Professional Documents
Culture Documents
BELÉM-PA
2023
JÉSSICA PINGARILHO BATISTA
BELÉM-PA
2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Pará
Gerada automaticamente pelo módulo Ficat, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
CDD 616.8917
NA SALA DE ESPERA: RESSONÂNCIAS DO DIAGNÓSTICO DE AUTISMO NA
RELAÇÃO MÃE-CRIANÇA E IMPORTÂNCIA DA ESCUTA PSICANALÍTICA NO
AMBIENTE AMBULATORIAL
Conceito: __________________
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Roseane Freitas Nicolau
(Orientadora – PPGP/UFPA)
___________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rosane Braga Melo
(Membro Externo – UFFRJ-RJ)
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Izabella Paiva Monteiro de Barros
(Membro Interno – PPGP/UFPA)
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Hevellyn Ciely da Silva Corrêa.
(Membro Interno – PPGP/UFPA)
BELÉM-PA
2023
Dedico esta dissertação à José de Oliveira
Batista, o “Seu Zé”, meu querido avô, à quem
prometi forças para iniciar esse processo; e à
Joáurio de Oliveira Batista, o “Show”, meu pai
e melhor amigo, a quem dedico a conclusão
deste sonho; foi em sua memória que encontrei
forças para alcançá-lo. A escrita desta
dissertação foi um elaborar de suas ausências e
permanecerá como uma ode às marcas que
imprimiram em minha vida.
AGRADECIMENTOS
Sou arquiteta das palavras, poeta, escritora, então deixo mover aqui agradecimentos
àqueles que circularam e trouxeram tecidos de fazer corpo à este trabalho.
Em primeiro lugar agradeço a mim mesma, deixando de lado atribuir a construção desse
trabalho e de todo meu percurso profissional à sorte, Deus ou qualquer elemento externo pura
e simplesmente. Esse trabalho é feito à muitas mãos, inclusive e principalmente, as minhas.
Mãos, suor, lágrimas e noites mal dormidas, muito trabalho, dedicação e desejo.
Agradeço à quem me ofertou o sopro da vida e fez daquele corpinho-expectativas um
corpo simbólico e desejante: aos meus pais, Joáurio e Alessandra que através dos investimentos,
financeiros e psíquicos, de seus encontros e desencontros me trouxeram até aqui. Aos meus
avós, Dona Áurea, e Seu Zé; Aos meus irmãos, José Carlos e Isabella por trazerem leveza aos
meus dias e escuta sensível nos momentos em que pensei em desistir.
Aos meus primos, que celebraram comigo tantas conquistas, tantos momentos de dor e
de alegria também, meu muito obrigada. Em especial aqui cito Tainara Lima (meu porto-
seguro) e Caio Corpes, que estavam comigo no dia que o edital saiu e acolheram meu luto
misturado com alegria. Lilian Batista, que com ou sem promessa, me impulsionou a abraçar
meus sonhos e não desistir.
Aos meus mestres-amigos, da minha escola preferida (“Sou toda vida Ideal”), que me
ensinaram não somente as figuras de linguagem, as nuances da botânica ou os fatos históricos,
me ensinaram também valores, o prazer que se pode extrair da vida e o valor da amizade. Cito
aqui os que estiveram também no momento mais difícil de minha vida, oferecendo um abraço
e palavras de conforto. Aos meus mestres da UNAMA, minha primeira casa-universidade,
onde fui fisgada pela pesquisa e pela clínica, indissociáveis por natureza. Em especial agradeço
à Lúcia Cavalcante, pela fala apaixonada pela psicologia e pela ciência. À Cristina Ferreira, que
me fez querer saber mais e me debruçar sobre os estudos psicanalíticos e também por me
auxiliar no caminho de valorizar o meu trabalho e parar de atribuí-lo à sorte. À Tatiane Santos,
por embarcar comigo em um trabalho de conclusão de curso que se finaliza e complementa
agora com esta dissertação. Obrigada pela sua orientação gentil e parceira. À Rosângela
Darwich, Elizabete Ribeiro, Cintia Lavrati e Elizabeth Levy, minhas supervisoras no projeto
Plantão Psicológico, onde aprendi tanto sobre os caminhos além que podemos tomar com nossa
escuta e a importância de dispositivos sociais, políticas públicas e nossa presença junto à
comunidade.
Aos professores do PPGP, em especial, minha orientadora querida, Roseane Nicolau,
que segue sendo inspiração e carinho. Obrigada por esse percurso, pelos momentos de afeto e
por me permitir ser livre para sustentar meu desejo por esta pesquisa. Leandro Passarinho,
coordenador e amigo (padrinho de casamento simbólico), por todo carinho e parceria desde o
primeiro dia de aula; Izabella Paiva, pelo carinho e pela leitura cuidadosa dessa dissertação,
pelo acolhimento e gentileza, obrigada por confiar no meu trabalho; Hevellyn Ciely,
supervisora, parceira de escrita e mais além, obrigada por toda orientação, direcionamento e
suporte durante o período em que trabalhamos no CASMUC, levo essa experiência com muito
amor e giros importantes no meu percurso acadêmico e profissional, assim como para a escrita
dessa dissertação.
Aos grandes amigos que fiz no costurar desse sonho que hoje se conclui: Lorena Bitar,
Marcela Solange, Bianca Leão, Carolina Oliveira, Ana Paula Baena, Amille Torres, Samantha
Lobato, entre muitos outros que acompanharam essa caminhada.
Aos amigos queridos que colhi durante o mestrado, desde que era ainda um sonho, ao
meu grupinho “Genealogia do Cansaço” (Letícia, Any, Larissa, Lucas) por serem incansáveis
em acolher, apontar caminhos e afeto. Levo vocês por toda a vida. À Débora Faro, Amanda
Brasil, Hellen Freitas, Marcela Maria, Lorena Bezerra, Vanusa Rego, Elizabeth, Daniela
Ponciano, Alana Krás, por todo apoio, leitura dos meus escritos e escuta das lamentações do
processo de pesquisa; Aos meus bravos companheiros de representação: José Amaral, André
Arruda e Joyce Brito, pela travessia e trabalho conjunto para fazer acontecer.
Ao meu companheiro, Alberto, a maior surpresa-presente que o mestrado pôde me
trazer, nenhuma palavra de agradecimento será suficiente para contemplar o que representaste
nesse percurso, fostes ombro, abraço, amor e suporte nesses dois anos. Obrigada por ler
cuidadosamente meus alfarrábios, por escutar incessantemente minhas apresentações, por me
acolher nas crises existenciais e pelo café com misto quente nas diversas tardes de trabalho. O
amor pelo saber fez nosso amor existir e ser construído, te agradeço por me ensinar a ser amada
e a ser feliz.
À minha analista, pela condução gentil e carinhosa, que me direcionaram a conseguir
concluir esse e muitos outros ciclos importantes e difíceis. Por se tornar desnecessária e
possibilitar minha autonomia de emergir.
Por fim, agradeço aos meus alunos, à todos que confiaram a mim as correções de seus
trabalhos, supervisões e orientações; às mulheres e crianças que escutei e acolhi nos projetos
que fiz parte durante e após a tecitura deste texto, por confiarem em minha escuta e caminharem
comigo neste trabalho que parece ser tão impossível: o de sustentar o desejo.
“Nunca tenha certeza de nada, porque a
sabedoria começa com a dúvida.”
(Sigmund Freud)
Batista, Jéssica Pingarilho. Na sala de espera: ressonâncias do diagnóstico de autismo na
relação mãe-criança e importância da escuta psicanalítica no ambiente ambulatorial.
Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Psicologia - Universidade Federal
do Pará, Belém, 2023.
RESUMO
ABSTRACT
This dissertation sought to investigate the resonance of the diagnosis of autism in the mother-
child relationship, highlighting the possibility that this nomination does not serve as an
identifying mark for the subject, configuring impasses when looking at this, as well as the
discursive turn that can cause; having as specific objectives: to situate the concept of autism
from the medical discourse - in its understanding within a spectrum - in contrast to the
psychoanalytic theoretical and ethical positioning; discuss maternal discourse about the child,
considering the primordiality of this bond for the constitution of a subject; and point out the
possible resonances in the connection of these discourses in the child, based on the care
provided at the Women and Children's Health Care Center (CASMUC), in the project The place
of women in the maternal role: twists between the feminine and the maternal in child care.
Methodologically, it is characterized as theoretical-clinical research, in which the concepts
investigated have their origin in psychoanalytic theory, developed by Sigmund Freud (1895-
1939) and continued in his advances with Jacques Lacan (1953-1980), as well as contemporary
authors . Allied to the clinical listening proposal carried out at the university, fragments of four
cases treated at CASMUC are intertwined through the project, in an attempt to provide women
with the opportunity for transformation through their own speech, not promising to suppress
the unbearable, but to provide some support singular, in the face of not knowing and the
symptom – like so many statements, which revolved around the children's diagnosis -,
something can be overcome in other ways, different from the repetitive ones that promote
psychological suffering. We understand that it is in the individualized relationship, in listening
and in the practice of each woman in her relationship with her child, in the daily and intermittent
exercise of care crossed by one or more diagnoses, that it was possible to work as a space for
health promotion psychic, also creating a support network. Without offering a romanticized
vision of motherhood, nor promising a listening that excludes the discomfort inherent in the
relationship between the subject and the Other.
INTRODUÇÃO
1
Estas impossibilidades e a metodologia serão esmiuçadas nos tópicos a) e b).
2
A alienação é a primeira operação de constituição do sujeito e será tratada no Capítulo 2, onde será desenvolvida
a discussão sobre a constituição de sujeito.
14
esta fala referente ao filho fantasiado, ideal, o bebê perfeito esperado na gravidez, ou ao filho
real, que confronta estas idealizações.
Muitas são as expectativas geradas diante da iminência de tornar-se pai ou mãe, antes
inclusive da gravidez, ou seja, a criança esperada é idealizada de acordo com os desejos de seus
pais, seus anseios sobre o futuro e a vivência da parentalidade. É muito difícil para os pais serem
confrontados com uma possível limitação, deparar-se com a criança real. Além da dificuldade
dos pais, os significantes que acompanham o diagnóstico têm efeitos de significação que,
conforme Pavone e Abrão (2014) enunciam que: “um distúrbio de funcionamento orgânico
pode tornar-se um entrave à constituição e, tornar-se o único traço pelo qual a criança será
reconhecida pelos pais” (p.375). Confrontar-se com alguma limitação não somente significa
precisar de uma reorganização imaginária e simbólica do exercício da parentalidade desta
criança (Pavone; Abrão, 2014), mas também se deparar- com uma sociedade que a cada dia
mais enaltece a eficiência, enunciando uma “representação social que atrela o atributo do feio
ao deficiente” (Smeha, 2010, p.16).
No que se refere às limitações existentes no autismo, há, segundo Guzman (et al, 2002),
uma ruptura interna na família, com a presença de sentimentos como medo e constrangimento
diante do desconhecido que envolve este dito transtorno, e, em consequência disto, a incerteza
quanto ao futuro e desenvolvimento da criança, principalmente no que condiz à sua autonomia.
À respeito das crianças que convivem com alguma afecção orgânica - seja em razão de
complicações no parto ou afecções hereditárias – podemos considerar, a partir dos atendimentos
realizados no ambulatório do Hospital Bettina Ferro, que para além dos marcadores fisiológicos
e uma sintomatologia observável, padecem de algo que poderá se interpor em sua constituição
como sujeito; em relação aos chamados Transtornos do Desenvolvimento 3, apesar de possuírem
marcadores classificatórios e critérios descritivos – no que se refere ao diagnóstico
médico/psiquiátrico -, encontram embaraços em sua constituição cujas causas não possuem
origem orgânica determinada, mas que reverberam como enigmas aos profissionais da saúde,
da educação e aos seus cuidadores, suscitando fantasias em torno destes impasses subjetivos.
À medida em que o nosso objetivo é indagar como o diagnóstico de autismo pode
ressoar na relação mãe-criança, impõe-se conhecer sua pré-história, anterior inclusive à
concepção, pois as fantasias dos pais em relação aos seus filhos antecedem a chegada do bebê
real. Para alcançar este objetivo, além de criar dispositivos de inclusão e tratamentos
terapêuticos para a criança, se torna crucial oportunizar espaços de escuta para seus pais,
3
Este conceito será discutido no Capítulo I.
15
4
Em virtude de observarmos que a maior parte dos acompanhantes das crianças nos serviços públicos serem mães,
madrastas e avós, nos referiremos aos responsáveis da criança utilizando as palavras mãe, mães etc.
17
a) Circunscrevendo (Im)possibilidades.
as crianças enquanto aguardavam seus atendimentos. Por esta razão, os atendimentos foram
realizados também no Centro de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança (CASMUC), nos
mesmos moldes de atendimento em sala de espera, sala de aula específica para atendimento
individual e brinquedoteca improvisada para observação das crianças. Tratando-se de projeto
inseridos em um serviço ambulatorial, não há agendamento prévio aos atendimentos e
acompanhamento à médio e longo prazo, embora exista uma sala de atendimentos individuais
disponível para uso após oitivas na sala de espera. Trabalhamos com a articulação dos
atendimentos realizados na sala de espera, nos corredores do Hospital Bettina Ferro e do
CASMUC, com recortes e reverberações do que foi possível escutar das mães, visando ofertar
este espaço de escuta de seus anseios, fantasias e vivência de suas maternidades.
A atuação do psicólogo em ambiente ambulatorial se delineia por rotinas que escapam
ao trabalho clássico, nos havendo com buscativas – buscas ativas –, escutas realizadas em
corredores, escadas e salas de espera e, quando possível, um espaço sigiloso. É preciso
reinventar o trabalho conforme as possibilidades e limitações dos espaços em que nos
inserimos. A psicanálise se localiza desde seus primórdios como condição de
possibilidades, portanto, realizar uma investigação psicanalítica é indagar-se sobre os objetos
que nos movimentam. Em meio a esse momento, tornou-se uma maneira de resistência e
subversão do caos, condição de possibilidades para aprimorar conhecimentos, mas também de
seguir criando questões que possibilitem assim sustentar o desejo e o saber como motor de
mudanças.
b) Método e procedimentos
Considerando, com Luciano Elia (2000), que “um princípio metodológico de pesquisa
pode então ser claramente formulado sob a forma dedutiva, através de premissas, hipóteses
derivadas e, em vez de conclusões, perguntas cuja formulação circunscreve os problemas
cruciais a serem investigados” (p.32), atribuiu-se à esta dissertação o caráter de uma
investigação psicanalítica teórico-prática, visando situar premissas e conceitos previamente
discutidos e questionar sobre os possíveis direcionamentos clínicos que podemos supor e
apostar para aprimorar a teoria e a prática psicanalítica.
Os conceitos investigados têm origem na teoria psicanalítica, desenvolvidos por
Sigmund Freud (1895-1939) e continuados em seus avanços com Jacques Lacan (1953-1980),
assim como autores contemporâneos, aliados à proposta da escuta clínica realizada na
19
universidade. Sônia Alberti (2010) compreende que a pesquisa psicanalítica interroga a questão
do saber, considerando que seja decorrente de estudos bibliográficos ou clínicos, assim:
toda pesquisa em psicanálise, é portanto, uma pesquisa clínica, porquanto o modo pelo
qual o saber em questão será produzido e obedecerá, pelas mesmas razões, a lógica
do saber inconsciente, implicará a transferência e será elaborado a partir da instalação
do dispositivo, interditando, por exemplo, que uma hipótese conceitual prévia à escuta
venha a ser colocada à prova experimental [...] pesquisa que visa a saber, mas sem
partir de um saber previamente estabelecido (p.24).
Foi realizada uma pesquisa em bibliotecas e nas bases de dados virtuais, e outros, para
fazer o levantamento bibliográfico das obras (livros, artigos, revistas, capítulo de livros e
outros) que tratam do tema em questão. Esse material foi selecionado de acordo com os
objetivos da pesquisa e sua pertinência para a mesma. Utilizando um protocolo de registro de
leitura (fichamento) para retirar as informações pertinentes referentes a cada obra consultada e
realizar a confecção da dissertação, tanto no que se refere à parte descritiva e de processamento
dos conceitos, quanto à parte de análise, articulação e correlações dos conceitos entre si no
interior da teoria psicanalítica.
Quanto a parte clínica do projeto, foi inicialmente planejada para ser articulada aos
atendimentos realizados no projeto A clínica do sujeito na instituição pública de saúde: prática,
ensino e pesquisas no tratamento do autismo e outros problemas do desenvolvimento o qual
tem como foco direcionar as pesquisas realizadas pelos alunos de graduação e pós-graduação
em três dimensões do sujeito: o sintoma, o corpo e os laços sociais, desenvolvido no hospital
universitário Bettina Ferro - localizado na Universidade Federal do Pará - desde 2014,
coordenado pela Profª Drª Roseane Freitas Nicolau, ofertando atendimento clínico às crianças
diagnosticadas ou em processo de diagnóstico de autismo, assim como seus pais/responsáveis.
O projeto tem como foco direcionar as pesquisas realizadas pelos alunos de graduação
e pós-graduação em três dimensões do sujeito: o sintoma, o corpo e os laços sociais.
Compreendendo que esta pesquisa propõe articular a questão do autismo a partir do enlace
desses aspectos, esta se torna importante como instrumento de contribuição para a manutenção
e aprimoramento do projeto, assim como, para ofertar a escutaolhar psicanalítica aos usuários
deste serviço. O trabalho desenvolvido no Hospital Bettina Ferro de Sousa, a partir deste
projeto, também objetiva dialogar com a clínica médica em prol do desenvolvimento de práticas
que englobam o sujeito, para elaboração de políticas públicas hospitalares que sejam efetiva.
Aliar pesquisa bibliográfica e escuta clínica, situando-se numa direção que pode vir a
complementar os estudos nesta área, pois visa alcançar a dimensão do sujeito, dando
importância àquilo que ele tem a dizer acerca de si mesmo. Considerando-se que é na
clínica que se alcança o homem em sua subjetividade, esta dimensão da escuta é
fundamental para compreender o fenômeno em questão (Nicolau, p.2019).
que norteou a escrita da dissertação, bem como auxiliou a circunscrever o projeto, dando
abertura para os caminhos que a experiência no mestrado revelou.
Em razão das intercorrências da pandemia na dinâmica de funcionamento do hospital, a
articulação prática se deu através dos atendimentos realizados no projeto O lugar da mulher na
função materna: torções entre o feminino e o materno no cuidado à criança, o qual tem como
foco as articulações entre feminino e maternidade a partir da escuta a mulheres que
acompanhavam seus filhos e filhas em um ambulatório de desenvolvimento infantil, para tanto,
foram realizados atendimentos individuais em sala reservada para tal ou em sala de espera, onde
questões como o impacto do diagnóstico das crianças e a rotina de tratamentos emergiam na
fala das mulheres, considerando-se a singularidade de cada fala. O trabalho desenvolvido no
CASMUC, a partir deste projeto, objetiva dialogar com a clínica médica em prol do
desenvolvimento de práticas que englobam o sujeito, para elaboração e políticas públicas
ambulatoriais que sejam efetivas. Refletindo sobre o indissociável da pesquisa aliada à escuta
clínica, esta interface se direciona a somar aos estudos já existentes, visando alcançar e dar
importância ao sujeito e seu dizer sobre si. A aplicação do método clínico em um ambulatório,
onde as demandas têm implicações para os indivíduos envolvidos - desde os acompanhantes
até o próprio paciente, assim como a equipe de saúde -, demonstra uma concepção distinta de
"clínico" em comparação ao seu uso na medicina e em outras áreas da saúde. Nesse contexto,
consideramos não apenas o cuidado e o acompanhamento das queixas, mas também como
elas podem gerar sofrimento psíquico. No que se refere ao público alvo deste projeto, o
sofrimento físico e psíquico das crianças também desencadeia angústia nas mães (Corrêa,
2022).
Por se tratar de um projeto de pesquisa, dedicou-se atenção às mulheres através da
elaboração de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual constam os
objetivos do projeto, e as convidamos para sua participação e consentimento do uso de dados
para as pesquisas realizadas no contexto do projeto, garantindo-lhes o sigilo, com as devidas
modificações de nomes pessoais quando de qualquer exposição de casos. Além disso, devido
à natureza da pesquisa envolvendo seres humanos, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Federal do Pará, através da Plataforma Brasil. Desta maneira,
os protocolos exigidos pela ética em pesquisa com humanos foram cumpridos. Ao adotar o
método psicanalítico como guia para uma escuta ética do desejo também se estabelecem os
acordos e vínculos necessários para o trabalho. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em
Pesquisa através do CAAE: 53062921.9.0000.0018.
22
CAPÍTULO I
DO AUTISMO AO TEA: O PERCURSO HISTÓRICO DO CONCEITO DE AUTISMO
E SEUS PARÂMETROS DIAGNÓSTICOS.
Devemos, então, assumir que essas crianças vieram ao mundo com inata inabilidade
para travar contato afetivo normal, biologicamente fornecido, com pessoas, da mesma
forma que outras crianças vêm ao mundo com inatas deficiências físicas ou
intelectuais. Se essa conjectura for correta, um novo estudo de nossas crianças poderá
ajudar-nos a fornecer critérios concretos relativos a noções ainda difusas sobre os
componentes constitucionais da reatividade emocional. Por hora parece que temos
exemplos de pura cultura sobre distúrbios autistas inerentes ao contato afetivo
(Kanner, 1943, p.250.) 5
5
Tradução livre feita pela autora.
6
(Dicio, 2022)
7
Aqui demarcamos a diferença entre a utilização do plural “autismos” para definir um amplo espectro em que há
enumeração sintomatológica que busca uma generalização patológica e diagnóstica; e a utilização para apontar a
subjetividade de cada caso, conforme a práxis psicanalítica propõe.
24
diagnosticadas a cada ano, uma vez que a ampliação das formulações sobre suas causas e
tratamento, assim como sua conceituação, permitiram incluir um maior número de crianças
favorecendo um crescimento exponencial de diagnósticos 8. A dificuldade que permeia a
questão do diagnóstico pode ser mais um fator que se relaciona ao aumento do número de
crianças enquadradas com algum grau de comprometimento autista. De acordo com o autor,
embora houvesse poucos estudos epidemiológicos sobre o tema à época que sua investigação
foi publicada, estimava-se que o número de crianças autistas, a partir da perspectiva do DSM-
5, tenha aumentado em 10 vezes pouquíssimo tempo após seu lançamento em maio de 2013,
em comparação aos últimos 20 anos que precederam este manual (Laurent, 2014).
Um estudo recente realizado com 12.554 pessoas no período de 2019 a 2020, revelou
uma mudança significativa nos dados epidemiológicos dos diagnósticos de autismo. O estudo
revelou que a prevalência de autismo nos Estados Unidos é de 1 a cada 30 crianças e
adolescentes entre 3 e 17 anos (Li; Li; Liu, et al, 2022). Este estudo foi publicado em 5 de julho
de 2022, até esta data, a prevalência mais atual divulgada era o estudo feito pelo CDC (Centro
de Controle e Prevenção de Doenças 9) - órgão governamental dos Estados Unidos, considerado
um dos mais relevantes do mundo -, com dados referentes aos anos 2000-2018, que apontava
uma prevalência de 1 a cada 44 crianças (Maenner; Shaw; Bakian, et al, 2018), a principal
diferença entre os estudos é que o CDC avalia crianças de 8 anos e o novo estudo, feito pelo
Departamento de Pediatria da Universidade de Ciência e Tecnologia da China, considerou
crianças e adolescentes entre 3 a 17 anos. No Brasil não há dados epidemiológicos exatos sobre
a prevalência do autismo na população, estima-se que haja por volta de 2 milhões de autistas
no Brasil, o que representa 1% da população (Marques, c2023), em 2022, o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu na realização do Censo Demográfico 10 perguntas
sobre a presença de pessoas diagnosticadas nas residências entrevistadas (Folhabv, 2022) 11,
estes dados não foram divulgados até a finalização da escrita desta dissertação. Dados
epidemiológicos são importantes para refletirmos sobre este aumento exponencial da
prevalência do autismo entre crianças e adolescentes e sobre a forma que estes diagnósticos se
realizam, sempre levando em conta a crítica necessária a essa profusão diagnóstica.
8
Exponencial de acordo com a definição: “Relacionado com expoente, número que assinala o valor pelo qual uma
quantidade é elevada” (Dicio, 2022). Podemos refletir aqui sobre um discurso virulento, em que o diagnóstico se
espalha como um vírus, atingindo um maior número de crianças à medida que a compreensão acerca dos critérios
diagnósticos se modifica.
9
Tradução livre feita pela autora.
10
Levantamento de dados estatísticos habitacionais realizado, em média, de 10 em 10 anos (IBGE, c2023).
11
Inclusão devido à sanção da Lei 13.861/19, que obrigava o IBGE a inserir perguntas sobre o autismo no Censo
de 2020, em decorrência da pandemia da Covid-19, as perguntas foram incluídas no Censo 2022 (Marques,
c2023).
25
12
Podcast apresentado por Katie Vernoy e Curt Wildham, terapeutas norte-americanos.
13
“Conjunto de quadros ou de tabelas numéricas que traz os resultados de determinados cálculos” (Dicio, 2022,
n.p.). A palavra aqui compreendida em relação a um conjunto de critérios de avaliação acompanhados de sua
26
para realizar diagnósticos. O olhar médico, e em especial da psiquiatria - que toma como
bússola o modelo norte-americano de realizar diagnósticos - , para a problemática do autismo
possui um caráter exclusivamente de catalogação de sintomas, o que caracteriza um paradoxo
quando se leva em conta a diversidade de características que cada criança autista pode
apresentar, razão do enquadre do autismo em um espectro.
Diferente do proposto por Leo Kanner (1943), que produziu elaborações sobre o autismo
a partir de observações clínicas e da escuta dos pais, atualmente, a psiquiatria se fundamenta
em descrições classificatórias que consideram a hipótese de fatores biológicos como
desencadeadores do transtorno. Em função disso, verifica-se ano a ano, uma nosografia cada
vez maior e mais fragmentada, na tentativa de dar conta das variações fenomênicas (Azevedo,
2011, p.28-29). No que se refere à execução deste diagnóstico feito à luz dos DSM’s,
inicialmente indagamos os critérios estabelecidos para a utilização destes instrumentos. Com
que intuito o DSM foi criado e como é utilizado?
O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais surge, segundo Dunker
e Neto (2011) a partir “dos sistemas de coleta de recenseamento e estatísticas de hospitais
psiquiátricos e de um manual desenvolvido pelo Exército dos Estados Unidos com a finalidade
de seleção e acompanhamento de recrutas e das vicissitudes surgidas no contexto da guerra”
(p.614). O primeiro manual oficial da American Psychiatric Association (APA) foi o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-I), publicado em 1952 e baseava-se
numa compreensão psicodinâmica, principalmente ancorado nos estudos de Adolf Meyer 14.
Tanto este manual inicial (DSM-I) como seu subsequente (DSM-II), compreendiam os
sintomas como reflexo de uma dinâmica que advinha de condições ou reações à problemas da
vida cotidiana, manifestações simbólicas que só poderiam tornar-se manifestas a partir da
exploração da história individual de cada um. Os esquemas destes manuais não forneciam
esquemas de classificação elaborados, por partirem deste pressuposto de que “os sintomas
evidentes não revelavam entidades da doença, mas disfarçavam conflitos subjacentes que não
podiam ser expressos diretamente” 15 (Mayes; Horwitz, 2005, p.250).
Em sua terceira edição, há um ponto de virada na compreensão psiquiátrica da natureza
da doença mental. Se anteriormente o diagnóstico passava a ter um papel quase coadjuvante na
compreensão do sujeito, a partir da publicação do DSM-III, em 1980, a psiquiatria abandonou
respectiva pontuação, fazendo alusão ao checklist das sintomatologias e graus de comprometimento que a criança
pode apresentar segundo os manuais diagnósticos.
14
Psiquiatra Suíço, presidente da Associação Psiquiátrica Americana e das mais influentes figuras da psiquiatria
na primeira metade do século XX (Brittanica, 2022).
15
Tradução livre feita pela autora.
27
16
Versão mais atual do manual
17
Tradução livre feita pela autora
28
uma única causa específica está atribuída ao fato do diagnóstico do autismo ser essencialmente
clínico, em razão de não haver exames, evidências laboratoriais, que comprovem a origem
orgânica de seu surgimento, demandando uma objetividade e exatidão impossível, tendo em
vista o enorme leque de possibilidades e tipologias que o autismo evidencia.
Diante da ausência de marcadores que corroborem a hipótese da etiologia do autismo se
dar pela via neurobiológica, evidencia-se a fragilidade dos parâmetros diagnósticos propostos
pelos Manuais supracitados. Essa orientação diagnóstica pautada em causas orgânicas
consequentemente levará a encaminhamentos que corroborem com estes pressupostos, tais
como a especificidade do tratamento por parte de profissionais instrumentalizados a partir do
campo teórico comportamentalista e do método da Análise Comportamental Aplicada (ABA),
a qual segundo Camargo e Rispoli (2013, p.641) orientam sua intervenção na: “identificação
de comportamentos e habilidades que precisam ser melhorados” e a partir de “métodos
sistemáticos de selecionar e escrever objetivos para, explicitamente, delinear uma intervenção
envolvendo estratégias comportamentais exaustivamente estudadas e comprovadamente
efetivas”, buscando criar uma rotina comportamental para a criança. Não nos ateremos nesta
dissertação nas particularidades do método, porém é importante demarcar seus objetivos de
intervenção, que se ancoram na modificação dos comportamentos da criança em busca de
possibilitar sua vida “mais funcional”. Na direção oposta de sugestões e adaptações ambientais
e comportamentais, a psicanálise se coloca disposta à escuta do sujeito, em uma aposta que este
possa haver-se com a linguagem por uma outra via. Refletindo as diferenças existentes entre as
ciências, cada qual com sua visão de mundo e sujeito, as autoras afirmam que o olhar sobre o
paciente dependerá exatamente deste recorte que cada profissional possui do sujeito enquanto
objeto de trabalho.
No manifesto Position psychanalytique contre le dogmatisme appliqué à l’autisme 18
(Ansermet, et al, 2022), diversos psicanalistas franceses membros da École de la Cause
Freudienne e do Institut Psychanalytique de l’Enfant,, articulados no movimento La cause de
l’Autisme 19, respondem às críticas dos detratores da psicanálise, reforçadas pelas ações
governamentais e apoio da imprensa que replicam inverdades sobre a eficiência da psicanálise
enquanto método de tratamento do autismo, assim como, criticam a suposta cientificidade e
indicação direta e domínio das terapias cognitivo-comportamentais (TCC) como método
reconhecido e validado. Corroborando com o manifesto, pontuando que as causas do autismo
seguem elusivas, sem marcadores biológicos que a determinem, portanto, considera-se que suas
18
Posição psicanalítica contra o dogmatismo aplicado ao autismo (tradução livre feita pela autora).
19
A causa do autismo (tradução livre feita pela autora).
31
causas sejam multifatoriais e que, bem como a origem do autismo não se localiza em seus genes,
seu tratamento também deve transcorrer por outros instrumentos além da adequação de
comportamentos e medicação. A medicalização tem efeitos sobre a subjetividade da criança e
enclausura suas saídas para construção de um saber sobre seu sofrimento.
Restrepo (2012) discorre sobre a aliança da ciência contemporânea com a lógica
capitalista e sua influência sobre psiquiatria e psicologia. Na busca por dar respostas, resultados
rápidos e eficientes, objetivos e concretos, que correspondam ao ideal do imediatismo
capitalista, as teorias comportamentalistas e os medicamentos se tornam aliados à manutenção
deste funcionamento. Segundo a autora, as terapias comportamentalistas cumprem os requisitos
da “ciência” por também balizarem sua prática a partir de manuais que verificam, medem e
generalizam, “oferecem à criança e a sua família, de mão da psiquiatria, um coquetel de
medicamentos com a finalidade de deixar os autistas ‘mais normais, mais adaptados’” (p.61).
Complemento com a reflexão de Kamers (2020), de que nesta lógica, o sujeito se reduz à
evidência científica, o que o desumaniza e desqualifica o lugar da palavra. Não se considera,
nestas terapias, a diferença entre um autista e o outro, pois o que se leva em consideração é o
conjunto sintomatológico e a nomeação que lhes identifica, em consequência, temos a tentativa
de trazer estas crianças para o mundo dos ditos “típicos”, para que performem comportamentos
adequados.
Este modelo de ciência médica em que é possível mensurar, categorizar e replicar os
fenômenos através de protocolos, se fortalece pela busca de uma verdade universal sobre o
sujeito, por uma resposta única que defina e direcione para os tratamentos que se adequam à
lógica mercadológica e de consumo. Os protocolos de tratamento, em que o check em um
número específico de sintomas que se apresentam numa determinada faixa etária é o ponto
argumentativo principal para categorizar um diagnóstico. O que nomeia, baliza o diagnóstico é
o protocolo. O que define o tratamento é o protocolo, que exclui a possibilidade que se opere
um vínculo terapêutico, bem como, impossibilita espaços de construção de saber sobre como
aquele diagnóstico irá ressoar para cada criança e seus familiares. O tratamento protocolar
extingue qualquer possibilidade de a transferência operar, neste sentido, é este o diferencial da
escuta psicanalítica: quebrar os protocolos em prol do sujeito, que é quem detém o saber sobre
seu sofrimento.
Refletindo sobre o potencial que o diagnóstico pode ter como efeito de sentido, nos
deparamos com a figura do médico, como ocupante de uma posição de saber para/sobre o
sujeito, sendo responsável pela dor do doente, tendo o reconhecimento deste. O doente faz um
apelo, um pedido de ajuda, um saber sobre seu corpo e suas afecções. O médico pode ocupar
32
20
École Expérimentale de Bonneuil-sur-Marne, escola experimental, hospital dia e lar terapêutico, fundada por
Maud Manonni em 1969 para oferecer acolhimento - um lugar de vida - para pacientes psicóticos jovens, crianças
e adolescentes, visando à supressão de hospitais asilares, bem como, acolhimento às suas famílias (Ecole de
Bonneuil, c2023)
33
ser aceito: “A patologia delas não precisava ser evidenciada, nem tampouco discutida. Enfim,
eu tinha aceitado o desafio de Bonneuil, simplesmente acompanhar e cuidar das crianças”
(Tafuri, 2003, pg. 53).
É preciso distinguir os limites entre cada discurso profissional, a hierarquização
existente entre os médicos e os analistas e a atual tendência de individualização dos
atendimentos oferecidos para que estas dificuldades se diminuam e cada vez mais exista um
atendimento interdisciplinar, em que cada profissional possa reconhecer a importância do outro
(Gueller; Rocha; Baptista, 2011). Portanto, cabe a cada profissional reconhecer “a legitimidade
de objetos que não coincidem com os seus, os pontos de cruzamento e os vetores que caminham
numa mesma direção [...] não tentar encampar todos os sintomas que o sujeito apresenta”
(Batista; Gueller; Rocha, 2011, p.89).
Devemos salientar que a intenção deste trabalho não é a de criticar os avanços da
medicina ou do estabelecimento de seus métodos e técnicas diagnósticas e de tratamento, mas
sim, questionar de que forma estes instrumentos tem sido utilizados através do tempo e as
consequências que o discurso científico, quando se torna engessado e não considera a
subjetividade de cada caso, pode patologizar e criar barreiras para a constituição subjetiva
destas crianças diagnosticadas, considerando que o diagnóstico, ainda que se trate apenas de
uma hipótese diagnóstica, pode ocasionar implicações na dinâmica familiar, escolar e social
destes sujeitos em constituição. Problematizar as diretrizes diagnósticas se faz necessário para
colocar em questão de que forma tem se construído este olhar para a psicopatologia em que se
predominam questões cognitivas e comportamentais, observáveis, em detrimento de aspectos
subjetivos, psíquicos e que se referem à posição do sujeito em relação ao Outro. Nas palavras
de Bernardino (2011):
podem causar, porém, a psicanálise considera esta listagem de sintomas insuficiente para
construir qualquer saber sobre esta criança, se distanciando de objetividades.
Em seu estudo sobre a formação e percepção do médico para atendimento de crianças
autistas, Flores e Smeha (2013) afirmam que os médicos entrevistados demonstraram
compreender o autismo enquanto um distúrbio exclusivamente orgânico, atentando à sinais
clínicos que são curáveis: “desse modo, para eles, é muito difícil admitir que algo escapou aos
seus conhecimentos, ou seja, o registro psíquico” (p.146). Flores e Smeha (2013) também
discorrem suas conclusões relacionadas acerca da realização do diagnóstico por parte dos
médicos entrevistados, inferindo que a dificuldade que os médicos encontram em realizar o
diagnóstico “seja o fato de que ele é guiado pelos aspectos clínicos, (...) Assim, o fato de não
haver exames que avaliem e mostrem as falhas que levam ao autismo parece ser angustiante
para os médicos” (pg.148). Parafraseando Kamers (2020), este “resto” não reconhecível do
psiquismo, a condição de sujeito da criança autista, se busca incluir no cerne da lógica
psicopatológica a partir de modificações: “do psíquico em cerebral, dos conflitos humanos em
alterações produzidas no sistema dopaminérgico, enfim, numa tentativa de transformação
daquilo que experimentamos hoje, sob o modo de limite, de estranheza ou de insuportável,
como patologia médica” (p.209).
Aquilo que escapa às objetivações é tamponado, silenciado com a medicação ou com a
tentativa de mudança de comportamento. O que se busca com estas afirmações não é pressupor
que o médico deve assumir um papel similar ao de um analista, mas sim demonstrar a
importância de o processo diagnóstico visar um atendimento multidisciplinar. Baptista, Gueller
e Rocha (2011) afirmam que os aspectos orgânicos não são priorizados em relação aos aspectos
psíquicos, de maneira que uma alteração orgânica pode ser uma resposta sintomática do sujeito,
ou seja, “pode ser consequência ou efeito de uma alteração orgânica ou funcional, mas também
pode ser uma resposta, num registro diferente, de algo que se passa no organismo” (p.88), sendo
o sintoma psíquico o resultado de uma tentativa de significar o que o sujeito vivencia.
21
Como suscintamente colocado por Tânia Ferreira e Ângela Vorcaro (2019, p.102), a intervenção em tempo – ou
intervenção precoce – é o trabalho com bebês e crianças pequenas que apresentam riscos psíquicos, junto aos seus
cuidadores, no momento exato, “nem antes, nem depois: a tempo”, em vistas de reposicioná-las nas palavras
fundadoras que tecem sua constituição de sujeito. “[...] engendrando um sujeito, retirando-o da posição de objeto
falado (ou não falado) pelo Outro”.
36
“um acesso progressivo a estágios do desenvolvimento” (Azevedo, 2011, p.33) e considera que
o autismo seria “um desvio do curso habitual do desenvolvimento, devido a um fracasso na
relação do bebê com o objeto (a mãe)” (Ibid, p.33).
Mahler ([1955]1983) determina três estágios do desenvolvimento e afirma que a
criança, de maneira gradual, passa de um estado vegetativo onde depende simbioticamente da
mãe a um estado de separação individual (p.7). A primeira fase é denominada autismo normal,
que compreende o nascimento até o segundo mês de vida e parte do princípio que o ser humano
é imaturo organicamente para sobreviver e então, quem supre as necessidades do bebê é a mãe,
sem a qual não sobreviveria. A relação da criança com sua mãe nessa fase seria uma Simbiose
Social, em que o bebê possui um ego rudimentar que é incapaz de diferenciar sua realidade
externa da interna, tornando-o incapaz de obter subsídios de defesa contra os múltiplos
estímulos que recebe (Mahler, [1955] 1983, p.23-24). A mãe nessa fase possui um papel de
protetora contra tais estímulos e a partir dessa ação protetiva, o bebê se tornaria minimamente
capaz de diferenciar as duas realidades e iniciar sua “diferenciação do ego rudimentar
progredindo para a fase simbiótica” (Azevedo, 2011, p.34).
A segunda fase proposta por Mahler é a fase simbiótica, onde há a discriminação entre
self e não-self, que ocorreria em razão das “repetidas experiências de alívio de tensão no interior
do corpo” (Ibid., p.34), a partir das quais o bebê começa a tomar consciência que sozinho não
poderia proporcionar este alívio, compreendendo-se dependente de uma fonte externa a si para
tal. Nessa fase, mesmo que haja esse início de tomada de consciência, a diferenciação não está
completa e o bebê percebe as partes da mãe como se fossem suas, assim como a mãe
compreende o bebê como uma extensão de si.
A terceira fase é a de separação-individuação, momento que compreende desde o
primeiro ano aos três anos de idade, o qual é “crucial ao desenvolvimento do ego e às relações
de objeto” (Ibid., p.34), por romper esta dita simbiose existente entre a mãe e o bebê. “O
processo de separação-individuação supõe, então, a diferenciação, a formação de limites e o
afastamento da mãe. O desenvolvimento da relação objetal ocorreria paralelamente à
diferenciação do self” (Ibid., p.34). De acordo com o estabelecimento destas fases, a autora
acredita que o autismo seria uma fixação ou regressão a primeira fase, o Autismo Normal, onde
o problema estaria numa “deficiência básica do ego” (Mahler, [1958] 1983, p.61). Na
concepção da mesma, a mãe estaria ainda indiferenciada do self e em consequência disso, o
bebê se torna incapaz de realizar a diferenciação entre as realidades e as funde,
consequentemente, qualquer possibilidade de separação entre mãe e bebê seria uma ameaça.
37
tendendo à encontrar uma causa única, se torna improdutiva. Retomemos Laznik-Penot (1987),
ao considerar que nosso foco é encontrar respostas possíveis sobre o enigma do autismo, através
de uma intervenção em tempo que reestabeleça o laço entre o sujeito e a linguagem.
Em 1950, Frances Tustin, psicanalista inglesa, viajou para os Estados Unidos, onde teve
reconhecimento pelo trabalho realizado no Centro James Jackson Putnam 22 com crianças
autistas. Ao retornar a Londres, continuou a trabalhar com crianças autistas, tendo como base
diversas teorias, principalmente a psicanálise infantil kleiniana (Ribeiro; Martinho; Miranda,
2012).
Em 1984, Tustin publicou o livro Estados Autísticos em Crianças, um trabalho que pode
ser dividido em dois momentos distintos. O primeiro momento consiste em uma posição
assumida por Tustin em relação ao autismo, que ela descreve como um "estado de sensação
dominada e centrada no corpo, que constitui a essência do eu" (p.13). O segundo momento é
marcado pelo surgimento do conceito de autosensualidade, que representa uma fase inicial do
desenvolvimento em que os corpos da mãe e do bebê estão indiferenciados, e a criança está
alheia ao que a cerca, respondendo apenas às sensações corporais.
Segundo Aragão (2011, p.36), "o autismo é o estado em que a autosensualidade continua
em movimento, com a atenção focada quase exclusivamente em ritmos e sensações corporais",
conceito que se aproxima à ideia de autoerotismo de Freud. Para Tustin, a autosensualidade
precede o autoerotismo e, nessa fase, a criança a desenvolve por meio do contato de seu corpo
com o corpo da mãe, utilizando estímulos sensoriais, ritmos e vibrações provenientes desse
contato, os quais "protegem o bebê de experiências traumáticas resultantes de um encontro
prematuro com o mundo externo" (Aragão, p.36).
Aragão (2011) compreende o trabalho de Tustin em dois momentos também,
considerando que há Estados Autísticos: normal e patológico 23. O estado normal de autismo,
que para a autora denomina-se Autismo Primário Normal, seria uma fase inicial do
desenvolvimento. O Autismo Patológico seria caracterizado como a fixação ou regressão a esta
fase inicial de indiferenciação entre eu e não-eu (p.45). “Algo traumático ocorre durante a
experiência da separação, em que a criança não estaria preparada para se separar da mãe,
22
James Jackson Putnam Research and Treatment Center, localizado em Boston, Massachusetts. O centro
constava com uma unidade especial designada a estudar as necessidades de crianças autistas e seus familiares.
23
A autora desenvolve essa ideia desde a obra Autismo e psicose infantil de 1972. Aqui a opção por citar a obra
mais atualizada (de 1984) se deu ao fato de nela conter os avanços no pensamento de Tustin, incluindo a concepção
de autosensualidade. Na obra de 1972 Tustin se debruça sobre a descrição dos fenômenos autísticos, os objetos
autísticos e suas classificações de autismo patológico: Autismo Normal, Autismo Anormal, Autismo Secundário
Encapsulado (que caracterizaria o Autismo Infantil Primitivo descrito por Kanner em 1943, e colocando o último
tipo em similaridade com a esquizofrenia infantil, como Autismo Secundário Regressivo. Quanto aos dois últimos
tipos descritos, os situa enquanto quadros psicóticos.
39
designando uma ruptura prematura” (p. 36).O autismo seria causado por uma separação precoce
e traumática da mãe, que pode ser uma mulher deprimida, não conseguindo desse modo suportar
também a separação corporal entre ela e o bebê. Caracteriza-se por um estado de
encapsulamento e ausência da fala ou de qualquer forma de comunicação. As crianças autistas
se utilizam de objetos autísticos como manobra para tentar suportar a separação da mãe. Esses
objetos são duros e não maleáveis e a criança os manuseia de forma obsessiva e repetitiva sem
qualquer recurso à fantasia (Tustin, 1984). Há ainda a hipótese de que as crianças autistas se
protegem a partir de uma concha externa ao corpo e, em sua concepção, as mães de crianças
autistas padeceriam de algum grau de depressão que as levasse a não oferecer atenção suficiente
ao bebê. (Ribeiro; Martinho; Miranda, 2012).
Myriam Fernández (2017) propõe uma reinterpretação da obra de Tustin, destacando
suas imprecisões teóricas e enfatizando importantes reformulações que a autora realizou antes
de sua morte. Uma das principais reformulações diz respeito à correção da relação entre autismo
e psicose. Anteriormente, Tustin considerava o autismo como um estado que ocorria dentro da
psicose, mas posteriormente passou a compreendê-lo como uma defesa contra a mesma.
Fernández (2017) compreende que essa diferenciação vai “além de posicionar o autismo como
anterior à estruturação da psicose” (p.81), e indica "outra saída para a criança autista que não
seja a psicose, destacando que o desfecho, seja qual for, implica a responsabilidade do analista
na direção da cura" (p.81).
Françoise Dolto ([1982]2013) também compreende o autismo como advindo da relação
do bebê com sua mãe, considerando que haveria uma ausência materna que seria o fator
desencadeante da constituição autista. No Seminário de Psicanálise de Crianças compilado de
seminários realizados a analistas que realizou entre 1908 e 1988, a autora discorre sobre as
crianças prematuras que permanecem na incubadora, num fenômeno que denominou de
Autismo Experimental, devido à privação de relações sensoriais que estas crianças sofrem. A
ausência total de referências sensoriais faz desaparecer as percepções do esquema corporal e,
depois, a imagem do corpo; o que evidenciaria claramente que só conservamos nossa ação de
existir graças a quantidades de variações sensoriais imperceptíveis: auditivas, visuais, olfativas,
cutâneas e barestésicas. Assim como Frances Tustin, Dolto acreditava que as trocas sensoriais
entre mãe e bebê são constituintes deste como sujeito, e a partir destas trocas, o bebê constituiria
o ideal de Eu.
Dolto ([1982] 2013) aborda a potencialidade psicótica destes bebês e afirma que quase
todas as crianças psicóticas trazem consigo uma história de incubadora ou uma história de
separação, sendo levadas para lugares desconhecidos em situações de catástrofes, seja com
40
parentes que nunca haviam visto ou sofrendo ausências de suas mães por oito dias, sem aviso,
etc. Esta ausência permaneceria nas crianças, que se perderiam enquanto crianças referenciadas
na mãe de oito dias atrás.
Para a autora, essa ausência é vivenciada como um luto, a imagem corporal do bebê é
constituída pela concentração e pelo reflexo no rosto de sua mãe, sendo esta separação
vivenciada como uma morte parcial, “a morte de seus sentidos para sua própria existência a
para a comunicação” (p.102), a partir disto, a criança poderia tornar-se autista em poucos dias
sem ninguém perceber.
Ao falar sobre o resgate desta condição pela mãe sozinha, sem ajuda de um profissional,
Dolto ([1982] 2013) afirma que só é possível até antes da idade de três anos, em razão da função
simbólica ativa. De fato, tudo é linguagem na criança, e, na falta de comunicação com a mãe,
o pai, os irmãos, as irmãs, com as pessoas próximas, ela constrói uma relação com os objetos
do espaço que a rodeiam e cria para si uma linguagem interior de estilo alucinatório que não
permite que se tornem audíveis, nem interessantes, para ela as palavras e os dizeres das pessoas
vivas (Ibid., p.104) A criança autista relaciona-se com tudo que é inanimado, com aquilo que
não notamos e se fecham em seu mundo abstrato cada vez mais profundamente, porém “o outro
nunca deixará de lhe fazer falta” (Ibid., p.104). A autora frisa a importância dos ritmos para as
crianças autistas, as quais possuem uma linguagem interior, dando sentido às coisas pelas suas
percepções do mundo exterior. Dolto ([1982] 2013) cita como exemplo uma criança que sente
fome e de maneira simultânea observa a cortina de seu quarto se mexer com o vento e ouve o
som de uma sirene lá fora. Estes variados estímulos, juntamente com a sensação visceral da
fome, causarão na criança a ilusão da aproximação da mãe, fazendo-a “esquecer de sua
necessidade fisiológica de cuidados maternos e de seu desejo psíquico de um encontro com a
pessoa total da mãe” (p.109).
A reprodução do vento na cortina e da sirene na rua é utilizada para ir de encontro à
sensação visceral de fome, a ilusão da presença materna, fonte de segurança. Estes gestos
compulsivos característicos da criança autista indicam que para estas crianças “o sentido de
presença materna e de encontro com seres invisíveis, substitutos de um ser carnal que esteve
demasiadamente ausente para que o psiquismo deles fosse construído no código mímico sonoro
e visual humano” (Ibid., p. 109).
As contribuições dos analistas pós-freudianos não desconsideravam conceitos
fundamentais de Freud tais como a pulsão e o inconsciente, direcionando suas intervenções e
interpretações em um modelo clínico, e não educativo, abordando a vida afetiva e pulsional das
crianças, seu funcionamento subjetivo, seus objetos, interesses, a especificidade de seu
41
psiquismo que não é incluída no discurso científico atualmente, que deslocou-se do estudo da
vida afetiva e pulsional para a problemática do funcionamento cognitivo (Barroso, 2019) .
Apesar de considerarem a dimensão psíquica das crianças, estes autores pós-freudianos,
corroboram com a compreensão do autismo aproximado da psicose infantil; porém desde os
estudos de Kanner (1945), as diferenças entre o que se compreendia enquanto Psicose Infantil
e os Distúrbios Autistas Inerentes ao Contato Afetivo são pontuadas, o ensimesmamento
apresentado no autismo apresenta-se desde o início da vida enquanto solidão que ignora o que
vem do exterior.
Partimos agora para a próxima perspectiva casuística do autismo, que o considera como
uma quarta estrutura psíquica, diferente das três estabelecidas desde Freud (1895-1939):
Neurose, Psicose e Perversão. Rosine e Robert Lefort ([1980]1984;[2003]2017), alunos de
Lacan, foram os primeiros a sustentar esta hipótese, a partir de sua experiência clínica que
desembocou em duas importantes obras: O nascimento do Outro ([1980]1984) e A distinção do
autismo ([2003]2017), nas quais consideram que entre os possíveis entraves que o infans se
depara, estaria a ausência do Outro, responsável por nomear os impulsos sensoriais que lhe
invadem e de lhe constituir um corpo, portanto, o Outro no autismo, pressupõe uma ausência
que se distingue dos casos de psicose, em que o Outro se apresenta (Lefort;Lefort, [1980]1984).
Para os autores, diferentemente da psicose, em que a metáfora paterna é foracluída, o
que ocorreria no autismo seria a não inscrição da falta, portanto, o fracasso da metáfora paterna.
Em detrimento disto, a criança não especularizaria sua imagem, fundando-a no espelho do
Outro, mas sim no puro real, não personificando uma falha em que seja possível estabelecer a
alteridade (Lefort, [1980]1984). Esta visão possibilita em não localizar o autismo a partir de
suas manifestações fenomênicas, através dos signos comportamentais, mas pressupondo seus
atos como uma invenção singular para lidar com o que convoca à alteridade: “Não há Outro
como lugar do significante, nem como lugar da imagem, nem sequer o Outro portador do
objeto” (Barroso, 2019, p.1240).
A partir das formulações dos Lefort, infere-se que o sujeito autista se localiza fora do
discurso, porém não são imunes a linguagem, apenas não se ocupam dela, tem dificuldade em
posicionarem-se como enunciadores, seja emudecendo-se, seja reproduzindo a palavra através
de ecolalias e/ou “linguagem de papagaio”, ou conforme Acero (2013) pontua: como posição
de ventríloquo do outro, o autista demonstra vários distúrbios da enunciação, o que faz com que
ele se desincumba de colocar em jogo sua voz, sua presença e seus afetos.
Alfredo Jerusalinsky (1993), concatena suas pesquisas a partir da compreensão
estrutural postulada pelos Lefort, apontando para a ampla discussão sobre a diferenciação entre
42
autismo e psicose, compreendendo que no autismo o que há é uma exclusão, em que não ocorre
a inscrição do sujeito: “no lugar onde a inscrição deveria se encontrar, se encontra o Real, ou
seja, a ausência de inscrição. Esta diferença radical de estrutura conduz a efeitos clínicos
observáveis” (p. 63). Segundo o autor, o autismo consistiria no fracasso da construção de redes
de linguagem e prevalência de automatismos disparados espontaneamente sem qualquer valor
relacional (Jerusalinsky, 2012). Azevedo e Nicolau (2017) afirmam que para o autor: “para que
se opere a estrutura da linguagem é preciso que haja um ponto de encontro e de identificação
entre a criança e o Outro primordial, que, em geral, está encarnado na figura materna ou do
cuidador” (p.14). Estes automatismos criariam um mecanismo de exclusão da criança a respeito
da linguagem e define o autismo, ao distingui-lo da psicose, como uma quarta estrutura.
Para adentrar à linguagem é necessário que se abra para o sujeito a dimensão da palavra,
bem como a dimensão da voz, da enunciação que ocorre no encontro da língua com o corpo.
No próximo capítulo será esmiuçada a entrada do sujeito no campo da linguagem e o estatuto
do sujeito no autismo, levando em consideração a terceira perspectiva, a da instauração do
circuito pulsional. Sob a égide dos manuais diagnósticos, que considera o corpo da criança do
ponto de vista genético, neurológico, bioquímico, a psicanálise propõe vislumbrar e colocar em
questão e destaque a constituição de seu corpo pulsional. Aquilo que configura o vivo condiz à
lógica discursiva posta pelo simbólico, que lhe concede um corpo, no autismo, apesar da
negativa de ocupar-se da linguagem enquanto enunciador, de se dispor sem embaraços ao que
remete à alteridade, dão testemunhos, pistas, de que algo do corpo se presentifica, ainda que em
seu funcionamento psíquico utilizem a linguagem deslocada do significante, de uma maneira
singular e enigmática. Maleval ([2009] 2017) em sua introdução ao livro O autista e sua voz,
inaugura seu escrito abordando a tentativa da psiquiatria atual de reduzir o sujeito ao corpo,
atribuindo-se a competência em relação ao conhecimento de seus transtornos, enquanto a
psicanálise trabalha com a hipótese de que “ninguém melhor que o próprio sujeito saberia
ensinar aos clínicos a respeito de seu funcionamento” (p.15).
Neste capítulo discorremos o percurso histórico do conceito de autismo e sua inserção
em uma nosologia espectral, que direciona seu diagnóstico e tratamento em uma compreensão
biologizante e medicamentosa, cujos baremas se ancoram em fenômenos listados. Observamos
e defendemos a psicanálise como um método de escuta e tratamento que operam na contramão
deste direcionamento. A psicanálise não se ocupa de estabelecer reducionismos no que se refere
à sintomatologia que as crianças possam manifestar, mas sim, questiona, abre espaços para
interpretar estas manifestações segundo cada sujeito que se apresente, no caso a caso, diante do
analista que o acolhe. A intenção da psicanálise ao investigar a clínica do autismo não se
43
debruça sobre a listagem fenomenológica e o fechamento discursivo que esta nomeação pode
sobredeterminar, mas se ocupa, no âmbito psíquico, de como se constituíram e do que é
necessário para que as estruturas necessárias que possibilitam que a criança advenha como
sujeito operem. Para tanto, no próximo capítulo, esmiuçaremos a entrada do sujeito na
linguagem e as condições da constituição de sujeito, para reiterar a importância da função
materna no estabelecimento do laço social, na humanização deste sujeito por vir.
44
CAPÍTULO II
O ESTATUTO DE SUJEITO NO AUTISMO: METAPSICOLOGIA DA ENTRADA NA
LINGUAGEM
(2012) que o olhar de amor do Outro possibilita que a criança reencontre seu valor de objeto
causa de desejo, de investimento psíquico que apontará para um sujeito.
Sobre os efeitos que o discurso materno pode reverberar, formularemos sobre a
dimensão da importância do estabelecimento do laço mãe-criança a partir da teoria de
constituição de sujeito, ressaltando a Função Materna como pilar deste laço, tendo em vista que,
em sua função, a mãe recobre o corpo do infans, introduzindo-o na linguagem, na cultura.
imagem de si mesmo será formada a partir do olhar desejante de quem lhe oferece os cuidados
primordiais que marcam a experiência de satisfação de suas necessidades e despertam o corpo
como fonte de prazer, apoiando a satisfação corporal da obtenção do alimento, através do seio,
em uma pulsão psíquica de caráter sexual (Freud, [1915]2014).
Em Nota sobre a criança ([1969] 2003) Lacan frisa que para além da satisfação das
necessidades há a irredutibilidade de uma transmissão que é de constituição subjetiva e implica
a relação com o desejo que não seja anônimo. E conclui: “É por tal necessidade que se julgam
as funções da mãe e do pai” (p.369), da primeira em razão das marcas que seus cuidados deixam
como rastro, ainda que em sua falta, e do segundo enquanto vetor de encarnação da lei que
media o desejo. Se ao pensar que no processo de vir a este mundo nenhum sujeito humano
escapa desta invasão de sensações - inicialmente inomináveis - é possível compreender o corpo
como, antes de tudo, pulsional. Este corpo pulsional, este pedaço de carne que o sujeito antecipa
como sua própria imagem, disforme e invadida de sensações, é atravessado pelo simbólico para
que possa organizar, construir e constituir a imagem de seu corpo de maneira uniforme.
Podemos inferir que ao tratarmos do fenômeno da pulsão, sempre estará em jogo este
lugar de contorno entre corpo e psiquismo; este lugar de contorno entre a carne do vivo e a
linguagem, tendo a mãe como encarregada do banho de linguagem, ou seja, de dar sentido,
nomear as experiências sensoriais do corpo do bebê.
Jacques Lacan ([1949]1998) empreendeu a releitura da psicanálise, trazendo para o
cerne da questão psicanalítica a primazia da linguagem. Desde o Seminário 1- Os escritos
técnicos de Freud ([1953/1954] 1979), inaugura seu ensino retornando à Freud. No texto
Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise, o autor realiza elaborações sobre o
imaginário e a importância da linguagem e sua concepção de estrutura, e, ao realizar
elaborações sobre o sintoma, afirma: “já está perfeitamente claro que o sintoma se resolve por
inteiro numa análise linguajeira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem”
([1953]1998, p.270 [269]). Neste texto, Lacan defende a ideia de que a compreensão da obra
freudiana deve se direcionar a partir dos eixos da fala e da linguagem, assim como, irá discorrer
a relação entre corpo e linguagem, sinalizando elaborações sobre a teoria pulsional, sem, no
entanto, relacionar a pulsão ao eixo do simbólico nesse momento.
A compreensão da estruturação da dimensão imaginária é fundamental para pensarmos
sobre a operação de alienação, entretanto, o registro do imaginário se instaura não apenas a
partir da assunção da imagem, mas também a partir da instauração da marca significante. A
alienação é inexorável, pois estamos submetidos à linguagem. O eixo simbólico é o que
estabilizará essa imagem e de fato nomear o que vem a ser o sujeito. Compreenderemos como
48
vivenciadas com a pessoa que exerceu a função materna para ela. Em função deste retorno,
surgem expectativas em relação à gravidez, ao parto e ao bebê, experimentadas como
gratificantes ou frustrantes, as quais poderão ou não ajudar a mãe a encontrar prazer na
maternidade, e a amar ou não a sua criança. Dessa maneira, o desejo é o fio condutor da função
materna, pois o lugar que a criança ocupa no desejo dos pais pode informar como a função
materna se estabelece, assim como, os caminhos possíveis da constituição psíquica da criança.
Estas marcas primordiais que existem anteriores ao bebê e moldam sua estrutura simbólica é
que irão determinar seu modo de existir no mundo e organização de seu corpo, a nível
inconsciente. Se o bebê não tem suas demandas atendidas, não é ouvido no registro do desejo,
não será ouvido no registro da necessidade.
Algo que falha no enlaçamento da demanda e do desejo entre mãe e bebê, no circuito
pulsional que se estabelece ou não entre estes dois sujeitos, pode reverberar posteriormente em
manifestações psíquicas ditas patológicas, como o autismo. Podemos refletir sobre o valor da
mãe para a cultura, ao ressaltarmos que o exercício de cuidado da função materna é de
fundamental importância para o desenvolvimento psíquico do bebê. Em psicanálise, esta função
é compreendida como essencial para a estruturação e desenvolvimento do psiquismo da criança,
tratando-se do Outro, da linguagem enquanto lugar, do tesouro dos significantes enquanto lugar
da linguagem (Faria, 2017b, p.39). É importante situar que a noção de desenvolvimento
psíquico que utilizamos pressupõe uma coexistência entre as etapas situadas por Freud ([1913b]
1969; [1915] 2014; [1923b] 1996), não abarcando uma evolução destas etapas, em que não
haveria superação das fases como mero efeito cronológico. As etapas do desenvolvimento
psicos1’sexual ocorreriam concomitantemente.
Esta relação estabelecida inicialmente com a mãe, ou o representante da função materna
para a criança, necessita de uma mediação, representada pelo pai enquanto função simbólica,
que se posiciona como privador da mãe, e na ênfase da castração materna, a partir da qual a
criança se defronta com a falta, com a constatação de que não é o único objeto de desejo
materno. Essa função se relaciona com a mediação da Lei, que a mãe opera e está incorporada
como um traço paternal que constitui a identificação primária, através do traço unário paterno.
É a metáfora paterna que produz o significante da falta do Outro e permite que o sujeito seja
representado por um significante em relação a outro significante (Lacan, ([1957-58]1999). Em
seu Seminário 4 - A relação de objeto ([1956-1957] 1995), Lacan aborda intermediação da
função materna através da lei paterna frisando que esta relação é ternária e não dual ou
simbiótica, e assim, tem a função de imediação da função materna, de barrar o desejo da mãe
para que a criança possa advir como sujeito, introduzir-se no jogo intersubjetivo:
50
A instituição de uma lei ou de uma regularidade concebida como possível, aquele que
propõe a parte oculta do jogo escamoteia-a a cada instante ao outro, ao mesmo tempo
em que sugere a ele o seu nascimento. É nesse momento que se estabelece o que está
fundamentalmente no jogo e que lhe dá seu sentido intersubjetivo, situando-o numa
dimensão não mais dual, e sim ternária (p.134)
Neste seminário, Lacan também elabora sua teoria da falta de objeto, afirmando que a
falta seria o denominador comum para os sujeitos, e para ilustrar as transformações da falta de
objeto, elabora o quadro abaixo:
Entre estas categorias, nos ateremos à privação, que para Lacan ([1956-1957]1995,
p.36) é “em sua natureza de falta, é essencialmente uma falta real. É um furo”. Essa falta “real”
é estranha a toda representação e só pode ser formulada do lugar do Outro, desde que entendido
como um lugar absolutamente descentrado em relação ao lugar do sujeito faltante, deste
significante da falta no Outro. A falta não está no sujeito, mas para além dele e o objeto da
privação é simbólico:
A noção de privação [...] implica a simbolização do objeto no real. Pois, no real, nada
é privado de nada. Tudo que é real basta a si mesmo. Por definição o real é pleno. Se
introduzimos no real a noção de privação, é na medida em que já o simbolizamos
bastante, e mesmo plenamente. Indicar que alguma coisa não está ali é supor sua
presença possível, isto é, introduzir no real, para recobri-lo e perfurá-lo, a simples
ordem simbólica (Ibid, [1956-1957]1995, p.224).
O que caracteriza o objeto da privação é seu valor de “marca” que irá operar a
simbolização desta falta “real”, demarcando a castração, a apreensão da diferença sexual. Em
A criança e a Psicanálise, 1997, Bergès e Balbo denominam o falo como este significante da
falta no Outro, topologicamente, este lugar do Outro seria dotado de furos e suas bordas
delimitam a circulação dos objetos e de gozo, tornando possíveis as trocas significantes entre
mãe e criança. Sem o advento deste significante - o significante da falta - não há Outro faltante.
Se a mãe não for representada como ser faltante e tomar este espaço de Outro primordial
completo, não há como ocupar a função materna, pois estará ocupando o lugar do pai também,
sem conter o significante da falta.
51
A função materna é estruturante e objetiva supor a mãe como sujeito dividido, barrado
pela própria castração, faltante, bem como, refletir sobre o valor fálico que sua criança terá a
partir deste triplo imaginário mãe-bebê-falo. Para Lacan ([1957-58]1999), é imprescindível
para a criança poder se ver no desejo materno para reconhecer-se como objeto deste. Para que
se torne desejante é preciso que a criança possa se abrigar no desejo materno. Portanto, neste
primeiro momento o bebê é objeto de desejo do Outro, mas ela não reconhece apenas o desejo
por meio da sua imagem especular, mas também o faz por meio do corpo do Outro encarnado.
Como nasce a linguagem? De uma aposta, uma suposição. O significante está no Outro, opera
n’Outro e não no sujeito e irá se confirmar na negação. Assim, a complexa teia de relações entre
mãe e bebê, permeada pelo desejo materno e pela identificação com os pais, desempenha um
papel fundamental na formação psíquica da criança. O enlaçamento bem-sucedido da demanda
e do desejo na relação materna pode propiciar que o vínculo se instaure, permitindo que a
criança se aproprie do seu próprio desejo e construa suas identificações ao longo do processo
de maturação psíquica. Por outro lado, falhas nesse enlaçamento podem acarretar impasses,
como o autismo, indicando a importância crucial do cuidado materno nos estágios iniciais da
vida.
Em Psicologia das massas e análise do eu, Freud ([1923c] 2011, p.46) conceitua que a
identificação desempenha um papel crucial na pré-história da trama edipiana, pois a define
como “a mais antiga manifestação de uma ligação afetiva a uma outra pessoa”. A criança tem
o pai como um ideal a ser seguido ao mesmo tempo em que toma a mãe como objeto libidinal,
até que se dissolva o Complexo de Édipo e comece a tomar outros objetos de desejo.
Ainda no mesmo artigo, Freud ([1923a] 2007) descreve três formas de identificação. A
primeira identificação relacionada à própria definição de identificação como mais antiga
ligação afetiva, correspondente ao que é ser humano, o pai tomado como um ideal de identidade
com o que é humano.
As duas outras formas são relacionadas à formação do sintoma histérico, ao exemplificar
uma menina que adota o mesmo sintoma de sofrimento da mãe e Dora ao imitar a tosse do pai,
observando que “também nos chama a atenção que nos dois casos a identificação seja parcial,
altamente limitada, tomando apenas um traço da pessoa-objeto” (Freud, ([1923a] 2007, p.49).
A terceira forma remete a formação do sintoma no sentido de colocar-se na mesma situação do
52
outro, em que “identificação desconsidera totalmente a relação objetal com a pessoa copiada”
(Ibid., p.49). Lacan retoma as definições freudianas acerca da identificação e a relaciona com a
constituição do sujeito, na medida em que este se constitui através do laço com o outro e
podemos considerá-la como fundante estrutural do inconsciente e da série de significantes, que
se ordena em três tempos, ocupando-se em seu seminário da segunda e terceira formas descritas
por Freud, sendo estas, a identificação ao traço e a identificação ao desejo do Outro, não se
ocupa de discorrer sobre a primeira forma, pois é da ordem do mítico (Cruglak, 2001),
ocupando-se mais atentamente às definições da identificação ao traço.
Lacan ([1961-1962] 2011) toma a segunda forma de identificação descrita por Freud
como o precoce vínculo afetivo estabelecido com o Outro e que constitui a relação entre seu eu
e o objeto, o através do significante de sua ausência, o traço unário, que “designa algo que é
radical para a experiência originária, é a unicidade como tal, da volta da repetição” (p. 177).
O sujeito se ordenará não da presença do traço, mas de sua ausência, do apagamento
que possibilita o surgimento de outros significantes:
Dessa permanência do sujeito lhes mostro a referência e não a presença, pois essa
presença não poderá ser cingida senão em função dessa referência. Eu a demonstrei,
designei da última vez, em nosso traço unário, nessa função do bastão como figura do
um enquanto ele não é senão um traço distintivo, traço justamente tanto mais distintivo
quanto está apagado quase tudo o que se distingue, exceto ser um traço, acentuando
esse fato de que mais ele é semelhante, mais ele funciona, eu não digo absolutamente
como signo, mas como suporte da diferença (Lacan, [1961-1962] 2011p. 73).
caracteriza como “um momento em que se introduz o objeto de amor e se instala a possibilidade
da escolha de objeto”. Lacan ([1961-1962] 2011) aborda a questão da negação como importante
para a questão da identificação, ainda que ela se apresente como um impasse:
[...] o modo sob o qual a negação aparece, sob o qual o significante de uma
negatividade efetiva é vivido, pode surgir, é uma alguma coisa que toma um interesse
todo outro e que não é, desde já, por acaso, e sem ser de natureza e esclarecer-nos,
quando nós vemos que, desde as primeiras problemáticas, a estruturação da linguagem
se identifica, se se pode dizer, na recuperação da primeira conjugação de uma emissão
vocal com um signo como tal, isto é, com algo que já se refere a uma primeira
manipulação do objeto. Nós a chamamos de simplificadora, quando se tratou de
definir da gênese do traço. O que é mais destruído, de mais apagado de um objeto. Se
é do objeto que o traço surge, é algo do objeto que o traço retém, justamente, sua
unicidade (p. 100-101)
Se há, vocês sabem, algo a que se pode dizer que, desde o início o neurótico foi pego, é
nessa armadilha; e ele tentará fazer passar na demanda o que é objeto de seu desejo, de
54
obter do outro não a satisfação de sua necessidade, pela qual a demanda é feita, mas a
satisfação do seu desejo, isto é, de ter o objeto, isto é, precisamente o que não se pode
demandar. e isso está na origem do que se chama dependência, nas relações entre o
sujeito com o Outro (Lacan, [1961-1962] 2011, p.199).
Nasio (2011) define demanda como “uma mensagem endereçada ao outro que retorna
ao sujeito na sua forma invertida, mas sem que o corpo seja afetado por isso; ou seja, sem nada
que se destaque da pulsão” (p.5), a necessidade se diferencia do desejo, na medida em que o
primeiro proporciona satisfação, saciedade e o último proporciona o gozo, inconsciente. A
demanda corresponde à necessidade na medida em que não entre numa cadeia simbólica
significante. O sujeito se aliena ao Outro em busca da satisfação de seu desejo, mas se defronta
com a impossibilidade de uma satisfação total, apenas separando-se e através da mediação de
sua relação com o Outro, por meio do interdito, se distinguirá para com sua libido, buscar que
falta, demarcando o desejo. Abaixo esmiuçaremos o processo de alienação e separação, que é
base para a instauração do circuito pulsional.
O Outro se apresenta como exterioridade em relação ao sujeito, de maneira a ser lugar
da linguagem, preexistente em todos e condicionante da existência humana e faz isso por meio
de duas operações constituintes: a separação e a alienação. A alienação é a “primeira operação
essencial que funda o sujeito” (Lacan, [1964]1985 p. 205), o primeiro momento, em que a
criança se encontra em estado de inteira dependência do mundo de significação e de desejo de
um outro, na grande maioria das vezes, a mãe. Fernandes (2000) afirma que esta operação se
traduz no fato de que apenas após o contato com o Outro que o sujeito se torna algo, mesmo
que não substancial.
Lacan apresenta através da ideia de alienação, o fato de que só há um lugar possível ao
sujeito: no significante, estando esse no campo do Outro. Para denotar esta suspensão indelével
do sujeito ao Outro, os termos por ele empregados são ‘condensação’, ‘escravidão’,
enfatizando, com isso, a dependência do ser falante em relação à linguagem. Por isso ele dirá
que a alienação é o destino, utilizando-se do conceito matemático de reunião, analogamente,
para afirmar que o sujeito é impossível de existir senão em sua reunião com o Outro, “quanto à
perda que se dá nesta mesma operação, tendo em vista que o sujeito não se esgota, não se
representa por inteiro no Outro, perdendo, na operação de alienação, parte de seu ser”
(Fernandes, 2000, p.57).
Utilizando-se dos elementos matemáticos da teoria dos conjuntos, Lacan ([1964]1985,
p.209) coloca a alienação como uma substrutura de reunião, e inaugura a conceituação do
segundo momento da circularidade sujeito-Outro: a separação - enquanto substrutura de
55
interseção ou produto. “Ela vem justamente situar-se nessa mesma lúnula onde vocês
reencontrarão a forma da hiância, da borda”. Quanto à esta operação, se caracteriza como o
momento posterior à alienação, em que deve existir um terceiro, que se introduza entre a mãe
e o bebê, para que a criança tenha a possibilidade de sair desta posição alienada. A articulação
destas duas operações é o que resultará na constituição do sujeito dentro de uma das estruturas
inconscientes: neurose, psicose ou perversão (Zalcberg, 2002). Nesse segundo momento, uma
falta é encontrada no Outro, encarnado pela mãe, que lhe faz questionar: “ele me diz isso, mas
o que é que ele quer?” (Lacan, [1964]1985, p.209).
Com a separação, Lacan introduzirá o que referíamos anteriormente como “um além do
significante freudiano”: uma falta no coração do universo significante. Além da dimensão de
exterioridade em relação à consciência, enquanto inconsciente, e transindividual – enquanto
tesouro do significante – a operação de separação põe em relevo o Outro em seu próprio limite.
Fernandes (2000) aborda o Outro da separação enquanto não equivalente ao Outro da alienação,
na medida em que o desejo da criança não apenas encontra-se suspenso ao Outro, em forma de
cultura, marcas características do tempo e espaço em que se insere, “mas também é do Outro,
enquanto falta em seu discurso, que o próprio desejo do sujeito deriva – falta sem a qual esta
queda, cativo, na petrificação” (p.61). A autora afirma ainda que esta dimensão indica ao Outro
Primordial que se constitua como uma função que se distingue da operação da alienação, para
que veicule além do significante, a própria falta, condição para que o sujeito e seu desejo se
desenvolvam (Ibid.). O sujeito é, portanto, constituído através de um apagamento, uma ausência
que se manifesta e o lança frente ao seu próprio desejo, esta marca constituinte - o traço unário
- que o torna angustiado, mas também o insere numa ordem corporal e psíquica.
No Seminário 20 – Encore ([1972-1973] 2010), o conceito de significante para Lacan
em um primeiro momento é denominado como a representação do sujeito, “o que tem efeito de
significado e é importante para não elidir que entre dois escreve-se uma barra, há algo como
uma barra a ser ultrapassada” (p.73), a função do significante, portanto não seria apenas a de
dar sentido, mas também de produzir um corte.
Considerando que o corpo não se reduz à uma imagem, mas também comporta essa
incorporação significante, se pode concluir, como afirma Sidi Askofaré (2019), que “para todo
o falasser, o corpo verdadeiro, o primeiro corpo é o corpo dos significantes, o corpo do
simbólico, isto é, a linguagem” (p. 39), ou seja, é preciso que haja a constituição da imagem e
com ela o efeito de corte que divide o sujeito e constitui sua imagem unificada para que este
possa se apropriar deste Corpo Simbólico:
56
A linguagem é que dá corpo ao corpo, este não é um mero jogo de palavras. Isto quer
dizer muito precisamente que o verdadeiro corpo humano (versus organismo), o corpo
capaz de gozo, o corpo apto ao amor e ao desejo é uma atribuição linguageira, isto é,
totalmente contrário descontrária a um dado natural imediato (Askofaré, 2019, p. 39).
Para Gomes (et al, 2017) o corpo seria afetado pela intensidade das pulsões, sem
qualquer representação que as marquem a partir do desejo do Outro, assim, com as primeiras
experiências de satisfação o corpo irá gozar através de partes de um outro corpo: o do Outro.
“Nessa lógica, o sujeito será no sexo o que as identificações indicarem, estabelecendo uma
distância entre o organismo e o que a língua designa como corpo” (p.499). O corpo é afetado,
marcado, cortado pelas palavras, mas também pela dimensão do gozo, que é uma marca sem
representação. Gomes (et al, 2017), considerando que o gozo é o que não se elabora senão como
semblante, e este, como afirma Lacan ([1971] 2009) “trata-se do semblante como objeto próprio
com que se regula a economia do discurso [...] o discurso, tal como acabo de enunciá-lo, é
semblante” (p.18-19), indaga e propõe a ideia do semblante como outro lugar para o corpo.
O semblant se relaciona com a noção de discurso na medida em que este se sustenta a
partir de quatro lugares privilegiados: o discurso do mestre, o discurso da universidade, o
discurso da histérica e o discurso do analista (Lacan, [1971]2009), é deste último lugar que
Gomes (et al, 2017) trata em seu texto, afirmando que o discurso psicanalítico “introduz e
sustenta a dimensão ética frente ao gozo” (p.499), portanto, a função do semblante em relação
com o lugar do analista seria a de “[...] velar o que não há. Trata-se de um uso calculado, um
saber-fazer para fisgar algo do real. Agenciado pelo objeto a no lugar do próprio do semblant -
semblant do que não é -, atinge-se o estatuto do ser” (p.500).
O semblante, portanto, é algo que remete a um simulacro, a um efeito de discurso que
cria um corpo ficcional a partir da fala do analista (Gomes, et al, 2017) e assim tenta bordejar
o real, reduzir o gozo, e sustentar o emergir do desejo do sujeito a partir desse encontro corpo
a corpo com o analista, que ocupa o lugar de semblante de objeto a, a partir da existência da
estrutura, da linguagem, que cria esta outra dimensão.
O discurso é sustentado pelo corpo, pois é assegurado pelo laço social, não
simplesmente pela relação, o corpo do sujeito diz respeito ao gozo do Outro e com isso “a
questão do corpo no discurso é, de início e antes de tudo, toda a questão da presença corporal,
a questão da pulsão e a questão do gozo” (Askaforé, 2010, p.41), nem tudo relacionado ao corpo
tem a ver com a articulação significante, há algo que escapa, que não é passível de simbolização.
Em outro momento do Seminário 20 – Encore, Lacan (1972-1973), situa o significante não
mais como representante do sujeito, mas como estando no nível da substância gozante. O corpo
57
é simbolizado e fora dessa simbolização, ele goza em qualquer parte do corpo, “e mais ainda,
caímos imediatamente nisso, que ele só goza por corporizá-lo de modo significante” (p.79), ou
seja, se não há marca significante, não há gozar no corpo. Surge uma nova definição do
significante enquanto causa de gozo.
O que se entende por quedas neste fragmento é a queda do objeto a, objeto perdido no
momento de divisão do sujeito, a partir da incorporação do significante na libra de carne é que
abrirá para o sujeito o campo da linguagem e o campo do gozo. Machado (2010) afirma que o
objeto a “como sabemos é o resto da operação de constituição do sujeito pela via significante
[...] O objeto a marca um transitivismo entre o campo do sujeito e o campo do outro, a partir da
queda desse objeto que só ex-siste como falta” (p.108). Quanto à dimensão do real, é aquilo que
não é nem simbólico, nem Imaginário, Lacan define o real como aquilo que “sempre retorna
para o mesmo lugar - a esse lugar onde o sujeito, na medida em que ele cogita, onde a res
cogitan, não o encontra” (Lacan, [1964] 1985, p. 55), ou como o define em seu discurso em
Roma, A terceira de 1974 o real como um caroço,
[...] o real, justamente, é aquilo que não caminha, é o que atravessa o caminho dessa
carruagem, bem mais do que isso, é o que não cessa de se repetir para entravar essa
marcha. (p.4).
do que está fora. A verdade do sujeito não está nele mesmo, está entre ele e o Outro e se encontra
para ele no horizonte, isso que não se apreende e se faz presente constantemente.
Se encontra no horizonte, na medida em que, para Lacan o objeto a se define em relação
ao desejo, como causa deste: “Isto significa que o objeto a não é um objeto do desejo (no qual
o desejo incide), que é sempre um dos objetos do mundo sensível, mas se encontra na origem
deste [...] o objeto a é uma causalidade fora do sujeito” (Quinet, 2002, n.p.) O que está em jogo
para o sujeito é o objeto apreendido na busca do objeto perdido. O objeto a teria como função
o sentido de causa, sendo o produto de uma operação significante que constitui o sujeito, esta
“constituição do objeto se subordina à realização do sujeito” (Lacan, ([1953]1998), p.293
[292]).
Em sua Conferencia em Genebra Sobre o Sintoma, Lacan (1975) afirma que “O homem
está capturado pela imagem de seu corpo” (n.p) e se indaga como este corpo poderia sobreviver,
enfatizando que “corpo ganha seu peso pela via do olhar” (n.p.). No texto O “mau-olhado” da
pintura: o olhar em Jacques Lacan e Witold Gombrowicz, Berressem (1997) comenta as
elaborações de Lacan acerca do olhar como objeto a. Este olhar que representaria o sujeito do
inconsciente e o desejo, relacionando a satisfação encontrada ao visualizarmos uma pintura
àquela mítica da primeira experiência de satisfação atrelada ao seio materno. O olhar, assim
como a voz, encarnaria o objeto a através de pedaços do corpo: olho, boca, orelhas/ouvido.
Como discorre Antônio Quinet (2002, n.p.):
Acerca da fala da Jovem Parca em “via-me ver-me”, Lacan ([1964a] 1998) aborda os
correlatos da consciência e da representação, coloca como dúvida “tudo aquilo que poderia dar
apoio ao pensamento na representação” (p.83), posto que “esquento-me para esquentar-me” faz
referência ao corpo diretamente, através da sensação de calor, porém a máxima “vejo-me ver-
me, não nos remete ao olho ou à visão, mas sim, ao olhar – que não remete ao ver, mas à essa
atração que causa. “Mas o que é o olhar?” pergunta Lacan ([1964b] 1998, p.85), se não o avesso
da consciência? O olhar encontra-se no registro do desejo, posto que este se instaura através
dele, caracterizando o estatuto do olhar como objeto a encarnado. Só percebo o olhar na medida
em que este representa o campo do Outro: “No que estou sob o olhar, escreve Sartre, não vejo
mais o olho que me olha, e se vejo esse olho, é então esse olhar que desaparece” (Ibid., p. 87).
Em A esquize do olho e do olhar, Lacan afirma que é nesse desencontro do olhar, na sua esquize,
60
que a repetição se funda: O olho e o olhar, esta é para nós a esquize na qual se manifesta a
pulsão ao nível do campo escópico (Ibid. ([1964a] 1998, p.77) É a esquize do olhar que
permitirá acrescentar a pulsão escópica à lista das pulsões. Assim como o vislumbrar um quadro
remete à uma “armadilha de olhar” (Op. Cit., p.91), a voz enquanto objeto captura e encanta.
Os objetos olhar e voz, no seu estatuto de pulsões - escópica e invocante – se colocam como
antecedentes da oralidade, que está presente em toda demanda do campo do Outro.
Em relação ao olhar, podemos questionar a função de anteparo que o diagnóstico faz
em relação ao olhar que a mãe dirige ao seu bebê. Se ao olhar para sua criança, a mãe se depara
com as impossibilidades apontadas pelo diagnóstico, o que a quebra de expectativas e angústias
relacionadas à fala do médico, da escola, etc., podem ocasionar em termos dos giros em seu
discurso sobre esta criança? Se a circularidade da pulsão escópica encontra um impasse causado
pelo sentido fechado do diagnóstico, o que pode capturar e encantar para que o olhar
direcionado à esta criança, tendo em vista que a mãe, em sua função, reafirma a imagem da
criança através de seu olhar? É possível inferir, a partir destes questionamentos, que os objetos
pulsionais olhar e voz são primordiais para a constituição de sujeito e sua relação com o corpo
e a linguagem estão intrinsecamente ligadas à maneira que estes objetos se instauram para o
sujeito a partir do Campo do Outro. Lacan sinaliza em Função e campo da fala e da linguagem:
[...] a função da linguagem não é informar, mas evocar. O que busco na fala é a
resposta do outro. O que me constitui como sujeito é minha pergunta. [...] Eu me
identifico na linguagem, mas somente ao me perder nela como objeto. ([1953]1998,
p.303 [302]).
Que objeto é esse que não tem uma materialidade? A voz é volátil e não possui
correspondência no espaço, descola e causa um efeito no outro, se colocando como o primeiro
objeto que engendra o sujeito à vida, captura para a vida, para o gozo e para o ser vivente, em
uma anterioridade lógica que estabelece o circuito pulsional. Assim, falar com o bebê seria
bordejar o seu corpo com a linguagem (Porge, 2014).
Lacan ([1964b] 1998) compreende a fala como um dom da linguagem e esta não seria
imaterial: “É um corpo sutil, mas é corpo. As palavras são tiradas de todas as imagens corporais
que cativam o sujeito [...] assim, a fala pode tornar-se objeto imaginário ou real no sujeito, e
como tal, degradar sob mais de um aspecto a função da linguagem” (p.303[302]), a linguagem
é corpo. Para tanto, Lacan localiza a materialidade do objeto a através da voz materna, tomando
uma dimensão invocante, um apelo, uma invocação (Schwarz; Moschen, 2012).
Inês Catão (2011, p.6) corrobora com a ideia de que a voz enquanto objeto a, é objeto
vazio e só é contornada pela pulsão enquanto resto, de um objeto que não produz imagem no
61
espelho, porém, a faceta de musicalidade da voz tem função de constituição do sujeito, a partir
da prosódia materna: “a voz não se confunde com o som, mas não o dispensa”, num primeiro
momento a voz apresenta seu valor como prosódia e musicalidade, correspondendo à operação
e alienação, num segundo momento, apresenta seu valor como objeto a da pulsão,
correspondendo à operação de separação. Portanto, para que o bebê constitua sua voz e o desejo
fundador inconsciente, implica-se que a sincronia com o outro materno, a relação simbiótica
mãe-bebê, seja rompida, para que se produza um resto que permanece na dimensão do indizível
e do inassimilável, apresentando-se como enigma do desejo do Outro:
Nesse sentido, Azevedo e Nicolau (2017) fazem uma revisão bibliográfica de diversos
autores que estudam o autismo a partir de uma perspectiva lacaniana, enfatizando a noção do
inconsciente estruturado como linguagem, constituição do sujeito e a possibilidade de uma falha
nesse processo, que ocorreria em crianças autistas. As autoras abordam a questão do circuito da
pulsão invocante e a importância da prosódia materna para a instauração do circuito pulsional
afirmando que este momento é primordial para a constituição psíquica, pois ainda que o bebê
não compreenda e atribua sentido ao que lhe é falado, “ele começa a ser pulsionalizado e
erotizado pela voz e, aos poucos, vai sendo tomado pelo funcionamento da linguagem.” (p. 25).
A voz, no autismo, não se instaura como função psíquica, não adquire o caráter de objeto
pulsional. Será que podemos supor que a não incorporação da voz no autismo significa que não
existe possibilidade de enlace com o Outro? “Para chamar é preciso dar voz”, mas quando o
chamar não se manifesta pela fala e sim pelo corpo? Seriam as manifestações autísticas (gritar,
espernear, se machucar, babar) uma tentativa de dar-se a ver ao Outro? Pode-se inferir que no
autismo o que existe é o gozo puro do ser, ou, como afirma Ângela Vorcaro (1999), não há
interpolação, nada diz respeito ao corpo como tomado pelo significante, mas suas aquisições
são reflexas, autômatas. Quanto a isso, Catão (2009) afirma que o autismo evidencia a
possibilidade de uma fala sem intenção de significação, de enlace com o Outro:
Nesses casos, uma vez que se trata do falante, devemos considerar, com Miller, que o
motor da enunciação persiste sendo a pulsão – embora desvinculada da intenção de
significação – e que o que se produz é o gozo (Miller, 1998). Trata-se de um
comportamento atípico da pulsão em que o gozo não emerge enlaçado pela palavra,
produzindo um sentido imaginário, mas em sua pureza real. Em decorrência disso, a
62
realidade que se produz na tensão da relação entre o sujeito e o Outro não assume a
organização de um campo passível de ser compartilhado socialmente (p.123).
Por sua vez, Erik Porge (2014) traça o percurso de Lacan acerca das pulsões sexuais e
de sua lista de objetos a, que incluem o seio, as fezes, a voz e o olhar, para mostrar como Lacan
liga o sujeito ao verbo e sua experimentação da falta-a-ser. Ao se debruçar mais precisamente
sobre a voz, afirma que “está no cruzamento do som e do sentido, do afeto e da significação,
do corpo e da linguagem [...] É também porque divide o falar e o ouvir que a voz, reconhecida,
pode se fazer de objeto de um endereçamento ao Outro, de uma reinscrição” (p.95). Já para
Vivès (2009):
existência de um Outro que o constitui através da palavra, que faz corte e introduz uma matriz
simbólica e um circuito pulsional e de linguagem por meio do significante, “o símbolo que
concerne à clínica psicanalítica é o do significante como causa do gozo” (Machado, 2010, p.
111), - Lalíngua -, o gozo não causa o simbólico, ao ser nomeado, a palavra causa o gozo.
A língua não deve ser dita viva porque ela está em uso. É antes a morte do signo que
ela veicula. Não é porque o inconsciente é estruturado como uma linguagem que
alíngua não tenha de gozar contra seu gozar, já que ela é feita desse próprio gozar
(Lacan, 1974, p.9).
Campolina (2010) afirma que a voz precisa ter efeito de afeto para se incorporar como
alteridade no corpo do bebê, pois sem a incorporação de lalíngua, sem impregnação de
sentimentos, essa voz não se assimila e “os sons aparecem como ecos no real” (p.562). O sujeito
se apoia em lalíngua para marcar o corpo e o gozo sempre será sentido pelo corpo e, mas se
permanecer inefável pode ser delineado pelo aparelho linguageiro, a partir da fala e da escrita
do discurso, existirá na medida em que o significante lhe dê consistência.
Através da canção da lalangue, de sua canção, o sujeito adentra a linguagem e se
constitui enquanto dividido, abre-se para a criança o campo do Outro e o campo do Gozo, este
circuito da pulsão que faz alguma coisa cantar e o captura neste jogo de relação entre sujeito e
o Outro. Porém, não se trata apenas do que diz respeito à palavra e sua sonoridade, o que se
coloca em jogo é a alternância. Lacan ([1953]1998) retoma esta ideia a partir da brincadeira do
fort-da observado por Freud:
Pela palavra, que já é uma presença feita de ausência, a ausência mesma vem a se
nomear em um momento original cuja perpétua recriação o talento de Freud captou
na brincadeira da criança. E desse par modulado da presença e da ausência, que basta
igualmente para construir o rastro na areia do traço simples e do traço interrompido
dos kwa mânticos da China, nasce o universo de sentido de uma língua, no qual o
universo das coisas vem a se dispor (p.277 [276]).
Compreendendo com Porge (2014) que a voz é o desacordo entre corpo e linguagem,
inserindo a divisão entre o falar e o ouvir que causa a possibilidade do sujeito se fazer objeto
de um endereçamento, podemos inferir que a voz se estabelece como objeto pulsional não por
sua sonoridade, que vibra no corpo, que entra e sai nos sulcos da carne e bordeja o sujeito, mas
também pela alternância que produz o silêncio. É pela escansão produzida entre o falar e o ouvir
que o sujeito pode ser evocado. Sobre estes espaços vazios, esta escansão, entre o falar e o
ouvir, Lacan (1964c) afirma:
Diante do abismo que se abre a partir da ausência do Outro, do silêncio que quebra o
encantamento, é neste lugar em que algo se descola, cai, falta, que se abrem possibilidades para
o sujeito advir, pois é neste nada que pode vir a desejar, demandar e fazer-se ouvir. Erik Porge
65
(2014) insere como possibilidade, a partir destas reflexões sobre linguagem, fala e pulsão
invocante, a existência de um Estádio do Eco, que aconteceria – numa anterioridade lógica –
antes do estádio do espelho, importante na constituição do supereu, não o reduzindo ao aspecto
convocatório, mas na medida em que este “constitui um impasse do desejo do Outro que surge
no che vuoi?” (p. 98). A partir deste abismo que a ruptura do encantamento da voz faz captura
e aliena o sujeito no campo do Outro, o corpo é capturado no campo do gozo, a partir da
diferenciação entre prazer e o Eu além, a partir da instauração da linguagem e do desejo, que
irá em busca da satisfação e inaugura o circuito da repetição. Considerando que essa busca se
torna alucinatória depois de instaurada, pois nenhuma satisfação será total, toda repetição irá
comportar uma perda e este é o cerne do desejo, o efeito de sempre desejar. O jogo do fort-da
inaugura o circuito da repetição.
Portanto, não se trata de prazer, mas sim de gozo, de querer sempre mais, o que pode
levar a um gozo perigoso, mortífero, pois o sujeito partirá em busca desta parcela de gozo que
se perde na repetição, estendendo sua satisfação além dos limites, cessando apenas ao chegar à
morte. No Seminário 16 - De um Outro ao outro, Lacan ([1968-69] 2008) afirma a importância
de abordar a dimensão do gozo na medida em que circula por tudo que é abordado em
psicanálise e pressupõe a noção estrutural do mais-de-gozar, o qual estabelece uma relação de
homologia, considerando que são termos equivalentes por se tratarem “do mesmo tecido, na
medida em que se trata do recorte de tesoura do discurso” (p.44) e giram em torno do conceito
de objeto a, efeito de discurso psicanalítico e “que implica a transformação da relação do saber,
como determinante para a posição do sujeito, com o fundo enigmático do gozo” (p.45).
A esta busca perigosa que está além do princípio do prazer se denomina mais-de-gozar,
seria o bem extraído do gozo, situado nos quatro discursos como um efeito desta articulação,
“o mais-de-gozar é o que do discurso se perde, dele cai” (Ibid., p.71). O mais-de-gozar é o resto
do discurso e tem como função a retomada deste objeto que se perde, o gozo perdido que deve
ser recuperado como mais-de-gozar. Para Lacan (1974) a análise leva o sujeito a pensar o
mundo como imaginário ao reduzir a função de representação e situando-a no corpo, que onde
se localiza, e pensa o real como sintoma e o esforço que o analista deve fazer diante deste é o
de reduzi-lo ao ponto de morrer, pois seu sentido é o de impedir o andamento da análise, da
vida.
A morte é o cessamento das possibilidades de gozo, “a vida é, então, a repetição do
prazer enquanto dura” (Alberti, 2007, p. 70). Como as sereias de Ulisses e a voz que inaugura
o sujeito e o interpela através do herdeiro da constituição psíquica: o Supereu. “[...] é na medida
que o sujeito se experimenta no campo do gozo que goza, como as fontes cuspideiras, o prazer
66
da vida” (Ibid. p.74). Em Alocuções sobre as psicoses da criança, Lacan ([1967] 2003, p.365)
comenta o caso de Martpin der Sami Ali, interrogando:
Mas o que pergunto a quem tiver ouvido a comunicação que questiono é se, sim ou
não, uma criança que tapa os ouvidos – dizem-nos: para quê? para alguma coisa que
está sendo falada – já não está no pós-verbal, visto que se protege do verbo.
Com este questionamento, Lacan pontua que a criança autista, que se protege do verbo,
está na linguagem, ainda que situada fora do laço social, se utilizando da linguagem sem
endereçamento ao Outro da forma que se compreende a circularidade desta relação. Este ato de
proteção às palavras denuncia que o encontro entre linguagem e corpo, desde os primórdios da
constituição psíquica em sua submissão aos ecos de lalíngua, pode se tornar devastadora para
o sujeito. Em sua introdução ao livro Rumo à palavra, Marie-Christine Laznik-Penot (2012),
demarca a importância de se estudar acerca dos primeiros tempos da constituição psíquica do
sujeito autista, sobre como se dão as primeiras relações desse sujeito com a linguagem e
condições da instauração de sua corporeidade. Sendo assim, Azevedo e Nicolau (2017)
afirmam que pensar a constituição do sujeito, em especial quando de acordo com os princípios
da psicanálise lacaniana, pressupõe um retorno ao percurso que envolve “um processo
relacionado com a inscrição no simbólico, a instauração dos circuitos pulsionais, a articulação
ao campo do Outro e a assunção de um lugar no discurso” (p.12). Podemos considerar que algo
no momento da instauração do circuito pulsional encontra um entrave para a criança autista, o
que pode levar à sua dificuldade de engendrar-se no campo do Outro e assumir uma posição
subjetiva de falasser.
Em Conferência em Genebra Sobre o Sintoma (1975, n.p.), Lacan afirma que o que
possibilita a recepção da ordem simbólica por parte da criança seria justamente a essencialidade
humana de ser falante, ao que a audiência indaga acerca daqueles que escutam apenas
“barulhos” ou “murmuras”, os autistas, diz Lacan “escutam a si mesmos” (n.p.) e permanecem
acuados diante do analista em razão de sua linguagem fechada, estão inseridos na linguagem,
porém não se ocupam dela, o que não impossibilita que possamos ofertar nossa escuta: que o
senhor tenha dificuldade para escutá-lo, para dar seu alcance ao que dizem, não impede que se
trate, finalmente, de personagens de preferência verbosos”. A psicanalista Marie Couvert
(2020) ao abordar a clínica pulsional do bebê, nos convoca a pensar sobre o ensinamento de
Lacan sobre a primazia do Outro materno, este Outro que irá decifrar as insígnias do bebê.
Quando nos deparamos com uma criança que não verbaliza, poderia o dado diagnóstico,
67
CAPÍTULO III
NA SALA DE ESPERA: DESLIZAMENTOS DISCURSIVOS E O TRABALHO DO
PSICANALISTA EM AMBULATÓRIO
Com a delimitação do aporte teórico que circunscreve esta dissertação, podemos afirmar
que, tanto o diagnóstico de autismo, quanto a decisão sobre a direção de seu tratamento,
demandam uma investigação rigorosa. Ao considerarmos o referencial psicanalítico,
adentramos em uma noção fundamental: a noção de desejo. Ao aludirmos o desejo enquanto
suporte crucial do investimento materno, apontamos a relação fundamental e estruturante do
sujeito, pensado em sua articulação e referência ao Outro – este que é o tesouro da linguagem.
O interesse por investigar e ofertar escuta que faça emergir este desejo em cada caso, é
o interesse pelo sujeito do inconsciente, inserido em uma ordem que não se encerra em seu
aspecto biológico ou sociológico, e, decerto conflita com estes. Ao pensarmos na noção de
sujeito em psicanálise, é preciso considerar o desejo materno e a posição do sujeito diante deste.
Corroboramos Lacan (1975, n.p.) em Conferência em Genebra sobre o sintoma, ao abordar este
momento fundamental, o modo que o sujeito foi desejado e emergiu no discurso de seus pais:
Os pais modelam o sujeito nessa função que intitulei de simbolismo. O que quer dizer,
estritamente, não que a criança seja de algum modo o princípio de um símbolo, senão
que a maneira pela qual lhe foi instilado um modo de falar, não pode senão levar a
marca do modo pelo qual foi aceito por seus pais. Sei muito bem que há nisso toda
espécie de variações e aventuras. Inclusive uma criança não desejada, em nome de um
não sei o que, que surge dos seus primeiros balbucios, pode ser melhor acolhida mais
tarde. Isto não impede que algo conserve a marca do fato de que o desejo não existia
antes de certa data.
impregnado pela linguagem e que, havendo-se ou não dela, pode viver sob o efeito da posição
que ocupa no desejo do Outro por um longo tempo de sua vida.
Smeha e Cezar (2011) realizaram um estudo acerca da vivência da maternidade de mães
de crianças autistas, considerando que este momento desperta na mãe novos sentimentos,
fantasias e expectativas, como anteriormente expostas, em seu imaginário, desde a gravidez a
mãe fantasia acerca das características físicas e da personalidade de seu bebê, constrói um ideal
acerca desta criança e espera ansiosamente que esta venha ao mundo de acordo com aquilo que
se é esperado, porém, já desde “o momento do nascimento há possibilidades de decepções
causadas pelo contato com o bebê, pois existe uma distância entre o filho fantasiado e o filho
real” (Smeha; Cezar, 2011, p.44).
Entre os resultados de suas pesquisas, as autoras observaram que o momento da
confirmação do diagnóstico é de suma importância, em especial para a mãe, considerando-se
que em geral a função de dedicar cuidados à criança é atribuída à mulher muito mais do que
aos homens. Diante disto, sentimentos contraditórios, principalmente ansiedade e culpa, podem
emergir e fragilizar esta vivência (Smeha; Cezar, 2011).
As autoras afirmam que em muitos depoimentos há a presença de incerteza em relação
à criança e que o momento de confirmação do diagnóstico “traz mais dificuldades para algumas
mães, enquanto para outras traz alívio, já que a partir deste momento será possível buscar
tratamento mais adequado para o filho” (Smeha; Cezar, 2011, p.46), o que demonstra que cada
pessoa reagirá de uma maneira quando nesta situação. Concluem, de acordo com sua coleta de
dados, que a maior parte destas mães se dedica quase exclusivamente a seus filhos, não
exercendo outras atividades, considerando a vivência da maternidade como difícil, pois envolve
uma sobrecarga de responsabilidades, ao que apontam a importância de uma rede de apoio não
só familiar, mas também técnica, para tornar a vivência da maternidade uma experiência mais
leve e elevar a confiança destas mulheres em si próprias e nas possibilidades favoráveis a seus
filhos.
De acordo com os fatos acima expostos pode-se afirmar que os pais e mães de crianças
diagnosticadas no espectro autista se deparam com o desafio de reorganizar sua rotina e ajustar
seus planos e expectativas quanto ao futuro às limitações que perpassam esta condição, além
da necessidade de adaptar-se a dedicação e cuidados necessários a seu filho, o que pode
constituir um fator estressor. Tal condição demanda atendimento específico para auxiliar os
familiares a conseguir ultrapassar estas barreiras. Sendo assim, com o estudo de Smeha e Cezar
(2011) podemos refletir sobre qual a relação desta mãe com o discurso científico encarnado na
figura do médico, com as questões sociais que permeiam seu maternar e seus sentimentos acerca
70
do diagnóstico, que muitas vezes demanda resoluções imediatas, seja em razão de uma pressão
social por adequar este bebê ao que se espera em termos de desenvolvimento e “educação”, seja
pela pressa dos familiares por respostas e direcionamentos, bem como, pela própria estrutura
do protocolo diagnóstico.
Numa tentativa de furar estas certezas protocolares, ofertamos nossa escuta para que
essa pressa e imediatismos possam circular na fala das mães atendidas e identificar de que
maneira podem escutar e estar com suas crianças. Em consonância com Cristina Hoyer (2020),
pensamos que a abordagem psicanalítica - enriquecida e aprofundada por outros saberes - se
destaca ao considerar que qualquer afetação deve ser traduzida em palavras expressas pelo
próprio sujeito, quando o mesmo é compreendido dentro de um contexto familiar, social, racial
e de gênero.
Nesse sentido, o projeto de pesquisa O lugar da mulher na função materna: torções
entre o feminino e o materno no cuidado à criança. apresentou-se como um espaço que situa a
importância de acolher e investigar a experiência da maternidade em mães cujos filhos têm
acompanhamento médico no Centros de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança (CASMUC),
serviço vinculado à Faculdade de Medicina (FAMED) e ao Hospital Bettina Ferro, da
Universidade Federal do Pará (UFPA), o qual recebe diariamente, para avaliação e tratamento,
crianças com suspeita diagnóstica de Transtorno do Espectro Autista ou patologias que
apresentam entraves, como TDAH, TOD, Transtorno do Espectro Autista e doenças raras.
Neste ambiente, propusemos escuta às mães nas salas de espera e em uma sala de aula reservada
para tal. Para as crianças, foi ofertada outra sala com recursos lúdicos para serem observadas
ao brincar. As atividades do projeto tiveram início em Março de 2022 e estão em andamento
até o presente momento em que esta dissertação foi finalizada, tendo desdobramentos inclusive
para o atendimento realizado com as crianças, promovendo produção científica, aprimoramento
técnico – através de formação complementar dos participantes do projeto sobre os protocolos
de fatores de risco psíquico em bebês e crianças 24 –, fomento para a continuidade da pesquisa,
bem como, a conquista de consolidar a práxis psicanalítica no espaço do ambulatório 25.
24
Indicadores de Risco para Desenvolvimento Infantil (IRDI) e Acompanhamento Psicanalítico de Crianças em
Escolas, Grupos e Instituições (APEGI).
25
O projeto expandiu-se e tornou-se também projeto de extensão, alcançando fomento para bolsas do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), tendo como título Abrir a caixa lúdica e fazer uma
brinquedoteca: escuta de crianças no Centro de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança através do trabalho em
grupo em 2023, em razão do acolhimento às crianças em tratamento no CASMUC, consequência do trabalho
desenvolvido com as mães. Frisamos que a clínica com crianças é indissociável do acolhimento aos
pais/responsáveis, bem como, para ofertarmos escuta às mães, foi crucial oferecer acolhimento aos seus filhos,
operando como um local de extensão de rede de apoio à estas mulheres.
71
Por ser um serviço inserido na Universidade Federal do Pará, além de ambulatório com
serviços à comunidade, o CASMUC se configura como um ambiente de formação,
comportando consultórios médicos e salas de aula, que são utilizadas por diversas áreas da
saúde, tais como: Medicina, Nutrição, Enfermagem, Fisioterapia e Assistência Social, no
auxílio de encaminhamentos para os devidos benefícios relacionados aos diagnósticos
recebidos pelas crianças. Devido ao uso diário do consultório por parte dos profissionais para
avaliação pediátrica, utilizamos de salas de aula para a realização dos atendimentos.
O psicólogo que atua em um ambiente ambulatorial enfrenta rotinas que fogem ao
trabalho clássico, encontrando-se em situações de escuta nos corredores, escadas, salas de
espera e, quando possível, em espaços sigilosos. São diversas as possibilidades de intervenção,
como apoio, escuta, orientação, psicoterapia individual ou técnicas coletivas. Além disso, na
medida em que os espaços se oportunizam, busca compreender o diagnóstico em conjunto com
o paciente, seus familiares, e com a equipe multidisciplinar, avaliando diferentes quadros
psicopatológicos em diferentes condições psicossociais (Giuliano, 2012).
Côrrea (2022) nos aponta que a escuta realizada no ambiente hospitalar ambulatorial
tem como objetivo promover a saúde mental das mães e, consequentemente, a saúde das
crianças, uma vez que o cuidado oferecido pelas mães às crianças tem efeitos benéficos no
prognóstico dos casos, enfatizando a importância da fala e a aposta freudiana na abordagem
terapêutica, acreditando que esta pode abrir caminhos para o restabelecimento do laço entre
mãe e criança, que não se limite apenas aos caminhos inconscientes da produção sintomática.
O trabalho de escuta, por ser de caráter singular, levou em conta a dinâmica única de
cada mulher. A seguir serão pontuados significantes, sentimentos e temores que surgiram de
maneira recorrente na fala de cada uma: entre eles o percurso da percepção de sinais e sintomas
até o recebimento do laudo diagnóstico, o desejo materno e as rotinas de tratamento.
Neste item será feita uma costura entre os pontos principais abordados pelas mães em
atendimento e o aporte teórico que norteou nosso trabalho. Serão apresentados recortes de falas
de três mulheres atendidas no projeto, porém também serão abordados de maneira geral as
fantasias, significantes e desdobramentos de atendimentos como um todo no decorrer do
projeto, sempre considerando a singularidade dos relatos.
O primeiro ponto em comum entre as questões que circularam nos atendimentos
realizados foi acerca da percepção dos primeiros sinais de que algo estaria diferente em relação
72
26
Nome fictício
27
Nome fictício
28
Nome fictício
29
Em razão das particularidades do atendimento ambulatorial, muitos atendimentos foram realizados na sala de
espera, o que ocasionou em atendimentos breves e únicos. Mesmo que diante da possibilidade de continuidade e
agendamento de retornos, muitas interrupções por conta da espera pelo atendimento médico ocorriam, assim como
a evasão ou faltas aos atendimentos agendados. Sendo assim, trabalhamos com fragmentos do que se pode
apreender da vivência na rotina do ambulatório.
30
Nome fictício
73
e algo fica de fora, ex-siste, à medida em que algo da fantasia que sustenta o desejo por este
filho se rompe e precisa se reordenar.
De maneira geral, a maior parte das mães relatam a interrupção da fala na faixa etária
entre 1 ano e 8 meses à 3 anos, período crucial de aquisição de vocabulário. Após os três anos
de idade ocorre a explosão de nomeação, em que a criança pode chegar a conhecer e
compreender 2 a 3 mil palavras (Biaggio, 2003), em termos quantitativos e de desenvolvimento
cognitivo. Do nascimento até por volta dos três anos de idade, situamos o banho de linguagem,
os caminhos para a constituição de sujeito que o bebê irá atravessar (Laznik-Penot, 2004, 2012;
Vorcaro, 1999; Catão, 2011; Nicolau, 2017, Faria, 2017b). Diante desse inesperado, dessa
ruptura com o andamento dito normal do desenvolvimento da criança, a demora em buscar
auxílio, ou a negação de que algo não vai bem, é comum no discurso das mães e nos aponta
para a quebra das expectativas entre o bebê esperado e o bebê real, que se apresenta – ou retira-
se de cena – nesse tempo que é “de repente”.
Essa ruptura traz consigo o sentimento de culpa, independente da tomada de decisão que
foi feita diante destes primeiros sinais da criança. Eustacia Cutler, mãe da autora Temple
Grandin, relata em sua autobiografia sobre o sentimento de perda da própria autoestima diante
das dificuldades enfrentadas por sua filha:
Todos nós sabemos que um bebê precisa de uma mãe para saber que é um bebê, mas
igualmente verdade, uma mãe precisa de um bebê para saber que é uma mãe. Quando
aquelas primeiras respostas bebê/mãe não podem se desenvolver, toda uma identidade
familiar sai dos eixos (Cutler, 2004, p.x-xi apud Bialer, 2017, p.26).
Pode-se inferir, portanto, que a confirmação do diagnóstico é para estas mães, nas
palavras de Reisdorfer (2014) um choque narcísico, que impõe dificuldades em perceber traços
na criança que se assemelhem ao seu desejo. “A perda do filho é efetivamente vivenciada como
luto pela morte de um filho real e, inicialmente, o bebê deficiente que nasceu é sentido como
um intruso, um usurpador do lugar do que morreu” (Schmidt, 1998, p.72 apud Reisdorfer, 2014,
p.23). A criança, antes promessa de completude, se transforma no enfrentamento da falta. O
incômodo causado pela diferença, pelos comportamentos “estranhos” que as crianças
apresentam se deve ao fato que “uma das vias da constituição subjetiva acontece no processo
de identificação, no qual o ‘eu’ se identifica com o ‘outro’ enquanto seu semelhante” (Durante,
2012, p.7), ou seja, os pais buscam relacionar-se com seus filhos pela via da identificação, com
aquilo que existe de semelhante entre eles.
A confirmação do diagnóstico pode fazer com que as mães da criança se deparem com
a frustração de suas expectativas futuras, a perda do filho idealizado, momento a partir do qual
precisarão ressignificar a vivência de sua maternidade, a partir desta nova informação. Smeha
e Cezar (2011) afirmam que a descoberta do diagnóstico se desdobrará de maneiras diferentes
para cada pessoa, há mães que sentem mais dificuldades, enquanto que para outras, nomear os
comportamentos das crianças traz alívio e um ponto de partida das possíveis soluções a serem
tomadas, profissionais a serem consultados, etc. As autoras afirmam ainda que este momento
é de extrema importância, principalmente para a mãe, a qual geralmente fica com a incumbência
dos cuidados com a criança e em sua maioria, se dedicam quase exclusivamente aos filhos, não
exercendo outras atividades, considerando a vivência da maternidade como difícil, pois envolve
uma sobrecarga de responsabilidades.
Acerca do momento do recebimento do diagnóstico, Thaís relatou ter sido um baque,
um momento muito difícil e contou sobre a existência de um primo de seu marido que possui o
mesmo diagnóstico, assim, saberiam como proceder, remetendo à fantasia materna de uma
historicização que dê conta de explicar as origens destes sintomas, que crie um vínculo externo
ao que opera como entrave para sua criança. Entretanto, no momento de entrega do laudo
diagnóstico e indicativo da medicação (Risperidona 31), a pediatra apontou a suspeita de outro
31
Antipsicótico destinado ao tratamento da esquizofrenia e outras psicoses, sendo eficaz sobre distúrbios do
pensamento, confusão, alucinações, desconfiança, isolamento, além de amenizar os sintomas de ansiedade
(Bulário, 2023), sendo a principal medicação destinada ao tratamento de Transtornos do Desenvolvimento e
Aprendizagem, como autismos, TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno de
Oposição Desafiante, etc., Embora na bula do medicamento haja contraindicação à prescrição para menores de 15
anos, desde 2011, com a advento da lei n° 12.401- que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de
tecnologias em saúde no âmbito do SUS -, bem como programas como o Viver sem Limite: Plano Nacional de
Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto 7.612 de 17/11/11), Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com
Deficiência no âmbito do SUS (Portaria 793, de 24/04/12) e a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa
75
diagnóstico: Transtorno de Oposição Desafiante 32, em razão dos movimentos repetitivos com
as pernas, chutes, agressividade ao ser contrariado e recusa em atender comandos, chegando a
rir dos pais, jogar objetos e bater. José fica muito irritado quando próximo à médicos. Thaís
relatou sobre a angústia em razão deste segundo diagnóstico por ouvir dizer que “é mais difícil
de lidar” (SIC).
Observamos na fala de Thaís a ausência de cobertura simbólica quando se refere à José,
constantemente aludindo a ele em relação à comportamentos e construções imaginárias que
remetem à dificuldade de lidar com a criança quando do recebimento do laudo, bem como,
esses caminhos comportamentais que desembocam no diagnóstico como um fato concreto,
suscitada nesse “mais difícil de lidar”. Durante (2012), afirma que um diagnóstico determinista
proporciona a perda da identidade da criança enquanto sujeito, passando a ser caracterizado
apenas enquanto sua definição nosográfica, autista (e/ou diagnósticos de transtorno adjacentes,
considerados comorbidades), evidenciando-se apenas suas limitações e impossibilidades.
Nossa pretensão ao oferecer escuta que dê vazão à ruptura narcísica e angústias das
mães destas crianças é a de poder intervir – a tempo – nesse momento crucial de aquisição da
linguagem, ou ainda que posterior, de maneira a provocar giros discursivos que possam em
alguma medida apontar outro destino que não a impossibilidade. Entretanto, em um momento
pontual de escuta nosso desafio é ao menos fazer circularem estas angústias no discurso.
Nicolau (2022) aponta para a articulação do sintoma na criança como indicativo da
subjetividade materna o que coloca a criança em posição de objeto que “respondendo ao desejo
baseado na fantasia desta e buscando preencher o vazio de uma vida que não encontra outro
sentido senão o de carregar o peso que a criança pode vir a representar” (p.37). Assim, a criança
emerge no discurso materno como representante da nomeação diagnóstica e não como criança
desejada.. O peso da subjetividade ultrapassa a organização individual ao pensarmos no sujeito
com Transtornos do Espectro do Autismo (Lei 12.764 de 27/12/12), o Ministério da Saúde autorizou o uso da
medicação para crianças diagnosticadas no espectro autista, a partir de estudos de eficácia nos comportamentos de
hiperatividade, irritabilidade e agressividade em comparação a estudos com placebo. Para além do tratamento
visando ganhos funcionais, o tratamento medicamentoso faz parte dos programas de atendimento às crianças
autistas, ainda que sua eficácia não seja comprovada em “produzirem melhoras nas características centrais do
TEA” (Brasil, 2014, p.9). Entre as reações adversas as mais comuns estão: “sedação, enurese, constipação,
salivação, fadiga, tremores, taquicardia, aumento de apetite, ganho de peso, vômitos, apatia e discinesia” (Ibid.,
p.17) e alguns casos de ginecomastia (crescimento das mamas). O impacto orçamentário do uso da Risperidona
pode variar de uma média de R$ 3.506.664- a R$ 7.013.328 quando do gasto anual de R$ 369,60, por frasco de 30
mL (1 mg/mL) (Ibid., p.25).
32
Compreendido como um Transtorno de Conduta mais brando, as crianças com este diagnóstico apresentam
teimosia, desobediência e irritabilidade, sem necessariamente serem agressivas ou violar direitos (DSM-V-TR,
2022), desconsiderando o sofrimento do sujeito, visando discipliná-lo e adequá-lo ao ideário social. Lucero, Souza
e Cittadino (2021), elaboram as considerações psicanalíticas sobre este diagnóstico no artigo “A criança agressiva
para além do Transtorno Opositor Desafiador (TOD)”, disponível em DOI: 10.12957/mnemosine.2021.61856.
76
como forjado no campo da linguagem como efeito de discurso, a narrativa que se conta sobre a
criança determina a ordem simbólica que a constitui (Lacan, [1954-1955] 2010; [1955] 1998).
Carolina foi atendida no projeto por três vezes, sendo acompanhada desde o momento
inicial de suspeita do diagnóstico até sua confirmação. Relatou sofrer preconceito por conta das
dificuldades de Jonas, mas que seu filho “é normal”, fez questão de trazer o pai de Jonas em
todos os procedimentos e consultas para que ele veja que ela não estava “inventando nada”.
Após a descoberta de uma traição durante a gravidez disse que o casamento ficou frio e após o
nascimento de Jonas teve diversas perdas na família. Repetiu por diversas vezes o significante
“condição” ao relatar sua origem no interior do Pará, a mudança de cidade, de curso, de
emprego, o luto pela perda da mãe, que foi velada e enterrada sem seu conhecimento: “minha
condição foi embora com a minha mãe”. Relatou sobre noites em que se deitava e ficava
olhando para Jonas e dizia “não ter condições”, de confrontar-se com a possibilidade de seu
filho ser autista. Estava trabalhando no momento, mas a família fez uma vaquinha para pagar
atendimento médico particular e exames para Jonas. Disse: “Não me nego, mas quero o
diagnóstico certo”.
Foi possível observar no relato de Carolina a singularidade de cada caso, em que o olhar
sobre os filhos, apesar do impacto do diagnóstico, pode permanecer o de que os mesmos
possuem possibilidades, aparecendo no discurso enquanto crianças “normais” (SIC), vendo
resultados nos tratamentos realizados, porém, essa dicotomia entre normal e anormal pode nos
dizer da resistência em relação aos impasses que possui diante de tantas perdas. Para Freud
([1925]1996, p.131) a angústia é uma reação à uma situação de perigo que o Eu busca remediar,
tem uma função protetora, operando como sinal de algo. Além disso, para Vinheiro (2013): “O
lugar ocupado pelo pai é determinante para o laço mãe-bebê. Tem efeitos decisivos o modo
pelo qual o pai mantém o laço com sua mulher”(p.82), é possível inferir que esta ruptura com
o marido no momento de vulnerabilidade da gravidez tem consequências psíquicas não somente
diretas, ligadas à sua ausência nesse momento, mas também no discurso de Carolina e no luto
que se instaura sem apoio e presença do companheiro. O recebimento do diagnóstico pode
operar como a revivescência de tantos lutos que atravessou anteriormente.
Sua fala suscita também o preconceito, enfrentado constantemente pelos
pais/responsáveis das crianças. Barbosa e Fernandes (2009) enumeram os fatores estressores de
cuidadores de crianças diagnosticadas no Espectro do Autismo e afirma que os maiores são a
pouca aceitação destes comportamentos por parte da sociedade e familiares, constante
manutenção e ausência de suporte social. A severidade dos casos e a dificuldade de acesso à
serviços de qualidade também são aspectos estressores. “As relações sociais das famílias com
77
crianças autistas ficam embaraçosas e se reduzem, podendo haver rupturas em seus vínculos
sociais” (Ibid., p.482). Quando há suporte familiar, a criança faz acompanhamentos com
especialistas e tem oportunidades de serem mais independentes, os níveis de estressores podem
se diminuir, pois as limitações das condições da criança e a falta de uma rede de apoio
qualificada, além da dedicação exclusiva, podem trazer consequências psíquicas. A ruptura
diante do diagnóstico não se refere somente à rusga narcísica, mas também à mudanças na
dinâmica familiar e demais relações estabelecidas pelos cuidadores.
Ferreira e Vorcaro (2019) apontam um certo encapsulamento que os pais de crianças
autistas apresentam, em razão de um isolamento que faz tudo circular e destinar-se ao
diagnóstico e suas agruras, assim como suas recomendações de tratamento que em geral
apontam para tratamentos comportamentais e medicamentosos:
33
No Pará, através da criação da Coordenação Estadual de Políticas para o Autismo (CEPA), em maio de 2020, as
crianças diagnosticadas no espectro autista passam a ter direito à emissão da Carteira de Identificação da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), que garante prioridade no atendimento em serviços públicos e privados,
em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social, supermercados, bancos, farmácias, bares,
restaurantes e lojas, além de propiciar uma base de dados para o governo. A emissão da carteira integra a Política
Estadual de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Peptea), instituída pela Lei
78
casas e a própria rotina de cuidados: “Você respira, come e dorme autismo” (Barnett, 2013,
p.41 apud Ferreira; Vorcaro, 2019, p.2007).
Schmidt e Bosa (2003) postulam que os familiares de crianças com autismo se veem
desafiados à necessidade de mudar seus planos, sua rotina e dedicar-se intensamente aos
cuidados e às necessidades de seus filhos, deixando de lado suas carreiras, laços familiares e
sociais para dedicarem-se exclusivamente ao filho que necessita, os acompanhamentos
pedagógicos, psicológicos, ecoterapia, musicoterapia, natação, entre outros.
Monalisa 34, mãe de Maurício 35, havia procurado o CASMUC em 2020, porém, foi
descartada a hipótese de autismo, sem recomendação de outros exames. Relatou ter percebido,
desde que o filho tinha 1 ano e 9 meses, que o mesmo brincava com o carrinho apenas girando
as rodas, chorava ao ouvir barulhos como do liquidificador ou gritos de “gol” de seu pai e
também não apontava, guiava a mão da mãe ou do pai para apontar o que queria. A
recomendação da médica foi de que aguardassem as observações da escola e retornassem depois
para falar sobre a socialização de Maurício, porém, após essa consulta, iniciou-se o período
pandêmico e o mesmo não iniciou os estudos à época. Demorou para conseguir atendimento,
disse estar aguardando desde setembro de 2021 para agendar este retorno, ano em que Maurício
entrou na escola. Disse que a socialização dele é “tranquila”, não tomava iniciativas, mas
interagia com as crianças se convocado. Aos 1 anos e 9 meses já sabia identificar as letras do
alfabeto, antes dos três anos já sabia ler e portanto avançou de série e cursava o primeiro ano
do ensino fundamental. Gosta muito de brincar e tem restrições alimentares, só come vitaminas,
pipoca, pão, almoço e janta com comidas secas e texturas pastosas.
Podemos notar que dentro do esperado (em termos desta concepção de desenvolvimento
dito normal) para esse momento crucial de aquisição de linguagem, Maurício falava, lia e ia
bem nos estudos a ponto de avançar de série, estas particularidades que se compreendem como
espectro ou níveis de suporte para os DSM’s nos rememoram Lacan (1974) ao afirmar que
crianças autistas estão inseridas na linguagem, apenas não se ocupam dela, não se endereçam
ao Outro, ainda que falem. Os familiares de Monalisa estranharam a possibilidade de Maurício
ser autista em decorrência de saber ler e escrever, olhar nos olhos e ser muito carinhoso. O
9.6062/220, pelo então governador Helder Barbalho em maio de 2020 e está prevista na Lei Federal nº 13.977, de
8 de janeiro de 2020, denominada “Lei Romeo Mion”, que altera a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 (Lei
Berenice Piana), e a Lei nº 9.265, de 12 de fevereiro de 1996 (Lei da Gratuidade dos Atos de Cidadania) (Governo
do Pará, 2023). Através da emissão da carteira de identificação e tendo em mãos o laudo, é possível que os
responsáveis pela criança possam solicitar auxílio tal como o Benefício de Prestação Continuada, em caso de
vulnerabilidade social (Para melhor compreender acessar as leis nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 e nº
8.742/93 – Lei do BPC que pode ser utilizada na solicitação ao incluir o autismo no campo das deficiências).
34
Nome Fictício
35
Nome Fictício
79
36
No VIII Encontro Nacional do GT: Psicanálise, política e clínica. O que pode a psicanálise na rede pública?.
80
essa rotina, uma vez que o recebimento do laudo implica uma mudança em relação ao que era
esperado para seus filhos e para si mesmas, gerando necessidades adicionais às que eram
inicialmente previstas. Para as mulheres que já têm outros filhos, essa situação acrescenta às
demandas já conhecidas relacionadas à maternidade. Esse aspecto também foi frequentemente
acompanhado pela queixa de ausência de rede de apoio, o que faz com que grande parte da
responsabilidade recaia sobre a mãe.
Ao considerarmos com Lacan ([1954-1955]2010) que “as falas fundadoras que
envolvem o sujeito são tudo aquilo que o constitui, os pais, os vizinhos, a estrutura inteira da
comunidade, e que não só o constituiu como símbolo, mas o constituiu em seu ser” (p.34), se
estas leis determinam e canalizam o laço social, podemos inferir que os giros discursivos que a
escuta psicanalítica provoca, em certa medida, dão um novo sentido à esta fundação, re-atando
este laço a partir da retificação subjetiva. A experiência clínica se apresenta como uma
possibilidade de reconhecer por quais vias os fenômenos se ordenam, qual estrutura os organiza
(Lacan, [1953] 1998) , embora no ambiente ambulatorial não seja possível trabalhar com o
dispositivo analítico nos moldes clássicos da clínica, a escuta ofertada nos corredores do
hospital mostrou-se fator de mudanças significativas no discurso e relações estabelecidas entre
as mães que acolhemos e suas crianças em tratamento. Lacan ([1955] 2010) afirma que:
Talvez não possamos ter a ambição de afirmar que houve reposicionamento no desejo
destas mães - seria possível tocar a fantasia materna? - mas foram observadas as transformações
de algumas das certezas diagnósticas – tão angustiantes e impossibilitantes – em
questionamento e ponto de partida – remetendo ao que nos aponta a epígrafe desta dissertação
– que rume para um novo enlace.
Para ilustrarmos esta afirmação apresentaremos a seguir o caso de Marianne 37 e seu
filho Bruno 38. Apesar do laudo diagnóstico de Bruno ter sido fechado como TDAH, julgamos
imprescindível abordar os impasses que apresentaram ao chegar no serviço do CASMUC e das
elaborações que decorreram deste caso, tanto por conta do tempo mais longo de duração do
acompanhamento, bem como, do estabelecimento da transferência que possibilitou giros
importantes para esta mãe e seu filho.
37
Nome fictício.
38
Nome fictício.
83
Marianne foi encaminhada pelo neuropediatra que atendeu seu filho, Bruno, em sua
cidade natal, no interior do Pará, em razão de suspeita do diagnóstico de TDAH. Relatou que
Bruno desde 1 ano e 2 meses se comunicava com birras, briga, e mordidas. Alegou que, em
razão destes comportamentos, sofrem exclusão por parte das pessoas em geral, incluindo
familiares: “O que mais me dói é a exclusão” (SIC), pois ele “foge do controle” (SIC) e ninguém
ao redor lida muito bem com suas explosões de agressividade.
Apesar da agressividade de Bruno, Marianne pouco a pouco nos revela um discurso de
aposta e investimento em sua criança e nos conta sua história. Bruno é filho de uma sobrinha
do antigo companheiro de Marianne. Em decorrência de complicações em uma gravidez
anterior, decorrentes de um mioma, além de perder o bebê, Marianne precisou realizar uma
histerectomia total, o casal, portanto, sem poder ter filhos biológicos decidiu adotar Bruno desde
antes de seu nascimento. Marianne falou em diversos momentos sobre seu desejo de ter um
filho e do incentivo que sua mãe biológica deu a ela. Chegou a “procurar por ai” na casa das
pessoas, para saber se alguém tinha uma criança para oferecer em adoção. Quanto ao desejo de
ter filhos, retomamos com Lacan (1999[1957-58]) que o desejo materno é o fio condutor do
laço entre mãe e bebê, do qual este depende estreitamente e diretamente. O seu desejo pela
maternidade teve sua realização através da adoção de Bruno e o laço estabelecido entre os dois
é de extrema união e abdicação em prol dos cuidados que o menino demanda.
Após um mês do nascimento de Bruno, o pai viajou à trabalho e não voltou mais,
começou um novo relacionamento com outra mulher, em outra cidade. Podemos inferir que
esta ruptura que a partida do pai causa tem consequências psíquicas não somente diretas, ligadas
à sua ausência em relação à Bruno, mas também no discurso de Marianne e no luto que se
instaura a partir deste abandono afetivo. Sem apoio e presença do companheiro, Marianne
deixou de trabalhar, afirmando que “não tem com quem deixar a criança” (SIC), antes
trabalhava como doméstica e hoje em dia faz salgados para vender. Conta com o Auxílio Brasil
e a pensão que o pai de Bruno envia.
Marianne também é filha adotiva de um casal de tios, ao pensarmos sobre a filiação por
adoção se coloca em jogo essa pré-história do lugar de desejo que Marianne um dia ocupou, de
sua própria caminhada psíquica que irá reverberar na vivência de sua maternidade. Aos 16 anos
retomou contato com sua mãe biológica, diferente da mãe biológica de Bruno, que não quis
mais contato com o mesmo. Este é um ponto de conflito para ela, por não compreender a
distância que a mãe biológica de Bruno impõe, a dimensão de seu desejo pela maternidade,
assim como o lugar que se localiza em relação ao desejo de seus pais - tanto os pais adotivos,
quanto sua mãe biológica - torna uma incógnita para ela a decisão da mãe biológica de Bruno.
84
Segundo Xerfan (2016) é comum essa reação de culpabilização diante dos pais biológicos que
entregam suas crianças aos cuidados de outras pessoas: sendo necessário desmistificar esta
entrega que está associada “sempre ao abandono e não ao desejo em relação ao filho gestado e
parido. Ao contrário, pode haver mais investimento na entrega do que no ficar com um
filho”(p.129).
Outro ponto levantado por Marianne foram os comentários que familiares e outras
pessoas faziam sobre esconder o diagnóstico, ou o fato de Bruno estar tomando medicação,
assim como comentários sobre a responsabilidade que tomou para si ao adotá-lo, como uma
culpabilização, chegando a insinuarem que ela deveria “devolvê-lo” à mãe biológica. Estes
comentários atravessaram Marianne de tal maneira que mesmo necessitando realizar uma
cirurgia de urgência descoberta quando Bruno era ainda um bebê, ela abdicou de realizar o
procedimento por não ter com quem deixar a criança. Disse que sente vergonha e também se
sente culpada, sua mãe adotiva sempre lhe diz para não dar ouvidos aos comentários. Relatou
em um dos atendimentos, que naquela manhã, Bruno acordou e lhe disse “Mamãe eu te amo,
você é centro do meu coração” (SIC). Embora demonstrasse agressividade, em muitos
momentos Bruno foi extremamente gentil e carinhoso com as outras crianças e com os
estagiários e profissionais.
Depois de alguns meses, Marianne passou a faltar aos atendimentos agendados, porém
mesmo não comparecendo, ou com a constante fala de que ninguém ficava com Bruno, na sala
de brinquedos a criança permanecia sem sua presença. Em certa ocasião, Marianne o deixou
aos cuidados dos estagiários e profissionais do projeto, enquanto resolvia outras questões fora
dali. Marianne encerrou os atendimentos no CASMUC em razão de ter conseguido encontrar
um emprego e ter incompatibilidade de horários.
Esta conquista, que pode parecer tão comum à primeira vista, pode ser interpretada
como um ensaio desta independência e separação necessária entre Marianne e Bruno, um
indicativo de um novo posicionamento subjetivo em que possam enlaçar-se sem aperto, em que
Marianne encontre os trilhos de seu desejo para além do filho e elaborar os lutos causado pela
perda do filho esperado outrora, da ausência do pai de Bruno, da falta de uma rede de apoio, o
que a leva a bancar os cuidados de Bruno sozinha – e com o próprio corpo, com a própria saúde
- assim como do luto causado pela inferência do diagnóstico; para que Bruno possa construir
seus próprios sintomas e elaborações de suas próprias questões por vir.
Se há um momento crucial na aquisição da linguagem que pode sofrer impasses que
levem ao circuito pulsional não se instaurar, de modo que o sujeito opere em novos modos
diante dela, e se esse momento é crucial em relação à função materna, podemos afirmar a partir
85
da fala de Lacan que não somente a mãe tem a ver com isto. É necessário que possamos situar
a importância do estabelecimento do laço entre uma mãe e seu bebê, sem adicionar mais caráter
culposo na realização de suas funções. Se o sujeito se constitui pelas funções materna e paterna,
bem como com os laços que estabelecerá – do modo que seja – com os pequenos outros que
atravessarão seu caminho, é possível pensarmos na potência da escuta como re-ordenadora
desse modo de apresentar-se diante do Outro?
Ao pensarmos espaços de escuta para as estas mulheres no contexto das instituições, é
necessário refletir sobre as dimensões que as cercam. A vivência no CASMUC possibilitou
observar os impasses ao acesso a serviços de atendimento psicológico, denunciando a
necessidade de repensar as dinâmicas de escuta constantemente, de modo a oferecer espaços de
acolhimento e que evoquem a implicação (Corrêa; Batista; Lobato, 2022). Nicolau (2022)
reflete sobre a sustentação do fazer analítico nas instituições na contramão da pressa, dos
protocolos e prazos que regem a dinâmica dos atendimentos. A escuta psicanalítica é a da
articulação inconsciente e o que pode um analista nas instituições seria a prática que visa
“produzir efeitos psicanalíticos e mudar a posição do sujeito frente ao seu sintoma” (p.41), no
que se refere às mães, a maneira com que seu sintoma se articula à sua criança, produzindo
abalos nesta relação.
Nesse contexto, proporcionar um espaço onde essas mulheres pudessem falar sobre si
mesmas, além de responder à rotina do tratamento de seus filhos, foi fundamental para oferecer
cuidado e criar uma rede de apoio. As atividades realizadas com as crianças em uma sala
reservada, com brinquedos e a presença de estagiários e psicólogos voluntários, funcionaram
como um espaço aberto em que as crianças eram convidadas a brincar de acordo com seu desejo,
enquanto aguardavam seus atendimentos pediátricos. Além dos atendimentos oferecidos às
mães, também ocorreram brincadeiras na sala de espera, mas essas não foram registradas com
a mesma frequência devido ao menor tempo de permanência das crianças nesse ambiente. No
geral, consideramos um avanço significativo ter um espaço para brincadeiras e atividades
lúdicas em um ambulatório pediátrico, com brinquedos, materiais para pintura e desenho, o que
contribui para que a infância não seja associada apenas à especialidade médica:
Quanto ao autismo, Maleval ([2009] 2017) discorre acerca dos obstáculos que
encontramos ao estudar essa temática, incumbindo o dever dos psicanalistas de se debruçarem
sobre o estudo da lógica de funcionamento singular. Acrescento à fala do autor, que é
imprescindível no entendimento desta lógica, que possamos ofertar espaços de escuta dos
cuidadores destas crianças, que muitas vezes tem seu saber enquanto pais, mães, questionado
ou suprimido no decorrer da rotina dos tratamentos. Ofertar escuta que acolha e dê vazão para
os sentimentos que circulam desde o diagnóstico é parte da compreensão e abertura também de
possibilidades para lidar com suas crianças. Nicolau (2022, p.39) frisa que: “É preciso apostar
no sujeito, convocá-lo. A aposta é sempre do lado do analista advertido de seu desejo de
analista”. Finalizo com a questão que Carolina colocou ao final de nosso primeiro atendimento:
Traduzimos este questionamento como a incógnita: pode o autista amar? Como dito à
Carolina, à Thaís, à Monalisa e tantas outras mulheres que ouvimos, e que retomamos como
mote do fazer analítico, o “ter uma vida normal” seria uma aposta que faríamos, dentro das
anormalidades que a singularidade carrega, assim como alguém apontou para estas mulheres
tantas impossibilidades para si mesmas e suas crianças, nós apostaríamos em seus filhos através
de um novo olhar para os mesmos, em alguma autonomia possível e no restabelecimento desse
laço fragilizado pela nomeação de outrem. O que sustenta a práxis psicanalítica é o desejo do
analista, que movimenta ao rigor teórico-técnico e ao cuidado em sustentar uma escuta atenta
aos inúmeros recortes e atravessamentos do sujeito que se coloca diante dele. Corroboramos
Ferreira e Vorcaro (2019) que:
Se no campo da psicanálise um psicanalista não recua frente ao autista e seu olhar não
se reduz às descrições fenomenológicas afetas ao saber psiquiátrico, tampouco
condena o autismo como causa genético-hereditária que fixa para essas crianças um
destino e uma suposição de vítimas frente ao que incide de fora, sobre elas, retirando-
as da suposta passividade do que as aprisiona – as questões do tratamento restam
problemáticas (p.21).
O que nos interessa é o sujeito, na medida em que é feito pelo discurso, enquanto
analistas, devemos nos colocar à altura desse sujeito da enunciação, à medida em que não nos
ocupamos do saber, nem da consciência, mas do desejo do Outro e de sua fala (Lacan, [1967]
2006), aqui se forja o desejo do analista. Se o discurso não para, portanto, suporta giros – assim
88
como o sujeito – não devemos nos paralisar diante dos enigmas colocados por outros modos
de se haver com o atravessamento no mar da linguagem.
89
39
Da participação nos projetos aqui mencionados surgiram resumos expandidos e banners para congressos e
simpósios, um artigo publicado em revista Qualis B2 e um capítulo de livro a ser lançado ainda em 2023.
91
40
Para saber mais sobre a construção do pensamento do “fazer aldeia” acessar: Corrêa, H.C. da S; Batista, J.P.;
Lobato, S. M. C. Abrindo Espaços para Brincadeiras, Abrindo Espaços para Escuta: o trabalho psicanalítico em
ambulatório pediátrico. Revista Gênero na Amazônia. Universidade Federal do Pará/ GEPEM.
- n. 22 (jul./dez. 2022). - Belém: GEPEM, 2022. Disponível emhttps://periodicos.ufpa.br/index.php/generoamazo
nia/article/view/13475
92
que eles não tenham sido nosso foco principal inicialmente, os efeitos da escuta do sujeito
podem criar brechas na dinâmica institucional, promovendo mudanças no discurso dominante.,
ocasionando ressonâncias no laço com suas crianças, como observado principalmente no relato
de Marianne e Bruno, o desejo que circunda o laço entre os dois permite que Marianne siga
apostando que Bruno não seguirá a cartilha destinada às crianças “má comportadas”, também
observado no relato de Thaís, apostando que seu filho poderá estabelecer vínculos, ancorar-se
num futuro por vir.
O que se pode observar, a partir dos questionamentos feitos nesta dissertação, foi a
necessidade da incessante investigação sobre a importância da inserção do sujeito na linguagem
e da primordialidade desta função neste caminho, frisando aqui para futuros estudos mais
aprofundados o papel do objeto-voz como suporte para essa função: para além da sonoridade
da fala, os tropeços, a musicalidade, o jogo enunciado-enunciação que a voz inaugura são
também aspectos cruciais ao que devemos nos debruçar. Esta conclusão se torna então um
direcionamento para trabalhos posteriores, assim como a mordida da linguagem sempre deixa
um resto, aqui ofertamos um espaço aberto de discussão sobre essa temática tão complexa.
93
REFERÊNCIAS
ALBERTI, S. O bem que se extrai do gozo. In: Stylus: Revista de Psicanálise, Rio de Janeiro,
14. pp. 65-76. 2007.
BARBOSA, M.B.R; FERNANDES, F.D.M. Qualidade de vida dos cuidadores de crianças com
transtorno do espectro autístico. Ver Soc Bral Fonoaudiol. 14(3): 482-6, 2009.
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-
11682019000300018&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em Maio de 2023.
DOLTO, F. Seminário de Psicanálise de Crianças. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2013.
ELIA, L. Psicanálise: clínica e pesquisa. In: Clínica e pesquisa em psicanálise. Sonia Alberti
e Luciano Elia (orgs). Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2000.
ESPECTRO. In.: Dicio, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2022. Disponível
em: <https://www.dicio.com.br/espectro/>, Acesso em: 27 de abril de 2022.
96
FARIA, M. R Introdução à psicanálise de crianças: o lugar dos pais. São Paulo: Toro Editora,
2017b.
FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica (1950 [1895]). Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud – Vol. I. Imago, 2006.
FREUD, S. Um caso de histeria e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade ([1901] 1905).
Rio de Janeiro: Imago. p. 163-195. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas
de Sigmund Freud, 7), 1996.
FREUD, S. Sobre o início do tratamento. (1913a). In: Obras incompletas de Sigmund Freud
(vol. 6, pp. 121-149). Autêntica, 2017.
FREUD, S. As pulsões e seus destinos. 1915. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. --
(Obras Incompletas de Sigmund Freud; 2).
97
FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu (1923c) In: Obras Completas Vol 15 -
Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923). Tradução Paulo César de
Souza. Editora: Companhia das Letras. 2011.
FREUD, S. Além do princípio do prazer. (1920). Tradução de Renato Zwick. LP&M Editora,
2016.
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. (1905). In: Obras Completas. Trad. e
notas Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. b, v. 6.
FLORES, M. R; SMEHA, L. N. O bebê com risco de autismo: o não olhar do médico. Ágora
(Rio de Janeiro) v. XVI número especial abr 2013 141-157 Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982013000300010 acesso
em 06 de agosto de 2015
GOMES, J. E. C. et al. Seria o semblant esse outro lugar do corpo? In: Colóquio Buenos Aires
2016 - O corpo, esse outro lugar. Myriam Carrasco … [et al] - 1ª ed. multilíngue. Cidade
Autônoma de Buenos Aires: Marmol-Izquierdo Editores, 2017
JULIBONI, E. C. (1). O lugar da voz na clínica psicanalítica. Revista De Psicologia, 3(2), 99-
101. 2012. Recuperado de http://www.periodicos.ufc.br/psicologiaufc/article/view/128.
Acesso em julho de 2021.
LACAN, J. O Seminário, Livro 10: A angústia. (1962-63) Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
2005.
LACAN, J. O Seminário, Livro 16: De um Outro a outro (1968-69). Texto estabelecido por
Jacques-Alain Miller; tradução Vera Ribeiro; preparação de textos André Telles; versão final
Angelina Harari e Jésus Santiago. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
100
LACAN, Jacques. Seminário, livro 18: De um discurso que não fosse semblante. (1971). Texto
estabelecido por Jacques-Alain Miller; tradução Vera Ribeiro; versão final Nora Pessoa
Gonçalves; preparação de texto André Telles. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
LACAN, J. O Seminário, livro 24: L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre. (1976-77).
Inédito.
LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu. (1949). In: LACAN, J.
Escritos. Tradução Vera Ribeiro - Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
LACAN, J. O seminário sobre “A carta roubada” (1955). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998.
LACAN, J. A esquize do olho e do olhar. (1964a). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998.
LACAN, J. A anamorfose. (1964b). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LACAN, J. Alocuções sobre as psicoses da criança (1967). In: Outros Escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2003.
LACAN, J. Nota sobre a criança (1969). In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
LACAN, J. Radiofonia. (1970). In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
LACAN, J.A terceira. Tradução: Analucia Teixeira Ribeiro. Para circulação interna na Escola
Letra Freudiana. Roma, 1974.
101
LEFORT, R.; LEFORT, R. O nascimento do Outro (1980) (A. Jesuíno, trad.). Salvador, BA:
Fator, 1984.
LEFORT, R.; LEFORT, R. A distinção do autismo (2003). (A. L. Santiago & C. Vidigal,
trad.). Belo Horizonte, MG: Relicário Edições, 2017.
LIMA, Tiago de Moraes Tavares de; LERNER, Rogério. Contribuições da noção de pulsão
invocante à clínica do autismo e da psicose. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. São Paulo,
v.19, n.4, p.720-736. Dez. 2016. Disponível
em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
47142016000400720&lng=en&nrm=iso> Acesso em Novembro de 2020.
MAHLER, M. S. As psicoses infantis e outros estudos. (1955). Porto Alegre: Artes Médicas.
1983.
MALEVAL, J.-C. (2009) O autista e a sua voz. Trad. Paulo Sérgio de Souza Jr. São Paulo:
Blucher, 2017.
MAYES, R.; HORWITZ, A.V. DSM-III and the revolution in the classification of
mental illness. J Hist Behav Sci, n. 41, v. 3, p. 249-67, 2005.
NICOLAU, R. F. O que quer uma mãe? In: TEIXEIRA, L. C.; NICOLAU, R.F. Psicanálise &
políticas públicas: a construção do caso clínico em equipes de saúde mental e a garantia de
direitos fundamentais. Editora CRV, 2022.
PAVONE, S.; ABRÃO, L. V. Quando um déficit ou doença orgânica bate à porta do imaginário
parental. Distúrb Comum, São Paulo, 26 (2): 373-385, junho, 2014.
PORGE, E. Voz do eco. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2014. - (Coleção Terramar).
QUINET, A. O objeto causa do desejo. 2002. In: Um olhar a mais: ver e ser visto na
psicanálise. Rio de Janeiro - Editora:zahar.
https://www.bing.com/search?q=Do+autismo+nos+tempos+do+capitalismo+ao+sujeito+autista+d
a+psican%C3%A1lise&cvid=7f554c4bbea6493485a9274fd19666cf&aqs=edge..69i57.234j0j1&p
glt=2083&FORM=ANSPA1&PC=ACTS> Acesso em 22 de Fevereiro de 2023.
SCHWARZ, C.; MOSCHEN, S. A pulsão invocante e o abismo das origens: notas sobre a
música e o silêncio. Cad. psicanal. [Online]. 2012, vol.34, n.27 [citado 2021-07-20], pp. 153-
159. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
62952012000200009&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1413-6295. Acesso em Julho de 2021.
TEPERMAN, D. W. Do desejo dos pais ao sujeito do desejo. Estilos da Clínica, 4(7), 151-
158. 1999. Doi: <https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v4i7p151-158>. Acesso em 02 de
Jullho de 2023.
104
THERAPY REIMAGINATED. What’s New in the DSM-5-TR? An interview with Dr. Michael
B. First. Youtube, 28 de fevereiro de 2022. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=8qwUryz3dZ0. Acesso em 27 de abril de 2022.
VIDAL, E. A.; VIDAL, M. C. V. O que o autista nos ensina. Considerações sobre a alienação
e o autismo. 1995. In: O autismo. Letra Freudiana: Escola, Psicanálise e Transmissão. Ano
XIV - Nº 14, 1995.
VINHEIRO, V. Maternidade, função materna e feminilidade. 2013. In: Mãe menina mulher:
nomes do feminino. Revista da Escola Letra Freudiana. Ano XXXII, nº45, Rio de Janeiro:
7Letras, 2013.
VIVÈS, J.P. Para introduzir a questão da pulsão invocante. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund.,
São Paulo, v. 12, n. 2, p. 329-341, junho 2009
VINHEIRO, V. Maternidade, função materna e feminilidade. 2013. In: Mãe menina mulher:
nomes do feminino. Revista da Escola Letra Freudiana. Ano XXXII, nº45, Rio de Janeiro:
7Letras, 2013.
APÊNDICES
106