos 39 sindicatos de trabalhadores que foram reconhecidos


pelo Ministério do Trabalho, somente dois eram de São Paulo, demonstrando a dificuldade para
a implantação do projeto sindical corporativo por conta principalmente das resistências
efetuadas pelos trabalhadores e pelos industriais, que de início se opuseram à concessão de
direitos 255.
Por parte da Federação, as críticas a essa política estavam sendo mais direcionadas ao
Ministério do Trabalho do que propriamente ao governo, em um primeiro momento. Ademais,
sempre defenderia a posição em defesa da ação direta, rejeitando intermediários, o que podemos
entender como uma reação à ideia de negociação posta com tal lei:

“As leis do Ministerio [sic] do Trabalho paridas como o ratinho da montanha simbolica [sic] fora de
época, leis já fracassadas e rançosas em quase todas as partes do mundo, não resolvem aqui, como não
resolvem em parte nenhuma do mundo os problemas dos trabalhadores. Os trabalhadores é que hão de
resolver os seus problemas sem decretos nas suas lutas de classe, porque os governos são todos
constituídos para defenderem os interesses do capitalismo e as leis que vierem beneficiar as classes
operarias não serão nunca cumpridas, porque o capitalismo organizado se opõe tenazmente ao
cumprimento dessas leis, e, se consente na sua elaboração é por uma questão de tática, para iludir as
massas revoltadas pela miséria” 256. (grifos meu)

Nesse número, a Federação também diz continuar na sua ação de agir “à margem da
política”, concitou aos trabalhadores a resistirem ao que ela considerava ser “ataques da
burguezia [sic]” e repudiarem “o anzol que ela pretende atirar-lhe por intermédio do Ministerio
[sic] do Trabalho”. Essa posição vai de encontro à posição defendida pelo jornal da ligação do
governo com a burguesia 257
. Então, a FOSP direcionou também sua crítica ao Ministério do
Trabalho, sob a alegação de que esse órgão era “uma instituição inútil da República Nova” com
a finalidade de encontrar a melhor forma para “acorrentar os trabalhadores ao patronato” ao
invés de reconhecer suas verdadeiras necessidades 258. Essa posição contraria em parte o que a
Federação havia alegado anteriormente ao dizer que apesar de ser contra a lei de sindicalização,
entendia que o Ministério estava levando em consideração as reivindicações dos trabalhadores.

254
Ibidem.
255
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 161 e 233.
256
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São
Paulo, p. 4.
257
Ibidem.
258
“Movimento Operario. Nota da Federação de São Paulo”. A Plebe, nº4, 17/12/1932.São Paulo, p.4.
68
Mais críticas ao Ministério foram feitas por Oiticica, o qual comparou a ação tomada
pelo Ministério do Trabalho à Itália de Mussolini, país que também recorreu à “sindicalização
estatal” com a finalidade de “aniquilar os sindicatos proletários”. 259 Um “grupo de anarquistas
do Rio” exprimiu sua opinião nesse mesmo número, afirmando que as leis promulgadas até
então haviam sido realizadas pelo governo “do snr. Vargas” junto ao “ministro capitalista
Color”, mas por mais que elas tivessem sido apresentadas como “leis protetoras do operariado”
eram, na verdade, “opressivas, infames, escravizadoras” com o objetivo de “fabricar fósforos
eleitorais” para os ministros do trabalho 260. Portanto, sabiam definir de onde estava partindo a
lei e ela foi atribuída à Vargas.
Citando um exemplo de um sindicato aderente à FOSP, a Comissão do Sindicato dos
Trabalhadores em Fabricas de Chapéos apresentava opinião semelhante. Para essa associação,
o governo se esforçava para controlar o movimento sindical e corrompê-lo:

“O governo espera conseguir, apoderando-se dos sindicatos, opor a classe operaria [sic] agrupada
economicamente á classe operaria agrupada politicamente, tornando-se depois, graças a uma serie [sic]
de medidas legislativas, o senhor absoluto da ação sindical”.

Além disso, a comissão criticou outro sindicato aderente à nova forma de organização,
esclarecendo que sua forma de agir não era reformista e que isso seria se afastar do objetivo em
que se propuseram, pois os sindicatos deveriam ser locais de defesa dos interesses dos
trabalhadores contra o patronato, sendo, então, mais uma crítica à nova lei, isto é, uma crítica à
negociação que ela propunha. Para essa Comissão, o sindicato deveria ser um lugar de luta
contra o patronato, que acabasse com a exploração e que pudessem defender seus interesses.
Terminaram o pronunciamento avisando aos chapeleiros ser um dever a organização no
respectivo sindicato e a atuação na FOSP261. Para a União dos Canteiros de São Paulo a nova
lei fazia parte da “obra mistificadora dos elementos políticos” com o intuito de dividir os
trabalhadores, na qual seus membros não deveriam estar de acordo 262.
Outro problema apresentado a respeito dessa nova forma de associação atrelada ao
Estado era o fato de o governo não ser, de acordo com o periódico, o mais habilitado para
realizar a orientação do sindicalismo, uma vez que já havia se posicionado contra em um
passado próximo. Mais uma vez, essa alegação condizia aos seus princípios, visto que os

259
OITICICA, José. “Carta aberta aos fundadores do Partido Socialista Brasileiro”. A Plebe, nº5, 24/12/1932. São
Paulo, p. 1.
260
“Trabalhadores!”, escrito por “Um grupo de anarquistas do Rio”. A Plebe, nº5, 24/12/1932. São Paulo, p. 2.
261
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial. Sindicato dos Trabalhadores em
Fabricas de Chapéos”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 4.
262
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial. União dos Canteiros de São Paulo. A
Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 4.
69
anarquistas eram contrários à presença do Estado, logo, não permitiriam essa intervenção em
questões tão importantes como essa: o meio pelo qual realizariam a emancipação dos
trabalhadores. Essa instituição foi descrita como “órgão de compressão, armado e mantido pelo
capitalismo, para dominar o proletariado” 263. Assim, por razões doutrinárias, o jornal defendia
apenas a existência de sindicatos livres, organizados espontaneamente, seguindo os princípios
da ação direta:

“Queremos o sindicato organizado espontaneamente pelos interessados e agindo livres de toda a


influencia estranha. Somos contra todas as coações, partam de onde ou de quem partirem. Abaixo a todas
as peias ao pensamento livre e á livre organização dos trabalhadores! Abaixo todos os arremados de
organização compulsória á moda bolchevista e fascista! O operariado é e deve ser molécula útil, ativa e
pensante, unidade expressiva, átomo exponencial e não carneiro que se junto ao rebanho e se deixa
tosquiar, tanger e levar para onde os pastores desejarem (...) Isto dizemos como advertência a todos os
trabalhadores” 264.

A partir desse trecho, entende-se, então, um ponto central e uma das razões dessa recusa:
o sindicato era agora obrigatório e por isso estava sendo entendido como uma forma de exercer
controle sobre os trabalhadores, sendo comparado à organização corporativista do fascismo.
Portanto, a compreensão vigente era de que tal lei estava sendo promulgada pelo Estado
para o controle dos “trabalhadores conscientes”, favorecendo apenas a classe patronal e a
desmobilização do movimento operário; apresentava finalidades eleitorais; e seguia uma lógica
fascista. É importante observar que inicialmente o governo não era considerado fascista, apesar
de estar instituindo essa lei, a não ser pela FOSP que desde o início pontuou essa crítica. Mas
mesmo com essa designação por parte da Federação, quando o jornal explicava sobre o
fascismo, sua ascensão e perigos, a referência até finais de 1933 era sempre aos integralistas e
ao fascismo europeu.
A partir de agosto de 1933, cada vez mais a lei de sindicalização foi atrelada ao fascismo
justamente por essa ideia de controle que ela exercia. Outras leis sociais também seriam
entendidas como leis fascistas, como a carteira de trabalho, algo que será discutido mais à
frente. Neste ano, as críticas a respeito da ascensão do fascismo italiano e do integralismo
aumentaram nas publicações do jornal. Além disso, a adesão ao sindicato oficial estava
crescendo. Acreditamos que esses dois pontos ajudam a explicar essa maior associação e crítica,
as quais, posteriormente, seriam estendidas para o governo.

263
OITICICA, José. “Carta aberta aos fundadores do Partido Socialista Brasileiro”. A Plebe, nº5, 24/12/1932.
São Paulo, p. 1.
264
“A lei de sindicalização obrigatória”. A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 1.
70
Aderir a tal lei significaria deixar de pertencer a uma associação que defendia os
trabalhadores e os valorizava. Na trigésima sétima publicação, a Liga Operaria da Agua Branca
e Lapa, depois de discorrer sobre seu surgimento em 32 (após o período de greves e através da
união de trabalhadores dos bairros da Água Branca e Lapa, sem distinção de “oficio [sic], sexo
e nacionalidade”), criticaram tal lei por perceberem a importância da organização:

“(...) que sem organização o trabalhador fica desvalorizado como produtor e como cidadão, á mercê
portanto do capricho de patrões, mestres ou gerentes que tudo fazem para aumentar as horas de serviço e
reduzir os salarios (...) que não chegam nem para atender as mais (?) necessidades”265

Ademais, a Liga pedia aos “companheiros” que fizessem a “caderneta associativa”


dessa organização visando o combate das:

“(...) medidas fascistas do Departamento do Trabalho, como a Caderneta Profissional, a Lei de


Sindicalização que serve (?) para aumentar a escravidão moral e econômica da classe produtora”.

Concluiu dizendo que a conquista de direitos dependia exclusivamente da união deles


contra os “exploradores” 266.
Na quadragésima terceira publicação, por exemplo, já em outubro, o sapateiro
anarquista Pedro Catalo, pertencente à União dos Artífices em Calçados e Classes Anexas de
São Paulo267, em um artigo rebatendo outro jornal (Fanfula), alegou que a lei de sindicalização
havia sido “importada da fabrica [sic] que Mussolini instalou no ‘palazzo Chigi’, em Roma”.
O militante anarquista se referiu a ela como “malfadada”, “deficiente”, “unilateral” e
beneficiária apenas da classe patronal. Além disso, considerou que em nada favoreceu os
operários sindicalizados, isso porque foi um ano em que o jornal passou a denunciar de forma
contundente a burla por parte do patronato e mostrar como os trabalhadores sindicalizados
estavam descontentes, algo que permaneceria até 1935. Catalo afirmou que:

“(...) diminuição de horas de trabalho, aumento de salário, a higienização nas fabricas [sic] e oficinas, em
fim, alguma melhoria de ordem moral? Sabemos em demasia que para responder categoricamente a estas
perguntas tropeçará com os mais sérios embaraços. Outra asserção mui coerente com os desconhecimentos
crassos dos quais é depositario [sic] o ilustrissimo [sic] ‘Federapófago’, é quando afirma que os nossos
Sindicatos ‘praticamente não têem força alguma. E si os governos têem força ‘praticamente’ porque até
hoje não resolveram ‘praticamente’ o problema dos trabalhadores?” (grifo meu)

265
“Movimento Operario.”. A Plebe, nº37, 12/08/1933. São Paulo, p. 3.
266
Comissão Executiva. “Movimento Operario. Liga Operaria de Agua Branca e Lapa”. A Plebe, nº37,
12/08/1933. São Paulo, p. 3.
267
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, p.
188, 2005, p.31.
71
Dessa forma, se posicionou a favor da organização sem intermediários e da ação direta,
forma de agir que já contava com certa tradição:

“Terá compreendido mais ou menos agora, porque nós, os trabalhadores, não esperarmos nada de ninguem,
[sic] organizamo-nos por nossa conta propria [sic] e empregamos a ação direta, isto é, não delegamos
poderes a nenhum intermediario [sic], não reconhecemos pacificadores e nem mediadores entre nós e
o nosso inimigo, quer seja o patronato quer seja o Estado. Esta resolução nossa, por certo inexoravel [sic]
já consagrada nos tres [sic] congressos operarios [sic] realizados no Rio de Janeiro e na Conferência Operaria
[sic] Estadual realizada aqui em S. Paulo, é porque já constatamos ‘praticamente’ que todos os
intermediarios [sic] se atravancam em nosso caminho, são para amortecer o espirito [sic]
revolucionario [sic] da classe trabalhadora, e, dissuadi-la da luta de classes. Dito isto, em outros termos:
E’ para garantir o socego [sic] das classes dominantes, que vivem, a expensas da dor, da fome e da miseria
[sic] do pobre proletariado. Os nossos oradores somos nós mesmos; e as palavras ‘rimbombantes’ aprendem-
se nas universidades, nas academias, construídas, sim, pelos trabalhadores, mas de onde estes, são
cuidadosamente excluidos [sic]”268 (grifo meu)

Catalo compreendia que a lei foi criada em benefício da classe dominante, uma vez que
as associações autônomas tenderiam a desaparecer, assim como as greves (que até então não
estavam proibidas, mas seriam com a nova Constituição de 34). O anarquista escrevia em
contraposição ao jornal Fanfula, apoiador da respectiva lei e provável admirador do regime
fascista italiano, pois alegou que “a fabrica [sic] de leis do Brasil ainda não era perfeita”, já que
faltava no país um homem como Mussolini para a efetiva aplicação da lei, mostrando que a
sindicalização, até então, não era obrigatória e nem aderida por todos. Mas para Pedro Catalo,
o problema social era uma questão muito mais séria e muito mais importante. Pediu, então, para
que o jornal Fanfula fosse aos bairros operários, entrasse em suas casas precárias (“pocilgas”),
ouvissem suas necessidades, analisasse seus corpos e que depois determinasse o valor da
“celebre ‘carta del lavoro’”. Dessa forma, verificaria que a lei de sindicalização era um
instrumento criado para impedir que o trabalhador melhorasse suas condições de vida. Concluiu
com uma fala que permite a compreensão da existência de repressão sobre aqueles que
permaneciam em posição divergente:

“(...) cavalaria que se lança covardemente, sobre os operarios [sic] meio unico [sic] para protestar contra as
torpezas do capitalismo – preste bem atenção, essa mesma cavalaria, é mandada pela mesma entidade que
criou a lei de Sindicalização, o Estado” 269.

Mais críticas de forma direta nesse ano só aconteceriam na penúltima publicação,


porque o enfoque esteve mais no fascismo internacional e nas denúncias de não cumprimento

268
CATALO, Pedro.“Movimento Operario. A proposito do ato 515. Rebatendo um ‘topico’ do o “FANFULA”.
A Plebe, nº43, 07/10/1933. São Paulo, p. 3.
269
CATALO, Pedro. “Movimento Operario. A proposito do ato 515. Rebatendo um ‘tópico’ do o “FANFULA”.
A Plebe, nº43, 07/10/1933. São Paulo, p. 3.
72
270
das leis. Na publicação citada, Walter Cianci afirmou que todo operário valorizava a
importância da união e todos sabiam também distinguir perfeitamente a união obrigatória, isto
é, a pautada pela lei de sindicalização, da união “livre e consciente, partindo do indivíduo para
a coletividade”. A primeira foi classificada pelo autor como um instrumento governamental e
sujeita às diretrizes do Ministério do Trabalho, não apresentando nenhum valor, pois só o
proletariado tinha o dever de conhecer seus direitos. Já a segunda era de total conhecimento do
proletariado. Cita como exemplo a ação dos trabalhadores padeiros, filiados à Federação
Operária, compondo um sindicato livre e que, por ação própria, conquistaram as 8 horas de
trabalho sem a autorização de seus superiores, ao contrário do que o Ministério do Trabalho
propunha e disse que garantiria 271. Então, o apreço à ação direta e à autonomia das organizações
era sempre reiterado.
A continuidade da burla das leis instituídas até mesmo nos sindicatos reconhecidos pelo
governo acarretaram em críticas mais contundentes ao Departamento Estadual do Trabalho, na
segunda metade de 1933 e ao Ministério do Trabalho denunciando seu caráter “mistificador” e
a incapacidade de resolução dos problemas dos trabalhadores, provavelmente como uma forma
de convencimento a respeito da não eficácia do projeto do governo e dar mais força ao projeto
libertário. De fato, o Estado estava sendo ineficiente nas tentativas de regulamentar legalmente
o trabalho, segundo Raquel de Azevedo 272.
Mas antes de dar continuidade às experiências dos próximos anos, é preciso que esteja
claro qual era a concepção anarquista a respeito das leis. Azevedo explica que havia:

“(...) distinção entre a lei formal e instituída pelo Estado e o direito enraizado numa concepção de justiça
natural ou humanitária, independente do Estado. A lei seria um recurso para sancionar as violências e a
exploração estabelecidas pelo Estado, enquanto que o direito seria indecodificável, fundando-se a partir da
Igualdade Econômica, da Solidariedade e da Liberdade” (AZEVEDO, 2002, p. 279)

Portanto, as leis eram usadas de modo a estabelecer a tirania e a exploração, elas eram
diferentes dos direitos naturais, os quais já deveriam estar garantidos a priori. A lei era
“burguesa” por ser participante do “aparato jurídico e policial” (grifo meu) que integrava as

270
Não foram encontradas referências sobre Walter Cianci, apenas sobre Francisco Cianci: anarquista italiano que
teve destaque durante a greve insurrecional de 1917 em São Paulo. Participou da refundação da FOSP como
representante da União dos Profissionais do Volante e colaborou com a imprensa anarquista, escrevendo muitos
artigos. SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 25.
271
CIANCI, Walter. “Movimento Operario. A união”. A Plebe, nº51, 23/12/1933. São Paulo, p. 3.
272
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 278.
73
instituições vistas como inimigas, isto é, o Estado, o capitalismo e a Igreja. Portanto, estava
inserida na lógica do princípio da autoridade e em oposição radical ao trabalhador, então este
não teria benefícios em segui-la. Diferentemente da lei ou “direito revolucionário” (grifo meu)
que estava fora da esfera institucional e não precisava transitar pelo Parlamento ou pelos
partidos políticos. Ter essa compreensão de antemão é de grande importância para entender a
argumentação anarquista, isto porque a todo o momento seria incentivada a luta pela negociação
direta com o patronato, sem a intervenção externa. O fato de a legislação burguesa fracassar em
seu cumprimento dava mais força para essa argumentação libertária 273:

“Dessa maneira, a canalização das energias operárias para a obtenção de benefícios legais levaria a um
duplo deslocamento: do plano da relação trabalhador-empresário, onde efetivamente ocorria a
reivindicação-concessão de direitos, para uma esfera alheia à produção – a esfera do jurídico e da política
institucional. No plano da lei, haveria um círculo vicioso de colaboração entre Estado e burguesia. Por
outro lado, como um segundo deslocamento, as reivindicações necessitavam da intermediação de
políticos e partidos distantes do meio operário, desviando-se da iniciativa direta do próprio trabalhador”.
(AZEVEDO, 2002, p. 281).

Por fim, é importante explicar que nem todos os sindicatos coordenados pelos libertários
descartavam as vias jurídicas, mas ainda sim existiam desconfianças e críticas à ineficácia das
mesmas274.
O entendimento de que as leis eram ineficazes prosperou nas próximas publicações
desse ano a fim de reiterar a ineficácia dos órgãos governamentais em garantir o direito dos
trabalhadores já postos em lei. Em julho, o jornal citou uma notícia do periódico "Estado de S.
Paulo”, do dia 8 de junho, sobre as reclamações dos trabalhadores que reivindicavam ao
Departamento do Trabalho, supostamente, 10 horas de trabalho em uma empresa da fiação e
tecelagem de Pirassununga. Na verdade, de acordo com a notícia, eles foram obrigados a assinar
esse pedido para não serem demitidos e os fiscais responsáveis não ouviram suas reclamações.
Após a citação da notícia, o jornal expõe sua opinião:

“Ora aí está para o que servem os ‘Departamentos e os fiscais’. Unicamente de ludibrio aos interesses
proletários. Há uma empreza de tecelagem que obriga os seus operarios [sic] sob a ameaça de os despedir
a firmarem um documento reclamando aumento de duas horas de trabalho além das 8 regulamentares. E
isto que é um atentado ás necessidades físicas, morais e intelectuais dos trabalhadores que não são
máquinas de moto-continuo, mas seres de carne e osso como os burguezes seus exploradores,
constitue alem [sic] de tudo um atentado contra a lei estatuída e em vigor que limitou a jornada
máxima de trabalho a 8 horas. Pois os desanimados patrões coagem os pobres operarios [sic], sob a
ameaça de ficarem sem emprego, a reclamarem mais horas de encarceramento e de trabalho forçado para
maiores lucros e ganhos de seus exploradores. E os fiscais idos lá para saberem da lisura do ato, para
fiscalizarem e observarem o cumprimento da lei, voltam sem sequer interrogar qualquer operário!
Preferiram naturalmente escutar os patrões e darem-se por satisfeitos. As leis são isso mesmo. O

273
Ibidem, p. 280.
274
Ibidem, p. 283.
74
que vale é a vontade, a decisão e a conciencia [sic] dos obreiros, impondo a sua razão, estudando os seus
problemas e agindo contra todos os abusos daqueles que lhes sugam o sangue, que lhes absorvem o suor,
que lhes roubam o pão da boca para mais depressa se enriquecerem e maior figura fazerem ”275 (grifo
meu)

Posteriormente, demonstram descrença às leis a partir da alegação de que elas nunca são
cumpridas e não valem de nada. A solução para essa situação de injustiça era apenas a
organização dos trabalhadores nos “sindicatos revolucionarios [sic]”, com o devido estudo da
questão social em todas as suas instâncias. Caso contrário, a exploração continuaria vigente 276.
Apesar de não citar diretamente a lei de sindicalização, percebe-se uma crítica indireta
a ela, ao recusarem outras formas de associação que não a “revolucionária”, assim como aos
novos mecanismos do governo, os quais eram desempenhados por meio do Departamento do
Trabalho e por seus fiscais, mas que não correspondiam a suas funções: verificar se as leis
estavam sendo cumpridas e, portanto, eram inúteis277.
Mais críticas à lei de sindicalização foram feitas a respeito do controle que ela
representava e essas foram somadas ao problema do não cumprimento dos direitos.
Consequentemente, aumentaram os artigos destinados a comentários negativos sobre o
governo. Na seção do “Movimento Operario [sic]”, o autor, Lino, escreveu criticando as
promessas vãs daqueles que estavam no poder:

“Todas as promessas feitas de melhorias economicas [sic], que se prometeram aos trabalhadores logo após a
Revolução, e que os jornais, às vezes, pelo seu noticiario [sic] do Departamento do Trabalho parecem
confirmar que estão sendo realizadas, todos os trabalhadores de todas as classes estão perfeitamente
convencidos que não foram beneficiados. Apárte [sic] alguns casos individuais, isolados, resolvidos com
grande custo pelos fiscais do Departamento, não foi, até hoje, solucionado um só caso de caráter coletivo(...)
Os governantes são todos iguais. Prometem mundos e fundos quando precisam do apoio das massas, e depois
esquecem-se de que haviam feito tal promessa (...)”278.

Enquanto isso, os “tubarões da Industria [sic]” continuavam enriquecendo, pois as leis


sociais foram criadas com a finalidade de explorar ainda mais os trabalhadores, segundo a
concepção do autor. Portanto, a crítica ao governo era a respeito de sua incapacidade em
cumprir com as promessas de melhorias e à promulgação das novas leis no campo do trabalho.

275
“Lobos com a pele de cordeiro”. A Plebe, nº31, 01/07/1933.São Paulo, p.3.
276
Ibidem
277
“Lobos com a pele de cordeiro”. A Plebe, nº31, 01/07/1933.São Paulo, p.3. ; A crítica persiste no Nº41, p.3,
em “Movimento Operario”, escrito por Lino: “(...) Apárte alguns casos individuais, isolados, resolvidos com
grande custo pelos fiscais do Departamento, não foi, até hoje, solucionado um só caso de caráter coletivo (...)”
(23/09/33)
278
LINO, “Movimento Operario”. A Plebe, nº41, 23/09/1933. São Paulo, p.3.
75
Contudo, fora destinada também à privação da liberdade de reunião, evidenciando uma
provável maior repressão:

“Acabou, no Brasil, a liberdade de reunião. Sem a presença do esbirro colocado nos recintos proletarios [sic],
onde só nas consciências exploradas que procuram libertar-se da engrenagem esmagadora de um regime
ignominioso, não podem os trabalhadores realizar as suas reuniões. E como os trabalhadores sabem que esses
intrusos parasitários são quási [sic] sempre agentes do proprio [sic] capitalismo, preferem não se reunir e vão
ruminando a sua revolta até que seja possível manifestar seu desespero, não já nos seus centros de cultura e
resistencia [sic], mas na rua, nas barricadas revolucionárias”279.

Conforme os trabalhadores foram presos, mais o jornal comparava a “Republica Nova”


à “Velha Republica” e classificava-os como tiranos, diferentemente da posição tomada no início
das publicações desse ano, em que, até então, havia certa concepção de mudança 280.
O fato de o governo, na concepção do jornal, não ter cumprido com suas promessas
referentes à questão social continuou sendo motivo de crítica em outubro, ainda que de forma
indireta. Em “Promessas politicas”, Walter Cianci discorria sobre os governantes sempre
agirem da mesma forma: prometiam direitos em troca de poder - e com isso entendiam a questão
social como “uma simples questão de estomago [sic]” (grifo dele -, mas quando chegavam ao
poder além de não cumprir nada o que prometiam (como o salário mínimo, 8 horas de trabalho,
férias e outros direitos), também prendiam aqueles que reclamasse pelo o que havia sido
prometido. Claramente tratava-se de uma crítica à situação de parte dos trabalhadores que se
organizavam em prol ao cumprimento das leis sociais 281.
A conclusão em novembro era de que se não houve retrocesso, também não ganharam
em nada no que diz respeito às relações públicas e sociais “consubstanciadas na liberdade de
pensamento e de reunião” (como visto, a lei de sindicalização representava esses dois perigos),
dando a entender que o período atual não se diferenciava em nada do anterior. Mas,
contrariando essa posição intermediária, o jornal define o governo como fascista:

“E’ o fascismo puro e simples. E’ o regime da rolha, da coação e da mordaça”282.

Em várias partes do país estava ocorrendo uma perseguição aos trabalhadores, como no
Rio de Janeiro, em que as reuniões e assembleias estavam sendo “virtualmente” (grifo meu)
proibidas, assim como as organizações proletárias não adeptas do “sistema fascista de

279
Ibidem.
280
“Camaradas presos”. A Plebe, nº44, 14/10/1933. São Paulo, p. 3.
281
CIANCI, Walter. “Movimento Operario. Promessas politicas”. A Plebe, nº45, 21/10/1933. São Paulo, p. 3.
282
“Panorama brasileiro”. A Plebe, nº46, 04/11/1933. São Paulo, p. 1.
76
sindicalização oficial”, demonstrando um ataque direto ao sindicalismo autônomo. De acordo
com o jornal, a situação em São Paulo era semelhante 283.
No que diz respeito à questão social, consideram no final de 1933 que ela estava em
evidência, mas não era tratada da forma como desejavam. Essa constatação tem total relação
com a nova forma de organização corporativista proposta pelo governo:

“Nunca em nosso país houve tanto interêsse, tanto carinho pela questão social como se verifica agora. Em toda
a parte, em todos os lugares, em todas as conversas, em todos os escritos, em jornais, livros e conferencias [sic]
ou palestras, o motivo predominante é a questão social; é a questão social em suas múltiplas formas e facetas
o ‘mobil’ [sic] de todas as agitações, de todas as comoções, de todas as revoluções que agitam o mundo. E’ o
embate supremo, é a luta da vida e morte do presente com o futuro, do revolucionario [sic] contra o
conservador. E a falência do regime capitalista estatal está manifestada (...) e inevitável. (...) O Estado procura
as escoras do fascismo, porque sente faltarem-lhe as forças para resistir ao vendável da revolução
inovadora”284.

Em vista dessa situação em relação ao trato incorreto da questão social e próximo da


realização da Constituinte, em novembro, a concepção frente ao movimento revolucionário de
30 era outra e bastante crítica. O periódico escreveu sobre os anseios da população antes e
depois da chamada revolução, ao mesmo tempo em que propôs uma nova sociedade. Nos anos
antecedentes à eclosão do movimento de 30, a opinião pública da população, de acordo com A
Plebe, se agitava em busca de um “ideal redentor”, pois necessitavam de algo novo que
colocasse o indivíduo mais em contato com as realidades sociais da época. Havia muita
corrupção e era preciso uma grande mudança no cenário político, pois a 1º República não se
sustentava mais. Entretanto, os políticos perceberam atitudes revolucionárias entre o povo,
levando à criação de revolucionários, por parte deles, que se apropriavam de pautas importantes
em vão, como liberdade, igualdade e fraternidade.
A tal revolução foi feita pelos políticos, pelos grandes e pequenos industriais, pelos
banqueiros. Foi uma revolução em benefício próprio, enquanto o povo morria por uma causa
que achava ser sua. O resultado foi: um monte de “aventureiros” (grifo meu), reunidos na
Assembleia Nacional, prestes a repetir as “farsas” do regime da “pata do cavalo” (grifo meu),
ou seja, da Primeira República. Eles escreveriam a Constituição, mas em nada ela beneficiaria
o povo brasileiro, era um “fetiche de malandragens e maroteiras politicas [sic]”. A solução seria
uma sociedade livre, composta por indivíduos livres, com direitos e deveres iguais; com a
valorização da cultura, do saber, do trabalho, da riqueza social, da liberdade, do ar, da luz, do

283
“Panorama brasileiro”. A Plebe, nº46, 04/11/1933. São Paulo, p. 1
284
Ibidem.
77
285
pão, da vida, e a possibilidade de que isso estivesse ao alcance de todos . No mesmo mês,
“José Alves de Lima” deslegitimou a ideia de revolução do movimento de 30:

“(...) porque os revolucionarios [sic] de 30 são insinceros, pretendendo mistificar o movimento


revolucionario [sic] do povo brasileiro”.

Em sua opinião, não se fazia uma revolução para implantar um regime de violência
organizada, com o apoio do clericalismo, impondo ao proletariado a submissão “escrava dos
vencidos e covardes”. O povo brasileiro e os trabalhadores acataram à revolução de 30 para
conquistar a liberdade, para melhorar as suas condições econômicas, mas não para ser escravo
de consciência de trabalho 286. A desilusão estava clara.
Outra lei que foi criticada ainda em 1933 foi a que instituiu a carteira de trabalho
(decretos nº21. 175 e nº 22. 035, de 1932). Desde a sua criação seu uso já foi associado ao gozo
dos direitos e era importante para as queixas por parte dos trabalhadores às Juntas de
Conciliação287 (meio instaurado pelo Ministério do Trabalho para a resolução dos conflitos).
Mas foi um instrumento capaz de exercer um controle bastante eficaz sobre a classe
trabalhadora288, o que dificultou ainda mais a permanência e a adesão dos trabalhadores aos
sindicatos autônomos, segundo Clarice Speranza 289. Também ficou sob controle do
Departamento Nacional do Trabalho (DNT) e retirou a validade das carteiras emitidas pelos
estados e municípios. Sua institucionalização aconteceu junto a criação parcial da estrutura
burocrática que era necessária para emiti-la e a implementação em um primeiro momento
ocorreu de forma precária e confusa 290. De acordo com Raquel de Azevedo, essa nova carteira
de trabalho mais se assemelhava a uma ficha policial; incluía todos os assalariados com mais
de 16 anos, inclusive estrangeiros, registrando o sindicato correspondente 291.
A oposição veio por parte dos sindicatos aderentes à FOSP. A Liga Operaria da Penha
era uma associação que afirmou estar nesse momento lutando pela abolição da “Caderneta
Profissional”, como era chamada, pois considerava ser o “estigma infamante das classes

285
“Está aberta a sessão... ‘Façamos a revolução, antes que o povo a faça...”. A Plebe, nº47, 18/11/1933. São
Paulo, p. 1.
286
“Coisas da Republica Nova. Novo selo”. A Plebe, nº51, 23/12/1933. São Paulo, p. 3.
287
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, p. 90.
288
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo – 3. ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 167.
289
SPERANZA, Clarice Gontarski. Branco, preto, pardo, moreno ou escuro? Classificações raciais nas carteiras
dos trabalhadores gaúchos (1933-1945). Revista Tempos Históricos, vol. 21, n. 1, 2017, p. 106.
290
Ibidem pp.106-107.
291
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 302.
78
trabalhadoras” (grifo meu) 292
. Para a União dos Operarios Metalurgicos de São Paulo, todas
as “inovações” apresentadas pelos governos sobre os operários só tinham a função de dificultar
e interferir na vida dos trabalhadores: as cadernetas profissionais e as fichas sanitárias estavam
sendo uma forma de tirar dinheiro dos proletários em benefício dos governantes e isso deveria
acabar293. Em dezembro, na penúltima publicação, o Sindicato dos Profissionaes do Volante
também se manifestou em oposição às carteiras profissionais, mas nesse caso era uma crítica
ligada mais à questão financeira pelo fato de que os gastos com a emissão da carteira eram
cobrados dos trabalhadores. Por isso a comissão encorajava a todos os “chaufers” a não tirarem
o novo documento e não traírem seus companheiros desempregados, os quais não tinham
dinheiro para pagá-las294.
A pesquisa de Speranza indicou que apesar da carteira ter sido um instrumento que
visava o controle, na prática sua emissão contou com o auxílio dos sindicatos aderentes ao
Estado, pois por meio dela tentavam garantir o cumprimento das leis em que estavam
interessados. Então, a carteira não ficou sob responsabilidade exclusiva das Inspetorias
Regionais e de seus agentes, como era previsto. Além disso, os próprios trabalhadores a
procuravam, antes mesmo de ser obrigatória. A partir de 1934, a nova lei de sindicalização
determinou que para pertencer aos sindicatos oficiais era preciso tê-la. A emissão das carteiras
permaneceu estável na década de 30, em torno de 200 mil a 250 mil documentos emitidos por
ano, segundo os dados dos Anuários Estatísticos do IBGE. Seguindo levantamento de Speranza,
no estado de São Paulo a quantidade foi em média de 40.000 entre 1933 a 1935 (maior que o
RS e menor que o DF) 295.
Em 1934, as críticas à lei de sindicalização se tornaram ainda maiores e o periódico
chegou até mesmo a diminuir as publicações de caráter educativo a respeito dos princípios
anarquistas que eram recorrentes 296. Nesse ano, fica ainda mais evidente o descontentamento
em relação ao governo (que logo deixaria de ser provisório e se tornaria constitucional) e as

292
“Movimento Operario. Liga Operaria da Penha”. A Plebe, nº48, 02/12/1933. São Paulo, p. 3.
293
“Movimento Operario. União dos Operarios Metalurgicos de São Paulo”. A Plebe, nº48, 02/12/1933. São
Paulo, p. 3.
294
Comissão Executiva. “Movimento Operario. Sindicato dos profissionais do volante”. A Plebe, nº51,
23/12/1933. São Paulo, p. 3.
295
SPERANZA, Clarice Gontarski. Branco, preto, pardo, moreno ou escuro? Classificações raciais nas carteiras
dos trabalhadores gaúchos (1933-1945). Revista Tempos Históricos, vol. 21, n. 1, 2017, p. 109-113.
296
Um número que pode ser citado como inteiramente educativo é a sexagésima primeira edição, em
comemoração ao 1º de Maio, data simbólica da luta dos trabalhadores e da oposição à burguesia. Nesta edição é
possível entender os referenciais teóricos do jornal, pois em algumas páginas foram feitas explicações sobre
essas figuras na seção “Galeria de grandes figuras do anarquismo”: Luigi Galleani, Pedro Kropotkine, Pietro
Gori, Eliseu Reclus, Rodolfo Rocker, Miguel Bakunine, Alsemo Lorenzo, P.J Proudhon, João Mos, Errico
Malatesta e Neno Vasco. Em: Nº 61, p.4 e 5, em “Grandes figuras do anarquismo” (28/04/34)
79
publicações discorreram mais sobre a situação do país e dos trabalhadores. Mais uma vez,
voltariam a defender o “sindicalismo verdadeiro”, isto é, o revolucionário, em vista de outros
que estavam sendo criados com o intuito de “desfigurar, anular e mistificar” o movimento
operário, um argumento que vem sendo defendido há um tempo, como já demonstrado. Nesse
sentido, Adelino de Pinho 297 escreveu:

“Ante um sindicalismo agressivo, educador e revolucionário, criam um sindicalismo tapeador, cristão, legal,
agua [sic] de rosa, pó de arroz, que de sindicalista só tem a máscara, a gazua, o engodo com que
mistificam os pobres e inconscientes trabalhadores que acreditam em seus pastores e impostores
caudilhos, politicos [sic] ou sacerdotes. Então, só porque todos o usam para fins diferentes não presta?” 298.

Continuou argumentando que o sindicalismo do qual era defensor, o de “resistência”,


precisava fazer algo de forma urgente a fim de solucionar o problema do trabalhador e, para
isso, a única saída seria a eclosão da revolução. Podemos entender como uma crítica indireta
ao sindicato corporativista no sentido de que esse não resolveu a situação dos trabalhadores,
motivo pelo qual foi justificada sua emergência:

“Certamente que o sindicalismo ou as associações de classe ou de resistência – deem-lhe o nome que queiram
– precisa mais do que nunca – preparar-se para afrontar, debater, estudar, resolver e debelar questões prementes
e formidaveis [sic] que a guerra e a presente crise social que avassala e abala o mundo burguez – capitalista
produziu, provocou e avolumou, as quais precisam solução rápida e radical, do contrario a classe proletaria
[sic] ver-se-á precipitada, mergulhada e envolvida numa situação de miseria [sic] horrorosa, sem emprego, sem
trabalho e sem pão. Não há outro dilema: Revolução ou Escravização.” 299.

Em outro artigo e edição, M. Garcia argumentou que a revolução social libertária tinha
o intuito de destruir essa “falsa interpretação da justiça”. No caso da revolução preparada pelos
anarquistas, ela correspondia à desobediência ao Estado e às suas instituições e apesar de lenta,
seria sólida. A revolução social libertária não era uma fatalidade histórica, mas sim um fato
conscientemente produzido pelas “forças vivas da sociedade que reagem contra as imposições
insolentes e barbaras [sic] do meio em que vive”. Para os anarquistas, o meio social formava o
indivíduo, mas esse também formava o meio, por agir constantemente contra ele. Logo, uma
revolução libertária não poderia acontecer por elementos não libertários, com preconceitos
autoritários.

297
Era um militante português, foi um dos redatores do jornal e ficou sob comando do periódico quando Rodolfo
Felipe foi preso em fevereiro de 1933. Ver: SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa
anarquista e a repressão política em São Paulo (1930-1945). Campinas, SP, 2005, p.123.
298
PINHO, A. de. “Ideias de reconstrução social”. A Plebe, nº63, 26/05/1934. São Paulo, p. 2.
299
Ibidem.
80
A oposição ao sindicalismo que não prezava pela revolução e, portanto, não combatia o
Estado nem o sistema capitalista e escolhia a resolução dos problemas por meio da negociação
se explicava pelo fato dessa doutrina sindical ser uma junção de “conceitos autoritários” que
convergiam para o mesmo lugar: para competir com as ditaduras dos governantes. Nesse tipo
de sindicalismo, o proletário era apenas um instrumento nas mãos dos “politiqueiros”, era o
“sindicalismo legalitario [sic]” 300. Cabia aos trabalhadores conscientes impedir a interferência
no campo da luta proletária, pois o intuito da intromissão era tirar proveitos pessoais e semear
discórdia e confusão. Todos os problemas que enfrentavam só teriam fim com a eliminação dos
vestígios de autoridade, da propriedade privada e com a revolução.301. Assim, por meio dessa
explicação mais uma vez o jornal se esforçava em explicar as razões de oposição ao
sindicalismo oficial proposto pelo Ministério do Trabalho, apesar de Garcia não realizar uma
citação direta a ele. Não à toa, nos primeiros números do ano, o jornal repudia com ainda mais
veemência a interferência estatal e incentiva a ação direta.
O período em que ficou vigente a Assembleia Constituinte (15 de novembro de 1933
até meados de 1934, quando ocorreram as eleições indiretas302) foi retirado do Ministério o
papel central na elaboração das leis, além disso, quem estava à sua frente era Salgado Filho e
depois Agamenon Magalhães303. Com a elaboração da Carta Magna (ação na qual o jornal se
opunha), a ideia disseminada era de que o valor das leis era relativo e dependia das
circunstâncias, diferentemente dos anos anteriores em que foi constatado a inutilidade delas.
De acordo com o periódico, a questão não estava nas leis, mas nas instituições que tinham
poderes e força para efetivá-las ou não. O mal estava nos governos que seguiam o princípio de
autoridade e a solução para isso era a liberdade. De qualquer forma, as desprezavam:

“Despresamos a lei porque a lei é feita pelos que teem interêsses a defender baseados na injustiça e na
desigualdade social” [grifo do jornal]304.

O interessante a ressaltar nessa questão é que ao mesmo tempo em que desacreditavam


e eram contra a promulgação de leis (como a lei de sindicalização e a própria Constituição)

300
GARCIA, M. “Anarquismo, sindicalismo e Revolução Social”. A Plebe, nº58, 17/03/1934. São Paulo, p. 2.
301
Ibidem.
302
Disponível em: < http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/assembleia-nacional-
constituinte-de-1934> Acesso em: 12/07/21.
303
BIAVASCHI, Magda Barros.O Direito do Trabalho no Brasil – 1930/1942: a construção do sujeito de
direitos trabalhistas. Tese de Doutorado. Campinas: UNICAMP, 2005. p. 205 Apud SOUZA, Samuel Fernando
de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado
em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 44.
304
“O regime da lei”. A Plebe, nº66, 07/07/1934. São Paulo, p. 1.
81
reivindicavam o cumprimento das leis sociais, as quais asseguravam os direitos dos
trabalhadores. Essa reivindicação já era presente em 1933 e continuaria em 1934, ficando
perceptível na seção do “Movimento Operario” (mas não só), quando os sindicatos agiam de
forma direta pautando o cumprimento das leis, denunciando a burla de seus empregadores ou a
ineficiência do Ministério do Trabalho na fiscalização. De acordo com M. Garcia, em outro
artigo, as normas jurídicas eram fórmulas para facilitar a exploração do homem pelo homem e
regularizar a escravidão humana 305.
Enfim, já nas primeiras publicações desse ano o jornal voltou a defender de forma clara
um argumento já utilizado (e após utilizar de exemplos dos sindicatos oficiais que não tiveram
seus direitos assegurados) que a questão social só poderia ser resolvida pelos próprios
proletários. Qualquer intromissão de elementos estranhos iria desvirtuar a finalidade da luta e
dos interesses proletários para o outro lado, ou seja, favoráveis aos interesses e às ambições dos
306
exploradores . Consequentemente, a defesa por parte do jornal pela ação direta esteve
presente durante todo o ano e em diversos artigos de forma ainda mais clara:

“Efetivamente, não nos cansamos de o repetir, os trabalhadores devem decidir-se, de uma vez por todas, a
abandonar a covardia das atitudes e lançar-se á luta, pela ação direta, contra o Estado, porque é no Estado, no
principio de autoridade onde está o mal que afeta as classes produtoras”307.

Defender a ação direta significava rejeitar a intromissão e isso foi representado por meio
de uma ilustração, por exemplo, colocada no centro da primeira página da quinquagésima
sétima publicação. Nela foi retratada a porta de um sindicato (em cima da porta está escrito
“SINDICATO”) e um homem bem vestido, com uma faixa no braço escrito “M.T”, ou seja,
Ministério do Trabalho, sendo chutado por uma perna que saía de tal porta. Esse homem tem
um nariz fino e uma barriga redonda, talvez pudesse ser uma comparação a Getúlio. Os textos
que acompanham a ilustração falam sobre os trabalhadores não esperarem nenhum benefício
por parte dos agentes do Ministério do Trabalho. Quando houvesse tentativa de intromissão,
cada operário deveria “revelar os seus sentimentos de homem livre aplicando-lhe no respectivo
traseiro o corretivo a que fas [sic] jús, e expulsando-o do seu sindicato de classe”, isto é, deveria
expulsá-lo, para ser coerente com suas necessidades, já que se tratava de um local onde só
tinham direito de estar os que realmente trabalhavam: “no sindicato não deve haver lugar para

305
GARCIA, M. “Anarquismo, Sindicalismo e Revolução Social”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 2.)
306
“A greve dos ferroviarios”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo, p. 1”; “Os movimentos grevistas e o
conceito anárquico da luta de classes”. A Plebe, nº67, 21/07/1934. São Paulo, p. 1.
307
“Os movimentos grevistas e o conceito anárquico da luta de classes”. A Plebe, nº67, 21/07/1934. São Paulo, p.
1.
82
as raposas da política”. A aproximação do Estado do proletariado só gerava maiores e mais
cruéis formas de tirania, isso não era vantajoso aos trabalhadores. A única função da
aproximação dos políticos era diminuir o sentimento de revolta contra o patronato, a qual foi
despertada pela situação de miséria que vivia” 308
. Talvez a insistência nessa opinião de que a
burguesia se beneficiava com as novas leis ocorreu pelo fato de muitos sindicatos patronais
terem aderido à sindicalização, atraídos pela instituição da representação classista 309.
O que mais teve destaque no jornal nesse ano com relação à legislação trabalhista e à lei
de sindicalização foi a instituição de uma “nova” (grifo do jornal) lei de férias atrelada ao novo
sindicato, que ocorreu em 18 de janeiro pelo decreto nº 23.768. O direito às férias era uma
reivindicação presente desde pelo menos 1927, junto ao aumento dos salários e a redução da
jornada de trabalho 310. Em 1925 a lei foi aprovada e gerou o desagrado dos industriais, os quais
aconselhados por seus representantes ignoraram tal direito enquanto tentavam revogá-lo311.
Para Tristan Vargas isso aconteceu justamente pela falta de fiscalização dentro do Conselho
Nacional do Trabalho (CNT)312. A ação de fiscalização surgiria de forma eficaz apenas na
década de 30 313.
Já em 1927, quando foi realmente instaurada, essa concessão de benefício foi criticada
por ser considerada algo ocasional, gerada pelo descuido, não significando que a burguesia
estava de fato reconhecendo tal direito ou se empenhando em efetivá-lo. Por isso os anarquistas
consideravam se tratar de uma lei que não teria eficácia e que poderia amortecer as lutas,
desviando suas energias para a busca de intermediários (políticos, deputados e partidos) e retirar
do operário suas verdadeiras reivindicações. Essa situação mostra como a crítica à legislação
não se iniciou apenas na década de 1930. Tanto A Plebe quanto os sindicatos de tendência

308
[Sem título] A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 1
309
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 135-137.
310
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 275.
311
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 35.
312
Foi criado em 30 de abril de 1923, pelo Decreto nº 16.027, assinado por Arthur Bernardes e ligado ao
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. O Conselho era responsável pelo cotidiano do trabalho nas
principais indústrias, envolvendo assuntos como o sistema de salários, contratos coletivos, sistema de
conciliação e arbitragem de modo a prevenir ou resolver faltas motivadas por greves. Também era responsável
pelo trabalho de menores, de mulheres, pelos acidentes do trabalho, seguros sociais, caixas de aposentadorias e
pensões dos ferroviários etc. Ibidem, p. 30.
313
VARGAS, João Tristan. O trabalho na ordem liberal: o movimento operário e a construção do Estado na
Primeira República. UNICAMP/CMU, 2004, p.291 APUD SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou
subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) –
Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 37.
83
libertária foram críticos a sua instauração e lutaram para que ela fosse implantada por meio da
ação direta 314.
Na década de 30 a nova lei foi mais uma vez alvo de desagrado dos empregadores,
surgindo a argumentação de que seria difícil a adaptação dos empregados do ramo industrial 315.
O direito às férias venceu, mas somente os sindicalizados oficialmente poderiam usufruí-lo,
sendo, então, um instrumento do governo para que fosse efetivado o enquadramento na
316
sindicalização oficial . Segundo Samuel de Souza, a intenção do ministro Salgado Filho, o
responsável por tal atrelamento, era fazer com que a sindicalização oferecesse um diferencial,
pois somente dessa maneira o número de filiados aumentaria e a política do Ministério se
fortaleceria. Além disso, Souza confirma que o sindicato era visto como um oponente pelos
empregadores, alegação oposta a dos anarquistas os quais afirmaram que a “burguesia” era a
favor da sindicalização. Por fim, vale ressaltar que Filho instituiu um artigo (30º) que garantia
a estabilidade por um ano para os empregados que requererem o cumprimento da lei de férias,
algo necessário pela grande quantidade de empregados demitidos por reclamarem a execução
da lei 317. Outros autores, como Kazumi Munakata, consideraram que a Lei de Férias finalizou
a “grande armadilha” que serviu como um importante instrumento a fim de possibilitar a
efetivação plena da política corporativista318. Munakata escreveu no início da década de 80 e
essa distinção de opiniões é apenas um exemplo para mostrar como a historiografia a respeito
do tema foi sendo alterada. Este debate será feito posteriormente.
Enfim, a repercussão da respectiva lei foi negativa e a discussão sobre estar atrelada à
sindicalização foi colocada em evidência no jornal nos primeiros meses de 1934, ressaltando o
posicionamento dos anarquistas, da Federação e dos sindicatos. Na quinquagésima quinta
edição, em fevereiro, ela foi citada pela primeira vez, na seção do “Movimento Operario [sic]”,
escrito por Valdivia (militante anarquista319 e integrante da Liga Anticlerical de Campinas 320).

314
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, pp.281-282.
315
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 44.
316
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 275.
317
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 48.
318
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 82.
319
Disponível em: <
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1312754708_ARQUIVO_AFederacaoOperariadeSaoPauloRo
drigoRosadaSilvaOK.pdf > p.12 e 13. Acessado em 22/06/2021
320
PARRA, Lucia Silva. Leituras libertárias: cultura anarquista na São Paulo dos anos 1930. Dissertação
(Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, 2014, p. 57.
84
Nesse artigo, o autor discorreu sobre o novo governo (“um Estado capitalista burocratico [sic]
brasileiro”) tê-la “ressuscitado” (grifo meu). Em sua opinião, ela representava a “falencia [sic]
das leis ‘sociais’ ou da ‘legislação do Trabalho’, e... de todas as leis”, e sua volta ocorreu depois
do Ministério ter a modificado para ser conivente com o patronato, pois apenas os trabalhadores
sindicalizados poderiam usufruir de tal lei. Para Valdivia, a forma como ela foi apresentada e
direcionada apenas a alguns trabalhadores era uma forma do Ministério não efetivar e pagar o
que era necessário aos trabalhadores, até porque em 1930 as férias foram pagas a todos os
trabalhadores que agiram de forma direta. Por essa razão, faz uma análise das circunstâncias
envoltas a tal lei.
De acordo com sua argumentação, o Ministério agia dessa maneira por não ter
conseguido “impor a ‘sua’ Sindicalização mussoliniana”. Ou seja, a culpa, nesse primeiro
momento, não foi destinada ao governo e nem a Getúlio, mas ao Ministério, o qual estava
impondo a lei de sindicalização desde o seu surgimento. Contudo, mesmo atribuindo a medida
ao órgão governamental, Valdivia explicou que essa lei não era de fato de sua autoria, mas sim
uma influência do fascismo italiano, ou seja, uma clara referência à Carta del Lavoro.
Continuou argumentando que apenas um pequeno número de trabalhadores havia aderido à lei
de sindicalização e por isso o Ministério tinha um grande interesse em controlar os
trabalhadores, disfarçando suas intenções “hitlerianas” por meio da imposição da carteira
profissional (“famosa e tão decantada”): um processo “fascista-policial” de prender os
trabalhadores conscientes, mas que felizmente, segundo suas palavras, foi recusado da mesma
forma que a sindicalização oficial. Mas uma vez, então, as críticas à carteira de trabalho foram
desferidas, mostrando que o direito a férias estava interligado à sindicalização e à tal
documento:

“E continua a apregoar o ‘Ministerio [sic] do Trabalho’ que só terão direito de Férias os trabalhadores que
estiverem de cabresto prezo ao seu capricho... Mas temos certeza que os trabalhadores saberão conquistar as
Férias, e... alguma coisa mais, dispensando a ‘proteção Ministerial’”321

Aos trabalhadores, Valdivia pontuava que cabia decidir se aceitariam tal imposição ou
não, pois ela teria um fim e as férias seriam pagas, sem sindicalização oficial ou com
sindicalização revolucionária. Contudo, isso só seria possível se os trabalhadores a
conquistassem por meio da ação direta: “unica [sic] arma eficiente na luta contra a exploração
capitalista Estatal” 322.

321
VALDIVIA. “Movimento Operario. A ‘nova’ lei de Férias”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 3.
322
VALDIVIA. “Movimento Operario. A ‘nova’ lei de Férias”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 3.
85
Portanto, foi retomada a crítica à carteira de trabalho nesse momento e mais uma vez a
lei de sindicalização foi relacionada ao fascismo. Ademais, Valdivia explicou aos trabalhadores
que só teriam acesso a esse direito se optassem pela ação direta, porque, além de ser um
princípio defendido pelos anarquistas e pelo militante ser contra o novo sindicato atrelado ao
Estado, o Ministério estava se mostrando ineficiente na aplicação dos direitos aos trabalhadores.
A União dos Arteficies em Calçados e Classes Anexas também se manifestou de
maneira contrária e em nota da comissão executiva comunicou a todos os trabalhadores que
continuaria a tratar dos assuntos referentes à Lei de Férias, porque os trabalhadores deveriam
entender o porquê do governo e do Departamento do Trabalho só ter concedido as férias aos
operários sindicalizados pelo Ministério, o qual apenas estava complicando as questões entre
os trabalhadores e os iludia há quatro anos. Esse novo decreto tinha o intuito de impedir o
sindicato autônomo, porque este tipo de sindicalização atrapalhava as “tentativas de
fascistização” que o Ministério queria impor aos trabalhadores do Brasil. Isso era comprovado
por meio dos sindicatos que cederam à sindicalização e agora estavam descontentes:

“Os trabalhadores devem ser bem esclarecidos e procurar saber porque o governo e o Departamento do
Trabalho só concedeu as ferias [sic] aos operários sindicalizados pelo Ministerio [sic] que até ao presente não
tem feito senão complicar as questões entre os trabalhadores, e que ha [sic] 4 anos vem iludindo e mistificando
as classes proletarias [sic]. Esse novo decreto estabelece uma excepção odiosa, com o intuito de não
permitir o sindicato livre dos trabalhadores, porque a sindicalização livre constitui um empecilho ás
tentativas de fascistização que o M. do T. quer impor aos trabalhadores do Brasil. A prova mais cabal
de que temos razão, os trabalhadores que não aceitaram o cabresto do Ministerio [sic], está nas
manifestações dos trabalhadores, por ele sindicalizados, que, desiludidos e cansados de tapeação desse
aborto outubrista se revoltam e entram na luta para a conquista das suas melhorias imediatas, pelos
unicos [sic] métodos que os trabalhadores teem para conseguir com dignidade as suas reivindicações
[sic]”323 (grifos meus)

Ainda em fevereiro, o jornal publicou um artigo escrito por Lumeras, na mesma página
da seção do “Movimento Operario [sic]”, o autor classificou a lei de férias como uma “arma
fascista”. Além disso, desferiu críticas ao Ministério do Trabalho. Para ele, a criação desse
órgão era um perigo às conquistas proletárias, porque seria por meio disso que o governo atuaria
de diversas formas visando enganar os trabalhadores. Considerava que o Ministério do Trabalho
era um “instrumento patronal”, com o principal objetivo de acabar com o “espírito de rebeldia
que se manifesta nos trabalhadores da industria [sic] e do campo”. A fim de atingir esse
objetivo, todas as “armas” estavam sendo empregadas. Portanto, essa lei foi entendida como a
forma utilizada pelo Ministério para atingir o movimento operário que, até então, não havia

323
Comissão Executiva.“Movimento Operario. União dos Artefices em Calçados e Classes Anexas”. A Plebe,
nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 3.
86
cedido à oficialização, obrigando-o a mudar de atitude. Uma estratégia de caráter fascista e, por
isso, os sindicatos filiados à FOSP continuaram resistindo a ela.
Lumeras também criticou a República Nova: vista como um inimigo, o autor afirmou
que ela substituiu em parte a violência de antes (em parte porque a violência ainda acontecia e
aumentou a partir do segundo semestre do ano) deixando de enfrentar fisicamente para “armar
ciladas e apunhalar pelas costas”. O início dessa estratégia foi a lei de sindicalização, seguida
com a promulgação de vários outros decretos, os quais eram destinados a dividir o proletário e
desviá-lo da luta que estava conseguindo vantagens. Para o governo, a questão social estava
sendo tratada, mas, segundo o autor, sempre beneficiava os interesses dos exploradores. Essas
ações levaram-no a considerar o Ministério fascista:

“Pode-se afirmar, sem temor a desmentido, que o Governo Provisorio [sic] com seu Ministerio [sic] do
Trabalho e fascista, e como tal seus métodos se enquadram perfeitamente nos métodos empregados na Italia
[sic] e Alemanha.”324

De acordo com o autor, isso significava que a lei 4.982 de 24 de dezembro de 1925
(antiga lei de férias), de Artur Bernardes, estava sendo substituída pela lei de sindicalização. O
propósito da nova lei de férias estava claro para ele: queriam usar das vantagens dela para
obrigar a classe trabalhadora a se submeter de forma incondicional ao jugo patronal e à
fiscalização policial. Como o trabalhador era sindicalizado, ele perdia seu direito de tratar
diretamente de seus interesses, confiando que o Estado iria os defender em qualquer situação
ou em suas reivindicações. A greve, única arma dos trabalhadores, estava condenada e
proibida325. Raquel de Azevedo concorda também que a instauração da lei representou uma
explícita coerção à nova sindicalização. A oposição dos anarquistas foi totalmente
compreensível visto que consideravam ser uma medida que atingia o princípio da autonomia
sindical, tão importante para a afirmação libertária 326.
Em outro artigo em destaque na publicação do mês de março, as críticas foram
direcionadas mais ao Ministério do Trabalho (“espantalho que a Revolução de 30 em má hora
abortou”), pois, com a nova lei, mostrou realmente a sua “face reacionaria [sic], com todas as
características do seu feroz partidarismo burguês”. Por meio da repressão que tinha ao seu
alcance, assim como do uso das “velhas raposas da politica [sic] e de bachareis [sic] sem futuro”
conseguiu se introduzir na vida dos trabalhadores através da organização de alguns sindicatos,

324
LUMERAS.“A LEI DE FERIAS arma fascista”, A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 3.
325
LUMERAS. “A LEI DE FERIAS arma fascista”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 3.
326
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 302.
87
definidos como “sucursais policiescas dos gabinetes de investigação”, ou seja, agências
fiscalizadoras ligadas à polícia. Mas, felizmente, em São Paulo, mesmo com todas as tentativas
de penetração, as ameaças e perseguições, o jornal afirmou que o operariado não entrou nessa
mentira a serviço dos interesses capitalistas. Este operariado estava sendo orientado pelos
princípios apolíticos da Federação Operaria de São Paulo e por isso soube recusar e responder
sempre com manifestações à tentativa de imposição de colocarem “o freio na boca e as algemas
nas mãos”. Além dessa oposição, o periódico constatou que os trabalhadores eram vítimas de
violência (“chanfalho, pata de cavalo, gazes lacrimogenios [sic] e as ilhas pestilentas para os
mais renintentes”)327.
O jornal argumentou que a lei de férias era uma conquista proletária, conquistada por
meio de manifestações, da mesma forma que as outras leis sociais, responsáveis por afetarem o
lucro da burguesia e colocarem em risco os governos. A prova desse impacto que tais leis
exerciam estava no que os “protetores” dos operários (grifo do jornal), que compunham o
Ministério, entendiam por direitos humanos: o decreto da lei de férias não incluía os operários
que quiseram manter sua “personalidade independente dos freios do Ministerio [sic]”. O motivo
da privação era porque se tratava de um “órgão da burguesia” e não poderia prejudicar os
interesses da classe em que pertencia:

“E’ preciso dar as férias, porque é preciso contentar os operarios [sic] descontentes. Mas como não podem
sair dos cofres do patronato, é preciso que os trabalhadores, como condição ao direito de férias,
concordem em ser escravos, deixando-se amarrar á conveniências do capitalismo” 328 (grifo meu)

Assim, a lei de férias confirmou a interpretação da possível relação entre o Ministério e


a classe patronal, a fim de beneficiar os interesses capitalistas até mesmo de forma indireta,
uma ideia já defendida em outros números:

“O Estado é, pois, um orgão [sic] da burguesia, para servi-la, defendê-la e sustenta-la contra os interêsses
dos que trabalham [sic]” 329.

Essa associação (Ministério e burguesia) é destacada em outras edições e não só em


referência à lei de férias, como também à lei de sindicalização:

“(...) é ele, o patrão quem dirige os titulares do Ministerio do Trabalho, afim de acorrentar, de
escravisar, de modificar, sob a esdrúxula e capenga sindicalização de classes, o proletariado que

327
“A famosa questão das férias”.A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 1.
328
“A famosa questão das férias”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 1.
329
TITTUS. “Vida Anarquista. O Estado em suas relações com a coletividade”. A Plebe, nº64, 09/06/1934. São
Paulo, p. 2.
88
anseia a posse e a liberdade de todo o sistema social (...) O patrão arrasta consigo mesmo, a propria
miseria [sic] do sistema capitalista.”330

Enfim, a promulgação da lei de férias levou o jornal publicar vários artigos que
criticavam ainda mais o governo e o Ministério do Trabalho associando-os de forma direta ao
fascismo:

“Pode-se afirmar, sem temor a desmentido, que o Governo Provisorio [sic] com seu Ministerio [sic] do
Trabalho e fascista, e como tal seus métodos se enquadram perfeitamente nos métodos empregados na
Italia [sic] e Alemanha. Para confirmar o que expressamos, teriamos [sic] possibilidades de apresentar
numerosos fatos, mas bastamos-á examinar o artigo 4° do decreto 23.768 para convencer aos mais
cépticos: ‘O direito ás férias é adquirido depois de doze méses [sic] de trabalho no mesmo estabelecimento
ou empresa, consoantemente, art. 8 e exclusivamente assegurados aos empregados que forem associados
de sindicatos de classe reconhecidos pelo Ministerio [sic] do Trabalho, Industria e Comercio’”331.

Nessa época, Salgado Filho ainda estava à frente e permaneceria até julho de 1934. Em
outro momento, também foi referenciado como responsável pela situação, sendo descrito como
“legítimo defensor das companhias inglesas, dos Guinle, dos Matarazzo, etc.” e o responsável
por julgar como “inoportunas” as pretensões dos trabalhadores: negou a lei de férias (já
instituída na “República Velha”) e “os mais comecinhos princípios de liberdade interna dos
sindicatos oficializados” 332.
A crítica às carteiras de trabalho (“carteiras profissionais”) voltou à tona nesse contexto.
Assim como antes, o jornal considerou ser mais uma imposição do Ministério a fim de controlar
“policiescamente” as atividades dos trabalhadores. Além disso, estava sendo vendida a um
preço superior: seu valor não passava de 500 réis, mas estava sendo “empurrada, imposta,
obrigatoria [sic]” por 5$000 réis. Já a grande imprensa apresentava outra opinião. De acordo
com um trecho citado pela A Plebe, o Estado de São Paulo via como vantajoso a troca das
carteiras e argumentou que os trabalhadores seriam pagos por isso. O periódico libertário, ao
fim, escreve “Os trabalhadores brasileiros ainda irão na onda com essa arapuca”, demonstrando
a existência de adeptos a essa medida.
Já em março a conclusão do jornal era de que toda essa situação significava que se
encontravam em “pleno regime fascista”, em que a liberdade estava cada vez mais
comprometida, pois até o direito de livre associação era negado aos trabalhadores. Além disso,
o próprio Ministério recomendava aos empresários que não dessem esses direitos aos que não

330
BOSCOLO, J. Carlos. [sem título] A Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo, p. 2.
331
LUMERAS. “A LEI DE FERIAS arma fascista”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 3.
332
“A greve dos ferroviarios”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo, p. 2.
89
fossem sindicalizados 333 (afirmação que deve ter surgido com base na experiência da nova lei
de férias). Nesse momento, a Federação se manifestou novamente contra a lei de férias também,
considerando que o decreto apresentava propósitos de fascistização das classes operárias, por
isso pedia aos sindicatos filiados a ela que não colaborassem com o Estado:

“Colocada agora na dura contigencia [sic] da luta, poiz o Ministerio [sic] do Trabalho com o novo decreto
sobre a lei de férias denuncia os seus propositos [sic] de fascistização das classes trabalhadoras, a
F.O.S.P vem declarar aos sindicatos filiados, que aceitaram os principios [sic]apolíticos da ação
direta, o não colaboracionismo com o Estado nas questões que afetam a vida dos trabalhadores (...)”.
(grifo meu)

Os sindicatos deveriam promover uma forte agitação entre as classes visando esclarecer
os propósitos dessa medida, vista como reacionária, e incentivar a luta pela conquista do direito
de férias para todos os trabalhadores 334. Da mesma forma, o Sindicato dos Manipuladores de
Pão, Confeiteiros e Similares de São Paulo a recusava e indicava aos trabalhadores associados
que fizessem o mesmo, apesar de não falar se eram ou não medidas fascistas:

“Trabalhadores, repudiai esse ferrete policial que nos pretendem impor. A Carteira Profissional e a Lei de
Sindicalização não tem outro significado que não seja o de nos cercear a liberdade e nos submeter a um
controle, a fim de melhor garantir a exploração e o sossego dos que vivem do trabalho alheio”335.

A Liga Operaria da Construção Civil também se manifestou com argumentos similares,


discorrendo também sobre a situação degradante em que estavam. Deixou evidente não
considerar como avanços as leis promulgadas e o descontentamento com o novo governo, o
qual se apoderava de uma ação fascista:

“Companheiros: Encontramo-nos frente a uma situação verdadeiramente alarmante. De um lado, a


exiguidade dos salarios [sic] acrescida diariamente pela concorrencia [sic] que impõe a falta de serviço; do
outro, o Estado que para favorecer a classe capitalista, cada momento, baixa decretos e disposições
que ainda mais cerceiam nossos direitos. Estamos, pois, a mercê do patronato. As conquistas do
passado, aquelas que com tanto denodo e energia arrancamos aos abutres que nos exploram,
desapareceram lentamente. Não mais se póde dizer gosamos da jornada de 8 horas. Não mais nossos
salarios [sic] correspondem ao custo de vida. (...) Morar em pocilgas, alimentação deficiente, carencia
[sic] de higiene, eis ao que temos direito. Cultura, satisfações de ordem mais elevada, não foram feitas para
nós. E se ainda isto não bastasse (...), o Estado, com todos os meios de opressão ainda perdura escravizar-
nos moralmente ou arrebatar-nos as regalias. Frutos de gloriosas lutas, a ‘Lei de Férias’, conquista dos
trabalhadores de todo o Brasil, arrancada ao reacionario [sic] Bernardes, o ‘liberalismo’ governo da
2º republica, da criadora do Ministerio [sic] do Trabalho, da que como programa trazia erguida a
bandeiras das reivindicações proletarias [sic], acaba de anula-las tirando-lhe o caráter de direito
proletario [sic] para convertê-la em arma fascista contra as organizações operarias” 336 (grifos meus).

333
“A famosa questão das férias”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 1.
334
“Movimento Operario. Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 3.
335
Comissão. “Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de São
Paulo”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 3.
336
Comissão Executiva. “Movimento Operario. Liga Operaria da Construção Civil”. A Plebe, nº57, 03/03/1934.
São Paulo, p. 3.
90
No próximo número, ainda em março, a Liga mais uma vez se manifestou por meio de
uma nota da comissão, alegando que o governo ainda provisório estava estabelecendo
condições inaceitáveis para o trabalhador que prezava pela sua liberdade, fazendo referência à
concessão das férias em troca da sindicalização dos trabalhadores e da realização da carteira
profissional. Para a comissão, a sindicalização oficial era um método copiado do fascismo
italiano para escravizar ainda mais a classe trabalhadora, pois impedia que ela conquistasse
qualquer melhoria econômica e moral. Além disso, a Carteira Profissional seria uma “arma
sempre pronta a ferir os trabalhadores que queiram defender seus direitos” 337
.
No final de março, o periódico criticou as leis sociais como um todo. De acordo com
seus escritos, as leis sociais eram “engodos”, ou seja, armadilhas para melhor prenderem os
trabalhadores às imposições do capitalismo. Todos os países que incluíram essas leis nas
constituições levaram ao fracasso das tentativas de assegurar os benefícios da legislação social.
O direito à greve, de livre associação, de liberdade de pensamento eram naquele momento
“ridiculas [sic] expressões de afrontas á [sic] dignidade dos que trabalham”. Mais do que
armadilhas, no Brasil, as leis sociais eram uma “infame tapeação” uma ofensa à dignidade
proletária 338.
De acordo com Azevedo, ao mesmo tempo em que o caráter “fascista” da sindicalização
era criticado (por conta da ação governamental em forçar o atrelamento ao Estado e por
considerarem que isso amorteceria o órgão de luta) eram denunciados o uso da força e o
artificialismo na adesão de sindicatos criados pelo Ministério do Trabalho:

“A ‘farsa dos sindicatos de papel’ era denunciada entre os tecelões e sapateiros, entre outros. O Sindicato
dos Operários em Fábricas de Chapéus contrapunha, ao pseudo-sindicato oficial, o reconhecimento dos
operários conscientes, sendo esse valor superior e mais proveitoso aos sócios devido às conquistas
oferecidas” (AZEVEDO, 2002, p. 302)

O sentimento de desilusão frente ao novo governo aparece de forma clara na edição de


março, quando o periódico escreveu sobre o povo ter acreditado nas promessas feitas em 30,
mas a atual situação não mostrava nenhuma mudança em favor da população:

337
“Movimento Operario. Comunicados e reuniões. Liga Operaria de Construção Civil”. A Plebe, nº58,
17/03/1934. São Paulo, p. 3.
338
“As mentiras legais”. A Plebe, nº59, 31/03/1934. São Paulo, p. 3. A crítica foi feita a partir da citação do
caso da Coligação das Associações Proletárias de Santos que entraram em conflito com a classe patronal por
várias leis sociais não estarem sendo cumpridas e não foram ouvidas pelo ministro Salgado Filho, mesmo sendo
sindicalizada. A indignação era maior, pois, no mesmo dia, o ministro ouviu um sindicato patronal não
reconhecido pelo ministério e atendeu a suas reivindicações.
91
“Eram tantas as maroteiras, era tal o desrespeito aos sentimentos do povo, que um belo dia, descendo os (?)
do Rio Grande, anunciava-se ao povo destes brasis, que tudo isso ia acabar, que o povo ia ser senhor dos
seus destinos. O povo abriu os braços aos ‘salvadores’ da Patria [sic], virou a geringonça política, e pôs no
Catête o Sr. Getulio [sic] Vargas. Como não se salvou coisa alguma e como há prenunicios [sic] de
descontentamento em consequencia de nada ter feito a revolução de 30 em benefício do povo os
‘revolucionarios’ [sic] sentem fugir-lhe o chão sob os pés, e precisam assegurar a posição das suas
conveniencias [sic]”339

Além de ficar evidente a forma como o jornal entendia a subida de Getúlio ao poder,
isto é, por meio do povo, e mostrar como ele e os políticos que deram o golpe se colocavam
como os “salvadores da pátria”, também destacou que por conta do descontentamento o governo
tentava se manter no poder de alguma forma. Uma dessas formas foi a elaboração da
Constituinte, a qual por mais que estivesse enfrentando problemas em relação à orientação
política a ser tomada, os “salvadores” (grifo do jornal) a apresentaram como a responsável pelo
fim do “regime de fraude, das submissões ao poder, das imposições dos governos”. A crítica
do jornal quanto a isso era de que ao invés de realizarem a inversão das leis da Constituição,
não se assemelhando à Carta Magna anterior, inverteram os trabalhos da Constituinte para evitar
a reclamação do povo. Concluíram, então, que os governos eram todos iguais 340.
Nesse momento, o governo de Getúlio foi referenciado também como uma “ditadura de
um homem forte”, pois foi dessa forma que os “generais da situação” o definiram. O jornal
ficou ainda em dúvida para definir que tipo de ditadura se tratava: “republicana ou socialista
outubrista ou outra qualquer expressão de tirania, que a caranguenia (?) [sic]” 341. Vale ressaltar
que foi em meio dessa situação instável do período da elaboração da Constituinte e das eleições
que cada vez mais se fez presente a concepção de que a Revolução Social aconteceria:

“O mal é do regime, que não tem mais por onde sair, é do capitalismo, que se destroi [sic] a si mesmo, que
apenas espera o golpe de misericórdia que lhe ha-de vibrar a Revolução Social, que ninguém póde deter,
porque são forças determinadas em marcha, porque a vida é evolução e as leis da evolução se movimentam
no sentido mais completo da liberdade”342
“Hoje ninguem [sic] já duvida de que a anarquia virá e viverá em toda a sua pujança, tão ampla e
majestosamente tal a conceberam os nossos mártires (...)” 343.

Em junho, Manuel Ruiz escreveu um artigo confirmando a chegada do “periodo


revolucionario [sic] libertário” depois de terem feito “por natureza e convicção uma evolução
científica e ideologica [sic]” do “mais elevado ideal comunista anarquico [sic], com o qual entra

339
“Inversão de trabalhos e trabalhos invertidos”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 1.
340
Ibidem.
341
“Procura-se um homem forte...”. A Plebe, nº60, 14/04/1934. São Paulo, p. 1.
342
Ibidem.
343
“Os martires de Chicago e o 1º de Maio”. A Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo, p. 2.
92
de cheio a sublime e energica [sic] abnegação do homem, livre de todos os preconceitos
religiosos, políticos ou morais [sic]”. A ideia era de que muito em breve tomariam tudo aquilo
que pertencia à coletividade humana sem ter que esperar por alguém e um “falso movimento
revolucionario [sic]”, provavelmente uma crítica indireta à revolução de 30, a Getúlio e a
quaisquer outros que se colocavam como intermediários:

“(...) não devemos esperar a que este ou aquéle [sic] cheféte, devorado em guia do proletariado inicie um falso
movimento revolucionario [sic] que viria deturpar os anseios emancipadores das classes populares. Não
devemos esperar que outros façam o que nos cabe fazer por nossa propria [sic] conta. Se assim procede-mos
trairíamos a nossa propria [sic] causa (...) A história está cheia de exemplos gloriosos que bem dizem da
expontaneidade anarquista em todos os movimentos de reivindicações sociais. Comunistas, anarquistas,
reijetemos toda imposição do homem pelo homem e façamos a nossa obra livremente. Quanto mais autônomo
e independente seja o homem mais rápida será a escalada para atingir a total emancipação da humanidade. (...)
Evitemos que esta horda de adventícios revolucionarios [sic] se intrometam em nosso campo, que, como
sabemos por experiencia [sic], não fazem outra coisa senão iludir os trabalhadores com promessas que nunca
cumprirão”344

Mais uma vez, o Ministério do Trabalho foi definido um “sistema de tapeação que só
tem trazido ao seio dos trabalhadores confusionismos e fracassos, nas suas lutas contra o
patronato”345. Então, evidentemente, apesar da instituição das leis e da ação do Ministério
nesses primeiros anos, os anarquistas não enxergavam nenhuma vantagem, pois as enganações
dos governos anteriores ainda estavam presentes. Essa era uma opinião presente também nos
sindicatos aderentes à FOSP, por exemplo, a “União dos Operarios Metalurgicos [sic]” realizou
uma assembleia geral da classe em sua sede e um dos assuntos discutidos foi a questão da lei
de férias, onde o companheiro Merino que explicou sobre o Departamento do Trabalho e sobre
seu intuito de “desviar os trabalhadores do verdadeiro caminho” ludibriando-os 346
.
Posteriormente, os operários que trabalhavam na Matarazzo se reuniram na sede da União dos
Operários Metalúrgicos para apresentar à gerência do estabelecimento um pedido de aumento
de salários347.
Do final de março até agosto, o assunto referente às leis sociais sofreu uma interrupção
e o enfoque passou a ser as repressões sofridas pelos trabalhadores por parte da polícia e a
promulgação da Constituição. Em agosto, em meio a um período de eclosão de greves por conta
do descontentamento de alguns trabalhadores frente à ineficácia do Ministério e a continuação

344
RUIZ, Manuel. “Sejamos revolucionarios”. A Plebe, nº65, 23/06/1934. São Paulo, p. 1.
345
“‘A Plebe’ em Uruguaiana (R.G. do Sul)”. A Plebe, nº65, 23/06/1934. São Paulo, p. 2.: quando diziam sobre
um sindicato dessa região que estava tendendo à sindicalização”.
346
Comissão. “Movimento Operario. Comunicados e reuniões. União dos Operarios Metalurgicos”. A Plebe,
nº69, 18/08/1934. São Paulo, p. 3.
347
“Movimento Operario. União dos Artifices em Calçados e Classes anexas de São Paulo. A Plebe, nº71,
15/09/1934. São Paulo, p. 3.
93
das burlas por parte dos empregadores (temas tratados no início do ano) a FOSP voltou a se
manifestar contra a lei da sindicalização, trazendo novamente à tona a compreensão já
defendida em outras publicações do jornal de que se tratava de uma lei feita em benefício à
burguesia para o controle dos trabalhadores:

“A Federação Operaria de São Paulo, entidade federativa dos proletarios [sic] livres, que luta contra o
cabresto da sindicalização oficial que constitui uma poderosa arma da burguesia, em nome dos principios
[sic] da solidariedade que devem prevalecer na luta contra a exploração capitalista (...)” 348.

Essa associação com a burguesia talvez tenha sido cada vez mais reiterada pelo aumento
do número de sindicatos patronais aderentes à lei. Segundo Araújo, ao final de 1934, 107
entidades patronais foram reconhecidas em São Paulo, isso porque nesse ano houve mudanças
na lei de sindicalização e passou a vigorar o decreto (nº 26.624 de 14 de julho) que permitia a
pluralidade sindical e dava maior autonomia às organizações sindicais, propostas já
apresentadas no final de 1932 pelo empresariado. Quando elas entraram em vigor, o
empresariado comercial sindicalizou-se. Araújo explica que tais mudanças impactaram no
ritmo e na forma de implantação do sindicalismo corporativo. O novo decreto era mais brando
em relação ao de 1931, principalmente em relação à intervenção do Estado para impedir a
atividade sindical. Mas da mesma forma, foi alvo de contestações: por estabelecer uma
pluralidade limitada e porque manteve restrições à autonomia, tanto para aqueles que seguiam
o sindicalismo oficial e esperavam se desvincularem do controle ministerial e por isso
defendiam a unicidade sindical, quanto dos sindicatos livres que eram adeptos da pluralidade
349
.
A crítica ao governo aumentou conforme a repressão cresceu sobre os trabalhadores e
sobre o jornal (principalmente a partir dos meses de agosto e setembro, mas presente durante
todo o ano). Segundo Araújo, neste ano o governo de fato não tolerava sindicatos que insistiam
em permanecer de forma independente, pois isso colocava em risco um dos principais objetivos
do projeto corporativista, isto é, impedir o conflito de classes 350. Novamente concepção era de
que em nada havia sido alterado no trato da questão social em vista do governo da 1º República
e agora a situação chegava a ser até pior do que antes:

“A questão social, para o Sr. Washington Luis, era um caso de policia. Mas para os ‘princepizinhos’ que
formam na corte do Sr. Getulio Vargas, a questão social não e’ apenas um caso de polícia: e’ tambem [sic], de

348
“O manifesto grevista em Santos”. A Plebe, nº69, 18/08/1934. São Paulo, p. 1: manifesto da FOSP.
349
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994.
350
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 266.
94
banditismo policial. Tapeações e despistamentos das comissões mixtas de conciliação; massacres de operarios
[sic] nos comicios [sic] de protesto contra as guerras, prisões, ameaças, deportações, emprego de gazes
lacrimogenios contra pacatos obreiros que se encontram dormindo na sede do seu sindicato de classe, eis o
rosario [sic] de ignomínias, de infâmias, de violencias [sic] e tiranias com que a Revolução de 30 quer ‘salvar’
a Republica dos Estados Unidos do Brasil!” 351.

Aliás, parece que a associação entre o governo ao autoritarismo não era uma crítica
recorrente apenas da imprensa operária. O periódico afirmou que os jornais burgueses da época
apontavam e defendiam a elaboração da Constituição para acabar com os “poderes ditatoriais”
do governo352.
O caso de Francesco Frola, um militante socialista e antifascista italiano 353, mas residente
brasileiro e que estava sendo vítima de perseguição do regime italiano fascista, fez com que A
Plebe associasse ainda mais o novo governo à governança de Mussolini, isso porque Frola não
foi protegido pelo Brasil e este foi conivente com o fascismo:

“Neste caso, porém, protestamos energicamente contra as manobras fascistas no Brasil, e denunciamos aos
trabalhadores mais esta mistificação politica [sic] outubrista”354

Depois de constatar que realmente o governo era fascista, com o aumento da repressão
em outubro e novembro, o assunto das leis sociais voltou à tona no mesmo número em que
foram denunciadas as arbitrariedades policiais contra os trabalhadores (nº75). O Sindicato de
Ofícios Vários, recentemente criado para agregar aqueles que não tinham uma organização
específica, manifestou-se sobre o panorama social do Brasil, a partir da citação da opinião do
general Manoel Rabelo. Tal general argumentou que a Constituição de 34 não havia resolvido
em nada as questões referentes às leis sociais, ou seja, as questões entre o “patrão” e o
empregado que eram a razão dos “graves problemas que o mundo moderno está enfrentando”.
De forma geral, para esse general, ela era apenas “uma burla para o país, maquiada para
beneficiar os políticos profissionais”. Em cima dessa opinião, a comissão do respectivo
sindicato se opôs às organizações aderentes ao Ministério do Trabalho e às leis sociais,
reafirmando a importância do sindicalismo independente e revolucionário:

“A nossa opinião, como trabalhadores, é: O sindicato operario [sic], para bem preencher os seus fins, tem
que ser um nucleo [sic] de combate franco e luta aberta contra a exploração patronal: considerando que
os Sindicatos reconhecidos, além de não constituírem um instrumento de luta servem mais para distrair
a atenção dos Sindicatos da agitação quotidiana, da agitação permanente contra os detentores da riqueza
comum, encaminhando o proletariado para um terreno de falazes melhorias, incompletas e

351
A Plebe, nº71, 15/09/1934. São Paulo, p. 1.
352
[sem título] A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 2.
353
Ver: < http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/FROLA,%20Francesco.pdf >
354
“Liberdade de escravos”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 1.
95
amortecedoras, como sejam: as leis de ferias [sic], leis de menores (que não cumprem nas grandes fabricas
[sic] e oficinas), aposentadorias, etc. Considerando que a vasta propaganda que vem realizando o
Ministerio [sic] do Trabalho visa, precisamente, desvirtuar os destinos reais do Sindicato revolucionário,
desviando desse modo, os trabalhadores dos unicos [sic] métodos de ação diréta, sem a intervenção dos
mistificadores e politicoides, convidamos os trabalhadores a mediar nos seus problemas e a não se
deixarem burlas pelas sereias dos que só querem fazer das classes proletarias [sic] vastos campos de
experiencia [sic] para as suas demagogias perniciosas.”355

Na última publicação do ano, do dia 22 de dezembro, o jornal concluiu em uma chamada


em destaque, na primeira página, a inexistência da questão social no Brasil, apesar disso
frequentemente ser dito pelos governantes a fim de culpabilizar os estrangeiros por agitações
ditas desnecessárias356, o que recorda um argumento já muito utilizado nos governos anteriores
sobre as supostas “ideias exóticas” contra a passividade dos brasileiros, sendo que muitos desses
anarquistas eram brasileiros, apesar da descendência estrangeira, e aderiram à ideologia em
território brasileiro:

“E’ frequente ouvir-se dizer que o Brasil é grande, que aqui não ha [sic] fome, que a questão social no
Brasil só existe na mente de agitadores estrangeiros que abusam da nossa hospitalidade pondo arrepios na
espinha dorsal dos BRASILEIRISSÍMOS industriais como Matarazzo ou fazendo engasgar a cachimbada
das brasileirissímas empresas ferroviárias cujos lucros vão todinhos, em outro puro de lei, para os cofres
dos banqueiros inglezes, graças a Deus...” 357.

Então, para os anarquistas realmente o movimento revolucionário de 30 traiu uma das


principais pautas que levaram o povo a apoiá-lo e de fato não cumpriu com suas promessas de
atender essa questão, causa de diversos conflitos e greves no passado, mas também nesses anos
iniciais. Portanto, e como Raquel Azevedo resume bem essa situação e a compreensão desse
grupo de trabalhadores, na perspectiva anarquista todas as iniciativas governamentais estavam
encaixadas em um mesmo bloco: eram consideradas tirânicas, enganadoras e escravizadoras.
Segundo Azevedo, como o Estado de fato estava sendo ineficiente no processo de
regulamentação legal do trabalho (e vamos discorrer sobre isso quando falarmos
especificamente das burlas), a argumentação anarquista ganhava mais força358.
Nessa mesma publicação, quando a repressão ainda era um tema em destaque, pois um
trabalhador (Natalino Rodrigues) continuava desaparecido, apesar do jornal ter alegado até este
momento que o governo vigente era fascista ou tendia à fascistização, afirmou que a polícia
sequestrava, espancava e maltratava os operários “em pleno regime constitucional de uma

355
A Comissão. “Sindicato de Ofícios varios”. A Plebe, nº75, 10/11/1934. São Paulo, p. 3.
356
A Plebe, nº78, 22/12/1934. São Paulo, p. 1.
357
A Plebe, nº78, 22/12/1934. São Paulo, p. 1.
358
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do Estado
/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 278.
96
republica democratica [sic]”, mesmo após ter ocorrido uma revolução com o objetivo de impor
respeito aos direitos dos cidadãos 359. Portanto, por mais que a desilusão frente ao movimento
de 30 existisse, o jornal constatou algo novo: o regime em vigência era republicano e
democrático. Talvez uma contradição ou a consciência de que não chegava a ser mesmo
fascista, apesar de se assemelhar à Itália com o corporativismo.
Diante dos acontecimentos repressivos, a conclusão do jornal foi:

“(...) impera no brasil [sic] um regime de rolha e que, extrangeiro [sic] ou não, o individuo na Republica
[sic] dos Estados Unidos do Brasil, sob a proteção de uma Constituição feita, discutida e aprovada em pleno
século XX, não é mais do que um instrumento a serviço de baixos apetites políticos, sobre quem pesa
continuamente a ameaça de coação moral, de prisão e de torturas. Contra os exploradores estrangeiros do
trabalho de brasileiros, não se fazem sentir as leis sociais do Brasil”360

Ao mesmo tempo em que o jornal e a FOSP teciam essas críticas, os sindicatos ainda
aderentes à Federação também se manifestavam de forma contrária. A União dos Operarios
Metalurgicos notificou que estavam sendo feitas reuniões visando defender os interesses da
classe. Além disso, em sua opinião o patronato explorava os trabalhadores e o Ministério do
Trabalho os enganava361. Para eles, o sindicato representava “o baluarte de defesa” de seus
direitos e somente dentro dele seria possível “erguer mais alto o nível moral da classe” 362
.A
Liga Operária da Construção Civil mesmo passando por um momento de desmobilização no
início de 34 constatou que a sindicalização oficial era um método copiado do fascismo italiano
para escravizar ainda mais a classe trabalhadora e que a Carteira Profissional seria uma “arma
sempre pronta para ferir os trabalhadores que queiram defender seus direitos” 363
. A União dos
A. em Calçados e Classes Anexas, no final de maio, deixava clara a sua posição contrária ao
Ministério do Trabalho, sua base nos métodos na luta sindicalista-revolucionária e a defesa da
emancipação através de suas próprias ações:

“O passado de lutas e glorias [sic] desta organização, após 17 anos de existencia [sic], é suficiente para
patentear os beneficios [sic] que tem proporcionado aos trabalhadores dessa industria [sic]. A’ margem de toda
política partidária [sic], contra o Ministério do Trabalho, suportando todas as reações do patronato e do Estado,
os seus militantes teem sabido portar-se á altura de que são dignas. Companheiros! Nada podemos esperar dos
dirigentes dos sindicatos amarelos que á custa da nossa miseria [sic] e do nosso sacrificio [sic] pretendem
galgar o poder para depois trai-nos miseravelmente, como já tivemos provas nesse circo de cavalinhos
denominado Assembléia Constituinte. A emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos proprios [sic]

359
“O caso de Natalino e outros casos”. A Plebe, nº78, 22/12/1934. São Paulo, p. 2.
360
Ibidem.
361
Comissão. “Movimento Operario. União dos Operarios Metarlurgicos”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São
Paulo, p. 3.
362
Comissão Executiva. “Movimento Operario. Comunicados e Reuniões. União dos Operarios Metarlurgicos”.
A Plebe, nº65, 23/06/1934. São Paulo, p. 3.
363
Comissão executiva. “Movimento Operario. Comunicados e reuniões. Liga Operaria de Construção Civil”,
escrito pela Comissão Executiva. A Plebe, nº58, 17/03/1934. São Paulo, p. 3
97
trabalhadores. Ontem como hoje e sempre, trabalhadores concientes [sic], os militantes dessa organização
estarão sempre firmes na luta contra toda reação, contra todos os governos, porque dêles nada esperamos, visto
que a experiencia [sic] no-lo tem demonstrado bastantes vezes e sustentarão a luta enquanto perdurar este
odioso regime de desigualdade. (...) O vosso lugar é onde tendes direito de falar livremente e não onde podeis
exprimir o que sentis porque sereis fiscalizado pelos agentes patronais. (...) “Dirigimos estas palavras
especialmente áqueles que já deixaram arrastar pelo canto das sereias da politica” 364. (grifo meu)

O Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos Confeiteiros indicou aos trabalhadores


que não concordassem com tais medidas, depois de alegar que a situação dos trabalhadores em
padaria e confeitaria tenderia a piorar cada dia mais se não enfrentassem os “desmandos
patronais”, os quais não respeitavam as 8 horas e queriam implantar uma jornada de 14 e 18
horas, e denunciar a fiscalização do Departamento Estadual do Trabalho que não punia os
empregadores que não seguiam as leis:

“Trabalhadores, repudiai esse ferrete policial que nos pretendem impor. A Carteira Profissional e a Lei de
Sindicalização não tem outro significado que não seja o de nos cercear a liberdade e nos submeter a um
controle, a fim de melhor garantir a exploração e o sossego dos que vivem do trabalho alheio” 365.

Vale mencionar que em julho foi promulgada a Constituição e Vargas foi eleito
presidente de forma indireta, marcando o início do Governo Constitucional. Tais
acontecimentos foram sentidos de forma negativa pelo jornal. No primeiro artigo da sexagésima
sétima edição, chamado “Ao cair do pano. ‘Deixe fica’ como está pra vê como fica”, o periódico
manifestou sua opinião sobre como nada havia mudado desde que Getúlio subiu ao poder e nem
com a promulgação da nova Constituição, visto que ele permaneceu como presidente:

“A farça da Constituinte consumou-se até a promulgação da Carta Constitucional. Vários milhares de contos
arrancados á costas dos trabalhadores (...) foram gastos durante meses que durou essa palhaçada para afinal,
ficar tudo como estava. Sim, o Sr. Getulio [sic] Vargas, o ditador contra quem se rebelou o povo paulista,
foi aclamado presidente constitucional, por obra e graça do ‘divino espirito [sic] santo’. Quer dizer: o sr.
Getulio Vargas, o homem que ha [sic] 3 anos desgoverna o país com absoluto despreso [sic] pela causa
dos oprimidos continuará, agora, a desgovernar o Brasil, porque assim o querem os pais dessa
demonstração de senilidade que foi a Assembléia Constituinte.” (grifos meus)

Porém, mais do que essa crítica a respeito de sua irresponsabilidade ao governar o país,
direcionaram também comentários negativos diretamente a pessoa de Vargas, algo que não
havia ocorrido até então. Assim, Vargas era a representação da dominação burguesa e estatal,

364
Comissão Executiva. “Movimento Operario. União dos A. em Calçados e Classes Anexas”. A Plebe, nº63,
26/05/1934. São Paulo, p. 3.
365
Comissão.“Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de São
Paulo”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 3.
98
tudo aquilo que os anarquistas lutavam contra. Além disso, traiu os anseios do povo em busca
de mudanças:

“Êle ou outro, para nós, dá na mesma. Somos dos que não vemos, neste momento, na pessoa do sr. Getulio
Vargas senão o homem que representa a tirania burguesa, o Estado, o poder, a força que impõe, o
banditismo organizado do capitalismo. (...) Para nós não foi novidade a eleição do sr. Getulio Vargas. Para
isso tapearam e mentiram, até aos ultimos [sic] momentos, os ‘salvadores’ da revolução de 30, traindo as
aspirações do povo se ver livre da politicagem que infelicitava o Brasil no tempo do sr Washington Luis e
que agora, pelos mesmos motivos terá que fazer a sua revolução: a Revolução Social.” 366. (grifo meu)

Em suma, a promulgação da Constituição não alterou em nada a situação dos


trabalhadores e a questão social continuou a ser um caso de polícia, evidenciando que nesse
momento o problema de maior destaque era a repressão sobre os trabalhadores. Raquel de
Azevedo explica que os anarquistas denunciavam a retomada dos processos da Primeira
República no que diz respeito à elaboração das leis. A diferença agora estava na maior astúcia
por associarem a concessão de direitos à tentativa de retirar a dignidade do operariado e de
iludi-lo através das exigências da carteira profissional e da perda da autonomia sindical 367.
Mesmo sendo alvos da violência arbitrária e com uma pressão ainda maior para aderirem à
sindicalização, os libertários optaram por continuar com a “obra de propagandas e da ação que
ha-de remover os impecilhos (sic) que se antepõem ao triunfo da liberdade e do bem estar para
todos” 368, seguindo seus princípios. Outra crítica à Constituição diz respeito a não aprovação
do direito de greve: “arma do proletariado para deter os desmandos da ambição capitalista”:

“Greve é uma palavra que fere os ouvidos Castos e pudibundos dos Santarrões da sacristia que fizeram a
Carta Magna. Por isso não a quiseram incluir nas determinações constitucionais, ficando fora da lei” 369.

Entretanto, com ou sem a lei os trabalhadores continuariam a recorrer a esse “direito


natural de defesa dos seus direitos”, pelo o que explica o jornal, realizando-a sempre que fosse
preciso para acabar com a “exploração da burguesia”, segundo o periódico. Enquanto essas
“mentiras convencionais” (referência à Constituição, ao voto, às eleições etc.) não fossem
substituídas pelas comunas livres, eles realizaram greves para lembrar ao capitalismo sobre seus
crimes e suas injustiças 370.

366
“Ao cair do pano”. A Plebe, nº67, 21/07/1934. São Paulo, p. 1.
367
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 288.
368
“Sob o guante da lei”. A Plebe, nº68, 04/08/1934. São Paulo, p. 1.
369
“Mentiras constitucionais”. A Plebe, nº69, 18/08/1934. São Paulo, p. 1.
370
Ibidem
99
O aumento da repressão sobre os trabalhadores até o fim deste ano faria com que as
críticas ao governo e ao movimento de 30 também crescessem e fossem ainda mais presentes
nas páginas do periódico. Por esse motivo, o governo também foi considerado tirano,
autoritário, de certa forma talvez até fascista, porque a ação partiu da “famosa Polícia Especial”:
uma “criação fascista do outubrismo” e que mostrava o quanto seus membros tinham
“qualidades de capanguismo facionoros”. Além disso, o presidente estava sendo conivente com
tais ações repressivas. Para o jornal, isso já estava claro desde o momento que o novo governo
subira ao poder: por meio de um “golpe de força e traição”:

“Bem demonstram os tiranetes que governam o país batendo a ponta do relho nas botas de montar,
instalados no poder por meio de um golpe de força e traição, que nas suas veias corre o sangue dos tiranos
agaloados, dos brutos que no lugar do coração teem um deposito de veneno. (...) o requinte policesco da
tirania que se acoberta com o sorriso irresponsável e mefistofélico do sr. Getulio Vargas; a criminosa
manifestação de hitlerismo autoritário atingiu ao cumulo [sic] com as cenas de vandalismo praticadas
ultimamente na sede do Sindicato dos Trabalhadores em Padarias”.371 (grifo meu)

Para piorar, além de não garantir o cumprimento das leis sociais e agir de forma violenta
para com os trabalhadores que protestavam por seus direitos em prol o cumprimento das leis
sociais, o governo acobertava as ações dos integralistas372. Tal vez isso evidenciasse ainda mais
o caráter fascista que o governo estava tomando 373. Somando-se a isso o movimento estava cada
vez mais afastado dos interesses do povo e isso ficou evidente com o “ultimo golpe de despreso
[sic] dado pelas massas oprimidas” nas urnas, visto que essas esperavam a realização das
promessas feitas para que seus problemas imediatos fossem solucionados, mas isso não
aconteceu. Os “outubristas” foram indo aos poucos, “de crime em crime”, até a “tirania fascista”
e a instauração do Comunismo Libertário seria a única solução para assegurar os direitos
perdidos até esse momento:
“As figuras dos heróis de capa e espada que desfilaram pela revolução de 30, perderam-se na sombra de suas
truculencias [sic] deixando na historia [sic] do proletariado paginas [sic] de sangue, de terror e de ignomia.
Desiludido, o povo deixou a revolução abandonada á sua propria [sic] sorte, negou-lhe o apoio a que não tinha
direito, dando como resposta aos seus namoros de Tartufo a abstenção eleitoral ou voto á oposições. E’ que os
revolucionarios [sic] de 30, excepção feita dos que sinceramente nela tomaram parte mas que, desiludidos, se
afastaram ou foram afastados deixando-a entregue aos elementos clericais-reacionarios [sic], pensaram que o
povo só anda a toque de caixa, ouvindo o bater dos sinos a dobrar a estupidez dos claustros. A abstenção do
elemento proletario [sic] ás urnas, pois não chegam a votar um milhão de pessoas numa população de quarenta
milhões, é uma prova de que as classes proletarias [sic] nada mais esperam da politica [sic], já estão cansadas
de ser burladas e mistificadas.(...) E é desse estado de coisas ha-de surgir a Revolução Social que implantará

371
“Horda de vandalos!”. A Plebe, nº71, 15/09/1934. São Paulo, p. 1.
372
[sem título]. A Plebe, nº71, 15/09/1934. São Paulo, p. 2. Depois de outubro, alguns trabalhadores
despareceram e outros continuaram presos a partir das ações violentas da polícia sobre uma manifestação
antifascista contra os integralistas, ver: Nº75. Esse número foi apreendido e censurado pelo DEOPS. In: SILVA,
Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São Paulo (1930-
1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005, p.120.
373
A Plebe, nº71, 15/09/1934. São Paulo, p. 2 e [Sem título]. A Plebe, nº72, 29/09/1934. São Paulo, p. 1.
100
no Brasil, como ha de implantar em toda a parte, um regime de garantia para os direitos humanos, o Comunismo
Libertário.”374
“O regime (?) fascista (?) que vivemos prende, deporta e sonega a justiça de (?) presos sociais. O regime
integralista aspira redobrar (?) essas violencias [sic], matando e torturando inquisitorialmente (?) (?) (?)” 375.
“A revolução outubrista quer terminar os seus dias mostrando os dentes aos trabalhadores que não conseguiu
iludir. Os trabalhadores devem mostrar-lhe os punhos, habituados ao manejo do malho, da enxada e da charrua,
dispostos a quebrar os dentes ao monstro do fascismo, fruto da Revolução Outubrista”376.

A repressão contra os sindicatos e a mobilização operária que ocorreu a partir de meados


de 34 em prol o cumprimento dos direitos sociais, em plena vigência da nova Constituição,
estava relacionada, segundo Araújo, com a nova orientação adotada pelo MT com a nomeação
do ministro Agamenon Magalhães e demonstrava estreita articulação entre o Ministério e os
órgãos de repressão377.
Em 1935, vemos que mesmo após os últimos acontecimentos, a Federação Operária de
São Paulo declarou que continuaria fiel aos seus princípios de organização fora da política,
seguindo como sempre “as normas de ação direta na luta pela emancipação dos trabalhadores”
378
e mais uma vez essa forma de agir foi bastante incentivada durante os números publicados.
Neste ano o que ganha destaque é a promulgação da chamada “Lei Monstro” (Lei de Segurança
Nacional). De acordo com Araújo, desde a realização de seu anteprojeto, uma série de
manifestações foram desencadeadas por aqueles que eram contra ela. Foi uma medida que
cerceou as liberdades constitucionais, fazendo com que os órgãos de segurança passassem a
agir de forma mais rígida ao longo do ano, mas essa ação não impediu a criação de novas
entidades intersindicais por parte dos trabalhadores. Foi nesse contexto que surgiu a ANL
(Aliança Nacional Libertadora)379.
Logo no início de 1935 a FOSP associou seu surgimento à política do Ministério do
Trabalho (referenciando de forma indireta a lei de sindicalização), a qual até aquele momento
não havia conseguido obter total êxito no controle da atividade sindical e fascistizá-los. De fato,

374
“Aqui jaz uma revolução...”. A Plebe, nº74, 27/10/1934. São Paulo, p. 1.
375
A leitura foi comprometida por conta da qualidade da impressão. A Plebe, nº75, 10/11/1934. São Paulo, p. 1.
376
Nº75. Esse número foi apreendido e censurado pelo DEOPS. In: SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a
resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em
História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005, p.120.
377
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 273.
378
“Movimento Operario. A nova sede da Federação Operaria de S. Paulo. A Plebe, nº88, 11/05/1935. São
Paulo, p. 3.
379
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 277.
101
Araújo cita Gomes para confirmar que com Magalhães, a política trabalhista passou a se
vincular cada vez mais à solução da questão de segurança nacional 380:

“A lei monstro é a sequencia [sic] do Ministerio [sic] do Trabalho, que pretendia encampar toda a atividade
sindical, política e social do proletariado e militariza-lo para o advento do fascismo nesta terra; baldado
esse escopo, nada mais restava fazer, senão o fascismo aberto e declarado, elaborado pelos
‘revolucionarios’ [sic] e ‘democraticos’ [sic] senhores”381.

Em outro artigo, Rodolfo Rocker explicou que em relação aos assuntos de interesse do
povo, o legislativo apenas estava discutindo e aprovando uma lei que visava “arrolhar a boca
dos homens livres, coartar o pensamento rebelde, sufocar os anhelos de justiça da plebe
faminta.” O intuito da nova lei era acabar com todas as possibilidades de protesto, para que
fosse evitada qualquer agitação popular que tentasse “pleitear e reivindicar mais uma nesga de
pão e mais um pouco de liberdade para quem trabalha”, de acordo com Rocker 382.
Frente ao aumento da repressão que permaneceu também nesse ano e prestes a ocorrer
a promulgação da Lei de Segurança Nacional, a Federação pediu aos “trabalhadores do Brasil”
que de uma vez por todas adentrassem no sindicalismo autônomo e revolucionário, agindo de
forma independente e pela ação direta, sem atrelarem-se aos partidos políticos. Os trabalhadores
eram os detentores do “trabalho util [sic]” de que a sociedade era dependente, e a liberdade e o
bem-estar só seriam conquistados com “sangue e sacrificio [sic]” 383
. Por fim, a Federação
direcionou a ação que deveria ser tomada pelos trabalhadores nesse momento crucial em que
se aproximava a eclosão de algo, provavelmente da tal almejada Revolução:

“Armemo-nos de um ideal de igualdade e fraternidade, ergamos bem alto o facho de revolta contra o
despotismo e a tirania que neste momento pretende esmagar a nossa vida e de relho em punho, penetremos nos
recintos parlamentares e a chicotadas corramos essa cafila [sic] de parasitas e sanguessugas que covardemente
desrespeitam a soberania do povo e os direitos dos trabalhadores. Que as fabricas e oficinas, fazendas e
usinas do campo e das cidades se organizem livre e autonomamente, e que os trabalhadores estudem os
seus planos de reivindicações e se preparem convictos de que a jornada proletaria [sic] se aproxima e a
luta é inevitável. Trabalhadores do Brasil! Estendamos os nossos braços e, num amplexo de verdadeira
fraternidade juntemos os nossos esforços para uma causa comum e, ao som do clarim da grande batalha
proletaria [sic] um só grito nos uma e nos conduza: BEM ESTAR E LIBERDADE. LUTEMOS POR TODOS
OS MEIOS E FORMAS CONTRA A ‘LEI MONSTRO’”384 (grifos meus)

Mais uma vez, a nova lei somada às repressões e às leis anteriores (sindicalização e
férias) impactou na forma em que o governo era visto pelo jornal, isto é, pelos anarquistas,

380
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 274.
381
Comitê Federal. “Movimento Operario. Contra a ‘Lei Monstro’”. A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 3.
382
ROCKER, Rodolfo. “Lembrando os martires de Chicago". A Plebe, nº87, 27/04/1935. São Paulo, p. 1.
383
Comitê Federal. “Movimento Operario. Contra a ‘Lei Monstro’”. A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 3.
384
Ibidem.
102
pelos libertários. No início do ano, mesmo com essas críticas, compreendiam que estava em
vigência no país uma “Republica [sic] burguezissima” com a existência de certa liberdade. Mas
por conta das diversas greves, ocorridas de forma intensa desde 1934, e de outros episódios
violentos, “F.”, autor do artigo “Agitações Proletarias [sic]” evidenciou a instabilidade do
período e do governo:

“Efetivamente, o sr. Getulio teve más saídas de ano velho e peiores [sic] entradas de ano novo! Greves dos
funcionarios [sic] postais e telegraficos [sic]; ‘casos’ de prefeitos que apanham pedradas, em Niterói; ‘boatos’
de ditadura; gréve [sic] do Lloyd; greve dos maritimos [sic]; agitações políticas da oposição; casos de sequestro
de deputados no Norte; osso duro de (?) no caso Rabello e, por fim, o desembestamento do interventor
anticlerical Moreira Lima, no Ceará, tudo isto para cima do ‘seu’ Getulio [sic].”385

Em fevereiro, com o aumento da repressão sobre os “trabalhadores conscientes”, críticas


irônicas foram feitas sobre a situação do país, isto é, sobre supostamente estar progredindo ao
mesmo tempo em que era violento com os defensores de ideias revolucionárias:

“O Brasil progride. Até hoje, para coibir as manifestações de rebeldia do proletariado e dos homens de
consciencia [sic], idealistas e revolucionarios [sic], só tem sido aplicado um recurso: a arbitrariedade policial.
A policia sempre foi fiel aos fins para a qual foi criada, exercia a sua ditadura sem controle e sem piedade, em
defesa dos potentados e em detrimento dos explorados”386

Quando a Lei de Segurança Nacional foi emitida em 30 de março, a opinião sobre “certa
liberdade” mudou totalmente. Apesar de ainda não ter sido aprovada em fevereiro, o periódico
já emitia opiniões sobre, assim como a FOSP. A Plebe entendia que continuaria a ser usado “os
mesmos métodos, ardis e astucias dos que teem em suas mãos as rédeas do governo desde 1934”
387
, mostrando que essa forma de repressão já era presente desde o ano anterior. Mesmo o
governo sabendo sobre a derrocada das ditaduras nesse período, escolheu “lançar mão de
recursos extremos de força e de coação” e criar uma lei semelhante as mais reacionárias dos
governos totalitários388. Ou seja, depois das constatações de 34 sobre a tendência de
fascistização do governo, a respectiva lei confirmou seu real caráter totalitário.
Para a FOSP, a lei representava o “atestado de morte lavrado pelos srs. dominadores da
situação” acabando com qualquer esperança que ainda pudesse existir sobre a revolução de 30,
levando-a a produzir um manifesto aos trabalhadores, publicado na seção do “Movimento
Operario [sic]”:

“Cidadãos! Trabalhadores,

385
“F”. “Agitações proletarias”. A Plebe, nº79, 05/01/1935. São Paulo, p. 4.
386
“Algemas e mordaças”. A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 1.
387
“Algemas e mordaças”. A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 1.
388
“As ditaduras desmoronam”. A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 1.
103
O recente projêto de Segurança Nacional, fruto de lucubrações doentias de homens que perderam totalmente o
racicionio [sic] e a noção do ridículo não é mais que o atestado de morte lavrado pelos srs. dominadores da
situação ás derradeiras esperanças que por ventura ainda perdurassem em algo espirito [sic] fraco sobre a
revolução de 30”389

Entre os trabalhadores perpassava a inquietude frente ao aumento da miséria e das


violências, de acordo com o manifesto da Federação. Torna-se evidente, mais uma vez, o clima
instável do período, principalmente entre aqueles que um dia apoiaram o movimento de 30:

“A Inquietude medra alarmante nas classes oprimidas e germina em seu seio um sopro vivificador de novas
aspirações como unica [sic] esperança para debelar o estado de miseria [sic] e de tortura a que está submetido
pela força bruta do governo e pela violencia [sic] organizada. A tempestade redentora é iminente e a incuria
[sic] dos mandatários do paiz [sic] não faz senão acelerar os acontecimentos. O dilema se apresenta
indestrutivel [sic] para os homens que iludiram o proletariado com programas fantasmagóricos e com frases
ocas de grande eloquencia taumaturgica [sic]: ou deixar cair algumas migalhas de pão para o povo, ou então
codificar o massacre, a arbitraridade [sic] policial, a reação desenfreada numa lei monstro liberticida que se
chama ‘LEI DE SEGURANÇA NACIONAL’” 390.

O governo optou pela segunda opção, pois a Federação argumentou que o povo só teve
a atenção dele para ser explorado e nada mais. Assim, o movimento que daria liberdade e era a
representação de algo novo, gerou mais repressão. O interessante é que Getúlio Vargas não foi
citado nesse momento como o culpado diretamente, mas sim os “detentores de poder”: o
ministro da Justiça responsável por sua realização e os deputados que a aceitaram 391.
Nessas circunstâncias, a situação na qual encontravam-se os trabalhadores foi ressaltada
pela Federação e ligada à promulgação da Lei de Segurança Nacional. É perceptível que os
problemas enfrentados pelos trabalhadores não correspondiam apenas à repressão, mas também
a outros fatores. De acordo com a conclusão da Federação, a situação econômica, moral e
intelectual dos trabalhadores piorou em relação ao período anterior a 30: os impostos, os
aluguéis e o desemprego aumentaram, ao contrário dos salários que diminuíram, viviam em um
padrão de miséria, onde o governo queria estabelecer o regime da “rolha” (grifo do jornal),
mostrando a incapacidade de reconhecer a situação que gerou ao país. Dessa forma, o intuito
com a promulgação de tal lei era dar continuidade à política iniciada pelo Ministério do
Trabalho de fascistizar o país. Para a União dos Artifices em Calçados e Classes Anexas, a Lei
de Segurança Nacional também era uma clara demonstração do fascismo:
“(...) esconde uma das piores formas de fascismo, o fascismo jesuitico [sic] das tiranias que receiam que o povo
lhe peça justiça dos seus atos”392.

389
Comitê Federal. “Movimento Operario. Contra a ‘Lei Monstro’”. A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 1.
390
Comitê Federal. “Movimento Operario. Contra a ‘Lei Monstro’”. A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 1.
391
Comitê Federal. “Movimento Operario. Contra a ‘Lei Monstro’”. A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 1.
392
Comissão. “Movimento Operario. Comunicados e reuniões. União dos Artifices em Calçados e Classes
Anexas”. A Plebe, nº82, 16/02/1935. São Paulo, p. 3.
104
Dessa situação, de acordo com o jornal, sucederam-se protestos contra a “lei monstro”,
os quais estavam tendo grande influência sobre a opinião pública do país, o qual passou a se
manifestar contra “essa ameaça de cerceamento de todas as liberdades”. A oposição também
foi manifestada pelos militares e o periódico ressalta isso 393. Evidentemente, o clima de
discordância e o aumento da instabilidade estavam se desenvolvendo. Inclusive, a instabilidade
não fora só sentida pelos trabalhadores ou pelo periódico libertário, mas também por outros
jornais vinculados à grande imprensa, o que nos leva à conclusão de que era uma sensação
recorrente. É possível fazer tal constatação, pois na octogésima quarta publicação do dia 16 de
março, A Plebe publicou a opinião de um “matutino desta Capital”, do dia 10 do respectivo
mês, comentando sobre “a situação creada pela experiencia [sic] revolucionaria de 30, cujos
arautos andam por aí a dar cabeçadas nas paredes á procura do famoso ‘espirito revolucionario
[sic]’”:

“A situação em 35 é muito mais grave do que o era em 30. A intraquilidade hoje reinante de norte a sul, do
Amazonas ao Prata, poderá trazer-nos surpresas desagradáveis. Em 30, apalpando a agitação que sacudia o
Brasil, sabíamos, com toda certeza, que marchávamos para a revolução. Hoje, depois da revolução e vendo que
o mal-estar continúa mais forte do que nunca, para onde vamos? Quem nos sabe dizer para onde vamos?” 394

A opinião de A Plebe era que tal instabilidade tinha relação com o desequilíbrio entre
capital e trabalho, ou seja, com a instituição da política corporativista que ao prezar pela
diminuição dos conflitos no mundo do trabalho gerou efeito contrário e atrapalhou o curso
natural da revolução social:

“O desequilíbrio produzido entre o capital e o trabalho atingiu o grau maximo [sic] de tensão e ameaça explodir
com uma violencia [sic] que será tanto mais forte quanto maiores forem os obstaculos [sic] que se oponham ao
curso normal da revolução social que ha [sic] de nivelar as classes e porá á disposição de todos os seres
humanos, em iguais condições para todos, os beneficios [sic] da riqueza social produzida pelo trabalho do
homem ou imaginada pelo cérebro do cientista”395

Os trabalhadores, verdadeiros “estudiosos dos problemas sociais”, sabiam qual seria o


futuro do país, porque sabiam onde desejavam chegar e não seria junto ao movimento
revolucionário de 30, pois este foi ineficaz em cumprir as reivindicações morais e econômicas
propostas no início e ainda as transformou em “meios de repressão e de autoritarismo para

393
“Contra a ‘LEI MONSTRO”. A Plebe, nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 1.
394
“‘Para onde vamos?’”. A Plebe, nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 1.
395
Ibidem.
105
sufocar os protestos das classes trabalhistas que se viram traídas, vilempendiadas [sic],
enganadas”. Portanto, o jornal deixa claro, mais uma vez, a ineficácia no trato da questão social:

“A solução do problema social não está nessas revoluções feitas com a intriga dos políticos e fermentadas com
as explorações que os aproveitadores fazem com a miseria [sic] dos trabalhadores” 396.

Portanto, as leis sociais promulgadas pelo governo não geraram o efeito esperado, pelo
contrário e, além disso, estavam atrapalhando o curso natural em direção à eclosão da
revolução, gerando o cenário instável da época. Em 30, sabiam que caminhavam no sentido da
revolução. Após seu acontecimento o povo foi receptivo ao movimento, porque não imaginou
que o novo governo dito revolucionário cometeria os mesmos erros que o governo anterior, no
qual se emergiu contra. Mas posteriormente perceberam que “a revolução foi um grande mal,
foi um crime, foi um desespero para o país”. O movimento de 30 pautou uma “série de
reivindicações morais e econômicas, um postulado de liberdades”, fazendo com que até mesmo
aqueles que sabiam que revoluções políticas pregam o princípio da autoridade fossem
simpáticos a ela, ou seja, provavelmente até mesmo os trabalhadores anarquistas, como já
constatamos no início. Entretanto, nada do que “os revolucionarios [sic]” (grifo meu)
prometeram foi cumprido, pelo o contrário, as promessas foram transformadas em “meios de
repressão e de autoritarismo para sufocar os protestos da classe trabalhadora. A conclusão do
jornal foi a de que a solução para o problema social não estava nessas revoluções, feitas “com
a intriga dos politicos [sic] e fermentadas com as explorações que os aproveitadores fazem com
a miseria [sic] dos trabalhadores”:

“(...) chegou-se á conclusão de que a revolução foi um grande mal, foi um crime, foi um desastre para o país.
Sim, realmente assim foi. (...) nada do que prometeram os revolucionarios foi cumprido”397

Ademais, o governo vigente não representava a opinião popular, pois era “filho do voto
engendrado no ventre do profissionalismo político” 398
. As próximas publicações do ano
confirmam a total desilusão e oposição ao movimento revolucionário de 30 que nessa altura o
jornal constatou estar claro para todos seu fracasso e seu caráter autoritário, ao invés da proposta
inicial de mudança:

“Produto de concepções políticas autoritarias, trazendo ainda por cima, atrás de si o lastro da morbosidade
jesuitica [sic] do clericalismo, o movimento revolucionario [sic] que entronizou o sr. Getulio Vargas está
reduzido á expressão de uma dura realidade, tendo sido um sonho de libertação, ficando apenas, como

396
“‘Para onde vamos?’”. A Plebe, nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 1.
397
“‘Para onde vamos?’”. A Plebe, nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 1.
398
“Contra a ‘LEI MONSTRO’”. A Plebe, nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 1.
106
resultado de uma luta em que se punham as mais risonhas esperanças, trapos rotos de bandeiras
desfraldadas e um mundo de ilusões perdidas...”399

Entre a população, as reclamações que antes eram apenas “murmurios [sic] e


queixumes” sobre a situação em que se encontravam e a constatação de que não poderiam
permanecer dessa forma, nesse momento se transformaram em algo grande:

“A situação econômica do povo brasileiro o coloca, cada vez mais, á beira do abismo. A indigencia [sic] e a
miseria [sic] moral reinam absolutos na vida de quem trabalha. A fome ronda, sinistra e negra, os tugurios [sic]
proletarios [sic] e nas choupanas dos camponeses. (...) A principio [sic] andava apenas em murmurios [sic] e
queixumes. Agora já tem a força do protesto que sobe, que se eleva, que se avoluma e avança. Ouve-se no mar
encapelado bramir a onda da reação salutar e necessaria [sic] do povo contra a degradação social a que está
reduzido.”400

A defesa da atuação nos sindicatos que fossem ligados à FOSP, ou seja, aqueles de
caráter revolucionário foi feita também pelas próprias associações ligadas à Federação. O
Comitê da Liga Operária da Construção Civil avisava que somente por meio da união entre os
trabalhadores dessa classe (aqueles que já estavam organizados e aqueles que ainda não) no
respectivo sindicato teriam resultados, caso contrário continuariam trabalhando por muitas
horas e por salários baixos 401. Da mesma forma, o Sindicato dos Manipuladores de Pão,
Confeiteiros e Similares de S. Paulo afirmou estar empenhado na defesa de seus associados e
da classe em geral, por isso continuava com a realização das assembleias, pedindo o
comparecimento de todos, pois era um dever 402.
Nesse ano, ficou evidente a concepção do jornal a respeito de como a política
corporativista piorou a relação entre capital e trabalho, apesar de não citá-la diretamente403.
Junto a essa crítica, na mesma edição, porém na seção do “Movimento Operario”, o jornal
transcreveu um escrito de “O Brado Libertario [sic]” sobre a defesa do Sindicalismo
Revolucionário. Nesse artigo, percebe-se uma argumentação utilizada desde 1932 pelo jornal e
pela FOSP: explicam que frente aos acontecimentos “politicos-economicos-sociais [sic]” dos
últimos anos, os quais estavam acontecendo por conta da perda de poder do sistema capitalista
e pela organização do movimento operário internacional, ficava claro que todas as correntes

399
“Pão, terra e liberdade. A proposito da Fundação da Aliança Nacional Libertadora”. A Plebe, nº88,
11/05/1935. São Paulo, p. 1.
400
Felipe. “A canção do sofrimento”. A Plebe, nº89, 25/05/1935. São Paulo, p. 1.
401
“Movimento Operario. Liga Operaria da C. Civil”. A Plebe, nº79, 05/01/1935. São Paulo, p. 3.
402
“Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de S. Paulo”. A Plebe,
nº79, 05/01/1935. São Paulo, p. 3.
403
O Brado Libertário. “Vida Anarquista. A organização corporativa e a classe operaria”. A Plebe, nº84,
16/03/1935. São Paulo, p. 2.
107
políticas tinham o intuito de controlar a organização sindical do proletariado, “canalizando-a
aos seus objetivos de mando, de autoridade e opressão”. Era no sindicato onde estava a “maior
força organizada de qualquer classe” e por isso “todas as correntes” tentavam se apoderar “do
mais importante reduto dos trabalhadores”. Assim, o sindicalismo estava sendo atacado, da
mesma forma que seu “espírito revolucionário”, perdendo sua essência, desviando sua linha de
orientação e ofuscando sua finalidade econômica e social. Para vencer esse ataque seria
necessário a união dentro do sindicalismo revolucionário:

“O que quer dizer: o sindicalismo precisa revestir-se da essencia [sic] libertaria, a unica [sic] que cria no
trabalhador dignidade e conciência revolucionarias, a unica [sic] que lhe dá a noção do seu valor, independencia
[sic] na sua missão e lhe proporciona um grau de preparação mental com que nenhuma outra corrente social se
preocupa, pretendendo TODAS, converte-lo ao seu credo demagogico [sic], subordina-lo ao autoritarismo (...)
Nunca esquecendo a característica do movimento operario [sic], que se não compadece nem com os desejos
reformistas dos sociais-democratas, nem com os dos socialistas autoritarios [sic], que pretendem – uns e outros
– coartar-lhe a mais infima [sic] manifestação de individualidade, é mister criar conciência libertaria [sic] no
seio dos trabalhadores.”

Portanto, a emancipação dos trabalhadores só aconteceria com a “União e


Solidariedade” e principalmente com a “independencia [sic] colectiva” destes. Só dessa forma
impediriam que o movimento operário fosse desviado para o fascismo ou bolchevismo, os quais
eram “perigosos caminhos” que o tiravam de sua causa e comprometiam seus fins 404
.
Depois desse panorama ao longo dos anos envolvendo não só a lei de sindicalização,
como outras leis sociais que estava em estreita ligação a ela, daremos atenção à compreensão
desses trabalhadores no que diz respeito à política corporativista.

3. Corporativismo e a impossibilidade de harmonia entre as


classes

O conceito de corporativismo passou por várias revisões e mudanças de significados ao


longo do tempo, segundo Claudia Viscardi que o define como:

“Uma organização societária que tem por base um ofício ou uma profissão e que pode ser incorporada
pelo Estado como uma modalidade especifica de representação de interesses” (VISCARDI, 2018, p. 245).

Mas o fato de a organização corporativa integrar as organizações de uma sociedade civil


não garante, por si só, a existência do corporativismo. Não basta que existam sindicatos,

404
O Brado Libertário. “Movimento Operario. Defendamos o Sindicalismo Revolucionario”. A Plebe, nº84,
16/03/1935. São Paulo, p. 3.
108
associações mutualistas, centrais sindicais ou federações de associações trabalhistas e patronais
para que exista um regime corporativo, é preciso a existência de outras características também:
essas corporações precisam atuar nos processos decisórios como representantes de suas
categorias; os marcos legais de sua atuação devem ser definidos pelo Estado; e é preciso que
essas corporações interfiram nos rumos dos acontecimentos, isto é, precisam ter um capital
político de efeito real ou simbólico sobre eles 405.
As mudanças de significado estão associadas à forma pela qual a historiografia entendia
o Estado da década de 1930 e sua relação com os sindicatos e a nova legislação social, dentre
outros pontos que serão abordados posteriormente. Em suma, a historiografia considerava o
Estado como formulador e executor das leis durante 1930 a 1945 e entendia que a regulação
das leis trabalhistas foi responsável por consolidar a submissão dos trabalhadores e das
entidades sindicais ao “império burocrático trabalhista” 406. Posteriormente surgiria uma
historiografia que questionaria esse suposto controle estatal absoluto, emergindo estudos que
passaram a se atentar para as relações entre sindicatos, Estado, trabalhadores e patrões. O
resultado foi a descoberta de uma relação não tão atrelada, com a permanência de estratégias
de organização e mobilização407.
A harmonia entre as “diversas castas” foi a primeira crítica feita pelo periódico em seu
primeiro número publicado, demonstrando uma plena consciência por parte dos anarquistas
sobre a política corporativista que prezava pela conciliação entre as classes e que embasou a
sindicalização oficial, apesar da citação a tal forma de organização das classes não ser feita de
408
forma direta . A crítica a essa política permaneceria e seria feita até mesmo por meio de
ilustrações. Na quarta publicação, por exemplo, foi retratado um homem grande e gordo, com
joias e uma vestimenta elegante sendo carregado por quatro homens menores, magros, com o
aspecto cansado e com vestimentas mais simples. O título dado foi “Capital e trabalho” e
embaixo da ilustração está escrito: “E’ esta a tão falada harmonia e conciliação das classes” 409,
explicitando que essa política corroboraria para uma relação desigual entre os empregadores e
os empregados, em que o benefício seria do primeiro grupo em detrimento do segundo.

405
VISCARDI, Cláudia. Corporativismo e neocorporativismo. Estudos Históricos, v. 31, n. 64, p. 243-256,
(2018). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2178- 14942018000200007. Acesso em: 19/04/2021, pp.245-
246.
406
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 11.
407
Ibidem.
408
“A maré montante”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.2.
409
“Capital e trabalho”. A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 1.
109
Imagem 3

Na trigésima quinta publicação, por meio de uma estória escrita por A. de Carlos,
chamada “O Edificio [sic] Social”, o autor fez uma comparação entre um prédio e a questão
social, através de um diálogo entre senhores. Este edifício estava “velho, feio, incomodo,
húmido e sem ventilação”. Por meio da citação de suas características foi possível identificar
que um desses senhores representava o patrão e outro um democrata, e ambos concordavam em
fazer reparos no prédio. Nisso surgiu um terceiro indivíduo, “com aspeto [sic] de rude
trabalhador”, argumentando em oposição aos dois que, na verdade, o edifício deveria ser
destruído, para que outro fosse construído em seu lugar, impedindo que “remendos”
perpetuassem “o atual mal estar de seus habitantes”. Essa oposição gerou uma discussão.
Enquanto isso, outro indivíduo estava folheando tranquilamente o “código” com o objetivo de
encontrar uma lei que fosse capaz de acabar com o conflito e “restabelecer a harmonia entre o
rico e o pobre”. Nessa parte, o autor se manifestou dizendo:

“E ainda hoje continua empenhado em encontrar a solução pacifíca [sic] e segui-la há procurando
inutilmente até que os trabalhadores escravisados do ignominioso (?) [sic] edifício social, deem pelo logro
e revoltados se sublevem e o derrubem e aos indignos proprietários [sic] tambem [sic]” 410

Dessa forma, a compreensão era de que a harmonia entre as classes nunca seria efetivada
e a insistência nisso levaria à eclosão da revolução social por parte dos trabalhadores. De modo
similar, a trigésima oitava publicação apresentou uma chamada que dizia:
“Não será com movimentos políticos-militares, nem com a mudança de homens no governo que se
revolverá a grande questão social que agita o mundo” 411.

410
CARLOS, A. de. “O Edifício Social”. A Plebe, nº35, 29/07/1933. São Paulo, p. 1.
411
A Plebe, nº38, 26/08/1933. São Paulo, p. 1.
110
Outra crítica à harmonização entre as classes foi feita por meio de uma ilustração, na
quadragésima primeira publicação do jornal, em setembro. Nela, foi representado um homem
bem vestido, gordo, sorrindo e com o livro na mão. Na capa do livro estava escrito as iniciais
“TITA”. Em uma posição inferior, existia outro homem: mais magro, com roupas mais simples,
sem sorriso e com os bolsos vazios. Entende-se que ao retratá-los em posições diferentes, a
mensagem mostrava a diferença de benefícios com tal aproximação: enquanto uns continuariam
lucrando e comandando as novas leis, a pobreza dos trabalhadores seria reforçada. O título
complementa a crítica frente a essa política: “Capital e trabalho. Será possível haver
conciliação?...” 412.
A crítica ao projeto corporativista permaneceu em 1933, mas nesse caso com enfoque
na situação italiana. De qualquer forma é válido discorrer sobre, pois foi bastante defendida
como já vimos a concepção de que o Brasil estava copiando as leis fascistas da Itália, as quais
também tinham como base o corporativismo.
No final de 1933, M. Garcia escreveu um artigo a respeito do Fascismo. Nele, o autor
explicou sobre o Estado fascista: um governo corporativista que dizia desejar resolver a questão
social, mas centralizava nas mãos do Estado todas as atividades humanas por conta de sua
estrutura orgânica. O controle estatal submetia direta ou indiretamente todas as atividades
humanas (econômicas, culturais e sociais), fazendo com que o indivíduo perdesse sua
“dignidade pessoal”, passando a ser apenas um instrumento do Estado. Portanto, o Estado era
um obstáculo ao desenvolvimento integral do indivíduo e atrapalhava a marcha regular das
relações da coletividade. Apesar de Garcia não fazer referência ao Estado brasileiro e à política
corporativa no campo do trabalho, por meio desse artigo foi possível entender a opinião dos
libertários ao definirem o corporativismo como sinônimo do fascismo e considerarem que em
nada resolvia a questão social 413.
Em 1934 foi retomada a crítica a tal política a fim de explicar qual era a compreensão
sobre a luta de classes para os anarquistas. Diferentemente do corporativismo que abominava a
sua continuidade, para os anarquistas a luta de classes apresentava um valor muito importante
para o alcance da revolução:

“A luta de classes, como encaram os anarquistas, é a ação diréta [sic] dos trabalhadores, como demonstração
de uma independencia [sic] de carater [sic] e de conciência [sic], contra as classes que exploram o trabalho

412
“Capital e Trabalho”, A Plebe, nº41, 23/09/1933. São Paulo, p. 1.
413
GARCIA, M. “Fascismo”. A Plebe, nº48, 02/12/1933. São Paulo, p. 2.
111
escravizando os individuos [sic] ou submetendo-os por uma educação disciplinada com base na obediencia
[sic] ao chefe” 414

No ano seguinte, 1935, marcado pela radicalização política e intensa disputa pela classe
trabalhadora tendo em vista o aumento no número dos sindicalizados, foi feita uma oposição
de fato mais direta à “harmonização entre as classes”. Nas comemorações do 1º de Maio no
salão da FOSP (Rua Quintino Bocaiúva, 80) houve uma grande reunião em que trabalhadores
de diversas classes confraternizaram. De acordo com o jornal, às 15 horas o salão já estava
inteiramente cheio. A sessão fora aberta por Pedro Catalo (sapateiro e anarquista415) e
posteriormente Florentino de Carvalho se pronunciou a respeito da situação do mundo naquela
época, dando ênfase aos “defeitos das ditaduras”. Carvalho demonstrou a impossibilidade de
“harmonizarem os interesses das classes sociais em luta, por serem diametralmente opostos e
inimigos irreconciliáveis” 416
. Segundo Rodrigo Silva, Florentino de Carvalho esteve presente
constantemente em assembleias e conferências durante todo o período de 1931 e 1935. Além
disso, ainda na década de 30 era vigiado pela polícia política, pois, de acordo com a Relação de
Anarquistas feita pelas autoridades em 1926, o militante realizava viagens de propaganda e
combinava “movimentos subversivos” e produção de “bombas de dinamite e máquinas
infernais” 417
. Lúcia Parra confirma essa vigia constante da polícia em suas palestras onde
realizava discursos criticando o governo e a polícia política e social. Segundo a autora, Carvalho
permaneceu ativo no movimento libertário até 1934418, mas vemos pelo jornal que ainda atuava
de alguma forma em 1935. Por fim, a presença de Florentino de Carvalho na FOSP evidencia
a relação entre militantes e trabalhadores e como os anarquistas atuavam em uma instituição de
caráter sindicalista revolucionária. Sobre essa relação:

“A compreensão da relação entre intelectuais e operários é altamente importante para o entendimento do porquê
a história do movimento anarquista caminha em paralelo com a história do movimento operário, não que esse
envolvimento tenha sido sempre harmônico (SAMIS, 2015 apud MARCELINO, 2018, p.16).

414
“Os movimentos grevistas e o conceito anarquico da luta de classes”. A Plebe, nº67, 21/07/1934. São Paulo,
p. 1.
415
Ver em: SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em
São Paulo (1930-1945). Campinas, SP, 2005, p. 78. Também era autor de peças teatrais e diretor de jornais
(Dealbar e O Libertário). Sua primeira relação com o anarquismo foi na União dos Artífices em Calçados e
Classes Anexas, em 1921. In: PARRA, Lucia Silva. Leituras libertárias: cultura anarquista na São Paulo dos
anos 1930. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, 2014, p. 33.
416
“Comemorações do 1º de Maio”. A Plebe, nº88, 11/05/1935. São Paulo, p. 1.
417
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 30.
418
PARRA, Lucia Silva. Leituras libertárias: cultura anarquista na São Paulo dos anos 1930. Dissertação
(Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, 2014, p. 49.
112
É interessante observar como, apesar de desde 1932 o jornal e a FOSP estarem
criticando a política corporativista, nunca tinham referenciado-a diretamente, algo que se altera
neste ano. Na seção “Vida Anarquista”, da octogésima quarta publicação, no mês de março, o
periódico citou a expressão “organização corporativa” ao publicar um transcrito do “O Brado
Libertario [sic]”, um órgão manuscrito dos anarquistas presos na Fortaleza de São José da Ilha
Terceira, em Portugal, ou seja, a referência foi feita ao corporativismo português do governo
ditatorial de Salazar.
O artigo discorreu sobre um assunto em destaque na época: o suposto feito da ditadura
salazarista ter encontrado naquele momento a “solução adequada” para o desaparecimento da
luta de classes, ao mesmo tempo em que satisfazia as reivindicações da classe trabalhadora ao
dar atenção para o problema social. Mas, na realidade, a ditadura começou a legislar sobre a
nova estrutura da organização sindical querendo obrigar, segundo o órgão, uma “conciliação de
partes absolutamente antagonicas [sic] - burguesia e proletariado”. Ao invés de promover essa
conciliação, o resultado foi o agravante do conflito entre ambas as classes, o qual só poderia
desaparecer “com a revolução triunfante do proletariado”. Além disso, o órgão explicou que
querer acabar com a luta de classes é deixar claro “um profundo desconhecimento dos
“fenomenos [sic] sociais e das causas que os originam”, porque desde o surgimento da
exploração humana, a luta de classes existia e estava sendo agravada conforme o tempo pelas
contradições do sistema capitalista, mas também pela maior compreensão revolucionária do
proletariado internacional. Para o órgão, a atitude do salazarismo era “reduzir (...) a uma simples
fórmula matematica [sic] questão tão delicada e complexa” e que seria resolvida somente por
meio de uma “radical transformação da sociedade”, uma ação que já estava sendo aplicada por
outras ditaduras para tratar a questão social. Assim, para O Brado, a “organização corporativa”
(grifo deles) era “a tradução da organização sindical fascista, com pequenas alterações”. O
proletariado de Portugal não queria aceitar tal tipo de organização e por isso estava realizando
movimentos. O órgão afirma que o proletariado deveria se preparar e se congregar em torno do
principal organismo operário que existia no país, lutando pela liberdade e emancipação 419.
Embora estejam falando sobre a situação do país ibérico, a organização corporativa
estava sendo empregada no Brasil desde 1931 e ambos os anarquistas (portugueses e
brasileiros) a consideravam fascista. Portanto, a publicação desse artigo mostrava aos leitores

419
O Brado Libertário. “Vida Anarquista. A organização corporativa e a classe operaria”. A Plebe, nº84,
16/03/1935. São Paulo, p. 2.
113
que a insatisfação com o corporativismo era presente em outros países e que a luta contra esse
tipo de organização adquiria um caráter transnacional. Além disso, apesar de supostamente
almejar o fim da luta de classes, sua instauração só piorou o conflito entre capital e trabalho e
ainda tendia à fascistização do país. Provavelmente, trata-se de uma tentativa de alertar sobre
os perigos do atrelamento ao sindicato corporativista, em meio a um cenário em que muitas
organizações, inclusive esquerdistas, estavam aderindo à política do Ministério do Trabalho.
Segundo Angela Araújo, em 1934 a FOSP resistia em continuar sua atuação, pois os sindicatos
filiados a ela vivenciavam grandes dificuldades frente à concorrência dos organismos oficiais,
por isso estavam lutando contra o esvaziamento de suas associações. Assim, o movimento de
sindicalização em 1934 foi bastante expressivo (apesar de ter sido menor que em 1933) e estava
relacionado com a criação da nova Lei de Férias 420, provavelmente isso continuou a acontecer
em 1935.
Por bastante tempo foi essa argumentação dada pelos trabalhadores anarquistas que
parece ter influenciado a escrita da historiografia, uma vez que o Estado foi descrito como
controlador e autoritário, justamente por ter criado uma lei que associava as organizações dos
trabalhadores a ele. Como foi visto, na compreensão desses trabalhadores estar associado ao
Estado foi descrito como sinônimo de submissão e essa interpretação refletiu na escrita dos
pesquisadores, principalmente na década de 60 e 70, como nos estudos de Zélia Lopes da
Silva421, Leôncio Martins Rodrigues422 e Aziz Simão423. Para além disso, como também já foi
ressaltado, a crítica feita por esses trabalhadores à nova forma de organização estava
relacionada à impossibilidade da harmonização entre as classes e a compreensão de que a
burguesia estava por trás da elaboração das leis para efetivar seu controle junto ao Estado. De
acordo com Samuel de Souza, a historiografia anterior, como essas que foram citadas, entendia
que o processo de elaboração da legislação social do trabalho foi um processo de
“domesticação”, segundo suas próprias palavras, em que a burguesia atuou na elaboração das
leis para conter os trabalhadores e para se beneficiar 424. Até hoje não há um consenso analítico
na historiografia sobre o apoio ou não dos industriais à legislação.

420
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 258-264.
421
SILVA, Zélia Lopes da. A domesticação dos trabalhadores nos anos 30. São Paulo; Marco Zerp/CNPq, 1990.
422
RODRIGUES, Leôncio Martins . Industrialização e atitudes operárias. São Paulo: Brasiliense, 1970.
423
SIMÃO, Aziz. Sindicato e Estado. São Paulo: Dominus, 1966.
424
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 12.
114
Outro fator que influenciou essa associação foi a própria literatura compreender todas
as experiências corporativistas como autoritárias, pois de fato estiveram associadas aos
governos autoritários no início do século XX 425. O que ajuda a explicar essa associação foi a
definição sobre o corporativismo dada pelo jurista Hans Kelsen, na década de 20, alegando que
esta forma de organização não apresentava nenhuma relação com os regimes democráticos, por
ser fundamentada nas ditaduras e esvaziar as funções deliberativas dos parlamentos. Tal visão
se tornou predominante para a maior parte dos acadêmicos, associando sempre o
corporativismo ao autoritarismo 426. Entretanto, essa forma de organização e representação não
está somente associada a esses governos. Além disso, o conceito já existia antes das
experiências do século XX, como Viscardi explica, inclusive no Brasil. Manoilescu, professor
de economia da Escola Politécnica de Bucareste, enxergava-o como um modelo de organização
da sociedade civil em sua relação com o Estado e o mercado, sendo uma terceira via, isto é,
uma alternativa às relações existentes nas sociedades autoritárias e/ou liberais. Assim, ele
propôs uma separação do conceito de sua vertente autoritária, alegando que “se todos os
fascismos foram corporativistas, nem todos os corporativistas foram fascistas” (apud Garrido,
2016:192) 427.
De acordo com Samuel de Souza, a conciliação entre as classes, mais do que um
princípio corporativista, foi estabelecida na legislação internacional do trabalho como um
preceito jurídico. Além disso, o princípio da conciliação estava presente nas instituições de
julgamento dos dissídios desde a França napoleônica. Assim, adotar tal princípio não significa
necessariamente uma suposta influência da ideologia fascista na legislação brasileira 428.
Contudo, mesmo com essa separação, as experiências históricas os associaram, fazendo com
que o conceito assumisse um caráter pejorativo, principalmente no Brasil 429. A partir dessas
constatações é cabível, então, entender como a historiografia interpretou a experiência
corporativista brasileira ao longo dos anos.

425
VISCARDI, Cláudia. Corporativismo e neocorporativismo. Estudos Históricos, v. 31, n. 64, p. 246, (2018).
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2178- 14942018000200007. Acesso em: 19/04/2021.
426
Ibidem, p. 246.
427
VISCARDI, Cláudia. Corporativismo e neocorporativismo. Estudos Históricos, v. 31, n. 64, p. 246, (2018).
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2178- 14942018000200007. Acesso em: 19/04/2021.
428
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, p., 2007, p. 63 e
64.
429
VISCARDI, Cláudia. Corporativismo e neocorporativismo. Estudos Históricos, v. 31, n. 64, p. 247, (2018).
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2178- 14942018000200007. Acesso em: 19/04/2021.
115
3.1 A experiência corporativista brasileira na historiografia
A interpretação sobre o corporativismo empregado e vivenciado na década de 30 e 40
foi sendo alterada conforme a compreensão sobre o Estado desse período e sua relação com os
sindicatos também mudou. Segundo Claudia Viscardi, é desafiador discutir sobre o
corporativismo por ser um tema que continua sendo objeto de investigação de vários
pesquisadores (nacionais e estrangeiros); pela literatura a respeito ser bastante indisciplinar; e
pelo conceito ter passado por várias revisões e mudanças de significados ao longo do tempo.
Como já mencionado, até a década de 60 e 70, a historiografia via o Estado como
formulador e executor das leis durante o período de 1930 a 1945, e interpretava que essa
regulação havia sido responsável pela consolidação da submissão dos trabalhadores e das
entidades sindicais ao “império burocrático trabalhista”, segundo Samuel de Souza. Dessa
forma, a legislação social do trabalho era interpretada como um processo de “domesticação” da
classe trabalhadora, com o objetivo de cercear o movimento operário e acabar com as
possibilidades de organização dos trabalhadores, pois estes estariam atrelados à lógica estatal e
sujeitos à exploração patronal nessa década e nas seguintes. Além disso, os pesquisadores desse
primeiro momento consideravam que a burguesia industrial havia sido co-editora dessas
medidas, sendo o Estado o operador principal430. Portanto, o corporativismo que deu base à
nova forma de organização dos trabalhadores foi associado a um caráter autoritário e
manipulador. São exemplos dessas interpretações: Aziz Simão (1966)431, Leôncio Martins
Rodrigues (1970)432, Luiz Werneck Vianna (1976)433, Kazumi Munakata (1981), Zélia Lopes
da Silva (1990).
Munakata, por exemplo, ao explicar sobre a instauração do Estado corporativista
argumenta que este em sua plenitude correspondia a uma “ditadura científica dos especialistas”
(grifo meu). Para esse autor, os sindicatos foram usados de modo a evitar conflitos, através da
interferência estatal, e por isso tiveram que se subordinar ao Ministério do Trabalho através de
uma série de normas, como a necessidade dos estatutos dos sindicatos precisarem ser aprovados
pelo MT ou a obrigatoriedade do envio de relatórios anuais de suas atividades e situação
financeira, assim como o estabelecimento de multas para possíveis penalidades e até mesmo a

430
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 12-14.
431
SIMÃO, Aziz. Sindicato e Estado. São Paulo: Dominus, 1966.
432
RODRIGUES, Leôncio Martins . Industrialização e atitudes operárias. São Paulo: Brasiliense, 1970.
433
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, 288 p.
116
destituição total da entidade434. Além disso, Munakata considerou que a criação em 1932 das
Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento e das Convenções Coletivas de Trabalho
(ambas foram definidas como as “principais agências” (grifo meu) que formavam a base do
Ministério do Trabalho porque visavam eliminar qualquer possibilidade de conflito entre
empregadores e empregados) ao impedir a luta de classes retiravam dos trabalhadores todas as
possibilidades de controle e decisão sobre seu próprio caminho, corroborando para a
435
incompetência e passividade destes . A carteira de trabalho seguia a mesma lógica, sendo
instaurada para ser um instrumento de controle e dominação segundo a argumentação do autor.
Para Munakata, a instauração desses mecanismos fez com que os trabalhadores não precisassem
mais decidir e nem lutar por uma causa, uma vez que a situação já estava dada, através da
determinação da lógica corporativista entendida por ele como rigorosa. Até mesmo as leis
criadas pelo Departamento Nacional do Trabalho (DNT) para o autor foram negativas por
corroborarem para a dissolução da unidade da classe operária, uma vez que seguiam a lógica
da teoria corporativista e examinavam profissão por profissão para a aplicação da lei. Ou seja,
não havia mais uma classe, mas sim profissões fragmentadas que tinham suas especificidades.
Mesmo assim, Munakata considerou que o projeto corporativista falhou em sua função
principal, isto é, o controle dos sindicatos, pois até 1934 era baixo o índice de sindicatos
reconhecidos dos Estados de maior concentração operária, segundo os dados utilizados por ele.
Sua conclusão a respeito da legislação trabalhista é que ela abarcou as marcas das lutas
operárias e sua derrota. A CLT consolidou isso por retirar do trabalhador a capacidade de
decisão e controle sobre sua vida. Se prestarmos atenção ao que foi argumentado até então, essa
perspectiva provavelmente foi influenciada pela experiência dos anarquistas. Kazumi, por
exemplo, monta sua argumentação com base no jornal “O Trabalhador da Light” e o “Nossa
Voz” e coroa suas explicações com a justificativa de que os trabalhadores da época, de
orientação anarquista, mas também trotskistas e comunistas, argumentavam que a nova
legislação era uma cópia da Carta Del Lavoro436. Novos estudos mostraram como os próprios
trabalhadores continuaram atuando nos novos sindicatos, até mesmo como fiscalizadores, como
a tese de Samuel de Souza. Outros autores entenderam que a atuação dos trabalhadores nos

434
Outras características que Munakata entende como subordinação: o direito dos delegados dos sindicatos
frequentar as assembleias sindicais e também examinar trimestralmente sua situação financeira; a proibição
explícita da propaganda dentro dos sindicatos no seio do sindicato e qualquer tipo de ideologia e religião; o
impedimento de vínculos entre os sindicatos e entidades internacionais; a imposição da unicidade, permitindo
apenas um sindicato em cada unidade territorial e em cada ramo de atividade. MUNAKATA, Kazumi. A
legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 78-85.
435
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 78.
436
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, p. 78-105.
117
novos sindicatos foi estratégica de modo a tirar vantagens da situação, de forma autônoma e
ativa.
Enfim, essa leitura começou a ser alterada no final da década de 70 e início dos anos 80
com o surgimento do “novo sindicalismo”, o qual constatou uma intensa mobilização operária
mesmo depois da instauração do sindicato corporativista, mas ainda entendia que a posterior
apatia dos trabalhadores, por exemplo durante a Ditadura Militar, era resultante da Era Vargas
e do controle exercido pelo Estado, como explicam Larissa Corrêa e Paulo Fontes ao discutirem
sobre esse período da historiografia 437.
Foi na década de 70 também que o conceito de corporativismo foi novamente
incorporado ao debate, a partir de novas abordagens que não correspondiam às clássicas e
tradicionais, isto é, que o ligavam ao autoritarismo e até mesmo ao fascismo. Ele passou a ser
relacionado às sociedades democráticas ocidentais e Lehmbruch definiu a existência de um
“novo corporativismo” que poderia existir em diferentes contextos, perdendo seu caráter
pejorativo:
“Com o neocorporativismo, o formato de representação se flexibilizava, podendo ser usado como um
modelo de relação entre atores políticos organizados na defesa de seus interesses de corpo, em várias
regiões do mundo e em qualquer período histórico.” 438

Na década de 80, Angela de Castro Gomes com “A invenção do trabalhismo” constatou


a construção de um “pacto” na relação entre Estado e trabalhadores, o qual não retirava a
experiência daqueles que se beneficiavam do direito social e tornava muito mais complexa a
troca desses benefícios por uma suposta obediência política. Ou seja, aceitar a sindicalização e
se “associar” ao Estado era uma relação muito mais complexa do que controle e submissão.
Gomes substituiu o conceito de “corporativismo” por “trabalhismo” 439
. De maneira similar,
Alexandre Fortes, ao analisar as articulações entre militantes sindicais, suas bases e o Estado,
percebeu a existência de projetos distintos e formas diferentes de barganha, entendendo que a
oficialização dos sindicatos não era algo que favorecia apenas o Estado440.

437
CORRÊA, Larissa Rosa; FONTES, Paulo R. Ribeiro. As falas de Jerônimo: Trabalhadores, sindicatos e a
historiografia da ditadura militar brasileira. Anos 90, Porto Alegre, v. 23, n. 43, p. 129-151, jul. 2016.
438
VISCARDI, Cláudia. Corporativismo e neocorporativismo. Estudos Históricos, v. 31, n. 64, p. 248, (2018).
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2178- 14942018000200007. Acesso em: 19/04/2021.
439
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais;
Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.
440
FORTES, Alexandre. Revendo a legalização dos sindicatos: metalúrgicos de Porto Alegre (1931 – 1945). In:
A. Fortes (Et. Al.), Na luta por direitos estudos recentes em História Social do Trabalho. Campinas: UNICAMP,
1999. APUD SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do
trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007,
p.14-16.
118
O caráter negativo das leis foi sendo substituído por uma compreensão de importância,
inclusive a lei que regulamentava os sindicatos, por estimular a sindicalização e com isso não
só reconheceu seus direitos, como fomentou a aceleração para a validação das suas garantias
em lei ao levar as reivindicações dos trabalhadores para o espaço legal 441.
Na segunda metade dos anos 80, com o estudo de Maria Célia Paoli, o sindicato deixou
de ser visto como uma estrutura “monolítica” que teria simplesmente sido incorporado pelo
Estado, uma vez que Paoli recusou a ideia de que as instituições (dentre elas, o sindicato)
determinavam e ocupavam toda vida social. Com essa perspectiva, a autora corroborou para
que essas associações deixassem de serem vistas como parte da estrutura de controle dos
trabalhadores pelo Estado442. No final da mesma década houve uma ampliação nos
conhecimentos a respeito da cultura operária, surgindo novas pesquisas que deram enfoque ao
tema do corporativismo e do populismo pós Era Vargas. Muitos desses estudos eram pautados
na perspectiva da microhistória e questionaram a suposta efetividade da legislação sindical em
relação ao enquadramento dos sindicatos durante esse momento. Souza explica que:

“Para Michael Hall, apesar do aspecto de dominação que caracteriza os dispositivos legais, a lei não
poderia deixar de apresentar certa independência e garantir alguma proteção aos trabalhadores que
reivindicavam o seu cumprimento.” 443.

Essa mudança de interpretação incentivou a realização de estudos que mostrassem as


articulações dos trabalhadores quando entrou em vigência a legislação trabalhista, partindo da
análise dos processos judiciais. Com isso, foi possível entender os limites entre o que fora
estabelecido nas leis e sua vigência realmente444.
Na década de 90, Angela Araújo observou a possibilidade de mobilidade dentro dos
sindicatos regulados pelo Estado, corroborando para uma outra compreensão dessa relação que
não aquela marcada pelo controle e autoritarismo, como as antigas interpretações. Mesmo
assim, Araújo compreende o corporativismo como algo impactante na formação da identidade
dos trabalhadores, impedindo que a classe trabalhadora se formasse como sujeito político

441
Ibidem, p. 16.
442
PAOLI, Maria Célia. Trabalhadores urbanos na fala dos outros. Tempo, espaço e classe na história do
trabalho brasileira. In: José Sérgio Leite Lopes, Cultura & Identidade Operária: aspectos da cultura da classe
trabalhadora. Rio de Janeiro: Marco Zero, Editora UFRJ, 1987, p.53.
443
HALL, Michael. Labor and the Law in Brazil. IN: Marcel Van der Linden and Richard Price (orgs.), The
rise and development of collective labour Law. Bern/New York: Peter Lang, 2000. p. 90. Apud SOUZA, Samuel
Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho nos anos 1930. Tese
(Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 18.
444
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 18.
119
autônomo445. Diferentemente de Angela de Castro Gomes, que defende o argumento de que os
trabalhadores chegaram em 1930 como sujeitos políticos já construídos, em vista das lutas
travadas anteriormente446. Para a Araújo, os trabalhadores tiveram que desenvolver suas ações
dentro do sindicato corporativo e foi por meio dele que se constituíram como força política
central no cenário nacional a partir dos anos 30. Mas de certa forma o projeto corporativo
desenvolvido pela política estatal apresentou uma dimensão positiva em sua concepção, pois
visou a incorporação política dos trabalhadores, ainda que de forma controlada, e não sua
exclusão. Portanto, foi essa política responsável por produzir consentimento (e não um controle,
imposição e manipulação, como a interpretação populista defendeu), atendendo realmente uma
parcela dos interesses há muito tempo reivindicados447.
Já Jorge Ferreira, a partir da ideia de “pacto”, desenvolvida por Gomes, tratou sobre as
estratégias desenvolvidas pelos trabalhadores para conseguirem benefícios por meio da
apropriação dos discursos políticos e o uso de estratégias discursivas, utilizando, então, a seu
favor o atrelamento ao Estado 448.
Em suma e como explica Samuel de Souza, todos esses estudos mais recentes rompem
com a ideia da existência de um Estado que centralizava o controle da sociedade, uma visão
que possibilitou o surgimento de pesquisas que entendessem os trabalhadores como agentes
capazes de estabelecer “relações ativas” (termo do autor) com as instituições 449. São estudos
integrantes da nova historiografia do trabalho que se desenvolve desde a década de 80, onde os
trabalhadores aparecem como sujeitos da história. Essa nova abordagem, como explica Emília
Viotti da Costa, foi possibilitada pelo abandono das análises estruturalistas que seguiam a
historiografia tradicional. Segundo Costa, as pesquisas mais bem sucedidas foram aquelas que
realizaram uma síntese entre ambas as abordagens, isto é, prezaram pelas experiências, mas
também pelas estruturas, não abandonando totalmente o conceito de classe 450.

445
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994.
446
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais;
Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.
447
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994.
448
FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997. Apud
Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho nos anos
1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p.16.
449
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 16.
450
COSTA, Emília Viotti da. Estruturas Versus Experiência. Novas Tendências na História do Movimento
Operário e das Classes Trabalhadoras na América Latina: o que se perde e o que se ganha. Rio de Janeiro, n. 29,
pp. 3- 16, 1º semestre de 1990. Disponível em: < http://www.anpocs.com/index.php/bib-pt/bib-29/412-
120
Enfim, dando continuidade às novas pesquisas, Samuel de Souza entende que a
legislação trouxe legitimidade aos grupos envolvidos e cada um teria seus “papéis, direitos e
deveres”, isso inclusive explica para o autor sua longevidade, mesmo em um governo com
pouco apoio da população. Entretanto, Souza define essa relação como sendo uma relação de
“coação” ou “suborno” 451
e não um pacto, como argumenta Angela Gomes, perspectiva que
preferimos. De qualquer forma, Souza explica que a elaboração da legislação foi mais complexa
do que a interpretação que compreende o Estado como controlador e alheio ao interesse das
classes relacionadas às questões do trabalho (empregados e empregadores). Portanto, ele não
considera que a legislação social foi fruto de uma tentativa de manipulação a fim de estabelecer
um projeto político, mas não nega a predisposição em efetuar um certo controle dos
trabalhadores com tais leis, ao mesmo tempo em que também existia ações a fim de impedir
que os empregadores descumprissem as leis já promulgadas 452.
Ademais, para Souza, a aproximação feita pelo Ministério visando os trabalhadores
ocorreu de forma branda, através do convencimento, por isso discorda da historiografia que
enfatizou a ideia da utilização da repressão e de medidas ilegais para garantir a subordinação
dos sindicatos de trabalhadores à política ministerial. Mas enxerga que de fato a aplicação do
projeto corporativista mudou com a gestão de Magalhães, a partir de meados de 1934, o qual
passou a utilizar do aumento da repressão sobre os sindicatos, assim como Araújo. Mesmo com
essa opinião mais branda a respeito do corporativismo, Souza não deixa de considerar que a
aproximação dos trabalhadores em relação à estrutura oficial fez com que eles ficassem presos
ao molde corporativista, porque cada vez mais o Ministério do Trabalho passaria a se intervir
no cotidiano dos sindicatos, realizando formas de apaziguamento e conciliação, considerando
uma “armadilha da legitimidade” (grifo meu). Apesar disso, discorda da interpretação que
aponta para uma domesticação e o controle dos operários pelo Estado, pois defende ter sido
muito mais complexa sua relação com os trabalhadores 453.
Raquel de Azevedo e Rodrigo Silva são dois autores que desenvolveram pesquisas
recentes e no mesmo período que Samuel de Souza. Ambas as pesquisas abarcam a resistência
efetuada pelos anarquistas na década de 30. Azevedo interpreta que as novas leis visaram à

estruturas-versus-experiencia-novas-tendencias-da-historia-do-movimento-operario-e-das-classes-trabalhadoras-
na-america-latina-o-que-se-perde-e-o-que-se-ganha/file>. Acesso em: 09/08/2021.
451
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 20.
452
Ibidem, p. 49.
453
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, pp. 100-
102; 143; e 176.
121
incorporação do trabalhador na sociedade ao possibilitarem o registro de suas associações,
apesar de que também delimitaram a amplitude de suas manifestações, sendo, portanto, uma
inclusão com certo controle 454. Já Silva argumenta que a leis de sindicalização (pois ao longo
da década foram mais de uma) eram um “rolo compressor” e que o Estado do período era
autoritário exercendo uma “brutal repressão” 455.
As novas interpretações especificamente sobre o conceito de corporativismo entendem
que as relações corporativas se tornam autoritárias pelo contexto na qual surgem e não pelo seu
“modus operandi”. As diferenças entre uma relação corporativa autoritária para uma
democrática também estão relacionadas à natureza dos atores envolvidos, o contexto em que
ocorreu a disputa pelo poder e nas formas internas de sua organização 456. Sendo assim, é
importante deixar claro que o corporativismo da década de 30 surgiu em um governo ainda
democrático e sua instauração possibilitou que os direitos dos trabalhadores fossem realmente
contemplados, além de ter possibilitado a representação política, a qual era praticamente
inexistente durante a 1º República. De qualquer forma, isso não deslegitima a experiência e a
opinião dos trabalhadores anarquistas, pois a função da pesquisa histórica não é julgar algum
dos lados e nem tomar partido, mas sim compreender a instauração da legislação trabalhista,
com enfoque na lei de sindicalização, sob a ótica desse grupo de trabalhadores, a repercussão e
maneira pela qual reagiram tentando resistir a algo que ia de encontro aos seus princípios.
Em suma, o debate no Brasil a respeito do corporativismo pode ser dividido em duas
frentes: aqueles que o consideram desmobilizador e desestruturante das organizações dos
trabalhadores por associá-las ao Estado, corroborando para a perda da autonomia. Nessa
perspectiva, as experiências corporativas foram impactantes no processo de formação da classe
trabalhadora brasileira. Fazem parte dessa concepção trabalhos mais antigos, como de Werneck
Vianna (1978)457, Renato Boschi (1979), Eli Diniz (1978), Alfred Stepan (1980), mas também
mais recentes como de Costa (1999) e de Adalberto Cardoso e Alexandre Fortes (2007), os

454
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002.
455
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p.4.
456
VISCARDI, Cláudia. Corporativismo e neocorporativismo. Estudos Históricos, v. 31, n. 64, p. 248, (2018).
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2178- 14942018000200007. Acesso em: 19/04/2021.
457
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
122
quais consideram a existência de influências fascistas sobre a legislação trabalhista e
constitucional brasileira 458.
Arion Sayão Romita foi outro autor que compreendeu que a nova legislação era fascista,
porque interpretou que a solução dos conflitos coletivos do trabalho criada pelo Estado
corporativo italiano fascista, ou seja, a montagem de uma jurisdição do trabalho (Juntas de
Conciliação e Comissões Mistas que depois daria origem à Justiça do Trabalho) foi adotada no
Brasil, principalmente a partir da Constituição de 1937 459. Tal argumento pode ser rebatido se
levarmos em consideração que o princípio do corporativismo já estava em voga nos anos 30,
sendo discutido também em democracias, como a estadunidense. Gomes inclusive ressalta que
o discurso do governo varguista era diferente dos demais governos corporativistas da época
porque tinha representatividade 460. Sobre essa diferenciação entre ser fascista ou não, Samuel
de Souza argumenta que:

“A questão da ‘solução jusrisdicional’ apontada por Romita está calcada na afirmação de que o sistema
corporativo garante o julgamento do dissídio por um magistrado, ao contrário do sistema de arbitragem,
onde a decisão está a mercê de um ‘colegiado arbitral’. Assim sendo, a decisão dentro do ‘sistema
corporativo’, seria uma decisão emanada pelo Estado. Especificamente, por uma ‘justiça’ atrelada ao
ministério do Trabalho (órgão do Poder Executivo) com poderes exclusivos sobre a mediação da relação
capital/trabalho. Esta jurisdição garantida ao Estado seria executada por juízes, representantes do órgão,
que teriam a prerrogativa de legislar, sem mesmo terem sido eleitos para tanto.
A limitação deste argumento está na ausência do corporativismo dentro da mecânica pensada pelo autor.
Dentro do princípio corporativista proposto por Oliveira Vianna a decisão não seria objeto de escolha dos
juízes. A existência dos corpos de representantes de patrões e empregados servia tanto para dar feição
corporativa a Justiça do Trabalho como serve aqui para desabonar o argumento de Romita”. (SOUZA,
2007, p.72)

Rodrigo Silva (2005), por exemplo, não chega a considerar o Estado da época como
fascista, mas entende que entre 1930 a 1945 esteve em exercício um governo ditatorial que
governou sem leis, sem constituição e apenas com seus ministros. Durante esse período entende
que houve a implantação de um projeto “autoritário-corporativista” e que os trabalhadores
foram disciplinarizados através das propostas de inclusão de participação política que estavam
atreladas à legalização dos sindicatos. Então, apesar de considerar o período como autoritário

458
VISCARDI, Cláudia. Corporativismo e neocorporativismo. Estudos Históricos, v. 31, n. 64, p. 250, (2018).
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2178- 14942018000200007. Acesso em: 19/04/2021.
459
ROMITA, Arion Sayão. O fascismo no direito do trabalho brasileiro: influência da Carta del Lavoro sobre a
legislação trabalhista brasileira. São Paulo: LTr, 2001, p. 101. APUD SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos
ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado em História)
– Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 72.
460
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo – 3. ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 258.
123
por conta do projeto corporativo, entende que houve certa inclusão apesar da tentativa de
controle461.
E existem aqueles autores que entendem o corporativismo como uma alternativa que,
apesar de seus problemas, pode ter contribuído de alguma forma para o processo de organização
dos trabalhadores, para a efetivação de seus direitos e para a incorporação política destes. De
qualquer forma, o caráter desmobilizador é acentuado, mas também enxergam que o novo
sindicato foi um espaço para que os trabalhadores conseguissem fazer com que seus interesses
fossem atendidos, que houve certa participação da sociedade civil brasileira no projeto
trabalhista e que o fato de estarem associados ao Estado e ao seu controle não impediu que
criassem estratégias alternativas de mobilização e reação. Fazem parte dessa concepção Fábio
Wanderley Reis (1989), Angela de Castro Gomes (1988), Bruno Reis (1995), Valéria Lobo
(2016)462, Angela Araújo (1994), Samuel de Souza (2007), etc. Este último, por exemplo,
entende que apesar da “armadilha”, as entidades sindicais garantiram um espaço de luta, que
possibilitava a contemplação de medidas benéficas aos trabalhadores, possibilitando que
pleiteassem melhores condições de trabalho 463.
Como explica Viscardi, as abordagens mais recentes sobre o tema reconhecem a
existência de ganhos com a aplicação da política corporativista na década de 30 e 40, ao mesmo
tempo em que seu impacto sobre a organização dos trabalhadores é relativizado e levado em
consideração. Além disso, elas analisam a experiência corporativista brasileira como vivências
específicas que sofreram adaptações junto ao processo de formação da classe trabalhadora
brasileira em sua relação com o Estado. Portanto, o corporativismo dessa época deixou de ser
entendido como uma versão periférica do fascismo ou de outras experiências corporativas
europeias.464 Nesse sentido, também são estudos importantes por alterarem a ideia de que o
povo se submetia ao regime posterior do Estado Novo e destacam uma participação mais
autônoma dos atores sociais por meio de suas organizações em participação no Estado
(inclusive dos trabalhadores), substituindo a concepção de que eram vítimas do arbítrio estatal.
Claudia Viscardi reitera que:

461
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 16.
462
VISCARDI, Cláudia. Corporativismo e neocorporativismo. Estudos Históricos, v. 31, n. 64, p. 251, (2018).
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2178- 14942018000200007. Acesso em: 19/04/2021.
463
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 144.
464
VISCARDI, Cláudia. Corporativismo e neocorporativismo. Estudos Históricos, v. 31, n. 64, p. 254, (2018).
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2178- 14942018000200007. Acesso em: 19/04/2021, p. 252.
124
“Há que se destacar que, com a introdução da representação corporativa no Brasil, a ausência total de
representação dos trabalhadores no Parlamento deu lugar a uma expressiva participação; a mudança do
código eleitoral e a criação da Justiça Eleitoral garantiram a ampliação do contingente eleitoral e a tão
almejada “verdade das urnas”. A ampliação das políticas sociais e o reconhecimento dos trabalhadores
como atores importantes do jogo político, de alguma forma, podem ser considerados avanços em direção
à ampliação dos direitos. Os estudos recentes caminham nessa direção.”465

Por fim, outro aspecto a ser destacado a respeito da organização corporativista e que foi
de grande destaque na argumentação dos trabalhadores anarquistas diz respeito à atuação da
burguesia na promulgação das leis sociais, principalmente da lei de sindicalização, a fim de
enquadrar os trabalhadores ao seu controle. Para essa questão, não existe um consenso analítico.
Kazumi Munakata considerou, assim como os argumentos defendidos pelo jornal A
Plebe, a interferência das ações dos industriais por detrás das leis, pois a participação dos
industriais não foi impedida mesmo que os projetos tivessem sido elaborados por comissões
especiais de técnicos do MTIC. Assim, segundo o autor, a elaboração dos projetos passou pela
discussão feita pelas comissões mistas de técnicos e por representantes do patronato e dos
trabalhadores, mas as posições dos industriais contavam, geralmente, com o apoio dos
funcionários ministeriais466. Angela de Castro Gomes ao estudar a burguesia do comércio e da
indústria, isto é, um dos atores envolvidos nessa questão, ampliou os conhecimentos a respeito
dos projetos de legislação social e a relação com os empregadores, evidenciando a interferência
desses para assegurar que fosse criada uma legislação que não interferisse em seu lucro 467.
Em outro momento, Gomes afirma que a burguesia se opôs à lei de sindicalização, mas
não foi uma oposição frontal à ideia de sindicalização das classes 468. Angela Araújo
complementa essa explicação ao argumentar não ter sido uma atitude unânime de todos os
segmentos do empresariado urbano 469. Mas de fato o empresariado só estaria perfeitamente
alinhado com a política do Ministério do Trabalho na década de 40. 470
No caso de Samuel de Souza, o autor explica que as leis diminuíram os ganhos dos
empregadores e por isso muitos se opuseram e até as burlaram, mas não as enxergavam de

465
Ibidem.
466
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 80.
467
GOMES, Angela de Castro. Burguesia e Trabalho. Política e Legislação Social no Brasil (1917-1937). Rio de
Janeiro: Campus, 1979. APUD SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores,
sindicatos, Estado e leis do trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de
Campinas. Campinas, 2007, p. 15.
468
Ibidem, p. 242.
469
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 130.
470
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo – 3. ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 224.
125
471
modo negativo . Já Raquel de Azevedo afirma que os industriais se opunham à introdução
das leis sociais porque as consideravam como um caminho para a implantação de um “pleno
regime de socialismo de Estado” (grifo dela). Por exemplo, consideravam que as férias eram
prejudiciais à empresa ao interromperem a produção e porque o operário não sabia usar seu
tempo livre de forma eficaz, pendendo para o “desregramento social” (grifo meu) 472
.

4. A sindicalização por parte de outros grupos da esquerda


Com relação aos outros grupos de esquerda e a adesão ou não a nova sindicalização,
percebe-se que já em 1932 os socialistas estavam deixando de atuar nos sindicatos
independentes. Essa escolha foi criticada pelos anarquistas. José Oiticica, por exemplo, além
de chamá-los de “patrícios”, também alertou aos leitores para o fato de os socialistas não serem
“amigos” dos trabalhadores justamente por concordarem com a “sindicalização das classes” e
com a “representação política”, visando dominá-los politicamente. Optar pela sindicalização
significava impedir a ação das massas, desviar os sindicatos e pregar um “reformismo
inoperante” ao prezar pela conciliação entre capital e trabalho 473 (grifos meus). Oiticica, em
contrapartida (assim como outros trechos do jornal que foram destinados a essa crítica)
incentivou a ação direta a partir da ênfase ao abandono da representatividade política.
Em 1933, época de ascensão dos sindicatos corporativistas, a União dos Arteficies em
Calçados e Classes Anexas criticou os “sindicalismos amarelos e burgueses” alegando ser algo
novo e que surgiu com o objetivo de desviar a atenção dos trabalhadores da luta pela ação direta.
O posicionamento da União mostra que os sindicatos corporativistas estavam em ascendência
naquele momento. Em oposição, defenderam a forma pela qual optaram agir:

“(...) sem politicas [sic], sem mistificações colaboracionista com os ministerios [sic] dos trabalhos alheios
etc.” 474.

Em 1934, foi possível acompanhar a sindicalização de um sindicato autônomo muito


importante: a União dos Trabalhadores Gráficos, de tendência comunista. Os anarquistas

471
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 137.
472
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 275.
473
OITICICA, José. “Carta aberta aos fundadores do Partido Socialista Brasileiro”, A Plebe, nº5, 24/12/1932.
São Paulo, p. 1.
474
“Movimento Operario. União dos A. em Calçados”. A Plebe, nº37, 12/08/1933. São Paulo, p. 3.
126
criticaram bastante essa escolha. Para A Plebe, a associação estava sofrendo com as “taticas
[sic] bolchevistas” e optou por aderir ao novo sindicato para não perder o controle das “massas”
gráficas (grifo do jornal). A notícia foi dada em uma reunião feita por iniciativa da Federação
Operária de São Paulo e de várias outras organizações com a finalidade de discutir a lei de
férias:

“Esses senhores bolcheviques, quer da direita quer da esquerda, aqui como em toda a parte, não teem feito
outra coisa senão desorganizar e levar a confusão ao seio dos sindicatos das classes onde conseguiram
penetrar e exercer a sua nefasta influencia” 475

A alegação acima torna evidente como os anarquistas eram opositores dos


“bolcheviques” e não acreditavam que esses últimos agiam em benefício dos trabalhadores,
como também não agregavam ao movimento operário autônomo e revolucionário.
O Partido Socialista Brasileiro também foi alvo de críticas e parte delas foram
destinadas aos seus integrantes por optarem e acreditarem que seus problemas poderiam ser
solucionados no Parlamento. Para o jornal, o socialismo de caráter autoritário só gerava miséria
e não passava de uma “doutrina de panacéa”, a qual, assim como os outros partidos políticos,
acreditava poder resolver a questão social por meio da política, não contrariando o capitalismo
e defendendo apenas algumas reformas. Diferentemente, os anarquistas defendiam que as
desigualdades não acabariam se optassem pela sua resolução através da via da política
institucional, até porque o Estado continuaria a existir e sua permanência era sinônimo de
opressão e autoritarismo. Assim, o periódico alertou aos trabalhadores a necessidade deles não
se misturarem em questões políticas e nem que acreditassem em políticos, ainda que esses
fossem socialistas:
“Não é sem razão que nós, os anarquistas, advertimos aos trabalhadores que não se imiscuam em questões
políticas e que não se iludam com as frases altisonantes [sic] e refinadas dos políticos que aparecem na arena
da luta social com o unico [sic] intuito de suprir ambições pessoais. Os fatos demonstram que os socialistas
autoritarios [sic], ao contrario do que êles [sic] afirmam, estão mais perto do capitalismo do que os produtores.
(...) E’ necessario [sic] que o proletariado, que é o alvo visado pelos politicos [sic], enxergue bem quais as
manobras e processos empregados por essa casta parasitaria. E’ necessario [sic] que não se iluda com essa
velha cantiga de reivindicar seus direitos á vida por intermedio [sic] de outrem. O Partido Socialista Brasileiro
(...) estão impregnados de marxismo, o que equivale dizer: imperialismo estatista (...). Portanto, proletarios
[sic], cuidado com a política em geral, que pretende resolver a questão social pela burla eleitoral, uma
fórma [sic] de tapeação para melhor escravisar [sic] as classes produtoras. Cuidado com os políticos de
qualquer especie [sic], que como os camaleões, usam as cores de acôrdo [sic] com o ambiente em que se
encontram” 476.

475
“Recuos e ‘taticas’ do bolchevismo”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 4.
476
GARCIA, M. “Em tempo de eleições”. A Plebe, nº70, 01/09/1934. São Paulo, p. 1.
127
Provavelmente, essa alegação deve ter sido feita por sentirem-se ameaçados com o
avanço dos socialistas e comunistas nos meios operários, levando-os a reiterar os malefícios
que outras correntes de esquerda representavam aos trabalhadores, ainda mais pelo atrelamento
ao novo sindicato.
As críticas aos “bolcheviques” persistiram até 1935 quando o jornal reafirmou não
compactuar com as ações dos comunistas (e nem da Rússia bolchevista). Mais uma vez a
relação que os comunistas tinham com o Ministério estava no rol das ações que os anarquistas
não aprovavam. Segundo o jornal, até então os comunistas estavam combatendo as medidas do
Ministério, mas nesse ano começaram a aconselhar aos trabalhadores que fizessem parte do
departamento. Além disso, as organizações comunistas pleiteavam a “carta da sindicalização
oficial amarela”: uma confusão para o jornal, pois não fazia sentido os “vermelhos” fazendo
propaganda “amarela”. O título do artigo indica essa dúvida: não sabiam se os comunistas eram
ingênuos (“beocios”) ou realmente mal-intencionados477. A partir dessa crítica, é possível
perceber que os sindicatos comunistas estavam cedendo à sindicalização oficial e por isso
estavam sendo duramente criticados.
Segundo Raquel de Azevedo, a adesão aos sindicatos oficiais por parte de outros
trabalhadores foi considerada uma atitude ingênua pelos anarquistas, pois acreditavam que os
outros estavam acreditando em propostas maquiavélicas e estratégias governamentais
tentadoras. Mas no caso dos socialistas, comunistas e trotskistas, Azevedo diz que essa adesão
era considerada uma traição e oportunismo, já que inicialmente estes também se opuseram à
oficialização478. Inclusive, Raquel de Azevedo abarca essa oposição entre anarquistas e
comunistas (“bolcheviques”), considerados adversários sindicais. Os últimos não enxergavam
necessariamente de forma negativa a promulgação das leis sociais, inclusive a sindicalização.
Azevedo explica que por aceitarem as leis, foram vistos como mentirosos e inimigos da
revolução proletária. Em contrapartida os comunistas diziam que os libertários estavam
recusando o próprio direito e benefício 479. A autora compreende que tal adesão se deu mais por
uma estratégia de atuação, visto que os comunistas não conseguiam fundar novos sindicatos em
São Paulo e nem conseguiam transformar aqueles de tendência anarquista. Os trotskistas
também atuaram de forma estratégia para se beneficiarem das férias, aliando-se aos socialistas

477
“Beocios ou mal intencionandos ?”. A Plebe, nº79, 05/01/1935. São Paulo, p. 3.
478
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 305.
479
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002.
128
que desde o início apoiaram a sindicalização em coerência com os deputados que ocupavam os
cargos de assessoria no Ministério do Trabalho, como Evaristo de Moraes, Agripino Nazareth
e Joaquim Pimenta480.
Segundo Angela Araújo, a adesão dos antigos opositores da sindicalização foi
fundamental para que o enquadramento sindical fosse efetivado em São Paulo, mas não
necessariamente significou a submissão à orientação política do governo 481. Em vista dessa
adesão, os anarquistas ficaram isolados nos sindicatos de sua Federação defendendo a total
autonomia:

“Isolados em grupos cada vez mais restritos, restava a lembrança que permanecia na consciência dos
trabalhadores de um passado que, apesar de estar envolvido em mitos, tinha como valor central a
dignidade e a independência do trabalhador”. (AZEVEDO, 2002, p. 308)

Para Kazumi Munakata, o fato de os comunistas considerarem mais vantajoso


pressionar o Estado para que ele fiscalizasse e garantisse o cumprimento das leis significava
que o controle do mercado de trabalho deveria passar pela tutela do Estado e, portanto, foi
abandonada a ideia de que o movimento operário deveria controlá-lo. O autor acaba
culpabilizando esse grupo de trabalhadores pela não derrubada da lei de sindicalização, pois
para Munakata isso só seria possível mediante uma luta global, com uma articulação geral do
movimento operário, algo que não aconteceu por vários sindicatos associados à UTG aderirem
à nova sindicalização 482.
Samuel de Souza explica que apesar do governo não ter tido tanto o apoio da população
(como o próprio jornal parece querer demonstrar quando deslegitima o governo e suas ações
repetidamente) a legislação trabalhista teve longevidade e a razão para Souza foi o respaldo
dado pelos trabalhadores ao governo por “coação” ou por “suborno”, segundo suas palavras.
Assim, ele explica que:

“Podemos considerar como “suborno” a contrapartida necessária ao funcionamento das leis, qual seja,
sua relativa funcionalidade, que garantiria algumas mudanças nas condições de trabalho. Neste caso, a
garantia não era mais uma tática de cooptação da classe trabalhadora, tampouco, estratégia de mitificação,
mas, resultado do embate entre trabalhadores, patrões, sindicatos e Estado. Neste embate, apenas em
termos gerais – com o risco que toda generalização implica –, a moeda de troca dos grupos envolvidos
seria a legitimidade. Cada qual, ao seu modo, teria específicos papéis, direitos e deveres, por exemplo: os
trabalhadores trocariam disciplina por direitos; os sindicatos deveriam recusar o uso de meios “violentos”
(greves) e teriam prerrogativas oficiais de representação da classe; Estado, por sua vez, trocaria o
funcionamento do sistema legal por legitimidade. A legitimidade do Estado seria a justificativa necessária
para uso da força (coação)” (SOUZA, 2007, p.20)

480
Ibidem, p. 307.
481
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994.
482
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 93-97.
129
Apesar de considerar melhor apontar a construção de um “pacto”, como Angela Gomes,
o fato é que a legislação teve sucesso porque de alguma forma estava atendendo as
reivindicações dos trabalhadores e é que isso ajuda a explicar a sindicalização entre as correntes
da esquerda. Além disso, principalmente desde a década de 20, cada vez mais crescia a demanda
por parte dos trabalhadores em geral por uma efetiva intervenção nas relações de trabalho, mas
a Câmara dos Deputados da época continuou a adotar medidas graduais de regulamentação 483.
Aliás, desde o contexto da Greve Geral de 1917 existiu um desejo de que fosse maior a
intervenção estatal nas relações entre capital e trabalho484, mostrando não ser necessariamente
algo ruim e que acarretaria a sujeição como afirmaram os anarquistas.
Portanto, como conclui Angela de Araújo, a implantação do sindicalismo corporativista
entre 1933 a 1935 foi marcada pela ambiguidade e pela contradição. Isso porque as medidas
empregadas pelo governo conseguiram realmente impulsionar a implantação da estrutura
sindical, trazendo para próximo de si os trabalhadores e suas principais lideranças, assim como
segmentos importantes dos empregadores, mas a adesão das lideranças sindicais independentes
foi fundamental para tornar a organização corporativista um instrumento efetivo de
representação dos interesses dos trabalhadores, fazendo com que estes soubessem utilizá-lo de
modo lutar por suas reivindicações e não como um local de colaboração, como esperava o
governo485.

5. Impactos da nova sindicalização sobre as associações autônomas e libertárias

Evidentemente, a lei de sindicalização fez com que até mesmo a FOSP perdesse adeptos.
Mas essa questão foi mencionada de forma pífia, provavelmente para não mostrar que o
movimento operário independente de tendência libertária e sindicalista revolucionária sofria
abalos. Apesar dessa “omissão”, a bibliografia indica uma crescente sindicalização por parte
dos trabalhadores, principalmente entre 1934 e 1935, como já foi mencionado acima. Pelas
páginas do jornal é possível notar essa perda desde 1932:

483
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, p. 228, 2007, p.
35.
484
TOLEDO, Edilene. Um ano extraordinário: greves, revoltas e circulação de ideias no Brasil em 1917.
Estudos Históricos (RIO DE JANEIRO), v. 30, p. 497-518, 2017.
485
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994. P. 262.
130
“(...) Ainda há poucos dias, dois elementos que, por quererem arrastar as organizações operarias [sic] ao
terreno da política, desligaram-se da Federação, juntamente com a organização que representavam e que á
revelia da maioria dos trabalhadores da classe passou a obedecer às ordens de determinada facção partidária,
aproveitando um lapso de redação, publicaram no jornal ‘L’Itália’, uma de suas costumeiras diatribes, contra
esta entidade e os organismos que a integram” 486. (grifo meu)

Foi possível acompanhar também a divisão interna da União dos Operarios em Fabrica
de Tecidos, um processo que acarretou posteriormente na sindicalização dessa associação,
filiada à FOSP desde 1932. O desgaste começou a ficar perceptível a partir de outubro de 33,
na quadragésima terceira publicação. Nela, a Comissão Executiva anunciou estar seguindo uma
nova orientação para acabar com os insultos feitos entre os companheiros, prezando pela
cordialidade dentro da vida associativa. Além disso, deixariam de lado todos os assuntos que
não fossem de interesse dos que trabalhavam e não admitiriam pessoas estranhas à corporação
487
nas reuniões . No início de novembro, ainda houve registros dessa associação na seção do
“Movimento Operario [sic]” 488
. Apesar disso, foi a única organização, das quatro registradas
nesse número, que não constou como filiada à Federação. Outra indicação dessa instabilidade
e o não alinhamento total com a FOSP era o endereço da sede da associação ser no Largo São
José do Belém e não na Rua Quintino Bocaiúva, 80.
Em janeiro do ano seguinte, a respectiva União continuou a fazer assembleias gerais da
classe para tratar de “assuntos de grande importancia [sic]” e agora apresentava a mesma sede
que a FOSP, mesmo não constando sua filiação à Federação 489. Segundo Raquel de Azevedo,
a União não adotava estratégias libertárias, mas tinha contato com a FOSP e o apoio desta490.
Desde então, não foi mais citada até setembro, quando na septuagésima publicação, na seção
do “Movimento Operario [sic]”, sob o título de “Farçantes [sic] e mistificadores”, o jornal
explicou que classe dos tecelões estava sendo a maior vítima “dos elementos ambiciosos e
politiqueiros”, talvez por ser a mais numerosa, de acordo com sua argumentação. Há três anos
sua sede se localizava no Belenzinho, mas políticos começaram a se intervir e fizeram com que
a discórdia surgisse, levando à corrosão da União. Ela foi fechada e seus móveis ficaram
guardados na sede da FOSP. Durante esse tempo foi feito um “sindicatosinho” (grifo do jornal)

486
“Movimento Operario. Federação Operaria de S. Paulo. Nota Oficial”, A Plebe, nº 6, 31/12/1932. São Paulo,
p. 4.
487
Comissão Executiva. “Movimento Operario. União dos Operarios em Fabricas de Tecidos de S. Paulo”. A
Plebe, nº43, 07/10/1933. São Paulo, p. 3.
488
“Movimento Operario. União dos Operarios em Fabrica de Tecidos”. A Plebe, nº46, 04/11/1933. São Paulo, p.
3.
489
Comissão Executiva. “Movimento Operario. União dos Operarios em Fabricas de Tecidos de Sao Paulo”. A
Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo, p. 3.
490
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 294.
131
sob a sindicalização oficial do MTIC, o que na opinião do periódico significou a decomposição
do respectivo sindicato. Assim, o que explicou a sindicalização, nesse caso, foram divisões
internas e a proposta do Ministério sobre o sindicato oficial, acarretando na opção por alguns
filiados da União em aderir à política ministerial:

“E como todos os organismos que se decompõem cheiram mal, este dos tecelões não podia fugir á regra: pelas
colunas de um vespertino, desta capital, os bonzos ministerialistas salpicaram-se mutuamente com os mais
vergonhosos insultos e acusações mutuas [sic]. (...) Como esse dos tecelões, outros sindicatos haverá nessa
grande farça sindical ministerialista, que ilude e explora aos trabalhadores, não só a quota, como tambem a boa
fé” 491

Outra associação que parece ter se desvinculado da FOSP foi a dos Empregados em
Café. Em setembro de 1933, na trigésima primeira publicação, na seção do “Movimento
Operario [sic]”, percebe-se uma tentativa de mudança feita por parte dos integrantes desse
sindicato que, até então, era filiado à FOSP. “J.P”, o autor, ao se direcionar aos “camaradas”
falou sobre “elementos que pretendiam atraiçoar as nossas aspirações”, a partir da pretensão de
oficializar-se:

“(...) e que alardeavam pretender sindicalizar-se para se agarrarem á aba do fraque do Sr. Ministro do
Trabalho para ver se tambem [sic] recebiam o ‘café’ e o ‘leite’, devem estar com um nariz deste tamanho!”

Tal ação foi repudiada pelo autor, definindo esses integrantes como “camaleões”.
Terminou dizendo que o “Sr. Ministro” (referência à Salgado Filho) não tinha nenhum interesse
para com essas pessoas 492. Portanto, os meses finais de 1933 já demonstram como até mesmo
os sindicatos filiados à FOSP estavam sendo cooptados a oficializar-se. É importante lembrar
ter sido um período em que foi relatado o aumento da repressão sobre o jornal e os
trabalhadores.
Outro impacto perceptível foi a dificuldade e o desânimo para a reorganização, assim
como a pouca mobilização por parte de alguns trabalhadores. Um autor assinando como “L.D”
direcionou seu discurso aos “camaradas canteiros” argumentando ser um momento em que mais
precisavam da organização, pois os trabalhadores de uma determinada “oficina” (não citou o
nome) estavam passando por uma situação complicada e seus direitos não estavam sendo
assegurados:

“Como todos sabemos, há uma oficina onde o patrão é quem toca o sino, tratando sempre do seu interesse.
Pela manhã antes das 7, ao almoço depois das 11, ao recomeçar antes das 12 e ás 4 horas, vão passando uns

491
“Movimento Operario. Farçantes e mistificadores”. A Plebe, nº70, 01/09/1934. São Paulo, p. 3.
492
J.P,“Movimento Operario. Aos empregados em Cafe’”. A Plebe, nº41, 23/09/1933. São Paulo, p. 3.
132
20 minutos. E assim vai indo a vida amortecida dos canteiros que tanto brilharam em outro tempo. No fim
da labuta lá foram 9 horas de trabalho forçado no logar [sic] das 8, e, com medo do patrão nada dizem” 493

O motivo dessa situação era a total desorganização dos trabalhadores, segundo o autor,
que os culpabilizava pela falta de organização. Pediu, então, para que se recompusessem para
que houvesse mudanças, pois unidos não seriam “tão vilmente explorados” (grifo meu). Para
além do desrespeito às 8 horas de trabalho, o salário deles foi diminuído “de 50 a 60 por % ao
passo que os patrões não abateram nem os 10% aos freguezes”. Os companheiros deveriam
estar unidos e atentos494. Assim, apesar da dificuldade enfrentada, o relato evidencia também a
existência de tentativas e vontade para isso acontecer, assim como motivos, uma vez que os
empregadores continuavam a desrespeitar seus direitos e por isso defendiam ser somente por
meio da organização que algum ganho poderia se concretizar.
Em outro artigo, feito quando as publicações estavam tratando a respeito da esperança
da eclosão de uma nova sociedade em meio à crise do sistema capitalista e da política brasileira,
o jornal criticou a falta de ânimo por parte daqueles para os quais era destinado:

“Porque, então, moleza? Como explicarmos o ingrato espetaculo [sic] de desanimo geral que se observa entre
nós? Quase todos os nossos leitores anarquistas e simpatizantes poderiam fazer considerações idênticas e (?)
melhor argumentados e expostos. Entretanto, é inegavel [sic] o fato a que nos vimos referindo. (...) Já
lamentamos este episodio actual da propaganda, algumas vezes perplexos e outras indignados” 495.

Em 1934, a lei de sindicalização junto à lei de férias afetaram ainda mais o movimento
operário independente. Nesse ano, ficou perceptível o impacto negativo sobre algumas das
associações aderentes à Federação, ao mesmo tempo em que a FOSP e A Plebe se mobilizavam
em prol ao movimento operário por julgarem ser uma situação preocupante e de necessidade de
ação. Em fevereiro, o jornal escreveu sobre a Liga Operaria da Construção Civil, demonstrando
estar acontecendo uma possível desmobilização por parte dos trabalhadores que a compunham:
“Tendo em conta a situação que atravessamos situação tão crítica que não permite que os elementos conscientes
se disinteressem [sic] da organização, deixando todas as iniciativas a cargo exclusivo da comissão executiva,
que, embora munida da melhor boa vontade, nada pode fazer ou realizar, sem o auxilio e solidariedade direta
e constante de todos os militantes” 496.

493
L.D, “Movimento Operario. Apelo aos trabalhadores canteiros”. A Plebe, nº30, 24/06/1933.São Paulo, p. 3.
494
L.D, “Movimento Operario. Apelo aos trabalhadores canteiros”, A Plebe, nº30, 24/06/1933.São Paulo, p. 3.
495
“Uma obra necessária. Em torno de uma iniciativa. Não queremos descobrir a polvora”. A Plebe, nº39,
09/09/1933. São Paulo, p.1.
496
“Movimento Operario. Comunicados e Reuniões. Liga Operaria da Construção Civil”. A Plebe, nº56,
17/02/1934. São Paulo, p. 3.
133
Por isso, a fim de incentivá-los, foi estabelecido a realização de uma troca de impressões
entre todos os que atuaram e demonstraram sua consciência e amor pela causa dos oprimidos,
convidando os trabalhadores a participarem de uma na reunião-plena de todos os militantes, na
497
sede social . Em março, depois de escreverem sobre a péssima situação em que se
encontravam somadas às ações de opressão do Estado ao retirar direitos já conquistados
(referência à lei de férias e de como a consideravam uma “arma fascista contra as organizações
operarias”), a Liga afirmou ao final do comunicado que por essas razões tais trabalhadores não
poderiam continuar na inatividade. A conclusão do sindicato foi a de que aqueles que
esperavam por mudanças deveriam se organizar na Liga Operária e comparecer às assembleias
498
.
Em abril, a situação da Liga pareceu ter apresentado alguma melhora: foi registrada a
realização de uma grande assembleia geral para tratar da comemoração do 1º de maio. Nela
também seriam fixados os propósitos da classe e por isso todos que trabalhassem na construção
civil deveriam comparecer (sócios do sindicato ou não), “para que a obra que eles realizem seja
consentânea com as normas revolucionarias [sic] que a Liga tem seguido desde a sua fundação”,
portanto, declararam-se adeptos do sindicalismo revolucionário:

“O momento presente não permite apatia nem descaso de quantos labutem pelo pão quotidiano, pois a
burguesia, a pretexto do desequilíbrio econômico que impera, pretende por todos os meios e com o apoio dos
poderes constituídos, submeter-nos a um regime de miseria [sic] e privações que lhes permitam sustentar a
vida dissoluta que constitui sua existencia [sic] (...) Companheiros! Pelo ressurgimento e eficácia da nossa
Liga, a postos!” 499.

Em maio, a situação voltou a piorar, mostrando a instabilidade em se manter. A


comissão da Liga avisou aos trabalhadores o dever em “abandonar a apatia” e comparecer às
reuniões para tomarem iniciativas no sentido de reestruturar a propaganda 500. Em junho, ao
pedir mais uma vez o comparecimento dos trabalhadores nas assembleias, a comissão ressaltou
e afirmou a capacidade que tais trabalhadores tinham em se organizarem de forma autônoma e
encarando a questão social “dentro de um princípio de igualdade e fraternidade”. A comissão

497
Ibidem.
498
Comissão executiva. “Movimento Operario. Liga Operaria da Construção Civil”. A Plebe, nº57, 03/03/1934.
São Paulo, p. 3.
499
Comissão Executiva. “Movimento Operario. Liga Operaria da Construção Civil”. A Plebe, nº60, 14/04/1934.
São Paulo, p. 3.
500
Comissão Executiva. “Movimento Operario. Liga Operaria da Construção Civil”, escrito pela Comissão
Executiva. A Plebe, nº63, 26/05/1934. São Paulo, p. 3.
134
501
os incentivou a mostrar esse atributo à burguesia . No mesmo mês realizaram uma grande
assembleia geral da classe para tratar de assuntos sobre a propaganda. A Liga discorreu sobre
a organização ser importante por corresponder à forma mais eficaz para a conquista de seus
direitos: de viver e ser livres. Desorganizados seriam sempre homens sem direitos à vida, até
porque estavam em uma situação precária. Esse assunto também era pauta das reuniões 502. Em
setembro ainda realizavam assembleias gerais da classe e convidavam todos os trabalhadores
em construção, mas principalmente os militantes 503.
A desmobilização esteve presente também na União dos Arteficies em Calçados e
Classes Anexas e foi ressaltada pela própria comissão, ainda que recorrentemente se
manifestassem na seção do “Movimento Operário”:

“Os trabalhadores do couro e do calçado, após um pequeno período de relativo marasmo, despertam
novamente para a luta das reivindicações da classe. A ultima assembleia (...) foi uma demonstração
consciente de que esta classe não se esquece do papel que tem exercido nas lutas do proletariado paulista contra
a ambição sempre crescente dos nossos exploradores” 504 (grifo meu).

Em junho, realizaram uma assembleia da classe, tratando de forma insistente sobre a


reorganização dos trabalhadores desse ramo. Além disso, foi feita uma reunião de militantes
que contou com um número considerável de participantes de vários estabelecimentos, inclusive
aqueles que trabalhavam no Pantaleão Nicollette. Esses trabalhadores, em específico, definiram
uma comissão para exigir que o industrial não reduzisse a mão de obra em 500 réis por par e
reivindicaram o preço anterior. Caso isso não acontecesse, estabeleceram a realização de uma
greve. A mesma atitude foi tomada por 10 trabalhadores da Gresini. A comissão da União
parabenizou os companheiros 505. Em julho, através de um comunicado da Comissão Executiva,
manifestaram o interesse em criar uma comissão que fosse responsável por estudar a elaboração
de um plano de reivindicações morais e materiais para os trabalhadores em artefatos de couro.
Mas, além disso, disseram ao final não ser um momento propício para “afastar-se da obrigação
que compete a todos os sapateiros de São Paulo” e que “a colaboração de todos é necessaria

501
Comissão Executiva. “Movimento Operario. Comunicados e reuniões. Liga Operaria da Construção Civil”. A
Plebe, nº64, 09/06/1934. São Paulo, p. 3.
502
“Movimento Operario. Comunicado e reuniões. Liga Operaria da Construção Civil”. A Plebe, nº65,
23/06/1934. São Paulo, p. 3.
503
“Movimento Operario. Liga Operaria da Construção Civil”. A Plebe, nº71, 15/09/1934. São Paulo, p. 2.
504
Comissão. “Movimento Operario. União dos Artefices em Calçados e Classes Anexas”. A Plebe, nº60,
14/04/1934. São Paulo, p. 3.
505
Comissão. “Movimento Operario. Comunicados e Reuniões. União dos Artefices em Calçados e Classes
Anexas”. A Plebe, nº65, 23/06/1934. São Paulo, p. 3.
135
[sic]”, pois ninguém além deles saberiam quais eram suas necessidades. Era preciso se unir para
alcançar o que desejavam: a emancipação por meio de suas próprias ações 506.
No dia 05 de agosto, essa associação comemorou 17 anos de surgimento. A comissão
afirmou que durante esses anos, conquistou várias melhorias e condições de trabalho para os
seus associados e para a classe em geral. Ademais, relembrou a greve efetuada por eles em maio
de 32, quando 10.000 operários das fábricas de calçados se reuniram no Teatro Olímpia,
declararam greve e conquistaram diversas melhorias imediatas, obrigando o patronato a ceder
todas as reivindicações que tinham sido motivo de luta. Por fim, declararam que suas ações
eram baseadas no sindicalismo revolucionário, “á margem de toda e qualquer política partidaria
[sic]” 507.
Nas primeiras duas semanas desse mês, foi registrado que a União estava resolvendo
vários casos sobre a classe. O mais interessante e escolhido pela própria comissão foi o da “casa
Saci”, finalizado com “satisfação completa” por parte dos operários, apesar de não citar
exatamente quais foram os ganhos e o que aconteceu. A União deu continuidade a realização
das assembleias gerais e pedia o comparecimento de todos 508.
Em setembro a situação mudou: de acordo com o jornal, cada vez mais pessoas estavam
demonstrando interesse nessa União e na causa da emancipação. Os trabalhadores já estavam
desiludidos com as mentiras do MTIC, o qual apenas traía os interesses dos oprimidos em
favorecimento dos opressores. Então, eles passaram a se reorganizar em seus sindicatos livres,
lutando sem a intervenção dos “mentirosos” e por seus direitos. Permaneceram com as suas
reuniões semanais509.
Além dessas duas organizações, em maio um canteiro se manifestou na seção
“Movimento Operario [sic]” para falar a respeito da situação difícil desses trabalhadores e o
descaso desses frente a respectiva associação de classe:

“Companheiros: a situação da nossa classe está se tornando cada vez mais precaria [sic] em consequência do
descaso que vindes mantendo pela vossa associação de classe. Há miséria entre nós porque ha [sic] exploração
do nosso trabalho por parte das empresas e patrões que nos exploram”.

506
Ibidem.
507
Comissão Executiva. “O aniversario da União dos Artifices em Calçados e Classes Anexas”. A Plebe, nº68,
04/08/1934. São Paulo, p. 3.
508
“Movimento Operario. Comunicados e reuniões. União dos Artifices em Calçados e Classes Anexas”. A
Plebe, nº69, 18/08/1934. São Paulo, p. 3.
509
“Movimento Operario. União dos Artifices em Calçados e Classes Anexas”. A Plebe, nº71, 15/09/1934. São
Paulo, p. 3.
136
Posteriormente, citou um caso específico em que os trabalhadores canteiros da Catedral
da Sé sofreram cortes nos salários, totalizando cerca de 30% a menos do que recebiam, algo
que correspondia a apenas 250 a 100 réis por dia. Na opinião desse trabalhador era vergonhosa
a situação para a classe dos canteiros ao permitirem a continuidade dessa exploração, por isso
terminou reclamando a necessidade já atrasada da luta por suas reivindicações, mostrando quem
eles realmente eram para os empregadores:

“Avante! O vosso lugar é na vossa União, porque, unidos, seremos fortes! 510

Os canteiros só voltariam a ser citados de novo em novembro, anunciando uma


assembleia na sua sede social: Rua Florêncio de Abreu, nº41, mas não há informações se tal
511
sindicato filiado ou não à FOSP . Outros trabalhadores que continuavam alheios à sua
respectiva organização e aos assuntos de sua classe eram os funcionários postais. Em um
comunicado escrito por “um funcionario [sic]”, ele perguntou aos seus companheiros sobre até
quando continuariam indiferentes e afirmou que a classe dos postais era a única que se mantinha
alheia ao “rejuvenescimento das massas que trabalham”. Para ele, essa classe deveria fazer algo
para mudar a situação em que se encontravam 512.
Em suma percebemos que o ano de 1934 foi marcado por uma grande mobilização dos
trabalhadores. Já com relação aos sindicatos aderentes à FOSP, em 1935 é perceptível uma
tentativa de manter a organização e suas atividades, porém há uma diminuição nos registros
sobre eles. Ao contrário de 1932, quando foram citadas várias associações ligadas à Federação,
neste ano apenas 4 foram registradas: Liga Operaria da C. Civil513; Sindicato dos
514
Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de São Paulo ; União dos Artifices em
Calçados e Classes Anexas515; União dos Operarios Metalurgicos516, justamente as que mais
se posicionaram ao longo desses anos. Segundo Angela Araújo, os chapeleiros, sapateiros e
metalúrgicos foram os ramos que permaneceram sob influência do “anarco-sindicalismo”

510
Um canteiro.“Movimento Operario. Comunicados e reuniões. Descontentamento entre os operarios canteiros
das obras da catedral”. A Plebe, nº62, 12/05/1934. São Paulo, p. 3.
511
Comissão. “Movimento Operario. União dos Canteiros de São Paulo”. A Plebe, nº76, 24/11/1934. São Paulo,
p. 1.
512
Um funcionário. “Movimento Operario. Comunicados e reuniões. Aos funcionarios postais”. A Plebe, nº69,
18/08/1934. São Paulo, p. 3.
513
“Movimento Operario. Liga Operaria da C. Civil”. A Plebe, nº79, 05/01/1935. São Paulo, p. 3.
514
“Movimento Operario. Comunicados e reuniões”. A Plebe, nº82, 16/02/1935. São Paulo, p. 2.
515
Ibidem.
516
“Movimento Operario. União dos Operarios Metalurgicos”. A Plebe, nº83, 02/03/1935. São Paulo, p. 3.
137
(provavelmente uma referência aos anarquistas adeptos aos sindicatos) até o final de 1935 e
atuaram bem mais se comparados aos seus similares oficializados 517.
A Liga Operaria da Construção Civil continuou realizando assembleias gerais para
tratar de assuntos importantes para a classe. Na primeira nota de seu Comitê Executivo do ano,
a Liga afirmou a necessidade da organização visando um estudo melhor da situação em que se
encontravam, tendo em vista que os empregadores estavam se organizando em seus sindicatos
para entender os problemas que diziam respeito a eles. Além disso, o Comitê declarou que os
trabalhadores dessa associação continuariam insistindo para conseguir exigir o direito das 8
horas: um direito que “até o proprio [sic] governo” entendia ser de “grande necessidade”, mas
os empregadores só iriam cumprir quando os trabalhadores “efetivarem essa conquista fazendo
valer direitos". De certa forma, a primeira oposição parece ser os empregadores e depois o
governo, pois esse último, de acordo com a alegação do Comitê, pelo menos entendia que às 8
horas era um direito que deveria ser garantido.
Em março, a Liga marcou reuniões e lamentou a ausência dos militantes, os quais antes
compareciam de forma mais assídua. Caso isso continuasse, avisou que cederia “á ganacia [sic]
cada vez maior dos que nos exploram o trabalhador”. “O desanimo [sic], a indiferença, a apatia”
eram elementos de desagregação e era preciso que os militantes compreendessem seu papel
como “orientadores da organização” 518
. Em meio a um período de desmobilização das
associações aderentes à FOSP e continuidade da burla dos patrões, o Comitê da Liga Operária
da Construção Civil afirmou ser necessário que os trabalhadores dessa classe recorressem ao
seu sindicato e os já organizados comparecessem nas assembleias, principalmente os
“camaradas militantes”, pois o sindicato dependia da presença deles. Somente a união traria
resultados, pois sozinhos, continuariam trabalhando por muitas horas e por salários baixos. Era
preciso pôr fim a essas injustiças519. No antepenúltimo e no penúltimo número (89 e 90), apenas
essa Liga registrou e anunciou a realização de uma reunião de militantes para tratar de assuntos
520
relacionados à classe . Também foi registrado uma reunião da U.O.C.C (União Operária da
Construção Civil) entre camaradas e militantes “que se interessam pelo desenvolvimento

517
ARAÚJO, Angela M. C. Construindo o Consentimento: Corporativismo e Trabalhadores no Brasil dos anos
30, Campinas, Tese de Doutorado, IFCH/Unicamp, 1994, p. 242.
518
Comissão. “Movimento Operario. Comunicado e Reuniões. Liga Operaria da Construção Civil”. A Plebe,
nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 3.
519
“Movimento Operario. Liga Operaria da C. Civil”. A Plebe, nº79, 05/01/1935. São Paulo, p. 3.
520
Comissão. “Liga Operaria da Construção Civil. Reunião de militantes”. A Plebe, nº89, 25/05/1935. São
Paulo, p. 3. E A Plebe, nº90, 08/06/1935. São Paulo, p. 3.
138
progressivo da União O. da C. Civil”. A comissão pediu para que ninguém faltasse, pois era
importante o assunto a ser tratado 521.
Neste ano, o Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de S. Paulo
afirmou estar empenhado na defesa de seus associados, mas constantemente precisava pedir o
comparecimento de todos nas assembleias, definindo a presença como um dever 522. Esse pedido
pode ser visto como um indicativo da desmobilização ou falta de empenho por parte dos
trabalhadores filiados. Em uma situação bastante diferente estava, nesse momento, a União dos
Artífices em Calçados e Classes Anexas que registrou ter realizado até então assembleias
bastantes “animadas”, além de fazer com que muitos operários dessa indústria voltassem atuar
em tal sindicato por ser realmente representativo, diferentemente daquele atrelado ao Ministério
do Trabalho 523.

6. A resistência anarquista nos primeiros anos da década de


30
“Desta negação do democratismo, enganoso e hipócrita, e a última forma de
cristalização da autoridade, deriva todo o método sindicalista de ação direta, assim,
ela aparece como nada mais do que a realização do princípio da liberdade, como
realização nas massas: sem fórmula em resumo, vagas e nebulosas, mas em conceitos
claros e práticos, a militância gerada é exigida pelo tempo da necessidade; é a
destruição do espírito de submissão e resignação, que avilta os indivíduos, tornando-
os escravos voluntários - e isto não é o florescimento do espírito de revolta -, elemento
de fertilização da sociedade humana”.

L’action directe (Émile Pouget)

Entendemos neste trabalho que o movimento político se faz e refaz na medida em que
se posiciona diante de conflitos discursivos e esses são processos que formam a própria classe
operária. A lei de sindicalização, ao colocar em cheque o meio pelo qual os trabalhadores
anarquistas entendiam que alcançariam a revolução social e a emancipação da classe
trabalhadora, gerou uma reação tanto discursiva quanto prática pautada na concepção da ação
direta e na recusa de intermediários na relação entre capital e trabalho. A oposição por parte

521
Comissão. “Movimento Operario. União Operaria da Construção Civil”. A Plebe, nº91, 22/06/1935. São
Paulo, p. 3.
522
“Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de S. Paulo”. A Plebe,
nº79, 05/01/1935. São Paulo, p. 3.
523
“Movimento Operario. União dos Artífices em Calçados e Classes Anexas”. A Plebe, nº85, 30/03/1935. São
Paulo, p. 3.
139
dos anarquistas editores do jornal A Plebe ocorreu assim que o periódico voltou a circular, no
final de 1932, enquanto que a Federação Operária de São Paulo já havia se declarado contrária
à lei em 1931, no contexto de sua reorganização, quando afirmou continuar adepta à ação direta,
atuando à margem da política institucional.
Contudo, mais do que se opor, a Federação iniciou nesse mesmo ano uma campanha contra
a lei nos sindicatos a fim de que os trabalhadores não colaborassem com o Estado. Raquel de
Azevedo considera que além de lançar suas resoluções, a Federação estava reafirmando os
princípios libertários e propondo estratégias de resistência, em que defendiam a total aversão a
qualquer intervenção do Estado nas associações operárias ou nos conflitos trabalhistas. Esses
conflitos deveriam ser solucionados pelas “normas do sindicalismo revolucionário” (grifo da
autora) e a partir dos próprios interesses proletários. Essa resistência à sindicalização foi motivo
de orgulho em São Paulo, chegando ao nível de contestarem diretamente o ministro do
trabalho524. Para entender essa resistência é preciso recorrer primeiramente à compreensão
sobre o princípio da ação direta.

6.1 O princípio da ação direta: a única forma para a emancipação

A ação direta surgiu no meio operário internacional (mais especificamente francês), no


final do século XIX (entre 1890 a 1910), entendida como a única forma viável para a
emancipação do trabalhador. Emergiu em um contexto de maior envolvimento da classe
operária com a política esquerdista e a radicalização na mobilização do movimento operário
influenciado pelos anarquistas ligados ao sindicalismo revolucionário, a partir das críticas ao
Parlamento, ao socialismo, ao sufrágio universal e às formas de organização (cooperativismo e
o mutualismo). De acordo com Danillo Marcelino, o papel de Bakunin (teórico político
anarquista) e da A.I.T (Associação Internacional dos Trabalhadores) foi importante para o
amadurecimento reflexivo e também das práticas de ação direta pelo movimento operário, a
partir do sindicalismo revolucionário 525.

524
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 300-304.
525
Segundo Marcelino, os movimentos radicais de contestação da França que ocorreram em 1789, 1848, 1871
podem ajudar na interpretação para entender o surgimento da ação direta. Inclusive, a Comuna de Paris deixou
uma importante marca para a história das mobilizações populares, além de ser bastante importante para a história
do anarquismo e da formação do sindicalismo revolucionário de ação direta. MARCELINO, Danillo Rosa. Ação
direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São Paulo (1906-1919). Dissertação (Mestrado
140
Em suma, a ação direta se resume em:

“(...) do ponto de vista teórico, uma crítica interna aos socialismos que acatam a tática da representação
como estratégia política e uma crítica externa ao Estado, aos poderes instituídos. Representa uma recusa
às regras formais de uma democracia liberal, constituindo-se no agir autônomo dos indivíduos e grupos,
tendo em vista que passou a ser denominada ação direta a partir do final do século XIX, no contexto de
lutas movidas pelos anarquistas e sindicalistas revolucionários franceses (GUIMARÃES, 2009, p. 49
APUD MARCELINO, 2018, p. 63)” 526. (grifo meu)

As formulações sobre essa maneira de atuar estavam, então, ligadas à luta de classes e
à expansão da Revolução Industrial e do capitalismo. Esse contexto fez com que o
enfrentamento pela defesa dos interesses entre a burguesia e a classe operária se agravasse,
principalmente na questão política (bastante ligada à econômica) da segunda metade do século
XIX e começo do XX, quando eram poucas ou quase nada as possibilidades dos trabalhadores
organizados em ascenderem em redes associativas 527:

“A batalha diária contra o patrão tinha que ser estabelecida no campo econômico, dentro e fora da fábrica,
assim como no campo político, visto que, para os anarquistas e sindicalistas revolucionários, a existência
e a permanência do Estado era uma das causas principais para a existência das desigualdades atuantes na
sociedade, ou seja, era a presença das instituições do Estado que permitiam o enriquecimento econômico
do empregador e legava às famílias da classe operária à carestia da vida.” (MARCELINO, 2018, p.57)

Dentro da proposta anarquista, defensora da instauração de uma sociedade


descentralizada e sem a participação do Estado (dois pontos fundamentais para uma sociedade
livre e igualitária), esse princípio foi essencial para buscar concretizá-la, como também a
relação entre teoria e prática para a formação do pensamento anárquico 528. Sobre a ligação desse
princípio com o anarquismo, Adonile Guimarães explica que:

“(...) a ação direta plenamente moderna surge, como uma luta genérica, ora como resistência, ora
revolucionária, tanto contra o Estado quanto contra o capitalismo e, nesse sentido, os operários
foram, muitas vezes, os principais sujeitos destas ações de resistência, revolta e revolução que
atualmente chama-se ação direta. Essa segunda ancoragem (...) fornece um aditivo fundamental que é
a crítica e a recusa à tática de representação burguesa, de rejeição ao parlamentarismo e que, num certo

em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018, pp. 40-61. Nas páginas de A Plebe é possível constatar
a importância e o exemplo que a Comuna representava aos anarquistas.
526
As ações autônomas antes do final do final do século XIX, isto é, quando ocorreu uma reorganização das
organizações operárias para fins revolucionários, devem ser reconhecidas como autônomas, mas ligadas ao
contexto propiciador de tais ações e não vinculadas à definição de ação direta, pois esta surgiu ligada a
características de orientação revolucionária baseada na autonomia do operariado. Sobre o surgimento do termo
em si, “ação direta”, Marcelino diz que é mais seguro afirmar que ele apareceu escrito entre 1890 e 1907, na
forma de orientação prática para organizar os trabalhadores em torno das associações de resistência. In:
MARCELINO, Danillo Rosa. Ação direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São Paulo
(1906-1919). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018, p. 66.
527
MARCELINO, Danillo Rosa. Ação direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São
Paulo (1906-1919). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018, p. 56.
528
Ibidem, p. 14 e 31.
141
momento, marcou a bifurcação no interior do movimento socialista revolucionário, entre marxismo e
anarquismo, a recusa à tática partidária e eleitoral. A partir daí, as ideias e práticas de ação direta estiveram
intimamente ligadas aos anarquismos (GUIMARÃES, 2013, p. 46)”. (grifo meu)

Entender o contexto europeu, onde as reflexões sobre a ação autônoma do operariado


começaram a surgir e se espalhar, é importante para entender que o anarquismo - e a opção pelo
princípio da ação direta- foi um movimento internacionalista que chegou ao Brasil,
estabelecendo-se no país por fatores políticos e econômicos e pela influência dos impressos e
da propaganda feita pelos militantes europeus que imigraram para essa região do globo. Além
disso, a ação direta também se espalhou pelo mundo por meio do sindicalismo revolucionário
529
.
No Brasil, esse princípio começou a ser empregado a partir de 1906 pelos socialistas
libertários ligados aos sindicalistas revolucionários530. Em 1903 (três anos antes do 1º
Congresso Operário Brasileiro (COB)) já era praticada no país por ser um instrumento político
vantajoso para o movimento operário dos centros industrializados do centro-sul, em vista da
exclusão política que marcou a sociedade da Primeira República. Mas foi somente após tal
Congresso que a ação direta foi estabelecida como forma de direcionar a luta do movimento
531
operário contra o Estado, o capitalismo e a Igreja .
Um ponto em comum nos escritos sobre esse princípio é a concordância de que essa
532
ação valorizava as atitudes das pessoas oprimidas . Assim, de acordo com Marcelino, a
prática da ação direta representou a radicalização do movimento operário frente ao
parlamentarismo e ao capitalismo 533:

“O parlamentarismo era entendido somente como uma forma de manter as divisões de classes e, por isso,
era desacreditado, trazendo a noção de que cada vez mais havia a necessidade da ação política do próprio
operário para a mudança de sua degradante situação. O caminho de ações conflituosas que se abriu veio
a ceder espaço para que novas formulações de pensamento tangenciassem a luta do trabalhador no âmbito
de sua autonomia. Com isso, a organização sindical passa a ser pensada a partir de um novo olhar que
não meramente econômico, mas também como forma de organização de preparar o trabalhador para a
sociedade futura, e, para alguns, o sindicato também já seria uma das formas de organização dentro dessa

529
Ibidem, p. 40
530
Sobre o contexto de seu surgimento, ver “O ambiente para o surgimento”, em MARCELINO, Danillo Rosa.
Ação direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São Paulo (1906-1919). Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018. Émile Pouget é reconhecido como o
responsável pela “fundação” desse princípio por parte da bibliografia que trata sobre o anarquismo, sindicalismo
revolucionário e movimento operário, como TOLEDO (2004) e ALVES (2002).
531
Ibidem, pp. 40-43.
532
Sobre isso, Marcelino alerta para que nem toda forma de resistência desenvolvida pelos grupos oprimidos
para solucionar seus problemas ou para defender seus interesses por eles próprios por meio da ação direta
tiveram o sentido anárquico do termo. Ibidem, p. 56.
533
Ibidem, pp. 40-43.
142
sociedade futura. A ação direta justamente surge naquele momento envolvida de uma perspectiva
teórica e prática que dialogou com o contexto do momento.” (MARCELINO, 2018, p. 47) (grifo meu)

As formas de ação direta englobavam a greve, o boicote e a sabotagem. Esses atos eram
praticados com base na compreensão de que as mudanças geradoras de melhorias nas condições
de vida e trabalho só aconteceriam com a pressão por parte dos trabalhadores. Sendo assim,
ainda na Primeira República a greve se tornou um instrumento utilizado de modo a recusar os
métodos de arbitragem dos conflitos entre o proletariado e a burguesia, promovidos pelos
reformistas e por aqueles oriundos da política dominante. O princípio da ação direta foi
utilizado e associado principalmente aos anarquistas, mas também foi praticado por outros
setores do movimento operário. O objetivo final era a preparação da greve geral 534.
Durante a década de 30, a situação era outra e passou a existir uma preocupação por
parte do Estado em incorporar os trabalhadores, como já foi discutido em outras partes dessa
pesquisa. O desafio dos anarquistas em meio às várias tentativas de controle do movimento
operário (não só pelo Estado, mas também pela Igreja, pelo movimento integralista, pelos
comunistas etc.) era garantir a existência e continuidade dessa ideologia e para isso teria que
provar a viabilidade prática das suas aspirações revolucionárias. Dessa forma deveriam
implantar na realidade o que pregavam, para além do discurso 535. A seguir será analisado como
os anarquistas fizeram uso desse princípio de modo a resistir a essas investidas sobre o
movimento operário.

6.2 Resistir por meio do incentivo discursivo e prático da ação direta


Como já foi discutido, em suma, tanto o jornal quanto a FOSP entendiam que a nova
lei fora feita em benefício da burguesia para que esta, junto ao Estado, exercesse um maior
controle sobre os trabalhadores, corroborando para a desmobilização da luta em prol a
emancipação da classe trabalhadora. Assim, a primeira forma evidente de resistir foi a
indicação, por parte dos dois órgãos de caráter libertário, aos trabalhadores para que recusassem

534
OLIVEIRA, Tiago Bernadon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009. É importante salientar que
apesar da ação direta de modo feral remeter à greve, boicote, sabotagem, ocupação, piquetes e outras formas
autônomas dos trabalhadores, Woodcock explica que o significado prático de ação direta varia de geração para
geração e entre as formas de anarquismo. WOODCOCK, George. Os grandes escritos anarquistas. Tradução:
Júlia Tettamanzi e Betina Becker. Rio Grande do Sul: L&PM Editores, 1981, p. 27. APUD MARCELINO,
Danillo Rosa. Ação direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São Paulo (1906-1919).
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018, p.61.
535
Ibidem, p. 157.
143
o novo sindicalismo proposto e que continuassem a agir de acordo com os princípios anarquistas
e sindicalistas revolucionários, sendo guiados pela Federação Operária de São Paulo. Ao
mesmo tempo, ambos esforçavam-se em ressaltar os perigos da vinculação ao Estado, como: a
submissão dos interesses proletários aos da burguesia, por ser uma luta desigual e por ser
impossível a harmonia/conciliação entre essas classes; a impossibilidade de reivindicação de
uma vida melhor, pois essa negociação estaria nas mãos do Estado (inimigo e uma instituição
que favorecia a classe patronal); a possibilidade de se tornarem um instrumento político; um
impasse para a eclosão da revolução social e o fim da sociedade capitalista etc. Sobre a posição
de resistência ao projeto corporativista desempenhada por esse grupo de militantes e
trabalhadores, Azevedo argumenta:

“A afirmação da autonomia sindical na primeira metade dos anos 30 representa, porém, um entrave para
o projeto de cooptação dos trabalhadores no início do período Vargas. Os militantes anarquistas
desempenharam papel fundamental nessa resistência, denunciando os perigos a que o enquadramento
sindical conduziria. O atrelamento das organizações operárias brasileiras teve vida longa, enquanto que a
experiência libertária retirou-se do ambiente sindical, ressurgindo em ameaças de explosões, não mais de
‘bombas de dinamite’, mas em atitude rebeldes e contestadoras dos micro-poderes, como ocorreu nas
agitações que percorreram o mundo em maio de 1968”. (AZEVEDO, 2002, p. 363)

A FOSP desde o início afirmou sua posição em defesa da ação direta, rejeitando
intermediários, algo que continuaria fazendo ao longo dos anos536. Dessa forma, a Federação
explicou já em 1931 que permaneceria agindo “á [sic] margem da política” e por isso incitava
aos trabalhadores a resistirem ao que ela considerava ser “ataques da burguezia [sic]” e
repudiarem “o anzol que esta pretendia atirar-lhes por intermédio do Ministerio [sic] do
Trabalho” 537
, descrito como um “sistema de tapeação que só tem trazido ao seio dos
trabalhadores confusionismos e fracassos nas suas lutas contra o patronato” 538.
Os sindicatos aderentes à Federação também se opuseram e incentivaram práticas de
ação direta. A União dos Canteiros de São Paulo, por exemplo, pediu aos seus membros para
não estarem de acordo com “a obra mistificadora dos elementos políticos”, a qual tinha o intuito
539
de dividir os trabalhadores . Da mesma forma a Liga Operaria da Construção Civil, ao se
referir sobre a não resolução definitiva dos conflitos com a “Casa Nardelli, em 1932,

536
“Movimento Operario - A lei de sindicalisação”. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo, p. 4.
537
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São
Paulo, p. 4.
538
“‘A Plebe’ em Uruguaiana (R.G. do Sul)”. A Plebe, nº65, 23/06/1934. São Paulo, p.3: quando diziam sobre
um sindicato dessa região que estava tendendo à sindicalização.
539
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial. União dos Canteiros de São Paulo. A
Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 4.
144
parabenizava os operários da associação pela luta que estavam fazendo mostrando a
importância da solidariedade, da união e da,, ação direta 540. Como será ressaltado mais a frente,
o Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos sempre atuou realizando greves e rejeitando
intermediários. O Sindicato dos trabalhadores em Fabricas de Chapeos afirmou ser sindicalista
revolucionário e por isso não deveria estar ligado a iniciativas políticas e nem religiosas, sua
luta era no sindicato contra o patronato541. A Liga Operaria da Construção Civil se declarou
adepta ao sindicalismo revolucionário ao afirmar que desde a sua fundação seguia “normas
revolucionarias [sic]”. Já a “União dos Arteficies [sic] em Calçados e Classes Anexas” declarou
estar baseada no sindicalismo revolucionário, “á [sic] margem de toda e qualquer política
partidária” 542
, assim como o “Sindicato dos Operarios [sic] em Frigorífico e Anexos” e o
“Sindicato dos Trabalhadores em Fabrica de Bebidas [sic]” 543
.
Já o jornal, por entender que as leis eram feitas apenas em benefício dos exploradores e
contra os interesses dos explorados, e ainda que surgissem para supostamente defender os
trabalhadores nunca seriam de fato cumpridas, pediu constantemente para que os operários:
“(...) não permitissem que nos ponham o cabresto fascista-clerical do Ministerio do Trabalho!” 544

Além disso, concluiu que somente os trabalhadores poderiam conquistar melhorias e


defender seus direitos, pois eram eles quem exerciam uma luta aberta e direta com o patronato,
sem ministros e nem leis. A única arma possível e eficaz era a greve 545 (essas já ocorriam desde
1932 e estavam relacionadas às sucessivas burlas por parte dos empregadores). Ou seja, assim
como também constata Raquel de Azevedo, para os libertários seria somente por meio da
pressão direta sobre os “patrões”, isto é, pela greve ou pela negociação direta dos mesmos que
algo poderia ser alcançado. Essa compreensão acarretava nas críticas às leis em geral, por
considerarem que elas apenas retiravam a energia dos trabalhadores e não traziam nenhum
benefício:

“A crítica anarquista pautava-se, portanto, pelo princípio geral da inutilidade da lei devido ao fato de sua
origem encontrar-se sob vínculo entre o Estado e o Capital. Desta ideia geral decorriam: a frustração dos
trabalhadores na melhoria de sua condição de vida; o engodo político que desviava as energias operárias
para as vias parlamentares; o abandono dos sindicatos autônomos e da ação direta”. (AZEVEDO, 2002,
p. 196).

540
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial. Liga Operaria da Construção Civil. A
Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 4.
541
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial. Sindicato dos Trabalhadores em
Fabricas de Chapéos”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 4.
542
Comissão Executiva. “Movimento Operario. União dos A. em Calçados e Classes Anexas”. A Plebe, nº63,
26/05/1934. São Paulo, p. 3.
543
“Movimento Operario”. A Plebe, nº1, 19/11/1932, p.3.
544
“Movimento Operario. A mentira das Leis sociais”. A Plebe, nº52, 30/12/1933. São Paulo, p. 3.
545
Ibidem
145
Portanto, os direitos dos trabalhadores deveriam ser conquistados por meio de suas
próprias forças, sem a intervenção dos partidos políticos ou do Estado. Essa argumentação
também foi reforçada em vista da ineficácia das leis e das frequentes burlas ocorridas nessa
década, mas que também ocorreram anteriormente. Os anarquistas compreendiam, então, que
546
a forma de organização libertária era mais eficaz e ainda permitia a autonomia operária .
A relação de continuidade entre a chamada “República Velha” e a “República Nova”
foi estabelecida por conta da ineficiência em garantir os benefícios que haviam sido prometidos
com o movimento revolucionário de 30, situação que corroborava para a rejeição da instauração
de leis sociais:

“Os benefícios prometidos pelo “Ministério da Revolução”, como o ministro Lindolfo Collor denominava
a pasta do trabalho, revelavam-se insatisfatórios, em continuidade com os procedimentos rotineiros desde
a ‘República Velha’, reforçando a postura libertária de rejeição à formalização legal dos direitos sociais”
(AZEVEDO, 2002, p.285).

Para os libertários, a “Revolução de 30” continuou manipulando tudo aquilo que os


trabalhadores prezavam. O novo governo se preocupava apenas com seus interesses eleitorais
e por isso tratava a “questão social com migalhas” (grifo da autora). Além disso, da mesma
forma que o governo anterior, reuniu as exigências operárias em “trâmites burocráticos” (grifo
meu) quando foram cobradas pelos trabalhadores. Por essa razão, o Estado continuaria ao longo
desses anos sendo associado à burguesia, a partir da perspectiva de que se uniram contra o
operariado e em prol interesses comuns. A diferença estava nas estratégias de dominação: a
“República Nova” substituiu a mera violência policial por meios que procuravam iludir o
trabalhador por intermédio das promessas do Ministério do Trabalho, mas, como veremos,
também não dispensou a ação policial violenta e a prisão daqueles que estavam descontentes
547
.
Além da compreensão de inutilidade, o argumento defendido no periódico era de que as
leis sociais foram criadas com a finalidade de explorar ainda mais os trabalhadores e não de

546
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 296 e 297.
547
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 287.
146
beneficiá-los548. A divergência também foi direcionada aos sindicatos oficiais, fruto das novas
leis:

“(...) Aí estão varios [sic] sindicatos oficiais, sem vida e sem movimento, que não representam nada no
valor das conquistas proletarias [sic], quási [sic] jogados contra os outros trabalhadores, numa luta que,
embóra [sic] não consiga aniquilar o espirito [sic] livre das massas, concorre para o seu embrutecimento e
escravização” 549.

Portanto, a indicação feita aos trabalhadores era a de que se organizassem na Federação


Operária, pois nela não existiam “pastores de rebanhos”, mas sim companheiros que sofriam e
passavam pelas mesmas situações e desejavam “o advento de um regime de equidade e de
justiça” 550.
O auge da insistência na ação direta de modo a se contrapor ao sindicato corporativista
ocorreu em 1934. Já no início deste ano, na primeira publicação, “Ganga Zamby” escreveu
sobre a necessidade de o proletariado repelir “demonstrações de fingido carinho da parte de
todos os organismos burguêses [sic]”, assim como se atentar para o principal objetivo do clero:
penetrar nas massas operárias para conquistar o apoio entre os trabalhadores. Ambos eram
“forças fascistas” (grifo do autor) com o desejo de domesticar o proletariado, da mesma forma
que os políticos551. De acordo com o jornal, o operariado paulista não aderiu às tentativas de
controle, as quais nesse momento, inclusive, estavam cada vez mais adquirindo um caráter
fascista com a criação da nova lei de férias. A recusa por parte dos trabalhadores só foi possível
pela orientação por meio dos princípios apolíticos da FOSP, pois entendiam que os direitos só
seriam de fato conquistados e assegurados quando literalmente fossem arrancados por meio da
ação direta, caso contrário a burguesia não cederia nada 552. A indicação do periódico aos
trabalhadores foi que entendessem as consequências da “nova arma do capitalismo”, pois só
dessa forma estariam preparados para se opor aos “golpes com que o Ministerio [sic] do
Trabalho pretende ferir os interesses do proletariado”:

“A burguesia nunca céde um milímetro das suas posições, a não ser quando lhe seja arrancado pela ação
diréta dos trabalhadores contra a sua insaciável voracidade. (...) interêsses de choque, de lutas, e
dissabores só terão fim com a conquista pelos trabalhadores não do poder, mas das fabricas, das oficinas

548
“(...) as leis sociais vieram, antes, garantir melhor o sistêma [sic] de exploração proletária”. Em: Lino.
“Movimento Operario”. A Plebe, nº41, 23/09/1933. São Paulo, p.3.
549
Lino. “Movimento Operario”. A Plebe, nº41, 23/09/1933. São Paulo, p.3.
550
Ibidem
551
ZAMBY, Ganga.“A voz das fábricas”. A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p. 1.
552
"A famosa questão das ferias". A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 1.
147
e dos campos, que devem servir á coletividade produtora e não á ociosidade (?) da burguesia em
detrimento dos que produzem toda riqueza social [sic]” 553 (grifo meu).

Seguindo a mesma lógica, o Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e


Similares de São Paulo reiterou sua recusa e indicou aos trabalhadores associados que fizessem
o mesmo, assim como a Liga Operaria da Construção Civil que alegou não ver avanços nas
novas leis e julgava ser uma “arma fascista” contra as organizações operárias 554. Também foi
registrado um manifesto da União dos Artefices em Calçados e Classes Anexas contra as três
leis sociais em destaque (lei de sindicalização, lei de férias e lei sobre a instauração da carteira
de trabalho). A comissão executiva argumentava que o direito de férias só havia sido
conquistado porque os trabalhadores agiram de maneira direta com o patronato; a carteira
profissional foi rejeitada porque era uma “mercadoria imprestável” que só servia para tirar dos
trabalhadores dinheiro; a lei de sindicalização foi repudiada pelos trabalhadores de São Paulo
por ser uma armadilha cujo objetivo era impedir a livre reunião e a discussão sobre os problemas
que os afetavam com base em seus conhecimentos. Além disso, a sindicalização “forçada”
(como foi definida) acabava com todas as esperanças do povo paulista a respeito de 1930. Como
resposta à solidariedade ao movimento, receberam mordaça, censura, “patas de cavalos” e a
perseguição sistemática das organizações. Deixavam claro que o decreto de férias era mais uma
manobra para que os trabalhadores abandonassem seus verdadeiros sindicatos e ingressarem no
Departamento do Trabalho, onde seriam controlados como “ovelhas mansas”. Essa União
alegou estar mais uma vez em posição de resistência, como já havia feito por longos anos ao
estado de sítio: resistiriam à sindicalização “fascista-clerical do Ministerio [sic] do Trabalho”
555
. Ou seja, os próprios trabalhadores consideravam ser uma ação de resistência àquilo que
estava sendo instaurado pelo governo.
Quando a lei de sindicalização foi atrelada à lei de férias, a União dos Artefices em
Calçados e Classes Anexas considerou tal ação como uma medida fascista e anunciou a
realização de uma das mais importantes reuniões da corporação para tratar dessa questão
(sindicalização) colocada em foco novamente pelo Ministério do Trabalho. A associação
reafirmou seu compromisso com a ação direta:

553
“A famosa questão das férias”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 1.
554
Comissão. “Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de São
Paulo”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 3. E Comissão Executiva. “Movimento Operario. Liga Operaria
da Construção Civil”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 3.
555
Comissão Executiva. “Movimento Operario. União dos Artefices em Calçados e Classes Anexas”. A Plebe,
nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 3.
148
“(...)Manteem-se, entretanto, os trabalhadores do couro fieis [sic] aos seus metódos [sic] de ação diréta [sic],
dispostos a não tolerar a intromissão de politicos [sic] nos seus assuntos de classe” 556

A União concluiu que a lei de férias perdeu seu caráter benéfico para os trabalhadores,
passando a ser uma “arma mortífera nas mãos do governo”, isto é, do capitalismo. Mas como
tratava-se de um direito conquistado pelo proletariado brasileiro, os trabalhadores não deveriam
abdicar-lo e nem se submeter ao Ministério do Trabalho. Mais uma vez, as férias e todas as
outras conquistas deveriam ser mantidas pela ação direta. Os trabalhadores deveriam iniciar
desde já uma ação individual visando cobrar as férias diretamente e sem interferência do
Departamento do Trabalho 557. A questão permaneceu no próximo número e o jornal
argumentou que:

“É preciso que se convençam [sic] que a Lei de Férias é uma conquista proletária: que as férias são dadas
aos trabalhadores porque estes, em movimentos de contínuo protesto determinados pelo
descontentamento em virtude do desequilíbrio de um contraste social que os força a pensar, as
conquistaram. Essa, como todas as outras leis sociais, é dada às classes proletárias porque os
movimentos de revolta do proletariado desequilibraram as instituições burguesas e põem em perigo
os governos” 558. (grifo meu)

É interessante pensar a consciência advinda desse grupo de trabalhadores sobre nada ter
sido dado a eles, mas sim conquistado. Trata-se, então, de uma recusa à concepção da “outorga”
desenvolvida em volta da imagem de Getúlio Vargas e que posteriormente seria ainda mais
desenvolvida com o trabalhismo.
Assim, conforme a sindicalização afetou a conquista de um direito reivindicado há
muito tempo e que já havia sido instituído ainda durante a 1º República, apesar de nunca ter
sido cumprido de forma efetiva, a ação direta foi ainda mais incentivada por parte das
associações:

“Contra a fascistização dos sindicatos, a lei de sindicalização, o proletariado (?) esteve coeso e
virtualmente á fez fracassar. Para combater esta nova modalidade fascista deve recorrer a todos os meios
e não recuar diante de nenhum obstaculo que surja na frente (?) tom necessario até (?) revolucionaria”
[não foi possível entender o final do trecho] [sic] 559.

Ainda nesse ano, o jornal publicou as resoluções do 2º Congresso Anarquista que


ocorreu em Buenos Aires. As recomendações eram: a associação direta, autônoma, com

556
Comissão. “Movimento Operario. Comunicados e Reuniões. União dos Artifices em Calçados e Classes
Anexas”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 3.
557
LUMERAS.“A LEI DE FERIAS arma fascista”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 3.
558
“A famosa questão das férias”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 1.
559
LUMERAS. “A LEI DE FERIAS arma fascista”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 3.
149
finalidades libertárias; a definição de que a função das organizações operárias não era só a
resistência, mas também apresentavam grande importância revolucionária e transformadora,
compreendendo que a massa produtora (operários, camponeses e técnicos) deveria ser a base
da revolução libertária, em cujas mãos estaria o controle de toda atividade de produção e
distribuição desde o início da revolução. As organizações operárias deveriam ser capacitadas
para fazer funcionar o “mecanismo econômico [sic]”, tirando o poder da burguesia, substituindo
“o parasitismo burocrático capitalista estatal” por uma distribuição adequada do trabalho
produtivo. Para isso, a organização operária deveria modificar a sua estrutura, se adaptar às
necessidades do momento revolucionário e se integrar com instituições que também surgissem
em consequência. Por fim, deveriam agregar aos métodos de luta proletária (greve, boicote,
sabotagem) o da tomada e posse das terras, fábricas e oficinas, meios de transporte, vivendas
etc., como recurso eficaz de capacitação e gestão dos estabelecimentos de produção
(propriedade dos trabalhadores). Por mais que tenha sido escrito na Argentina, a
transnacionalidade do movimento anarquista permitia a aplicação dessas considerações e
medidas a serem tomadas. Além disso, também buscavam uma melhor organização e
560
direcionamento do movimento operário de caráter libertário . A diferença era que os
anarquistas argentinos pareciam já estar pensando em uma ação revolucionária e de confronto
com armas, e entre os anarquistas brasileiros, pelo menos no que foi publicado no jornal, isso
nunca foi citado.
O Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos Confeiteiros destacavam a vitória das
8 horas, um direito que finalmente estava sendo cumprido. A conquista só havia sido possível
por conta da solidariedade entre os padeiros, a boa vontade dos seus militantes e por conta do
lema “a união faz a força”. Em breve outras conquistas de caráter econômico seriam uma
realidade, segundo o sindicato, mas para isso era necessário incentivar a propaganda associativa
“mais do que nunca”, pois só dessa forma estariam:

“[sic] integrados no seio do sindicato padeiral todos os trabalhadores do ramo, e para que as iniciativas
de seus elementos sejam coroadas de exito [aic], e não burladas pelos chamados ‘TUBARÕES’ da
farinha’”561

Em 1935, a ação direta foi novamente incentivada pela A Plebe a fim de que o povo
conquistasse seus direitos por meio de “suas proprias [sic] mãos”, principalmente o “direito á

560
“Vida Anarquista”. A Plebe, nº53, 13/01/1934. São Paulo, p. 2.
561
“Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos Confeiteiros”. A Plebe, nº54,
27/01/1934. São Paulo, p. 3.
150
[sic] vida” em vista da precária situação em que estavam os trabalhadores e a população
brasileira como um todo562. O periódico alertava para que a população num geral não esperasse
por um “messias”, nem confiassem “em promessas fagueiras das sereias da politica [sic]” (como
havia ocorrido em 30), pois dessa forma toda luta seria em vão. Deveriam agir por meio da
“ação coordenada, ação coletiva ou ação individual, mas sempre ação diréta [sic], sempre
confiando em si mesmo” 563. Somente a revolução social acabaria com a situação miserável em
que se encontravam, mas para que ela fosse alcançada, segundo “A.F” (que pode ser uma
abreviação de “Agostinho Farina”, sapateiro italiano e anarquista564), era necessário a
organização nas e das associações de classe, por meio da ação direta contra a “classe
exploradora do patronato, excluindo toda especie [sic] de política ou políticos, mesmo que
sejam operarios [sic], por ser completamente prejudicial á emancipação dos trabalhadores” 565.
Caminhando no mesmo sentido, mais uma vez a Federação incentivou essa forma de
agir, de lutar pelas reivindicações proletárias e pela revolução social, junto à crítica da presença
de intermediários. Na primeira publicação do ano, na seção do “Movimento Operario [sic]”, a
Federação Operária emitiu uma nota oficial, publicando seu manifesto contra a repressão que
estava sendo desencadeada sobre os trabalhadores. Em sua opinião, a violência partia do
Departamento do Trabalho (conivente com a burguesia e com a polícia) com o intuito de dividir
os trabalhadores organizados e conscientes. Por essa razão, insistiu na defesa da ação direta,
indicando que os trabalhadores se associassem nos sindicatos livres e autônomos: os “meios de
defesa própria contra as explorações do patronato”

“Terminamos dizendo que a reação desencadeada contra o elemento proletario [sic] conciênte estriba-se,
precisamente, no Departamento, que, ludibriando os operarios [sic], procura dividi-los, enfraquecendo, ipso-
fáto, as fileiras autonomamente organizadas. Os elementos políticos e os sequazes de todos os partidos
colaboram grandemente ao desenvolvimento já citado Departamento, esperando extrair dali as fontes de votos
indispensaveis [sic] á vida dos seus partidos. Alerta trabalhadores! Cuidado com os tartufos! Organizai-vos
dentro dos sindicatos de ação diréta [sic]! Nada de Departamento! Nada de política! Autonomos [sic] e livres!”
566
.

562
“A situação econômica do povo brasileiro o coloca, cada vez mais, á beira do abismo. A indigencia [sic] e a
miseria [sic] moral reinam absolutos na vida de quem trabalha. A fome ronda, sinistra e negra, os tugurios [sic]
proletarios [sic] e nas choupanas dos camponeses. (...)”.
563
FELIPE. “A canção do sofrimento”. A Plebe, nº89, 25/05/1935. São Paulo, p. 1. Outros artigos
culpabilizando o governo sobre a situação dos brasileiros : “A vida encarece... Começam a subir os generos de
primeira necessidade”. A Plebe, nº90, 08/06/1935. São Paulo, p.1; e “Nem podia ser por menos... Dois pesos e
duas medidas na aplicação das leis”. A Plebe, nº90, 08/06/1935. São Paulo, p. 3 (crítica às ações da República
Nova e do Ministério do Trabalho, mas não foi possível ler direito por conta da impressão).
564
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 107.
565
A.F. “‘Um punhado de arroz...’”. A Plebe, nº82, 16/02/1935. São Paulo, p. 3.
566
Nota oficial. “Movimento Operario. Comunicados e reuniões. Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe,
nº79, 05/01/1935. São Paulo, p. 3. (escrito em dezembro de 1934 pelo Comitê Federal)
151
Esse trecho evidencia o porquê da defesa da ação direta. O entendimento era que a classe
operária tinha capacidade para atuar de forma autônoma e por isso negavam o Parlamentarismo
e toda atuação política, ambos considerados abstratos na vida dos trabalhadores, sendo
incapazes de satisfazer as necessidades dessa classe.
O jornal passou a dar exemplos para incentivar o emprego da ação direta e mostrar o
quanto ela era vantajosa na luta operária. Um deles foi o movimento de reivindicação do
pagamento da lei de férias na Metalúrgica Matarazzo (Aliberti). De acordo com o comunicado
recebido da União dos Operários Metalúrgicos (associada à Federação), em dezembro de 34 os
operários da Metalúrgica Matarazzo realizaram um movimento de protesto, o qual quase passou
despercebido, mas serviu para demonstrar aos industriais que esses operários não iriam permitir
o descumprimento de seus direitos. Após o pedido do pagamento das férias ser rejeitado pela
gerência da indústria, foi determinado a paralisação completa de todos os motores e do trabalho
enquanto seus direitos não fossem pagos. Nisso, a gerência foi forçada a atendê-los e prometeu
o pagamento de suas férias, algo efetuado dias depois. Frente a essa situação, a União afirmava:

“Só dessa fórma [sic], sem a intervenção dos falsos amigos dos trabalhadores que no Ministério do Trabalho
estão vivendo á custa do suor proletário [sic], é que as classes oprimidas conseguem fazer valer os seus
direitos. Em luta diréta [sic] contra os patrões ou contra o Estado, que só protege os interesses dos
capitalistas” 567.

No contexto de surgimento da Aliança Nacional Libertadora (ANL), nos primeiros


meses de 1935, em meio a muita instabilidade e ao grande descontentamento por parte da
população ao ponto do jornal fazer previsões sobre o surgimento de “convulsões populares,
eclosões de mal estar incontido e insuportável [sic]”, cabia aos anarquistas propagandear seus
princípios, explicar suas concepções libertárias da vida e penetrar cada vez mais nas classes
populares. Isso porque, seguindo os escritos de Malatesta, essas medidas possibilitariam a
realização das revoluções mais anárquicas, proporcionando o maior nível de bem estar,
liberdade e de garantias de subsistência possível para a população, sem que precisassem abrir
mais mão de seus direitos 568. Portanto, os anarquistas enxergaram uma boa oportunidade para
finalmente realizar seu projeto revolucionário quando a fragilidade que acompanhava o governo
desde 1930 atingiu seu ápice, mas sua execução era importante a ação dos militantes entre as

567
Comissão. Movimento reivindicador na Metalurgica Matarazzo (Aliberti)”. A Plebe, nº79, 05/01/1935. São
Paulo, p. 3.
568
“Estamos onde sempre estivemos. Em defesa da liberdade e contra todas as tiranias”. A Plebe, nº90,
08/06/1935. São Paulo, p. 1.
152
classes populares através da propaganda. Talvez isso fosse uma tentativa de proporcionar
esperança àqueles que permaneceriam adeptos aos sindicatos autônomos e de caráter
revolucionário.
Também com o intuito de se opor ao sindicalismo corporativista, percebe-se que o
periódico faz esforços para explicar sobre a importância da atuação nos sindicatos, algo que
também se encaixa no estímulo à ação direta. Em um artigo escrito por A. Segovia, na seção
“Vida Anarquista”, o autor reiterou o argumento utilizado durante todos esses anos: a
emancipação social ocorreria unicamente por obra da ação direta. O sindicalismo era uma
escola e um meio de combate ao regime estatal. Posteriormente, o Estado seria substituído por
um sistema de produção, distribuição e consumo que preencheria mais completamente suas
funções específicas. Até o momento, ele era o método mais eficiente na luta contra o
capitalismo, por isso era importante que todos fossem filiados às organizações que seguiam tais
princípios e iam contra a interferência de todas as correntes políticas, mesmo que fossem
socialistas ou bolchevistas569. Dessa forma, a oposição também foi feita em relação à
interferência de ideologias esquerdistas ligadas à política institucional, como já vimos.
Inclusive os artigos reiteravam a ideia de êxito do movimento operário independente e
de caráter sindicalista revolucionário. A FOSP estava cada vez mais influente entre os
trabalhadores, tendo em vista o número de militantes que compareciam às reuniões convocadas
por ela. Além disso, visando “ordenar o trabalho de organização”, a Federação incentivou em
1934 o estabelecimento de correspondências com as associações proletárias do interior, um
trabalho de grande repercussão. Esperavam que em breve essas ações tomassem maiores
proporções a fim de “frustrar as tentativas fascistas do Ministério do Trabalho”. Provavelmente
a alegação a respeito dessa estabilidade diz respeito mais a uma estratégia do que a real
correspondência à realidade. A bibliografia indica que a partir de 1933 aconteceu uma adesão
significativa ao novo sindicato por conta dos benefícios concedidos apenas sindicalizados 570.
Isso significava, por exemplo, que as Juntas de Conciliação e Julgamento aceitariam
reclamações apenas daqueles que fizessem parte dos sindicatos atrelados ao Estado, algo que
poderia ter grande importância já que as burlas por parte do patronato eram constantes. De
qualquer forma, percebe-se que a presença dos delegados e militantes era bastante importante

569
SEGOVIA, A. “Vida Anarquista. Sindicalismo revolucionario”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 2.
570
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 302
153
nesse processo de resistir à sindicalização, pois a própria Federação reiterou a necessidade de
571
tê-los presentes nas plenárias convocadas para dar continuidade às suas atividades .

6.3 A aplicação da ação direta em prol o cumprimento dos direitos


trabalhistas

A ação direta também foi incentivada por conta do não cumprimento das leis sociais, ou
seja, frente à ausência de efetivação dos direitos promulgados. Essa situação ao entendimento
de que o governo, o Ministério e o Departamento do Trabalho eram ineficazes naquilo que se
propuseram a fazer ao criar a lei de sindicalização. Quanto mais denúncias aconteciam,
inclusive até mesmo por parte daqueles que já haviam se sindicalizado, mais a ação direta era
incentivada. O ápice desse incentivo foi em 1934, como já foi mostrado acima. Por exemplo,
em setembro deste ano, o Sindicato dos Manipuladores de Pão realizou uma assembleia geral
da classe para tratar de suas reivindicações (era um momento que realizavam várias do tipo).
Depois de “longos e acalorados” debates decidiram apresentar aos empregadores um “plano de
melhorias imediatas”, as quais já estavam postas na legislação social que, até então, não havia
sido cumprida pelos empregadores, evidenciando a continuidade do descumprimento e o apreço
pela atuação autônoma para a resolução dos dissídios trabalhistas 572.
De fato, Samuel de Souza afirma que os encontros entre trabalhadores, sindicatos e
patrões no âmbito do Estado revelaram a fragilidade deste em aplicar as leis. Também deixaram
em evidência os usos por parte dos trabalhadores e dos sindicatos dos recursos legais, e as
estratégias do Estado para efetivar o controle sindical, através do MTIC, pois o Estado não tinha
a capacidade para a aplicação e fiscalização das leis como havia prometido. Além disso, o
Estado beneficiou os industriais ao não puni-los corretamente quando descumpriam as leis 573,
uma situação também denunciada no jornal de modo a reiterar o quanto a nova legislação
beneficiava a “burguesia”. Entretanto, em 1934, quando Salgado Filho institui um artigo à nova

571
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 3.
572
“Movimento Operario. Os padeiros se agitam novamente”. A Plebe, nº71, 15/09/1934. São Paulo, p. 3.
573
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 12 e
191.
154
lei de férias garantindo a estabilidade de um ano aos empregados que fossem demitidos caso
reivindicassem esse direito, Souza conclui que:

“Isto nos leva a crer que o representante não ignorava as práticas de inobservância da nova legislação,
tampouco permanecia insensível às reclamações de injustiças associadas ao seu descumprimento”
(SOUZA, 2007, p. 48).

Isso não significa que Souza esteja afirmando uma posição de justiça por parte do
Ministro, até porque ele realmente recaía para o lado mais forte 574. De acordo com o autor, em
São Paulo, os sindicatos patronais eram aconselhados a ignorar as exigências do cumprimento
das leis até que as centrais sindicais estudassem devidamente a legislação. Além disso, os
empregadores também desenvolveram mecanismos de burla, os quais se tornaram os meios
mais eficientes para evitar a aplicação das leis, mas variavam de caso a caso. O próprio autor
concorda que no final de 1934 ainda existiam relatos que mostravam que a legislação estava
longe de ser efetivamente cumprida 575, afirmação que corresponde aos registros do jornal.
Desde 1932, existiram críticas por conta das burlas. Nesse ano, a FOSP criticou o
Ministério por este não obrigar os industriais cumprirem com o que estava sendo garantido e
afirmou que de fato o único objetivo da lei de sindicalização era o controle dos trabalhadores.
O não cumprimento, especialmente da lei de férias, levou a Federação incentivar os
576
trabalhadores a pressionarem a efetivação de seus direitos por meio da ação direta , um
incentivo prático que persistiria até 1935 (até mesmo quando a lei foi promulgada pelo novo
governo). Ainda em 1932 houve registros da criação de um “comitê pró-férias” para que esse
assunto fosse tratado e reivindicado 577, mostrando ser uma resistência para além do discurso,
pois a permanência da atuação de forma direta evidencia uma clara negação dos órgãos criados
para mediar os conflitos entre a classe trabalhadora e a patronal, e, portanto, uma negação da
lei de sindicalização.
Em correspondência do Rio de Janeiro, o autor (sem identificação) indicou que o
proletariado deveria se organizar em “bases revolucionárias e tender à esquerda”, agrupando-
se nos sindicatos de resistência e não realizando ligações com políticos 578. Não à toa, 1932 é

574
Ibidem, p. 49.
575
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 130-
136.
576
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial”. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo,
p. 4.
577
Apresentavam esse comitê: a Liga Operaria da Construção Civil e a União dos Operarios em Fabricas de
Botões, Pentes e Similares. “Movimento Operario”. A Plebe, nº3, 03/12/1932. São Paulo, p. 4.
578
Sem título. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo, p. 2.
155
um momento de ocorrência de diversas greves que foram registradas pelo jornal, demonstrando
mais uma vez a recusa das negociações pautadas pelo novo tipo de sindicalismo. O incentivo
às greves era uma forma, segundo Raquel de Azevedo, de corroborar com os princípios
anarquistas, opondo-se às outras tendências que procuravam as vias parlamentares para a
obtenção dos direitos. Assim, Azevedo afirma que as várias greves feitas no início da década
de 30 eram uma demonstração de que suas estratégias de luta não estavam ultrapassadas diante
da legislação “outorgada” (grifo da autora) pelo Estado579. Danillo Marcelino explica a
pretensão pelo alcance da greve geral revolucionária designou o uso da greve como forma de
reivindicação econômica e política 580:

“A concepção de greve na segunda metade do século XIX passou a ser considerada pelos que teorizavam
sobre a marca da revolução social a partir da ideia da greve geral revolucionária que seria preparada dentro
(ou fora) das organizações sindicais de orientação revolucionária, tendo o protagonismo dos
trabalhadores nessas ações com a utilização da ação direta. A greve geral revolucionária para os
pensadores da ação direta e a autonomia do operariado seria então os primeiros passos para a
catástrofe geral do sistema capitalismo e do Estado. O princípio faria parte da educação revolucionária
dos operários, que, a cada greve, avançariam para a formação de uma greve geral revolucionária que traria
a transformação social”581 (grifo meu)

A ocorrência das greves demonstra também a existência de uma democracia interna para
as tomadas de decisões. Um exemplo é a greve na Metalgráfica Aliberti feita em prol do
cumprimento da lei de férias. Nesse caso, os trabalhadores também reivindicavam o pagamento
e exigiam o reconhecimento de representação pela União dos Operários Metalúrgicos, ou seja,
tais trabalhadores não queriam ser representados pelo sindicato único proposto pelo Ministério,
582
mas sim pela organização autônoma e de tendência libertária . Outra greve foi feita pela
Metalgráfica Matarazzo também pelo não cumprimento por parte das “Industrias [sic] Reunidas
Francisco Matarazzo” da lei de férias. Essa greve foi estendida para as fábricas de Vila Pompeia
e Água Branca, com a adesão dos operários da Cerâmica, após Francisco Matarazzo declarar
"loukout", na Vila Pompeia, seguindo “[sic] um plano geral da Federação dos Industriaes [sic]”.
A greve da Metalgráfica Matarazzo foi finalizada sem sucesso, por traição do quadro gráfico
em relação ao resto dos trabalhadores no momento de resistência ao patronato, pois houve o

579
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, 297.
580
MARCELINO, Danillo Rosa. Ação direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São
Paulo (1906-1919). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018, p. 62.
581
MARCELINO, Danillo Rosa. Ação direta: a via para a transformação social, São Paulo (1906-1919) São
Paulo (1906-1919). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo, 2018, pp. 61-62.
582
“Movimento Operario. Greve na Metalgráfica Aliberti”. A Plebe. nº2, 26/11/1932. São Paulo, p. 4.
156
incentivo para furarem o movimento. No caso da Água Branca, a FOSP considerava que a greve
caminhava para a vitória porque o descontentamento era geral 583.
Na quarta publicação, houve o registro de greves em São Caetano, feita pelos operários
da “Companhia Brasileira de Mineração e Metalurgia [sic]”, terminando com “estrondosa
vitória”, assim como as que ocorreram na “Casa Piria & Vilares”. Outras greves que tiveram
sucesso foram as realizadas pelos militantes da União dos Empregados em Café que
trabalhavam no Café Alba. Além dessas, a FOSP foi notificada pela União dos Operarios em
Fabricas de Vidros” a respeito da greve realizada pelos operários da Vidraria Santa Marina, os
quais reivindicavam o aumento dos salários. Em contrapartida, a greve da Água Branca foi
registrada como solucionada apesar das interferências das “forças reacionárias” e dos “esforços
do Ministerio [sic] do Trabalho em fazer fracassar a gréve [sic] pacifica [sic] das Industrias
[sic] Reunidas Francisco Matarazzo (...)”. Os trabalhadores permaneceram em greve por 12
dias e a FOSP atribuiu grande parte da vitória às mulheres que se mantiveram firmes e à ação
direta dos trabalhadores, não permitindo intermediários. Conquistaram o pagamento quinzenal,
oito horas de trabalho, o pagamento das férias e o aumento de 20% dos salários. A Federação
finalizou dizendo:

“O vosso sindicato, orientado pela Federação operaria de S. Paulo, vos levará á conquista dos vossos
direitos” 584.

O ano foi finalizado em meio a agitações das organizações operárias. A sexta publicação
do jornal registrou que Liga Operaria da Construção Civil estava em greve na Fábrica de
Planos Nardelli por conta do não pagamento das férias (situação que se estendeu até a
585
publicação do próximo número) ; o Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos
Confeiteiros estava reivindicando a questão das 8 horas e o trabalho diurno nas padarias; e a
União dos Trabalhadores da Light (UTL) pedia o envio à sede social por parte dos trabalhadores
de suas cadernetas de férias, para que a União tomasse as providências necessárias visando o
cumprimento da Lei de Férias 586 (correspondente à lei de 1927).

583
“Movimento Operario. Nota da Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe, nº3, 03/12/1932. São Paulo, p. 4.
584
“Movimento Operario. Nota da Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 4.
585
“Movimento Operario. Nota da Federação Operaria de S. Paulo” . A Plebe, nº5, 24/12/1932. São Paulo, p. 4.
586
“Movimento Operario. Federação Operaria de S. Paulo. Nota Oficial”. A Plebe, nº 6, 31/12/1932. São Paulo,
p. 4. De acordo com Raquel de Azevedo, por conta da coesão de sua organização e por conta desses
trabalhadores atuarem em um setor estratégico (transporte coletivo de bondes) conseguiriam esse direito em
1933, após 4 dias de greve, mesmo sendo organizados em um sindicato de orientação libertária, sem
reconhecimento oficial. In: AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo,
Arquivo do Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 289.
157
No início do próximo ano esses movimentos já haviam decaído. A alegação da FOSP
foi de que reivindicações operárias estavam “mais ou menos solucionadas (...) com a vitoria
[sic] quase completa dos trabalhadores” 587. Entretanto, o não cumprimento das leis parece ter
se acentuado em 1933, quando o jornal deu mais destaque a uma sequência de críticas a respeito
das burlas por parte dos empregadores e a fiscalização ineficiente do Ministério do Trabalho,
diminuindo as críticas diretas à lei de sindicalização. Enquanto isso, os sindicatos filiados à
FOSP procuravam tomar medidas frentes às burlas. A comissão da União dos Empregados do
Café, por exemplo, disse em nota que agiria de modo a denunciar todos os estabelecimentos
que não cumprissem os direitos dos trabalhadores, assim como aqueles operários que se
opusessem a sua própria causa e defendessem os interesses dos seus “patrões”, não exigindo,
por exemplo, o cumprimento das 8 horas de trabalho. Compreende-se, então, que essa
organização ainda lutava por esse direito frente à burla dos industriais, mas também
reivindicavam outros, e seguia as orientações dadas pela FOSP desde 1931:

“(...) concita os empregados em cafés se organizarem nas respectivas casas em que trabalha uma tabela que
responda ao seguinte questionário: quantas horas trabalham? Quantas turmas tem o estabelecimento? Quantas
horas tem cada refeição? Tem descanso semanal? Quanto ganha? De acordo com o resultado que deverá ser
apurado o mais breve possivel [sic], a União dos E. em Cafés vai iniciar uma severa campanha no sentido de
que sejam respeitadas as disposições do decreto municipal que estabelece o horário de oito horas (...)” 588.

No final de 33 as críticas voltaram a ser feitas e nesse caso em prol ao cumprimento da


lei que definia 8 horas de trabalho, recorrentemente burlada pelos donos das padarias. De acordo
com o relato de “um padeiro” a lei foi estabelecida, mas o Ministério do Trabalho, por estar
associado aos empregadores em sua concepção, não fazia questão e nem tinha interesse que ela
fosse cumprida. A consequência foi o desencadeamento de greves e manifestações proletárias:

“Mas, como esse negocio [sic] de prometer e não cumprir nem sempre dá certo, de vez em quando ha
[sic] sururus, ha [sic] greves, manifestações proletarias [sic]; depois, como é preciso justificar a
faciosidade [sic] dos departamentos oficiais, começam os arautos da burguesia a fazer soar aos quatro
ventos que os trabalhadores são agitados por estrangeiros e extremistas. E’ a cantilena de sempre!” 589.

O padeiro conta que na “Padaria Avenida”, na Rua Augusta, 453, (propriedade da firma
Fernandes & Sobrinho), os operários organizaram o serviço e começaram a usufruir da lei por

587
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial”. A Plebe, nº 7, 07/01/1933. São
Paulo, p. 4.
588
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota Oficial. União dos Empregados em Cafés”. A
Plebe, nº 7, 07/01/1933. São Paulo, p. 4.
589
Comissão Executiva. “Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares
de São Paulo”. A Plebe, nº48, 02/12/1933. São Paulo, p. 3.
158
conta própria, pois perceberam que nem o “patrão” e nem o Ministério do Trabalho iriam se
preocupar com seu cumprimento, até porque já fazia três anos da promulgação da lei. O decreto
nº 19.770, na concepção do padeiro, foi promulgado pelo “‘seu’ Getulio [sic]”, porém como ele
não assegurou seu cumprimento e não pressionou os empregadores, então os padeiros
realizaram uma manifestação no estabelecimento. A polícia foi acionada, mas de nada adiantou,
pois já era um direito promulgado pelo presidente e só queriam que fosse cumprido. O jornal
considerou que essa ação desencadeada pelos padeiros era um “gesto digno de ser imitado” 590.
Na próxima publicação, do dia 9 de dezembro, a informação registrada pelo jornal, na
seção do “Movimento Operario [sic]” foi a respeito da continuidade na luta pela jornada de 8
horas de trabalho, a qual tendia a se generalizar em todas as “casas”. Empregados de várias
padarias já haviam conseguido tal melhoria e repeliam sempre a intervenção do Ministério e as
promessas dos empregadores:

“(...) patenteando mais uma vez, que o proletariado quando tem reivindicações a fazer não deve pedir e
implorar, mas conquista-las por suas proprias [sic] mãos”. 591 (grifo meu)

A ação dos padeiros foi vista como um gesto “muito apreciado” pelo jornal, uma vez
que correspondia aos métodos de ação direta e repulsa das intervenções. Portanto, podemos
enxergar que o incentivo à ação direta, nesse caso por meio das greves, era uma forma de se
opor ao que a lei de sindicalização propunha: a negociação e a intermediação. Em outro artigo,
por exemplo, o periódico argumentou que a importância do movimento desencadeado pelos
padeiros não estava tanto nas 8 horas, porque já era um direito garantido por lei, mas sim a
forma pela qual os trabalhadores estavam conquistando-o. Naquele momento, já eram mais de
20 locais em que os empregados estavam instituindo esse direito por conta própria, se opondo
aos empregadores e recusando a intervenção do Ministério do Trabalho, cuja única função era
ser um “contrapeso no avanço aos direitos públicos”:

“Assim é que deve ser a luta dos trabalhadores: Diretamente, sem intermediários [sic], face a face com os
seus exploradores, com firmeza e disposição de conquista. Na ultima assembleia da classe, realizada no
domingo p.p. mais de 600 trabalhadores em padarias assistiram. E todos, sem excepção [sic], se mostravam
dispostos a não esmorecer” 592.

590
“Um padeiro”. “Por causa da Lei de 8 horas. Um burguês que não queria saber de leis em sua casa...”. A
Plebe, nº48, 02/12/1933. São Paulo, p. 4.
591
“Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos Confeiteiros”. A Plebe, nº49,
09/12/1933. São Paulo, p. 3.
592
TITTUS. “Movimento Operario. As 8 horas nas padarias”, A Plebe, nº50, 16/12/1933. São Paulo, p. 3.
159
Neste ano, além do motivo de burla, o Sindicato dos Manipuladores de Pão entrou em
greve por conta da recusa por parte da associação patronal ao memorial que continha suas
reivindicações. A não aprovação aconteceu porque os operários em padaria adotaram o método
da greve parcial. Mas com a pressão feita pela greve, as condições do memorial finalmente
foram aceitas em mais de 20 padarias, até mesmo entre aqueles que se recusaram a atender aos
pedidos dos empregados em padarias na reunião patronal. Assim, algumas das ações diretas
conseguiram certas melhorias imediatas, mas percebe-se que logo eram perdidas, pois as
reclamações continuaram a acontecer. Para o periódico, mais uma vez essa classe demonstrava
seu espírito de luta e de coesão, pois era unânime a decisão da realização da greve em todas as
casas que recusaram assinar o memorial, no qual reivindicavam o cumprimento da lei de 8 horas
e um pequeno aumento de salários.
Em contrapartida, os empregadores quiseram “mistificar” as justificações da classe
sobre as condições de vida escrevendo um “extenso oficio [sic] de tapeação”, este foi enviado
ao Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares, mas de nada adiantou, pois
os trabalhadores optaram pela greve e estavam dispostos a realizar “todos os sacrifícios” para
a obterem a vitória completa das suas reivindicações. Os proprietários, então, preferiram
concordar com os operários, porque a classe demonstrou que sabia defender seus direitos e para
o jornal esses trabalhadores demonstraram saber defender seus direitos através da união e da
ação direta593. Ou seja, A Plebe se preocupava em mostrar como continuar optando pela ação
direta traria benefícios no fim. Outros jornais chegaram até mesmo a divulgar que
“companheiros e trabalhadores honestos” eram ladrões perigosos por terem sido presos em
meio à reação policial que tais greves sucederam. No caso, eram Eleutério Nascimento e Paulo
Almeida (padeiros). O periódico rebateu e afirmou ser uma mentira 594.
Nesse momento, também foram registrados vários movimentos grevistas de
importância, segundo o jornal, e alguns tiveram um desfecho violento por conta das violências
policiais, como em Santo Amaro. Marília e São Bernardo 595.
Em vista das diversas burlas e da instituição da carteira de trabalho, a União dos
Operarios Metalurgicos de São Paulo afirmou que os empregadores (“exploradores”) estavam
perfeitamente organizados e nunca se opuseram aos “mantenedores da ordem”, nem o
Departamento do Trabalho, o qual não possuía força capaz de impedir as manobras patronais.

593
“Movimento Operario. A gréve dos padeiros”. A Plebe, nº72, 29/09/1934. São Paulo, p. 3.
594
“Desfazendo calunias”. A Plebe, nº72, 29/09/1934. São Paulo, p. 3.
595
“Movimento Operario. Movimentos grevistas em varias localidades”. A Plebe, nº72, 29/09/1934. São Paulo,
p. 3.
160
Por esse motivo, pedia-se o comparecimento de todos os delegados de oficinas e de todos
militantes, porque os assuntos que seriam tratados exigiam suas presenças. Evidentemente,
trata-se de uma tentativa de mobilização 596.
Enfim, essa situação que se alastrava durante todos esses anos e se acentuou em 34 levou
a Federação Operária emitir uma nota oficial na seção do “Movimento Operario [sic]”,
discorrendo sobre a ausência do valor das leis sociais. De acordo com a FOSP, tanto na Primeira
quanto na Segunda República, a classe trabalhadora vivia à mercê do patronato. O Ministério
do Trabalho e a sua legislação social não trouxeram nenhuma garantia aos trabalhadores,
serviam apenas para acobertar as irregularidades (“os verdadeiros crimes”) e garantir que os
patrões não fossem punidos:

“Nenhuma garantia lhe trouxe a criação do famoso Ministerio [sic] do Trabalho e a sua legislação social.
Para o que, realmente, serve este novo ninho de burocratas é para acobertar irregularidades que são
verdadeiros crimes e garantir a impunidade dos exploradores desumanos.” 597.

A opinião do jornal era a mesma: o Ministério do Trabalho não resolveria nunca o


problema dos trabalhadores e aumentava a dependência para com a burguesia, por isso os
trabalhadores deveriam reconhecer sua força e agir pela ação direta 598. Aliás, a incompetência
desse Ministério foi sempre reiterada. De forma irônica, o periódico se referiu às leis como um
presente dado ao Ministério aos trabalhadores, mas que na realidade beneficiava o patronato,
visto que após quatro anos ainda eram burladas:

“Todas as casas comerciais, cafés, bares, confeitarias, barbearias, etc., teem afixados em lugares bem
visiveis [sic], cartazes designado o horario [sic] de trabalho. Pergunte-se porém aos respectivos
empregados e operarios [sic] desses estabelecimentos se estão sendo cumpridas as disposições desses
cartazes, que constituem, ao invez [sic] de uma conquista proletária, uma afronta ao proletariado, porque
assim se joga, de uma forma vergonhosa, para textos politicos [sic], com a sua dignidade e com o seu
trabalho [sic].”

Em vista de toda essa situação, o jornal alegou que as lutas do proletariado contra a
“tirania burguesa” assumiram naquele momento, com a “República Nova”, proporções maiores

596
[sem título]. A Plebe, nº72, 29/09/1934. São Paulo, p. 3.
597
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Nota oficial”. A Plebe, nº58, 17/03/1934. São
Paulo, p. 3. Para comprovar essa alegação, citam a explosão na fábrica de infláveis da firma Stall Telles & Cia.:
As vítimas que estavam mexendo com as dinamites eram todos menores e tinham autorização do Departamento
de Trabalho e do Serviço Sanitário. Dois faleceram mutilados: Aldaberto Vitorino e Olivio Rezzuti, de 17 e 14
anos. Mas Albertino Sant’Ana, de 14 anos; Benedito, de 19; José Lovaca, de 14 e João Antonio Fernandes, de
22, ficaram gravemente feridos. Isso demonstrava que a Lei de Menores estava sendo burlada com o
consentimento das autoridades. Além disso, na maioria das fábricas da capital e principalmente nas indústrias de
vidro e têxtil os menores eram muito explorados. (17/03/34) No mesmo momento em que a FOSP fazia essa
declaração a UTG optou pela sindicalização.
598
“Movimento Grévista. Vitorioso o movimento de Niterói”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 3.
161
e mais graves do que nunca, ou seja, o momento atual era pior do que o anterior. A razão disso
era porque, de acordo com o periódico, o Ministério do Trabalho estava “atirando os
trabalhadores uns contra os outros com excepções [sic] na interpretação dos direitos humanos
e na distribuição da justiça social” 599.
Em 34, ano de bastante mobilização operária, foi ainda maior o número de notícias sobre
a eclosão de greves, mas foram feitas principalmente por parte daqueles já sindicalizados e
motivadas pelo mesmo motivo: o não cumprimento das leis trabalhistas. Samuel de Souza
registra também esse aumento, alegando que elas voltaram a acontecer em grande escala no
início do período constitucional, quando Magalhães assumiu o Ministério. Quando tomou
posse, o Ministro disse:

“Assumindo a pasta do Trabalho, que me foi confiada no início da constitucionalização do Brasil,


encontrei, surpreendido, movimentos de indisciplina em todos os sindicatos, greves que se iniciavam aqui
e ali, enfim, um batismo de fogo” 600

Para Magalhães, o período constitucional era um retrocesso por ter desfeito a unicidade
sindical, desintegrando os sindicatos e gerado seu afastamento do Estado. Este, em
contrapartida, ficava sem recursos para intervir e influenciar em suas composições, de acordo
com o ministro601.
Enfim, essas greves serão discutidas em outro tópico, mas a título de exemplo em São
Paulo, no início do ano, o Sindicato dos operários das Estradas de Ferro do Estado de S. Paulo
(reconhecido oficialmente pelo Ministério do Trabalho) estava reivindicando várias pautas que
não foram asseguradas pelo ministério e por isso a greve foi desencadeada, mas o resultado foi
o fechamento da respectiva sede, ao invés da resolução dos problemas. No Rio de Janeiro, em
Niterói, os trabalhadores dessa região realizaram uma greve reivindicando seus direitos pela
ação direta, por estarem cansados de esperar atitudes do Ministério do Trabalho. O movimento
foi descrito como “um dos mais belos movimentos de repulsa á intromissão dos politicos [sic]
no movimento proletario [sic]”, isso porque também recusaram o serviço da “Comissão Mista
de Conciliação” e do “Tribunal de Arbitragem”. De acordo com a citação do jornal “Avanti!”,
o conciliador Mário Sá Freire estava beneficiando a classe patronal.

599
“Politica e questão social”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 1.
600
Agamenon Magalhães. O Ministro do Trabalho dirige-se a nação: O Ministério do Trabalho e a sua atuação
na defesa da Ordem Social. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1937. p. 13. In: SOUZA, Samuel Fernando de.
Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado em
História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p. 100.
601
Ibidem, p. 100.
162
Em suma, o registro de greves em 1934 evidenciou majoritariamente: a insatisfação dos
trabalhadores sindicalizados que não tiveram seus direitos assegurados pelo Ministério do
Trabalho e o uso dessa situação para a comprovação, por parte do periódico, defensor dos
sindicatos de caráter revolucionário e independente, de como era desvantajoso a sindicalização,
em um cenário de cada vez mais ameaças e perdas de associados. Entende-se que a publicação
dessas denúncias foi também uma estratégia utilizada a fim de deslegitimar o projeto
corporativista, visto que aderi-lo não significava usufruir dos direitos, como afirmava a
propaganda do governo. De acordo com A Plebe essas ações mostravam a tendência para a ação
602
direta caso os empregadores não atendessem as reivindicações pleiteadas . A FOSP chegou
até mesmo a se solidarizar com os trabalhadores já sindicalizados e que declararam greve, por
conta da repressão exercida sobre eles, distribuindo um manifesto de apoio à luta:

“A Federação Operaria de São Paulo, entidade federativa dos proletarios [sic] livres, que luta contra o
cabresto da sindicalização oficial que constitui uma poderosa arma da burguesia, em nome dos principios
[sic] da solidariedade que devem prevalecer na luta contra a exploração capitalista, apéla para os
trabalhadores em geral afim [sic]de que prestem o seu apoio a esse movimento justo em que veem mantendo
dignamente os operarios [sic] das corporações em greve, na cidade de Santos. A causa desses trabalhadores é
a causa de todos os que sofrem a opressão da burguesia (...) A dignidade do proletariado brasileiro exige a
vitória dessa greve, um dos mais belos movimentos de solidariedade que tem havido nos ultimos [sic]
tempos”603

Ou seja, os trabalhadores e as entidades contra a lei de sindicalização passaram a apoiar


aqueles que estavam descontentes com a oficialização, talvez porque entendiam que poderiam
atrair esses trabalhadores para a causa que defendiam. Vale ressaltar que a realização das greves
por parte daqueles que já haviam se sindicalizado persistiu em 1935 e também serão discutidas
em outro tópico, porque, assim como as de 34, a publicação de notícias a respeito das greves
desses trabalhadores foi vista como uma estratégia de deslegitimação do projeto corporativista
e, portanto, uma forma de resistir à lei de sindicalização e o aumento de adeptos a ela.
Junto à denúncia das burlas e o incentivo à ação direta, percebe-se, então, a reiteração
do argumento de que o governo, o Ministério e o Departamento do Trabalho eram ineficientes
e incapazes de fazer com que o patronato não burlasse as leis e garantissem os direitos dos
trabalhadores. Por conta dessa “falha” (entendida como proposital), a ação direta, junto às ações
autônomas, foram ainda mais incentivadas, isto é, a ideia de que somente os trabalhadores
poderiam garantir a efetivação de seus direitos. Esse discurso crítico à ineficácia pode ser

602
“Gréves em Santos”. A Plebe, nº68, 04/08/1934. São Paulo, p. 3.
603
“O movimento grevista em Santos”. A Plebe, nº69, 18/08/1934. São Paulo, p. 1.
163
considerado também uma forma de oposição à lei de sindicalização e que envolvia a tomada de
medidas caso o não cumprimento dos direitos persistissem. Também foi por conta dessa
compreensão de ineficácia que o jornal defendeu o quanto as leis em geral eram mentirosas e
visavam apenas “amortecer o espirito [sic] de revolta das classes populares”.
No início de 1935, o Boletim do Ministério do Trabalho registrava 20 inspetorias
espalhadas pelo país, evidenciando o alcance burocrático do Ministério em todos os Estados da
Federação: foram instalados os serviços de fiscalização e as primeiras Juntas de Conciliação,
pelo menos nas capitais dos Estados. De acordo com Souza, o serviço de fiscalização junto à
Justiça do Trabalho tinha o intuito de garantir a credibilidade de todo o aparato legal que estava
sendo estabelecido. Mas ainda assim o próprio autor alega a existência de falhas e, por isso, até
mesmo os trabalhadores sindicalizados não gozavam de todos os direitos. Além disso, para
Souza, a insuficiência da ação do inspetor e do fiscal provavelmente era presente por não terem
disposição para enfrentar os empresários/industriais 604. A partir disso é possível entender o
discurso do jornal e dos sindicatos de modo a desqualificar as ações de fiscalização atribuídas
ao Ministério do Trabalho e ao governo: se era isso que daria credibilidade às leis e esses
trabalhadores eram contra elas, nada mais coerente que mostrar sua ineficácia e deslegitimar a
legislação.
Todas essas ações em prol o cumprimento dos direitos trabalhistas por meio da ação
direta desenvolvidas pelos trabalhadores de tendência libertária podem ser resumidas no
seguinte trecho de Raquel de Azevedo:

“Os sindicatos guiados pela influência libertária, ao incluir em suas pautas de reivindicações o
cumprimento das leis, exigem-nas enquanto direitos distintos da sua formulação legal, pois esses direitos
deveriam ser conquistas das lutas dos próprios trabalhadores. Em nome dessas lutas do passado, os
anarquistas concitavam os trabalhadores para a ação direta, com pressão sobre o patronato, sem a
mediação dos órgãos governamentais.
Na medida em que a elaboração das leis arrastava-se vagarosamente e a fiscalização do Ministério do
Trabalho revelava-se ineficaz, a tese anarquista era reforçada pela luta contra os sindicatos que optavam
pela via parlamentar ou ministerial para a obtenção de benefícios. As greves desencadeadas
simultaneamente ao estabelecimento das leis trabalhistas demonstravam a validade das afirmações
anarquistas, mas não produziam a reversão do processo de perda da autonomia sindical combatida pelos
mesmos. As projeções de uma greve geral revolucionária eram partilhadas entre anarquistas e comunistas,
mas não proporcionavam a união entre ambos devido principalmente às divergências quanto à autonomia
sindical” (AZEVEDO, 2002, p. 362)

Apesar de sabermos já o “final dessa história” com o desaparecimento gradual das


associações de caráter independente e revolucionário, é possível destacar a importância dessas

604
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, pp. 78-86.
164
ações grevistas de modo a fazer com que as leis fossem efetivamente cumpridas para todos os
trabalhadores e para que os empregadores deixassem de burlá-las. Samuel de Souza destaca que
a articulação dos sindicatos de trabalhadores interessados em ver aplicadas as leis pode ter
funcionado como um mecanismo de contrabalançar a indisposição dos empresários em executá-
las605. Ou seja, nessa luta pela conquista dos direitos, a ação dos trabalhadores ainda foi
essencial mesmo com a institucionalização das ações de fiscalização pelo governo e dos órgãos
destinados à conciliação, isto é, as Juntas de Conciliação e as Comissões Mistas606
(subordinadas ao Departamento Nacional do Trabalho e que passaram a funcionar como órgãos
da futura Justiça do Trabalho 607). Isso não quer dizer que desconsideramos a grande importância
desse avanço para a regulamentação dos direitos. Souza explica o quão importante foi a ação
fiscal para a real aplicação das leis, visto ter sido responsável por receber denúncias, efetuar
averiguações e autuar os infratores608.
É interessante observar como as Juntas de Conciliação mal foram citadas no jornal
mesmo quando as leis dos sindicalizados eram burladas, pois por mais que estivessem
relacionadas à reclamação de um direito somente os trabalhadores sindicalizados poderiam
acioná-las. Essa ausência atesta a preferência e a indicação pela ação direta e autônoma.
Segundo Samuel de Souza, muitas vezes o caráter “conciliatório” (grifo do autor) desse órgão
foi indicado como uma forma de impedir a aplicação correta da lei e favorecer o poder de
pressão dos empregadores durante os debates com os trabalhadores. Como o próprio nome diz,
sua função era estimular a cooperação entre as classes ao invés da luta de classes 609:

“Para o ministro [Lindolfo Collor], sindicatos criados com regras uniformes, impressos na legalidade,
evitariam a desconfiança e descontentamento, que eram motivos dos atritos que resultavam em greves e
lock outs. Para tanto, estas instituições, se regulamentadas, funcionariam como ‘pára-choques’ dos
antagonismos entre as classes. Sendo assim, aos sindicatos caberia a solução dos conflitos, dentro dos
locais apropriados”. (SOUZA, 2007, p. 62)

Vale lembrar que isso não foi novidade, pois na segunda metade da década de 20, em
1928, a partir da reorganização do Conselho Nacional do Trabalho pelo decreto 18.074, o CNT

605
Ibidem, p. 141.
606
As Comissões Mistas de Conciliação (CMC) e Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ) foram criadas em
1932, pelos Decretos 21.396 de 12 de maio e 22.132 de 25 de novembro, respectivamente. Representam a
primeira ação do Governo Provisório para lidar com a conciliação, arbitragem e julgamento dos conflitos
coletivos (primeiro caso) e individuais (segundo caso) entre patrões e empregados. Em 1934, a partir delas, seria
criada a Justiça do Trabalho. Ibidem, p. 54
607
MUNAKATA, Kazumi. (1981) A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 76.
608
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007, p.39.
609
Ibidem, p. 61.
165
já realizava algumas funções de fiscalização a fim de fazer com que fossem cumpridas as
disposições legais. O Conselho foi responsável por fiscalizar as empresas que concediam
seguros contra os acidentes de trabalho, a lei de férias etc., e poderia aplicar multas, se tornando
a primeira instituição arbitral de “questões coletivas” do trabalho no Brasil, ou seja, que julgaria
os conflitos ocorridos no âmbito das relações de trabalho. Mas ao mesmo tempo em que se
firmava como instância judicial, seu serviço de fiscalização era ineficiente 610. Posteriormente,
em 1931, a situação começou a mudar e o Conselho integraria o Ministério do Trabalho junto
ao Departamento Nacional do Trabalho (DNT). Ambos foram responsáveis pela questão
trabalhista611:

“Em 1931, com a criação do Departamento Nacional do Trabalho, topo da administração do Ministério
do Trabalho, muitos quadros administrativos e técnicos do CNT foram incorporados àquela instituição.
O CNT transferiu parte dos seus quadros para o DNT, mas prevaleceu como estrutura julgadora dos
pedidos de dispensa de ferroviários, marítimos e funcionários da Light com mais de 10 anos de serviço.
O Departamento Nacional do Trabalho figuraria ao lado dos departamentos da Indústria, do Comércio,
do Povoamento e de Estatística, componentes da estrutura do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, criado em 1930. O DNT ficaria encarregado das tarefas de ‘organização, higiene, segurança e
inspeção do trabalho, patrocínio operário e atuariado’. Ao que parece, o sistema de arbitragem instituído
na reforma do CNT em 1928 nunca entrou em funcionamento.” (SOUZA, 2007, p.41).

O Ministério do Trabalho, então, criou um projeto para o serviço de fiscalização das leis
sociais: “Instruções para o serviço de fiscalização”. Esse serviço foi responsável por “executar
todas as leis e regulamentos sociais decretados pelo Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, verificando seu fiel cumprimento”612. Mas de fato Souza cita a falta de quadro
funcional para fiscalizar os dispositivos que entraram em vigor quando a jornada de 8 horas no
comércio foi estabelecida, pelo menos no início, ou seja, em 1932. A solução adotada foi
assegurar que a fiscalização fosse feita e a lei fosse cumprida com a utilização dos sindicatos
de trabalhadores613:

610
Ibidem, p.41.
611
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 72.
612
AN – Brasília-DF. Processo 3000/33. A citação foi retirada de um processo anexo ao documento, de autoria
do diretor do DNT, Bandeira de Mello, e deu entrada no protocolo do Ministério com o número 7362/32. In:
Ibidem, p. 74-78.
613
Em cada localidade seria estabelecida uma comissão responsável pela verificação do cumprimento do
dispositivo, composta por 10 representantes das partes interessadas (5 empregadores e 5 empregados), com a
presidência de um arbitro (algo estabelecido no decreto). Os representantes seriam escolhidos dentro das
associações representativas de trabalhadores e patrões, e nomeados pelo MTIC. O árbitro deveria ser sorteado a
partir de uma lista de 12 nomes, em que cada parte indicava a metade e teria o status de “delegado” do ministério
(grifo do autor). Esse decreto foi alterado em 33, foi instaurado um novo que alterou toda parte de execução e
fiscalização. O arbitro foi eliminado e em seu lugar foi posto como fiscal os funcionários do quadro do DNT e
das Inspetorias Regionais. In: Ibidem, p. 76 e 77.
166
“A medida criada pelo regulamento implicava uma complexa rede de representantes, indicados pelas
organizações sindicais. Esta rede deveria servir de braço do Estado em um suposto programa de
fiscalização das leis de maneira que não onerasse a União. Para tanto, a lei estabeleceu que o horário de
trabalho no comércio seria fiscalizado pelos próprios interessados na aplicação, sob coordenação do poder
público de maneira auto suficiente”. (SOUZA, 2007, p.76)

Por fim, como exemplo das ações dos sindicatos atrelados à FOSP, citarei aqui o caso
do Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos Confeiteiros como o principal modelo de
reações às sucessivas burlas ao estabelecimento das 8 horas de trabalho, pois foi o caso mais
evidente e possível de acompanhar. Mas vale lembrar que tais trabalhadores não haviam se
submetido à sindicalização e, portanto, os serviços de fiscalização não eram aplicados a eles.
Depois de reivindicações entre 1932 e 33, esses trabalhadores continuaram a tratar em
1934 da questão das 8 horas de trabalho em suas assembleias gerais 614 e em suas reuniões, pois
o patronato voltou a não querer cumprir esse direito e o Departamento fez com que cumprissem
as disposições estabelecidas da convenção. De qualquer forma, o jornal afirmou que com ou
sem o Departamento e a convenção, esses operários não podiam aceitar a burla de seus direitos,
pois isso era ferir seus interesses e a sua dignidade. Dessa forma, mais uma vez incentivou a
ação direta:

“Deve entrar na luta pela ação diréta [sic], exigindo o cumprimento da lei de 8 horas, não como um ‘favor’
da Republica Nova, mas como conquista proletaria [sic]”615

Ainda no início desse ano, passaram por uma situação mais degradante. De acordo com
a comissão do Sindicato, a gravidade do momento exigia que as normas rotineiras fossem
abandonadas e que se iniciasse uma campanha “energica [sic] e inteligente” capaz de “abrir
caminho no labirinto de confusões que reina no seio da classe”. A situação dos trabalhadores
em Padaria e Confeitaria tendia a piorar cada dia mais se não enfrentassem os “desmandos
patronais”, os quais além de exercer represálias, queriam implantar o “regime desumano da
jornada de 14 e 18 horas”. Isso correspondia a mais uma situação de desengano àqueles que
achavam que a situação melhoraria com as leis sociais (férias, 8 horas, convenções, fiscalização,
multas). Para o Sindicato, nenhuma lei seria cumprida se os próprios trabalhadores não

614
“Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos Confeiteiros”. A Plebe, nº55,
10/02/1934. São Paulo, p. 3.
615
“Movimento Operario. Comunicados e Reuniões. Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos
Confeiteiros”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 3.
167
realizassem uma ação e como prova citaram o caso da “Convenção”, a qual teve um efeito nulo,
algo já esperado 616.
A fiscalização do Departamento Estadual do Trabalho que percorria as padarias,
segundo a comissão, não tinha o intuito de punir os empresários descumpridores das leis, mas
sim os aconselhar e obrigar os operários a aceitarem a “Carteira Profissional” (grifo deles), mas
os trabalhadores não deveriam concordar com essas medidas 617. Essa situação foi tratada por
Samuel de Souza, quando o autor explicou que o Departamento geralmente não multava os
patrões, mas negociava e omitia seus erros618.
Os trabalhadores do respectivo Sindicato acreditavam que possivelmente teriam que
recorrer à Greve Geral: “a única arma eficaz e justiceira ao alcance dos trabalhadores” para a
conquista do direito das 8 horas de trabalho. No mesmo comunicado, anunciaram a realização
de uma assembleia geral importante para tratar do assunto e chegar em um acordo, sendo de
grande necessidade o comparecimento de todos a fim de “impedir que vingue a manobra
patronal619. Essa situação evidencia o quanto a oposição por parte dos sindicatos filiados à
FOSP permanecia mesmo em 1934 e como indicação da ação direta era a principal alternativa.
Ainda nesse primeiro momento, o sindicato estava se movimentando para a promoção
de uma grande campanha por todas as organizações desse ramo que existiam no país, com o
intuito brevemente ter possibilidades para realizar um congresso de classe 620. Em junho, para
atender melhor os interesses da classe, instalaram uma sucursal na Rua Piratininga, 2-sob,
assim, os participantes da classe do bairro do Brás poderiam ser melhor atendidos. Um
manifesto foi distribuído expondo os motivos para tal instalação e convidando os trabalhadores
621
em padarias a defenderem seus interesses . Geralmente, a instalação de uma sucursal
significava que a situação econômica do sindicato estava boa.
No final de julho, realizaram uma importante reunião de classe com cerca de 600
padeiros e, segundo o jornal, esses estavam demonstrando grande atividade de defesa dos seus

616
Comissão. “Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de São
Paulo”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 3.
617
Ibidem.
618
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis do trabalho
nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007.
619
Comissão.“Movimento Operario. Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares de São
Paulo”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 3.
620
“Movimento Operario. Comunicados e reuniões. Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos
Confeiteiros”. A Plebe, nº58, 17/03/1934. São Paulo, p. 3. Toda correspondência deveria ser enviada para
Manoel Frutoso, na Rua Quintino Bocaiúva, nº80, SP.
621
“Movimento Operario. Comunicados e reuniões. Sindicato dos Manipuladores de Pão e Anexos Confeiteiros”.
A Plebe, nº65, 23/06/1934. São Paulo, p. 3.
168
direitos nos últimos tempos. O assunto principal foi a criação do “Comitê Pró Presos da Classe”,
seguindo a iniciativa do “Comitê Pró Presos Sociais”. A ideia foi bem recebida por todos os
membros do Sindicato622. Também outros assuntos foram tratados, como: o que fazer diante ao
não cumprimento da lei de 8 horas; o tratamento “a sêco [sic]” nas padarias e confeitarias;
melhoria das condições higiênicas dos estabelecimentos (deveriam ter maior cuidado por serem
de responsabilidade coletiva e por ser o local de manipulação do pão, um alimento essencial no
consumo da população):

“Cheios de entusiasmo e animados da maior camaradagem, terminou a assembleia com as maiores


demonstrações de apoio á [sic] obra do Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares,
filiado á FOSP”623.

Em setembro, realizaram novamente uma assembleia geral da classe para tratar das suas
reivindicações. Depois de “longos e acalorados” debates, decidiram apresentar aos
empregadores um “plano de melhorias imediatas”, as quais já estavam postas na legislação
social que, até então, não havia sido cumprida pelos empregadores. Ou seja, no fim de 1934,
ainda existia resistência por parte do patronato em cumprir a legislação trabalhista.
A opinião do jornal era de que a convenção entre os trabalhadores em padarias e o
respectivo patronato, por intermédio do Ministério do Trabalho, fracassou e mais uma vez esse
órgão do governo não apresentou nenhuma atitude visando garantir os direitos das “classes
oprimidas”, permitindo o desrespeito por parte da classe patronal. Por isso, esse sindicato, por
deliberação geral da classe, decidiu pleitear diretamente seus interesses, sem intermediários.
Caso não houvesse entendimentos e os empregadores não respeitassem os direitos dos
trabalhadores em padarias, realizariam a greve 624.
A bibliografia indica que entre 1933 e 1934 uma série de decretos foram promulgados
concedendo a jornada de 8 horas para as categorias que não compunham nem o comércio e nem
a indústria, como barbearias, farmácias, padarias, casas de diversão, casas de penhores, bancos,
transportes, frigoríficos, armazéns, telegrafia, hotéis e restaurantes. Podemos supor que alguma
dessas várias greves realizadas pelos padeiros podem ter corroborado para isso ao pressionarem
o cumprimento do direito. Por fim, vale lembrar que para os trabalhadores do comércio essa lei

622
“Os Padeiros se movimentam. Uma importante reunião á qual assistam perto de 600 trabalhadores em
padarias”. A Plebe, nº68, 04/08/1934. São Paulo, p. 3. Em outubro há notícias de ações desse grupo arrecadando
dinheiro e destinando aos presos sociais ( “Pro’ presos sociais”. A Plebe, nº73, 13/10/1934. São Paulo, p. 2).
623
Ibidem
624
“Movimento Operario. Os padeiros se agitam novamente”. A Plebe, nº71, 15/09/1934. São Paulo, p. 3.
169
havia sido instituída em março de 32 e para os trabalhadores das indústrias em maio de 1932,
enfrentando maiores resistências dos empresários do ramo 625.

7. Outras formas de resistir à nova organização


corporativista

É possível destacar também outras formas de incentivo à ação direta e autônoma


registradas nas páginas do jornal.

7.1 Realização de um Congresso Operário

Outra forma de oposição à “[sic] fascistica lei de sindicalização e a obra perniciosa que
o representante do Ministerio [sic] do Trabalho está realizando” (nesse momento, era Salgado
Filho que estava à frente) foram as deliberações tomadas, no final de 1932, a respeito do 4º
Congresso Operário Brasileiro que deveria ser realizado em maio de 1933, mas nunca
aconteceu. Nele seriam feitos atos públicos contra a lei, também ocorreria a representação direta
da classe trabalhadora de todo o país, e estariam presentes os representantes da Associação
Continental dos Trabalhadores Americanos e talvez da A.L.T, de Berlim, segundo a nota
emitida pela FOSP. Além disso, o objetivo era reconstituir a Confederação Operária
Brasileira626e essa seria responsável por:
“(...) estudará todos os aspectos da Questão Social e tratará diretrizes justas para a luta contra a exploração
capitalista e contra a intromissão do poder estatal nas relações entre capital e trabalho a pretêsto [sic] de
defender este ultimo [sic]” 627.

625
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 292.
626
Só em 1934 houve registros de movimentações em prol a realização dessa Confederação e o 1º de maio desse
mesmo ano foi importante nesse sentido, pois, além das comemorações feitas na sede da Federação proporcionando
uma maior sociabilidade e sessões educativas para os trabalhadores, o jornal afirma que eles tinham a pretensão
dessa data marcar o início da união do proletariado em torno dos objetivos que visassem à transformação social.
Nesse momento começaram a realizar esforços a fim de reorganizar a Confederação. “Movimento Operario. As
comemorações do 1º de Maio na Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo, p. 3. O
jornal registrou a forma pela qual esse dia foi comemorado em vários países (“O 1º de Maio através dos
telegramas”. A Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo, p. 1) e “Atitudes e simulacros de atitudes”. A Plebe, nº62,
12/05/1934. São Paulo, p. 1.
627
“Movimento Operario. Federação Operaria de S. Paulo. Nota Oficial”. A Plebe, nº 6, 31/12/1932. São Paulo,
p. 4.
170
Ou seja, a Confederação iria propor outra forma para o trato da questão social,
demonstrando a clara oposição ao projeto corporativista vigente que instituiu a intermediação
do Estado nas relações de trabalho.

7.2 Uma Resistência ampla

É importante ressaltar também para entender as ações de reação ao cenário de


enquadramento das organizações operárias, a compreensão posta nas publicações de 1933 a
respeito do anarquismo não ser uniforme e nem unilateral. Sendo assim, o anarquista poderia
atuar em vários ambientes, desde uma biblioteca até uma organização operária 628, isto porque
existia uma “cultura anarquista”, como afirma Rodrigo Silva, responsável por produções
artísticas e literárias629. Ou seja, a atuação dos anarquistas não se resumia aos sindicatos e,
portanto, poderiam resistir de diversas formas, em outros locais e não necessariamente nas
associações operárias: uma “resistência ampla”, como define Azevedo 630. Isso é perceptível
tanto nesse ano quanto nos outros, quando os militantes e trabalhadores atuaram também no
Centro Social, em conferências, em festivais, em grupos de afinidade etc. Todos esses locais
também eram formas de manifestações da classe trabalhadora para além da atuação nos
sindicatos. Sobre essa variada forma de manifestação anarquista, Silva alega que:

“Entre os anarquistas notamos que, para além de uma dicotomia entre política e cultura, existe o
entendimento do amplo alcance de suas idéias, que tomam de assalto tanto as manifestações artísticas e
literárias, quanto os debates e comícios públicos, chegando até a promover transformações no campo
individual ao incentivar uma postura de igualdade entre os sexos e de não submissão das questões
particulares ao aval das instituições religiosas ou civis. Tanto as greves revolucionárias como as relações
interpessoais eram vistas como parte da militância e da divulgação de seu ideal. Muitas vezes os
anarquistas tomam a música e a literatura como instrumentos de propaganda. Para muitos deles, seus
momentos de lazer e descontração deveriam caminhar associados à ação de conscientização dos
trabalhadores de sua condição de explorado. A música presente em seus festivais, piqueniques e
manifestações tinha esse caráter lúdico e descontraído, porém sem perder o compromisso com as idéias
de liberdade e igualdade”. (SILVA, 2005, p. 4)

628
“Anarquia e Anarquismo”, trecho de “De Solidariedade Obreira”. A Plebe, nº38, 26/08/1933. São Paulo, p. 4.
629
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 3.
630
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002.
171
O jornal nos mostra a organização de conferências desde 1932 com finalidades
educativas que, dentre os assuntos, tratavam a respeito da questão social (talvez acontecessem
anteriormente, mas como o jornal não estava funcionando, não há registros), assim como os
festivais em prol do auxílio financeiro do periódico. Os temas debatidos tinham ligação com os
assuntos em destaque da época. Nesse mesmo ano, no dia 05 de dezembro, Francesco Frola
realizou uma conferência no salão da União dos Artifices em Calçados e Classes Anexas a
respeito do tema “Luta de Classes” 631. No dia 20, uma conferência foi realizada por Florentino
de Carvalho e apresentava como tema “O valor e significação do socialismo, do Sindicalismo
e do Anarquismo – Princípios, meios e fins da emancipação dos trabalhadores” 632. Geralmente,
as conferências eram realizadas no salão da FOSP, na Rua Quintino Bocaiúva, 80, e no período
noturno, provavelmente para que os trabalhadores pudessem comparecer. A partir dos temas e
assuntos discutidos nelas percebe-se a necessidade de reiterar exatamente aquilo que defendiam
com o intuito de os trabalhadores se organizassem em oposição ao sindicalismo obrigatório.
Foi um período também de organização de outros centros educativos, igualmente
registrados pelo jornal. Por exemplo, em dezembro noticiaram a reorganização do “Centro de
Estudos Sociais”, em Sorocaba, afirmando que no período anterior este havia feito muito pela
causa social. Esse Centro também tinha caráter libertário e passaria a se dedicar à difusão de
633
jornais, livros e folhetos com essa ideologia .
Raquel Azevedo constata que uma forma adotada para que se mantivessem atuantes foi
por meio da prática educativa, fundamental na concepção libertária. Tal prática se apoiava nas
formas de organização dos sindicatos e dos grupos que tinham como base o princípio
antiautoritário e eram contra o estabelecimento de chefes ou interesses que desviassem a opção
consciente dos trabalhadores pela associação solidária. Portanto, as atividades culturais, como
os festivais, os cursos e as palestras não eram somente um complemento às atividades sindicais
e aos grupos, mas formas para que a ocorresse a formação e a conscientização do trabalhador,
permitindo a concretização das finalidades libertárias primordiais 634:

“As formas de organização e de expressão cultural, como o discurso e o imaginário libertário,


apresentavam traços marcantes de suas origens no século passado. Sua adaptação e recriação ocorriam,
predominando, porém, a repetição como garantia da identidade, buscando-se, no lastro da tradição, o
impulso e o vigor para sua continuidade”. (AZEVEDO, 2002, p. 361)

631
Nº 3, p.3, em “Luta de Classes”.
632
“Movimento Operario. Conferencia”. A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 4.
633
Localizava-se na Rua Coronel João Tavares, nº33 - A Plebe, nº4, 17/12/1932. São Paulo, p. 3.
634
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 360.
172
7.2.1 Propagandas libertárias

Também houve um aumento dos artigos sobre as vantagens e a importância do projeto


libertário para o alcance de uma sociedade que prezasse pelo bem-estar social de todos,
principalmente a partir da segunda metade de 1933. Ou seja, era por meio dos escritos e também
da oratória que as ideias anarquistas circulavam formando opiniões e a revolta entre os
trabalhadores:

“É através do discurso oral ou escrito que as idéias circulam seduzindo, reelaborando valores e gerando
novas atitudes” (HALL; PINHEIRO, 1985, p. 106 APUD SILVA, 2005, p.49)

De acordo com Bernardon, manter as propagandas libertárias era também uma questão
de identidade social e política, e mais do que isso era:

“(...) lutar pela sobrevivência daquilo que consideravam ser a única saía para a humanidade: romper com
as desigualdades, opressões e explorações”. (OLIVEIRA, 2009, p. 158).

Em suma, vários artigos discorreram sobre o que era o anarquismo e a importância da


atuação nos sindicatos. Em outubro de 1933, por exemplo, foi exposto um “Manifesto
Anarquista-comunista” descrito como “um apelo a todos os libertarios [sic] e simpatizantes”.
Nele, há a explicação dos princípios anarquistas e do porque eram comunistas, individualistas,
revolucionários e educacionistas; do programa social defendido a fim da formação da “comuna
libertaria [sic]”; e quais eram as “tarefas imediatas”. Aliás, a publicação desse manifesto foi
feita em outubro, depois de críticas à “harmonização” das classes, à Revolução de 30, ao
fascismo (mais especificamente à A.I.B) e depois das denúncias de repressão contra o jornal e
contra os trabalhadores, os quais já estavam novamente sendo presos. Entende-se, ao final do
Manifesto, que sua publicação foi feita visando expandir a ideologia anarquista em prol mais
adeptos em um cenário de ataques ao sindicalismo autônomo e de disputa pela classe
trabalhadora. Mas também, compreende-se ter sido uma publicação a fim de tentar realizar a
reorganização desses militantes ao criticar que eram seus opositores:

“(...) Assim veiem, com simpatia, se desenvolverem organizações populares: sindicatos, cooperativas, etc. em
que vêem forças do futuro, cujo desenvolvimento seguem com interesse. Desejam que estes organismos, fora
de toda tutela política, se coloquem em seu verdadeiro terreno: a luta de classes. (...) Os militantes
anarquistas dirigem um ardente apelo a todos os que têem tendências anarquistas para que, depois da
leitura do manifesto acima, lhes dêem plena e inteira adesão. Pedem a todos que apaguem, de seu coração
e de seu espírito, qualquer lembrança que os tenha dividido. Os aderentes das agrupações anarquistas
existentes têem já cumprido o dever de reaproximação e de atividade – e esperam que aqueles que, por
diversas razões de consciência pessoal ou doutrinaria se não retraído do nosso movimento voltem aos
seus lugares de combate. Na hora atual, onde graves acontecimentos se preparam, é mais do que nunca
necessario [sic] que todos os elementos anarquistas se aproximem e se combinem para formar uma frente
173
unica [sic] de batalha. Este apelo dirige-se tambem [sic] a todos os trabalhadores (anarquistas que se ignoram)
(...) Não é possível tambem [sic] que fiquem extranhos á luta que se trava entre os princípios de
autoridade e de liberdade e em que está em jogo seu futuro (...) 635. (grifos meu)

Ainda nesse ano, apesar de não haver registros de reivindicações por parte dos sindicatos
filiados à FOSP (entre os números 32 e 47), as comissões dos sindicatos realizaram chamadas
para assembleias e reuniões, constatando o prosseguimento das atividades, como, por exemplo,
iniciativas para incrementar o movimento associativo e/ou a propaganda 636.
Dessa forma, também nesse ano e como indica o trecho citado acima, houve um aumento
da realização de “propagandas libertárias”, feitas por meio de palestras, sessões, conferências
etc. Por exemplo, na última semana de junho de 1933, foram vários os eventos desse tipo: no
dia 20, uma palestra “educativa e libertaria [sic]” com Maria Lacerda de Moura 637; no dia 23,
uma “sessão anti-fascista” com José Oiticica; dia 24, a convite do Centro Cultural Social, uma
conferência D. Luiza P. Hran (?) sobre “as mazelas da sociedade burguesa e clerical” em que
viviam; por fim, no dia 26, Oiticica discorreu sobre “os princípios básicos do anarquismo”.
Essas sessões geralmente duravam horas, reforçando ainda mais o caráter educativo e a tentativa
de disseminar a ideologia anarquista, em um momento de oposição às medidas corporativistas
pautadas na relação entre capital e trabalho, e de combate ao desenvolvimento do fascismo em
São Paulo, principalmente, e no Brasil. No caso dessa última conferência, o jornal registrou a
presença de intrusos que tentaram “confundir o orador com perguntas e afirmações”, mas de
nada adiantou, pois Oiticica rebateu todas as provocações638. Foi nesse ano também que a
Federação Operária iniciou a realização de “festivais de confraternização obreira”, geralmente
realizados no Salão da Federação Espanhola, evidenciando mais uma de suas ações frente ao
639
movimento sindical . Aliás, segundo Lúcia Parra, o Centro de Cultura Social sempre foi
muito importante para o autodidatismo de vários militantes anarquistas no Brasil, nas primeiras

635
“Manifesto Anarquista-comunista”. A Plebe, nº44, 14/10/1933. São Paulo, p. 2. Na mesma publicação, na
p.4, mostram como os integralistas desejavam entrar no meio operário: “Como todos os tiranos modernos, os
integralistas falam tambem [sic] em nome do proletariado. Quando deixarão de insultar assim aos
trabalhadores?”.
636
Ex:“Movimento Operario. União dos Artifices em Calçados”. A Plebe, nº38, 26/08/1933. São Paulo, p. 3.
637
Uma militante anarquista brasileira que estava entre os militantes mais destacados do período. Era professora
e aproximou-se do movimento anarquista por acreditar que a educação era um fator para a transformação da
sociedade. Costumava fazer várias conferências na FOSP e na União dos Operários em Fábricas de Tecidos,
além de também ter sido colaborada de A Plebe. Vale mencionar também que liderou associações feministas:
Confederação da Mulher Brasileira (1919); Federação Internacional Feminina (1921) e o Comitê Feminino
Contra a Guerra (1935). In: PARRA, Lucia Silva. Leituras libertárias: cultura anarquista na São Paulo dos anos
1930. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, 2014, pp. 31 e 52.
638
“Sementeira Libertaria”. A Plebe, nº31, 01/07/1933.São Paulo, p.1.
639
“Festival de confraternização proletaria”. A Plebe, nº40, 16/09/1933. São Paulo, p.3.
174
décadas do século XX, como: Edgard Leuenroth, Pedro Catalo, Adelino Tavares de Pinho,
Florentino de Carvalho, Gigi Damiani, Gil de Souza Passos, Rodolpho Felippe, Marino
640
Spagnolo e Antônio Avelino Foscolo :

“O fenômeno do autodidatismo de quadros de militante anarquistas brasileiros, por meio sobretudo da


prática de ensino mútuo, é fato atrelado aos Centros de Cultura, as verdadeiras universidades, com lócus
de encontros políticos, leituras, discussões teóricas e práticas” (VALVERDE, 2007, p. 396)

Em 1934, foi realizado um Festival de Confraternização Proletária (24/02), que


correspondeu ao segundo festival proletário realizado no salão da FOSP641. Esse tipo de festival
voltaria a acontecer em junho (30/06) e em setembro (18/09)642. De acordo com a própria
comissão do evento, os festivais tinham o intuito de estreitar os “laços de harmonia social e
solidariedade”, por isso os sindicatos filiados à FOSP apelavam para que todos os trabalhadores
conscientes e homens livres participassem643.
Os registros de festivais em prol ao jornal são uma forma de ter noção sobre a quantidade
daqueles que eram adeptos ao anarquismo nesse momento e na cidade de São Paulo. Segundo
o periódico, alguns festivais que ocorreram durante o ano contaram com 742 pessoas 644.
Ademais, percebe-se que a questão social foi destaque de conferências realizadas pelo Centro
de Cultura Social 645 e nesse ano foi fundado em São Paulo o Ateneu de Estudos Científicos e
Sociais, uma organização que também tinha o intuito de estudar os problemas sociais e
646
filosóficos . Essas ações indicam bastante atividade por parte dos libertários junto à
reorganização dos grupos libertários que também estava em voga.
Então, o aumento da propaganda libertária fez com que grupos fossem criados ou
reorganizados para a propagação dos ideais libertários. Assim, ainda em 33 foi criado “Os
amigos da Propaganda Libertaria [sic]”, grupo que marcou o surgimento de associações com

640
PARRA, Lucia Silva. Leituras libertárias: cultura anarquista na São Paulo dos anos 1930. Dissertação
(Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, 2014, p. 124.
641
“ Festival de Confraternização Proletaria”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 3. Esse teve como tema
“A mulher no passado, no presente e no futuro”, conferência feita por Hermínio Marcos (Nº56, p.2). Em 31 de
abril ocorreu outro festival de confraternização, no Salão Celso Garcia, na Rua do Carmo, nº25 (“Dia 31”. A
Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo, p. 8).
642
“Festival de confraternização proletaria”. A Plebe, nº70, 01/09/1934. São Paulo, p. 3.
643
“Movimento Operario. Comunicados e reuniões. Um festival da Federação Operaria de São Paulo”. A Plebe,
nº64, 09/06/1934. São Paulo, p. 3.
644
“Ao nosso festival do dia 4 de agosto concorreram 742 pessoas”. “E’cos do nosso festival”. A Plebe, nº70,
01/09/1934. São Paulo, p. 2.
645
“Centro de Cultura Social”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo, p. 4; “A nova sociedade por uma
consciencia ‘nova’”. A Plebe, nº77, 03/12/1934. São Paulo, p. 3: conferência feita pelo camarada G. Soler para
tratar das várias perspectivas da nova fase da organização do proletariado.
646
A.N.“Atenêu de Estudos Científicos e Sociais”. A Plebe, nº71, 15/09/1934. São Paulo, p. 4.
175
esse intuito. Sua formação ocorreu no dia 11 de julho: uma “agremiação de propaganda”
composta de voluntários e simpatizantes, chamada “Amigos de propaganda libertaria [sic]”
com o intuito de divulgar A Plebe e auxiliar, principalmente, na “confecção, expedição e
transportes” do jornal. Essa agremiação seria também responsável pela organização dos
festivais, promoção das excursões, convocações dos comícios, assembleias e reuniões 647.
Podemos considerar as conferências, os grupos e outros periódicos como elos de ligação da
prática libertária, como também argumenta Rodrigo Silva:

“(...) nos cinco primeiros anos da década de 1930 pode-se dizer que havia um movimento anarquista ativo
e que diversos sindicatos, militantes e entidades circulavam nos mesmos meios e participavam de
atividades em comum, caracterizando-se como elos de ligação entre as diversas práticas libertárias”
(SILVA, 2005, p. 18)

Sendo assim, A Plebe fazia parte desse elo e de sua expansão. Ao final do ano, mais
especificamente em dezembro, grupos de tendências anarquistas começaram a se organizar (não
só em São Paulo) e propor formas de disseminação da propaganda. O Comitê de Relações dos
Grupos Anarquistas de São Paulo alegava ser necessário, naquele momento, substituir o
período de crítica ao regime estatal capitalista por um método orgânico no sentido das
concepções anarquistas. Era preciso mostrar que eles não eram “eternos revoltados e
destruidores, como assoalha a burguesia”, mas que tinham “elevadas concepções orgânicas”.
Também era necessário adotar novas táticas de luta, novos métodos de organização,
substituindo os atuais. Era preciso renovar, na concepção do Grupo.
Já o Grupo Terra Livre estava realizando reuniões consecutivas, tentando coordenar as
atividades anarquistas em todos os cantos do Brasil, junto aos outros grupos anarquistas. O
Grupo Editor de A Plebe registrou que, a partir das reuniões feitas entre eles, foi estabelecido a
realização do máximo de propagandas por escrito, oralmente e por correspondência entre os
comitês de relações de todos os grupos da Capital e do interior. A partir disso iniciaram reuniões
com o Grupo Terra Livre a fim de discutir sobre o movimento de disseminação. Então, o
trabalho de formação de grupos visando uma melhor articulação havia recomeçado por meio
de cartas, manifestos, folhetos e livros 648. É preciso lembrar que essa rearticulação ocorreu no
fim do ano, depois da diminuição da publicação do jornal, depois das críticas ao governo, às
leis sociais, à Revolução de 30, aos integralistas, ao fascismo e depois das denúncias de

647
“Amigos da propaganda libertaria”. A Plebe, nº33, 15/07/1933. São Paulo, p. 3.
648
“Vida Anarquista”. A Plebe, nº48, 02/12/1933. São Paulo, p. 2. Aviso das reuniões do Grupo Terra Livre: A
Plebe, nº50, 16/12/1933. São Paulo, p. 2 e “Centro Libertario ‘Terra Livre’”. A Plebe, nº51, 23/12/1933. São
Paulo, p. 2.
176
repressão. Também era um momento de ascensão dos adeptos à carteira de trabalho, ou seja,
realmente um período de disputa pelo movimento operário.
Para o Grupo Germinal, a propaganda anarquista não deveria ser encarada como era há
50 anos, pois o contexto era outro. A situação atual era marcada pela ascensão do fascismo na
Europa e do integralismo do Brasil: “bandos reacionários do capitalismo agonizante”, mas que
utilizavam da organização proletária e as adaptava no sindicalismo corporativista, fazendo com
que os sindicatos fossem submetidos aos departamentos oficiais. Junto a isso, os integralistas
estavam tentando adentrar nas associações operárias, por essa razão as formas de luta deveriam
atender às necessidades do momento. O Grupo deu até mesmo uma sugestão: para que fossem
649
encaminhadas as iniciativas da formação de grupos, através de um objetivo em comum .
Percebe-se que no discurso desse grupo o integralismo é associado aos sindicatos
corporativistas do governo.
Apesar desses avanços em organizar e disseminar a propaganda anarquista, foi possível
notar divergências entre os grupos, principalmente entre o Comitê de Relações dos Grupos
Anarquistas de S. Paulo, A Plebe e o Grupo Terra Livre: os dois últimos discordavam da
orientação seguida pelo Comitê, pois entendiam que este último estava fazendo recomendações
futuras e estabelecendo algo de antemão, atitudes que não condiziam com as propostas da
doutrina anarquista. O Comitê, em resposta, negou, falou sobre estar esperando a manifestação
dos “estudiosos da questão social” (referência aos outros dois) e que esses acompanhassem os
artigos escritos pelo Comitê sobre o assunto, pois dessa forma perceberiam que não condizia
com as críticas desferidas650.
Vale ressaltar que apesar desses posicionamentos e rearticulações, que de algum modo
estavam relacionadas à crítica da lei de sindicalização, em 1933 o grande perigo era a ascensão
do fascismo no Brasil: “a última arma de que a burguesia lança mãos” para dominá-los e
“cercear todos os magros direitos conquistados até hoje á força de lutas pugnas e de canseira”.

649
Grupo Germinal. “Vida Anarquista. Como encarar a obra de organização dos grupos”. A Plebe, nº49,
09/12/1933. São Paulo, p. 2. (Escrito em novembro de 33).
650
Comitê de Relações.“Comitê de relações dos grupos anarquistas de S. Paulo”. A Plebe, nº53, 13/01/1934. São
Paulo, p. 3. Esse embate continua nos próximos números: “Vida anarquista. Um esclarecimento”. A Plebe, nº54,
27/01/1934. São Paulo, p. 2; PASSOS, Souza. “Vida Anarquista. Problemas do Futuro”. A Plebe, nº55,
10/02/1934. São Paulo, p. 2: Defende a organização dos grupos anarquistas e sua multiplicação, mas que sua
atuação não fosse um empecilho à organização sindical, mas sim ampliasse a sua missão revolucionária. Assim,
estava reservado ao sindicato a função da distribuição, controle, produção e consumo, após a revolução social;
NEVES, A. “Sindicalismo e anarquismo”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 2, do grupo anarquista
Acção Libertaria: defende que o sindicalismo não deve existir após o acontecimento da revolução social. Esse
assunto gerou até a realização de uma reunião cultural, no Centro de Cultura Social, em fevereiro sobre “O
sindicato como orgão da revolução, assunto de palpitante atualidade sobre o social” (“Centro de Cultura Social”.
A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 4.)
177
Os artigos evidenciaram, até então, muito mais uma necessidade de mobilização contra o
movimento integralista, isto é, pessoas que defendiam as ideais do “duce” (grifo do jornal) e se
vestiam de “camisa oliva”, com o intuito de iniciar “a matança, o incêndio e a destruição” 651
.
Essa luta contra a ascensão do fascismo acabou ofuscando um pouco a questão do trabalho: foi
registrada a realização de “grandes assembleias” com esse propósito e o combate ao fascismo
foi apresentado aos “[sic] trabalhadores concientes” como um assunto pelo qual eles deveriam
652
se interessar, pois os atingia diretamente . As comissões dos sindicatos filiados à FOSP
reforçaram cada vez mais a necessidade da organização dos trabalhadores em oposição à sua
ascensão, pois representava uma ameaça à liberdade de manifestação 653 e a própria Federação
indicava a necessidade de “entrar na ação prática” para obterem resultados 654. Quando a luta
contra o fascismo foi referenciada, o governo brasileiro não foi citado, apenas o alemão e o
italiano (como foi argumentado, até o final de 33 o governo brasileiro ainda não era descrito
como fascista).
De qualquer maneira, em vista de todas essas mobilizações e considerando que a lei de
sindicalização sempre foi considerada fascista, podemos questionar se esse incentivo à luta
contra o fascismo não era também uma luta indireta contra a respectiva lei. Talvez não seja tão
estranho estabelecer essa conexão, pois o fascismo foi descrito como uma criação da burguesia
e do capitalismo a fim de acentuar a exploração dos trabalhadores 655, assim como um
movimento que visava à eliminação destes e de suas liberdades 656. Argumentos parecidos foram
utilizados para descrever os perigos da lei de sindicalização.
Enfim, de modo geral, a ideia propagada no jornal era a de que o “povo brasileiro”
repudiava os integralistas657, o que mostra uma tentativa de deslegitimar este que também era

651
“Combater o fascismo é uma questão de dignidade humana”. A Plebe, nº35, 29/07/1933. São Paulo, p. 4.
652
“Movimento Operario. União dos Artífices em Calçados e Classes Anexas” e “Liga Operaria da Construção
Civil”. A Plebe, nº31, 01/07/1933.São Paulo, p.3. ; “Movimento Operario. Liga Operaria da Construção Civil. A
Plebe, nº47, 18/11/1933. São Paulo, p. 3.
653
“Movimento Operario. União dos Artífices em Calçados e Classes Anexas” e “Liga Operaria da Construção
Civil”. A Plebe, nº31, 01/07/1933.São Paulo, p.3.
654
A Plebe, nº33, 15/07/1933. São Paulo, p. 3.
655
Chamada de abertura da publicação: “Trabalhadores: o ‘integralismo’ (fascismo brasileiro) é mais uma
mordaça com que a burguesia pretende continuar a exploração do nosso trabalho, abalando a conciencia
proletaria”. A Plebe, nº43, 07/10/1933. São Paulo, p.1.
656
“O integralismo iniciou no Brasil o derrame de sangue proletario”. A Plebe, nº46, 04/11/1933. São Paulo, p. 1
(citam notícias de assassinatos e a conclusão de que o “fascismo brasileiro” havia passado da fase de preparação
para a prática de sua finalidade).; “O integralismo pretende, como o fascismo, escravizar e acorrentar o povo.
Para não termos que chorar, depois, como energúmenos, defendamos agora as nossas liberdades”. A Plebe, nº47,
18/11/1933. São Paulo, p. 1.
657
“O povo brasileiro manifesta com fatos, a sua aversão á xaropada fascista, que lhes quer impingir sob
etiquetas de varias denominações e diferentes cores”. A Plebe, nº40, 16/09/1933. São Paulo, p.4.; “Contra o
bando de azas negras que procura implantar o regime do ‘crê ou morre’, o povo brasileiro deve opôr os seus
178
um concorrente na cooptação dos trabalhadores em seu projeto político, assim como quando
avisavam sobre os perigos desse movimento658. Ademais, essa movimentação em combate ao
fascismo parece ser reflexo das ações internacionais. O periódico registrou a realização de
659
congressos anti-fascistas em outros países, como na França , e pessoas perseguidas pelo
regime, como Virginia Dandrea 660. A Associação Internacional dos Trabalhadores (A.I.T)
direcionou um comunicado “[sic] ao proletariado de todos os paizes [sic]” falando a respeito da
luta contra o fascismo que estava sendo feita pelos trabalhadores e indicando a necessidade do
combate também do Estado, do militarismo e da ditadura.661
Em 1934, a oposição ao avanço do integralismo ficou em segundo plano, mas às críticas
ao movimento foram ligadas ao governo, sendo referenciado como um produto da “revolução
de 30 traída e desvirtuada” 662
. Ademais, o jornal pareceu adotar uma postura de deboche
quando escrevia sobre os integralistas, mostrando ser um movimento de pouca relevância e que
não conseguiria adentrar no meio operário. Vale ressaltar que o comunismo era comparado ao
fascismo por também prezar pela instalação de ditaduras e pela continuidade do Estado. A
indicação era de que ambos fossem combatidos 663.
Voltando para a questão principal, isto é, a reorganização de grupos: é perceptível sua
continuidade e intensificação, ao mesmo tempo em que a oposição ao fascismo decaiu. A FOSP
iniciou um contato com a finalidade de “estreitar os laços de fraternidade” entre as organizações
de caráter “genuinamente proletário, da capital e do interior”, pedindo para que todas elas
enviassem correspondências diretamente à Federação664. Nesse momento, a afirmação fora de
que o movimento operário independente ia bem, mas evidentemente a situação era instável para

sentimentos de liberdade e de justiça”. A Plebe, nº42, 30/09/1933. São Paulo, p.4.; “Contra o integralismo. De
Norte a Sul, de Oeste a leste, em todas as partes do Brasil cujo povo não aceita a mordaça que lhe querem impor
(...) se levantam protestos contra o fascismo brasileiro”. A Plebe, nº50, 16/12/1933. São Paulo, p. 3.; “Campanha
contra o Fascismo”. A Plebe, nº52, 30/12/1933. São Paulo, p. 1.
658
O periódico fala também sobre o aumento de adeptos por parte dos integralistas, ex: “O integralismo”. A
Plebe, nº43, 07/10/1933. São Paulo, p.1. Inclusive no mesmo número e página de quando emite a chamada aos
trabalhadores sobre o integralismo ser obra da burguesia. Para o jornal, esse movimento era produto do regime
que viviam, marcado pela prostituição, roubo, exploração proletária e desemprego. Ou seja, era um mal ligado à
sociedade capitalista e não havia outra solução que não o desaparecimento da engrenagem que sustentava esse
monstro que “corrói as entranhas da humanidade”.
659
“O combate ao surto fascista deve ser constante preocupação de todos os que prezam a degnidade humana”. A
Plebe, nº32, 08/07/1933. São Paulo, p.4. Outros exemplos de artigos que confirmam a ideia de ser um reflexo
Do combate internacional: “A campanha internacional contra o regimem do terror” (A Plebe, nº36, 05/08/1933.
São Paulo, p.4)
660
“O que queremos”. A Plebe, nº32, 08/07/1933. São Paulo, p. 1.
661
“A A.I.T ao proletariado de todos os paízes”. A Plebe, nº32, 08/07/1933. São Paulo, p. 4.
662
“Politica e a questão social”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 1.
663
CIANCI, Francisco. “Vida Anarquista. Problemas de liberdade”. A Plebe, nº61, 28/04/1934. São Paulo, p. 1.
664
“Movimento Operario. Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo, p. 3.
179
aqueles que não haviam aderido ao novo sindicato até então. Segundo Angela Araújo, a
resistência sindical foi aos poucos sendo substituída por uma adesão de finalidade mais
estratégica ao longo dos anos de 1933 e 1934, geralmente entre os grupos de inclinação
comunista e trotskista, com o interesse de ampliar suas participações políticas, principalmente
na eleição dos delegados para a Assembleia Constituinte 665. Em meio a essa situação causada
pela promulgação da lei de férias e por conta do aumento crescente da repressão, os grupos
anarquistas iniciaram reuniões com o intuito de intensificar a propaganda e melhorar a
organização, assim como no ano anterior.
Em janeiro, já houve registro de uma reunião do comitê, realizada no dia 7, com a
presença da maioria dos delegados dos grupos da capital, com o objetivo de estudar as várias
propostas apresentadas por eles e intensificar a propaganda em São Paulo e no resto do país.
Camaradas da velha guarda que tinham se afastado da ação de propaganda entenderam a
necessidade do contexto e voltaram a exercer a atividade, visando concretizar um trabalho de
organização “indestrutível” (grifo meu) com resultados a serem colhidos brevemente. A partir
dessa reunião foram marcadas mais desse tipo, mostrando um grande esforço de mobilização
666
.
Em fevereiro, foi editado e distribuído por A Plebe e pelo Grupo Terra Livre um
impresso contendo sugestões para a formação de grupos libertários, mas o periódico não
explicou muito mais do que isso 667. No mesmo mês, foi realizada uma reunião em conjunto
com todos aqueles que interessavam pelo movimento sindicalista revolucionário da capital e
com os delegados das associações aderentes à FOSP. Mais de uma centena de camaradas
haviam comparecido, segundo o registro do periódico. A partir dela, foi estabelecido o início
do trabalho de correspondência com as demais associações, com o objetivo de estreitar os laços
de solidariedade entre as organizações sindicais, estabelecer a troca de ideias e propor medidas
capazes de revigorar o movimento proletário pelo Estado e pelo país. Além disso, o assunto das
férias foi discutido: a lei foi criada no dia 26 de janeiro e até esse momento não havia sido
aplicada, a não ser parcialmente. Em 1933, foi motivo de agitações por parte dos trabalhadores.
Assim, eles resolveram que as deliberações a respeito ficariam a cargo do Comitê Federal,

665
ARAÚJO, Ângela. “Estado e Trabalhadores: a montagem da estrutura sindical corporativista no Brasil”.
Ângela Araújo (org.) Do corporativismo ao neoliberalismo: Estado e trabalhadores no Brasil e na Inglaterra. São
Paulo: Boitempo, 2002. pp. 50-51.
666
Comitê de Relações. “Reunião do comitê”, escrito pelo Comitê de Relações. A Plebe, nº53, 13/01/1934. São
Paulo, p. 3. A próxima reunião seria feita no dia 14, no local “nº2” (?) e pedia-se o comparecimento de todos os
delegados. O endereço era Rua Joaquim de Albuquerque, 21 (e não 41, um erro cometido no nº anterior).
667
“Projeto de bases de acordo para a formação de grupos anarquistas”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo,
p.2.
180
encarregado de pôr em prática o plano de reivindicações desse direito a todos os trabalhadores,
tendo em vista que o Ministério do Trabalho definiu que apenas os sindicatos oficiais poderiam
usufruí-lo 668. Diante dessa movimentação, grupos anarquistas começaram a ser formados:

“Temos recebido muitíssimas e variadas respostas á circular de propaganda que o grupo Editor de ‘A Plebe’
enviou aos simpatizantes e camaradas do interior” 669.

As cartas mostravam boa vontade por parte dessas pessoas, mas abarcavam as
dificuldades em relação à falta de elementos práticos e de orientação visando à organização. O
periódico explicava que em breve esses problemas desapareceriam conforme a obra de
propaganda fosse realizada. Em suma, o jornal afirmou que cada vez mais os princípios
libertários estavam ganhando adesão por parte do “povo explorado”, que estavam descontentes
670
com a situação em que se encontravam e almejavam um futuro melhor .
Em março, foi feito um Comício Popular de propaganda associativa, na Vila Mariana,
promovido pela FOSP e pela “Liga Operaria [sic] da Construção Civil”, na Rua França Pinto 671.
Em abril, na seção “Vida Anarquista”, o jornal se manifestou falando sobre a necessidade de
organização, o que pode ser um indicativo de que talvez o contexto da época estivesse afetando
essa iniciativa e desmobilizando os trabalhadores. De acordo com o periódico, muitos
anarquistas ainda viviam sem se agrupar e sem contato algum com a organização
revolucionária, mas era necessário que todos os homens simpatizantes do anarquismo
adquirissem a convicção sobre a impossibilidade da vitória desses ideais se não houvesse
coesão entre os “homens revolucionários” (grifo meu). Tal organização era ainda mais
necessária nesses momentos difíceis da atualidade, porque estavam à frente de um “perigo
fascista”:

“Isso é tanto mais necessario [sic] nestes momentos difíceis da atualidade, porque estamos ante o perigo
iminente de um fascismo que virá destruir todas as manifestações de liberdade, pois os politicos [sic] de
todos os matizes procuram assenhorar-se do movimento proletario [sic]. Urge que nos agrupemos, que
nos organizemos em nossos quadros de combate (...) Guia-nos o desejo de conseguir a unificação de todos
os fatores de nosso campo, para que saibamos apresentar-nos unidos ante o inimigo e para ajudar a organizar
um movimento obreiro revolucionário, sem o qual talvez não seja possível vencer o capitalismo, cujas
forças são compostas de mercenarios [sic]”672 (grifo meu)

668
“Movimento Operario. Comunicados e Reuniões. Um plenario da Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe,
nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 3.
669
“Formação de grupos anarquistas”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 3.
670
“Formação de grupos anarquistas”. A Plebe, nº56, 17/02/1934. São Paulo, p. 3
671
“Comicio Popular em Vila Mariana”. A Plebe, nº57, 03/03/1934. São Paulo, p. 3.
672
“Vida Anarquista. E’ preciso organizar-nos”. A Plebe, nº60, 14/04/1934. São Paulo, p. 2.
181
Na mesma publicação, foi noticiado que, por iniciativa do Comitê de Relações dos
grupos anarquistas de São Paulo, os grupos anarquistas desta capital se reuniram junto aos
grupos dos subúrbios mais próximos. Trataram sobre a relação com outros grupos e o interesse
em preparar agrupações libertárias de resistência com métodos eficientes contra a ameaça
fascista-clerical que se esboçava no cenário da vida social de São Paulo e do Brasil 673. Nessa
altura essas ameaças poderiam ser tanto o integralismo quanto as ações que se sucederam com
a lei de sindicalização.
A FOSP, na seção do “Movimento Operario [sic]”, anunciou a criação Comissão
reorganizadora do organismo revolucionário, no dia 1º de Maio desse ano, a qual orientaria no
sentido da liberdade integral da classe trabalhadora674. Em uma circular enviada pela Federação,
o Comitê Federal afirmou ser cada vez mais necessário o estabelecimento de relações de ligação
entre os trabalhadores de todo o Brasil para combater de maneira eficaz a coligação dos
“politiqueiros” com os capitalistas (clara referência ao decreto nº 19.770). Por isso, na eleição
para a nova Comissão todas as organizações de todo Brasil que lutavam pela emancipação dos
trabalhadores seriam contatadas, a desejo da FOSP 675.
Essa reorganização foi uma tentativa e necessidade de unir os trabalhadores a fim de
ressaltar as “[sic] vantagens da organização operaria de resistencia [sic]”, indicando uma
provável perda de adeptos. O jornal explicava aos trabalhadores que se estivessem desunidos
seriam sempre vítimas “indefesas da prepotencia [sic] capitalista”, mas associados teriam força
necessária para a defesa de seus interesses e para caminharem “até á [sic] integralização de seus
supremos direitos de emancipação”. Por essa razão, era essencial um “ativo e ininterrupto
trabalho de organização de toda a classe operaria [sic]”. Aqueles que já estivessem em
associações de suas profissões, deveriam agir nelas, comparecendo nas reuniões e assembleias,
e realizando os trabalhos associativos. Aqueles que ainda não faziam parte de nada e estivessem
desorganizados deveriam constituir suas “sociedades de resistencia [sic]”. Portanto, fica clara
a compreensão de que os sindicatos, ou seja, as associações proletárias eram vistas como formas
de resistir à situação em que estavam inseridos e o único tipo de associação aceita. Ainda nessa
parte, o jornal reiterou um argumento já bastante defendido sobre a emancipação dos
trabalhadores precisar ser necessariamente obra deles próprios, caso contrário não conseguiriam

673
“Vida Anarquista. Reunião dos grupos anarquistas”. A Plebe, nº60, 14/04/1934. São Paulo, p. 2.
674
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo”. A Plebe, nº60, 14/04/1934. São Paulo, p. 3.
675
Comitê Federal. “Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Circular enviada a’s
organisações”. A Plebe, nº60, 14/04/1934. São Paulo, p. 3.
182
nenhum benefício. Indiretamente, ter esse posicionamento não deixa de ser uma crítica à lei de
sindicalização:

“Não deveis esquecer, porém, companheiros, de que ‘a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos
proprios [sic] trabalhadores’ [grifo do jornal]. Nenhum beneficio [sic] conseguireis sem que seja o resultado
de vossos proprios [sic] esforços associados. De fora, de partidos ou de elementos políticos, nada podereis
nem deveis esperar – a não ser uma obra deletéria de desorientação, toda ela constituida [sic] de manejos e
explorações postos em pratica [sic] em proveito de suas ambições de dominio [sic]. Contai apenas com a
força de vossas organizações, livres de qualquer intervenção de elementos políticos, embora se apresentem
sob disfarces berrantes de que se servem os mistificadores que se metem entre os operarios [sic]. (...)
Prossegui na obra de organização operaria [sic] sindicalista revolucionaria [sic] e anti-estatal
defendendo o nosso movimento livre de ingerencias [sic] governamentais e da politica [sic], evitando,
assim, desvios danosos” 676.

Nessa onda de reorganização, a Federação chegou até mesmo a convocar uma reunião
geral dos trabalhadores “manuais e intelectuais” sob a alegação de ser uma necessidade que se
fazia cada vez mais urgente, isto é, a existência de um organismo que reunisse os inúmeros
operários que não tinham organização de sua classe ou que não estavam de acordo com as
organizações existentes de seu ramo 677 (provavelmente as sindicalizadas). Em agosto, os
trabalhos continuavam acontecendo para a real organização do sindicato, além disso,
realizavam assembleias semanalmente para tratar de assuntos importantes, na sede na Rua
Piratininga, nº 2. O próprio jornal fez um apelo àqueles operários que não eram filiados a
nenhum sindicato que se juntassem a eles, o que mostra a interferência do periódico nesse
momento de organização e reorganização 678.
Por fim, vale ressaltar que neste ano diversas associações e grupos de tendência
anarquistas foram fundados em várias partes do país. A sensação passada pelo jornal era de que
o ideal e a organização libertária estavam se fortalecendo. Em Teresina foi fundado o Grupo
libertário Sacco e Vanzetti; em Santos, a Juventude Anarquista679 e o Centro de Estudos Sociais
680
; em Recife, o Grupo de Propaganda Social; em Sorocaba, uma Biblioteca Operária681; em
São Paulo, a Legião dos Amigos de “A Plebe” 682.

676
“Confederação Operaria Brasileira. Manifesto aos trabalhadores do Brasil”. A Plebe, nº62, 12/05/1934. São
Paulo, p. 1.
677
Comitê Federal. “Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo”. A Plebe, nº66, 07/07/1934. São
Paulo, p. 3. Sua pró-fundação, por iniciativa da FOSP, foi notificada no próximo número (“Movimento Operario.
Comunciados e reuniões. Sindicato de ofícios vários”. A Plebe, nº67, 21/07/1934. São Paulo, p. 3).
678
“Movimento Operario. Comunicados e reuniões. Sindicato de Oficios Varios”. A Plebe, nº69, 18/08/1934.
São Paulo, p. 3.
679
A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 2.
680
“Em Santos. Centro de Estudos Sociais”. A Plebe, nº91, 22/06/1935. São Paulo, p. 3.
681
A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 2.
682
Uma nova associação que foi fundada nesse mesmo ano e que reunia jovens proletários que lutavam por
“melhores dias para a humanidade”. Essa nova Legião atuaria no sentido educacional das pessoas aderentes a
ela, para que soubessem tratar dos problemas sociais. O objetivo era desenvolver uma “ação eficaz e fecunda na
183
As confraternizações operárias continuaram a ser feitas, como os piqueniques 683. Além
disso, mantiveram contato com organizações de outras regiões, como a Liga Anticlerical de
Campinas 684 e A Lanterna (jornal anticlerical), notificando ações a respeito de ambos685.
É interessante observar que as conferências feitas podem ser vistas como um ato de
resistência a um período (principalmente em 1935) em que a repressão sobre as ideologias de
esquerda se acentuou . Por exemplo, em 16 de março foi anunciada uma conferência no salão
da FOSP, feita por J. Carlos Boscolo sobre as “Comunas Libertarias [sic]” (grifo do jornal), em
referência à importância da Comuna de Paris. Além de Boscolo, vários oradores militantes que
eram pertencentes a essa “organisação proletaria [sic]” também estariam presentes. O jornal
afirma que nesse ato era preciso o comparecimento de todos os estudiosos dos problemas
sociais, principalmente naquele momento em que “as forças reacionarias [sic] da burguesia
pretendem desvirtuar aquêle feito historico [sic] em que os anarquistas tomaram parte
saliente”686. Portanto, estar presente significava: aprender sobre a trajetória anarquista, seus
princípios e entender qual seria o futuro almejado em meio a um cenário de aumento gradativo
de repressão. A entrada franca provavelmente deve ter possibilitado que mais militantes e mais
pessoas estivessem presentes.
Neste ano, indicaram obras que tratavam da questão social, provavelmente porque era
uma discussão que se tornava cada vez mais acirrada. Indicaram: “O anarquismo em face da
ciência”, uma obra de Peter Kropotkin e publicada recentemente e que era um estudo profundo
da filosofia anarquista; e “O marxismo antes e depois de Marx” um documento a respeito das
origens do manifesto comunista 687. Voltou a ser publicado também pensando na questão social
o folheto “O Evangelho da Hora”: resumia em 48 páginas, em uma “linguagem simples e (?)
primorosa, toda a questão social sob o ponto de vista libertario [sic]”. Os pedidos eram feitos a
Rodolfo Felipe, pela Caixa Postal, 195688 - S. Paulo. Além disso, a fim de esclarecer “a questão

grande obra de propaganda dos ideais de liberdade e de fraternidade entre o povo, visando a emancipação
integral da humanidade”. Além disso, auxiliava A Plebe continuar a publicar e na disseminação da propaganda.
“Legião dos Amigos de ‘A Plebe’”. A Plebe, nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 2.
683
“Pique-nique de ‘A Plebe’”. “2º Pique-nique de ‘A PLEBE’. A Plebe, nº82, 16/02/1935. São Paulo, p. 1. Dia
17 de março no Parque Jabaquara”
684
“Liga Anticlerical de Campinas”. A Plebe, nº82, 16/02/1935. São Paulo, p. 2; A Plebe, nº91, 22/06/1935. São
Paulo, p. 3.
685
“Festival Campestre de ‘A Lanterna’”. A Plebe, nº88, 11/05/1935. São Paulo, p. 4.
686
“A Comuna de Paris”. A Plebe, nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 1.
687
“Publicações recentes que recomendamos. A questão social”. A Plebe, nº85, 30/03/1935. São Paulo, p. 3; A
Plebe, nº86, 13/04/1935. São Paulo, p. 3.; Nº88, p.3.
688
Esse endereço postal foi uma forma de contato com diversos jornais desde 1900: A Lanterna, A Plebe, A
Obra, A Sementeira etc. Era conhecida até internacionalmente e, por isso, continuaram a receber jornais
estrangeiros como antes mesmo após o fechamento d’ A Plebe. In: SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a
184
social”, a Legião dos Amigos de A Plebe organizou uma conferência pública no salão da FOSP,
no dia 27 de abril 689.
Toda essa reorganização comprova como a organização, a propaganda e a educação das
massas eram uma necessidade constante para a efetivação das práticas revolucionárias,
deslegitimando a ideia de que os anarquistas agiam por impulsividade, como reflete Bernardon
690
.

7.2.2 O descontentamento dos sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho

Em um cenário de aumento de adesão por parte dos trabalhadores ao projeto


corporativista do governo, como aconteceu a partir de 1933, o jornal passou a demonstrar como
até mesmo os trabalhadores sindicalizados (dentro e fora de São Paulo) de outras estavam
insatisfeitos com o não cumprimento das leis sociais e descontentes com a lei de sindicalização,
publicando relatos com críticas diretas a ela, provavelmente para deslegitimar tal projeto. Nesse
ponto, também compreendido como uma estratégia de resistência, feita inclusive nos anos de
mais adesão ao sindicalismo oficial, percebe-se também o mesmo argumento já usado a respeito
da ineficácia do Ministério do Trabalho e do governo. É preciso lembrar que realmente o Estado
estava sendo ineficiente nas tentativas de regulamentar legalmente o trabalho, fazendo com que
a argumentação anarquista ganhasse mais força691. Raquel de Azevedo abarca essa questão e
confirma que de fato os sindicatos oficiais eram denunciados pela sua ineficácia na obtenção
de benefícios, gerando a frustração e a revolta do operariado que acabou apelando para a ação
direta ao perceber o engodo do instrumento oficial. Assim, eram problemas apontados em várias
partes do país: a burocratização dos processos reivindicativos, o adiamento da fiscalização e a
não penalização dos empregadores que não cumpriam as leis. O resultado foi a utilização das
greves dentro dos próprios sindicatos oficiais 692.
Francisco, de Petrópolis, escreveu aos “camaradas de A Plebe” quando visitou os
lugares de trabalho e bairros proletários (lugares “de aspeto sombrio, tumular”) e ao conversar

resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em
História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005, p. 77-79.
689
“Conferencia”. A Plebe, nº87, 27/04/1935. São Paulo, p. 2.
690
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese (Doutora
em História) – Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, p. 48.
691
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 278.
692
Ibidem, pp. 303-304.
185
com os trabalhadores, esses disseram que sofreram um grande desengano ao “legalizar” (grifo
dele) suas organizações de classe. No caso eram: os Tecelões, Alfaiates, Construção Civil e
parte dos Ferroviários, os quais estavam quase “mandando ás favas”, ou seja, ignorando,
deslegitimando a lei 19.770 e a “proteção” (grifo dele) do Ministério, das Comissões Mistas e
de tudo o que era relacionado ao Ministério do Trabalho:

“No ‘Sindicato dos Operarios [sic] em F. de Tecidos” e no dos “Alfaiates”, o secretario [sic] geral dos
Tecelões e parte da Comissão Executiva, presentes quando os visitei, fizeram-me sentir o desagrado que
lhes têm causado as ‘determinações’ do Ministerio [sic], e as insinuações políticas dos agentes do mesmo,
garantindo-me que logo entrariam em luta, na ação direta, ainda mesmo que o sr. ministro não quizesse.
Esse estado de coisas, revela os incovenientes da ‘sindicalização oficial’, que os trabalhadores
repulsam com energia [sic]” 693. (grifo meu)

Os trabalhadores dessa região estavam se orientando através da leitura do jornal e


queriam realizar o mais rápido possível uma obra de reorganização, porque com o
reaparecimento de A Plebe despertaram e relembraram da propaganda de antes. Portanto,
percebe-se a posição em que esse periódico foi colocado, evidenciando a importância de suas
ações em prol a reorganização da ação dos trabalhadores e na resistência ao novo projeto do
governo, o qual fora referenciado até mesmo pelos trabalhadores como prejudicial.
Francisco considerou que a maioria dos sofrimentos desses trabalhadores advinha do
Ministério do Trabalho e do “clero-romano” (grifo meu). Ambos queriam “amordaçar a
consciencia [sic] dos trabalhadores” (grifo meu), além de impedirem a obra de emancipação da
classe oprimida. Termina incentivando que os trabalhadores de Petrópolis continuassem
lutando pelo sindicato livre dos “agentes”, dos “pastores” e dos “protetores” (grifo dele):
“Tudo pela ação diréta! [sic] Avante, pois!” 694.
Na mesma publicação, o jornal registrou a insatisfação dos trabalhadores da Noroeste
em relação ao cumprimento das leis trabalhistas, as quais serviam, de acordo com a opinião do
periódico, para “anestesiar a rebeldia das massas”, fazendo com que cada dia os operários
percebessem a inutilidade das leis em geral, já que nunca eram cumpridas pela burguesia e os
governos encobriam seus erros por estarem a seu serviço. O correspondente, um “ferroviário”,
falou sobre as irregularidades praticadas na estrada de ferro em que trabalhava, confirmando o
“absoluto desprezo [sic] pelas leis, e pela vida dos trabalhadores”, por exemplo, não eram
cumpridas as 8 horas de trabalho, pelo contrário, trabalhavam muito mais sem nenhuma
recompensa:

693
Francisco. “De Petropolis proletária”, escrito em 20/10/33. A Plebe, nº46, 04/11/1933. São Paulo, p. 3.
694
Francisco. “De Petropolis proletária”, escrito em 20/10/33. A Plebe, nº46, 04/11/1933. São Paulo, p. 3.
186
“(...) Os escravos que trabalham nos trens de carga, esses, então, trabalham de 15 a 20 horas por dia, sem
recompensa nem direito a férias regulamentares; e muitos deles vão perder as férias [sic], visto exgotar [sic]
o prazo”695.

Do Rio Grande do Norte, um trabalhador, “J. Brazil” informava a existência de um


fiscal do Ministério que recebia propinas dos empregadores e não realizava adequadamente as
fiscalizações quanto aos cumprimentos das leis sociais 696. No Mato Grosso, em Campo Grande,
a construtora portuguesa Tomé & Irmãos não cumpria nenhuma das leis que protegiam o
operário e pagava salários muito baixos, assim a “Sociedade Operaria União dos Trabalhadores
de C. Grande” abriu campanha pacífica contra ela. Também oficiou várias vezes o Delegado
Regional do Trabalho e ao Ministério do Trabalho, pedindo para que ambos tomassem
providências, mas essas entidades nada fizeram 697.
Em Pernambuco, através de correspondência, afirmam que desde a “vitória malfadada
revolução de 30”, os trabalhadores tinham sofrido uma baixa de 30% dos salários. Mas os
698
operários da região estavam começando a demonstrar descontentamento . Apesar dessas
várias queixas, é interessante perceber como nenhuma delas fora relacionada à capital do estado
de São Paulo, talvez porque a alegação era de que a lei de sindicalização quase não havia tido
efeito na cidade.
Em 1934, além de ressaltar a importância do sindicalismo revolucionário, reiteraram
nas primeiras publicações o quanto os sindicatos oficializados estavam descontentes com suas
situações. Alguns recorriam a greves e eram vítimas de repressão. Em nome do “Sindicato dos
Empregados do Comercio [sic] de S.Paulo”, Joaquim Maciel Filho, o 1º secretário da
associação, relatou que as chamadas “leis sociais” não trouxeram nenhum benefício para os
trabalhadores, servindo apenas para aprisionar ainda mais as massas às explorações capitalistas,
escravizando as energias produtoras. Avisou que a nova diretoria eleita do sindicato se
comprometeu em fiscalizar as ações dos empregadores no estabelecimento da legislação
trabalhista; fundar um centro de cultura social para estudo das necessidades imediatas dos
empregados comércio; atrair para o sindicato todos os proletários do comércio; e principalmente

695
“‘A Plebe’ no interior. Na Noroeste”. A Plebe, nº46, 04/11/1933. São Paulo, p. 4. A crítica se estende ao
número 48, p.3, afirmando que a situação permanecia a mesma (“Na Noroeste”) (02/12/33)
696
BRAZIL, J. “No Rio Grande do Norte. Fiscal politiqueiro”. A Plebe, nº47, 18/11/1933. São Paulo, p. 3. Foi
escrito em 20/10/33.
697
FERNANDES, Alfredo Dias. “‘A PLEBE’ em Campo Grande (Mato Grosso)”. A Plebe, nº49, 09/12/1933.
São Paulo, p. 2.
698
O Correspondente. “‘A PLEBE’ em Pernambuco (Do correspondente)”. A Plebe, nº49, 09/12/1933. São
Paulo, p. 3.
187
fazer um grande congresso de empregados e desempregados desse setor, em que seriam
discutidos assuntos de interesse para a classe 699.
Um caso de greve citada foi uma desencadeada em janeiro pelos sindicatos operários
das Estradas de Ferro do Estado de S. Paulo que eram reconhecidos oficialmente pelo
Ministério do Trabalho, como já citado anteriormente. Esses trabalhadores reivindicaram várias
pautas que, segundo o jornal, os acobertariam da “ganacia [sic] e sordidez do imperialismo
inglês”, definido como o “explorador” da maior parte das rodovias paulistas. Para o alcance
dessas reivindicações, se sindicalizaram sob a forma imposta pelo Ministério do Trabalho e,
além disso, com o objetivo de “defender” (grifo deles) os interesses da numerosa classe,
elegeram um deputado classista dos ferroviários na elaboração da Constituinte, mas este não
atendeu aos seus pedidos. Além de ser uma crítica à sindicalização oficial e à falta de eficiência
(proposital para eles) do Ministério para garantir os direitos dos sindicalizados, trata-se de uma
crítica à política de sindicalização que possibilitava a participação na elaboração da
Constituinte: uma forma de incentivar que os sindicatos se enquadrassem na lei, ao mesmo
tempo em que atingia o sindicalismo autônomo.
Em continuação, o jornal indagou se os ferroviários ainda acreditariam nesses
“trampolineiros” que diziam defender os interesses dos trabalhadores nas “salas secretas do
Ministério do Trabalho”, mas que na verdade só reuniam os “magnatas da indústria e das
finanças”. O periódico alegou não ter sido falta de aviso por parte deles a respeito da
sindicalização oficial e dos tais “deputados classistas”. Portanto, concluíram que a questão
proletária só poderia ser resolvida pelos próprios proletários. Qualquer intromissão de
elementos estranhos iria desvirtuar a finalidade da luta e dos interesses proletários para o outro
lado, ou seja, favoráveis aos interesses e às ambições dos exploradores. A greve foi
compreendida pelo jornal como um sinal de que os ferroviários entenderam a ineficácia do
Ministério:

“Porisso [sic], agora que os ferrovarios [sic] compreenderam perfeitamente o engodo do Ministerio [sic] do
Trabalho, e, lançando-se em greve, deram mostra de que sômente eles, pela sua propria [sic] força e tenacidade
poderão conquistar os direitos que pleiteiam a esperançosa classe dos ferroviarios [sic] – nós, os libertarios
[sic], que colocamos a familia [sicc] operaria acima de qualquer outra instituição, estreitaremos as mãos,
proletariamente aos paredistas em luta, hipotecando-lhes toda a nossa simpatia e solidariedade [sic]” 700.

699
“Movimento Operario. Sindicato dos Empregados do Comercio de S. Paulo”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São
Paulo, p. 3.
700
“A Greve dos Ferroviarios”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo, p. 1 e 2.
188
Movimentos grevistas de outras regiões, em busca do cumprimento dos direitos
assegurados em lei e descontentes com a ação do Ministério do Trabalho, também foram
citados, como a greve em Araraquara 701. Outras foram feitas buscando melhorias nas condições
de trabalho, como a greve na Cristaleria Americana, em São Paulo, que no final de março já
contabilizava dois meses de resistência por parte dos trabalhadores, causando grandes prejuízos
econômicos aos patrões702. Outro caso de desrespeito de direitos levando à eclosão de greve foi
dos operários da Estrada de Ferro Leopoldina. O periódico informou que contra a “vontade
reacionaria [sic]” do Ministério do Trabalho, 22.000 trabalhadores declararam greve, por ser o
único recurso possível para o cumprimento de seus direitos:

“A gréve [sic] da Leopoldina, essa Companhia caracterizada já pelo seu reacionarismo, pois na historia [sic]
do proletariado brasileiro já tem ela paginas [sic] negras de exploração e de violências, é uma consequencia
[sic] da faciosidade do cancro que atualmente corrói as entranhas do proletariado nacional. O Ministerio [sic]
do Trabalho. [sic]”

Esses trabalhadores estavam cansados de esperar a solução para as suas reivindicações,


algo recorrente com todos que tiveram a intromissão do Ministério: “aparelho fascista da
Republica [sic] Nova”. A greve provava que com ou sem intermediários e contra ou não a
vontade do patronato, o proletariado quando percebia que estava sendo enganado, reagia e não
permitia ser ainda mais explorado, segundo o periódico. Além disso, esse acontecimento deixou
mais uma vez evidente “o carater [sic] repressivo, burguês, mistificador do Ministério do
Trabalho”. Posteriormente, o periódico explicou a forma pela qual o ministério agia:

“(...) o Ministério do Trabalho tem usado a mesma tática: Exgota [sic] a paciência dos trabalhadores com as
suas protelações, mistifica a boa fé dos explorados com promessas que nunca se cumprem, e quando os
trabalhadores se dão conta do logro de que são vitimas, quando reconhecem que o Ministerio [sic] do Trabalho
é um organismo da burguesia destinado a anular as manifestações de protesto por parte das classes que só tem
deveres e ás [sic] quais não lhe reconhecem direitos: quando já não podem mais conter a sua indignação diante
do descaso pela sua miseria [sic] e pelos seus sofrimentos por parte do Ministerio [sic], largam mão do ultimo
recurso – a Greve – vem o Sr. Ministro declarar po-las colunas dos jornais que esse protesto, esse movimento
esse gesto digno da consciencia revolta é UM CASO DE POLICIA! [sic]”703.

Em seguida, cita a fala do Ministro:

“Na organização social que este Ministerio [sic] percepitou, e que é, aliás, a dos países, onde (?) se tem curado
dos interêsses obreiros, a greve é uma expressão de extremismo e, irrompida ela, passa a constituir a sua
projeção caso de policia...[sic]”

701
Foi feita visando reivindicar para os companheiros mais justiça e mais liberdade. “Em Araraquara. A
proposito da greve na Paulista”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo, p. 1.
702
“Movimento Operario. Continúa gréve na Cristalera Americana”. A Plebe, nº59, 31/03/1934. São Paulo, p. 3.
No nº58, p.3, também consta informações sobre ela.
703
“A Gréve da Leopoldina”. A Plebe, nº60, 14/04/1934. São Paulo, p. 1.
189
Portanto, a repressão era aceita e incentivada pelo governo nos casos de eclosão das
greves. A indicação do jornal a esses trabalhadores já oficializados era a repulsa do Ministério
e do seu projeto 704.
Outra greve foi desencadeada pelos operários da fábrica Mariângela, propriedade das
I.R.F Matarazzo) pelo baixo salário e pela exploração, visto que tais salários não correspondiam
aos gastos dos gêneros mais básicos e dos aluguéis das casas.:

“Na fabrica [sic] ‘Mariangela’, os tecelões da seção de ‘colchas’ percebem, no maximo [sic], durante o mês,
um ordenado que não vai além de 200$; na seção de tinturaria e outras, os salarios [sic] para homens são de
$700 á $800 por hora. Para as crianças, então o torniquete da exploração chega á infamia [sic] de $200 á $300
por hora de serviço; as tecelãs, moças e mulheres, que a maior parte das vezes deixam seus filhos na rua ou
na cama, para conseguirem ganhar 80$ ou 100$ por mês são obrigadas a cuidar de 6 teares” 705

Em prol das melhorias imediatas, também entraram em greve os operários em


Construção Civil e os empregados em Hotéis e Restaurantes, ambos de Santos e ambos
reivindicavam melhoria de salários706. Em julho, diversos movimentos grevistas eclodiram “em
todo o território brasileiro”.
O periódico fez, então, um apanhado geral sobre eles, emitindo sua opinião do porque
estavam ocorrendo e estabelecendo relação direta com a ineficiência do Ministério do Trabalho:
“Não obstante a maioria dessas classes estarem filiadas ao Ministerio [sic] do Trabalho, pois, como todos
sabem, êsse Ministerio [sic], auxiliado pelo patronato tem feito todo empenhado em pôr o ferrete da sua marca
na fronte de cada proletario [sic], todos esses movimentos surgiram contra as determinações do Ministerio
[sic], fóra [sic] da lei. Verificando que o Ministerio [sic] do Trabalho nada de util [sic] para as classes
trabalhadoras produziu desde a sua existencia [sic]; que sem a manifestação diréta dos trabalhadores,
em protestos e greves, esse monstrengo da revolução de 30 nada conseguiu realizar de pratico que
beneficiasse as classes proletarias [sic], resolveram os trabalhadores sair fôra [sic] da lei, ir de encontro
ás determinações do Ministerio [sic] e adaptar, como recurso á solução dos seus problemas imediatos,
a ação diréta [sic] proclamada pelos anarquistas como unico [sic] meio eficaz na luta de classes.(...) Não
era preciso a experiencia [sic] brasileira para demonstrar a ineficacia [sic] e inutilidade das leis promulgadas
nas pastas do Trabalho [sic]” 707 (grifo meu)

Vale lembrar que o direito de greve não foi reconhecido na Constituição de julho de
1934 708. Nas greves citadas, o jornal diz ter sido por meio da ação direta e fora das leis que tais

704
Ibidem.
705
“Reivindicações proletarias”. A Plebe, nº67, 21/07/1934. São Paulo, p. 3.
706
Ibidem.
707
“Os movimentos grevistas e o conceito anarquico da luta de classes”. A Plebe, nº67, 21/07/1934. São Paulo,
p. 1.
708
Verbete do CPDOC. Disponível em: < http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/greve >.
Acesso em: 06/07/2021
190
trabalhadores conquistaram suas melhorias imediatas. Isso demonstrava que hora ou outra os
trabalhadores perceberiam a exploração na qual estavam sujeitos e fariam algo para se opor 709.
Por fim, em 1935 estavam em greve cerca de 40.000 marítimos que paralisaram
completamente os trabalhos do porto da Capital Federal (RJ). Por meio dessa mobilização é
possível compreender o que o jornal entendia sobre as “comissões de arbitragem”, ou seja, as
Juntas de Conciliação, uma vez que as empresas prejudicadas por tais ações recorreram a elas.
Segundo “F”, o autor desse artigo, isso sempre acontecia desde a Revolução de 30, pois os
industriais tinham a certeza de que tais comissões defenderiam seus interesses, como sempre
faziam. O autor as define como “processos de tapeação” e alegou que os marítimos por já as
conhecerem e por não aceitarem “a mediação de elementos que não podiam defender-lhe de
interesses como eles mesmos, bastante capazes para o fazer”, entraram em greve. O resultado
afetou a cidade: estava quase sem gasolina, os trabalhos do porto estavam completamente
paralisados e os marítimos decidiram que não voltariam a trabalhar sem que suas pretensões
fossem atendidas 710.
Outra greve registrada foi a dos frigoríficos, também realizada pela luta de melhorias já
postas nas leis e que não deveriam faltar. Nesse caso, o Departamento do Trabalho, instituição
criada com a aparente finalidade de proteger as classes trabalhadoras, interviu, mas mesmo
assim não conseguiu resolver a situação, por conta da resistência dos empresários
internacionais. Mesmo assim, anunciou à imprensa o fim da greve sem dar explicações aos
trabalhadores. Além disso, alguns foram demitidos e outros provavelmente seriam perseguidos
dentro da empresa. No fim, para Marquez de Barbacena, autor deste artigo, os dirigentes do
Departamento agiam sempre contra os “fracos” 711
.
A última greve que consta nos números analisados (ou seja, podem ter ocorrido outras)
foi a dos tecelões: mil e quinhentos operários da fábrica de seda Ítalo Brasileira abandonaram
o trabalho protestando contra a redução dos salários. Entretanto, a leitura foi prejudicada por
conta da impressão. Ao final do texto, é possível entender que o jornal fala sobre o Ministério
do Trabalho ter demonstrado para os trabalhadores a sua “missão como orgão [sic]
governamental” que seria “fazer pender a balança da justiça para a parte (?)”. Como depois cita
o nome de Matarazzo, entende-se que esse Ministério tendia para o lado dos

709
“Os movimentos grevistas e o conceito anarquico da luta de classes”. A Plebe, nº67, 21/07/1934. São Paulo,
p. 1.
710
F. “Agitações proletarias”. A Plebe, nº79, 05/01/1935. São Paulo, p. 4.
711
“A greve dos frigoríficos”. A Plebe, nº82, 16/02/1935. São Paulo, p. 4.
191
industriais/empregadores712, persistindo uma opinião já defendida desde a volta do jornal em
1932.
No próximo número, o jornal complementa a argumentação sobre o caráter burguês dos
órgãos do governo, os quais não foram criados para proteger os trabalhadores e sim os interesses
dos empresários. O Departamento Estadual do Trabalho foi definido como um “órgão
genuinamente burguês” e por isso nunca iria contra a burguesia, já que foi criado para servi-la
e não para contrariá-la. Era um “monstrengo” que se mantinha “ à custa dos trabalhadores”. Os
trabalhadores que estavam em greve, segundo o jornal, estavam totalmente dentro da lei, pois
o sindicato deles era reconhecido pelo Ministério do Trabalho e por essa razão o respectivo
Ministério deveria defender os interesses da corporação em greve. Contudo, a solução dada
para o conflito (e para isso A Plebe referenciou outros jornais) foi outra: o risco de perderem
seus empregos, caso não se apresentassem. Para o periódico, isso significava “a ameaça da
fome, a coação pela miseria [sic], a vitória dos industriais conseguida á custa da mais hedionda
medida de opressão e vilania”. Em contrapartida, o Departamento Estadual do Trabalho não
faria nada em benefício dos trabalhadores, porque exercia apenas “funções policiais e
repressivas contra os mesmos em proveito dos capitalistas”. Assim, quando as greves
começassem a surgir, os industriais encontrariam no Departamento um “auxiliar poderosissimo
[sic] para ajuda-los a levar a miseria [sic], o desemprego, as desgraças ao lar proletario [sic]”
713
.
Interessante notar como em 1935 a crítica passa a ser destinada de forma contundente
ao “Departamento Estadual do Trabalho” e anteriormente era feita ao Ministério do Trabalho.

7.2.3 Precarização da vida do trabalhador


Outra tática percebida foi a descrição da situação precária dos trabalhadores em São
Paulo, para além da série de burlas já constatadas. Tal descrição também teve início em 1933 e
foi uma forma de criticar as novas leis sociais, pois a constatação nesse momento era de que
elas não serviam para nada. Por exemplo, em dezembro, a “Liga Operaria [sic] da Penha”
escreveu sobre os acontecimentos da fábrica “Redenção”, na Rua Arnaldo Cintra, 46, onde os
empregadores estavam cobrando 3$000 de cada trabalhador (além de não pagar um salário
mínimo) e das operárias e menores, 1$000. Além disso, descontariam as quotas no dia de
pagamento dos salários. Os operários protestaram, mas a resposta foi a ameaça de demissão

712
“Gréve dos Tecelões”. A Plebe, nº90, 08/06/1935. São Paulo, p. 1.
713
“Movimento Operario. A gréve dos tecelões”. A Plebe, nº91, 22/06/1935. São Paulo, p. 3.
192
caso não aceitassem a proposta. Um grupo de proletários da Liga argumentou, nessa seção, que
um chefe de família ganhava 6$400 por dia, não sendo o suficiente para o sustento de uma
família de 6 pessoas.
O mesmo grupo discorreu sobre a situação na fábrica “Cotoníficio Adelina”, na Rua
Visc. Parnaíba. Nela, onde era cobrado 2$000 para a consulta médica, mesmo se os operários
não a usufruíssem, totalizando 1:200$000, uma vez que a fábrica tinha cerca de 600 operários.
Já a “Santista do Tatuapé” apresentava um mestre que só admitia operários caso esses pagassem
50$000. Para esse grupo, nas “industrias [sic] da paulicéa”, os proletários de ambos os sexos
eram submetidos “ás mais torpes explorações e vexames” graças ao Departamento do Trabalho
de São Paulo que cumpria as ordens dos “magnatas industriais”, fazendo das leis sociais “papel
de ‘Gabinete’”. Na opinião desses trabalhadores, a justiça era medida pelo dinheiro, “comprava
consciencia [sic] e carne humana” 714.
Em 1935, as publicações mostraram o descontentamento presente entre os trabalhadores
frente à situação precária em que viviam e evidenciaram cada vez mais essa precarização. A
solução apontada pelo jornal era a revolução social, assim como nos outros anos 715. Para termos
uma ideia, de acordo com Rocker:

“O custo da vida, desde os generos [sic] de 1º necessidade ao alugo 1 das casas e vestuarios [sic], cresce
assustadoramente e os salarios [sic] continuam estacionarios [sic]. A fome começa a rondar os lares
proletarios [sic]. Em S. Paulo ha milhares de homens com familia [sic] cujos ordenados não vão alem de 800
réis por hora, não alcançando, portanto, nem 150$ (?) mensais, e só para o tugurio [sic] em que moram teem
que pagar 60$ a 80$. No interior, nas fazendas, os colonos e os diaristas não pódem [sic] usar calçado de
especie [sic] alguma, não se pódem [sic] vestir, não pódem [sic] cuidar de sua saúde (...).”716

Vale ressaltar que seu artigo foi publicado logo após constatarem que as leis sociais
promulgadas pelo governo não haviam gerado o efeito esperado, pelo contrário, e ainda
atrapalharam a direção para a eclosão da revolução 717.
Os “motoristas” chegaram até mesmo a realizar uma greve no início do ano por motivos
já conhecidos, segundo o jornal: uma série de reivindicações necessárias relacionadas com
redução dos salários desses trabalhadores e o aumento do valor dos aluguéis de seus carros.
Apesar de a impressão estar bastante prejudicada, o jornal afirmou que essa greve foi feita com

714
“Movimento Operario. Liga Operaria da Penha”. A Plebe, nº48, 02/12/1933. São Paulo, p. 3.
715
A.F. “‘Um punhado de arroz...’”. A Plebe, nº82, 16/02/1935. São Paulo, p. 3.
716
RODOLFO. “Lembrando os martires de Chicago”. A Plebe, nº87, 27/04/1935. São Paulo, p. 1.
717
“‘Para onde vamos?’”. A Plebe, nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 1.
193
uma coesão surpreendente, percebida principalmente por todos aqueles que acompanhavam os
movimentos sociais 718.

7.2.4 Projeto libertário como solução

Em um cenário de burlas, ineficácia do governo e do Ministério do Trabalho, em meio


à situação precária dos trabalhadores e as disputas cada vez mais acirradas que os envolviam, o
periódico em 1934 indica de forma ainda mais clara o anarquismo como a solução dos
problemas e a ideologia ideal para o fim da sociedade capitalista. Na segunda publicação do
ano, em janeiro, no centro da primeira página, A Plebe publicou uma ilustração de um homem
segurando um machado escrito “Anarquismo” em posição de ceifar as raízes de uma árvore
com muitos galhos. No seu tronco estava escrito “autoridade” e nos demais galhos: “iniquidade
economica [sic]”, “comercio [sic]”, “religião”, “iniquidade moral”, “centralização capitalista”,
“prostituição…”, “crime”, “imprensa mercenaria [sic]”, “familia escravisada [sic]”,
“militarismo”, “iniquidade policial”, “prisões” etc. O título da ilustração complementa a
compreensão: “Com mais alguns golpes no principio [sic] de autoridade, essa arvore [sic]
daninha virá por terra e com ela todos os prejuizos [sic] da sociedade burguesa”. Isto é, uma
representação de todos os problemas da época que eram contra, pois eram sustentados pelo
princípio de autoridade e fruto do sistema capitalista. O projeto libertário era o único que
poderia pôr um fim 719.
Nesse sentido, M. Garcia argumentou que o boicote (arma geralmente utilizada e que
também representa a ação direta) não bastava na luta contra a interferência no campo da luta
proletária, porque o Estado poderia abortar qualquer movimento reivindicador do proletariado.
Era necessário revolucionar a mentalidade do proletariado, tornando-o “elemento organico [sic]
e efetivo da revolução”, porque dessa forma ele compreenderia a luta contra o patronato e contra
as instituições vigentes. A vitória não seria alcançada se o operariado se reunisse em sindicatos
de classe movidos por interesses imediatos, porque o fundo da questão não era a luta contra o
patronato, mas sim solucionar o problema social. Era preciso desenvolver o espírito de
desobediência contra todo e qualquer princípio de autoridade, mesmo que ele fosse instituído
pela própria corporação dentro do sindicato ou instituído pelo Estado. Era preciso também

718
“A greve dos motoristas”. A Plebe, nº80, 19/01/1935. São Paulo, p. 1.
719
A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo, p.1.
194
desenvolver a propaganda revolucionária 720. Portanto, os sindicatos eram os responsáveis pela
resolução da questão social e não poderiam ser movidos por interesses imediatos.
Aliás, essas pautas: incentivar a associação em sindicatos revolucionários e que
recusavam a interferência de agentes externos; a transformação da mente do trabalhador
visando à revolução e não apenas reformas; e o desenvolvimento da propaganda revolucionária
foram defendidas nas publicações de todos esses anos. Um exemplo para constatar essa
afirmação é uma ilustração publicada no final de março, na primeira página da quinquagésima
nona edição. Nela foi retratado um cenário industrial, com fábricas ao fundo. Em primeiro
plano, estão três trabalhadores puxando para baixo com força uma barra em que estava escrito
“sindicalismo revolucionário”. Essa barra estava ancorada em uma pedra chamada “anarquia”.
O ato de puxá-la para baixo jogaria para fora um bloco chamado “capitalismo” 721
.
Em outra publicação, o jornal publicou um artigo chamado “Trabalhadores: à luta contra
a opressão pela liberdade”, o qual, em suma, discorria sobre a necessidade de estar claro para
os trabalhadores que todos os governos sempre estarão ao lado do capitalismo e contra o povo.
Por isso, o redator argumentava que eles deveriam se opor a todos os governos, a todos os
políticos, contra o Estado. O povo, junto aos trabalhadores e às classes oprimidas deveriam se
preparar para “soltar o grito de Liberdade ou Morte!” 722
.
Por fim, muitos artigos seriam publicados em prol da defesa do “sindicalismo
revolucionário”, a partir de publicações de textos escritos por grupos internacionais de
trabalhadores, mostrando ser uma luta transnacional 723.

8. A repressão constante sobre os indesejáveis e a busca


pela liberdade

720
GARCIA, M. “Anarquismo, sindicalismo e Revolução Social”. A Plebe, nº58, 17/03/1934. São Paulo, p. 2. A
defesa da revolução libertária, feita pelos anarquistas, sem nenhum tipo de orientação e mantida pelos
revolucionários autônomos (em contraposição à “revolução autoritária” dos sociais-democratas e dos
comunistas-marxistas) foi colocada também no Nº59: FRANCO, Victor. “A defesa da Revolução”. A Plebe,
nº59, 31/03/1934. São Paulo, p. 2. Além disso, a forma pela qual os anarquistas espanhóis compreendiam e
realizavam a organização dos grupos visando a revolução foi citada como exemplo: “Os anarquistas devem
convencer-se que o sindicato não é uma fabrica de pedir melhoras ao burguês: tem também uma finalidade social
que não podemos esquecer”. “Vida Anarquista. Preparação revolucionaria”. A Plebe, nº59, 31/03/1934. São
Paulo, p. 2.; PINHO, Adelino. “Ideais da Reconstrução Social”. A Plebe, nº60, 14/04/1934. São Paulo, p. 2.
721
[Sem título] A Plebe, nº59, 31/03/1934. São Paulo, p. 1.
722
“Trabalhadores: á luta contra opressão pela liberdade”. A Plebe, nº72, 29/09/1934. São Paulo, p. 4.
723
O Brado Libertário. “Movimento Operario. Defesa do Sindicalismo Revolucionario”. A Plebe, nº84,
16/03/1935. São Paulo, p. 3.
195
“Que importa que nos ouça o inimigo! Devemos deixar-nos morrer sem que
nos matem?” 724.

Vale mencionar um último aspecto da experiência vivenciada por esses trabalhadores e


militantes, sendo um dos motivos apontados pela bibliografia para o enfraquecimento da
orientação libertária nos sindicatos, isto é, a intervenção do Estado nas formas de organização
dos trabalhadores por meio violentos: pela repressão policial 725.
A repressão vivenciada pelos anarquistas não ocorreu somente nesta década. Na
Primeira República eram acusados pelo Estado e pelo empresariado de praticarem atos
violentos e subverterem a ordem, através da disseminação de ideologias “exóticas” que
romperam com a “índole pacífica” do brasileiro (este não foi um pensamento disseminado só
no Brasil). Assim, prisões e expulsões de estrangeiros foram efetuadas por serem considerados
suspeitos ou adeptos do anarquismo, desde 1890726. De acordo com Silva, essas alegações não
correspondiam à verdade, mas sim a um nacionalismo xenófobo praticado contra aqueles que
não acatavam o trabalho de maneira pacífica 727 e propunham mudanças estruturais:

“As medidas repressivas contra os anarquistas – prisões, dispersão de greves, empastelamento de jornais,
deportações e expulsões – ganharam, durante os primeiros anos da República, vestes de controle de uma
epidemia anarquista, ou ainda, de combate à uma conspiração internacional que ameaçava o bem-estar e
a cordialidade do passivo povo brasileiro. O real motivo para tais ações policiais e jurídicas parece ser
outro: o perigo que os anarquistas representavam à burguesia e ao Estado, manifestado através da
educação do povo para a libertação da exploração, do esclarecimento, da propaganda libertária, da
militância cotidiana e da realização de greves”. (SILVA, 2005, p.41)

Silva inovou os trabalhos a respeito do anarquismo e da repressão sofrida por esse


grupo, ao se debruçar sobre essas vivências na segunda República e a partir da ótica da imprensa
libertária (junto aos relatórios policiais). Até então, os trabalhos eram voltados apenas para a
Primeira República e eram desenvolvidos a partir do DOPS (esses últimos também eram
poucos).

724
“Uma obra necessaria. Em torno de uma iniciativa. E’ necessario que se expresse a vontade coletiva numa
reação saudavel”. A Plebe, nº39, 09/09/1933. São Paulo, p.1.
725
As outras duas razões do enfraquecimento, são: penetração das outras correntes no meio operário e
intervenção do Estado por meio de táticas como a concessão de direitos e a burocratização, como já vimos.
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 362.
726
Ver: OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009, pp. 49-53 e SILVA, Rodrigo
Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São Paulo (1930-1945).
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005, p. 11.
727
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 11.
196
Na década de 30, é possível enxergar uma continuidade das ações cometidas
anteriormente, como prisões arbitrárias e invasão das redações dos periódicos ou das
associações operárias. Nesse momento já existia uma polícia especializada e investigativa, isto
é, o Departamento de Ordem Política e Social ou a Delegacia Estadual de Ordem Política e
Social criado (a) em São Paulo, em 30 de dezembro de 1924, durante o governo de Artur
Bernardes (1922-1926), quando o país vivenciou quase permanentemente um estado de sítio
estimulado pelas várias manifestações sociais que ocorreram no final da década de 10 e no
começo dos anos 20, como as mobilizações operárias e os levantes tenentistas. Enfim, essa
polícia foi responsável pelo controle dos chamados “crimes políticos e sociais” e exerceu uma
repressão contínua e ordenada, ou seja, organizou de forma mais eficiente um processo
repressivo já em andamento desde o início do século XX e que permaneceu atuando nos anos
30 (o DEOPS atuou até a década de 70).
Essas ações novamente foram feitas de modo a atender a uma necessidade do Estado
em continuar com a manutenção da ordem e da higienização social ao combater aqueles que
eram considerados indesejáveis (e os anarquistas estavam entre estes). Na argumentação de
Silva, a diferença para a década que estamos estudando está na intensificação do trabalho
coercitivo, em uma maior articulação entre os órgãos policiais e na radicalização da repressão
sobre os movimentos contestatórios 728. Mas o próprio autor argumenta ter notado essas
características a partir de meados de 1930, ou seja, apesar da repressão, a radicalização de fato
acontece depois do período aqui estudado. Por fim, é importante explicar que a presença de
“secretas” foi uma estratégia importante no trabalho policial:

“Esse jogo perverso envolvendo delegados, investigadores, “cagüetas” [sic] e os próprios vigiados
aparece a todo momento, pois muitos dos “secretas” eram na verdade militantes que se prestavam a
trabalhar para a polícia, traindo seus companheiros de idéias, por terem abandonado a luta ou
simplesmente por julgarem ser financeiramente vantajoso.” (SILVA, 2005, p. 48)

8.1 A repressão pela ótica e vivenciada por A Plebe

A repressão sobre os anarquistas e suas publicações pode ser notada por meio da intensa
perseguição ao jornal A Plebe, aos seus editores e colaboradores. Segundo Rodrigo Silva, o

728
Ibidem, p. 43.
197
jornal esteve sob vigilância desde o início de 1933 729 e a FOSP sofria periodicamente ataques
730
da polícia, seus filiados eram presos e sua sede fechada .
Analisando as páginas do periódico, notamos que foi no segundo semestre de 1933
quando ocorreu a primeira denúncia de repressão sobre o jornal, ainda que de forma indireta (é
preciso lembrar que não temos os números do primeiro semestre deste ano, mas Silva
argumenta por meio de fontes policiais que em março de 33 a polícia já estava realizando
batidas em várias bancas com a pretensão de apreender os exemplares desse jornal731). Nesse
número, foi registrado que o camarada Antonio Aguilar (operário espanhol732) estava em um
bonde lendo o periódico, quando “foi intimado por um agente que viajava no mesmo carro”,
próximo à Rua 25 de março, pedindo para que ele fosse falar com o “dr.”. O jornal explicou
que isso significava o anúncio de que Aguilar estava preso. O trabalhador foi direcionado ao
“Gabinete”, na Rua dos Gusmões, e ficou preso por três dias. Assim, percebe-se que a repressão
estava sendo feita até mesmo pela sua leitura 733. Um mês depois, em agosto, Silva afirma que
os policiais do DEOPS estavam infiltrados nas assembleias da FOSP, confirmando a existência
de certa perseguição tanto aos anarquistas quanto aos sindicalistas revolucionários 734.
Outras publicações foram alvo de censura e essas situações eram informadas em nota.
Um exemplo foi a trigésima nona, onde publicaram uma ilustração sobre a derrocada do sistema
capitalista e explicaram que:

“Reproduzimos este clichê por ter a censura impedido a sua publicação na maior parte da nossa edição
de 5 de agosto”735.

Ou seja, estavam sendo vigiados e perseguidos antes mesmo de completarem um ano


de publicação e logo após o retorno do movimento operário. Rodrigo Silva constatou também

729
Ibidem, p. 57.
730
Disponível em: <
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1312754708_ARQUIVO_AFederacaoOperariadeSaoPauloRo
drigoRosadaSilvaOK.pdf p.7 >
731
“O número de bancas inspecionadas e a distribuição geográfica delas pela cidade dá uma noção do alcance da
distribuição d’A Plebe naquele período: “Largo S.Bento,, Rua José Paulino, Estação da Luz, Avenida Tiradentes,
Praça do Correio, Largo da Sé, Praça do Patriarca, Largo do Tesouro, Praça Antônio Prado, Largo da Concórdia,
Estação do Norte, Largo do Belém, Avenida São João, Penha, Rua Teodoro Ramalho, Consolação e Rua
Paraíso” In: SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em
São Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas,
2005, p. 58.
732
Ibidem, p. 60.
733
“Um absurdo”. A Plebe, nº33, 15/07/1933. São Paulo, p.3.
734
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 14.
735
A Plebe, nº39, 09/09/1933. São Paulo, p.1.
198
a ocorrência de violências desse tipo, até porque editar jornais e escrever colunas era um crime
punível para aqueles que faziam parte do DEOPS. Nesse momento, até mesmo aqueles que
vendiam ou apenas possuíam os exemplares também estavam sendo perseguidos e presos
(Aguilar não foi o único)736:

“Proibições expressas de circulação, apreensão de exemplares em bancas e nas mãos de militantes,


“batidas” policias às redações e censuras quanto aos conteúdo e teor dos artigos impressos, foram práticas
comuns durante o referido período. (...) Documentos produzidos pela própria polícia política e social
apontam a folha anarquista como um “perigo à ordem social”. Logo, podemos medir a ameaça sentida
pelas autoridades e os motivos que desencadearam os mecanismos de repressão a esses livros e jornais
como meio de atingir o movimento anarquista como um todo, para além do castigo aos indivíduos,
buscando golpear de maneira severa sua produção intelectual e uma de suas principais formas de
expressão pública. Assim, julgava-se diminuir a circulação de informações contrárias aos interesses do
governo, ceifando de vez as “idéias proibidas”, que tinham esses “papéis impressos” como um dos seus
mais importantes meios de divulgação e popularização” (SILVA, 2005, p.51).

Portanto, podemos entender que a própria publicação do jornal era um ato de resistência
a um momento de tentativa de controle dos trabalhadores, mas também das próprias correntes
de esquerda, como Angela de Castro Gomes afirma ao tratar dos objetivos da lei de
sindicalização. Em um artigo do mês de setembro de 1933, por exemplo, o jornal constatou que
os comunistas também estavam sendo alvos de prisões:

“Numerosos operarios [sic] teem sido presos, nos ultimos [sic] tempos, como comunistas, e com tal
expressão de força e de violência que nos dá impressão de que o mundo burguês vive assombrado com o
fantasma do comunismo” 737.

Ainda que nesse caso a violência não tivesse sido exercida contra os anarquistas (sempre
ressaltavam a diferença entre eles e os comunistas para reforçar a “profunda divergência”), o
jornal explicou que não poderia deixar de registrar um protesto contra a ação policial. A polícia
foi constantemente referenciada como “zeladores da burguesia”, dando a entender que a ação
era desencadeada em conjunto com os industriais.
No mesmo ano, em outubro, iniciaram notícias a respeito da prisão de trabalhadores. Na
quadragésima terceira publicação, o aviso foi feito em um pequeno texto em negrito, ao lado
da seção “Movimento Operario [sic]”. Nele constava que na primeira semana do respectivo
mês, na quarta-feira mais especificamente, Pedro Catalo, Luiz Papero e mais três companheiros:
Crescencio, Estefan e Tupi foram presos e continuaram nessa situação até o fim dos trabalhos
do jornal naquele dia. A Plebe repudiou a ação considerando-a arbitrária:

736
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
pp.51-59.
737
“Em defesa da liberdade”. A Plebe, nº40, 16/09/1933. São Paulo, p. 3.
199
“(...) ignoramos os motivos dessa prisão arbitrária. Deixamos registrado o nosso protesto e os nossos
sentimentos de solidariedade aos camaradas presos” 738.

Segundo as próprias considerações do jornal, os camaradas foram presos pela polícia da


Ordem Política e Social e dessas prisões outras foram feitas. Segundo o periódico, não havia
nenhuma justificação plausível que justificasse e autorizasse o ato da polícia. Os presos eram
todos trabalhadores e tinham compromissos no trabalho e com a família. Sendo assim, a atitude
dos "guardiães do capitalismo” traria sérias consequências para a vida de cada um. Com isso,
concluíam que a prática das violências e perseguições aos trabalhadores não diferia em nada
dos “tiranos da Velha Republica”, os “‘revolucionarios [sic]’” da “Republica [sic] Nova” eram
iguais. O jornal demonstrou solidariedade aos camaradas presos e protestou contra o ato da
polícia, a qual ao privar os trabalhadores de liberdade, levava-os “a aflição e o desequilibro
economico [sic]” 739.
Consequentemente e posteriormente a tais prisões, A Plebe se tornou alvo da repressão
policial. Em “Movimento Operario [sic]. A sensação do ridiculo [sic]”, um “operário” (como
foi denominado) escreveu sobre essa situação. Iniciou satirizando a notícia de um jornal da
capital e a ação da polícia, pois ambos descreveram esse último episódio como a descoberta de
algo novo. O operário seguiu explicando que a Federação Operária de São Paulo já estava
instalada na Rua Quintino Bocaiúva, nº 80 há 3 anos e todos sabiam disso. Tal Federação era
constituída por sindicatos operários, os quais declaradamente seguiam como princípio nas suas
lutas contra o capitalismo a ação direta, ou seja, não aceitavam intermediários em suas questões
com o patronato, independentemente se fossem políticos ou não. Por isso, de acordo com ele,
agiam sozinhos, de forma direta e como únicos interessados. Além disso, todos sabiam sobre a
existência de um jornal anarquista semanal em São Paulo, que produzia legalmente, com uma
tiragem de 5.000 exemplares e que mantinha a redação aberta a todos. A Plebe nunca negou sua
orientação anárquica e era vendido nas bancas de jornal, sendo expedido para mais de 200
localidades em todo o Brasil e sua fundação já contabilizava mais de 15 anos. Depois dessas
alegações, o operário satirizou a atitude de outro jornal quando publicou uma “noticia [sic]
espalhafatosa” sobre as prisões e falava sobre a “sensacional descoberta de um foco de
anarquistas”. Também ironizou a ação dos “agentes da ordem política e social” por acharem

738
“Trabalhadores presos”. A Plebe, nº43, 07/10/1933. São Paulo, p.3.
739
“Camaradas presos”. A Plebe, nº44, 14/10/1933. São Paulo, p. 3.
200
que haviam descoberto e explanado todas essas informações somente naquele momento. Em
resposta, ele disse:

“(...) como se os anarquistas não manifestassem publicamente os seus sentimentos, como se o anarquismo não
fosse uma filosofia ligada á vida dos maiores sabios [sic] da humanidade (...)”.

Posteriormente, o operário discorreu sobre os acontecimentos posteriores às prisões. Ao


recorrer à polícia e indagar sobre o ocorrido, o delegado, cuja função era “prestar-se ao papel
de prender os trabalhadores que ousam pensar como homens”, pediu para que um camarada se
apresentasse a ele e, dessa forma, soltaria os demais:

“Diante disso, não confiados na palavra do delegado (...), mas porque se a liberdade dos camaradas presos
dependia desse sacrificio [sic], o camarada em questão não teve duvidas [sic] em se apresentar, o que fez em
companhia de mais camaradas, entre eles o redator de ‘A Plebe’, camarada Rodolfo Felipe. Como era de
prever, e nós já o sabiamos [sic], foram esses camaradas detidos tambem [sic], faltando o delegado até o
comesinho [sic] dever de ter palavra, máxime sabendo onde encontrar os camaradas que deteve quando lhe
aprouvésse [sic]. Uma nova comissão que lá foi já ficou detida tambem [sic]!”

Por fim, terminou explicando que a polícia só prestava atenção nos trabalhadores
quando esses protestavam contra a exploração de que são vítimas 740. Compreende-se, então,
que as ações dos anarquistas estavam sendo alvo da polícia da ordem social, noticiadas por
outros jornais e referenciadas como ilegais. Talvez o fato do próprio autor não revelar sua
identidade ao falar sobre esse assunto já seja um indicativo dessa perseguição. Além disso, as
prisões estavam vinculadas às ações de reivindicação de seus direitos que, como vimos, foram
feitas entre todos os anos analisados (1932-1935) e tinham certa ligação com a lei de
sindicalização.
Essa situação suscita várias indagações, pois os motivos dessas prisões não ficam
totalmente claros. Será que as vigilâncias e prisões não estavam ocorrendo por não se sujeitarem
ao novo tipo de organização corporativista? Por que a polícia diz ter encontrado algo novo como
se não soubesse que seguiam esses princípios, como a ação direta? Será que a prisão do diretor
de A Plebe, Rodolfo Felipe, ocorrera por que ele e o jornal representavam algum tipo de ameaça
para os policiais e por continuarem defendendo a ação direta e revolucionária? De acordo com
o periódico, os trabalhadores estavam sendo alvos da ação policial por protestarem, então,
estavam subvertendo alguma ordem. Parte dos protestos era contra a nova lei de sindicalização
e a defesa dos princípios da ação direta como foi visto até então. Será que existe alguma relação?
Apesar de não ser possível confirmar essas perguntas partindo apenas dessa fonte, Silva explica

740
Um operário.“Movimento Operario. A sensação do ridiculo”. A Plebe, nº44, 14/10/1933. São Paulo, p. 3.
201
que as diversas prisões de Rodolfo Felipe, por exemplo, aconteceram por efetuar a “propaganda
anarquista”, a qual poderia causar subversão à ordem política e social, visto que aconselhavam
e executavam medidas 741:

“Rodolfo Felipe, seu redator-gerente, foi preso diversas vezes por ser o responsável pela A Plebe. Foi
detido em 27 de fevereiro de 1933 por “propaganda anarquista”, sem nenhuma acusação ou prova
concreta, e remetido ao Presídio Político do Paraíso, segundo ordem do delegado do DEOPS Viriato
Carneiro Lopes, ‘por motivo político e por ter declarado que é anarquista’” (SILVA, 2005, p. 58)

Esse argumento foi empregado na prisão de outros militantes anarquistas, tanto


estrangeiros quanto brasileiros natos, e pelos mesmos motivos: por produzir, receber, distribuir,
ler e agir. Entre eles, Benito Romano; Hermínio Marcos Hernandez, em 34; Oreste Risori, em
36; Avelino Fernandes Neblind; Gusmão Soler em 37 (esses dois últimos foram até deportados)
742
. De fato, esse movimento político incitava a realização da ação direta, como vimos e de
acordo com Silva certas leituras representavam ameaça à instabilidade do governo que competia
nesse primeiro momento com outras forças:

“As diversas forças políticas em disputa durante o regime de Vargas, anarquistas, comunistas, trotskistas,
integralistas, nazistas, e muitas outras, foram vítimas do braço de ferro de um Estado que ansiava por
controlar a sociedade de tal maneira que as leituras do povo eram uma constante ameaça à sua
estabilidade.” (SILVA, 2005, 81)

Em relação às leituras prejudicarem a ordem, em 1934 o jornal recebeu denúncias de


perseguições policiais sobre os companheiros que recebiam A Plebe em Pernambuco (por conta
do “Sr. Lima Cavalcanti”). Do Sul receberam notificações de que o jornal não chegava para os
camaradas da região, pois o periódico estava sendo apreendido nos correios de Porto Alegre
(por conta do General Flores da Cunha, prefeito de Bento Ribeiro e de Castilho) 743. Perceberam
também que desde a instalação da República Nova a polícia do Rio cometeu várias violências
contra os camaradas e moveu forte campanha contra A Plebe, proibindo a leitura, distribuição
e venda do jornal. Segundo relatos, só por estarem lendo o jornal eram destinados ao capitão
Filinto Muller (Central de Polícia). Um companheiro, “Vieira”, ficou preso por 8 dias por estar
lendo o jornal em um bonde quando estava indo para a casa. Tudo isso só demonstrava, de
acordo com o periódico, como viviam em um sistema de “repressão filiantiana”. O jornal

741
Outras prisões, além dessa do dia 06/10, aconteceram em: 27 de fevereiro de 33, 12 de novembro de 34,
novembro de 35, 08 de março e novembro de 36, onde permaneceu até junho de 37. In: SILVA, Rodrigo Rosa
da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São Paulo (1930-1945).
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005, p. 59 e 71.
742
Ibidem, pp.71-73.
743
“Do Norte ao Sul”. A Plebe, nº58, 17/03/1934. São Paulo, p. 3.
202
protestava contra toda essa situação, mas afirmava que os camaradas cariocas também deveriam
744
protestar intensificando cada vez mais a obra de propaganda revolucionária e educativa (já
vimos sobre essa intensificação). A chamada “Policia Especial” foi descrita como uma “criação
fascista do outubrismo” e suas atitudes eram acobertadas com o “sorriso irresponsável e
mefistofélico do sr. Getulio Vargas” 745.
De fato, podemos perceber que a polícia estava vigilante à mobilização e atuação da
imprensa anarquista, mas também parecia estar ligada à atuação dos trabalhadores. Walter
Cianci, na seção do “Movimento Operario [sic]” comentou sobre as contínuas perseguições
sofridas pelos proletários militantes. De acordo com Cianci, elas foram efetuadas por parte das
“instituições burguesas”, algo normal de se acontecer, tendo em vista que o Estado era o
“aparelho de opressão da burguesia” e, por essa razão, utilizava de tais perseguições para
defender os interesses do capitalismo. O poder do capitalismo estava na exploração do trabalho
proletário e por isso a burguesia precisava que os trabalhadores ignorassem seus direitos. Se
um militante operário era perseguido pela polícia, era sinal de que eles tinham um valor
combativo, ou seja, eram perigosos para as instituições burguesas:

“A multiplicação das prisões sofridas por um militante operario [sic] aumentam o valor do mesmo na luta
pelas reivindicações sociais do proletariado” 746.

Aparentemente e com a leitura dos próximos números, as prisões e a vigilância desse


ano tiveram relação com a vinda do General Justo (presidente da Argentina) ao país e essa visita
tinha relação com uma tentativa de controle da esquerda:
“(...) Pela leitura dos dois ultimos [sic] numeros [sic] de ‘A Plebe’, os nossos leitores terão percebido que algo
de anormal se passava em S. Paulo, com relação ao meio revolucionario [sic] social e libertario [sic]. Prisão
de camaradas e simpatizantes; vigilância rigorosa em todas as tipografias da cidade; apreensão
sucessiva de manifestos; censura rigorosissima [sic] sobre os editoriais de ‘A Plebe’; proibição absoluta
de dizer qualquer coisa sobre a vinda do general Justo; sem poder dizer sequer que as prisões efetuadas
se relacionavam com a viagem de tão indesejavel [sic] quão dispendioso itenerante; mordaça contra toda e
qualquer discrepancia [sic] de apreciação e de juizo [sic] sobre a pessoa do general ou dos motivos de sua
visita ao pais. Foi este o regime imposto truculamente, com todas as caracteristicas [sic] de estado de sitio
[sic], clandestino e policial (...)”747. (grifo meu)

O que explicava tal situação, de acordo com o jornal, foi o fato de alguns se oporem à
participação da “farsa”, isto é, fazer parte “no cortejo dos sabujos, dos tolos e dos interessados,
que estão sempre prontos a bater palmas a todos os tiranos de aquém ou de além-mar”. Uma

744
“No Rio. Violencia Policial”. A Plebe, nº60, 14/04/1934. São Paulo, p. 3.
745
“Hora de vandalos!”. A Plebe, nº71, 15/09/1934. São Paulo, p. 1.
746
CIANCI, Walter. “Movimento Operario”. A Plebe, nº49, 09/12/1933. São Paulo, p. 3.
747
“Tudo nos une... E’cos da visita do General Justo”.A Plebe, nº45, 21/10/1933. São Paulo, p. 1.
203
boa parte da população, a parte “sadia do proletariado, os libertários, os revolucionarios [sic]
sociais”, se opuseram ao general que havia instituído na Argentina um regime ditatorial, de
“terror”, expulsando todos aqueles que mantiveram “seus princípios de liberdade e tolerancia
[sic] entre os adversários”. Segundo o artigo, Justo veio ao Brasil movido por interesses
plutocráticos internacionais, tentando formar alianças e pautar a perseguição a todos os
princípios “da verdadeira revolução social” baseados nas reivindicações sociais e proletárias.
A polícia “perrêpista à antiga, ou outubrista à moderna” não queria que tais informações
chegassem até a massa popular, por saberem que o povo de São Paulo logo compreenderia a
situação. O manifesto da Federação Operária de São Paulo também disse o mesmo, assim como
as colunas da A Plebe, sobre a possibilidade de um “entusiasmo popular expontaneo [sic]”.
Apesar de tudo, o jornal deixou claro que essa situação não os atingia, afirmando que
continuariam na luta por uma “sociedade melhor e mais humana” 748
.
Enfim, daquelas prisões se sucederam manifestações por parte dos sindicatos filiados à
FOSP, como a União dos Metalurgicos de S. Paulo, mas também demissões dos trabalhadores
pelo tempo em que ficaram encarcerados (cerca de uma semana), como foi o caso de A.
Lasheras, operário da Companhia Antarctica 749. Lasheras era pintor, desenhista, produziu
quadros e gravuras com temática libertária, e realizou várias ilustrações e artigos de A Plebe.
Ele voltaria a ser preso em 1936 e em 37 foi expulso do país 750.
A constatação do aumento de autoritarismo no Brasil foi feita na primeira publicação de
novembro, em “Panorama brasileiro – Sombras que avançam. Alvôres que se esboçam”. O
problema da liberdade de pensamento e da livre manifestação de ideologias políticas e sociais
era presente em todos os países naquele momento e inclusive no Brasil, segundo o artigo. Aqui
o conceito de liberdade sempre foi “mesquinho, restrito e espesinhado” por todos os homens
que tiveram poder. A “comoção política”, isto é, o movimento revolucionário de 30 “faliu por
mal de origem, nada deu, nada podia dar”. Nessa altura já consideravam o próprio governo
fascista e não somente a lei de sindicalização e por conta dela. Para o jornal estava claro que a
polícia queria reprimir a liberdade de pensamento, de crítica, de credos e “princípios
inovadores” (grifo meu). Sabiam que as ações violentas partiam da “polícia de Ordem e Social”
e era desencadeada “por conta das questões sociais”. Além disso, dentro das grandes empresas

748
“Tudo nos une... E’cos da visita do General Justo”. A Plebe, nº45, 21/10/1933. São Paulo, p. 1.
749
“Movimento Operario. Ainda as ultimas prisões”. A Plebe, nº45, 21/10/1933. São Paulo, p. 3.
750
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 70.
204
e companhias também existiam perseguições e espionagens sobre todos aqueles que se
interessavam pela questão social 751:

“Ainda ha [sic] poucos dias soubemos que um funcionario [sic] de uma grande empresa ferroviaria [sic],
encarregado de inspecionar determinado serviço, chegou á espionagem mais soez, a ponto de forçar a mala
de um operario [sic] para ver se, de fáto, dentro dela, havia ‘certos jornaizinhos perigosos e proibidos” 752.

Ainda nesse ano, mais prisões ditas “arbitrárias” seriam feitas pelos policiais da Ordem
Política e Social, como a de Donato de Vitis, trabalhador metalúrgico 753. Outras que também
ocorreram estavam ligadas à participação de trabalhadores na Conferência Anti-integralista
promovida pelo Centro de Cultura Social, um assunto que foge das propostas desta pesquisa.
Relatamos todos esses casos, pois consideramos que talvez exista algum tipo de ligação
com a não inserção na nova lei de sindicalização. A bibliografia indica também certa essa
relação. Segundo Raquel de Azevedo, em 1933 foram denunciadas ameaças aos sindicatos não
enquadrados, ao mesmo tempo em que procuravam seduzi-los com manifestações grandes e
com a cessão do Palácio das Indústrias para suas assembleias, além de benefícios e proteção
policial754. Já Rodrigo Silva e Maria Luiza Tucci Carneiro por definirem o Estado desse período
como autoritário (antes mesmo de 1937) parecem associar as diversas prisões a uma tentativa
de acabar com as associações e escritos de caráter revolucionários visando a dominação política.
Dentre dessa dominação estava, evidentemente, a imposição dos novos sindicatos a serem
seguidos:

“As recorrentes detenções de militantes e a tentativa de desmantelar associações e grupos, assim como a
censura e a repressão às publicações libertárias eram meios de tentar minar a expansão da resistência ao
regime autoritário. Porém, esses militantes vigiados e submetidos às humilhações da prisão pelo DEOPS,
simplesmente por carregarem em si “idéias malditas”, não eram indiferentes ao Estado policial em que se
vivia na época”. (SILVA, 2005, p.103)

751
“Panorama brasileiro. Sombras que avançam”. A Plebe, nº46, 04/11/1933. São Paulo, p. 1; e “Contra a
Selvageria Policial”. A Plebe, nº52, 30/12/1933. São Paulo, p. 4. A polícia do DEOPS foi acusada de vários
crimes, como a condenação a trabalhos forçados pelo delegado de Ordem Social do operário Roberto Morena
por este ser secretário do Comitê Anti-Guerreiro de São Paulo. Fernando Parras, secretário geral da União dos
Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, e o metalúrgico Estebam Lozano e outros também estavam vivenciando
a mesma situação. Além disso, no Gabinete de Investigações havia vários detidos presos políticos (como Guido
Romani e Vitor Gareia), que estavam sendo espancados e torturados para confessarem suas supostas
participações em “planos terroristas” arquitetados pelo próprio delegado do DEOPS. Outra atitude grave:
suspensão indefinida de inquéritos policiais, como no caso do assassinato do tecelão Vitorino Domingues, em
Sorocaba, também por questões sociais; ou no caso em São Paulo do operário gráfico Manuel Aristides,
executado pelos agentes da delegacia de Ordem Social. Por fim, objetos considerados subversivos estavam sendo
aprisionados. De acordo com o jornal, eram objetos comuns e não tinham nada demais (até móveis estavam
sendo aprisionados). O artigo descreve a Delegacia como uma “reprodução fiel” do Tribunal do Santo Ofício em
pleno século XX.
752
“Panorama brasileiro. Sombras que avançam”. A Plebe, nº46, 04/11/1933. São Paulo, p. 1.
753
“Violencias policiais”. A Plebe, nº51, 23/12/1933. São Paulo, p. 2.
754
AZEVEDO, Raquel. A resistência anarquista: uma questão de identidade, São Paulo, Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 302.
205
“Romper o cerceamento censório tornou-se uma das metas dos intelectuais revolucionários que, através
de idéias e livros, tentavam enfraquecer o projeto de hegemonia e dominação política defendida pelo
Estado autoritário varguista” (CARNEIRO, 2002, p.47 APUD SILVA, 2005, 103)

Enfim, as denúncias a respeito da repressão sobre os trabalhadores e o jornal cresceram


em 1934. As primeiras corresponderam à repressão exercida sobre as greves feitas nesse ano
pelas organizações já atreladas ao Ministério, como já foi discutido. Tanto Samuel de Souza
quanto Angela Araújo concordam que o aumento da repressão aconteceu pela nova gestão do
Ministério do Trabalho e que foi responsável por aplicar o projeto do sindicato corporativista,
nesse momento encabeçada por Agamenon Magalhães. Para Souza não há dúvidas de que essa
gestão consolidou a política de colaboração efetiva entre o ministério e os órgãos policiais 755.
Araújo argumenta que:

“A escalada da repressão contra os sindicatos e a mobilização operária que se verificou a partir de meados
de 1934, em plena vigência da nova Constituição, estava relacionada com a nova orientação adotada no
Ministério do Trabalho com a nomeação do Ministro Agamenon Magalhães e demonstrava a estreita
articulação que passou a existir, a partir de então, entre esta pasta e os órgãos de repressão”. (ARAÚJO,
1998, p. 297).

Desta questão é importante ressaltar que a FOSP entendia que a força policial estava
sendo desencadeada a serviço das empresas, ou seja, a mando dos empregadores, mas também
por parte do governo, algo evidente no seguinte comentário de solidariedade aos trabalhadores
ferroviários (sindicalizados):

“(...) as forças policiais a serviço das empresas pretende sufocar as reivindicações justas e
humanas daqueles trabalhadores vem publicamente (?) a sua solidariedade moral aos grevistas e
protestar (?) contra a atitude dos poderes constituídos que estão empregando toda a sorte de armas
por mais indigmas e brutais que sejam para implantar o terror e clausurar as organizações da Capital
e do interior. Todos os trabalhadores dignos, neste ato de emergencia [sic], estão no dever de prestar
a sua solidariedade moral aos companheiros em luta, procurando impedir, por todos os meios que
eles sejam vitimas da prepotencia [sic] governamental e patronal”756 (grifo meu)

Ainda de acordo com a Federação, a situação da época era marcada por prisões em
massa, ataques da força armada contra os operários indefesos e o fechamento dos sindicatos, o
que a fez concluir ser inexistente o direito de greve no Brasil (até então as greves não haviam

755
Contudo era uma aproximação não tão direta, pois senão o Ministério não conseguiria ter legitimidade entre
os trabalhadores. SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e
leis do trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas,
2007, p. 101-104.
756
Comitê Federal. “Movimento Operario. Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São
Paulo, p. 3.
206
sido proibidas) 757. Para o jornal, as prisões estavam associadas à “carteira profissional”, isto é,
era por meio dela, dessa “arma do patronato”, que as prisões eram efetuadas, sendo essa a
função de sua implantação758.
A polícia também passou a exercer repressão sobre comícios e manifestações. Ainda em
janeiro, o jornal registrou o acontecimento de um comício público no Largo da Concórdia, às
12 horas, mas que foi impedido por conta do local estar cheio de policiais da cavalaria, levando
o periódico a comparar essa situação aos tempos do “perrepismo”. A multidão expressou seu
protesto antifacista e anti à proibição do ato. O resultado foi o estabelecimento de uma confusão,
com tiros, “patadas de cavalos” e ataque à “liberdade popular”. O jornal protestou contra tal
violência das “forças reacionarias [sic]” 759. Assim, a constatação foi que a política da república
nova era ainda mais perigosa aos trabalhadores e realmente reacionária:

“A politica [sic] atual, mais perigosa para o proletariado porque é mais traiçoeira vai aos poucos arrancando
a mascara [sic]: começa a caracterizar-se por sintomas de decadencia [sic], começa a pisar em falso e a mostrar
os dentes da sua truculencia [sic] reacionaria [sic]. Entramos na fase dos assaltos ao individuo e á associação;
das ameaças e perseguições; dos espancamentos e prisões arbitrarias (...)” 760.

Em julho de 1934, o jornal denunciou que a polícia, tanto do interior quanto da capital,
estava atacando “modestos operarios [sic]” e prendendo-os para mostrar que era “vigilante e
sagaz”, sem o menor respeito aos direitos do cidadão. Para justificar seus atos, mandou os
jornais comunicarem e apresentarem os trabalhadores como “‘perigosos’ agitadores e ‘terríveis’
perturbadores da ordem pública” (grifo do jornal). Isso acontecia “todos os dias, todas as horas”,
ou seja, tornava-se algo recorrente. Como prova, os policiais realizavam buscas nas casas dos
operários e aprisionavam qualquer livro ou jornal que “tenham o sinete de alguma sacristia” 761
ou seja, que simbolizasse algo considerado perigoso. O jornal chegou a concluir que camaradas
estavam sendo presos “pelo crime de ter idéias” e por esse motivo criaram “Comité-pro’ presos
sociais”:

“E a criação do Comité Pró-Presos Sociais veio atender a uma necessidade ha [sic] muito sentida entre
nós, de cujos resultados só se pôdem esperar beneficios [sic] na pratica [sic] do sentimento de
solidariedade. Os nossos aplausos, pois, á feliz e necessaria [sic] iniciativa” 762.

757
Comitê Federal. “Movimento Operario. Federação Operaria de S. Paulo”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São
Paulo, p. 3.
758
Explicação que foi dada quando explicavam sobre a greve na Cristalera Americana. “Movimento Operario.
Continúa a gréve na Cristalera Americana”. A Plebe, nº59, 31/03/1934. São Paulo, p. 3.
759
“Um comicio anti-fascista dispersado a patas de cavalos”. A Plebe, nº54, 27/01/1934. São Paulo, p. 4.
760
“Politica e questão social”. A Plebe, nº55, 10/02/1934. São Paulo, p. 1.
761
[sem título]. A Plebe, nº66, 07/07/1934. São Paulo, p. 3.
762
“Comité Pro’- Presos Sociais”. A Plebe, nº68, 04/08/1934. São Paulo, p. 3.
207
Posteriormente, a FOSP emitiu um protesto afirmando que, para amedrontar os
operários frequentadores da Federação, a polícia estava fazendo vigilância nas vizinhanças da
sede há 3 semanas. Além disso, alguns operários que estavam no local foram atacados e se
prepararam para a legítima defesa. De acordo com o jornal, essa ação não afetaria e nem
amedrontaria aqueles que lutavam pela liberdade e contra as explorações da “burguesia
escravocrata”. Por isso, a FOSP enviou um ofício ao chefe da polícia e protestou contra tal
vigilância763. No final do mesmo mês, o camarada A. Lasheras foi preso na prisão do gabinete
de investigações quando ia a uma tipografia. Só foi liberto 5 dias depois, ainda que a lei
determinasse que uma pessoa não poderia ficar presa por mais de 24 horas sem a intervenção
da justiça, ou seja, mais uma vez as leis mostravam não ter valor. Por essa razão, a indicação
do jornal era de que cada vez mais propagassem seus ideais e se solidarizassem com as
vítimas764.
De acordo com o que é possível acompanhar pelo jornal, a repressão nos meses de
agosto e setembro parece ter aumentado e, com isso, a crítica a respeito do governo, como já
constatado. Mas vale ressaltar que a repressão parecia ser maior no Rio de Janeiro, com a polícia
“revolucionaria [sic] e outubrista do cap. Müler”. Em agosto foi a vez de A Plebe estar sob
vigilância. No dia 18, “duas ‘pintas’” bem conhecidas entraram na redação e alegaram ter ordem
para apreender a edição do jornal, só não o fizeram porque a expedição já havia sido feita.
Posteriormente, ambos estiveram na tipografia onde o jornal era impresso para violar sua versão
original. Além disso, os passos dos militantes mais conhecidos estavam sendo vigiados, as
tipografias onde o jornal era destinado para ser impresso foram cercadas e os gerentes dessas
advertidos para que não imprimissem nenhum trabalho que fizesse referências “a um
intenerante [sic] e burguesíssimo senhor das bandas orientais do Plata”. Assim, consideraram
que viviam uma ditadura policial765.
No começo de outubro, depois do acontecimento do dia 07, quando ocorreu um conflito
direto entre integralistas e antifascistas, a sede da FOSP foi invadida pela polícia, às 10 horas
da manhã. Nesse momento, estavam no salão alguns operários padeiros, porque ali também era
a sede do sindicato dessa classe. Eles foram atropelados e alguns presos: João Perez 766 e

763
“Um protesto da Federação Operaria”. A Plebe, nº69, 18/08/1934. São Paulo, p. 3.
764
“Prisão arbitraria”. A Plebe, nº70, 01/09/1934. São Paulo, p. 1.
765
“Ditadura policial”. A Plebe, nº70, 01/09/1934. São Paulo, p. 3.
766
Militante que estava há bastante tempo nas organizações sindicalistas e libertárias. Segundo Bernardon, era
um sapateiro espanhol e em 32 era metalúrgico na Metalgraphia Matarazzo. Já havia sido preso em novembro de
32 por participar das greves nesse estabelecimento. Ver: OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo,
208
Natalino Rodrigues (esse foi também espancado). A polícia fechou a sede da Federação, na Rua
Quintino Bocaiúva, e trabalhadores estavam comentando que se tratava de uma medida
exclusiva contra a FOSP. Posteriormente foi preso o camarada Chaves sem motivo algum,
segundo o periódico. Muitos outros “camaradas” também estavam sendo procurados pelos
agentes de polícia. Diante dessa situação, a FOSP distribuiu um manifesto a respeito e o
direcionou ao “proletariado em geral”. Nele, a Federação se manifestou dizendo ser contra a
ação dos integralistas e justificou a participação do povo paulista no conflito por também ser
contrário e por ansiar por um regime de paz e harmonia. Depois, justificaram o fechamento da
sede seguindo a argumentação do jornal, mas ressaltaram a necessidade de articulação entre os
comitês de fábricas e oficinas para a preparação de uma greve geral em São Paulo. Um plano
de reivindicações também seria desenvolvido. Por fim, exigiram a reabertura das suas
organizações e a liberdade dos companheiros. A culpa principal foi atribuída à Ação Integralista
Brasileira e depois à polícia 767.
O conflito que ocorreu no dia 07 de outubro entre os integralistas e os antifascistas gerou
consequências aos trabalhadores e se estenderiam até 1935. Em um artigo chamado “Insulta-se
a Justiça e achincalha-se a lei”, o jornal, ao se referir às prisões decorridas desse dia, constatou
não haver mais garantias para os trabalhadores, pois polícia preferia prender os trabalhadores
organizados em luta pelos seus direitos, ou seja, nas greves, do que punir os líderes dos
integralistas, os quais atraíam as pessoas por meio da exploração dos sentimentos e preconceitos
nacionalistas. Por conta dessa repressão, além de presos, alguns trabalhadores ficaram
desaparecidos, Eleutério Nascimento era um deles e seu desaparecimento já contabilizava um
mês. Ele foi preso quando estava esperando os companheiros para continuar suas funções de
cobrança das mensalidades do Sindicato, mas a polícia afirmou para os jornais que se tratava
de um “perigoso ladrão”. Ele desapareceu assim que foi para a prisão da Ordem Social, na Rua
dos Gusmões, pois foi sequestrado pela polícia e até aquele momento sua família e amigos não
sabiam sobre seu paradeiro.
Esse acontecimento fez com que o jornal constatasse mais uma vez que a lei e a
constituição não valiam de nada para proteger os direitos das pessoas. João Peres, Natalino
Rodrigues e Antonio Araújo também estavam desaparecidos. Mas, mesmo assim, a polícia não

sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense.
Rio de Janeiro, 2009, p. 193.
767
Comitê Federal. “Fechamento da sede da Federação Operaria. Camaradas presos”. A Plebe, nº73,
13/10/1934. São Paulo, p. 2. O comitê federal da FOSP escreveu na seção do “Movimento Operario”
denunciando as violências policiais (p.3) e depois a Federação emitiu uma nota sobre os acontecimentos do dia
7/10 (p.4), mas ambos não foram possíveis de ler.
209
assumiu suas responsabilidades das violências que cometia. Além disso, continuou negando a
prisão de tais trabalhadores, mostrando, na opinião do jornal, o quanto zombavam dos juízes,
das leis, da Constituição e principalmente da dignidade proletária. Essa situação estava
acontecendo também com os outros presos encarcerados por ordem do Dr. Costa Ferreira.
Como os juízes nada faziam frente ao “reacionalismo fascista”, reafirmavam a não
possibilidade dos trabalhadores esperarem algo da justiça burguesa, pois ela estava sujeita aos
interesses das classes dominantes e em detrimento da liberdade do povo. A solução era: a
derrubada das instituições burguesas, a abolição do Estado e a instituição de comunas livres de
trabalhadores livres. Mas até que isso não acontecesse, cabia aos trabalhadores protestar, ir
contra os crimes da burguesia, defender as vítimas da tirania capitalista, fazendo valer a “força
da consciência proletaria [sic] contra os crimes do capitalismo” 768. As prisões geraram repulsa
por parte dos sindicatos filiados à FOSP também e da própria Federação, na seção do
Movimento Operário769.
Além dessas, a prisão e a perseguição aos trabalhadores continuaram. No dia 25 de
outubro mais dois operários foram detidos sem motivo identificado pela polícia da Ordem
Social. Eram Passarini (?) e Leopoldo Adamo (?), presos em suas casas 770. O título de outro
artigo até indagou: “Quem garante a vida dos cidadãos na Republica [sic] dos Estados Unidos
do Brasil?” 771. Ademais, além de Hermínio Marcos, o camarada Torquato Villan estava sendo
772
julgado no Supremo Tribunal Federal e ameaçado de expulsão pelo capital Filinto Müller .

768
“Insulta-se a Justiça e achincalha-se a lei”. A Plebe, nº74, 27/10/1934. São Paulo, p. 1. O Comitê de Relações
dos Grupos Anarquistas de São Paulo protestavam contra tais prisões junto às classes proletárias de São Paulo.
Suas reuniões continuavam e nelas estavam compareciam bastantes delegados das agrupações anarquistas e eram
tomadas várias resoluções referente ao caso. Os grupos do interior já estavam sabendo do acontecimento por
conta de circulares e correspondências que foram emitidas. Todos concordavam que eles foram presos
arbitrariamente e desejavam que fosse obtida a liberdade. (“Pró liberdade de João Perez, Natalino Rodrigues e
Antonio Araujo. O Comite de Relações dos Grupos Anarquistas de São Paulo protesta”. A Plebe, nº74,
27/10/1934. São Paulo, p. 2.
769
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo. Aos trabalhadores, ao povo, aos estudantes e a
todos os que ainda presam a liberdade” e “Comunicados e reuniões”. A Plebe, nº74, 27/10/1934. São Paulo, p. 3;
“Movimento Operario. Contra as perseguições policiais. Um manifesto da União dos Artifices em Calçados e
Classes Anexas”. A Plebe, nº75, 10/11/1934. São Paulo, p. 3: Se colocavam contra a prisão de Natalino
Rodrigues, Antonio Araujo, Pedro Catalo, Luis Papero e A. Soares, referenciados como “companheiros
militantes da União”. Com o propósito de manifestação e para que todos soubessem o que havia acontecido,
marcaram a realização de uma assembleia geral extraordinária de toda a corporação para o dia 12/11. Para essa
União, a repressão estava partindo da burguesia por meio do uso da polícia da Ordem Social, a fim de
amedrontar os trabalhadores conscientes. Na mesma página, em “A favor de Natalino Rodrigues”, o sindicato
dos manipuladores de pão, Confeiteiros e Similares distribuiu listas de solidariedade a favor de Natalino Rafael
Rodrigues.
770
“Mais arbitrariedades policiais”. A Plebe, nº74, 27/10/1934. São Paulo, p. 3.
771
A Plebe, nº74, 27/10/1934. São Paulo, p. 4.
772
“Lá como aqui”. A Plebe, nº74, 27/10/1934. São Paulo, p. 4; “Do Rio. Continua pesando sobre Herminio
Marcos e Torquato Villan a ameaça de expulsão”. A Plebe, nº77, 03/12/1934. São Paulo, p. 3.
210
Esse assunto se estendeu para os próximos números, mas é difícil a compreensão por conta de
a impressão estar muito prejudicada 773, até porque um dos trabalhadores, Natalino Rodrigues
(padeiro), permaneceu por muito tempo desaparecido 774.

(A Plebe, nº78, 22/12/1934. São Paulo, p.1)


Imagem 4

A repressão aos trabalhadores foi tema de ilustrações também, geralmente estampadas


nas primeiras páginas. Por exemplo, na septuagésima quinta edição, de 10 de novembro de
1934, a opinião do jornal era de que o reacionarismo estava cada vez maior e junto a essa
constatação publicou uma ilustração grande, no centro da primeira página: nela, existem dois
homens de pé, vestidos com a mesma roupa, e outros dois jogados ao chão. A vestimenta os
diferencia: enquanto os de pé são policiais, os outros dois provavelmente são os trabalhadores.
Mas a roupa dos policiais parece mais com as de um capitão-do-mato que chicoteava os
escravizados. Aliás, um deles está chicoteando um trabalhador ajoelhado com as mãos
amarradas, enquanto o outro olha como se nada estivesse acontecendo, com as mãos na cintura,
segurando o cinto de sua calça, assobiando e com uma arma grande embaixo de um dos braços.
Este usa gravata, como se fosse o responsável por emitir as ordens. Na roupa de ambos existe
o símbolo do integralismo, associando, então, a polícia aos integralistas. As costas do
chicoteado estão bastante feridas. Atirado ao chão está o outro trabalhador, aparentemente já
morto ou desacordado. Embaixo da ilustração, está escrito: “O regime (?) fascista (?) que

773
“Passa o tufão reacionario!... Como se mistifica a opinião publica e se mente e ludibria. Nas prisões infectas
da Rua dos Gusmões apodrecem operarios pelo crime de quererem a emancipação dos trabalhadores. O
proletariado se agila com indignação contra as violencias policiais”. A Plebe, nº75, 10/11/1934. São Paulo, p. 1; :
“Onde está Natalino Rodrigues?”. A Plebe, nº76, 24/11/1934. São Paulo, p. 1.
774
Só seria encontrado em dezembro, após 53 dias de prisão, depois de ser submetido a “maus tratos, privações e
vexames”, prestes a ser deportado no porto de Santos para os “estados do sul”. Mas posteriormente foi preso
novamente. In: “Uma odisséa de soffrimentos, de vexames, de maus tratos, tal foi a vida daquele operario
padeiro durante 53 dias de uma prisão injusta e arbitraria”. A Plebe, nº77, 03/12/1934. São Paulo, p. 1.
211
vivemos prende, deporta e sonega a justiça de (?) presos sociais. O regime integralista aspira
redobrar (?) essas violencias [sic], matando e torturando inquisitorialmente (?) (?) (?)” 775
.
Rodrigo Silva explica que de fato alguns policiais eram adeptos do integralismo 776.

Imagem 5
O comitê pró-presos sociais saiu em defesa de tais trabalhadores e, além de arrecadar
dinheiro, organizou um festival para o dia 17 de novembro como demonstração da solidariedade
deles às vítimas da “burguesia, do Estado e da reação fascista”, em meio a um governo que “se
dirige aos trabalhadores, na época de eleições, com a mais hipocrita [sic] das demagogias
sociais, o govêrno de um partido cujo programa é uma perfeita tapeação”777. Essa alegação
evidencia que a desaprovação em relação ao governo também tinha ligação com a repressão do
período. O jornal relatou até mesmo sobre a criação de um “fantasma vermelho” por parte da
polícia paulista, evidenciando suas ações de “fobia anti-revolucionaria [sic]” 778. Aliás, o grande
número de críticas à polícia e ao governo, provavelmente, de acordo com a própria
argumentação do periódico, fez com que o nº 75 do jornal fosse apreendido pelos agentes da
Ordem Social, no dia 24 de novembro quando estava a caminho de ser disseminado pelos

775
A Plebe, nº75, 10/11/1934. São Paulo, p.1. Ilustrações do gênero também estiveram presentes no A Plebe,
nº76, 24/11/1934. São Paulo, p. 1.
776
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 108.
777
“Comité Pró Presos Sociais”. A Plebe, nº75, 10/11/1934. São Paulo, p.3. O jornal publicou também o
balancete da “Caixa Pro’ Presos”: os gastos eram destinados aos advogados, auxílio aos presos e às famílias,
reconhecimento de firmas, telegramas, telefonemas, papel e ofícios; despesas de viagens e condução; médico
medicamentos; além de outras despesas. (10/11/34)
778
“O fantasma vermelho - uma ridicula palhaçada que prejudica a tranquilidade pública”. A Plebe, nº75,
29/09/1934. São Paulo, p. 3.
212
correios. Entretanto, não é possível dizer mais do que isso, pois a leitura do artigo foi totalmente
prejudicada 779.
Vale ressaltar que a prisão de Natalino Rodrigues durante 53 dias fez com que o jornal
considerasse que os cidadãos não tinham garantias constitucionais. O delegado responsável, Dr.
Costa Ferreira, afirmou aos jornais que Natalino foi o responsável por dirigir a greve dos
padeiros, em maio de 32, e também professava “ideais anarquistas”, portanto, uma prisão e
repressão diretamente relacionadas à ideologia anarquista desenvolvida pelos trabalhadores. Da
mesma forma, fica evidente a repressão existente sobre as ideologias de esquerda, as quais eram
alvo de perseguição também no que dizia respeito a como defendiam a forma pela qual a luta
de classe deveria acontecer. Assim, talvez seja possível afirmar alguma relação entre as prisões
efetuadas e a oposição à política trabalhista por parte dos militantes anarquistas:

“(...) o que quer dizer que professa principios [sic] que assentam a sua base na concepção da inutilidade de
‘chefes’ e ‘dirigentes’ e que afirmam a luta de classe pela ação direta, sem intermediarios [sic], sem chefes e
sem dirigentes...” 780.

Na seção do movimento operário, a FOSP foi contra, mais uma vez, a todos os
acontecimentos e entendia que a repressão partia também da “politicalha dominante”, além dos
policiais a realizarem para defender os interesses dos capitalistas. A Federação relacionou essa
questão ao “terror” que o Ministério do Trabalho desejava implantar na classe trabalhadora, o
que provavelmente tem relação com o novo sindicato. Assim, as ações violentas eram feitas
contra os trabalhadores conscientes, pois o governo não conseguiu controlá-los por meio das
ações do Ministério, relacionando mais uma vez a repressão à questão das leis sociais do
trabalho:

“(...) emanadas da vontade soberana do sr. Costa Ferreira, que cumpre fielmente o seu papel de defensor da
exploração capitalista. Concita as classes oprimidas a manifestar a sua repulsa contra os desmandos da
politicalha dominante, que, não podendo submeter a conciência do proletariado á canga do Ministerio [sic] do
Trabalho, antro de parasitas a serviço da burguesia, procura implantar o terror nas massas trabalhadoras” 781

Em meio à diminuição da liberdade de manifestação, o jornal indicou que o dever dos


“revolucionarios [sic] sociais” era reivindicar a liberdade de pensamento e principalmente de

779
“Sob o guante da reação. Foi apanhada a edição do numero passado de ‘A Plebe’ quando ia para o correio por
agentes da ordem social”. A Plebe, nº76, 24/11/1934. São Paulo, p. 1.
780
“Uma odisséa de soffrimentos, de vexames, de maus tratos, tal foi a vida daquele operario padeiro durante 53
dias de uma prisão injusta e arbitraria”. A Plebe, nº77, 03/12/1934. São Paulo, p. 1.
781
“Movimento Operario. Federação Operaria de São Paulo”. A Plebe, nº78, 22/12/1934. São Paulo, p. 3.
213
782
poderem manifestar publicamente aquilo o que aspiravam para a sociedade e seus ideais .
Essa concepção permaneceu no próximo ano, isto é, em 1935 quando em meio às manifestações
do “proletariado conciente e revolucionário” em prol ao 1º de maio 783
, Rodolfo Rocker
explicou que:

“(...) onde isso não fizer [referência à manifestação do proletariado] será pela força das circunstancias em que
vivemos.” 784

Fica claro, então, a consciência a respeito do aumento do autoritarismo no Brasil frente


à manifestação dos trabalhadores e uma crítica ao governo vigente. Ainda nessa seção, o autor
justificou o motivo para o surgimento de ditaduras e a tendência mundial ao autoritarismo. De
acordo com Rocker, desde a grande guerra (1914-1918), a burguesia percebia a diminuição de
seu poder e tentava recuperá-lo desde então, assim como seu poder absoluto sobre o povo
trabalhador, sendo solidária entre si e transpassando fronteiras. O povo, em contrapartida,
demonstrava ser capaz de “se emancipar da tutela e do jugo capitalista estatal que o oprime e
explora”. As ditaduras e os governos fortes surgiram para que a burguesia continuasse a manter
seus privilégios, recorrendo então para as “maiores e inauditas fórmas [sic] de repressão para
subjulgar o povo e escravizar as conciências dos homens”. O que importava para os capitalistas
e governantes era “dominar para sobreviver”, independentemente dos meios de repressão
utilizados785. Se prestarmos atenção, essa argumentação tem ligação com a concepção emitida
a respeito das leis sociais e, mais especificamente, da lei de sindicalização: um controle sobre
os trabalhadores, especialmente sobre os conscientes para que não viesse a perder seu poder.
De fato, o aumento da repressão ocorreu nesse ano e foi constatado nas páginas do
jornal, alcançando seu auge com a promulgação da Lei de Segurança Nacional. Mesmo com a
consciência sobre o que essa lei representava e como ela visava amordaçar escritos e falas, o
jornal declarou que continuaria com seu propósito, se colocando de forma aberta em posição
de resistência e oposição:

“‘A PLEBE’, como orgam [sic] de ideias, como pregoeiro dos principios [sic] anarquistas, continuará
serenamente na sua tragetoria [sic] de lutas e de sacrificios [sic], batalhando por um ideal e defendendo os

782
“Contra o fascismo e pela conquista de mais pão e liberdade”. A Plebe, nº70, 01/09/1934. São Paulo, p. 1.
783
RODOLFO. “Comemorando os martires de Chicago”. A Plebe, nº87, 27/04/1935. São Paulo, p. 1.
784
ROCKER, Rodolfo. “Lembrando os martires de Chicago”. A Plebe, nº87, 27/04/1935. São Paulo, p. 1.
785
ROCKER, Rodolfo. “Lembrando os martires de Chicago”. A Plebe, nº87, 27/04/1935. São Paulo, p. 1. Vale
ressaltar que da mesma forma ou até mais do que em 1934, as comemorações foram marcadas por repressão: o
proletariado de São Paulo, segundo o jornal, não pode comemorar o 1º de maio como nos anos anteriores por
conta da proibição da política referente a manifestações em praça pública, mas isso não impediu que algo fosse
feito. I“Comemorações do 1º de Maio”. A Plebe, nº82, 16/02/1935. São Paulo, p. 2.
214
oprimidos, combatendo todas as tiranias, vistam-se elas das cores verde, amarelo, azeitonas, vermelha ou
preta. Se a nossa voz for sufocada, se a nossa obra publica [sic] e responsavel [sic] for impedida pela força,
então, e só então, nós procuraremos os porões, as tocas, as catacumbas, e nelas faremos entre o povo a nossa
sementeira de rebeldia de conciencias [sic] e de convicções; com o estoicismo dos justos e com a revolta dos
oprimidos, minaremos o pedestal de lama e sangue sobre o qual pousa a sociedade vil e infame em que
vivemos.”786

Em meio a esse cenário, publicaram artigos reafirmando os princípios anarquistas, pois


a lei foi encarada como uma forma de impedir o caminho da humanidade rumo ao Comunismo
Libertário787, assim como a Lei de Sindicalização já também havia sido compreendida.
Ainda nesse ano, a FOSP e os sindicatos aderentes a ela foram vítimas da ação policial.
Em fevereiro, a União dos Artifices em Calçados teve sua sede invadida, já que a polícia havia
invadiu a sede da Federação e ambos utilizavam do mesmo local. Os policiais assaltaram os
armários e pegaram pertences dos trabalhadores. A Comissão da associação defendia que algo
fosse feito, que mostrassem a sua coesão e não se intimidassem frente à reação, pois o
“despotismo policial” não os desvirtuaria do caminho já trilhado, visando a conquista de suas
reivindicações. Eles protestavam também contra a chamada lei “monstro” (grifo deles) que
escondia “uma das piores formas de fascismo” 788.
De acordo com o Comitê Pró-Presos Sociais, em um artigo publicado no dia 16 de
março, vários camaradas ainda estavam sendo perseguidos, ameaçados e outros estavam em
789
situação de deportação . Posteriormente, em fevereiro, o camarada Torquato Villan (mais
conhecido por Pierre) foi deportado. A notícia só foi publicada em março junto a justificativa
de sua prisão: Pierre justificou que foi expulso por ser anarquista 790. Além dele, foram expulsos
em 1934 João Perez Parada e Antonio Araújo Ribeiro, ambos os casos foram assinados pelo
presidente da República791. Em maio, mais uma vez a FOSP foi alvo da ação policial, contudo,
por conta da má qualidade da impressão, não foi possível ler mais do que isso 792.

Considerações finais

786
“Algemas e mordaças”. A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 1.
787
“Porque somos anarquistas”. A Plebe, nº81, 02/02/1935. São Paulo, p. 1.
788
“União dos Artifices em Calçados”. A Plebe, nº82, 16/02/1935. São Paulo, p. 3.
789
Comitê. “Comité Pró Presos Sociais”. A Plebe, nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 2.
790
“Expulso do país”. A Plebe, nº84, 16/03/1935. São Paulo, p. 4.
791
“O caso Natalino e outros casos”. A Plebe, nº78, 22/12/1934. São Paulo, p. 2.
792
Comitê Federal. “Movimento Operario. A Federação Operaria de S. Paulo varejada, de novo, pela polícia”. A
Plebe, nº89, 25/05/1935. São Paulo, p. 3.
215
Como foi possível ver, os anarquistas e sindicalistas revolucionários retornaram ao
movimento operário logo após o golpe da Aliança Liberal e continuaram agindo de acordo com
seus princípios, isto é, prezando pela autonomia, pela ação direta e “apolítica”, em busca da
eclosão da Revolução Social. Nesse sentido, mostramos como o sindicato era uma organização
muito importante para o caminho revolucionário que almejavam, para a formação de uma
sociedade descentralizada e sem a participação do Estado:

“Para nós, os sindicatos reunindo toda corporação e federados depois entre si, são as mais poderosas alavancas
de que a classe operaria [sic] deve fazer uso para derrubar as classes privilegiadas e atingir a sua emancipação”
793
.

Ao explicar sobre as origens do sindicalismo e a sua importância no processo de


libertação da classe trabalhadora, concluímos ser essa a posição defendida pelo periódico, a
qual estava em oposição direta aos sindicatos corporativistas criados a partir de março de 1931
pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas e que eram gerenciados pelo Ministério do
Trabalho:

“Sindicalismo era denominação com que se conhecem a luta da classe operaria [sic] na defeza de seus
interesses contra o capital. (...) O ponto ideal em que deveria situar-se o ‘sindicato’ era, pois, o da
equidistância entre o socialismo e o anarquismo. Dilucidar questões de doutrina, propagar os princípios de
socialização da terra e da riqueza em geral, aconselhar a luta impostergável contra a burguezia e o Estado sob
qualquer de suas formas, manifestar-se contra a autoridade do sacerdote, do legislador e do patrão no
templo sindical (...)” 794. (grifo meu)

Portanto, a instauração de um sindicato atrelado ao Estado e inserido em um novo tipo


de organização, a corporativista, onde as relações entre capital e trabalho seriam mediadas por
um agente externo, evidentemente não foi uma ideia recebida de forma positiva nesse meio que
prezava muito pela autonomia para o alcance de seus objetivos revolucionários. Em suma, a
nova lei de sindicalização foi considerada uma maneira de a “burguesia”, isto é, os
empregadores junto ao Estado controlarem e impedirem a emancipação da classe trabalhadora.
Gradativamente, a lei foi associada ao fascismo e no transcorrer dos anos essa definição
também se estendeu para o novo governo, o qual inicialmente representou alguma esperança de
mudança pela derrocada do governo oligárquico e liberal da 1º República. Por exemplo, a Liga
Operaria da Construção Civil, uma das associações aderentes à Federação Operária de São
Paulo, esperava que a partir desse novo momento suas reivindicações fossem atendidas, mas

793
LOUIS, Paul. “Movimento Operario. O aparecimento do sindicalismo”. A Plebe, nº30, 24/06/1933.São Paulo,
p. 3. Essa explicação teve continuidade no próximo número, na mesma página e seção.
794
L.M. “Anarquismo e Sindicalismo”. A Plebe, nº36, 05/08/1933. São Paulo, p. 2.
216
seu intuito mesmo era a realização de uma “obra revolucionária” e por isso indicou aos
trabalhadores que não caíssem em ilusões. Esta alegação também mostra que essas associações
permaneceram com seu caráter revolucionário, mesmo após um período sem atividade, e
sabiam o que almejavam.
A Plebe também compartilhou desse sentimento de mudança, quando algo novo
finalmente teria chances de acontecer mesmo com a instauração do sindicato oficial e mesmo
reiterando a instabilidade do governo - dito revolucionário - por conta das diversas forças que
o compunham. Podemos ver, então, a partir dos escritos baseados nas vivências desses
trabalhadores e militantes, a inexistência de um bloco coeso já em 1932. No caso da FOSP, a
Federação desde o início associou o governo ao fascismo por conta da implantação da lei de
sindicalização, afirmando estar em curso a “fascistização dos sindicatos”. Mas, ao mesmo
tempo, entendeu que de certa forma o governo estava levando em consideração os interesses
dos trabalhadores.
De modo geral e apesar de inicialmente existirem certos posicionamentos positivos e
ambíguos, nem o jornal nem a FOSP e seus sindicatos consideraram que a “Revolução de 30”
levou ao poder um governo revolucionário (como foi chamado no período), ainda mais quando
este passou a cometer os mesmos erros da “república velha” ao não garantir o cumprimento das
leis sociais e utilizar de métodos repressivos contra os trabalhadores que se manifestavam
contra as sucessivas burlas do patronato ou reivindicavam seus direitos. Além disso, durante o
Governo Provisório (1930-1934) e o Constitucional (1934-1937), foram promulgadas leis
associadas à sindicalização, como a Lei de Férias e a Carteira Profissional, ações que foram
interpretadas como uma forma de acirrar a submissão dos trabalhadores e fascistizar o país.
Assim, a tentativa de controle dos sindicatos, a qual minou cada vez mais as possibilidades dos
sindicatos autônomos e de caráter revolucionário prosperarem, junto à ineficiência das leis
sociais e à repressão levaram os anarquistas a considerá-lo fascista e, mais do que isso,
definiram o Ministério do Trabalho como um órgão inútil, fascista e que apenas beneficiava a
“burguesia”. Por fim, concluíram que a questão social não havia sido contemplada de fato.
Então, a esperança inicial se transformou em desilusão, embora o jornal tenha alegado
posteriormente que alertou os trabalhadores desde o início a respeito dos riscos da nova gestão,
dentre eles o controle estatal sobre a sindicalização.
As críticas foram aumentando conforme os anos e chegaram ao ápice entre finais de
1933, 1934 e início de 35. Foram anos de muitos registros de burlas e bastantes manifestações
operárias em prol do cumprimento das leis (tanto por parte dos trabalhadores já sindicalizados

217
quanto por aqueles que atuavam nos sindicatos autônomos e de caráter revolucionário); de
maior reorganização dos grupos anarquistas em defesa do projeto libertário; e
consequentemente de maior vigilância sobre os trabalhadores e as sedes dos sindicatos e do
jornal em questão. Em vista desse cenário, A Plebe constatou que a situação na qual a classe
trabalhadora se encontrava era pior do que anteriormente e realmente estavam sob vigência de
um regime fascista, pois além da continuidade das violências arbitrárias, consideravam que a
legitimação de só um tipo de sindicato significava negar o direito da livre associação e controlar
todos os trabalhadores autoritariamente. Foi justamente nesses anos, mais especificamente após
a eleição indireta de Getúlio e a promulgação da nova Constituição, que críticas diretas foram
desferidas à figura do presidente, ainda que em 1933 o governo já estivesse sendo definido
como fascista. Na opinião do periódico, Vargas era a representação da “tirania burguesa, o
Estado, o poder, a força que impõe o banditismo organizado do capitalismo”. Ele junto aos
“revolucionários” de 30 traíram os anseios da população, não “salvaram o país” como se
propuseram e ainda exerceram a mesma “politicagem” dos governos oligárquicos.
Enfim, o primeiro posicionamento contrário à lei de sindicalização partiu da Federação
Operária de São Paulo, a qual definiu desde 1931 a permanência de suas ações seguindo os
princípios “apolíticos” e a ação direta. Além disso, a FOSP rejeitou o que estava sendo proposto
e considerou se tratar claramente de uma tentativa de implantação do fascismo nas associações
sindicais, de modo a impedir a obra revolucionária dos trabalhadores. Os anarquistas de A Plebe
estranharam o apreço pela sindicalização por ser uma postura oposta à dos governos anteriores
e não concordavam com o fato de ser “obrigatória”, pois prezavam primordialmente pelo direito
da liberdade de organização. Também eram contra a lei estar atrelada à representação classista
por serem contrários à política institucional (vale lembrar ter sido por meio dessa relação que a
política corporativista foi efetiva em incorporar a classe trabalhadora ao cenário político).
A primeira crítica feita pelo jornal foi em relação à política de “conciliação de classes”
que dava base à lei, demonstrando uma clara percepção a respeito do corporativismo e oposição
ao que ele representava e defendia. Um dos argumentos utilizados foi o perigo de o
corporativismo tornar o indivíduo um instrumento nas mãos do Estado e perpetuar as relações
desiguais entre as classes. Além disso, defendiam ser impossível reconciliar os interesses das
classes por seus objetivos serem opostos. Os comentários negativos feitos à política
corporativista eram baseados na principal experiência da época: o fascismo italiano. Ademais,
o jornal considerava que tal política gerou um efeito contrário e atrapalhou o curso natural da
revolução.

218
Ao longo do período analisado, mais argumentos contrários foram desferidos à lei de
sindicalização e ao projeto corporativista como um todo a fim de deslegitimá-los, tanto por
parte do jornal, quanto da FOSP e seus sindicatos. Seus “perigos” foram ressaltados visando
afastar os trabalhadores de uma possível sedução, porque, como a adoção aos novos sindicatos
foi pequena em São Paulo nos primeiros anos, o governo associou à lei certos benefícios e
outros direitos trabalhistas há tempos reivindicados (como a nova Lei de Férias de 1934), os
quais só poderiam ser usufruídos pelos sindicalizados. Dessa forma, o discurso posto nas
páginas do jornal definia que seu intuito era enganar os trabalhadores, diminuir o espírito
revolucionário e afastá-los da luta de classes. Sua promulgação beneficiava apenas as “classes
dominantes” porque diminuiria as manifestações e greves contra os empregadores e, ao mesmo
tempo, os trabalhadores seriam divididos e controlados. Sua adoção representava a dominação
política da classe trabalhadora e a interrupção da obra revolucionária em curso, ao impedir a
liberdade de organização e a propagação dos ideais libertários, corroborando para a extinção
das associações autônomas. Além de todas essas críticas, defenderam ser um método copiado
do fascismo com a pretensão de escravizar ainda mais os trabalhadores por ser um obstáculo ao
avanço moral e econômico destes.
A oposição ao sindicalismo que não prezava pela revolução e, portanto, não combatia o
Estado nem o sistema capitalista e escolhia a resolução dos problemas por meio da negociação
se explicava pelo fato dessa doutrina sindical ser uma junção de “conceitos autoritários” que
convergiam para o mesmo lugar: para competir com as ditaduras dos governantes. Nesse tipo
de sindicalismo, o proletário era apenas um instrumento nas mãos dos “politiqueiros”, era o
“sindicalismo legalitário”.
Mostramos aqui também que os sindicatos aderentes à FOSP recusaram a lei e se
posicionaram a favor da atuação autônoma, direta e revolucionária. Alguns daqueles que mais
demonstraram suas opiniões com relação à questão social e permaneceram associados até 1935
foram o Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros e Similares, o qual defendia que a
lei de sindicalização e carteira profissional cerceavam a liberdade e submetiam os trabalhadores
a um controle a fim de melhor garantir a exploração e o sossego dos empregadores; a Liga
Operária da Construção Civil afirmava ser um método copiado do fascismo para escravizar
ainda mais a classe trabalhadora; e a União dos Artífices em Calçados e Classes Anexas
defendeu que o novo governo apenas enganava os trabalhadores com as leis sociais. De modo
geral, todos consideraram ser uma forma de controle do movimento operário inspirado no

219
fascismo, até porque o jornal inteirava os trabalhadores a respeito da situação italiana e alemã
com a instauração desse regime.
Quando a Lei de Férias foi atrelada à nova sindicalização, em 1934, o argumento
apresentado no jornal pelos anarquistas era de que isso havia ocorrido por mais uma vez o
Ministério do Trabalho estar sendo conivente aos empregadores e pela falta de efetividade dos
sindicatos oficiais entre a classe trabalhadora. Nesse caso, a culpa foi destinada primeiramente
ao Ministério e a ele foi agregado a definição de fascista por ter utilizado de um direito
reivindicado e conquistado pelos trabalhadores para incentivar a sindicalização, já que a
continuidade dos sindicatos autônomos atrapalhava a instituição do projeto corporativista. A
nova lei de férias era, então, a representação da “falência das leis ‘sociais’ ou da ‘legislação do
Trabalho’, e... de todas as leis”, além de ter confirmado a relação entre o governo e os
empregadores.
A chamada “Carteira profissional” também foi duramente criticada por ser considerada
a representação do controle e facilitadora da repressão, pois tanto a polícia quanto os
empresários teriam as principais características dos trabalhadores. Então, tanto a lei de férias
quanto a carteira de trabalho eram medidas autoritárias de caráter fascista e foram recusadas
pelos “trabalhadores conscientes”. Por fim, a “Lei monstro”, isto é, a Lei de Segurança Nacional
de 1935, foi considerada uma continuidade da lei de sindicalização, pois, até então e segundo a
FOSP, o Ministério ainda não havia conseguido implantar totalmente o sindicato corporativo.
Apesar dessa alegação, vimos como na realidade a situação era outra, marcada por um aumento
progressivo da sindicalização.
Portanto, a partir desse cenário, começou a ser disseminada e defendida nas páginas do
periódico uma compreensão negativa sobre as leis sociais e não só a respeito das leis de
sindicalização: entendiam que todas foram criadas para explorar ainda mais os trabalhadores,
uma vez que as experiências relatadas nos mostraram que os direitos não estavam sendo
efetivamente garantidos, até mesmo para os adeptos aos sindicatos corporativos. O conjunto do
conteúdo publicado pareceu mostrar aos trabalhadores como a associação a esse tipo de
organização não era vantajosa, pois os direitos não eram aplicados, além do controle exercido
e o benefício concedido aos patrões, atrapalhando o curso natural revolucionário. As leis sociais
eram, então, “armadilhas para prender os trabalhadores às imposições do capitalismo” e, mais
do que isso, eram no Brasil uma “infame tapeação” e uma ofensa à “dignidade proletária”. Mas
ao mesmo tempo em que desacreditavam e eram contra a promulgação de leis, reivindicavam
o cumprimento dos direitos. Essa reivindicação já era presente em 1933 e continuou em 1934,

220
quando os sindicatos agiram pela ação direta a fim de garantirem seus direitos por conta própria
e sem interventores, e também quando denunciavam a burla dos “patrões” e a ineficiência do
Ministério do Trabalho na fiscalização, inclusive, o próprio Ministério foi definido como um
“contrapeso no avanço aos direitos públicos”.
Para eles, a questão social não seria resolvida da forma com que o governo a estava
tratando, porque era muito mais complexa e apenas a revolução traria mudanças estruturais,
trajetória impossibilitada com a criação da lei de sindicalização, pois seu intuito era justamente
acabar com a luta de classes e com os sindicatos revolucionários. Por essa razão, o
“sindicalismo verdadeiro” foi cada vez mais defendido, assim como o princípio da ação direta,
ao mesmo tempo em que repeliam as intromissões nas associações sindicais e indicavam que
os trabalhadores fizessem o mesmo. A FOSP não só se opôs como pautou desde 1931 o
desenvolvimento de ações dentro dos sindicatos para repelir aquilo a que estavam sendo
submetidos. Além disso, recorrentemente indicou aos trabalhadores que não colaborassem com
o Estado.
Sendo assim, a primeira forma de resistir foi a indicação tanto pela FOSP quanto pela A
Plebe aos trabalhadores para que recusassem o novo sindicalismo proposto e que continuassem
a agir de acordo com os princípios anarquistas (dentre eles a ação direta) sendo guiados pela
Federação. Além disso, ressaltavam os perigos do atrelamento ao sindicato oficial, como a
submissão dos interesses proletários aos dos empregadores (por ser uma luta desigual e por ser
impossível a harmonia/conciliação entre essas classes); a impossibilidade de reivindicação de
uma vida melhor, pois essa negociação estaria nas mãos do Estado (inimigo e uma instituição
que favorecia a “classe patronal”); o risco de se transformarem em instrumento político etc.
Prezar pela ação direta era importante para que a transformação social fosse feita de
baixo para cima, pelos próprios trabalhadores, os únicos reais conhecedores de suas realidades
e explorações. A ação direta surgiu dentro do pensamento e do movimento anarquista do século
XIX e foi muito importante para que o anarquismo se elaborasse como movimento político e
social. Os trabalhadores e militantes adeptos dessa ideologia continuaram reiterando nessa
década a relevância desse princípio para que seus objetivos fossem alcançados e para resistir à
organização corporativista defensora de intermediários entre capital e trabalho. Nesse sentido,
incentivaram a ocorrência de greves como a principal forma de reivindicação de seus direitos e
apoiaram até mesmo as greves feitas pelos trabalhadores dos sindicatos oficiais. Também
criaram, por exemplo, um comitê pró-férias, entre 1932 e 1933, para que a conquista desse
direito ocorresse por meio de suas próprias ações. Além disso, denunciavam constantemente a

221
burla das leis por parte do patronato, ressaltando a ineficiência do Ministério e do governo em
assegurar os direitos já promulgados em lei, deslegitimando ainda mais o projeto corporativista,
principalmente entre 1933 e 1934, quando o número de sindicalizados aumentou.
Executando outra forma de resistir, a FOSP e o próprio jornal iniciaram um contato com
outros grupos de caráter libertário com a finalidade de “estreitar os laços de fraternidade” entre
as organizações de caráter “genuinamente proletário, da capital e do interior”, pedindo para que
todas elas enviassem correspondências diretamente à Federação. Essa reorganização foi uma
tentativa e necessidade de unir os trabalhadores e ressaltar as “vantagens da organização
operária de resistência”. O jornal argumentava que se os trabalhadores estivessem desunidos
seriam sempre vítimas “indefesas da prepotência capitalista”, mas associados teriam força
necessária para a defesa de seus interesses e para caminharem “até á [sic] integralização de seus
supremos direitos de emancipação”. Por essa razão, era essencial um “ativo e ininterrupto
trabalho de organização de toda a classe operária”. Além disso, a reorganização desses grupos
a partir de 1933 teve a finalidade de propagarem os ideais libertários e discutir formas de agir,
como “Amigos de propaganda libertária”, o Comitê de Relações dos Grupos Anarquistas de
São Paulo, Grupo Terra Livre etc.
Dessa forma, a solução para os problemas que enfrentavam estava na organização dos
trabalhadores nos “sindicatos revolucionários” e no estudo da questão social em todos os seus
aspectos. Os “trabalhadores conscientes” deveriam se posicionar contra e impedir a
interferência no campo da luta proletária, isto é, no sindicato. De acordo com o jornal, o
operariado de São Paulo continuava ao longo desses anos resistindo a todas as tentativas de
penetração, às ameaças e perseguições e isso foi possível pela orientação da FOSP, por meio
dos princípios “apolíticos”, possibilitando que os trabalhadores soubesse recusar e responder
com manifestações à tentativa de imposição.
Também vimos que os trabalhadores e militantes anarquistas realizaram uma resistência
ampla no sentido de atuar em várias frentes e não somente no movimento operário. Ainda em
1932 tinham pretensões de formar um Congresso Operário no próximo ano que seria
responsável por estudar todos os aspectos da questão social a fim de se opor à intromissão do
poder estatal nas relações entre capital e trabalho, e estabeleceria as diretrizes para a luta contra
o capitalismo. Estiveram presentes em grupos de afinidade, conferências, festivais e em suas
publicações de modo a educar os trabalhadores sobre o projeto libertário, suas vantagens e a
construção da sociedade futura. Nesses meios, vistos como “elos de ligação”, um dos temas
geralmente discutido foi justamente a questão social.

222
Por fim, A Plebe também organizou seu conteúdo de modo a ressaltar a importância e a
vantagem do projeto libertário para os trabalhadores e para o alcance de uma sociedade que
prezasse pelo bem-estar social de todos. Então vários artigos discorreram sobre o que era o
anarquismo e a importância da atuação nos sindicatos de caráter revolucionário. Cada vez mais
foi frisado também o descontentamento por parte dos sindicalizados pelo descumprimento das
leis. Ademais, a precarização da vida do trabalhador era constantemente citada provavelmente
para mostrar as desvantagens do projeto corporativista em vigência no país.
Mas apesar de todas essas ações em defesa do projeto libertário e as tentativas de
resistência, os anarquistas sofreram impactos. Em suma, a promulgação da lei de sindicalização
e a posterior associação de benefícios a ela fez com que alguns sindicatos ligados à FOSP se
oficializassem, como a União dos Trabalhadores Gráficos. Não foi algo relatado de forma
explícita, mas foi perceptível que a desvinculação aconteceu após o governo e o Ministério do
Trabalho realizar tal medida. Embora o jornal tenha abordado pouco os impactos sobre o
movimento operário causados por essa nova forma de organização, foi possível observar certo
desânimo e dificuldade entre os trabalhadores para dar continuidade às atividades em seus
respectivos sindicatos. Em alguns momentos, foi perceptível também a perda de adeptos.
Por fim, a vivência desses trabalhadores nesses anos foi marcada também pela
repressão, a qual teve maior destaque em 34 no mesmo momento em que a luta pela ação direta
estava sendo ainda mais incentivada. Evidentemente, foi um fator impactante para a
organização e prosseguimento das atividades, porque, como vimos, a sede da FOSP foi invadida
por policiais e os trabalhadores foram presos apenas por ler A Plebe. Mesmo assim, a
argumentação vigente era a de que os anarquistas e sindicalistas revolucionários continuariam
resistindo a essas investidas contrárias. Apesar da perda de adeptos e da repressão, o jornal
demonstrava a não intimidação e até passava uma imagem de que suas atividades não estavam
sendo impactadas.
O aumento da violência arbitrária fez com que o jornal constatasse em 34 que a questão
social era um caso de polícia, assim como na 1º República. Em suma, os culpados pelas ações
repressivas na opinião do jornal eram a polícia e o Estado, mas também os industriais(capital).
Mesmo com todos os atos e as diversas denúncias relatadas, o periódico pedia para que
continuassem resistindo e lutando pelos seus ideais. Conforme os casos de repressão cresceram,
maiores eram as críticas ao governo que se intitulava o “salvador”.
Não é possível afirmar apenas a partir das fontes aqui analisadas que a repressão estava
intimamente ligada à resistência à sindicalização oficial, apesar de esse ser um argumento

223
utilizado pelos anarquistas ao denunciarem as várias prisões de militantes e trabalhadores,
associando-as a uma forma de acabar com as organizações libertárias de caráter revolucionário.
De qualquer forma, seria preciso analisar fontes policiais ou judiciais para poder fazer essa
associação direta entre repressão e resistência ao sindicalismo oficial. Mas é inegável que a
repressão existiu, são vários os relatos, porém, assim como nas décadas anteriores, ela parece
estar mais ligada também ao estigma sobre o anarquismo ser um movimento de subversão da
ordem. Ademais, nesse início de década, é perceptível que a repressão era exercida também
sobre aqueles que revindicavam o cumprimento das leis.
Não há registros por parte do jornal relatando que a repressão os abalou a ponto de
deixar de continuar exercendo suas ações, mas evidentemente era um obstáculo para o exercício
efetivo das práticas anarquistas. Portanto, a repressão os impactou, mas não de forma a fazer
com que desistissem de seus princípios e da luta contra a nova sindicalização, pelo menos não
nos números analisados, até porque a maior fase repressiva aconteceria no final de 1935,
período que não analisamos. A própria bibliografia indica que posteriormente ela seria uma das
causas para a perda de força dos anarquistas dentro dos sindicatos, junto à disputa política com
outras correntes de esquerda e com o aumento de adeptos à lei de sindicalização. Em 1936, a
atividade anarquista já se encontrava bastante reduzida por ser um período de muita confusão
social 795.
Evidentemente, os anarquistas não desapareceram de uma hora para outra, aliás, eles
nunca desapareceram, atuam até hoje. Todavia, a bibliografia indica a perda de adeptos nos
sindicatos libertários com o aumento da sindicalização oficial. A Plebe deixaria de ser publicada
no final de 1935, pelos acontecimentos decorrentes da chamada “Intentona Comunista” e
voltaria na década de 40. Durante esse meio tempo, a Caixa Postal 195 continuou a receber
jornais estrangeiros da mesma forma que antes, quando realizavam permutas 796, uma prova de
que eles continuaram com alguma atividade, mesmo que na surdina.
Para finalizar essa pesquisa, vale mencionar que consideramos os posicionamentos de
A Plebe, da FOSP e de seus sindicatos muito importantes no sentido de reiterar a necessidade
do cumprimento dos direitos já promulgados, pois estes continuaram durante todos os anos
analisados sendo burlados, mesmo com a existência de um sistema de fiscalização. Nesse
sentido, as reivindicações persistiram em busca de melhorias para a vida dos trabalhadores.

795
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em São
Paulo (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005,
p. 77.
796
Ibidem, p. 79.
224
Assim, entendemos que essas pressões devem ter sido importantes para constranger o
Ministério do Trabalho de forma a exercer uma fiscalização eficiente, já que as burlas eram
motivos para a eclosão de greves e isso prejudicava o projeto corporativista. Assim, a luta
desempenhada por esses trabalhadores foi importante também na década de 30 por continuarem
pautando direitos básicos que posteriormente seriam agrupados na CLT (Consolidação das Leis
do Trabalho) e melhorariam a qualidade de vida e trabalho. De 1930 ao Brasil atual, o
Ministério do Trabalho junto à Justiça do Trabalho também desempenharam importantes
funções visando o cumprimento das leis e a proteção dos direitos trabalhistas.
Essas experiências e enfrentamentos para a implementação dos direitos conquistados
pelos próprios trabalhadores, tanto vivenciadas nesse momento quanto nas décadas anteriores,
devem ser reiterados e lembrados atualmente com maior intensidade, quando, sob vigência de
uma ordem neoliberal e acirramento da exploração capitalista, assistimos o desmantelamento a
nível global dessas garantias reivindicadas desde, pelo menos, o início do século XX. O atual
governo brasileiro, sob comando de Jair Messias Bolsonaro (sem partido) e que também se
apresentou como uma grande mudança para o país, tem corroborado ainda mais para perda
desses direitos ao defender e por em prática a Reforma Trabalhista (em curso desde 2017 e
aprovada em 2019), a qual foi propagandeada através da ideia de “Lei da Liberdade
Econômica” e “desburocratização das relações trabalhistas”. Resta saber a respeito da
“liberdade” de quem estamos falando. Evidentemente não é a do trabalhador, até porque, desde
sua posse após a vitória nas eleições de 2018, uma de suas primeiras ações foi extinguir o
Ministério do Trabalho e alterar as leis de proteção ao trabalhador.
A título de exemplo - e citando uma questão que deve estar ainda fresca na memória dos
brasileiros, apesar de estar mais vinculada à Reforma da Previdência -, em 2019 foram
aprovadas novas regras para a obtenção da aposentadoria, um direito trabalhista. Atualmente,
homens precisam contribuir pelo menos de 15 a 20 anos e mulheres 15 anos para conseguir se
aposentar, mas só terão direito a 60% do valor total. Para conseguir o valor integral, precisam
atingir 40 e 35 anos de contribuição, respectivamente. Além disso, é preciso atingir uma idade
mínima para garantir tal direito: as mulheres precisarão trabalhar até os 62 anos e os homens
até os 65, exigência que não existia anteriormente797.
No início de agosto de 2021, foi apresentada uma nova Medida Provisória (1.045) na
Câmara dos Deputados para alterar a própria Reforma Trabalhista. Assim como as mudanças

797
Disponível em: < https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/11/12/saiba-o-que-muda-com-a-reforma-da-
previdencia.ghtml >. Acesso em: 20/08/2021
225
iniciadas em 2017, a justificativa apresentada pelos deputados a favor corresponde a uma
suposta proposta de manutenção “do emprego e da renda” para criar empregos e incentivar a
atividade econômica. Embora estejam apresentando as mudanças apenas para o período
pandêmico, o projeto propõe mudanças permanentes, visando desregulamentar e precarizar o
trabalho798. De acordo com as poucas informações que estão sendo veiculadas na mídia, a MP
cria um tipo de trabalho sem direito a férias, 13º salário e FGTS; outra forma de trabalho, sem
carteira assinada (Requip) e sem direitos trabalhistas e previdenciários; reduz o pagamento de
horas extras para certas categorias; amplia o limite da jornada de trabalho de mineiros; limita o
acesso à Justiça gratuita (não apenas na área do trabalho); dificulta a fiscalização trabalhista,
até mesmo para trabalhos análogos ao escravo. Parte desses pontos já havia sido tentada ser
instituída pelo governo durante os primeiros meses de 2020, através do “Contrato de Trabalho
Verde Amarelo”, mas foi revogado pela falta de tempo para a aprovação 799. Agora, a base do
governo apoiou o texto dessa MP.
Que não nos esqueçamos das lutas travadas pela classe trabalhadora para a conquista
dos direitos que usufruímos hoje. Mas, como nada é permanente, é preciso mobilização para
que não sejam perdidos novamente. Assim, a organização desempenhada pelos trabalhadores
aqui mencionados em prol da melhoria de vida deve ser também um exemplo para todos nós!

Lista das Fontes

Jornal A Plebe, entre os nº 01-07 e 30 ao 91.

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