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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

JÉSSICA PINGARILHO BATISTA

NA SALA DE ESPERA: RESSONÂNCIAS DO DIAGNÓSTICO DE AUTISMO NA


RELAÇÃO MÃE-CRIANÇA E IMPORTÂNCIA DA ESCUTA PSICANALÍTICA NO
AMBIENTE AMBULATORIAL

BELÉM-PA
2023
JÉSSICA PINGARILHO BATISTA

NA SALA DE ESPERA: RESSONÂNCIAS DO DIAGNÓSTICO DE AUTISMO NA


RELAÇÃO MÃE-CRIANÇA E IMPORTÂNCIA DA ESCUTA PSICANALÍTICA NO
AMBIENTE AMBULATORIAL

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará
para obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Linha de pesquisa: Psicanálise: teoria e clínica
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Roseane Freitas Nicolau

BELÉM-PA
2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Pará
Gerada automaticamente pelo módulo Ficat, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

P653 Pingarilho Batista, Jéssica.


Na sala de espera: : ressonâncias do diagnóstico de autismo na
relação mãe-criança e a importância da escuta psicanalítica no
ambiente ambulatorial / Jéssica Pingarilho Batista. — 2023.
106 f.

Orientador(a): Profª. Dra. Roseane Freitas Nicolau


Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de
PósGraduação em Psicologia, Belém, 2023.

1. Autismo . 2. Psicanálise . 3. Diagnóstico. 4. Função


Materna. 5. Relação Mãe-Criança. I. Título.

CDD 616.8917
NA SALA DE ESPERA: RESSONÂNCIAS DO DIAGNÓSTICO DE AUTISMO NA
RELAÇÃO MÃE-CRIANÇA E IMPORTÂNCIA DA ESCUTA PSICANALÍTICA NO
AMBIENTE AMBULATORIAL

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará
para obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Linha de pesquisa: Psicanálise: teoria e clínica
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Roseane Freitas Nicolau

Data da Avaliação: 05/09/2023

Conceito: __________________

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Roseane Freitas Nicolau
(Orientadora – PPGP/UFPA)

___________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rosane Braga Melo
(Membro Externo – UFFRJ-RJ)

____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Izabella Paiva Monteiro de Barros
(Membro Interno – PPGP/UFPA)

____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Hevellyn Ciely da Silva Corrêa.
(Membro Interno – PPGP/UFPA)

BELÉM-PA
2023
Dedico esta dissertação à José de Oliveira
Batista, o “Seu Zé”, meu querido avô, à quem
prometi forças para iniciar esse processo; e à
Joáurio de Oliveira Batista, o “Show”, meu pai
e melhor amigo, a quem dedico a conclusão
deste sonho; foi em sua memória que encontrei
forças para alcançá-lo. A escrita desta
dissertação foi um elaborar de suas ausências e
permanecerá como uma ode às marcas que
imprimiram em minha vida.
AGRADECIMENTOS

Sou arquiteta das palavras, poeta, escritora, então deixo mover aqui agradecimentos
àqueles que circularam e trouxeram tecidos de fazer corpo à este trabalho.
Em primeiro lugar agradeço a mim mesma, deixando de lado atribuir a construção desse
trabalho e de todo meu percurso profissional à sorte, Deus ou qualquer elemento externo pura
e simplesmente. Esse trabalho é feito à muitas mãos, inclusive e principalmente, as minhas.
Mãos, suor, lágrimas e noites mal dormidas, muito trabalho, dedicação e desejo.
Agradeço à quem me ofertou o sopro da vida e fez daquele corpinho-expectativas um
corpo simbólico e desejante: aos meus pais, Joáurio e Alessandra que através dos investimentos,
financeiros e psíquicos, de seus encontros e desencontros me trouxeram até aqui. Aos meus
avós, Dona Áurea, e Seu Zé; Aos meus irmãos, José Carlos e Isabella por trazerem leveza aos
meus dias e escuta sensível nos momentos em que pensei em desistir.
Aos meus primos, que celebraram comigo tantas conquistas, tantos momentos de dor e
de alegria também, meu muito obrigada. Em especial aqui cito Tainara Lima (meu porto-
seguro) e Caio Corpes, que estavam comigo no dia que o edital saiu e acolheram meu luto
misturado com alegria. Lilian Batista, que com ou sem promessa, me impulsionou a abraçar
meus sonhos e não desistir.
Aos meus mestres-amigos, da minha escola preferida (“Sou toda vida Ideal”), que me
ensinaram não somente as figuras de linguagem, as nuances da botânica ou os fatos históricos,
me ensinaram também valores, o prazer que se pode extrair da vida e o valor da amizade. Cito
aqui os que estiveram também no momento mais difícil de minha vida, oferecendo um abraço
e palavras de conforto. Aos meus mestres da UNAMA, minha primeira casa-universidade,
onde fui fisgada pela pesquisa e pela clínica, indissociáveis por natureza. Em especial agradeço
à Lúcia Cavalcante, pela fala apaixonada pela psicologia e pela ciência. À Cristina Ferreira, que
me fez querer saber mais e me debruçar sobre os estudos psicanalíticos e também por me
auxiliar no caminho de valorizar o meu trabalho e parar de atribuí-lo à sorte. À Tatiane Santos,
por embarcar comigo em um trabalho de conclusão de curso que se finaliza e complementa
agora com esta dissertação. Obrigada pela sua orientação gentil e parceira. À Rosângela
Darwich, Elizabete Ribeiro, Cintia Lavrati e Elizabeth Levy, minhas supervisoras no projeto
Plantão Psicológico, onde aprendi tanto sobre os caminhos além que podemos tomar com nossa
escuta e a importância de dispositivos sociais, políticas públicas e nossa presença junto à
comunidade.
Aos professores do PPGP, em especial, minha orientadora querida, Roseane Nicolau,
que segue sendo inspiração e carinho. Obrigada por esse percurso, pelos momentos de afeto e
por me permitir ser livre para sustentar meu desejo por esta pesquisa. Leandro Passarinho,
coordenador e amigo (padrinho de casamento simbólico), por todo carinho e parceria desde o
primeiro dia de aula; Izabella Paiva, pelo carinho e pela leitura cuidadosa dessa dissertação,
pelo acolhimento e gentileza, obrigada por confiar no meu trabalho; Hevellyn Ciely,
supervisora, parceira de escrita e mais além, obrigada por toda orientação, direcionamento e
suporte durante o período em que trabalhamos no CASMUC, levo essa experiência com muito
amor e giros importantes no meu percurso acadêmico e profissional, assim como para a escrita
dessa dissertação.
Aos grandes amigos que fiz no costurar desse sonho que hoje se conclui: Lorena Bitar,
Marcela Solange, Bianca Leão, Carolina Oliveira, Ana Paula Baena, Amille Torres, Samantha
Lobato, entre muitos outros que acompanharam essa caminhada.
Aos amigos queridos que colhi durante o mestrado, desde que era ainda um sonho, ao
meu grupinho “Genealogia do Cansaço” (Letícia, Any, Larissa, Lucas) por serem incansáveis
em acolher, apontar caminhos e afeto. Levo vocês por toda a vida. À Débora Faro, Amanda
Brasil, Hellen Freitas, Marcela Maria, Lorena Bezerra, Vanusa Rego, Elizabeth, Daniela
Ponciano, Alana Krás, por todo apoio, leitura dos meus escritos e escuta das lamentações do
processo de pesquisa; Aos meus bravos companheiros de representação: José Amaral, André
Arruda e Joyce Brito, pela travessia e trabalho conjunto para fazer acontecer.
Ao meu companheiro, Alberto, a maior surpresa-presente que o mestrado pôde me
trazer, nenhuma palavra de agradecimento será suficiente para contemplar o que representaste
nesse percurso, fostes ombro, abraço, amor e suporte nesses dois anos. Obrigada por ler
cuidadosamente meus alfarrábios, por escutar incessantemente minhas apresentações, por me
acolher nas crises existenciais e pelo café com misto quente nas diversas tardes de trabalho. O
amor pelo saber fez nosso amor existir e ser construído, te agradeço por me ensinar a ser amada
e a ser feliz.
À minha analista, pela condução gentil e carinhosa, que me direcionaram a conseguir
concluir esse e muitos outros ciclos importantes e difíceis. Por se tornar desnecessária e
possibilitar minha autonomia de emergir.
Por fim, agradeço aos meus alunos, à todos que confiaram a mim as correções de seus
trabalhos, supervisões e orientações; às mulheres e crianças que escutei e acolhi nos projetos
que fiz parte durante e após a tecitura deste texto, por confiarem em minha escuta e caminharem
comigo neste trabalho que parece ser tão impossível: o de sustentar o desejo.
“Nunca tenha certeza de nada, porque a
sabedoria começa com a dúvida.”

(Sigmund Freud)
Batista, Jéssica Pingarilho. Na sala de espera: ressonâncias do diagnóstico de autismo na
relação mãe-criança e importância da escuta psicanalítica no ambiente ambulatorial.
Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Psicologia - Universidade Federal
do Pará, Belém, 2023.

RESUMO

Esta dissertação buscou investigar a ressonância do diagnóstico de autismo na relação mãe-


criança, destacando-se a possibilidade de que esta nomeação não se cole como uma marca
identificatória para o sujeito, configurando impasses ao olhar direcionado a esta, bem como o
giro discursivo que pode ocasionar; tendo como objetivos específicos: situar o conceito de
autismo desde o discurso médico - em seu entendimento dentro um espectro - em contrapartida
ao posicionamento teórico e ético psicanalítico; discorrer acerca do discurso materno sobre a
criança, considerando a primordialidade deste laço para a constituição de sujeito; e apontar as
possíveis ressonâncias no enlace destes discursos na criança, a partir dos atendimentos
realizados no Centro de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança (CASMUC), no projeto O
lugar da mulher na função materna: torções entre o feminino e o materno no cuidado à criança.
Metodologicamente, caracteriza-se como uma pesquisa teórico-clínica, em que os conceitos
investigados têm origem na teoria psicanalítica, desenvolvidos por Sigmund Freud (1895-1939)
e continuados em seus avanços com Jacques Lacan (1953-1980), assim como autores
contemporâneos. Aliados à proposta da escuta clínica realizada na universidade, são
entrelaçados fragmentos de quatro casos atendidos no CASMUC através do projeto, em busca
de proporcionar às mulheres a oportunidade de transformação por meio de sua própria fala, não
prometendo suprimir o insuportável, mas bordejar algum suporte singular, diante do não-saber
e do sintoma – como tantas falas, que giraram em torno do diagnóstico das crianças -, algo pode
ser contornado de outras maneiras, distintas das repetitivas e promotoras de sofrimento
psíquico. Compreendemos que é na relação individualizada, na escuta e na prática de cada
mulher em sua relação com o filho(a), no exercício diário e intermitente dos cuidados
atravessados por um ou mais diagnósticos, que foi possível trabalhar como um espaço de
promoção da saúde psíquica, criando também uma rede de apoio. Sem oferecer uma visão
romantizada da maternidade, nem prometer uma escuta que exclua o desconforto inerente à
relação entre o sujeito e o Outro.

Palavras - chave: Autismo, Psicanálise, Diagnóstico, Função Materna, Relação mãe-criança


Batista, Jéssica Pingarilho. In the waiting room: resonances of the diagnosis of autism in the
mother-child relationship and the importance of psychoanalytic listening in the outpatient
setting. Master's Dissertation of the Graduate Program in Psychology - Federal University of
Pará, Belém, 2023.

ABSTRACT

This dissertation sought to investigate the resonance of the diagnosis of autism in the mother-
child relationship, highlighting the possibility that this nomination does not serve as an
identifying mark for the subject, configuring impasses when looking at this, as well as the
discursive turn that can cause; having as specific objectives: to situate the concept of autism
from the medical discourse - in its understanding within a spectrum - in contrast to the
psychoanalytic theoretical and ethical positioning; discuss maternal discourse about the child,
considering the primordiality of this bond for the constitution of a subject; and point out the
possible resonances in the connection of these discourses in the child, based on the care
provided at the Women and Children's Health Care Center (CASMUC), in the project The place
of women in the maternal role: twists between the feminine and the maternal in child care.
Methodologically, it is characterized as theoretical-clinical research, in which the concepts
investigated have their origin in psychoanalytic theory, developed by Sigmund Freud (1895-
1939) and continued in his advances with Jacques Lacan (1953-1980), as well as contemporary
authors . Allied to the clinical listening proposal carried out at the university, fragments of four
cases treated at CASMUC are intertwined through the project, in an attempt to provide women
with the opportunity for transformation through their own speech, not promising to suppress
the unbearable, but to provide some support singular, in the face of not knowing and the
symptom – like so many statements, which revolved around the children's diagnosis -,
something can be overcome in other ways, different from the repetitive ones that promote
psychological suffering. We understand that it is in the individualized relationship, in listening
and in the practice of each woman in her relationship with her child, in the daily and intermittent
exercise of care crossed by one or more diagnoses, that it was possible to work as a space for
health promotion psychic, also creating a support network. Without offering a romanticized
vision of motherhood, nor promising a listening that excludes the discomfort inherent in the
relationship between the subject and the Other.

Keywords: Autism, Psychoanalysis, Diagnosis, Maternal Function, Mother-child Relationship


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 12
a) Circunscrevendo (Im)possibilidades....................................................................... 17
b) Método e procedimentos......................................................................................... 18
CAPÍTULO I - DO AUTISMO AO TEA: O PERCURSO HISTÓRICO DO
CONCEITO DE AUTISMO E SEUS PARÂMETROS DIAGNÓSTICOS.................. 22
1.1 Posições discursivas da Psicanálise em relação ao autismo................................... 34
CAPÍTULO II - O ESTATUTO DE SUJEITO NO AUTISMO:
METAPSICOLOGIA DA ENTRADA NA LINGUAGEM............................................ 44
2.1 Função Materna, o alicerce da constituição psíquica.............................................. 45
2.2 Considerações sobre a identificação, instauração do traço unário e as operações
de alienação e separação.......................................................................................... 51
2.3 A sereia (en)canta: articulação entre os objetos pulsionais a primordialidade da
voz como objeto....................................................................................................... 57
CAPÍTULO III - NA SALA DE ESPERA: DESLIZAMENTOS DISCURSIVOS E O
TRABALHO DO PSICANALISTA EM AMBULATÓRIO...................................... 68
3.1 Instante de ver: quando algo não vai bem............................................................... 71
3.2 Tempo para compreender: os giros discursivos convocados pela escuta................ 79
MOMENTO DE CONCLUIR: CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................... 89
REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 105
APÊNDICES....................................................................................................................... 107
Apêndice I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.......................................... 108
12

INTRODUÇÃO

De antemão gostaria de introduzir esta dissertação tendo como ponto de partida a


mobilização inicial, a qual contornou e impulsionou à investigação da teoria e clínica do
autismo e suas particularidades. Minhas indagações acerca desta temática iniciaram após uma
experiência pessoal enquanto estava no Ensino Médio. Em uma aula atípica, uma professora
pediu alguns minutos para falar sobre sua angústia por seu filho, à época com 5 anos, ter
recebido o diagnóstico de autismo. A partir desta devolutiva, essa mãe passou a elencar diversas
impossibilidades que vislumbrava para seu filho, naquele momento, principalmente focadas nas
dificuldades de comunicação e criação de vínculo.
É importante circunscrever o laço de afeto estabelecido nesta relação professora-aluna,
a admiração existente, o estranhamento diante de sua angústia e a enumeração destas
impossibilidades vislumbradas para aquela criança. Em busca de investigar do que se trata nesta
relação após o advento do diagnóstico, realizei uma investigação durante a graduação e tive
oportunidade de escutar mães e pais de crianças diagnosticadas como autistas. Este primeiro
ensaio de pesquisa impulsionou meu percurso de estudos e vivência clínica, ancorados na teoria
psicanalítica, e verteu na problemática desta dissertação, na qual busco traduzir as questões
suscitadas desta incidência do diagnóstico no laço mãe e filho. De que maneira esta nomeação
pode trazer impasses nesta relação? Quais fantasias se criam para estas mães diante do advento
do diagnóstico? Poderia o diagnóstico dificultar o investimento sobre essa criança?
Esta inquietação permaneceu após a graduação, e levou à minha inserção no projeto A
clínica do sujeito na instituição pública de saúde: prática, ensino e pesquisas no tratamento do
autismo e outros problemas do desenvolvimento realizado no Ambulatório de Desenvolvimento
do Hospital Universitário Bettina Ferro de Sousa (HUBFS) - da Universidade Federal do Pará,
sob a coordenação da Prof.ª Dr.ª Roseane Freitas Nicolau. O ambulatório oferece atendimento
clínico a crianças diagnosticadas ou em processo de diagnóstico de problemas congênitos,
neurológicos ou genéticos, cognitivos e comportamentais, além de questões que envolvem a
constituição de sujeito, a base das relações afetivas da criança com o outro semelhante, em
especial o autismo, a psicose infantil, TDAH, entre outros (Nicolau, 2019). No âmbito do
projeto é ofertada escuta aos pais ou responsáveis pelas crianças, o que possibilitou a articulação
do problema de pesquisa desta dissertação e a posterior coleta de dados, uma vez que permitiu
a escuta dos pais ou responsáveis aliada à observação da dinâmica das crianças na
brinquedoteca do hospital. Inicialmente, pensou-se neste projeto como local da coleta de dados
e oferta de escuta para as mães que acompanhavam suas crianças, porém, diante das
13

impossibilidades 1 acarretadas pela pandemia da COVID -19 no funcionamento da rotina do


hospital, a coleta de dados foi realizada em conjunto com o Projeto O lugar da mulher na função
materna: torções entre o feminino e o materno no cuidado à criança, coordenado pela Prof.ª
Dr.ª Hevellyn Ciely da Silva Corrêa desde o ano de 2022, situado no Centro de Atenção à Saúde
da Mulher e da Criança (CASMUC), que tem como objetivo investigar os ideais de maternidade
e a experiência vivida pelas mães de crianças usuárias do serviço de atendimento do CASMUC,
buscando relacionar a feminilidade e a maternidade enquanto ideal social e vivência real destas
mulheres, bem como, oferecer escuta às mães como suporte às possíveis angústias e desamparo
diante do recebimento do diagnóstico de suas crianças (Côrrea, 2022).
Tendo situado a mobilização inicial para esta pesquisa, localizamos que a formulação
das respostas para as indagações que permearam esta dissertação teve como escopo a teoria
psicanalítica da constituição do sujeito, salientando a compreensão lacaniana de inconsciente
estruturado como linguagem e a instauração do circuito pulsional. Concebido em uma trama
simbólica na qual é capturado, o sujeito é falado pelo outro e se aliena aos seus significantes e,
por isso, o que vem do campo do Outro o afeta em sua constituição (Lacan, 1953/1954; Lacan,
[1960]1998).
Para refletir sobre as questões que envolvem a constituição do sujeito em psicanálise é
fundamental situarmos o conceito de Pulsão, que diferente do instinto, compõe-se pelas marcas
da linguagem no corpo, arrancando-o da condição biológica para torná-lo um corpo erógeno,
pulsional, marcado pelo Outro da linguagem. Assim, a psicanálise pensa a constituição de
sujeito como implicada com este corpo em sua relação com a entrada na linguagem, atravessado
por impulsos, sensações, marcado pelo Outro - que, à princípio, é encarnado pela mãe. Esta
função vem possibilitar a entrada da criança no laço social. Dito isto, destacamos a importância
da função materna, na constituição do sujeito. É ela que vai mediar a relação do infans com seu
corpo e com o campo do Outro. Portanto, a mãe, na sua função, traz as palavras fundadoras que
envolvem o sujeito e o constituem. Ou seja, as coordenadas dessa constituição atravessam o
campo materno - embora não seja suficiente, pois há outro determinante próprio ao campo
paterno que permitirá a articulação simbólica da lei -.
O foco desta dissertação foi pensar de que modo as mães são afetadas pelo diagnóstico
de autismo e como isso pode refletir na constituição de sujeito, frisando a importância que a
fala de uma mãe sobre seu filho reverbera no modo como este se alienará 2 na linguagem; seja

1
Estas impossibilidades e a metodologia serão esmiuçadas nos tópicos a) e b).
2
A alienação é a primeira operação de constituição do sujeito e será tratada no Capítulo 2, onde será desenvolvida
a discussão sobre a constituição de sujeito.
14

esta fala referente ao filho fantasiado, ideal, o bebê perfeito esperado na gravidez, ou ao filho
real, que confronta estas idealizações.
Muitas são as expectativas geradas diante da iminência de tornar-se pai ou mãe, antes
inclusive da gravidez, ou seja, a criança esperada é idealizada de acordo com os desejos de seus
pais, seus anseios sobre o futuro e a vivência da parentalidade. É muito difícil para os pais serem
confrontados com uma possível limitação, deparar-se com a criança real. Além da dificuldade
dos pais, os significantes que acompanham o diagnóstico têm efeitos de significação que,
conforme Pavone e Abrão (2014) enunciam que: “um distúrbio de funcionamento orgânico
pode tornar-se um entrave à constituição e, tornar-se o único traço pelo qual a criança será
reconhecida pelos pais” (p.375). Confrontar-se com alguma limitação não somente significa
precisar de uma reorganização imaginária e simbólica do exercício da parentalidade desta
criança (Pavone; Abrão, 2014), mas também se deparar- com uma sociedade que a cada dia
mais enaltece a eficiência, enunciando uma “representação social que atrela o atributo do feio
ao deficiente” (Smeha, 2010, p.16).
No que se refere às limitações existentes no autismo, há, segundo Guzman (et al, 2002),
uma ruptura interna na família, com a presença de sentimentos como medo e constrangimento
diante do desconhecido que envolve este dito transtorno, e, em consequência disto, a incerteza
quanto ao futuro e desenvolvimento da criança, principalmente no que condiz à sua autonomia.
À respeito das crianças que convivem com alguma afecção orgânica - seja em razão de
complicações no parto ou afecções hereditárias – podemos considerar, a partir dos atendimentos
realizados no ambulatório do Hospital Bettina Ferro, que para além dos marcadores fisiológicos
e uma sintomatologia observável, padecem de algo que poderá se interpor em sua constituição
como sujeito; em relação aos chamados Transtornos do Desenvolvimento 3, apesar de possuírem
marcadores classificatórios e critérios descritivos – no que se refere ao diagnóstico
médico/psiquiátrico -, encontram embaraços em sua constituição cujas causas não possuem
origem orgânica determinada, mas que reverberam como enigmas aos profissionais da saúde,
da educação e aos seus cuidadores, suscitando fantasias em torno destes impasses subjetivos.
À medida em que o nosso objetivo é indagar como o diagnóstico de autismo pode
ressoar na relação mãe-criança, impõe-se conhecer sua pré-história, anterior inclusive à
concepção, pois as fantasias dos pais em relação aos seus filhos antecedem a chegada do bebê
real. Para alcançar este objetivo, além de criar dispositivos de inclusão e tratamentos
terapêuticos para a criança, se torna crucial oportunizar espaços de escuta para seus pais,

3
Este conceito será discutido no Capítulo I.
15

indispensável na compreensão de sua constituição de sujeito e consequentemente na elaboração


da direção do tratamento. No que concerne à proposta desta dissertação, oportunizou-se que as
mães pudessem encontrar espaço para dar vazão à fantasias que circulam a rotina de
atendimentos e as particularidades, no caso a caso, do sofrimento psíquico que atravessa suas
subjetividades enquanto cuidadoras. Reconhece-se que é esta dimensão de escuta que se faz
fundamental para tentar costurar uma resposta aos questionamentos que surgem ao depararmos
com o enigma que o autismo endereça, enquanto modo de representação da linguagem. Diante
disto, este objetivo nos leva a pensar nos desdobramentos do diagnóstico no vínculo mãe-
criança, o que ocasionou no aparecimento de algumas questões: que efeito de sentido esta
resposta diagnóstica pode acarretar ao oferecer uma nomeação: autismo/autista? Quais
reverberações se produzem no estabelecimento do laço entre a mãe e a criança?
Desde a descrição de Kanner (1943), a psicanálise se interessa por investigar o autismo,
a partir do questionamento do lugar do sujeito além da patologia, deslocando a ênfase genética
e comportamental do autismo e a fim de direcioná-la para o campo das perturbações da
linguagem. O saber da medicina difere do saber da psicanálise, entre outras coisas, porque a
primeira busca analisar as manifestações sintomáticas como produto de disfunções orgânicas,
para detectar o melhor procedimento de cura, enquanto a segunda, analisa as manifestações
sintomáticas como resultado da trama simbólica tecida no inconsciente, apropriando-se de uma
concepção de corpo não dissociada do psiquismo. Isso supõe a escuta das tramas simbólicas
implicadas na constituição do sujeito e o modo como este vem a se posicionar frente ao Outro,
após sua inserção no campo da linguagem, bem como os efeitos desta sobre o corpo,
considerando que o inconsciente seria a soma dos efeitos da fala sobre o sujeito, na medida em
que este se constitui a partir dos significantes que vêm do campo do Outro (Lacan, [1964]1985).
Embora haja discordâncias entre as concepções do autismo no interior da teoria
psicanalítica, há, segundo Ribeiro, Martinho e Miranda (2012), ao menos um ponto em comum
entre elas, que seria a “tentativa de recobrar a primeira significação do termo “autismo” em sua
ligação com o sexual” devolvendo o Eros ao autoerotismo, afirmando a existência de um caráter
originário sexual, ou seja, pulsional na constituição autística (p.81). Abordaremos os principais
autores que se debruçaram sobre a clínica do autismo e as diversas posições discursivas da
psicanálise, desde sua inclusão no campo das psicoses até as formulações sobre a estrutura,
entrada na linguagem e constituição de sujeito. Alguns autores referem-se ao autismo no plural,
devido as diferentes formas de se manifestar. Trata-se de uma maneira delicada e pontual de
poder se referir à singularidade inquietante de cada sujeito em contraponto à generalização da
16

subjetividade que a categorização nosográfica acarreta. Os DSM’s constituem-se, no nível da


fenomenologia, naquilo que se observa dos sintomas.
A partir do exposto, indagamos, com a psicanálise, sobre as angústias e fantasias que
podem emergir após o dado concreto do diagnóstico e o impacto no desenvolvimento da
criança. Esta dissertação, portanto, surgiu da detecção da necessidade de se investigar a relação
mãe-criança após o advento do diagnóstico de autismo, destacando-se a possibilidade de que
esta nomeação não se cole como uma marca identificatória para o sujeito, ao considerarmos
que para advir como sujeito desejante é imprescindível que haja um Outro que aposte, evoque
e erotize e que esse investimento se distorce diante do discurso congelante que o diagnóstico
pode vir a sobredeterminar.
Os conceitos aqui articulados nos deram pistas para dissolver alguns dos
questionamentos levantados. Através da compreensão psicanalítica da constituição de sujeito,
pudemos pensar como este pode ser afetado pelos ditos vindos do Outro, bem como, a entrada
do sujeito no campo da linguagem, a importância da função materna como pilar desta
constituição para delimitar a função dos responsáveis pelos primeiros investimentos psíquicos
direcionados às crianças – aqui encarnados na figura da mãe -, e também as incidências e
possível ruptura que o diagnóstico pode vir a causar neste laço tão primordial ao sujeito.
Tendo estas conjecturas como norte a ser seguido, nesta investigação foram traçados os
seguintes passos para o trabalho: no primeiro capítulo discorremos acerca do percurso histórico
do conceito até suas classificações em manuais, que, como veremos, muitas vezes podem ser
apressados ou generalizantes; no segundo capítulo foi abordada a compreensão psicanalítica do
autismo, enquanto um modo singular de se haver com a linguagem, sempre em espera e em
busca de apreender as diversas facetas que ancoram a constituição subjetiva; no terceiro
capítulo, a partir da compreensão da psicanálise sobre a relação mãe e criança, indagou-se as
questões que se colocam para as mães 4 de crianças enquadradas no espectro autista, dentro do
recorte dos atendimentos realizados no ambulatório.
Desta maneira, propomos como objetivo geral desta dissertação a discussão sobre como
o diagnóstico de autismo pode incidir na relação mãe e criança, configurando impasses ao olhar
direcionado a esta, bem como o giro discursivo que pode ocasionar; tendo como objetivos
específicos: situar o conceito de autismo desde o discurso médico - em seu entendimento dentro
um espectro - em contrapartida ao posicionamento teórico e ético psicanalítico; discorrer acerca
dos giros discursivos da mãe sobre a criança, considerando a primordialidade deste laço para a

4
Em virtude de observarmos que a maior parte dos acompanhantes das crianças nos serviços públicos serem mães,
madrastas e avós, nos referiremos aos responsáveis da criança utilizando as palavras mãe, mães etc.
17

constituição de sujeito; e apontar as possíveis ressonâncias no enlace destes discursos na


criança, a partir dos atendimentos realizados no CASMUC, no projeto O lugar da mulher na
função materna: torções entre o feminino e o materno no cuidado à criança. Corroborando
com essa compreensão, ofertamos não somente uma investigação teórica para contribuir com o
engrandecimento científico e a transmissão da psicanálise, mas a correlação entre teoria à
prática para possibilitar dispositivos clínicos para que mais sujeitos tenham acesso à escuta de
qualidade, que direcionem novas articulações para além de suas patologias se faz
imprescindível quando falamos de um compromisso ético do profissional que sustenta sua
prática pela psicanálise.

a) Circunscrevendo (Im)possibilidades.

Antes de traçar o percurso metodológico, o primeiro passo de uma investigação


psicanalítica é situar o que nos impulsiona à escolha do objeto, de maneira a situar que as
questões que envolvem nossa problemática se posicionam num terreno além da pura
curiosidade científica. Não apenas os desdobramentos psíquicos, mas o contexto sócio-histórico
e político tem influência em seu caminhar.
Dito isto, esta dissertação foi construída em um momento de dificuldades e incertezas
em razão de uma pandemia mundial. O surgimento e rápido alastre da COVID-19 colocou em
questão não apenas nossas angústias sobre nossa própria existência, mas também ecoou no fazer
científico, pondo em suspensão, anulando ou trazendo barreiras para o andamento de diversos
estudos em variados campos.
Quanto aos desdobramentos da pandemia do coronavírus, a impossibilidade de seguir
uma metodologia aplicada à prática se colocou diante de nós com a suspensão das atividades
dos projetos da universidade num momento inicial do mestrado, assim como, a necessidade de
repensar os objetivos, hipóteses e possíveis direcionamentos que teriam de ser feitos.
Reformular uma dissertação pensada para intervenção e escuta em um espaço foi um desafio.
Desta forma, nesse momento de suspensão e incertezas do que estava por vir, da incógnita que
flutuou sobre nós, invisível e devastadora, se fez necessário sermos criativos e desejantes.
No segundo ano do percurso do mestrado foi possível retornarmos às atividades
presenciais, assim retomando à rotina de atendimentos realizados no hospital. Embora o plano
de trabalho tenha se mantido similar, na prática, as atividades situaram-se na realização de
atendimentos breves na sala de espera, com a oferta de escuta para as mães que acompanhavam
seus filhos em suas rotinas de tratamento; e na observação e criação de atividades lúdicas com
18

as crianças enquanto aguardavam seus atendimentos. Por esta razão, os atendimentos foram
realizados também no Centro de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança (CASMUC), nos
mesmos moldes de atendimento em sala de espera, sala de aula específica para atendimento
individual e brinquedoteca improvisada para observação das crianças. Tratando-se de projeto
inseridos em um serviço ambulatorial, não há agendamento prévio aos atendimentos e
acompanhamento à médio e longo prazo, embora exista uma sala de atendimentos individuais
disponível para uso após oitivas na sala de espera. Trabalhamos com a articulação dos
atendimentos realizados na sala de espera, nos corredores do Hospital Bettina Ferro e do
CASMUC, com recortes e reverberações do que foi possível escutar das mães, visando ofertar
este espaço de escuta de seus anseios, fantasias e vivência de suas maternidades.
A atuação do psicólogo em ambiente ambulatorial se delineia por rotinas que escapam
ao trabalho clássico, nos havendo com buscativas – buscas ativas –, escutas realizadas em
corredores, escadas e salas de espera e, quando possível, um espaço sigiloso. É preciso
reinventar o trabalho conforme as possibilidades e limitações dos espaços em que nos
inserimos. A psicanálise se localiza desde seus primórdios como condição de
possibilidades, portanto, realizar uma investigação psicanalítica é indagar-se sobre os objetos
que nos movimentam. Em meio a esse momento, tornou-se uma maneira de resistência e
subversão do caos, condição de possibilidades para aprimorar conhecimentos, mas também de
seguir criando questões que possibilitem assim sustentar o desejo e o saber como motor de
mudanças.

b) Método e procedimentos

Considerando, com Luciano Elia (2000), que “um princípio metodológico de pesquisa
pode então ser claramente formulado sob a forma dedutiva, através de premissas, hipóteses
derivadas e, em vez de conclusões, perguntas cuja formulação circunscreve os problemas
cruciais a serem investigados” (p.32), atribuiu-se à esta dissertação o caráter de uma
investigação psicanalítica teórico-prática, visando situar premissas e conceitos previamente
discutidos e questionar sobre os possíveis direcionamentos clínicos que podemos supor e
apostar para aprimorar a teoria e a prática psicanalítica.
Os conceitos investigados têm origem na teoria psicanalítica, desenvolvidos por
Sigmund Freud (1895-1939) e continuados em seus avanços com Jacques Lacan (1953-1980),
assim como autores contemporâneos, aliados à proposta da escuta clínica realizada na
19

universidade. Sônia Alberti (2010) compreende que a pesquisa psicanalítica interroga a questão
do saber, considerando que seja decorrente de estudos bibliográficos ou clínicos, assim:

uma pesquisa psicanalítica na universidade subverte o próprio termo da pesquisa


enquanto clínica, por definição. Pois essa pesquisa já não seria o lugar para um
trabalho em transferência - o da psicanálise propriamente dita -, mas um lugar em que
a transferência de trabalho permite persistir na produção da psicanálise como discurso
que subverte - em recuo - o discurso dominante (Alberti, 2010 p. 124).

O que se pretende numa pesquisa psicanalítica não é encontrar soluções e respostas


generalizantes acerca de determinado fenômeno, mas sim, investigar as possibilidades que o
sujeito possui de manifestar, de acordo com sua constituição de sujeito, os caminhos de sua
subjetividade, portanto, a pretensão com esta investigação foi a de tentar bordejar as
ressonâncias que o diagnóstico de autismo pode ter, suscitando novos questionamentos e
propondo possibilidades de intervenção no espaço universitário, que oportunize escuta e
acolhimento para os usuários do serviço ofertado no Hospital Bettina Ferro de Sousa e no
Centro de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança (CASMUC). Lacan (1959-1960) observa
que “se há uma ética da psicanálise - a questão se coloca -, é na medida em que, de alguma
maneira, por menor que seja, a análise fornece algo que se coloca como medida de nossa ação
- ou simplesmente pretende isso” (p.364). Pode-se inferir que a ética da pesquisa em psicanálise
corresponde a ética do desejo, do analisante enquanto objeto de pesquisa – e pesquisador de um
saber sobre si – e do analista como pesquisador. Com isso, a intenção consiste em construir um
saber que possibilite responder às questões levantadas, questionando e correlacionando sempre
a teoria e a prática.
Compreende-se com Elia (2000) que:

toda pesquisa em psicanálise, é portanto, uma pesquisa clínica, porquanto o modo pelo
qual o saber em questão será produzido e obedecerá, pelas mesmas razões, a lógica
do saber inconsciente, implicará a transferência e será elaborado a partir da instalação
do dispositivo, interditando, por exemplo, que uma hipótese conceitual prévia à escuta
venha a ser colocada à prova experimental [...] pesquisa que visa a saber, mas sem
partir de um saber previamente estabelecido (p.24).

Quanto aos procedimentos teóricos, num primeiro momento, revisitou-se o conceito de


autismo desde o surgimento do termo até os Manuais Classificatórios (DSM-V e DSM-V-TR),
colocando em contraponto a compreensão psicanalítica embasada nos textos de Sigmund Freud
(1895-1939), Jacques Lacan (1953-1980) e autores contemporâneos; para, posteriormente,
ponderar a importância do laço mãe-criança como estrutural para a constituição do sujeito, e
por fim, entrelaçar esses conceitos com fragmentos da minha escuta em minha vivência nos
projeto de pesquisa vinculados à universidade.
20

Foi realizada uma pesquisa em bibliotecas e nas bases de dados virtuais, e outros, para
fazer o levantamento bibliográfico das obras (livros, artigos, revistas, capítulo de livros e
outros) que tratam do tema em questão. Esse material foi selecionado de acordo com os
objetivos da pesquisa e sua pertinência para a mesma. Utilizando um protocolo de registro de
leitura (fichamento) para retirar as informações pertinentes referentes a cada obra consultada e
realizar a confecção da dissertação, tanto no que se refere à parte descritiva e de processamento
dos conceitos, quanto à parte de análise, articulação e correlações dos conceitos entre si no
interior da teoria psicanalítica.
Quanto a parte clínica do projeto, foi inicialmente planejada para ser articulada aos
atendimentos realizados no projeto A clínica do sujeito na instituição pública de saúde: prática,
ensino e pesquisas no tratamento do autismo e outros problemas do desenvolvimento o qual
tem como foco direcionar as pesquisas realizadas pelos alunos de graduação e pós-graduação
em três dimensões do sujeito: o sintoma, o corpo e os laços sociais, desenvolvido no hospital
universitário Bettina Ferro - localizado na Universidade Federal do Pará - desde 2014,
coordenado pela Profª Drª Roseane Freitas Nicolau, ofertando atendimento clínico às crianças
diagnosticadas ou em processo de diagnóstico de autismo, assim como seus pais/responsáveis.
O projeto tem como foco direcionar as pesquisas realizadas pelos alunos de graduação
e pós-graduação em três dimensões do sujeito: o sintoma, o corpo e os laços sociais.
Compreendendo que esta pesquisa propõe articular a questão do autismo a partir do enlace
desses aspectos, esta se torna importante como instrumento de contribuição para a manutenção
e aprimoramento do projeto, assim como, para ofertar a escutaolhar psicanalítica aos usuários
deste serviço. O trabalho desenvolvido no Hospital Bettina Ferro de Sousa, a partir deste
projeto, também objetiva dialogar com a clínica médica em prol do desenvolvimento de práticas
que englobam o sujeito, para elaboração de políticas públicas hospitalares que sejam efetiva.

Aliar pesquisa bibliográfica e escuta clínica, situando-se numa direção que pode vir a
complementar os estudos nesta área, pois visa alcançar a dimensão do sujeito, dando
importância àquilo que ele tem a dizer acerca de si mesmo. Considerando-se que é na
clínica que se alcança o homem em sua subjetividade, esta dimensão da escuta é
fundamental para compreender o fenômeno em questão (Nicolau, p.2019).

Refletindo sobre o entrelace da pesquisa aliada à escuta clínica, esta interface se


direciona a somar aos estudos já existentes, visando alcançar e dar importância ao sujeito e seu
dizer sobre si. Essa experiência inicial direcionou o interesse ao atendimento das mães que
acompanhavam as crianças em suas consultas, sendo o primeiro contato que realizei com a
prática da escuta em sala de espera, assim, possibilitou a formulação do problema de pesquisa
21

que norteou a escrita da dissertação, bem como auxiliou a circunscrever o projeto, dando
abertura para os caminhos que a experiência no mestrado revelou.
Em razão das intercorrências da pandemia na dinâmica de funcionamento do hospital, a
articulação prática se deu através dos atendimentos realizados no projeto O lugar da mulher na
função materna: torções entre o feminino e o materno no cuidado à criança, o qual tem como
foco as articulações entre feminino e maternidade a partir da escuta a mulheres que
acompanhavam seus filhos e filhas em um ambulatório de desenvolvimento infantil, para tanto,
foram realizados atendimentos individuais em sala reservada para tal ou em sala de espera, onde
questões como o impacto do diagnóstico das crianças e a rotina de tratamentos emergiam na
fala das mulheres, considerando-se a singularidade de cada fala. O trabalho desenvolvido no
CASMUC, a partir deste projeto, objetiva dialogar com a clínica médica em prol do
desenvolvimento de práticas que englobam o sujeito, para elaboração e políticas públicas
ambulatoriais que sejam efetivas. Refletindo sobre o indissociável da pesquisa aliada à escuta
clínica, esta interface se direciona a somar aos estudos já existentes, visando alcançar e dar
importância ao sujeito e seu dizer sobre si. A aplicação do método clínico em um ambulatório,
onde as demandas têm implicações para os indivíduos envolvidos - desde os acompanhantes
até o próprio paciente, assim como a equipe de saúde -, demonstra uma concepção distinta de
"clínico" em comparação ao seu uso na medicina e em outras áreas da saúde. Nesse contexto,
consideramos não apenas o cuidado e o acompanhamento das queixas, mas também como
elas podem gerar sofrimento psíquico. No que se refere ao público alvo deste projeto, o
sofrimento físico e psíquico das crianças também desencadeia angústia nas mães (Corrêa,
2022).
Por se tratar de um projeto de pesquisa, dedicou-se atenção às mulheres através da
elaboração de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual constam os
objetivos do projeto, e as convidamos para sua participação e consentimento do uso de dados
para as pesquisas realizadas no contexto do projeto, garantindo-lhes o sigilo, com as devidas
modificações de nomes pessoais quando de qualquer exposição de casos. Além disso, devido
à natureza da pesquisa envolvendo seres humanos, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Federal do Pará, através da Plataforma Brasil. Desta maneira,
os protocolos exigidos pela ética em pesquisa com humanos foram cumpridos. Ao adotar o
método psicanalítico como guia para uma escuta ética do desejo também se estabelecem os
acordos e vínculos necessários para o trabalho. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em
Pesquisa através do CAAE: 53062921.9.0000.0018.
22

CAPÍTULO I
DO AUTISMO AO TEA: O PERCURSO HISTÓRICO DO CONCEITO DE AUTISMO
E SEUS PARÂMETROS DIAGNÓSTICOS.

O autismo é objeto de estudo há mais de um século, desde o surgimento do termo


cunhado por Plouller em 1906 como item descritivo do sinal clínico de isolamento (Ministério
da Saúde, 2013). Desde então inúmeras investigações sobre o tema começaram a ser produzidas
no campo da psiquiatria e em diversos campos da ciência, fazendo avançar o conhecimento
sobre esse problema do desenvolvimento infantil.
Em 1911, o termo foi mencionado pelo psiquiatra Eugen Bleuler como uma das
características observadas em pacientes esquizofrênicos. Bleuler entende o mundo irreal do
sujeito esquizofrênico como autista, ou seja, há uma atitude do indivíduo de se retirar para um
mundo interno, que Bleuler relaciona com a perda do contato com a realidade exterior e com o
evitamento e negação dessa mesma realidade (Durval, 2011). Portanto, por muito tempo o
autismo estava atrelado a um termo psiquiátrico que se referia à tendência do esquizofrênico de
se colocar em um mundo alheio ao que lhe cercava.
A palavra autismo surge como uma contração de autoerotismo, termo que foi definido
por Havelock Ellis (1899 apud Freud, [1914] 2004) e retomado por Freud para designar o modo
de satisfação em que o sujeito toma uma parte do próprio corpo ou a totalidade dele como objeto
sexual (Freud, [1905] 2016). Maria Anita Carneiro Ribeiro (2012) relata sobre uma carta de
Jung a Freud, de 13 de maio de 1907, em que se revela que Bleuler discordava da existência de
fatores da sexualidade infantil na gênese das doenças mentais, se recusava a empregar o termo,
subtraindo Eros do autoerotismo, assim, cunhando o neologismo: autismo. Em 1911, Bleuler
insere o autismo em série com outros distúrbios típicos da esquizofrenia, considerando-o como
perda do contato com a realidade (Ribeiro, 2012).
O psiquiatra austríaco Leo Kanner (1938-1943), anos mais tarde, desenvolveu uma
pesquisa clínica que seria demasiadamente significativa para a compreensão das psicoses
infantis e como resultado descreveu a nosografia de uma nova síndrome: o autismo precoce
infantil. Após o trabalho de Kanner, o autismo deixa esta categorização de tipo de esquizofrenia
para sintoma principal de uma síndrome, a qual seria aplicável às crianças que apresentassem
isolamento autístico extremo desde o início da vida (Tafuri, 2003). A partir da observação
clínica de 11 crianças consideradas “idiotas” ou esquizofrênicas, Kanner (1943) descreve este
novo quadro psicopatológico como Distúrbios Autistas Inerentes ao Contato Afetivo, e o
compreende como a incapacidade de estabelecer contato com o meio. Embora houvesse
23

semelhança com a esquizofrenia, devido à perda de contato com a realidade característica,


Kanner (1943) diferencia as duas patologias em razão do isolamento afetivo e desapego ao
ambiente apresentarem-se precocemente no distúrbio por ele postulado e acreditava que estas
crianças seriam acometidas por um distúrbio do contato afetivo, no qual estariam imersas desde
os primórdios de suas vidas, dificultando suas trocas socioafetivas com o outro e gradualmente
ficando imersas, reclusas, em seus próprios mundos interiores. A nosografia proposta pelo
psiquiatra, ao final de seu estudo, incluía a investigação mais aprofundada das relações
matrimoniais e relacionais primordiais das crianças, porém considerava a existência de um
elemento inato que se tornaria impasse para a maneira que as crianças se dirigem ao mundo:

Devemos, então, assumir que essas crianças vieram ao mundo com inata inabilidade
para travar contato afetivo normal, biologicamente fornecido, com pessoas, da mesma
forma que outras crianças vêm ao mundo com inatas deficiências físicas ou
intelectuais. Se essa conjectura for correta, um novo estudo de nossas crianças poderá
ajudar-nos a fornecer critérios concretos relativos a noções ainda difusas sobre os
componentes constitucionais da reatividade emocional. Por hora parece que temos
exemplos de pura cultura sobre distúrbios autistas inerentes ao contato afetivo
(Kanner, 1943, p.250.) 5

Com o advento do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), o


autismo, que inicialmente era compreendido como uma característica de outros transtornos -
como a esquizofrenia - passou a ser organizado dentro de um conjunto de condições similares
denominadas Transtornos Globais (ou Invasivos) do Desenvolvimento (TGD). Foram
denominados os Transtornos do Espectro do Autismo, que englobam o Autismo, a Síndrome
de Asperger e o Transtorno Global do Desenvolvimento sem Outra Especificação, como parte
dos TGD (Brasil, 2013, p.14). A partir de sua quinta edição (DSM – V), o manual inclui o
autismo num espectro, onde se descrevem diversas características específicas para a realização
desse diagnóstico (American Psichiatric Association, 2013). A palavra espectro, conforme sua
definição no dicionário, supõe uma aparência incorpórea, fantasmagórica 6, sem vida, como a
subtração de Eros por Bleuler (1911), implicando uma generalização que desvaloriza o aspecto
singular de cada caso. A partir dessa inserção do autismo num espectro, já não se denomina
singularmente, mas sim como “autismos 7”.
Segundo o psicanalista Éric Laurent (2014) em seu livro A batalha do autismo, essa
nova classificação teria relação com o aumento significativo do número de crianças

5
Tradução livre feita pela autora.
6
(Dicio, 2022)
7
Aqui demarcamos a diferença entre a utilização do plural “autismos” para definir um amplo espectro em que há
enumeração sintomatológica que busca uma generalização patológica e diagnóstica; e a utilização para apontar a
subjetividade de cada caso, conforme a práxis psicanalítica propõe.
24

diagnosticadas a cada ano, uma vez que a ampliação das formulações sobre suas causas e
tratamento, assim como sua conceituação, permitiram incluir um maior número de crianças
favorecendo um crescimento exponencial de diagnósticos 8. A dificuldade que permeia a
questão do diagnóstico pode ser mais um fator que se relaciona ao aumento do número de
crianças enquadradas com algum grau de comprometimento autista. De acordo com o autor,
embora houvesse poucos estudos epidemiológicos sobre o tema à época que sua investigação
foi publicada, estimava-se que o número de crianças autistas, a partir da perspectiva do DSM-
5, tenha aumentado em 10 vezes pouquíssimo tempo após seu lançamento em maio de 2013,
em comparação aos últimos 20 anos que precederam este manual (Laurent, 2014).
Um estudo recente realizado com 12.554 pessoas no período de 2019 a 2020, revelou
uma mudança significativa nos dados epidemiológicos dos diagnósticos de autismo. O estudo
revelou que a prevalência de autismo nos Estados Unidos é de 1 a cada 30 crianças e
adolescentes entre 3 e 17 anos (Li; Li; Liu, et al, 2022). Este estudo foi publicado em 5 de julho
de 2022, até esta data, a prevalência mais atual divulgada era o estudo feito pelo CDC (Centro
de Controle e Prevenção de Doenças 9) - órgão governamental dos Estados Unidos, considerado
um dos mais relevantes do mundo -, com dados referentes aos anos 2000-2018, que apontava
uma prevalência de 1 a cada 44 crianças (Maenner; Shaw; Bakian, et al, 2018), a principal
diferença entre os estudos é que o CDC avalia crianças de 8 anos e o novo estudo, feito pelo
Departamento de Pediatria da Universidade de Ciência e Tecnologia da China, considerou
crianças e adolescentes entre 3 a 17 anos. No Brasil não há dados epidemiológicos exatos sobre
a prevalência do autismo na população, estima-se que haja por volta de 2 milhões de autistas
no Brasil, o que representa 1% da população (Marques, c2023), em 2022, o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu na realização do Censo Demográfico 10 perguntas
sobre a presença de pessoas diagnosticadas nas residências entrevistadas (Folhabv, 2022) 11,
estes dados não foram divulgados até a finalização da escrita desta dissertação. Dados
epidemiológicos são importantes para refletirmos sobre este aumento exponencial da
prevalência do autismo entre crianças e adolescentes e sobre a forma que estes diagnósticos se
realizam, sempre levando em conta a crítica necessária a essa profusão diagnóstica.

8
Exponencial de acordo com a definição: “Relacionado com expoente, número que assinala o valor pelo qual uma
quantidade é elevada” (Dicio, 2022). Podemos refletir aqui sobre um discurso virulento, em que o diagnóstico se
espalha como um vírus, atingindo um maior número de crianças à medida que a compreensão acerca dos critérios
diagnósticos se modifica.
9
Tradução livre feita pela autora.
10
Levantamento de dados estatísticos habitacionais realizado, em média, de 10 em 10 anos (IBGE, c2023).
11
Inclusão devido à sanção da Lei 13.861/19, que obrigava o IBGE a inserir perguntas sobre o autismo no Censo
de 2020, em decorrência da pandemia da Covid-19, as perguntas foram incluídas no Censo 2022 (Marques,
c2023).
25

Em 18 de março de 2022, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) lançou o DSM-


5-TR, uma versão revisada do DSM-5 (2013). A atualização referente ao campo do autismo diz
respeito à necessidade de se encaixar em todas as subcaracterísticas da dificuldade de
comunicação social, continuando a considerar duas esferas sintomatológicas e três graus de
severidade. Em uma entrevista dada para o The Modern Therapist’s Survival Guide 12, o
psiquiatra Michael First enfatiza a mudança de critérios em uma base contínua de estudos, e
cita a inclusão do Transtorno do Luto Prolongado como exemplo de afirmação de que esse novo
manual é clinicamente mais relevante. Ao citar as mudanças que o diagnóstico de autismo
sofreu, apontou para a relação entre o aumento de casos e os critérios considerados a partir do
DSM-V e a inclusão do autismo num espectro. Em função dessas mudanças, nos dias atuais,
pessoas adultas têm recebido diagnósticos tardios de autismo, ou ainda, tem se
autodiagnosticado segundo os itens classificatórios descritos nos manuais de psiquiatria. Ainda
de acordo com First, nessa mesma entrevista, os critérios desse texto revisado são mais
“conservadores”, para evitar um “sobrediagnóstico” e “banalização” do autismo, na tentativa
de evitar que os critérios diagnósticos levem a uma abertura da interpretação por parte dos
médicos, através de critérios quantitativos e objetivos de maneira listada, mais protocolar, numa
tentativa de construir um algoritmo diagnóstico. Os manuais de transtornos mentais são
catalogados de forma descritiva, sem explicação teórica e desprovidos de qualquer dimensão
científica, numa perspectiva “a-teórica”, ou “desorientada”, como compreendem Oliveira e
Neves (2012, p.129):

são as estatísticas que agrupam fenômenos em um ou outro diagnóstico e, novamente,


estamos em um campo de exclusão do sujeito. O contexto dessas práticas está mais
alinhado a uma perspectiva utilitarista e menos uma perspectiva propriamente
científica. Nesse sentido, esses métodos tomam o conceito de ciência como
equivalente de eficácia, e o de eficácia como sinônimo de utilidade. E mais, tomam o
sujeito como algo a ser objetivado, cientificamente, se esquecendo que, por definição,
um sujeito ‘se estabelece quanto ao direito e não quanto ao fato, por isso ‘observar’ o
sujeito, busca-lo na objetividade, é não querer encontra-lo (Miller, 1998b, p.234).
Com efeito, a partir desta perspectiva, a direção do diagnóstico fica condicionada a
uma simples questão de métodos que medem competências e que se adequariam
pseudocientificamente à realidade ou, mais precisamente, a uma dada concepção de
normatividade.

Entretanto, ao observarmos que há uma pressuposição orgânica e uma categorização de


sintomas, que são atravessadas por esta perspectiva utilitarista que objetifica e reduz o sujeito
à sua afecção, podemos afirmar que existe uma orientação biologizante que serve de barema 13

12
Podcast apresentado por Katie Vernoy e Curt Wildham, terapeutas norte-americanos.
13
“Conjunto de quadros ou de tabelas numéricas que traz os resultados de determinados cálculos” (Dicio, 2022,
n.p.). A palavra aqui compreendida em relação a um conjunto de critérios de avaliação acompanhados de sua
26

para realizar diagnósticos. O olhar médico, e em especial da psiquiatria - que toma como
bússola o modelo norte-americano de realizar diagnósticos - , para a problemática do autismo
possui um caráter exclusivamente de catalogação de sintomas, o que caracteriza um paradoxo
quando se leva em conta a diversidade de características que cada criança autista pode
apresentar, razão do enquadre do autismo em um espectro.
Diferente do proposto por Leo Kanner (1943), que produziu elaborações sobre o autismo
a partir de observações clínicas e da escuta dos pais, atualmente, a psiquiatria se fundamenta
em descrições classificatórias que consideram a hipótese de fatores biológicos como
desencadeadores do transtorno. Em função disso, verifica-se ano a ano, uma nosografia cada
vez maior e mais fragmentada, na tentativa de dar conta das variações fenomênicas (Azevedo,
2011, p.28-29). No que se refere à execução deste diagnóstico feito à luz dos DSM’s,
inicialmente indagamos os critérios estabelecidos para a utilização destes instrumentos. Com
que intuito o DSM foi criado e como é utilizado?
O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais surge, segundo Dunker
e Neto (2011) a partir “dos sistemas de coleta de recenseamento e estatísticas de hospitais
psiquiátricos e de um manual desenvolvido pelo Exército dos Estados Unidos com a finalidade
de seleção e acompanhamento de recrutas e das vicissitudes surgidas no contexto da guerra”
(p.614). O primeiro manual oficial da American Psychiatric Association (APA) foi o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-I), publicado em 1952 e baseava-se
numa compreensão psicodinâmica, principalmente ancorado nos estudos de Adolf Meyer 14.
Tanto este manual inicial (DSM-I) como seu subsequente (DSM-II), compreendiam os
sintomas como reflexo de uma dinâmica que advinha de condições ou reações à problemas da
vida cotidiana, manifestações simbólicas que só poderiam tornar-se manifestas a partir da
exploração da história individual de cada um. Os esquemas destes manuais não forneciam
esquemas de classificação elaborados, por partirem deste pressuposto de que “os sintomas
evidentes não revelavam entidades da doença, mas disfarçavam conflitos subjacentes que não
podiam ser expressos diretamente” 15 (Mayes; Horwitz, 2005, p.250).
Em sua terceira edição, há um ponto de virada na compreensão psiquiátrica da natureza
da doença mental. Se anteriormente o diagnóstico passava a ter um papel quase coadjuvante na
compreensão do sujeito, a partir da publicação do DSM-III, em 1980, a psiquiatria abandonou

respectiva pontuação, fazendo alusão ao checklist das sintomatologias e graus de comprometimento que a criança
pode apresentar segundo os manuais diagnósticos.
14
Psiquiatra Suíço, presidente da Associação Psiquiátrica Americana e das mais influentes figuras da psiquiatria
na primeira metade do século XX (Brittanica, 2022).
15
Tradução livre feita pela autora.
27

seu paradigma intelectual e passou a adotar um sistema de classificação totalmente novo, em


que o diagnóstico se torna “a pedra angular da prática médica e da pesquisa clínica” (Goodwin;
Guze,1996 apud Ibid., p.250). Nesta edição, o DSM enfatiza categorias de doenças,
estabelecendo uma análise dicotomica (normal x patológico) e não mais considera as dimensões
sintomáticas e os atravessamentos psíquicos, culturais, comportamentais e sociais. Para Mayes
e Horwitz (2005), uma explicação para essa mudança e o sucesso do DSM-III na comunidade
científica é causado, pois “seus defensores equiparam suas classificações com objetividade,
verdade e razão” (p.250), atribuindo o saber científico, ou o saber médico, à um conhecimento
factual, sendo passível de generalizar os aspectos sintomáticos outrora compreendidos a partir
de uma teoria que considerava a subjetividade.
Em sua 5ª edição, revisitada, o atual Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM–V-TR, 2022) 16, abarca o autismo dentro dos distúrbios do
neurodesenvolvimento, denominado de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), analisando
em dois grupos: A. Déficits relacionais e B. Déficits Comportamentais, citando como critérios
diagnósticos cinco itens dispostos nos tópicos 17 a seguir (p. 56-57):
A. Déficits persistentes na comunicação e interação social em múltiplos contextos,
manifestado pelos seguintes elementos, atualmente ou pela história:
1. Déficits na reciprocidade social-emocional, variando, por exemplo, desde a
abordagem social anormal e falência na conversação “vai-e-vem”; a partilha reduzida
de interesses, emoções ou afetos; a incapacidade de iniciar ou responder a interações
sociais.
2. Déficits de comportamentos não-verbais utilizados para interação social, variando,
por exemplo, a partir de comunicação verbal e não-verbal mal integrada; a
anormalidades no contato visual e linguagem corporal ou déficits na compreensão ou
uso de gestos; a uma total falta de expressões faciais e comunicação não-verbal.
3. Déficits no desenvolvimento, manutenção e compreensão de relações, variando, por
exemplo, desde dificuldades de ajustes do comportamento para atender diversos
contextos sociais; a dificuldades no compartilhamento do jogo imaginativo ou em fazer
amizades; a ausência de interesse em grupos.
B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, como
manifestado, por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou pela história:

16
Versão mais atual do manual
17
Tradução livre feita pela autora
28

1. Movimentos motores, uso de objetos ou discurso estereotipados e repetitivos (por


exemplo simples estereotipias motoras, alinhando brinquedos ou lançando objetos,
ecolalia, frases idiossincráticas).
2. Insistência na mesmice, adesão inflexível à rotina ou padrões ritualizados de
comportamento verbal e não-verbal (por exemplo angústia extrema em pequenas
mudanças, dificuldades com transições, padrões de pensamento rígidos, rituais de
cumprimentos, necessidade de tomar a mesma rota ou comer a mesma comida todos os
dias)
3. Interesses altamente restritos e fixados que são anormais em intensidade ou foco (por
exemplo, forte apego ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente
circunscritos ou perseverativos).
4. Hiper ou Hiporreatividade à estímulos sensoriais ou interesse incomum em aspectos
sensoriais do ambiente (por exemplo aparente indiferença à dor/temperatura, resposta adversa
a sons específicos ou texturas, cheiro ou toque excessivo de objetos, fascínio visual com luzes
ou movimento)
C. Os sintomas devem estar presentes no período inicial do desenvolvimento (mas
podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as
capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida).
D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo em áreas sociais,
ocupacionais, ou outras, importantes, de funcionamento atual.
E. Esses distúrbios não são melhor explicados por Deficiência Intelectual (transtorno do
desenvolvimento intelectual) ou Atraso no Desenvolvimento Global. A Deficiência Intelectual
e o Transtorno do Espectro do Autismo frequentemente co-ocorrem; Para fazer diagnósticos de
comorbidade de Transtorno do Espectro do Autismo e Deficiência Intelectual, a comunicação
social deve ser inferior ao esperado para o nível de desenvolvimento em geral.
Além dos itens supracitados, o Manual ainda fala da especificação da gravidade dos
sintomas, a qual é baseada “em deficiências de comunicação social e restrita, padrões
repetitivos de comportamento”, indicando um quadro explicando todas as especificidades
destas deficiências, além de indicações caso haja comorbidade, deficiências genéticas,
intelectuais ou de linguagem. (American Psichiatric Association, 2022, p.57). O que se pode
observar é que os prejuízos sociocomunicativos, os padrões estereotipados e restrição de
interesses são as principais características apresentadas como determinantes do espectro.
Segundo o manual, o autismo pode apresentar-se em três graus em que: o grau 1 demanda
suporte, grau 2 demanda suporte substancial e grau 3 suporte muito substancial e baseia essa
29

classificação de severidade a partir da intensidade com que se apresentam os sintomas descritos


acima.
Em O Livro Negro da Psicopatologia Contemporânea, Guillermo Izaguirre (2011),
responde ao questionamento sobre a utilidade dos DSM’s, abordando em sua crítica a edição
VI do manual, definindo-a em quatro tópicos: em primeiro lugar, a de “poder estabelecer
claramente, quando um psiquiatra recebe em tratamento um paciente, onde este pode ser situado
no mapa classificatório” (p.13), situando este paciente em um quadro sintomático passível de
prognóstico medicamentoso e, consequentemente, de cura. A segunda utilidade seria referente
à sua excelência enquanto auxiliar estatístico. Quanto mais fácil identificar em que lugar no
mapa classificatório se encontra o paciente, mais fácil organizar gráficos estatísticos da
epidemiologia e incidência de quaisquer doenças diagnosticadas. Com o surgimento dos DSM’s
tornou-se mais fácil padronizar sintomas e classificá-los segundo sua apresentação nos
pacientes, e então, a terceira utilidade do DSM de acordo com o pensamento do autor seria a
simplicidade de sua tarefa terapêutica na medida em que ao classificar em que ponto no mapa
classificatório encontra-se o paciente em questão, a dedução de seu tratamento é facilitada
(Izaguirre, 2011 apud Jerusalinsky; Fendrik, 2011). A quarta e última utilidade do DSM seria
o resguardo do lugar do médico enquanto possuidor de um conhecimento e ferramentas para
agir, nos quais o paciente deposita total credibilidade e confiança de sua própria vida.
As afirmações de Izaguirre e Fendrik (2011) trazem consigo uma reflexão sobre a
maneira que alguns médicos podem utilizar este instrumento para determinar seus diagnósticos,
muitas vezes apressado, assim como, estende o conceito de autismo incluindo-o num espectro,
o que causa a perda de sua especificidade. Se diversos comportamentos cognitivos que se
apresentem podem indicar um funcionamento autista, o aumento no número de casos
diagnosticados pode se justificar por essa suposta facilidade em detectar a sintomatologia que
os manuais descrevem. Na medida em que a criança apresenta os prejuízos na comunicação e
comportamento descritos, de pronto a suspeita da síndrome se coloca como fato, sem que se
questione sua subjetividade, amparando-se puramente no fenômeno apresentado. Os manuais
se restringem à catalogar os fenômenos sem preocupações em saber como surgem, como se
articulam entre si, principalmente qual função exercem. O diagnóstico por si não oferece
subsídios para dizer do sofrimento, o que viabiliza seu acesso é a escuta.
Éric Laurent (2014) discorre sobre a polêmica em torno das causas, afirmando que as
discordâncias teóricas, “não dizem respeito apenas ao peso relativo dos fatores inatos e
ambientais no desencadeamento do autismo; o que está em jogo é o localizar o fator-chave”
(pg. 17). A investigação de um gene causador do autismo é incessante, e o objetivo de encontrar
30

uma única causa específica está atribuída ao fato do diagnóstico do autismo ser essencialmente
clínico, em razão de não haver exames, evidências laboratoriais, que comprovem a origem
orgânica de seu surgimento, demandando uma objetividade e exatidão impossível, tendo em
vista o enorme leque de possibilidades e tipologias que o autismo evidencia.
Diante da ausência de marcadores que corroborem a hipótese da etiologia do autismo se
dar pela via neurobiológica, evidencia-se a fragilidade dos parâmetros diagnósticos propostos
pelos Manuais supracitados. Essa orientação diagnóstica pautada em causas orgânicas
consequentemente levará a encaminhamentos que corroborem com estes pressupostos, tais
como a especificidade do tratamento por parte de profissionais instrumentalizados a partir do
campo teórico comportamentalista e do método da Análise Comportamental Aplicada (ABA),
a qual segundo Camargo e Rispoli (2013, p.641) orientam sua intervenção na: “identificação
de comportamentos e habilidades que precisam ser melhorados” e a partir de “métodos
sistemáticos de selecionar e escrever objetivos para, explicitamente, delinear uma intervenção
envolvendo estratégias comportamentais exaustivamente estudadas e comprovadamente
efetivas”, buscando criar uma rotina comportamental para a criança. Não nos ateremos nesta
dissertação nas particularidades do método, porém é importante demarcar seus objetivos de
intervenção, que se ancoram na modificação dos comportamentos da criança em busca de
possibilitar sua vida “mais funcional”. Na direção oposta de sugestões e adaptações ambientais
e comportamentais, a psicanálise se coloca disposta à escuta do sujeito, em uma aposta que este
possa haver-se com a linguagem por uma outra via. Refletindo as diferenças existentes entre as
ciências, cada qual com sua visão de mundo e sujeito, as autoras afirmam que o olhar sobre o
paciente dependerá exatamente deste recorte que cada profissional possui do sujeito enquanto
objeto de trabalho.
No manifesto Position psychanalytique contre le dogmatisme appliqué à l’autisme 18
(Ansermet, et al, 2022), diversos psicanalistas franceses membros da École de la Cause
Freudienne e do Institut Psychanalytique de l’Enfant,, articulados no movimento La cause de
l’Autisme 19, respondem às críticas dos detratores da psicanálise, reforçadas pelas ações
governamentais e apoio da imprensa que replicam inverdades sobre a eficiência da psicanálise
enquanto método de tratamento do autismo, assim como, criticam a suposta cientificidade e
indicação direta e domínio das terapias cognitivo-comportamentais (TCC) como método
reconhecido e validado. Corroborando com o manifesto, pontuando que as causas do autismo
seguem elusivas, sem marcadores biológicos que a determinem, portanto, considera-se que suas

18
Posição psicanalítica contra o dogmatismo aplicado ao autismo (tradução livre feita pela autora).
19
A causa do autismo (tradução livre feita pela autora).
31

causas sejam multifatoriais e que, bem como a origem do autismo não se localiza em seus genes,
seu tratamento também deve transcorrer por outros instrumentos além da adequação de
comportamentos e medicação. A medicalização tem efeitos sobre a subjetividade da criança e
enclausura suas saídas para construção de um saber sobre seu sofrimento.
Restrepo (2012) discorre sobre a aliança da ciência contemporânea com a lógica
capitalista e sua influência sobre psiquiatria e psicologia. Na busca por dar respostas, resultados
rápidos e eficientes, objetivos e concretos, que correspondam ao ideal do imediatismo
capitalista, as teorias comportamentalistas e os medicamentos se tornam aliados à manutenção
deste funcionamento. Segundo a autora, as terapias comportamentalistas cumprem os requisitos
da “ciência” por também balizarem sua prática a partir de manuais que verificam, medem e
generalizam, “oferecem à criança e a sua família, de mão da psiquiatria, um coquetel de
medicamentos com a finalidade de deixar os autistas ‘mais normais, mais adaptados’” (p.61).
Complemento com a reflexão de Kamers (2020), de que nesta lógica, o sujeito se reduz à
evidência científica, o que o desumaniza e desqualifica o lugar da palavra. Não se considera,
nestas terapias, a diferença entre um autista e o outro, pois o que se leva em consideração é o
conjunto sintomatológico e a nomeação que lhes identifica, em consequência, temos a tentativa
de trazer estas crianças para o mundo dos ditos “típicos”, para que performem comportamentos
adequados.
Este modelo de ciência médica em que é possível mensurar, categorizar e replicar os
fenômenos através de protocolos, se fortalece pela busca de uma verdade universal sobre o
sujeito, por uma resposta única que defina e direcione para os tratamentos que se adequam à
lógica mercadológica e de consumo. Os protocolos de tratamento, em que o check em um
número específico de sintomas que se apresentam numa determinada faixa etária é o ponto
argumentativo principal para categorizar um diagnóstico. O que nomeia, baliza o diagnóstico é
o protocolo. O que define o tratamento é o protocolo, que exclui a possibilidade que se opere
um vínculo terapêutico, bem como, impossibilita espaços de construção de saber sobre como
aquele diagnóstico irá ressoar para cada criança e seus familiares. O tratamento protocolar
extingue qualquer possibilidade de a transferência operar, neste sentido, é este o diferencial da
escuta psicanalítica: quebrar os protocolos em prol do sujeito, que é quem detém o saber sobre
seu sofrimento.
Refletindo sobre o potencial que o diagnóstico pode ter como efeito de sentido, nos
deparamos com a figura do médico, como ocupante de uma posição de saber para/sobre o
sujeito, sendo responsável pela dor do doente, tendo o reconhecimento deste. O doente faz um
apelo, um pedido de ajuda, um saber sobre seu corpo e suas afecções. O médico pode ocupar
32

um lugar de substituto para as reedições transferenciais do sujeito e uma posição no imaginário


social de poder e saber inquestionáveis. Freud ([1901] 1905/1996), postula o conceito de
transferência como o conjunto destas reedições, reproduções das moções e fantasias, que no
decorrer da análise podem se tornar conscientes. Em contrapartida a um saber depositado no
sujeito, o tratamento psicanalítico faz emergir o sujeito a partir da transferência, que o levará a
elaborar o saber sobre si mesmo, não oferece respostas como o médico. Na relação médico-
paciente, o saber do sujeito é suprimido, tendo o médico o poder de deciframento e direção do
tratamento das patologias corporais. Na contramão desta compreensão, em uma análise, o
sujeito demanda um saber sobre seu sofrimento ao analista, porém, Freud ([1901] 1905/1996,
p.111) afirma que “quando se penetra na teoria da técnica analítica, chega-se à concepção que
a transferência é uma exigência indispensável. Na prática, pelo menos, fica-se convencido de
que não há nenhum meio de evitá-la”, portanto, o tratamento psicanalítico não cunha a
transferência, mas a revela, e o analista a opera.
Considerando com Freud (1904[1905] 2017, p.57) que o método psicanalítico por si só
“cria indicações e contraindicações”, ou seja, questiona-se em prol de não se reduzir à nenhuma
determinação, podemos inferir que o objetivo de uma análise – e de uma investigação que se
apoie em seus conceitos – não vislumbra nenhum determinismo ou inferência sobre o sujeito.
O que irá direcionar o fazer analítico é a transferência: “a arma mais poderosa de resistência”
(Freud, [1912b] 2017), que nos leva à desistências, dúvidas, impasses, inibições ao mesmo
passo em que movimenta, circula o desejo e o agir.
Reduzir a complexidade que envolve o autismo à uma categorização fenomenológica
significa ignorar a subjetividade do indivíduo, sua história de vida, relações sociais e familiares,
assim como seu lugar de sujeito, é buscar uma determinação impossível diante da diversidade
de características apresentadas por estas crianças pela necessidade de se categorizar e
normatizar uma forma singular de estar no mundo. A partir do entendimento de que o autismo
não passa pela questão da aprendizagem, não possui um padrão estabelecido, mas trata-se de
uma maneira do sujeito se servir da linguagem para o laço social, ainda que sem endereçamento
à priori, Maria Isabel Tafuri (2003) relata como aprendeu com as crianças com quem conviveu,
durante seu estágio com Maud Manonni em Bonneuil 20, a buscar olhar para as capacidades,
conquistas e proezas destas crianças, independente do diagnóstico recebido como um desafio a

20
École Expérimentale de Bonneuil-sur-Marne, escola experimental, hospital dia e lar terapêutico, fundada por
Maud Manonni em 1969 para oferecer acolhimento - um lugar de vida - para pacientes psicóticos jovens, crianças
e adolescentes, visando à supressão de hospitais asilares, bem como, acolhimento às suas famílias (Ecole de
Bonneuil, c2023)
33

ser aceito: “A patologia delas não precisava ser evidenciada, nem tampouco discutida. Enfim,
eu tinha aceitado o desafio de Bonneuil, simplesmente acompanhar e cuidar das crianças”
(Tafuri, 2003, pg. 53).
É preciso distinguir os limites entre cada discurso profissional, a hierarquização
existente entre os médicos e os analistas e a atual tendência de individualização dos
atendimentos oferecidos para que estas dificuldades se diminuam e cada vez mais exista um
atendimento interdisciplinar, em que cada profissional possa reconhecer a importância do outro
(Gueller; Rocha; Baptista, 2011). Portanto, cabe a cada profissional reconhecer “a legitimidade
de objetos que não coincidem com os seus, os pontos de cruzamento e os vetores que caminham
numa mesma direção [...] não tentar encampar todos os sintomas que o sujeito apresenta”
(Batista; Gueller; Rocha, 2011, p.89).
Devemos salientar que a intenção deste trabalho não é a de criticar os avanços da
medicina ou do estabelecimento de seus métodos e técnicas diagnósticas e de tratamento, mas
sim, questionar de que forma estes instrumentos tem sido utilizados através do tempo e as
consequências que o discurso científico, quando se torna engessado e não considera a
subjetividade de cada caso, pode patologizar e criar barreiras para a constituição subjetiva
destas crianças diagnosticadas, considerando que o diagnóstico, ainda que se trate apenas de
uma hipótese diagnóstica, pode ocasionar implicações na dinâmica familiar, escolar e social
destes sujeitos em constituição. Problematizar as diretrizes diagnósticas se faz necessário para
colocar em questão de que forma tem se construído este olhar para a psicopatologia em que se
predominam questões cognitivas e comportamentais, observáveis, em detrimento de aspectos
subjetivos, psíquicos e que se referem à posição do sujeito em relação ao Outro. Nas palavras
de Bernardino (2011):

Há objetividade na presença de um cérebro e no exercício de funções cognitivas [...]


já a questão da subjetividade, impossível de medir em termos químicos, genéticos ou
de neuroimagem, depende de um cálculo a partir de suas manifestações, depende de
uma interpretação, depende de uma teoria para interpretar (p.206).

Questionar estes baremas não significa o completo rechaço às hipóteses de causas


neurobiológicas, o que se questiona é a imposição desta causalidade que direciona o diagnóstico
e o tratamento para o apagamento do sujeito e de sua singularidade, numa generalização que
considera as manifestações da criança de maneira objetiva. O checklist sintomatológico pode
tornar mais simples a anamnese diagnóstica – considerando aqui o fator da demanda cada vez
mais alta da procura por um laudo nos serviços de atendimentos – assim como a detecção de
sinais precoces, e inclusive apaziguamento às angústias que as estereotipias, birras e o mutismo
34

podem causar, porém, a psicanálise considera esta listagem de sintomas insuficiente para
construir qualquer saber sobre esta criança, se distanciando de objetividades.
Em seu estudo sobre a formação e percepção do médico para atendimento de crianças
autistas, Flores e Smeha (2013) afirmam que os médicos entrevistados demonstraram
compreender o autismo enquanto um distúrbio exclusivamente orgânico, atentando à sinais
clínicos que são curáveis: “desse modo, para eles, é muito difícil admitir que algo escapou aos
seus conhecimentos, ou seja, o registro psíquico” (p.146). Flores e Smeha (2013) também
discorrem suas conclusões relacionadas acerca da realização do diagnóstico por parte dos
médicos entrevistados, inferindo que a dificuldade que os médicos encontram em realizar o
diagnóstico “seja o fato de que ele é guiado pelos aspectos clínicos, (...) Assim, o fato de não
haver exames que avaliem e mostrem as falhas que levam ao autismo parece ser angustiante
para os médicos” (pg.148). Parafraseando Kamers (2020), este “resto” não reconhecível do
psiquismo, a condição de sujeito da criança autista, se busca incluir no cerne da lógica
psicopatológica a partir de modificações: “do psíquico em cerebral, dos conflitos humanos em
alterações produzidas no sistema dopaminérgico, enfim, numa tentativa de transformação
daquilo que experimentamos hoje, sob o modo de limite, de estranheza ou de insuportável,
como patologia médica” (p.209).
Aquilo que escapa às objetivações é tamponado, silenciado com a medicação ou com a
tentativa de mudança de comportamento. O que se busca com estas afirmações não é pressupor
que o médico deve assumir um papel similar ao de um analista, mas sim demonstrar a
importância de o processo diagnóstico visar um atendimento multidisciplinar. Baptista, Gueller
e Rocha (2011) afirmam que os aspectos orgânicos não são priorizados em relação aos aspectos
psíquicos, de maneira que uma alteração orgânica pode ser uma resposta sintomática do sujeito,
ou seja, “pode ser consequência ou efeito de uma alteração orgânica ou funcional, mas também
pode ser uma resposta, num registro diferente, de algo que se passa no organismo” (p.88), sendo
o sintoma psíquico o resultado de uma tentativa de significar o que o sujeito vivencia.

1.1 Posições discursivas da psicanálise em relação ao autismo

No interior da teoria psicanalítica encontram-se diferentes posições discursivas sobre o


estatuto do sujeito no autismo. Antes de elencarmos cada uma delas, é importante frisar que
independente de encontrar uma resposta etiológica para o enigma do autismo, encontramos
como ponto comum a construção do laço de reconhecimento (ou não) entre a mãe e sua criança.
Desde os escritos dos pós-freudianos: Melanie Klein (1930), Margareth Mahler (1955), Bruno
35

Bettelheim (1987), Francis Tustin (1984), à posição de Jacques Lacan (1953/1954), a


psicanálise se ocupa em ampliar a discussão sobre os caminhos da constituição de sujeito para
que a intervenção – em tempo 21 – direcione a escuta de maneira a apreender deste enigma uma
questão que desvele um sujeito.
A primeira das perspectivas que iremos abordar é a que postula o autismo como uma
forma de manifestação da estrutura psicótica. Nessa visão, o autismo seria entendido como uma
tentativa de se proteger de um mundo que se tornou incompreensível e ameaçador, construindo
um universo particular e isolado.
Em 1930, Melanie Klein apresenta o primeiro caso bem sucedido de tratamento de uma
criança dita ensimesmada: o caso do pequeno Dick, um menino que apresentava fracasso no
uso da linguagem, sofrendo de uma angústia avassaladora, que se diferenciava das referências
clássicas existentes na época. Contrariando as afirmações sobre a impossibilidade do tratamento
destas crianças, utilizou da interpretação para analisar Dick, mostrando ser possível
“estabelecer um contato analítico e despertar o desenvolvimento” (Klein, [1903] 1996, p.249,
apud Januário; Tafuri, 2010, p.58). A partir da descrição clínica feita por ela sobre a
sintomatologia apresentada por Dick, concluiu-se que esta se assemelhava à síndrome descrita
anos mais tarde por Leo Kanner (1943).
No Seminário 1 - Os escritos técnicos de Freud ([1953/1954] 1979), Lacan realiza uma
releitura do Caso Dick, deste menino que não apresenta interesse em se fazer compreender, que
não se ocupa da palavra, não faz apelo, mesmo estando situado na linguagem, e o nomeia como
“mestre da linguagem” (p.102), mas que não fala, no nível da palavra: “literalmente, não
responde" (p.102); Lacan ([1953/1954] 1979) interroga a intervenção de Klein afirmando que,
efetivamente, a mesma introduziu a verbalização para o pequeno Dick, tornando possível uma
relação efetiva em que a criança faz um primeiro apelo verbalizado, ao perguntar sobre sua
babá. Os resultados positivos do tratamento de Dick fizeram com que Klein admitisse não haver
nenhum tipo de limitação ou obstáculo na análise precoce com crianças (Tafuri, 2003).
Na década de 70, Margareth Mahler, pediatra e psicanalista americana, apresenta a
compreensão de Autismo Normal e publica em diversos artigos sobre psicose infantil, sintomas
que não eram reconhecidos pela comunidade psiquiátrica (Tafuri, 2003). O ponto de vista de
Mahler sobre autismo é desenvolvimentista, ou seja, compreende a constituição do sujeito como

21
Como suscintamente colocado por Tânia Ferreira e Ângela Vorcaro (2019, p.102), a intervenção em tempo – ou
intervenção precoce – é o trabalho com bebês e crianças pequenas que apresentam riscos psíquicos, junto aos seus
cuidadores, no momento exato, “nem antes, nem depois: a tempo”, em vistas de reposicioná-las nas palavras
fundadoras que tecem sua constituição de sujeito. “[...] engendrando um sujeito, retirando-o da posição de objeto
falado (ou não falado) pelo Outro”.
36

“um acesso progressivo a estágios do desenvolvimento” (Azevedo, 2011, p.33) e considera que
o autismo seria “um desvio do curso habitual do desenvolvimento, devido a um fracasso na
relação do bebê com o objeto (a mãe)” (Ibid, p.33).
Mahler ([1955]1983) determina três estágios do desenvolvimento e afirma que a
criança, de maneira gradual, passa de um estado vegetativo onde depende simbioticamente da
mãe a um estado de separação individual (p.7). A primeira fase é denominada autismo normal,
que compreende o nascimento até o segundo mês de vida e parte do princípio que o ser humano
é imaturo organicamente para sobreviver e então, quem supre as necessidades do bebê é a mãe,
sem a qual não sobreviveria. A relação da criança com sua mãe nessa fase seria uma Simbiose
Social, em que o bebê possui um ego rudimentar que é incapaz de diferenciar sua realidade
externa da interna, tornando-o incapaz de obter subsídios de defesa contra os múltiplos
estímulos que recebe (Mahler, [1955] 1983, p.23-24). A mãe nessa fase possui um papel de
protetora contra tais estímulos e a partir dessa ação protetiva, o bebê se tornaria minimamente
capaz de diferenciar as duas realidades e iniciar sua “diferenciação do ego rudimentar
progredindo para a fase simbiótica” (Azevedo, 2011, p.34).
A segunda fase proposta por Mahler é a fase simbiótica, onde há a discriminação entre
self e não-self, que ocorreria em razão das “repetidas experiências de alívio de tensão no interior
do corpo” (Ibid., p.34), a partir das quais o bebê começa a tomar consciência que sozinho não
poderia proporcionar este alívio, compreendendo-se dependente de uma fonte externa a si para
tal. Nessa fase, mesmo que haja esse início de tomada de consciência, a diferenciação não está
completa e o bebê percebe as partes da mãe como se fossem suas, assim como a mãe
compreende o bebê como uma extensão de si.
A terceira fase é a de separação-individuação, momento que compreende desde o
primeiro ano aos três anos de idade, o qual é “crucial ao desenvolvimento do ego e às relações
de objeto” (Ibid., p.34), por romper esta dita simbiose existente entre a mãe e o bebê. “O
processo de separação-individuação supõe, então, a diferenciação, a formação de limites e o
afastamento da mãe. O desenvolvimento da relação objetal ocorreria paralelamente à
diferenciação do self” (Ibid., p.34). De acordo com o estabelecimento destas fases, a autora
acredita que o autismo seria uma fixação ou regressão a primeira fase, o Autismo Normal, onde
o problema estaria numa “deficiência básica do ego” (Mahler, [1958] 1983, p.61). Na
concepção da mesma, a mãe estaria ainda indiferenciada do self e em consequência disso, o
bebê se torna incapaz de realizar a diferenciação entre as realidades e as funde,
consequentemente, qualquer possibilidade de separação entre mãe e bebê seria uma ameaça.
37

No ano de 1944, Bruno Bettelheim criou o programa dedicado à Escola Ortogênica de


Chicago, internato no qual refutava o ideal organicista que cercavam as psicoses e o autismo e
também indagava acerca do tratamento psicanalítico destas afecções. Contrariava-se ao
pensamento inatista de Kanner e para ele, o autismo seria “uma reação de defesa em uma
situação extrema, que implicava para a criança uma ameaça de destruição” (Ribeiro; Martinho;
Miranda, 2012, p.81). A teoria de Bettelheim parte da ideia de Plenitude Primordial, fase onde
haveria simbiose social entre mãe e bebê, relação que ele denomina de “idade dourada”. A partir
desta ideia, elabora o conceito de Mutualidade: “ação combinada entre a mãe e o bebê, baseada
no interesse comum de ambos”. Tomando como exemplo a amamentação, a criança tem sua
necessidade de fome satisfeita pela mãe e esta, deseja aliviar o crescimento de seu seio
provocado pelo acúmulo de leite, assim, tanto o sugar do bebê, quanto o ato de amamentar da
mãe, agem em prol de uma satisfação recíproca, tanto física como emocional, processo este que
Bettelheim considera fundamental para o desenvolvimento do Eu. Ainda segundo este autor,
existem duas fases críticas no desenvolvimento da personalidade na infância, a primeira
consiste no momento em que o bebê consegue distinguir pessoas familiares e estranhos, assim
como as outras pessoas se tornam mais bem definidas, o seu Eu também se torna mais definido;
e a segunda fase, em que surgem a linguagem e a locomoção, a criança, portanto possui maior
controle sobre o mundo, física e intelectual, podendo decidir aproximar-se ou afastar-se de
alguém (Bettelheim, [1967] 2009).
De acordo com este pensamento, o autismo seria caracterizado a partir da fase crítica
em que foi desencadeado, podendo variar entre três graus: o mais grave sendo o marasmo
infantil, que ocorreria antes da primeira fase crítica, em que criança não obteria o
reconhecimento de pessoas familiares e desistiriam de agir. O segundo grau ocorreria na
primeira fase crítica, em que a criança não exerceria influência para obter satisfações oferecidas
pelo mundo, investindo no mundo interno, porém deixando de investir no mundo externo. O
terceiro e último grau ocorreria na segunda fase crítica, a criança, embora continuasse a agir,
age de acordo com seus processos psíquicos internos, não teria ações “eficazes para alterar a
realidade, pois estariam baseadas, apenas ou fundamentalmente, em seus ‘[...] desorganizados
processos psíquicos internos [...]” (Bettelheim, [1967] 2009, p.52).
As considerações de Bettelheim de uma certa frieza das mães, atribuindo-as a alcunha
de mães geladeira, até os dias atuais repercute de maneira equivocada aos que criticam a
psicanálise enquanto método efetivo de tratamento em casos de autismo. Os apontamentos de
Bettlheim colocam em questão o psiquismo dos pais e, como consideramos no início deste
capítulo, a discussão que busca uma culpabilização ou investigação sobre causas, origens,
38

tendendo à encontrar uma causa única, se torna improdutiva. Retomemos Laznik-Penot (1987),
ao considerar que nosso foco é encontrar respostas possíveis sobre o enigma do autismo, através
de uma intervenção em tempo que reestabeleça o laço entre o sujeito e a linguagem.
Em 1950, Frances Tustin, psicanalista inglesa, viajou para os Estados Unidos, onde teve
reconhecimento pelo trabalho realizado no Centro James Jackson Putnam 22 com crianças
autistas. Ao retornar a Londres, continuou a trabalhar com crianças autistas, tendo como base
diversas teorias, principalmente a psicanálise infantil kleiniana (Ribeiro; Martinho; Miranda,
2012).
Em 1984, Tustin publicou o livro Estados Autísticos em Crianças, um trabalho que pode
ser dividido em dois momentos distintos. O primeiro momento consiste em uma posição
assumida por Tustin em relação ao autismo, que ela descreve como um "estado de sensação
dominada e centrada no corpo, que constitui a essência do eu" (p.13). O segundo momento é
marcado pelo surgimento do conceito de autosensualidade, que representa uma fase inicial do
desenvolvimento em que os corpos da mãe e do bebê estão indiferenciados, e a criança está
alheia ao que a cerca, respondendo apenas às sensações corporais.
Segundo Aragão (2011, p.36), "o autismo é o estado em que a autosensualidade continua
em movimento, com a atenção focada quase exclusivamente em ritmos e sensações corporais",
conceito que se aproxima à ideia de autoerotismo de Freud. Para Tustin, a autosensualidade
precede o autoerotismo e, nessa fase, a criança a desenvolve por meio do contato de seu corpo
com o corpo da mãe, utilizando estímulos sensoriais, ritmos e vibrações provenientes desse
contato, os quais "protegem o bebê de experiências traumáticas resultantes de um encontro
prematuro com o mundo externo" (Aragão, p.36).
Aragão (2011) compreende o trabalho de Tustin em dois momentos também,
considerando que há Estados Autísticos: normal e patológico 23. O estado normal de autismo,
que para a autora denomina-se Autismo Primário Normal, seria uma fase inicial do
desenvolvimento. O Autismo Patológico seria caracterizado como a fixação ou regressão a esta
fase inicial de indiferenciação entre eu e não-eu (p.45). “Algo traumático ocorre durante a
experiência da separação, em que a criança não estaria preparada para se separar da mãe,

22
James Jackson Putnam Research and Treatment Center, localizado em Boston, Massachusetts. O centro
constava com uma unidade especial designada a estudar as necessidades de crianças autistas e seus familiares.
23
A autora desenvolve essa ideia desde a obra Autismo e psicose infantil de 1972. Aqui a opção por citar a obra
mais atualizada (de 1984) se deu ao fato de nela conter os avanços no pensamento de Tustin, incluindo a concepção
de autosensualidade. Na obra de 1972 Tustin se debruça sobre a descrição dos fenômenos autísticos, os objetos
autísticos e suas classificações de autismo patológico: Autismo Normal, Autismo Anormal, Autismo Secundário
Encapsulado (que caracterizaria o Autismo Infantil Primitivo descrito por Kanner em 1943, e colocando o último
tipo em similaridade com a esquizofrenia infantil, como Autismo Secundário Regressivo. Quanto aos dois últimos
tipos descritos, os situa enquanto quadros psicóticos.
39

designando uma ruptura prematura” (p. 36).O autismo seria causado por uma separação precoce
e traumática da mãe, que pode ser uma mulher deprimida, não conseguindo desse modo suportar
também a separação corporal entre ela e o bebê. Caracteriza-se por um estado de
encapsulamento e ausência da fala ou de qualquer forma de comunicação. As crianças autistas
se utilizam de objetos autísticos como manobra para tentar suportar a separação da mãe. Esses
objetos são duros e não maleáveis e a criança os manuseia de forma obsessiva e repetitiva sem
qualquer recurso à fantasia (Tustin, 1984). Há ainda a hipótese de que as crianças autistas se
protegem a partir de uma concha externa ao corpo e, em sua concepção, as mães de crianças
autistas padeceriam de algum grau de depressão que as levasse a não oferecer atenção suficiente
ao bebê. (Ribeiro; Martinho; Miranda, 2012).
Myriam Fernández (2017) propõe uma reinterpretação da obra de Tustin, destacando
suas imprecisões teóricas e enfatizando importantes reformulações que a autora realizou antes
de sua morte. Uma das principais reformulações diz respeito à correção da relação entre autismo
e psicose. Anteriormente, Tustin considerava o autismo como um estado que ocorria dentro da
psicose, mas posteriormente passou a compreendê-lo como uma defesa contra a mesma.
Fernández (2017) compreende que essa diferenciação vai “além de posicionar o autismo como
anterior à estruturação da psicose” (p.81), e indica "outra saída para a criança autista que não
seja a psicose, destacando que o desfecho, seja qual for, implica a responsabilidade do analista
na direção da cura" (p.81).
Françoise Dolto ([1982]2013) também compreende o autismo como advindo da relação
do bebê com sua mãe, considerando que haveria uma ausência materna que seria o fator
desencadeante da constituição autista. No Seminário de Psicanálise de Crianças compilado de
seminários realizados a analistas que realizou entre 1908 e 1988, a autora discorre sobre as
crianças prematuras que permanecem na incubadora, num fenômeno que denominou de
Autismo Experimental, devido à privação de relações sensoriais que estas crianças sofrem. A
ausência total de referências sensoriais faz desaparecer as percepções do esquema corporal e,
depois, a imagem do corpo; o que evidenciaria claramente que só conservamos nossa ação de
existir graças a quantidades de variações sensoriais imperceptíveis: auditivas, visuais, olfativas,
cutâneas e barestésicas. Assim como Frances Tustin, Dolto acreditava que as trocas sensoriais
entre mãe e bebê são constituintes deste como sujeito, e a partir destas trocas, o bebê constituiria
o ideal de Eu.
Dolto ([1982] 2013) aborda a potencialidade psicótica destes bebês e afirma que quase
todas as crianças psicóticas trazem consigo uma história de incubadora ou uma história de
separação, sendo levadas para lugares desconhecidos em situações de catástrofes, seja com
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parentes que nunca haviam visto ou sofrendo ausências de suas mães por oito dias, sem aviso,
etc. Esta ausência permaneceria nas crianças, que se perderiam enquanto crianças referenciadas
na mãe de oito dias atrás.
Para a autora, essa ausência é vivenciada como um luto, a imagem corporal do bebê é
constituída pela concentração e pelo reflexo no rosto de sua mãe, sendo esta separação
vivenciada como uma morte parcial, “a morte de seus sentidos para sua própria existência a
para a comunicação” (p.102), a partir disto, a criança poderia tornar-se autista em poucos dias
sem ninguém perceber.
Ao falar sobre o resgate desta condição pela mãe sozinha, sem ajuda de um profissional,
Dolto ([1982] 2013) afirma que só é possível até antes da idade de três anos, em razão da função
simbólica ativa. De fato, tudo é linguagem na criança, e, na falta de comunicação com a mãe,
o pai, os irmãos, as irmãs, com as pessoas próximas, ela constrói uma relação com os objetos
do espaço que a rodeiam e cria para si uma linguagem interior de estilo alucinatório que não
permite que se tornem audíveis, nem interessantes, para ela as palavras e os dizeres das pessoas
vivas (Ibid., p.104) A criança autista relaciona-se com tudo que é inanimado, com aquilo que
não notamos e se fecham em seu mundo abstrato cada vez mais profundamente, porém “o outro
nunca deixará de lhe fazer falta” (Ibid., p.104). A autora frisa a importância dos ritmos para as
crianças autistas, as quais possuem uma linguagem interior, dando sentido às coisas pelas suas
percepções do mundo exterior. Dolto ([1982] 2013) cita como exemplo uma criança que sente
fome e de maneira simultânea observa a cortina de seu quarto se mexer com o vento e ouve o
som de uma sirene lá fora. Estes variados estímulos, juntamente com a sensação visceral da
fome, causarão na criança a ilusão da aproximação da mãe, fazendo-a “esquecer de sua
necessidade fisiológica de cuidados maternos e de seu desejo psíquico de um encontro com a
pessoa total da mãe” (p.109).
A reprodução do vento na cortina e da sirene na rua é utilizada para ir de encontro à
sensação visceral de fome, a ilusão da presença materna, fonte de segurança. Estes gestos
compulsivos característicos da criança autista indicam que para estas crianças “o sentido de
presença materna e de encontro com seres invisíveis, substitutos de um ser carnal que esteve
demasiadamente ausente para que o psiquismo deles fosse construído no código mímico sonoro
e visual humano” (Ibid., p. 109).
As contribuições dos analistas pós-freudianos não desconsideravam conceitos
fundamentais de Freud tais como a pulsão e o inconsciente, direcionando suas intervenções e
interpretações em um modelo clínico, e não educativo, abordando a vida afetiva e pulsional das
crianças, seu funcionamento subjetivo, seus objetos, interesses, a especificidade de seu
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psiquismo que não é incluída no discurso científico atualmente, que deslocou-se do estudo da
vida afetiva e pulsional para a problemática do funcionamento cognitivo (Barroso, 2019) .
Apesar de considerarem a dimensão psíquica das crianças, estes autores pós-freudianos,
corroboram com a compreensão do autismo aproximado da psicose infantil; porém desde os
estudos de Kanner (1945), as diferenças entre o que se compreendia enquanto Psicose Infantil
e os Distúrbios Autistas Inerentes ao Contato Afetivo são pontuadas, o ensimesmamento
apresentado no autismo apresenta-se desde o início da vida enquanto solidão que ignora o que
vem do exterior.
Partimos agora para a próxima perspectiva casuística do autismo, que o considera como
uma quarta estrutura psíquica, diferente das três estabelecidas desde Freud (1895-1939):
Neurose, Psicose e Perversão. Rosine e Robert Lefort ([1980]1984;[2003]2017), alunos de
Lacan, foram os primeiros a sustentar esta hipótese, a partir de sua experiência clínica que
desembocou em duas importantes obras: O nascimento do Outro ([1980]1984) e A distinção do
autismo ([2003]2017), nas quais consideram que entre os possíveis entraves que o infans se
depara, estaria a ausência do Outro, responsável por nomear os impulsos sensoriais que lhe
invadem e de lhe constituir um corpo, portanto, o Outro no autismo, pressupõe uma ausência
que se distingue dos casos de psicose, em que o Outro se apresenta (Lefort;Lefort, [1980]1984).
Para os autores, diferentemente da psicose, em que a metáfora paterna é foracluída, o
que ocorreria no autismo seria a não inscrição da falta, portanto, o fracasso da metáfora paterna.
Em detrimento disto, a criança não especularizaria sua imagem, fundando-a no espelho do
Outro, mas sim no puro real, não personificando uma falha em que seja possível estabelecer a
alteridade (Lefort, [1980]1984). Esta visão possibilita em não localizar o autismo a partir de
suas manifestações fenomênicas, através dos signos comportamentais, mas pressupondo seus
atos como uma invenção singular para lidar com o que convoca à alteridade: “Não há Outro
como lugar do significante, nem como lugar da imagem, nem sequer o Outro portador do
objeto” (Barroso, 2019, p.1240).
A partir das formulações dos Lefort, infere-se que o sujeito autista se localiza fora do
discurso, porém não são imunes a linguagem, apenas não se ocupam dela, tem dificuldade em
posicionarem-se como enunciadores, seja emudecendo-se, seja reproduzindo a palavra através
de ecolalias e/ou “linguagem de papagaio”, ou conforme Acero (2013) pontua: como posição
de ventríloquo do outro, o autista demonstra vários distúrbios da enunciação, o que faz com que
ele se desincumba de colocar em jogo sua voz, sua presença e seus afetos.
Alfredo Jerusalinsky (1993), concatena suas pesquisas a partir da compreensão
estrutural postulada pelos Lefort, apontando para a ampla discussão sobre a diferenciação entre
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autismo e psicose, compreendendo que no autismo o que há é uma exclusão, em que não ocorre
a inscrição do sujeito: “no lugar onde a inscrição deveria se encontrar, se encontra o Real, ou
seja, a ausência de inscrição. Esta diferença radical de estrutura conduz a efeitos clínicos
observáveis” (p. 63). Segundo o autor, o autismo consistiria no fracasso da construção de redes
de linguagem e prevalência de automatismos disparados espontaneamente sem qualquer valor
relacional (Jerusalinsky, 2012). Azevedo e Nicolau (2017) afirmam que para o autor: “para que
se opere a estrutura da linguagem é preciso que haja um ponto de encontro e de identificação
entre a criança e o Outro primordial, que, em geral, está encarnado na figura materna ou do
cuidador” (p.14). Estes automatismos criariam um mecanismo de exclusão da criança a respeito
da linguagem e define o autismo, ao distingui-lo da psicose, como uma quarta estrutura.
Para adentrar à linguagem é necessário que se abra para o sujeito a dimensão da palavra,
bem como a dimensão da voz, da enunciação que ocorre no encontro da língua com o corpo.
No próximo capítulo será esmiuçada a entrada do sujeito no campo da linguagem e o estatuto
do sujeito no autismo, levando em consideração a terceira perspectiva, a da instauração do
circuito pulsional. Sob a égide dos manuais diagnósticos, que considera o corpo da criança do
ponto de vista genético, neurológico, bioquímico, a psicanálise propõe vislumbrar e colocar em
questão e destaque a constituição de seu corpo pulsional. Aquilo que configura o vivo condiz à
lógica discursiva posta pelo simbólico, que lhe concede um corpo, no autismo, apesar da
negativa de ocupar-se da linguagem enquanto enunciador, de se dispor sem embaraços ao que
remete à alteridade, dão testemunhos, pistas, de que algo do corpo se presentifica, ainda que em
seu funcionamento psíquico utilizem a linguagem deslocada do significante, de uma maneira
singular e enigmática. Maleval ([2009] 2017) em sua introdução ao livro O autista e sua voz,
inaugura seu escrito abordando a tentativa da psiquiatria atual de reduzir o sujeito ao corpo,
atribuindo-se a competência em relação ao conhecimento de seus transtornos, enquanto a
psicanálise trabalha com a hipótese de que “ninguém melhor que o próprio sujeito saberia
ensinar aos clínicos a respeito de seu funcionamento” (p.15).
Neste capítulo discorremos o percurso histórico do conceito de autismo e sua inserção
em uma nosologia espectral, que direciona seu diagnóstico e tratamento em uma compreensão
biologizante e medicamentosa, cujos baremas se ancoram em fenômenos listados. Observamos
e defendemos a psicanálise como um método de escuta e tratamento que operam na contramão
deste direcionamento. A psicanálise não se ocupa de estabelecer reducionismos no que se refere
à sintomatologia que as crianças possam manifestar, mas sim, questiona, abre espaços para
interpretar estas manifestações segundo cada sujeito que se apresente, no caso a caso, diante do
analista que o acolhe. A intenção da psicanálise ao investigar a clínica do autismo não se
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debruça sobre a listagem fenomenológica e o fechamento discursivo que esta nomeação pode
sobredeterminar, mas se ocupa, no âmbito psíquico, de como se constituíram e do que é
necessário para que as estruturas necessárias que possibilitam que a criança advenha como
sujeito operem. Para tanto, no próximo capítulo, esmiuçaremos a entrada do sujeito na
linguagem e as condições da constituição de sujeito, para reiterar a importância da função
materna no estabelecimento do laço social, na humanização deste sujeito por vir.
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CAPÍTULO II
O ESTATUTO DE SUJEITO NO AUTISMO: METAPSICOLOGIA DA ENTRADA NA
LINGUAGEM

Tendo em vista os pontos apresentados no capítulo anterior refletimos sobre os


desdobramentos que podem tomar um diagnóstico que não se confirma pela clínica da
psicanálise, bem como as posições discursivas distintas na perspectiva psicanalítica.
Encontramos como ponto comum no discurso psicanalítico uma abordagem que se apresenta
como contraponto a se ater a dimensão fenomenológica, estereotipias e descrições, indagando-
se acerca da dimensão psíquica sobre algo do laço que essas crianças podem estabelecer com o
Outro e que nos parece enigmático. Portanto, como é pensado o diagnóstico numa perspectiva
psicanalítica?
Desde as recomendações em Sobre o início do tratamento, sobre os momentos iniciais
do processo analítico, Freud ([1913a]2017) nos convoca a ter atenção durante a sondagem, o
momento de entrevistas preliminares, para levantar as hipóteses do diagnóstico estrutural do
discurso do sujeito que demanda escuta. Ele aponta o período probatório das entrevistas
preliminares como um espaço “para nos questionar” (p.123), pois qualquer erro diagnóstico por
parte do psicanalista pode ser desfavorável ao direcionamento do processo de cura, tendo em
vista que cada caso, dependendo da estrutura psíquica de cada analisante, terá conduções
específicas. O diagnóstico estrutural em psicanálise irá levar em consideração, a entrada do
sujeito na cultura, através do banho de linguagem que tem ponto de partida nos cuidados
ofertados pela mãe, “que demandará do sujeito uma posição frente à falha sempre existente
entre o que do sujeito desliza na cadeia significante e o próprio significante que o representa”
(Neves; Oliveira, 2012, p.7), esta posição é estrutural pois funda o sujeito.
Na introdução do livro Rumo à palavra: três crianças autistas em psicanálise, Laznik-
Penot (2012), aponta o que norteia o trabalho psicanalítico com crianças autistas. É necessário
compreender a relação do sujeito com a linguagem e realizar uma tradução da língua estrangeira
que estas crianças nos apresentam. Porém, ressalta que pouco importa se encontrar causas e
consequências, mas “reconhecer que um bebê que não chama ou para de chamar, que não olha
ou para de olhar, desorganiza completamente sua mãe. A partir de então, instala-se um círculo
vicioso que deve antes de tudo ser rompido” (p.11). O que nos interessa é resgatar a
possibilidade de estabelecimento de um laço entre a criança e seus pais que, independente, ou
apesar do diagnóstico, apostem nestas crianças como sujeitos. Corroborando com Laznik-Penot
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(2012) que o olhar de amor do Outro possibilita que a criança reencontre seu valor de objeto
causa de desejo, de investimento psíquico que apontará para um sujeito.
Sobre os efeitos que o discurso materno pode reverberar, formularemos sobre a
dimensão da importância do estabelecimento do laço mãe-criança a partir da teoria de
constituição de sujeito, ressaltando a Função Materna como pilar deste laço, tendo em vista que,
em sua função, a mãe recobre o corpo do infans, introduzindo-o na linguagem, na cultura.

2.1 Função Materna, o alicerce da constituição psíquica

“A palavra é outro corpo que habito”


(Eliane Brum, 2015)

Segundo a concepção freudiana, expressa em Projeto para uma psicologia científica


([1895]2006) o ser humano nasce em um estado de desamparo, em razão de sua imaturidade
orgânica, a qual reflete na incapacidade do bebê de sobreviver por conta própria, não possuindo
autonomia motora, sensitiva e psíquica, o que o torna dependente da pessoa responsável por
seus cuidados. Assim, no princípio da constituição do bebê enquanto sujeito, sua relação
primitiva com a sexualidade é decorrente da necessidade de conservação da vida, sendo seu
objeto de satisfação de necessidade o leite materno e o objeto da pulsão sexual, o seio materno.
O objeto da necessidade instintiva da fome é o alimento (o leite), enquanto o objeto da
pulsão sexual é o seio materno, externo ao corpo. Quando este objeto é abandonado é que se
constitui o protótipo da sexualidade oral para Freud: o ato de chupar o dedo. É nesse momento
em que se inicia o autoerotismo (Garcia-Roza, 1985, p.100).
Portanto, a psicanálise compreende o sujeito como um ser constituído, atribuindo a
definição de que o Eu não existe à priori, mas sim, precisa ser desenvolvido na relação com o
Outro. Inicialmente o sujeito se compreende como fragmentado e sua imagem de si mesmo será
formada a partir do olhar desejante de quem lhe oferece os cuidados primordiais que marcam a
experiência de satisfação de suas necessidades e despertam o corpo como fonte de prazer,
apoiando a satisfação corporal da obtenção do alimento, através do seio, em uma pulsão
psíquica de caráter sexual (Faria, 2017b). As necessidades saciadas do bebê, nomeadas pela
mãe, inserem estes impulsos numa ordem que delimita seus fragmentos corporais e unifica o
seu corpo.
Sônia Alberti (2007, p.66) descreve em seu texto O bem que se extrai do gozo que o
bem visado pelo Princípio do Prazer, como determina Freud, é manter uma homeostase entre
as tensões e a satisfação, “e isso começa, como sabemos, com o protótipo do choro do bebê ao
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ser acalentado pelo seio, promovendo a primeira experiência de satisfação”. A primeira


experiência de satisfação inicia um circuito que segundo a autora “clama por satisfação [...] e
assim instala-se o desejo: deseja-se a experiência de satisfação que passa a ser repetida” (Ibid.
p.66).
A compreensão de corpo em psicanálise se diferencia daquilo que se considera
organismo e essa distinção se torna importante para compreender que o corpo que se aborda na
teoria psicanalítica se difere do que Lacan nomeou economia do vivo, regulada pelo princípio
do prazer e tendo como finalidade e diminuição das excitações, uma descarga de tensão, que
para ocorrer necessita da intervenção do Outro (Alberti, 2007).
No ensaio As pulsões e seus destinos, Freud ([1915]2014) dá início à uma série de textos
introdutórios sobre sua Metapsicologia, e o conceito e teoria das pulsões é um dos bens da teoria
psicanalítica, de importância para outras áreas de conhecimento e, ainda hoje, temática de
investigação, considerando que a ciência se modifica através de seus conceitos e seu progresso
é inversamente proporcional à rigidez de definições. Neste clássico texto, Freud ([1915]2014)
irá conceituar a pulsão enquanto uma potência, uma fronteira entre o anímico e o somático:
“como representante psíquico dos estímulos oriundos do interior do corpo que alcançam a alma,
como uma medida da exigência de trabalho imposta ao anímico em decorrência de sua relação
com o corporal” (p.25), portanto, apresenta a pulsão como um conceito fundamental da teoria
psicanalítica e tendo uma ramificação fisiológica a partir do conceito de estímulo – externo que
atinge o ser vivente e é descarregado através de uma ação – fugindo do risco de reduzi-lo à este
estatuto de estímulo para o psiquismo, posto que existem outros estímulos que não são
pulsionais que se apresentam de maneira momentânea, enquanto a pulsão se faz constante e,
diferente do estímulo da fisiologia, advém do interior do sujeito. Estímulo fisiológico
(necessidade) e pulsional atuam no anímico criando uma dinâmica e evidenciando a existência
de um mundo interior: do inconsciente.
Em outro texto, O eu e o id, Freud ([1923a]2007) irá discorrer sobre o funcionamento e
constituição do Eu e se refere ao corpo como uma superfície de onde partem percepções internas
e externas. Ele irá afirmar que sensações como a dor e adoecimentos são fonte de conhecimento
dos órgãos internos do sujeito: “Assim, o Eu é sobretudo um Eu corporal, mas ele não é somente
uma superfície: é, também, ele mesmo, a projeção de uma superfície” (p.38). E em uma nota
de rodapé acrescenta que “o Eu deriva de sensações corporais, basicamente as que afloram da
superfície do corpo” (p.83).
Estes estímulos internos provocam sensações corporais no sujeito que carecem de
interpretação, nomeação. Inicialmente o sujeito se compreende como fragmentado e sua
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imagem de si mesmo será formada a partir do olhar desejante de quem lhe oferece os cuidados
primordiais que marcam a experiência de satisfação de suas necessidades e despertam o corpo
como fonte de prazer, apoiando a satisfação corporal da obtenção do alimento, através do seio,
em uma pulsão psíquica de caráter sexual (Freud, [1915]2014).
Em Nota sobre a criança ([1969] 2003) Lacan frisa que para além da satisfação das
necessidades há a irredutibilidade de uma transmissão que é de constituição subjetiva e implica
a relação com o desejo que não seja anônimo. E conclui: “É por tal necessidade que se julgam
as funções da mãe e do pai” (p.369), da primeira em razão das marcas que seus cuidados deixam
como rastro, ainda que em sua falta, e do segundo enquanto vetor de encarnação da lei que
media o desejo. Se ao pensar que no processo de vir a este mundo nenhum sujeito humano
escapa desta invasão de sensações - inicialmente inomináveis - é possível compreender o corpo
como, antes de tudo, pulsional. Este corpo pulsional, este pedaço de carne que o sujeito antecipa
como sua própria imagem, disforme e invadida de sensações, é atravessado pelo simbólico para
que possa organizar, construir e constituir a imagem de seu corpo de maneira uniforme.
Podemos inferir que ao tratarmos do fenômeno da pulsão, sempre estará em jogo este
lugar de contorno entre corpo e psiquismo; este lugar de contorno entre a carne do vivo e a
linguagem, tendo a mãe como encarregada do banho de linguagem, ou seja, de dar sentido,
nomear as experiências sensoriais do corpo do bebê.
Jacques Lacan ([1949]1998) empreendeu a releitura da psicanálise, trazendo para o
cerne da questão psicanalítica a primazia da linguagem. Desde o Seminário 1- Os escritos
técnicos de Freud ([1953/1954] 1979), inaugura seu ensino retornando à Freud. No texto
Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise, o autor realiza elaborações sobre o
imaginário e a importância da linguagem e sua concepção de estrutura, e, ao realizar
elaborações sobre o sintoma, afirma: “já está perfeitamente claro que o sintoma se resolve por
inteiro numa análise linguajeira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem”
([1953]1998, p.270 [269]). Neste texto, Lacan defende a ideia de que a compreensão da obra
freudiana deve se direcionar a partir dos eixos da fala e da linguagem, assim como, irá discorrer
a relação entre corpo e linguagem, sinalizando elaborações sobre a teoria pulsional, sem, no
entanto, relacionar a pulsão ao eixo do simbólico nesse momento.
A compreensão da estruturação da dimensão imaginária é fundamental para pensarmos
sobre a operação de alienação, entretanto, o registro do imaginário se instaura não apenas a
partir da assunção da imagem, mas também a partir da instauração da marca significante. A
alienação é inexorável, pois estamos submetidos à linguagem. O eixo simbólico é o que
estabilizará essa imagem e de fato nomear o que vem a ser o sujeito. Compreenderemos como
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estas operações se articulam a partir da instauração destes registros na constituição psíquica da


criança.
Em O estádio do espelho como formador da função do Eu ([1949] 1998) , um importante
texto que irá redimensionar a noção freudiana de Eu, Lacan nos diz: “É que a forma total do
corpo pelo qual o sujeito antecipa numa miragem a maturação de sua potência só lhe é dada
como Gestalt, isto é, numa exterioridade” (p.98). Esse postulado mostra que na verdade o que
há é uma ilusão de totalidade, advinda da imagem projetada pelo Outro primordial, a noção de
Eu seria, portanto, ilusória. O estádio do espelho é formador da função do Eu e instaura o
registro do Imaginário para o sujeito, sua forma de se ver e como supõe ser visto. O corpo se
constitui através de pedaços, no início o que há é uma sensação de desintegração e somente pela
antecipação de uma imagem que está fora, no campo do Outro, é que o sujeito poderá
experimentar uma unicidade. O sujeito para a psicanálise se constitui através de significantes,
sua imagem é marcada pelo Outro, produzida pelo simbólico-palavra, pelo efeito da fala deste
outro. Entretanto, nem tudo que diz respeito ao corpo tem a ver com a articulação significante,
algo escapa. Lacan (1959-1960), no Seminário 7 - A ética em psicanálise, irá conceituar este
algo que escapa como o paradoxo do gozo e irá afirmar: “o gozo se apresenta não pura e
simplesmente como a satisfação de uma necessidade (besoin), mas como a satisfação de uma
pulsão” (p.251).
Lacan (1998) denomina de Estádio do Espelho a passagem do corpo despedaçado,
inconstituído, para o corpo enquanto unidade e cuja função é a de “estabelecer uma relação do
organismo com sua realidade” (p. 100), afirmando que esta sensação de totalidade é ilusória e
só pode se dar a partir de uma exterioridade (gestalt). Compreendendo o sujeito como
constituído a partir de sua relação com um Outro, inicialmente este se compreende como
fragmentado e sua imagem de si mesmo será formada a partir do olhar desejante de quem lhe
oferece os cuidados primordiais que marcam a experiência de satisfação de suas necessidades,
ao mesmo tempo em que as nomeia, inserem o sujeito numa ordem que delimita seus
fragmentos corporais e unifica o seu corpo, dissolvendo a sensação de desintegração.
O Estádio do Espelho inaugura a instauração do registro Imaginário, o qual segundo
Machado (2010), antecipa e precipita uma identidade onde o sujeito se faz Eu e só assim pode
vir a possuir seu corpo: “é o imaginário que dá consistência ao ser falante” (p.108), que o
mantém unificado e cria bordas para este corpo ser sustentado. Alienar-se na linguagem é a
única forma que o sujeito possui de se humanizar.
Para Freud ([1914]2004) a possibilidade de tornar-se mãe encontra seu alicerce na
infância da mulher, e portanto, a maternidade impõe um retorno inconsciente à etapas primitivas
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vivenciadas com a pessoa que exerceu a função materna para ela. Em função deste retorno,
surgem expectativas em relação à gravidez, ao parto e ao bebê, experimentadas como
gratificantes ou frustrantes, as quais poderão ou não ajudar a mãe a encontrar prazer na
maternidade, e a amar ou não a sua criança. Dessa maneira, o desejo é o fio condutor da função
materna, pois o lugar que a criança ocupa no desejo dos pais pode informar como a função
materna se estabelece, assim como, os caminhos possíveis da constituição psíquica da criança.
Estas marcas primordiais que existem anteriores ao bebê e moldam sua estrutura simbólica é
que irão determinar seu modo de existir no mundo e organização de seu corpo, a nível
inconsciente. Se o bebê não tem suas demandas atendidas, não é ouvido no registro do desejo,
não será ouvido no registro da necessidade.
Algo que falha no enlaçamento da demanda e do desejo entre mãe e bebê, no circuito
pulsional que se estabelece ou não entre estes dois sujeitos, pode reverberar posteriormente em
manifestações psíquicas ditas patológicas, como o autismo. Podemos refletir sobre o valor da
mãe para a cultura, ao ressaltarmos que o exercício de cuidado da função materna é de
fundamental importância para o desenvolvimento psíquico do bebê. Em psicanálise, esta função
é compreendida como essencial para a estruturação e desenvolvimento do psiquismo da criança,
tratando-se do Outro, da linguagem enquanto lugar, do tesouro dos significantes enquanto lugar
da linguagem (Faria, 2017b, p.39). É importante situar que a noção de desenvolvimento
psíquico que utilizamos pressupõe uma coexistência entre as etapas situadas por Freud ([1913b]
1969; [1915] 2014; [1923b] 1996), não abarcando uma evolução destas etapas, em que não
haveria superação das fases como mero efeito cronológico. As etapas do desenvolvimento
psicos1’sexual ocorreriam concomitantemente.
Esta relação estabelecida inicialmente com a mãe, ou o representante da função materna
para a criança, necessita de uma mediação, representada pelo pai enquanto função simbólica,
que se posiciona como privador da mãe, e na ênfase da castração materna, a partir da qual a
criança se defronta com a falta, com a constatação de que não é o único objeto de desejo
materno. Essa função se relaciona com a mediação da Lei, que a mãe opera e está incorporada
como um traço paternal que constitui a identificação primária, através do traço unário paterno.
É a metáfora paterna que produz o significante da falta do Outro e permite que o sujeito seja
representado por um significante em relação a outro significante (Lacan, ([1957-58]1999). Em
seu Seminário 4 - A relação de objeto ([1956-1957] 1995), Lacan aborda intermediação da
função materna através da lei paterna frisando que esta relação é ternária e não dual ou
simbiótica, e assim, tem a função de imediação da função materna, de barrar o desejo da mãe
para que a criança possa advir como sujeito, introduzir-se no jogo intersubjetivo:
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A instituição de uma lei ou de uma regularidade concebida como possível, aquele que
propõe a parte oculta do jogo escamoteia-a a cada instante ao outro, ao mesmo tempo
em que sugere a ele o seu nascimento. É nesse momento que se estabelece o que está
fundamentalmente no jogo e que lhe dá seu sentido intersubjetivo, situando-o numa
dimensão não mais dual, e sim ternária (p.134)

Neste seminário, Lacan também elabora sua teoria da falta de objeto, afirmando que a
falta seria o denominador comum para os sujeitos, e para ilustrar as transformações da falta de
objeto, elabora o quadro abaixo:

AGENTE FALTA OBJETO


Pai Real Castração Simbólica Falo Imaginário
Mãe Simbólica Frustração Imaginária Seio Real
Pai Imaginário Privação Real Falo Simbólico

Entre estas categorias, nos ateremos à privação, que para Lacan ([1956-1957]1995,
p.36) é “em sua natureza de falta, é essencialmente uma falta real. É um furo”. Essa falta “real”
é estranha a toda representação e só pode ser formulada do lugar do Outro, desde que entendido
como um lugar absolutamente descentrado em relação ao lugar do sujeito faltante, deste
significante da falta no Outro. A falta não está no sujeito, mas para além dele e o objeto da
privação é simbólico:

A noção de privação [...] implica a simbolização do objeto no real. Pois, no real, nada
é privado de nada. Tudo que é real basta a si mesmo. Por definição o real é pleno. Se
introduzimos no real a noção de privação, é na medida em que já o simbolizamos
bastante, e mesmo plenamente. Indicar que alguma coisa não está ali é supor sua
presença possível, isto é, introduzir no real, para recobri-lo e perfurá-lo, a simples
ordem simbólica (Ibid, [1956-1957]1995, p.224).

O que caracteriza o objeto da privação é seu valor de “marca” que irá operar a
simbolização desta falta “real”, demarcando a castração, a apreensão da diferença sexual. Em
A criança e a Psicanálise, 1997, Bergès e Balbo denominam o falo como este significante da
falta no Outro, topologicamente, este lugar do Outro seria dotado de furos e suas bordas
delimitam a circulação dos objetos e de gozo, tornando possíveis as trocas significantes entre
mãe e criança. Sem o advento deste significante - o significante da falta - não há Outro faltante.
Se a mãe não for representada como ser faltante e tomar este espaço de Outro primordial
completo, não há como ocupar a função materna, pois estará ocupando o lugar do pai também,
sem conter o significante da falta.
51

A função materna é estruturante e objetiva supor a mãe como sujeito dividido, barrado
pela própria castração, faltante, bem como, refletir sobre o valor fálico que sua criança terá a
partir deste triplo imaginário mãe-bebê-falo. Para Lacan ([1957-58]1999), é imprescindível
para a criança poder se ver no desejo materno para reconhecer-se como objeto deste. Para que
se torne desejante é preciso que a criança possa se abrigar no desejo materno. Portanto, neste
primeiro momento o bebê é objeto de desejo do Outro, mas ela não reconhece apenas o desejo
por meio da sua imagem especular, mas também o faz por meio do corpo do Outro encarnado.
Como nasce a linguagem? De uma aposta, uma suposição. O significante está no Outro, opera
n’Outro e não no sujeito e irá se confirmar na negação. Assim, a complexa teia de relações entre
mãe e bebê, permeada pelo desejo materno e pela identificação com os pais, desempenha um
papel fundamental na formação psíquica da criança. O enlaçamento bem-sucedido da demanda
e do desejo na relação materna pode propiciar que o vínculo se instaure, permitindo que a
criança se aproprie do seu próprio desejo e construa suas identificações ao longo do processo
de maturação psíquica. Por outro lado, falhas nesse enlaçamento podem acarretar impasses,
como o autismo, indicando a importância crucial do cuidado materno nos estágios iniciais da
vida.

2.2 Considerações sobre a identificação, instauração do traço unário e as operações de


alienação separação.

Em Psicologia das massas e análise do eu, Freud ([1923c] 2011, p.46) conceitua que a
identificação desempenha um papel crucial na pré-história da trama edipiana, pois a define
como “a mais antiga manifestação de uma ligação afetiva a uma outra pessoa”. A criança tem
o pai como um ideal a ser seguido ao mesmo tempo em que toma a mãe como objeto libidinal,
até que se dissolva o Complexo de Édipo e comece a tomar outros objetos de desejo.
Ainda no mesmo artigo, Freud ([1923a] 2007) descreve três formas de identificação. A
primeira identificação relacionada à própria definição de identificação como mais antiga
ligação afetiva, correspondente ao que é ser humano, o pai tomado como um ideal de identidade
com o que é humano.
As duas outras formas são relacionadas à formação do sintoma histérico, ao exemplificar
uma menina que adota o mesmo sintoma de sofrimento da mãe e Dora ao imitar a tosse do pai,
observando que “também nos chama a atenção que nos dois casos a identificação seja parcial,
altamente limitada, tomando apenas um traço da pessoa-objeto” (Freud, ([1923a] 2007, p.49).
A terceira forma remete a formação do sintoma no sentido de colocar-se na mesma situação do
52

outro, em que “identificação desconsidera totalmente a relação objetal com a pessoa copiada”
(Ibid., p.49). Lacan retoma as definições freudianas acerca da identificação e a relaciona com a
constituição do sujeito, na medida em que este se constitui através do laço com o outro e
podemos considerá-la como fundante estrutural do inconsciente e da série de significantes, que
se ordena em três tempos, ocupando-se em seu seminário da segunda e terceira formas descritas
por Freud, sendo estas, a identificação ao traço e a identificação ao desejo do Outro, não se
ocupa de discorrer sobre a primeira forma, pois é da ordem do mítico (Cruglak, 2001),
ocupando-se mais atentamente às definições da identificação ao traço.
Lacan ([1961-1962] 2011) toma a segunda forma de identificação descrita por Freud
como o precoce vínculo afetivo estabelecido com o Outro e que constitui a relação entre seu eu
e o objeto, o através do significante de sua ausência, o traço unário, que “designa algo que é
radical para a experiência originária, é a unicidade como tal, da volta da repetição” (p. 177).
O sujeito se ordenará não da presença do traço, mas de sua ausência, do apagamento
que possibilita o surgimento de outros significantes:

Dessa permanência do sujeito lhes mostro a referência e não a presença, pois essa
presença não poderá ser cingida senão em função dessa referência. Eu a demonstrei,
designei da última vez, em nosso traço unário, nessa função do bastão como figura do
um enquanto ele não é senão um traço distintivo, traço justamente tanto mais distintivo
quanto está apagado quase tudo o que se distingue, exceto ser um traço, acentuando
esse fato de que mais ele é semelhante, mais ele funciona, eu não digo absolutamente
como signo, mas como suporte da diferença (Lacan, [1961-1962] 2011p. 73).

O sujeito é pensado e falado antes de vir ao mundo, portanto, o traço primeiro da


identificação é anterior ao traço unário, dispositivo da constituição do sujeito que se encontra
antes que o sujeito saiba falar sobre si e inicie o circuito da cadeia significante. A função do
traço unário portanto, é a garantia da repetição do significante, de seu fundamento e
funcionamento em sua relação com o Real, permitindo “ao traço unário fundamentar a
linguagem, o significante, mas somente a partir de um apagamento” (Idem, p. 14). Portanto, o
traço unário só pode diferir-se de si mesmo na medida em que se relaciona com um elemento
alheio, exterior, à lógica significante, só nos identificamos a partir da demarcação das
diferenças, da alteridade, e se funda a partir de seu apagamento, a exclusão de um elemento
primordial (Pinto; Teixeira, 2016).
Rinaldi (2008) define o traço unário como um traço distintivo da pura diferença que
marca o sujeito dividido pela própria linguagem, por algo que se perde do objeto e faz uma
inscrição, portanto, o nome próprio diz respeito ao traço unário pois se situa como uma marca
distintiva e sem tradução. Para Cruglak (2001, p.49) a segunda forma de identificação se
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caracteriza como “um momento em que se introduz o objeto de amor e se instala a possibilidade
da escolha de objeto”. Lacan ([1961-1962] 2011) aborda a questão da negação como importante
para a questão da identificação, ainda que ela se apresente como um impasse:

[...] o modo sob o qual a negação aparece, sob o qual o significante de uma
negatividade efetiva é vivido, pode surgir, é uma alguma coisa que toma um interesse
todo outro e que não é, desde já, por acaso, e sem ser de natureza e esclarecer-nos,
quando nós vemos que, desde as primeiras problemáticas, a estruturação da linguagem
se identifica, se se pode dizer, na recuperação da primeira conjugação de uma emissão
vocal com um signo como tal, isto é, com algo que já se refere a uma primeira
manipulação do objeto. Nós a chamamos de simplificadora, quando se tratou de
definir da gênese do traço. O que é mais destruído, de mais apagado de um objeto. Se
é do objeto que o traço surge, é algo do objeto que o traço retém, justamente, sua
unicidade (p. 100-101)

O traço unário representa o sujeito e apresenta-se intimamente ligada com o objeto, na


medida em que na identificação abandona ou a perda do objeto ao qual o eu se identifica e que
segue buscando em outras ligações objetais, seja atribuindo traços de um ser amado ou não
amado, o significante pode surgir através de uma ato de negação, a demarcação da diferença
significante que insere o sujeito numa cadeia, marca-o e barra-o para que se insira no campo do
Outro e para que seja possível ser representado pelo significante para outro significante.
A partir da demarcação do traço unário o sujeito se permite formar laço, se deixar
enlaçar pelo outro e seu desejo, que Lacan ([1961-1962] 2011) afirma ser fundamentado pelo
nó edipiano, pois é a relação entre uma demanda que toma algum valor e o desejo do Outro,
articulando-se como uma proibição, uma lei, “tu não desejarás aquela que foi meu desejo”; e se
utiliza da topologia para explicar este enlaçamento entre sujeito e o outro, afirmando que “[...]
há uma estrutura topológica da qual se tratará de demonstrar que ela é necessariamente a do
sujeito, estrutura que comporta que haja alguns de seus laços que não possam ser reduzidos”
(p.185), a essa estrutura denomina-se toro, uma estrutura esburacada que representa o sujeito e
seus cortes, torções e enlaces.
A figura do toro é utilizada por Lacan ([1961-1962] 2011) para definir o campo do
sujeito como “um campo de significante, campo de conotação da presença e da ausência e onde
o objeto não é mais objeto de subsistência, mas de ex-sistência do sujeito” (p. 208), desse sujeito
dividido, esburacado, portador de um vazio primordial e necessário para que haja movimento
em busca de seu próprio desejo, de possibilidades.
O traço unário instaura o desejo, pois a partir dele o sujeito se defronta com a falta e o
desencontro entre desejo e demanda com a dimensão do Outro:

Se há, vocês sabem, algo a que se pode dizer que, desde o início o neurótico foi pego, é
nessa armadilha; e ele tentará fazer passar na demanda o que é objeto de seu desejo, de
54

obter do outro não a satisfação de sua necessidade, pela qual a demanda é feita, mas a
satisfação do seu desejo, isto é, de ter o objeto, isto é, precisamente o que não se pode
demandar. e isso está na origem do que se chama dependência, nas relações entre o
sujeito com o Outro (Lacan, [1961-1962] 2011, p.199).

Nasio (2011) define demanda como “uma mensagem endereçada ao outro que retorna
ao sujeito na sua forma invertida, mas sem que o corpo seja afetado por isso; ou seja, sem nada
que se destaque da pulsão” (p.5), a necessidade se diferencia do desejo, na medida em que o
primeiro proporciona satisfação, saciedade e o último proporciona o gozo, inconsciente. A
demanda corresponde à necessidade na medida em que não entre numa cadeia simbólica
significante. O sujeito se aliena ao Outro em busca da satisfação de seu desejo, mas se defronta
com a impossibilidade de uma satisfação total, apenas separando-se e através da mediação de
sua relação com o Outro, por meio do interdito, se distinguirá para com sua libido, buscar que
falta, demarcando o desejo. Abaixo esmiuçaremos o processo de alienação e separação, que é
base para a instauração do circuito pulsional.
O Outro se apresenta como exterioridade em relação ao sujeito, de maneira a ser lugar
da linguagem, preexistente em todos e condicionante da existência humana e faz isso por meio
de duas operações constituintes: a separação e a alienação. A alienação é a “primeira operação
essencial que funda o sujeito” (Lacan, [1964]1985 p. 205), o primeiro momento, em que a
criança se encontra em estado de inteira dependência do mundo de significação e de desejo de
um outro, na grande maioria das vezes, a mãe. Fernandes (2000) afirma que esta operação se
traduz no fato de que apenas após o contato com o Outro que o sujeito se torna algo, mesmo
que não substancial.
Lacan apresenta através da ideia de alienação, o fato de que só há um lugar possível ao
sujeito: no significante, estando esse no campo do Outro. Para denotar esta suspensão indelével
do sujeito ao Outro, os termos por ele empregados são ‘condensação’, ‘escravidão’,
enfatizando, com isso, a dependência do ser falante em relação à linguagem. Por isso ele dirá
que a alienação é o destino, utilizando-se do conceito matemático de reunião, analogamente,
para afirmar que o sujeito é impossível de existir senão em sua reunião com o Outro, “quanto à
perda que se dá nesta mesma operação, tendo em vista que o sujeito não se esgota, não se
representa por inteiro no Outro, perdendo, na operação de alienação, parte de seu ser”
(Fernandes, 2000, p.57).
Utilizando-se dos elementos matemáticos da teoria dos conjuntos, Lacan ([1964]1985,
p.209) coloca a alienação como uma substrutura de reunião, e inaugura a conceituação do
segundo momento da circularidade sujeito-Outro: a separação - enquanto substrutura de
55

interseção ou produto. “Ela vem justamente situar-se nessa mesma lúnula onde vocês
reencontrarão a forma da hiância, da borda”. Quanto à esta operação, se caracteriza como o
momento posterior à alienação, em que deve existir um terceiro, que se introduza entre a mãe
e o bebê, para que a criança tenha a possibilidade de sair desta posição alienada. A articulação
destas duas operações é o que resultará na constituição do sujeito dentro de uma das estruturas
inconscientes: neurose, psicose ou perversão (Zalcberg, 2002). Nesse segundo momento, uma
falta é encontrada no Outro, encarnado pela mãe, que lhe faz questionar: “ele me diz isso, mas
o que é que ele quer?” (Lacan, [1964]1985, p.209).
Com a separação, Lacan introduzirá o que referíamos anteriormente como “um além do
significante freudiano”: uma falta no coração do universo significante. Além da dimensão de
exterioridade em relação à consciência, enquanto inconsciente, e transindividual – enquanto
tesouro do significante – a operação de separação põe em relevo o Outro em seu próprio limite.
Fernandes (2000) aborda o Outro da separação enquanto não equivalente ao Outro da alienação,
na medida em que o desejo da criança não apenas encontra-se suspenso ao Outro, em forma de
cultura, marcas características do tempo e espaço em que se insere, “mas também é do Outro,
enquanto falta em seu discurso, que o próprio desejo do sujeito deriva – falta sem a qual esta
queda, cativo, na petrificação” (p.61). A autora afirma ainda que esta dimensão indica ao Outro
Primordial que se constitua como uma função que se distingue da operação da alienação, para
que veicule além do significante, a própria falta, condição para que o sujeito e seu desejo se
desenvolvam (Ibid.). O sujeito é, portanto, constituído através de um apagamento, uma ausência
que se manifesta e o lança frente ao seu próprio desejo, esta marca constituinte - o traço unário
- que o torna angustiado, mas também o insere numa ordem corporal e psíquica.
No Seminário 20 – Encore ([1972-1973] 2010), o conceito de significante para Lacan
em um primeiro momento é denominado como a representação do sujeito, “o que tem efeito de
significado e é importante para não elidir que entre dois escreve-se uma barra, há algo como
uma barra a ser ultrapassada” (p.73), a função do significante, portanto não seria apenas a de
dar sentido, mas também de produzir um corte.
Considerando que o corpo não se reduz à uma imagem, mas também comporta essa
incorporação significante, se pode concluir, como afirma Sidi Askofaré (2019), que “para todo
o falasser, o corpo verdadeiro, o primeiro corpo é o corpo dos significantes, o corpo do
simbólico, isto é, a linguagem” (p. 39), ou seja, é preciso que haja a constituição da imagem e
com ela o efeito de corte que divide o sujeito e constitui sua imagem unificada para que este
possa se apropriar deste Corpo Simbólico:
56

A linguagem é que dá corpo ao corpo, este não é um mero jogo de palavras. Isto quer
dizer muito precisamente que o verdadeiro corpo humano (versus organismo), o corpo
capaz de gozo, o corpo apto ao amor e ao desejo é uma atribuição linguageira, isto é,
totalmente contrário descontrária a um dado natural imediato (Askofaré, 2019, p. 39).

Para Gomes (et al, 2017) o corpo seria afetado pela intensidade das pulsões, sem
qualquer representação que as marquem a partir do desejo do Outro, assim, com as primeiras
experiências de satisfação o corpo irá gozar através de partes de um outro corpo: o do Outro.
“Nessa lógica, o sujeito será no sexo o que as identificações indicarem, estabelecendo uma
distância entre o organismo e o que a língua designa como corpo” (p.499). O corpo é afetado,
marcado, cortado pelas palavras, mas também pela dimensão do gozo, que é uma marca sem
representação. Gomes (et al, 2017), considerando que o gozo é o que não se elabora senão como
semblante, e este, como afirma Lacan ([1971] 2009) “trata-se do semblante como objeto próprio
com que se regula a economia do discurso [...] o discurso, tal como acabo de enunciá-lo, é
semblante” (p.18-19), indaga e propõe a ideia do semblante como outro lugar para o corpo.
O semblant se relaciona com a noção de discurso na medida em que este se sustenta a
partir de quatro lugares privilegiados: o discurso do mestre, o discurso da universidade, o
discurso da histérica e o discurso do analista (Lacan, [1971]2009), é deste último lugar que
Gomes (et al, 2017) trata em seu texto, afirmando que o discurso psicanalítico “introduz e
sustenta a dimensão ética frente ao gozo” (p.499), portanto, a função do semblante em relação
com o lugar do analista seria a de “[...] velar o que não há. Trata-se de um uso calculado, um
saber-fazer para fisgar algo do real. Agenciado pelo objeto a no lugar do próprio do semblant -
semblant do que não é -, atinge-se o estatuto do ser” (p.500).
O semblante, portanto, é algo que remete a um simulacro, a um efeito de discurso que
cria um corpo ficcional a partir da fala do analista (Gomes, et al, 2017) e assim tenta bordejar
o real, reduzir o gozo, e sustentar o emergir do desejo do sujeito a partir desse encontro corpo
a corpo com o analista, que ocupa o lugar de semblante de objeto a, a partir da existência da
estrutura, da linguagem, que cria esta outra dimensão.
O discurso é sustentado pelo corpo, pois é assegurado pelo laço social, não
simplesmente pela relação, o corpo do sujeito diz respeito ao gozo do Outro e com isso “a
questão do corpo no discurso é, de início e antes de tudo, toda a questão da presença corporal,
a questão da pulsão e a questão do gozo” (Askaforé, 2010, p.41), nem tudo relacionado ao corpo
tem a ver com a articulação significante, há algo que escapa, que não é passível de simbolização.
Em outro momento do Seminário 20 – Encore, Lacan (1972-1973), situa o significante não
mais como representante do sujeito, mas como estando no nível da substância gozante. O corpo
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é simbolizado e fora dessa simbolização, ele goza em qualquer parte do corpo, “e mais ainda,
caímos imediatamente nisso, que ele só goza por corporizá-lo de modo significante” (p.79), ou
seja, se não há marca significante, não há gozar no corpo. Surge uma nova definição do
significante enquanto causa de gozo.

Pela incorporação do corpo do simbólico, o organismo corpsifica-se. Dessa operação


constitutiva do corpo, não somente ele se encontra marcado (marca de pertencimento
e/ou marca erótica), mas igualmente vem fazer o leito do Outro, esse leito pelo qual
se opera a metáfora do Outro, a substituição do Outro pela coisa. O efeito dessa
operação é de fragmentação do corpo e de seu gozo, que, falando propriamente,
deserda-o para se refugiar e condensar em suas quedas - contingências corporais-, que
são diferentes figuras do objeto a (seio, excremento, voz, olhar) (Askaforé, 2010, p.
40).

O que se entende por quedas neste fragmento é a queda do objeto a, objeto perdido no
momento de divisão do sujeito, a partir da incorporação do significante na libra de carne é que
abrirá para o sujeito o campo da linguagem e o campo do gozo. Machado (2010) afirma que o
objeto a “como sabemos é o resto da operação de constituição do sujeito pela via significante
[...] O objeto a marca um transitivismo entre o campo do sujeito e o campo do outro, a partir da
queda desse objeto que só ex-siste como falta” (p.108). Quanto à dimensão do real, é aquilo que
não é nem simbólico, nem Imaginário, Lacan define o real como aquilo que “sempre retorna
para o mesmo lugar - a esse lugar onde o sujeito, na medida em que ele cogita, onde a res
cogitan, não o encontra” (Lacan, [1964] 1985, p. 55), ou como o define em seu discurso em
Roma, A terceira de 1974 o real como um caroço,

[...] o real, justamente, é aquilo que não caminha, é o que atravessa o caminho dessa
carruagem, bem mais do que isso, é o que não cessa de se repetir para entravar essa
marcha. (p.4).

O real situa o simbólico e o imaginário em suas respectivas posições e se situa na ordem


do impossível de simbolizar: o real do Gozo. Refletindo sobre o exposto, observa-se a
importância de abordar a temática da constituição de sujeito, compreendendo como se constitui
o corpo e se inaugura o sujeito para a psicanálise.

2.3 A sereia (en)canta: articulação entre os objetos pulsionais e a primordialidade da voz


como objeto

Quem quer que, por ignorância, vá ter às Sereias, e o canto


delas ouvir, nunca mais a mulher nem os tenros filhinhos hão
de saudá-lo contentes, por não mais voltar para casa.
Enfeitiçado será pela voz das Sereias maviosas.
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(Canto XII do poema Odisseia – Homero).

Podemos inferir que, ao tratarmos do fenômeno da pulsão, sempre estará em jogo o


lugar de contorno entre corpo e psiquismo. Freud ([1915]2014) aborda os termos que se
correlacionam à pulsão: pressão, meta, objeto e fonte. Dentre estes os termos e as
particularidades que envolvem este conceito, neste trabalho iremos nos debruçar sobre os
objetos da pulsão. A meta da pulsão é a satisfação e o objeto da pulsão “é aquele junto ao qual,
ou através do qual, a pulsão pode alcançar sua meta” (p.25).
Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Freud ([1905]2016) estabelece as fases
de organização da libido sexual infantil, determinadas “ou pela predominância de uma zona
erógena ou por um modo de relação de objeto” (Garcia-Roza, p. 103). Evidenciam-se então os
objetos paradigmáticos da pulsão: oral (seio), anal (fezes) e fálico.
No primeiro momento da teoria pulsional, Freud propõe que as pulsões sexuais se
apoiam sobre as pulsões de autoconservação e assim, as escolhas objetais se estabeleceriam a
partir da satisfação sexual apoiada nestes objetos atrelados à conservação da vida, inicialmente
o seio materno. Este primeiro objeto será modelo para as futuras relações objetais, portanto,
chuchar o seio, seria o protótipo das relações de amor que se estabeleceriam posteriormente na
vida adulta do sujeito. Encontrar um objeto de amor na realidade seria reencontrá-lo (Freud,
1905). No Seminário 4 – A relação de objeto ([1956]1995) desenha a conceituação de objeto,
preliminar à noção de objeto a: desta “continuação de uma tendência onde se trata de um objeto
perdido, de um objeto a se reencontrar” (Lacan, [1956]1995, p. 13).
A partir do Seminário 10 – a angústia ([1962-63] 2005), ocorre uma quebra teórica do
conceito de objeto a que dá margem para que, no Seminário 11 – Os quatro conceitos
fundamentais em psicanálise ([1964b]1998), Lacan proponha um ponto de virada na
compreensão de inconsciente estruturado como linguagem, para o circuito da pulsão em torno
de seus objetos - e retoma as definições de Freud, a partir das quais propõe novos objetos
pulsionais: de um lado seio e fezes; e do outro, o olhar e a voz. Freud estabelece os objetos
paradigmáticos da pulsão e Lacan os promove à objetos pulsionais, objetos suplementares, não
destacados, mas que se fazem presentes e encarnam o objeto a.
O objeto a portanto, seria o objeto da pulsão, o(s) objeto(s) através do qual consegue
atingir seu alvo, sempre parciais, como por exemplo partes do corpo, não precisam ser reais, só
necessitam garantir a satisfação. Estes objetos contornariam o vazio próprio ao objeto a.
Considerando isto, o sujeito então faz relação com algo que é externo a ele, se produz a partir
59

do que está fora. A verdade do sujeito não está nele mesmo, está entre ele e o Outro e se encontra
para ele no horizonte, isso que não se apreende e se faz presente constantemente.
Se encontra no horizonte, na medida em que, para Lacan o objeto a se define em relação
ao desejo, como causa deste: “Isto significa que o objeto a não é um objeto do desejo (no qual
o desejo incide), que é sempre um dos objetos do mundo sensível, mas se encontra na origem
deste [...] o objeto a é uma causalidade fora do sujeito” (Quinet, 2002, n.p.) O que está em jogo
para o sujeito é o objeto apreendido na busca do objeto perdido. O objeto a teria como função
o sentido de causa, sendo o produto de uma operação significante que constitui o sujeito, esta
“constituição do objeto se subordina à realização do sujeito” (Lacan, ([1953]1998), p.293
[292]).
Em sua Conferencia em Genebra Sobre o Sintoma, Lacan (1975) afirma que “O homem
está capturado pela imagem de seu corpo” (n.p) e se indaga como este corpo poderia sobreviver,
enfatizando que “corpo ganha seu peso pela via do olhar” (n.p.). No texto O “mau-olhado” da
pintura: o olhar em Jacques Lacan e Witold Gombrowicz, Berressem (1997) comenta as
elaborações de Lacan acerca do olhar como objeto a. Este olhar que representaria o sujeito do
inconsciente e o desejo, relacionando a satisfação encontrada ao visualizarmos uma pintura
àquela mítica da primeira experiência de satisfação atrelada ao seio materno. O olhar, assim
como a voz, encarnaria o objeto a através de pedaços do corpo: olho, boca, orelhas/ouvido.
Como discorre Antônio Quinet (2002, n.p.):

O objeto agalmático vem, portanto, representar o olhar como objeto a, em torno do


qual a pulsão faz a volta e, como tal, é causa do desejo para quem é fisgado por seu
gozo, atraído por seu charme. [...] o agalma tapeia o olho para fazer brilhar o olhar.

Acerca da fala da Jovem Parca em “via-me ver-me”, Lacan ([1964a] 1998) aborda os
correlatos da consciência e da representação, coloca como dúvida “tudo aquilo que poderia dar
apoio ao pensamento na representação” (p.83), posto que “esquento-me para esquentar-me” faz
referência ao corpo diretamente, através da sensação de calor, porém a máxima “vejo-me ver-
me, não nos remete ao olho ou à visão, mas sim, ao olhar – que não remete ao ver, mas à essa
atração que causa. “Mas o que é o olhar?” pergunta Lacan ([1964b] 1998, p.85), se não o avesso
da consciência? O olhar encontra-se no registro do desejo, posto que este se instaura através
dele, caracterizando o estatuto do olhar como objeto a encarnado. Só percebo o olhar na medida
em que este representa o campo do Outro: “No que estou sob o olhar, escreve Sartre, não vejo
mais o olho que me olha, e se vejo esse olho, é então esse olhar que desaparece” (Ibid., p. 87).
Em A esquize do olho e do olhar, Lacan afirma que é nesse desencontro do olhar, na sua esquize,
60

que a repetição se funda: O olho e o olhar, esta é para nós a esquize na qual se manifesta a
pulsão ao nível do campo escópico (Ibid. ([1964a] 1998, p.77) É a esquize do olhar que
permitirá acrescentar a pulsão escópica à lista das pulsões. Assim como o vislumbrar um quadro
remete à uma “armadilha de olhar” (Op. Cit., p.91), a voz enquanto objeto captura e encanta.
Os objetos olhar e voz, no seu estatuto de pulsões - escópica e invocante – se colocam como
antecedentes da oralidade, que está presente em toda demanda do campo do Outro.
Em relação ao olhar, podemos questionar a função de anteparo que o diagnóstico faz
em relação ao olhar que a mãe dirige ao seu bebê. Se ao olhar para sua criança, a mãe se depara
com as impossibilidades apontadas pelo diagnóstico, o que a quebra de expectativas e angústias
relacionadas à fala do médico, da escola, etc., podem ocasionar em termos dos giros em seu
discurso sobre esta criança? Se a circularidade da pulsão escópica encontra um impasse causado
pelo sentido fechado do diagnóstico, o que pode capturar e encantar para que o olhar
direcionado à esta criança, tendo em vista que a mãe, em sua função, reafirma a imagem da
criança através de seu olhar? É possível inferir, a partir destes questionamentos, que os objetos
pulsionais olhar e voz são primordiais para a constituição de sujeito e sua relação com o corpo
e a linguagem estão intrinsecamente ligadas à maneira que estes objetos se instauram para o
sujeito a partir do Campo do Outro. Lacan sinaliza em Função e campo da fala e da linguagem:

[...] a função da linguagem não é informar, mas evocar. O que busco na fala é a
resposta do outro. O que me constitui como sujeito é minha pergunta. [...] Eu me
identifico na linguagem, mas somente ao me perder nela como objeto. ([1953]1998,
p.303 [302]).

Que objeto é esse que não tem uma materialidade? A voz é volátil e não possui
correspondência no espaço, descola e causa um efeito no outro, se colocando como o primeiro
objeto que engendra o sujeito à vida, captura para a vida, para o gozo e para o ser vivente, em
uma anterioridade lógica que estabelece o circuito pulsional. Assim, falar com o bebê seria
bordejar o seu corpo com a linguagem (Porge, 2014).
Lacan ([1964b] 1998) compreende a fala como um dom da linguagem e esta não seria
imaterial: “É um corpo sutil, mas é corpo. As palavras são tiradas de todas as imagens corporais
que cativam o sujeito [...] assim, a fala pode tornar-se objeto imaginário ou real no sujeito, e
como tal, degradar sob mais de um aspecto a função da linguagem” (p.303[302]), a linguagem
é corpo. Para tanto, Lacan localiza a materialidade do objeto a através da voz materna, tomando
uma dimensão invocante, um apelo, uma invocação (Schwarz; Moschen, 2012).
Inês Catão (2011, p.6) corrobora com a ideia de que a voz enquanto objeto a, é objeto
vazio e só é contornada pela pulsão enquanto resto, de um objeto que não produz imagem no
61

espelho, porém, a faceta de musicalidade da voz tem função de constituição do sujeito, a partir
da prosódia materna: “a voz não se confunde com o som, mas não o dispensa”, num primeiro
momento a voz apresenta seu valor como prosódia e musicalidade, correspondendo à operação
e alienação, num segundo momento, apresenta seu valor como objeto a da pulsão,
correspondendo à operação de separação. Portanto, para que o bebê constitua sua voz e o desejo
fundador inconsciente, implica-se que a sincronia com o outro materno, a relação simbiótica
mãe-bebê, seja rompida, para que se produza um resto que permanece na dimensão do indizível
e do inassimilável, apresentando-se como enigma do desejo do Outro:

A ideia é a de que a passagem de um momento ao outro é possível pela constituição


de um ponto surdo na voz materna (Vivès, 2009), furo que permitirá que juntamente
com essa voz materna seja transmitido um enigma em relação ao desejo que ela
expressa. O sujeito, no entanto, para o qual não se estruturou esse ponto surdo, será
invadido pela voz do Outro, não podendo fazê-la calar — como nas alucinações
auditivas típicas da psicose (Lima; Lerner, 2016, p.724).

Nesse sentido, Azevedo e Nicolau (2017) fazem uma revisão bibliográfica de diversos
autores que estudam o autismo a partir de uma perspectiva lacaniana, enfatizando a noção do
inconsciente estruturado como linguagem, constituição do sujeito e a possibilidade de uma falha
nesse processo, que ocorreria em crianças autistas. As autoras abordam a questão do circuito da
pulsão invocante e a importância da prosódia materna para a instauração do circuito pulsional
afirmando que este momento é primordial para a constituição psíquica, pois ainda que o bebê
não compreenda e atribua sentido ao que lhe é falado, “ele começa a ser pulsionalizado e
erotizado pela voz e, aos poucos, vai sendo tomado pelo funcionamento da linguagem.” (p. 25).
A voz, no autismo, não se instaura como função psíquica, não adquire o caráter de objeto
pulsional. Será que podemos supor que a não incorporação da voz no autismo significa que não
existe possibilidade de enlace com o Outro? “Para chamar é preciso dar voz”, mas quando o
chamar não se manifesta pela fala e sim pelo corpo? Seriam as manifestações autísticas (gritar,
espernear, se machucar, babar) uma tentativa de dar-se a ver ao Outro? Pode-se inferir que no
autismo o que existe é o gozo puro do ser, ou, como afirma Ângela Vorcaro (1999), não há
interpolação, nada diz respeito ao corpo como tomado pelo significante, mas suas aquisições
são reflexas, autômatas. Quanto a isso, Catão (2009) afirma que o autismo evidencia a
possibilidade de uma fala sem intenção de significação, de enlace com o Outro:

Nesses casos, uma vez que se trata do falante, devemos considerar, com Miller, que o
motor da enunciação persiste sendo a pulsão – embora desvinculada da intenção de
significação – e que o que se produz é o gozo (Miller, 1998). Trata-se de um
comportamento atípico da pulsão em que o gozo não emerge enlaçado pela palavra,
produzindo um sentido imaginário, mas em sua pureza real. Em decorrência disso, a
62

realidade que se produz na tensão da relação entre o sujeito e o Outro não assume a
organização de um campo passível de ser compartilhado socialmente (p.123).

Por sua vez, Erik Porge (2014) traça o percurso de Lacan acerca das pulsões sexuais e
de sua lista de objetos a, que incluem o seio, as fezes, a voz e o olhar, para mostrar como Lacan
liga o sujeito ao verbo e sua experimentação da falta-a-ser. Ao se debruçar mais precisamente
sobre a voz, afirma que “está no cruzamento do som e do sentido, do afeto e da significação,
do corpo e da linguagem [...] É também porque divide o falar e o ouvir que a voz, reconhecida,
pode se fazer de objeto de um endereçamento ao Outro, de uma reinscrição” (p.95). Já para
Vivès (2009):

o circuito da pulsão invocante se declinará, assim, entre um “ser chamado”, um “se


fazer chamar” (eventualmente, de todos os nomes...) e um “chamar”. Mas, para
chamar, é preciso dar voz, depô-la, como depomos o olhar diante de um quadro. Para
que isso ocorra, é preciso que o sujeito a tenha recebido do Outro que terá respondido
ao grito, que ele terá interpretado como uma demanda. (p. 330).

A suposição do desejo do Outro tem função de enodamento, “o olhar do desejo ao Outro


enoda-se numa mesma borda com a voz do desejo do Outro, respondendo ao tempo real de um
corte separador” (Vidal; Vidal, 1995, p.125-126), ou seja, deste corte, o que se resulta é o sujeito
dividido, imerso na linguagem, o que no autismo parece não se apresentar.
Pensando sobre o momento mítico em que o significante se incorpora e produz marcas
no corpo do sujeito, esta incorporação aconteceria por mediação da voz. Como afirma Travaglia
(2014) “há algo na pulsão invocante que ativa a cadeia significante no processo de formação
do sujeito” (p. 264).
Para reforçar esta ideia, Juliboni (2012) pontua o percurso da abordagem da voz no
trabalho de Lacan desde suas origens no estudo das alucinações psicóticas ao ponto em que
recorta o objeto-voz desta particularidade para incluí-lo na dinâmica do tornar-se sujeito: “esta
démarche introduz a voz como um objeto da pulsão (invocante), ao lado do seio (pulsão oral),
das fezes (pulsão anal) e do olhar (pulsão escópica)” (p.100).
Para Ângela Vorcaro (1999), as patologias do autismo, assim como da psicose, nos
mostram que o corpo pode denunciar o impedimento da função primordial do significante, que
algo no momento inaugural de sua instauração falha e como consequência temos uma
enunciação que não se destaca, a criança fica “engajada à motricidade, para evitar ou sustentar
a captura especular” (p.36).
Podemos inferir que a voz se coloca como objeto primordial para a constituição psíquica
do sujeito, na medida em que, como o olhar, gera uma esquize, uma separação entre o falar e o
ouvir, introduzindo a divisão do sujeito (Porge, p.95). Considerando que o corpo pressupõe a
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existência de um Outro que o constitui através da palavra, que faz corte e introduz uma matriz
simbólica e um circuito pulsional e de linguagem por meio do significante, “o símbolo que
concerne à clínica psicanalítica é o do significante como causa do gozo” (Machado, 2010, p.
111), - Lalíngua -, o gozo não causa o simbólico, ao ser nomeado, a palavra causa o gozo.

A língua não deve ser dita viva porque ela está em uso. É antes a morte do signo que
ela veicula. Não é porque o inconsciente é estruturado como uma linguagem que
alíngua não tenha de gozar contra seu gozar, já que ela é feita desse próprio gozar
(Lacan, 1974, p.9).

Machado (2010) descreve as definições de Lacan acerca de Lalíngua, no seminário


L’insu (1976-77), Lacan irá defini-la como o corpo do simbólico, onde este toma corpo e
posteriormente em Radiofonia ([1970] 2003), o define como o corpo natural como o primeiro
corpo, e condição para o surgimento do segundo, que seria o corpo de lalíngua. Essas definições
denotam o ponto de vista da psicanálise lacaniana acerca dos efeitos da linguagem sobre o
sujeito. Sobre a opção de utilizar o termo Lalíngua, Campos (2011) defende a tradução do
original Lalangue como Lalíngua e o justifica no trecho a seguir:

Diferentemente do artigo feminino francês (LA), o equivalente (a) em português,


quando justaposto a uma palavra, pode confundir-se com o prefixo de negação, de
privação (afasia, perda do poder de expressão da fala; afásico, o que sofre dessa perda;
apatia, estado de indiferença; apático, quem padece disso; aglossia, mutismo, falta de
língua; aglosso, o que não tem língua). Assim, alíngua, poderia significar carência de
língua, de linguagem, como alingüe seria o contrário absoluto de plurilíngue,
multilíngue, equivalendo a deslinguado. Ora, LALANGUE, pode-se dizer, é o oposto
de não-língua, de privação de língua. É antes uma língua enfatizada, uma língua
tensionada pela função poética, uma língua que serve a coisas inteiramente diversas
da comunicação (p.14).

Lalíngua é a palavra fora da significação, é o significante em sua materialidade, pois


não se articula em cadeia. São os sons, ruídos que a bebê escuta e que afetam sua carne, sons
anteriores ao corte do significante. Na definição de Machado (2010) Lalíngua é o efeito de
ranhuras no corpo que a linguagem materna causa e escreve o texto inconsciente no corpo do
infans e que não provoca um efeito de sentido, mas de afeto, de gozo em seu corpo. Lalíngua
anima o corpo e inaugura a opacidade do gozo, numa transmissão oral que exclui o sentido e
sustenta a homofonia dos significantes, raiz do mal-entendido onde nada o ser falante. Pela
maneira particular que isso se deu, pela contingência desse acontecimento, surge um falasser
em sua singularidade de gozo [...] pela escrita marcada no corpo. Ou seja, o falasser é o sujeito.
(Ibid. p. 111).
64

Campolina (2010) afirma que a voz precisa ter efeito de afeto para se incorporar como
alteridade no corpo do bebê, pois sem a incorporação de lalíngua, sem impregnação de
sentimentos, essa voz não se assimila e “os sons aparecem como ecos no real” (p.562). O sujeito
se apoia em lalíngua para marcar o corpo e o gozo sempre será sentido pelo corpo e, mas se
permanecer inefável pode ser delineado pelo aparelho linguageiro, a partir da fala e da escrita
do discurso, existirá na medida em que o significante lhe dê consistência.
Através da canção da lalangue, de sua canção, o sujeito adentra a linguagem e se
constitui enquanto dividido, abre-se para a criança o campo do Outro e o campo do Gozo, este
circuito da pulsão que faz alguma coisa cantar e o captura neste jogo de relação entre sujeito e
o Outro. Porém, não se trata apenas do que diz respeito à palavra e sua sonoridade, o que se
coloca em jogo é a alternância. Lacan ([1953]1998) retoma esta ideia a partir da brincadeira do
fort-da observado por Freud:

Pela palavra, que já é uma presença feita de ausência, a ausência mesma vem a se
nomear em um momento original cuja perpétua recriação o talento de Freud captou
na brincadeira da criança. E desse par modulado da presença e da ausência, que basta
igualmente para construir o rastro na areia do traço simples e do traço interrompido
dos kwa mânticos da China, nasce o universo de sentido de uma língua, no qual o
universo das coisas vem a se dispor (p.277 [276]).

Compreendendo com Porge (2014) que a voz é o desacordo entre corpo e linguagem,
inserindo a divisão entre o falar e o ouvir que causa a possibilidade do sujeito se fazer objeto
de um endereçamento, podemos inferir que a voz se estabelece como objeto pulsional não por
sua sonoridade, que vibra no corpo, que entra e sai nos sulcos da carne e bordeja o sujeito, mas
também pela alternância que produz o silêncio. É pela escansão produzida entre o falar e o ouvir
que o sujeito pode ser evocado. Sobre estes espaços vazios, esta escansão, entre o falar e o
ouvir, Lacan (1964c) afirma:

A hiância introduzida pela ausência desenhada e sempre aberta, permanece causa de


um traçado centrífugo no qual o que falha não é o outro enquanto figura em que o
sujeito se projeta, mas aquele carretel ligado a ele próprio por um fio que ele segura –
onde se exprime o que, dele, se destaca nessa prova, a automutilação a partir da qual
a ordem da significância vai se pôr em perspectiva. Pois o jogo do carretel é a resposta
do sujeito àquilo que a ausência da mãe veio criar na fronteira de seu domínio – a
borda do seu berço – isto é, um fosso, em torno do qual ele nada mais tem a fazer
senão o jogo do salto (p.66).

Diante do abismo que se abre a partir da ausência do Outro, do silêncio que quebra o
encantamento, é neste lugar em que algo se descola, cai, falta, que se abrem possibilidades para
o sujeito advir, pois é neste nada que pode vir a desejar, demandar e fazer-se ouvir. Erik Porge
65

(2014) insere como possibilidade, a partir destas reflexões sobre linguagem, fala e pulsão
invocante, a existência de um Estádio do Eco, que aconteceria – numa anterioridade lógica –
antes do estádio do espelho, importante na constituição do supereu, não o reduzindo ao aspecto
convocatório, mas na medida em que este “constitui um impasse do desejo do Outro que surge
no che vuoi?” (p. 98). A partir deste abismo que a ruptura do encantamento da voz faz captura
e aliena o sujeito no campo do Outro, o corpo é capturado no campo do gozo, a partir da
diferenciação entre prazer e o Eu além, a partir da instauração da linguagem e do desejo, que
irá em busca da satisfação e inaugura o circuito da repetição. Considerando que essa busca se
torna alucinatória depois de instaurada, pois nenhuma satisfação será total, toda repetição irá
comportar uma perda e este é o cerne do desejo, o efeito de sempre desejar. O jogo do fort-da
inaugura o circuito da repetição.
Portanto, não se trata de prazer, mas sim de gozo, de querer sempre mais, o que pode
levar a um gozo perigoso, mortífero, pois o sujeito partirá em busca desta parcela de gozo que
se perde na repetição, estendendo sua satisfação além dos limites, cessando apenas ao chegar à
morte. No Seminário 16 - De um Outro ao outro, Lacan ([1968-69] 2008) afirma a importância
de abordar a dimensão do gozo na medida em que circula por tudo que é abordado em
psicanálise e pressupõe a noção estrutural do mais-de-gozar, o qual estabelece uma relação de
homologia, considerando que são termos equivalentes por se tratarem “do mesmo tecido, na
medida em que se trata do recorte de tesoura do discurso” (p.44) e giram em torno do conceito
de objeto a, efeito de discurso psicanalítico e “que implica a transformação da relação do saber,
como determinante para a posição do sujeito, com o fundo enigmático do gozo” (p.45).
A esta busca perigosa que está além do princípio do prazer se denomina mais-de-gozar,
seria o bem extraído do gozo, situado nos quatro discursos como um efeito desta articulação,
“o mais-de-gozar é o que do discurso se perde, dele cai” (Ibid., p.71). O mais-de-gozar é o resto
do discurso e tem como função a retomada deste objeto que se perde, o gozo perdido que deve
ser recuperado como mais-de-gozar. Para Lacan (1974) a análise leva o sujeito a pensar o
mundo como imaginário ao reduzir a função de representação e situando-a no corpo, que onde
se localiza, e pensa o real como sintoma e o esforço que o analista deve fazer diante deste é o
de reduzi-lo ao ponto de morrer, pois seu sentido é o de impedir o andamento da análise, da
vida.
A morte é o cessamento das possibilidades de gozo, “a vida é, então, a repetição do
prazer enquanto dura” (Alberti, 2007, p. 70). Como as sereias de Ulisses e a voz que inaugura
o sujeito e o interpela através do herdeiro da constituição psíquica: o Supereu. “[...] é na medida
que o sujeito se experimenta no campo do gozo que goza, como as fontes cuspideiras, o prazer
66

da vida” (Ibid. p.74). Em Alocuções sobre as psicoses da criança, Lacan ([1967] 2003, p.365)
comenta o caso de Martpin der Sami Ali, interrogando:

Mas o que pergunto a quem tiver ouvido a comunicação que questiono é se, sim ou
não, uma criança que tapa os ouvidos – dizem-nos: para quê? para alguma coisa que
está sendo falada – já não está no pós-verbal, visto que se protege do verbo.

Com este questionamento, Lacan pontua que a criança autista, que se protege do verbo,
está na linguagem, ainda que situada fora do laço social, se utilizando da linguagem sem
endereçamento ao Outro da forma que se compreende a circularidade desta relação. Este ato de
proteção às palavras denuncia que o encontro entre linguagem e corpo, desde os primórdios da
constituição psíquica em sua submissão aos ecos de lalíngua, pode se tornar devastadora para
o sujeito. Em sua introdução ao livro Rumo à palavra, Marie-Christine Laznik-Penot (2012),
demarca a importância de se estudar acerca dos primeiros tempos da constituição psíquica do
sujeito autista, sobre como se dão as primeiras relações desse sujeito com a linguagem e
condições da instauração de sua corporeidade. Sendo assim, Azevedo e Nicolau (2017)
afirmam que pensar a constituição do sujeito, em especial quando de acordo com os princípios
da psicanálise lacaniana, pressupõe um retorno ao percurso que envolve “um processo
relacionado com a inscrição no simbólico, a instauração dos circuitos pulsionais, a articulação
ao campo do Outro e a assunção de um lugar no discurso” (p.12). Podemos considerar que algo
no momento da instauração do circuito pulsional encontra um entrave para a criança autista, o
que pode levar à sua dificuldade de engendrar-se no campo do Outro e assumir uma posição
subjetiva de falasser.
Em Conferência em Genebra Sobre o Sintoma (1975, n.p.), Lacan afirma que o que
possibilita a recepção da ordem simbólica por parte da criança seria justamente a essencialidade
humana de ser falante, ao que a audiência indaga acerca daqueles que escutam apenas
“barulhos” ou “murmuras”, os autistas, diz Lacan “escutam a si mesmos” (n.p.) e permanecem
acuados diante do analista em razão de sua linguagem fechada, estão inseridos na linguagem,
porém não se ocupam dela, o que não impossibilita que possamos ofertar nossa escuta: que o
senhor tenha dificuldade para escutá-lo, para dar seu alcance ao que dizem, não impede que se
trate, finalmente, de personagens de preferência verbosos”. A psicanalista Marie Couvert
(2020) ao abordar a clínica pulsional do bebê, nos convoca a pensar sobre o ensinamento de
Lacan sobre a primazia do Outro materno, este Outro que irá decifrar as insígnias do bebê.
Quando nos deparamos com uma criança que não verbaliza, poderia o dado diagnóstico,
67

advindo da figura do médico, apaziguar as angústias maternas acerca do enigma que a


“linguagem fechada” (Lacan, 1975, n.p.) das crianças autistas sinalizam?
Neste capítulo discorremos acerca da metapsicologia em que se fundamenta a prática
psicanalítica, ao considerar tantos conceitos complexos e fundamentais para o trabalho
artesanal de escuta que considere as tramas inconscientes, a articulação entre corpo, significante
e gozo, a escuta dessa dimensão constitutiva que é a travessia na linguagem. Frisamos este
aporte teórico com afinco, para demarcar a importância da técnica psicanalítica e sua
efetividade e rigor clínico. Sendo assim, no próximo capítulo, articularemos o trabalho do
psicanalista na escuta e manejo deste apaziguamento de angústias e torções sobre os sentidos
advindos do diagnóstico através da experiência de escuta em um ambulatório pediátrico.
68

CAPÍTULO III
NA SALA DE ESPERA: DESLIZAMENTOS DISCURSIVOS E O TRABALHO DO
PSICANALISTA EM AMBULATÓRIO

“[...] o verdadeiro autor do discurso analítico é o desejo do


analista e que a pessoa como autor não é senão um meio de
que esse desejo lhe ultrapasse”.

(Annie Tardits, 2001)

Com a delimitação do aporte teórico que circunscreve esta dissertação, podemos afirmar
que, tanto o diagnóstico de autismo, quanto a decisão sobre a direção de seu tratamento,
demandam uma investigação rigorosa. Ao considerarmos o referencial psicanalítico,
adentramos em uma noção fundamental: a noção de desejo. Ao aludirmos o desejo enquanto
suporte crucial do investimento materno, apontamos a relação fundamental e estruturante do
sujeito, pensado em sua articulação e referência ao Outro – este que é o tesouro da linguagem.
O interesse por investigar e ofertar escuta que faça emergir este desejo em cada caso, é
o interesse pelo sujeito do inconsciente, inserido em uma ordem que não se encerra em seu
aspecto biológico ou sociológico, e, decerto conflita com estes. Ao pensarmos na noção de
sujeito em psicanálise, é preciso considerar o desejo materno e a posição do sujeito diante deste.
Corroboramos Lacan (1975, n.p.) em Conferência em Genebra sobre o sintoma, ao abordar este
momento fundamental, o modo que o sujeito foi desejado e emergiu no discurso de seus pais:

Os pais modelam o sujeito nessa função que intitulei de simbolismo. O que quer dizer,
estritamente, não que a criança seja de algum modo o princípio de um símbolo, senão
que a maneira pela qual lhe foi instilado um modo de falar, não pode senão levar a
marca do modo pelo qual foi aceito por seus pais. Sei muito bem que há nisso toda
espécie de variações e aventuras. Inclusive uma criança não desejada, em nome de um
não sei o que, que surge dos seus primeiros balbucios, pode ser melhor acolhida mais
tarde. Isto não impede que algo conserve a marca do fato de que o desejo não existia
antes de certa data.

Na iminência da chegada de um bebê, este é idealizado de acordo com o desejo,


expectativas para o futuro, e fantasias da mãe, que constrói uma imagem de como será vivida a
experiência da parentalidade. No entanto, quando confrontada com possíveis limitações,
emerge o bebê real, que é diferente do que se esperava. Nesse momento, o diagnóstico de um
dito "distúrbio", seja de ordem do funcionamento orgânico, seja uma falha estrutural, na
constituição psíquica do sujeito, pode causar impasses e tornar-se o único traço pelo qual a
criança será reconhecida (Pavone; Abrão, 2014). Este sujeito que abordamos é o sujeito
69

impregnado pela linguagem e que, havendo-se ou não dela, pode viver sob o efeito da posição
que ocupa no desejo do Outro por um longo tempo de sua vida.
Smeha e Cezar (2011) realizaram um estudo acerca da vivência da maternidade de mães
de crianças autistas, considerando que este momento desperta na mãe novos sentimentos,
fantasias e expectativas, como anteriormente expostas, em seu imaginário, desde a gravidez a
mãe fantasia acerca das características físicas e da personalidade de seu bebê, constrói um ideal
acerca desta criança e espera ansiosamente que esta venha ao mundo de acordo com aquilo que
se é esperado, porém, já desde “o momento do nascimento há possibilidades de decepções
causadas pelo contato com o bebê, pois existe uma distância entre o filho fantasiado e o filho
real” (Smeha; Cezar, 2011, p.44).
Entre os resultados de suas pesquisas, as autoras observaram que o momento da
confirmação do diagnóstico é de suma importância, em especial para a mãe, considerando-se
que em geral a função de dedicar cuidados à criança é atribuída à mulher muito mais do que
aos homens. Diante disto, sentimentos contraditórios, principalmente ansiedade e culpa, podem
emergir e fragilizar esta vivência (Smeha; Cezar, 2011).
As autoras afirmam que em muitos depoimentos há a presença de incerteza em relação
à criança e que o momento de confirmação do diagnóstico “traz mais dificuldades para algumas
mães, enquanto para outras traz alívio, já que a partir deste momento será possível buscar
tratamento mais adequado para o filho” (Smeha; Cezar, 2011, p.46), o que demonstra que cada
pessoa reagirá de uma maneira quando nesta situação. Concluem, de acordo com sua coleta de
dados, que a maior parte destas mães se dedica quase exclusivamente a seus filhos, não
exercendo outras atividades, considerando a vivência da maternidade como difícil, pois envolve
uma sobrecarga de responsabilidades, ao que apontam a importância de uma rede de apoio não
só familiar, mas também técnica, para tornar a vivência da maternidade uma experiência mais
leve e elevar a confiança destas mulheres em si próprias e nas possibilidades favoráveis a seus
filhos.
De acordo com os fatos acima expostos pode-se afirmar que os pais e mães de crianças
diagnosticadas no espectro autista se deparam com o desafio de reorganizar sua rotina e ajustar
seus planos e expectativas quanto ao futuro às limitações que perpassam esta condição, além
da necessidade de adaptar-se a dedicação e cuidados necessários a seu filho, o que pode
constituir um fator estressor. Tal condição demanda atendimento específico para auxiliar os
familiares a conseguir ultrapassar estas barreiras. Sendo assim, com o estudo de Smeha e Cezar
(2011) podemos refletir sobre qual a relação desta mãe com o discurso científico encarnado na
figura do médico, com as questões sociais que permeiam seu maternar e seus sentimentos acerca
70

do diagnóstico, que muitas vezes demanda resoluções imediatas, seja em razão de uma pressão
social por adequar este bebê ao que se espera em termos de desenvolvimento e “educação”, seja
pela pressa dos familiares por respostas e direcionamentos, bem como, pela própria estrutura
do protocolo diagnóstico.
Numa tentativa de furar estas certezas protocolares, ofertamos nossa escuta para que
essa pressa e imediatismos possam circular na fala das mães atendidas e identificar de que
maneira podem escutar e estar com suas crianças. Em consonância com Cristina Hoyer (2020),
pensamos que a abordagem psicanalítica - enriquecida e aprofundada por outros saberes - se
destaca ao considerar que qualquer afetação deve ser traduzida em palavras expressas pelo
próprio sujeito, quando o mesmo é compreendido dentro de um contexto familiar, social, racial
e de gênero.
Nesse sentido, o projeto de pesquisa O lugar da mulher na função materna: torções
entre o feminino e o materno no cuidado à criança. apresentou-se como um espaço que situa a
importância de acolher e investigar a experiência da maternidade em mães cujos filhos têm
acompanhamento médico no Centros de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança (CASMUC),
serviço vinculado à Faculdade de Medicina (FAMED) e ao Hospital Bettina Ferro, da
Universidade Federal do Pará (UFPA), o qual recebe diariamente, para avaliação e tratamento,
crianças com suspeita diagnóstica de Transtorno do Espectro Autista ou patologias que
apresentam entraves, como TDAH, TOD, Transtorno do Espectro Autista e doenças raras.
Neste ambiente, propusemos escuta às mães nas salas de espera e em uma sala de aula reservada
para tal. Para as crianças, foi ofertada outra sala com recursos lúdicos para serem observadas
ao brincar. As atividades do projeto tiveram início em Março de 2022 e estão em andamento
até o presente momento em que esta dissertação foi finalizada, tendo desdobramentos inclusive
para o atendimento realizado com as crianças, promovendo produção científica, aprimoramento
técnico – através de formação complementar dos participantes do projeto sobre os protocolos
de fatores de risco psíquico em bebês e crianças 24 –, fomento para a continuidade da pesquisa,
bem como, a conquista de consolidar a práxis psicanalítica no espaço do ambulatório 25.

24
Indicadores de Risco para Desenvolvimento Infantil (IRDI) e Acompanhamento Psicanalítico de Crianças em
Escolas, Grupos e Instituições (APEGI).
25
O projeto expandiu-se e tornou-se também projeto de extensão, alcançando fomento para bolsas do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), tendo como título Abrir a caixa lúdica e fazer uma
brinquedoteca: escuta de crianças no Centro de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança através do trabalho em
grupo em 2023, em razão do acolhimento às crianças em tratamento no CASMUC, consequência do trabalho
desenvolvido com as mães. Frisamos que a clínica com crianças é indissociável do acolhimento aos
pais/responsáveis, bem como, para ofertarmos escuta às mães, foi crucial oferecer acolhimento aos seus filhos,
operando como um local de extensão de rede de apoio à estas mulheres.
71

Por ser um serviço inserido na Universidade Federal do Pará, além de ambulatório com
serviços à comunidade, o CASMUC se configura como um ambiente de formação,
comportando consultórios médicos e salas de aula, que são utilizadas por diversas áreas da
saúde, tais como: Medicina, Nutrição, Enfermagem, Fisioterapia e Assistência Social, no
auxílio de encaminhamentos para os devidos benefícios relacionados aos diagnósticos
recebidos pelas crianças. Devido ao uso diário do consultório por parte dos profissionais para
avaliação pediátrica, utilizamos de salas de aula para a realização dos atendimentos.
O psicólogo que atua em um ambiente ambulatorial enfrenta rotinas que fogem ao
trabalho clássico, encontrando-se em situações de escuta nos corredores, escadas, salas de
espera e, quando possível, em espaços sigilosos. São diversas as possibilidades de intervenção,
como apoio, escuta, orientação, psicoterapia individual ou técnicas coletivas. Além disso, na
medida em que os espaços se oportunizam, busca compreender o diagnóstico em conjunto com
o paciente, seus familiares, e com a equipe multidisciplinar, avaliando diferentes quadros
psicopatológicos em diferentes condições psicossociais (Giuliano, 2012).
Côrrea (2022) nos aponta que a escuta realizada no ambiente hospitalar ambulatorial
tem como objetivo promover a saúde mental das mães e, consequentemente, a saúde das
crianças, uma vez que o cuidado oferecido pelas mães às crianças tem efeitos benéficos no
prognóstico dos casos, enfatizando a importância da fala e a aposta freudiana na abordagem
terapêutica, acreditando que esta pode abrir caminhos para o restabelecimento do laço entre
mãe e criança, que não se limite apenas aos caminhos inconscientes da produção sintomática.
O trabalho de escuta, por ser de caráter singular, levou em conta a dinâmica única de
cada mulher. A seguir serão pontuados significantes, sentimentos e temores que surgiram de
maneira recorrente na fala de cada uma: entre eles o percurso da percepção de sinais e sintomas
até o recebimento do laudo diagnóstico, o desejo materno e as rotinas de tratamento.

3.1 Instante de ver: quando algo não vai bem

Neste item será feita uma costura entre os pontos principais abordados pelas mães em
atendimento e o aporte teórico que norteou nosso trabalho. Serão apresentados recortes de falas
de três mulheres atendidas no projeto, porém também serão abordados de maneira geral as
fantasias, significantes e desdobramentos de atendimentos como um todo no decorrer do
projeto, sempre considerando a singularidade dos relatos.
O primeiro ponto em comum entre as questões que circularam nos atendimentos
realizados foi acerca da percepção dos primeiros sinais de que algo estaria diferente em relação
72

aos comportamentos das crianças. Os relatos coadunam com as classificações diagnósticas,


tanto em relação ao checklist dos manuais - de dificuldades na interação social, padrões
estereotipados e comorbidade relacionadas à linguagem (American Psichiatric Association,
2023)-, quanto ao que se compreende como impasses com a linguagem. Em alguns casos o bebê
balbuciava ou falava até alcançar determinada idade, em torno dos 2, 3 anos, quando deixavam
de falar “de repente”, ou passavam a repetir palavras como em eco ao interlocutor.
Carolina 26 relatou em seu primeiro atendimento, que seu filho Jonas 27 falava até 1 ano
e 10 meses, dizia as palavras “pai” e “casa”, porém parou de balbuciar e tentar falar mesmo as
palavras que já ensaiava comunicar: “percebo que ele ‘tem vontade’, mas quando não consegue
articular ele desiste. Quando a família pensava que estava prestes a falar ‘é agora!’, ele não
falou mais” (SIC). Outra mãe, Thaís 28, relatou em seu único atendimento 29, que ela e o marido
haviam percebido os sinais de atraso na fala de José 30 desde 1 ano e 8 meses de vida, porém
“fecharam os olhos por um tempo” (SIC) até finalmente buscarem atendimento pelo SUS. Este
trecho remete à função de anteparo da função escópica, deste não-olhar momentâneo para a
criança, em busca de preservar algo da fantasia que se quebra no momento em que se percebem
os primeiros sinais de que há algo mais neste atraso de fala.
Se o olhar que constitui é um olhar de amor, olhar desejante que parte do grande Outro
e funda a imagem corporal (Freud, [1915] 2014; Laznik, 2012; Faria, 2017b), o que esta
pequena distração - diz-tração - poderia causar na cobertura simbólica que esta mãe ofertaria à
sua criança? Ao fechar os olhos para o não-dito de seu bebê, Thaís recorre, mesmo que
brevemente, à manutenção da fantasia do bebê ideal, denunciando a negação como reação ao
abalo que lidar com os entraves na linguagem pode ocasionar.
Podemos pensar também que esta negação apontada no “fechar os olhos” a função da
nomeação. Corroborando com Lacan ([1972-1973] 2010) em seu Seminário 20 – Encore, de
que as coisas só existem quando são nomeadas e a partir da nomeação algo fica de fora, a partir
do momento em que se “abre os olhos” – e a boca – para os sintomas, impasses, laudos e
angústias advindas desse momento em que se percebe que algo não vai bem, algo se modifica
na relação de uma mãe com sua criança. Algo passa a existir, seja este significante – autismo –

26
Nome fictício
27
Nome fictício
28
Nome fictício
29
Em razão das particularidades do atendimento ambulatorial, muitos atendimentos foram realizados na sala de
espera, o que ocasionou em atendimentos breves e únicos. Mesmo que diante da possibilidade de continuidade e
agendamento de retornos, muitas interrupções por conta da espera pelo atendimento médico ocorriam, assim como
a evasão ou faltas aos atendimentos agendados. Sendo assim, trabalhamos com fragmentos do que se pode
apreender da vivência na rotina do ambulatório.
30
Nome fictício
73

e algo fica de fora, ex-siste, à medida em que algo da fantasia que sustenta o desejo por este
filho se rompe e precisa se reordenar.
De maneira geral, a maior parte das mães relatam a interrupção da fala na faixa etária
entre 1 ano e 8 meses à 3 anos, período crucial de aquisição de vocabulário. Após os três anos
de idade ocorre a explosão de nomeação, em que a criança pode chegar a conhecer e
compreender 2 a 3 mil palavras (Biaggio, 2003), em termos quantitativos e de desenvolvimento
cognitivo. Do nascimento até por volta dos três anos de idade, situamos o banho de linguagem,
os caminhos para a constituição de sujeito que o bebê irá atravessar (Laznik-Penot, 2004, 2012;
Vorcaro, 1999; Catão, 2011; Nicolau, 2017, Faria, 2017b). Diante desse inesperado, dessa
ruptura com o andamento dito normal do desenvolvimento da criança, a demora em buscar
auxílio, ou a negação de que algo não vai bem, é comum no discurso das mães e nos aponta
para a quebra das expectativas entre o bebê esperado e o bebê real, que se apresenta – ou retira-
se de cena – nesse tempo que é “de repente”.
Essa ruptura traz consigo o sentimento de culpa, independente da tomada de decisão que
foi feita diante destes primeiros sinais da criança. Eustacia Cutler, mãe da autora Temple
Grandin, relata em sua autobiografia sobre o sentimento de perda da própria autoestima diante
das dificuldades enfrentadas por sua filha:

Todos nós sabemos que um bebê precisa de uma mãe para saber que é um bebê, mas
igualmente verdade, uma mãe precisa de um bebê para saber que é uma mãe. Quando
aquelas primeiras respostas bebê/mãe não podem se desenvolver, toda uma identidade
familiar sai dos eixos (Cutler, 2004, p.x-xi apud Bialer, 2017, p.26).

As próprias limitações decorrentes do autismo, por si podem ocasionar sentimentos


como culpa, angústia, luto e incertezas para os pais e familiares das crianças incluídas no
espectro. Guzman (et al, 2002) discorre acerca da existência de uma ruptura interna na família
e com isso o surgimento destes sentimentos, muitas vezes, advindo do desconhecimento, da
desinformação acerca do que permeia o Espectro do Autismo e principalmente no que este
acarretará no futuro da criança. Com relação à importância de conhecimento acerca do assunto
muitas mães atendidas relataram debruçar-se sobre o tema de maneira a oferecer o melhor
tratamento e compreensão para suas crianças, bem como, serem ativamente participativas
quanto à rotina de tratamentos enfrentada, entretanto, o momento da confirmação do
diagnóstico é permeado por sentimentos contraditórios, indagações e dúvidas, as reações podem
ser as mais diversas, e pode modificar de maneira extrema a vivência da maternidade.
74

Pode-se inferir, portanto, que a confirmação do diagnóstico é para estas mães, nas
palavras de Reisdorfer (2014) um choque narcísico, que impõe dificuldades em perceber traços
na criança que se assemelhem ao seu desejo. “A perda do filho é efetivamente vivenciada como
luto pela morte de um filho real e, inicialmente, o bebê deficiente que nasceu é sentido como
um intruso, um usurpador do lugar do que morreu” (Schmidt, 1998, p.72 apud Reisdorfer, 2014,
p.23). A criança, antes promessa de completude, se transforma no enfrentamento da falta. O
incômodo causado pela diferença, pelos comportamentos “estranhos” que as crianças
apresentam se deve ao fato que “uma das vias da constituição subjetiva acontece no processo
de identificação, no qual o ‘eu’ se identifica com o ‘outro’ enquanto seu semelhante” (Durante,
2012, p.7), ou seja, os pais buscam relacionar-se com seus filhos pela via da identificação, com
aquilo que existe de semelhante entre eles.
A confirmação do diagnóstico pode fazer com que as mães da criança se deparem com
a frustração de suas expectativas futuras, a perda do filho idealizado, momento a partir do qual
precisarão ressignificar a vivência de sua maternidade, a partir desta nova informação. Smeha
e Cezar (2011) afirmam que a descoberta do diagnóstico se desdobrará de maneiras diferentes
para cada pessoa, há mães que sentem mais dificuldades, enquanto que para outras, nomear os
comportamentos das crianças traz alívio e um ponto de partida das possíveis soluções a serem
tomadas, profissionais a serem consultados, etc. As autoras afirmam ainda que este momento
é de extrema importância, principalmente para a mãe, a qual geralmente fica com a incumbência
dos cuidados com a criança e em sua maioria, se dedicam quase exclusivamente aos filhos, não
exercendo outras atividades, considerando a vivência da maternidade como difícil, pois envolve
uma sobrecarga de responsabilidades.
Acerca do momento do recebimento do diagnóstico, Thaís relatou ter sido um baque,
um momento muito difícil e contou sobre a existência de um primo de seu marido que possui o
mesmo diagnóstico, assim, saberiam como proceder, remetendo à fantasia materna de uma
historicização que dê conta de explicar as origens destes sintomas, que crie um vínculo externo
ao que opera como entrave para sua criança. Entretanto, no momento de entrega do laudo
diagnóstico e indicativo da medicação (Risperidona 31), a pediatra apontou a suspeita de outro

31
Antipsicótico destinado ao tratamento da esquizofrenia e outras psicoses, sendo eficaz sobre distúrbios do
pensamento, confusão, alucinações, desconfiança, isolamento, além de amenizar os sintomas de ansiedade
(Bulário, 2023), sendo a principal medicação destinada ao tratamento de Transtornos do Desenvolvimento e
Aprendizagem, como autismos, TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno de
Oposição Desafiante, etc., Embora na bula do medicamento haja contraindicação à prescrição para menores de 15
anos, desde 2011, com a advento da lei n° 12.401- que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de
tecnologias em saúde no âmbito do SUS -, bem como programas como o Viver sem Limite: Plano Nacional de
Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto 7.612 de 17/11/11), Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com
Deficiência no âmbito do SUS (Portaria 793, de 24/04/12) e a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa
75

diagnóstico: Transtorno de Oposição Desafiante 32, em razão dos movimentos repetitivos com
as pernas, chutes, agressividade ao ser contrariado e recusa em atender comandos, chegando a
rir dos pais, jogar objetos e bater. José fica muito irritado quando próximo à médicos. Thaís
relatou sobre a angústia em razão deste segundo diagnóstico por ouvir dizer que “é mais difícil
de lidar” (SIC).
Observamos na fala de Thaís a ausência de cobertura simbólica quando se refere à José,
constantemente aludindo a ele em relação à comportamentos e construções imaginárias que
remetem à dificuldade de lidar com a criança quando do recebimento do laudo, bem como,
esses caminhos comportamentais que desembocam no diagnóstico como um fato concreto,
suscitada nesse “mais difícil de lidar”. Durante (2012), afirma que um diagnóstico determinista
proporciona a perda da identidade da criança enquanto sujeito, passando a ser caracterizado
apenas enquanto sua definição nosográfica, autista (e/ou diagnósticos de transtorno adjacentes,
considerados comorbidades), evidenciando-se apenas suas limitações e impossibilidades.
Nossa pretensão ao oferecer escuta que dê vazão à ruptura narcísica e angústias das
mães destas crianças é a de poder intervir – a tempo – nesse momento crucial de aquisição da
linguagem, ou ainda que posterior, de maneira a provocar giros discursivos que possam em
alguma medida apontar outro destino que não a impossibilidade. Entretanto, em um momento
pontual de escuta nosso desafio é ao menos fazer circularem estas angústias no discurso.
Nicolau (2022) aponta para a articulação do sintoma na criança como indicativo da
subjetividade materna o que coloca a criança em posição de objeto que “respondendo ao desejo
baseado na fantasia desta e buscando preencher o vazio de uma vida que não encontra outro
sentido senão o de carregar o peso que a criança pode vir a representar” (p.37). Assim, a criança
emerge no discurso materno como representante da nomeação diagnóstica e não como criança
desejada.. O peso da subjetividade ultrapassa a organização individual ao pensarmos no sujeito

com Transtornos do Espectro do Autismo (Lei 12.764 de 27/12/12), o Ministério da Saúde autorizou o uso da
medicação para crianças diagnosticadas no espectro autista, a partir de estudos de eficácia nos comportamentos de
hiperatividade, irritabilidade e agressividade em comparação a estudos com placebo. Para além do tratamento
visando ganhos funcionais, o tratamento medicamentoso faz parte dos programas de atendimento às crianças
autistas, ainda que sua eficácia não seja comprovada em “produzirem melhoras nas características centrais do
TEA” (Brasil, 2014, p.9). Entre as reações adversas as mais comuns estão: “sedação, enurese, constipação,
salivação, fadiga, tremores, taquicardia, aumento de apetite, ganho de peso, vômitos, apatia e discinesia” (Ibid.,
p.17) e alguns casos de ginecomastia (crescimento das mamas). O impacto orçamentário do uso da Risperidona
pode variar de uma média de R$ 3.506.664- a R$ 7.013.328 quando do gasto anual de R$ 369,60, por frasco de 30
mL (1 mg/mL) (Ibid., p.25).
32
Compreendido como um Transtorno de Conduta mais brando, as crianças com este diagnóstico apresentam
teimosia, desobediência e irritabilidade, sem necessariamente serem agressivas ou violar direitos (DSM-V-TR,
2022), desconsiderando o sofrimento do sujeito, visando discipliná-lo e adequá-lo ao ideário social. Lucero, Souza
e Cittadino (2021), elaboram as considerações psicanalíticas sobre este diagnóstico no artigo “A criança agressiva
para além do Transtorno Opositor Desafiador (TOD)”, disponível em DOI: 10.12957/mnemosine.2021.61856.
76

como forjado no campo da linguagem como efeito de discurso, a narrativa que se conta sobre a
criança determina a ordem simbólica que a constitui (Lacan, [1954-1955] 2010; [1955] 1998).
Carolina foi atendida no projeto por três vezes, sendo acompanhada desde o momento
inicial de suspeita do diagnóstico até sua confirmação. Relatou sofrer preconceito por conta das
dificuldades de Jonas, mas que seu filho “é normal”, fez questão de trazer o pai de Jonas em
todos os procedimentos e consultas para que ele veja que ela não estava “inventando nada”.
Após a descoberta de uma traição durante a gravidez disse que o casamento ficou frio e após o
nascimento de Jonas teve diversas perdas na família. Repetiu por diversas vezes o significante
“condição” ao relatar sua origem no interior do Pará, a mudança de cidade, de curso, de
emprego, o luto pela perda da mãe, que foi velada e enterrada sem seu conhecimento: “minha
condição foi embora com a minha mãe”. Relatou sobre noites em que se deitava e ficava
olhando para Jonas e dizia “não ter condições”, de confrontar-se com a possibilidade de seu
filho ser autista. Estava trabalhando no momento, mas a família fez uma vaquinha para pagar
atendimento médico particular e exames para Jonas. Disse: “Não me nego, mas quero o
diagnóstico certo”.
Foi possível observar no relato de Carolina a singularidade de cada caso, em que o olhar
sobre os filhos, apesar do impacto do diagnóstico, pode permanecer o de que os mesmos
possuem possibilidades, aparecendo no discurso enquanto crianças “normais” (SIC), vendo
resultados nos tratamentos realizados, porém, essa dicotomia entre normal e anormal pode nos
dizer da resistência em relação aos impasses que possui diante de tantas perdas. Para Freud
([1925]1996, p.131) a angústia é uma reação à uma situação de perigo que o Eu busca remediar,
tem uma função protetora, operando como sinal de algo. Além disso, para Vinheiro (2013): “O
lugar ocupado pelo pai é determinante para o laço mãe-bebê. Tem efeitos decisivos o modo
pelo qual o pai mantém o laço com sua mulher”(p.82), é possível inferir que esta ruptura com
o marido no momento de vulnerabilidade da gravidez tem consequências psíquicas não somente
diretas, ligadas à sua ausência nesse momento, mas também no discurso de Carolina e no luto
que se instaura sem apoio e presença do companheiro. O recebimento do diagnóstico pode
operar como a revivescência de tantos lutos que atravessou anteriormente.
Sua fala suscita também o preconceito, enfrentado constantemente pelos
pais/responsáveis das crianças. Barbosa e Fernandes (2009) enumeram os fatores estressores de
cuidadores de crianças diagnosticadas no Espectro do Autismo e afirma que os maiores são a
pouca aceitação destes comportamentos por parte da sociedade e familiares, constante
manutenção e ausência de suporte social. A severidade dos casos e a dificuldade de acesso à
serviços de qualidade também são aspectos estressores. “As relações sociais das famílias com
77

crianças autistas ficam embaraçosas e se reduzem, podendo haver rupturas em seus vínculos
sociais” (Ibid., p.482). Quando há suporte familiar, a criança faz acompanhamentos com
especialistas e tem oportunidades de serem mais independentes, os níveis de estressores podem
se diminuir, pois as limitações das condições da criança e a falta de uma rede de apoio
qualificada, além da dedicação exclusiva, podem trazer consequências psíquicas. A ruptura
diante do diagnóstico não se refere somente à rusga narcísica, mas também à mudanças na
dinâmica familiar e demais relações estabelecidas pelos cuidadores.
Ferreira e Vorcaro (2019) apontam um certo encapsulamento que os pais de crianças
autistas apresentam, em razão de um isolamento que faz tudo circular e destinar-se ao
diagnóstico e suas agruras, assim como suas recomendações de tratamento que em geral
apontam para tratamentos comportamentais e medicamentosos:

Preocupa-nos o fato de que muitos profissionais, fundamentados na sua representação


de “espectro do autismo”, não vejam um sujeito ali e sua subjetividade, privando-o de
um tratamento psíquico que poderia trazer muitos e variados progressos” (p.16)

Acrescento ao protesto quanto aos encaminhamentos que apontam o autismo enquanto


doença, transtorno, necessitando de ajustes comportamentais, que o trabalho multiprofissional
realizado nos projetos de pesquisa e extensão inseridos na universidade, que se ocupam de um
rigor ético psicanalítico de escuta das subjetividades é um trabalho político e de resistência, de
ir na contramão de uma universalização de sujeito – o dito ‘indivíduo – em prol de implicar,
acolher e encaminhar crianças e seus familiares colocando-os em posição de saber sobre si ao
evocarmos suas vozes, para que algo se enlace a partir desta escuta: “Não atribuindo sentidos
ou inferindo algo do que ela diz nas sessões, mas fazendo girar pontos de sua fala no corte
significante que pode produzir novos efeitos e novos encadeamentos” (p.39).
Grande parte das mulheres que foram atendidas pelo projeto encontravam-se em
situação de vulnerabilidade social ou relataram ter “largado tudo” em prol da rotina de
tratamentos das crianças, que envolve uma equipe multiprofissional: nutricionista,
fisioterapeuta, fonoaudiólogo, pediatra, psicólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes
sociais. Em razão de saírem de seus empregos para voltarem-se totalmente para as crianças,
necessitam recorrer aos benefícios que seus filhos possuem direito 33 para poder manterem suas

33
No Pará, através da criação da Coordenação Estadual de Políticas para o Autismo (CEPA), em maio de 2020, as
crianças diagnosticadas no espectro autista passam a ter direito à emissão da Carteira de Identificação da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), que garante prioridade no atendimento em serviços públicos e privados,
em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social, supermercados, bancos, farmácias, bares,
restaurantes e lojas, além de propiciar uma base de dados para o governo. A emissão da carteira integra a Política
Estadual de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Peptea), instituída pela Lei
78

casas e a própria rotina de cuidados: “Você respira, come e dorme autismo” (Barnett, 2013,
p.41 apud Ferreira; Vorcaro, 2019, p.2007).
Schmidt e Bosa (2003) postulam que os familiares de crianças com autismo se veem
desafiados à necessidade de mudar seus planos, sua rotina e dedicar-se intensamente aos
cuidados e às necessidades de seus filhos, deixando de lado suas carreiras, laços familiares e
sociais para dedicarem-se exclusivamente ao filho que necessita, os acompanhamentos
pedagógicos, psicológicos, ecoterapia, musicoterapia, natação, entre outros.
Monalisa 34, mãe de Maurício 35, havia procurado o CASMUC em 2020, porém, foi
descartada a hipótese de autismo, sem recomendação de outros exames. Relatou ter percebido,
desde que o filho tinha 1 ano e 9 meses, que o mesmo brincava com o carrinho apenas girando
as rodas, chorava ao ouvir barulhos como do liquidificador ou gritos de “gol” de seu pai e
também não apontava, guiava a mão da mãe ou do pai para apontar o que queria. A
recomendação da médica foi de que aguardassem as observações da escola e retornassem depois
para falar sobre a socialização de Maurício, porém, após essa consulta, iniciou-se o período
pandêmico e o mesmo não iniciou os estudos à época. Demorou para conseguir atendimento,
disse estar aguardando desde setembro de 2021 para agendar este retorno, ano em que Maurício
entrou na escola. Disse que a socialização dele é “tranquila”, não tomava iniciativas, mas
interagia com as crianças se convocado. Aos 1 anos e 9 meses já sabia identificar as letras do
alfabeto, antes dos três anos já sabia ler e portanto avançou de série e cursava o primeiro ano
do ensino fundamental. Gosta muito de brincar e tem restrições alimentares, só come vitaminas,
pipoca, pão, almoço e janta com comidas secas e texturas pastosas.
Podemos notar que dentro do esperado (em termos desta concepção de desenvolvimento
dito normal) para esse momento crucial de aquisição de linguagem, Maurício falava, lia e ia
bem nos estudos a ponto de avançar de série, estas particularidades que se compreendem como
espectro ou níveis de suporte para os DSM’s nos rememoram Lacan (1974) ao afirmar que
crianças autistas estão inseridas na linguagem, apenas não se ocupam dela, não se endereçam
ao Outro, ainda que falem. Os familiares de Monalisa estranharam a possibilidade de Maurício
ser autista em decorrência de saber ler e escrever, olhar nos olhos e ser muito carinhoso. O

9.6062/220, pelo então governador Helder Barbalho em maio de 2020 e está prevista na Lei Federal nº 13.977, de
8 de janeiro de 2020, denominada “Lei Romeo Mion”, que altera a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 (Lei
Berenice Piana), e a Lei nº 9.265, de 12 de fevereiro de 1996 (Lei da Gratuidade dos Atos de Cidadania) (Governo
do Pará, 2023). Através da emissão da carteira de identificação e tendo em mãos o laudo, é possível que os
responsáveis pela criança possam solicitar auxílio tal como o Benefício de Prestação Continuada, em caso de
vulnerabilidade social (Para melhor compreender acessar as leis nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 e nº
8.742/93 – Lei do BPC que pode ser utilizada na solicitação ao incluir o autismo no campo das deficiências).
34
Nome Fictício
35
Nome Fictício
79

atendimento de Monalisa foi interrompido quando falava sobre as estereotipias de Maurício


(roía as unhas, balançava as mãos, passeava sozinho pela quadra da escola) em decorrência do
chamado para atendimento com a médica. Monalisa não retornou aos atendimentos.
O que podemos destacar de seu relato, além da singularidade entre os fragmentos de
casos apresentados, é a dificuldade em conseguir atendimento ou a sensação de demora no
recebimento do laudo. Um dos fatores para a demora em conseguir agendar os atendimentos,
ou o espaçamento de tempo longo entre eles, deve-se à alta demanda recebida pelo ambulatório,
bem como, a dinâmica própria do CASMUC em relação ao calendário acadêmico da
universidade, obedecendo ao período letivo e férias coletivas.
Além dos fatores que envolvem a dinâmica institucional, grande parte do público
atendido reside em locais fora da capital, vindo de diversos municípios e ilhas, muitos apenas
conseguem acesso à Belém por meio do transporte ofertado pelo Tratamento Fora de Domicílio
(TFD) instituído por meio da Portaria SAS/MS nº 55/1999, consolidada na Portaria de
Consolidação SAES/MS nº 1, de 22 de fevereiro de 2022, Seção XII, Capítulo II [1], que
consiste em ajuda de custo a ser fornecida aos pacientes atendidos na rede pública ou
conveniada/contratada do SUS que dependam de tratamento fora de seu domicílio, mediante
garantia de atendimento no município de referência, podendo ser relativa à transporte aéreo,
terrestre e fluvial do paciente e seu acompanhante, bem como diárias para alimentação e
pernoite ou com parceria com casas-dia, asilos e afins (Governo do Pará, 2019).
Muitas usuárias do serviço passam mais do que o tempo previsto por conta dos
agendamentos das consultas, passando semanas e até meses na cidade em razão da rotina de
tratamentos da criança. Sem a legislação própria e políticas públicas que amparem estas mães
e suas crianças, de que maneira teriam acesso às múltiplas terapias prescritas quando do
recebimento do diagnóstico? Nossa escuta também deve estar atenta aos recortes e
possibilidades de sustentação dos tratamentos, inclusive e/ou principalmente dos que se
relacionam à dimensão psíquica. É necessário implicar o sujeito, levando em conta os contextos
no qual se insere.

3.2 Tempo para compreender: os giros discursivos convocados pela escuta

“O que deve nos guiar é o verbo daquele que fala”


(Rosane Braga Melo, 2023) 36.

36
No VIII Encontro Nacional do GT: Psicanálise, política e clínica. O que pode a psicanálise na rede pública?.
80

No que diz respeito ao diagnóstico ou suspeita diagnóstica de problemas no


desenvolvimento infantil, podemos afirmar que o acompanhamento e cuidado por parte da
família despertam temores relacionados tanto pela possibilidade da confirmação do diagnóstico,
quanto pela rotina de tratamentos por meio de diversas terapias e/ou medicações. A busca por
respostas diagnósticas foi um tema frequente, que abrangeu desde as dúvidas e angústias sobre
os sintomas que indicam que algo não ia bem com seus bebês - às vezes negados, às vezes
reafirmados - até as dinâmicas familiares e os encaminhamentos feitos por profissionais em
unidades básicas de saúde e educação, que suscitaram suspeitas. No momento em que um
diagnóstico nosológico se confirma, este ressoa nas fantasias construídas pelas mães em relação
às suas crianças.
Compreende-se a fantasia como um importante processo psíquico que sustenta o vínculo
estabelecido entre mãe e filho. O conceito de fantasia emerge em toda a obra de Freud, desde
seus textos iniciais e sustentam o desenvolvimento da teoria psicanalítica (Lourenço, Padovani,
2013). No Seminário 14 – A lógica do fantasma, Lacan ([1966-1967] 2017) destrincha a
articulação lógica da fantasia em sua relação com o significante. Esta dissertação leva em conta
a lógica da fantasia em suas interpretações: aqui consideramos os conceitos de identificação,
alienação, as operações de alienação e separação, demanda e desejo, os objetos pulsionais e sua
articulação com o objeto a; conceitos que entrelaçam a lógica de sujeito que este trabalho leva
em conta em sua escuta.
Um abalo importante em relação à posição deste bebê real, e, nas palavras de várias das
mulheres atendidas: “anormal”; esta dicotomia normal versus anormal foi muito marcante nos
atendimentos, ao que se infere o caráter de desarranjo e desorganização que as birras,
ensimesmamento e estereotipias podem causar no enodamento significante. A anormalidade
aponta para aquilo que não se reconhece na criança, o dissonante ao que se fantasiou, bem
como, podemos supor: apontaria a normalidade buscada pela fala de Carolina, por exemplo, ser
uma tentativa de reconhecer neste filho algo que faça laço?
Observamos que, mesmo quando há um esforço da equipe multidisciplinar em
estabelecer critérios para o diagnóstico e, consequentemente, para direcionar o tratamento e as
intervenções, os diagnósticos realizados e/ou confirmados a partir de uma suspeita não são
recebidos de maneira única por essas mães, apontando tanto para o alívio em saber como iniciar
o tratamento, quanto em sentimentos conflitantes em relação à criança e seus impasses.
Nesse sentido, Leite (2001) discute a diversidade de perspectivas sobre a psicopatologia,
destacando as descrições classificatórias nas quais a Medicina se baseia, que o autor refere
como Psicopatologia Operacional-Pragmática, em que o diagnóstico não é questionado.
81

Segundo o autor, o que se busca é o reconhecimento da doença, sendo, portanto, um instrumento


que visa "reconhecer um objeto, evento ou estrutura por meio de suas características ou sinais
evidentes" (p.31). Em outras palavras, o olhar médico sobre os sinais comportamentais, os
sintomas fenomenológicos apresentados pela criança e seus sintomas físicos tangíveis são
considerados como fatores definidores no momento da investigação e direcionamento do
tratamento. A escuta psicanalítica se insere em contraponto, levando em consideração a posição
do sujeito diante de seu sintoma e das fantasias quando se deparam com o recebimento do laudo
médico, abrindo espaços para falar destas fantasias que irão permear e afetar diretamente o
vínculo mãe-criança. Desta maneira, observamos que estas puderam ser expressas e também
pondo em circularidade a dimensão de si mesmas, fora, ou mais além, da função de mães.
Outro tema importante, que é o ponto base, fundamental para nossa discussão, e que
emergiu com frequência nos relatos das mulheres atendidas, foi o desejo por aquele filho, que
abrange tanto a situação atual de diagnóstico e/ou acompanhamento terapêutico quanto a
história anterior dessas mulheres: sua dinâmica familiar, com o pai da criança, seu processo
gestacional, entre outros. O desejo materno é crucial para o vínculo com a criança - não à toa é
situado por Lacan enquanto alicerce da constituição de sujeito -, e aponta a necessidade de
investigarmos essa dimensão inconsciente para também levar em consideração a mulher como
sujeito de desejo, que só poderá ser apreendido na singularidade do vínculo de cada mulher
com seu filho, essa singularidade dos laços, em nossa pesquisa, mostrou-se atravessada pelo
discurso médico, pela rotina de tratamentos e pela constante busca por sintomas relacionados a
um diagnóstico.
Embora este cenário se encontre dominado por discursos hegemônicos patologizantes,
ao ser abordado por meio de um ambiente acolhedor e terapêutico, é possível que a criança não
seja apenas definida pelos sintomas que apresenta, mas sim pelo lugar singular que ocupa na
vida de cada mulher. Nesse sentido, o desejo materno, oscilante entre certezas e dúvidas,
encontra espaço para ser expresso e se manifesta também na forma como a criança é percebida
para além da doença.
Como o diagnóstico requer uma investigação clínica detalhada e, tanto durante, como
posteriormente ao recebimento do laudo, está acompanhada de uma série de terapias, tais como
fonoaudiologia, nutrição, terapia ocupacional e psicoterapia, etc.;, a rotina de tratamentos foi
uma questão recorrente nas falas das mães. Além do cansaço físico, das dificuldades
burocráticas, e do impacto financeiro – mesmo nos casos em que há recebimento de algum tipo
de auxílio financeiro, os valores não suprem a totalidade de procedimentos que as crianças
necessitam semanalmente –, a saúde psíquica das mulheres atendidas também era afetada por
82

essa rotina, uma vez que o recebimento do laudo implica uma mudança em relação ao que era
esperado para seus filhos e para si mesmas, gerando necessidades adicionais às que eram
inicialmente previstas. Para as mulheres que já têm outros filhos, essa situação acrescenta às
demandas já conhecidas relacionadas à maternidade. Esse aspecto também foi frequentemente
acompanhado pela queixa de ausência de rede de apoio, o que faz com que grande parte da
responsabilidade recaia sobre a mãe.
Ao considerarmos com Lacan ([1954-1955]2010) que “as falas fundadoras que
envolvem o sujeito são tudo aquilo que o constitui, os pais, os vizinhos, a estrutura inteira da
comunidade, e que não só o constituiu como símbolo, mas o constituiu em seu ser” (p.34), se
estas leis determinam e canalizam o laço social, podemos inferir que os giros discursivos que a
escuta psicanalítica provoca, em certa medida, dão um novo sentido à esta fundação, re-atando
este laço a partir da retificação subjetiva. A experiência clínica se apresenta como uma
possibilidade de reconhecer por quais vias os fenômenos se ordenam, qual estrutura os organiza
(Lacan, [1953] 1998) , embora no ambiente ambulatorial não seja possível trabalhar com o
dispositivo analítico nos moldes clássicos da clínica, a escuta ofertada nos corredores do
hospital mostrou-se fator de mudanças significativas no discurso e relações estabelecidas entre
as mães que acolhemos e suas crianças em tratamento. Lacan ([1955] 2010) afirma que:

responder o que convém a um acontecimento na medida em que é significativo, em


que é função de uma troca simbólica entre os seres humanos [...], é fazer boa
interpretação. E fazer boa interpretação no momento necessário é ser psicanalista
(p.35).

Talvez não possamos ter a ambição de afirmar que houve reposicionamento no desejo
destas mães - seria possível tocar a fantasia materna? - mas foram observadas as transformações
de algumas das certezas diagnósticas – tão angustiantes e impossibilitantes – em
questionamento e ponto de partida – remetendo ao que nos aponta a epígrafe desta dissertação
– que rume para um novo enlace.
Para ilustrarmos esta afirmação apresentaremos a seguir o caso de Marianne 37 e seu
filho Bruno 38. Apesar do laudo diagnóstico de Bruno ter sido fechado como TDAH, julgamos
imprescindível abordar os impasses que apresentaram ao chegar no serviço do CASMUC e das
elaborações que decorreram deste caso, tanto por conta do tempo mais longo de duração do
acompanhamento, bem como, do estabelecimento da transferência que possibilitou giros
importantes para esta mãe e seu filho.

37
Nome fictício.
38
Nome fictício.
83

Marianne foi encaminhada pelo neuropediatra que atendeu seu filho, Bruno, em sua
cidade natal, no interior do Pará, em razão de suspeita do diagnóstico de TDAH. Relatou que
Bruno desde 1 ano e 2 meses se comunicava com birras, briga, e mordidas. Alegou que, em
razão destes comportamentos, sofrem exclusão por parte das pessoas em geral, incluindo
familiares: “O que mais me dói é a exclusão” (SIC), pois ele “foge do controle” (SIC) e ninguém
ao redor lida muito bem com suas explosões de agressividade.
Apesar da agressividade de Bruno, Marianne pouco a pouco nos revela um discurso de
aposta e investimento em sua criança e nos conta sua história. Bruno é filho de uma sobrinha
do antigo companheiro de Marianne. Em decorrência de complicações em uma gravidez
anterior, decorrentes de um mioma, além de perder o bebê, Marianne precisou realizar uma
histerectomia total, o casal, portanto, sem poder ter filhos biológicos decidiu adotar Bruno desde
antes de seu nascimento. Marianne falou em diversos momentos sobre seu desejo de ter um
filho e do incentivo que sua mãe biológica deu a ela. Chegou a “procurar por ai” na casa das
pessoas, para saber se alguém tinha uma criança para oferecer em adoção. Quanto ao desejo de
ter filhos, retomamos com Lacan (1999[1957-58]) que o desejo materno é o fio condutor do
laço entre mãe e bebê, do qual este depende estreitamente e diretamente. O seu desejo pela
maternidade teve sua realização através da adoção de Bruno e o laço estabelecido entre os dois
é de extrema união e abdicação em prol dos cuidados que o menino demanda.
Após um mês do nascimento de Bruno, o pai viajou à trabalho e não voltou mais,
começou um novo relacionamento com outra mulher, em outra cidade. Podemos inferir que
esta ruptura que a partida do pai causa tem consequências psíquicas não somente diretas, ligadas
à sua ausência em relação à Bruno, mas também no discurso de Marianne e no luto que se
instaura a partir deste abandono afetivo. Sem apoio e presença do companheiro, Marianne
deixou de trabalhar, afirmando que “não tem com quem deixar a criança” (SIC), antes
trabalhava como doméstica e hoje em dia faz salgados para vender. Conta com o Auxílio Brasil
e a pensão que o pai de Bruno envia.
Marianne também é filha adotiva de um casal de tios, ao pensarmos sobre a filiação por
adoção se coloca em jogo essa pré-história do lugar de desejo que Marianne um dia ocupou, de
sua própria caminhada psíquica que irá reverberar na vivência de sua maternidade. Aos 16 anos
retomou contato com sua mãe biológica, diferente da mãe biológica de Bruno, que não quis
mais contato com o mesmo. Este é um ponto de conflito para ela, por não compreender a
distância que a mãe biológica de Bruno impõe, a dimensão de seu desejo pela maternidade,
assim como o lugar que se localiza em relação ao desejo de seus pais - tanto os pais adotivos,
quanto sua mãe biológica - torna uma incógnita para ela a decisão da mãe biológica de Bruno.
84

Segundo Xerfan (2016) é comum essa reação de culpabilização diante dos pais biológicos que
entregam suas crianças aos cuidados de outras pessoas: sendo necessário desmistificar esta
entrega que está associada “sempre ao abandono e não ao desejo em relação ao filho gestado e
parido. Ao contrário, pode haver mais investimento na entrega do que no ficar com um
filho”(p.129).
Outro ponto levantado por Marianne foram os comentários que familiares e outras
pessoas faziam sobre esconder o diagnóstico, ou o fato de Bruno estar tomando medicação,
assim como comentários sobre a responsabilidade que tomou para si ao adotá-lo, como uma
culpabilização, chegando a insinuarem que ela deveria “devolvê-lo” à mãe biológica. Estes
comentários atravessaram Marianne de tal maneira que mesmo necessitando realizar uma
cirurgia de urgência descoberta quando Bruno era ainda um bebê, ela abdicou de realizar o
procedimento por não ter com quem deixar a criança. Disse que sente vergonha e também se
sente culpada, sua mãe adotiva sempre lhe diz para não dar ouvidos aos comentários. Relatou
em um dos atendimentos, que naquela manhã, Bruno acordou e lhe disse “Mamãe eu te amo,
você é centro do meu coração” (SIC). Embora demonstrasse agressividade, em muitos
momentos Bruno foi extremamente gentil e carinhoso com as outras crianças e com os
estagiários e profissionais.
Depois de alguns meses, Marianne passou a faltar aos atendimentos agendados, porém
mesmo não comparecendo, ou com a constante fala de que ninguém ficava com Bruno, na sala
de brinquedos a criança permanecia sem sua presença. Em certa ocasião, Marianne o deixou
aos cuidados dos estagiários e profissionais do projeto, enquanto resolvia outras questões fora
dali. Marianne encerrou os atendimentos no CASMUC em razão de ter conseguido encontrar
um emprego e ter incompatibilidade de horários.
Esta conquista, que pode parecer tão comum à primeira vista, pode ser interpretada
como um ensaio desta independência e separação necessária entre Marianne e Bruno, um
indicativo de um novo posicionamento subjetivo em que possam enlaçar-se sem aperto, em que
Marianne encontre os trilhos de seu desejo para além do filho e elaborar os lutos causado pela
perda do filho esperado outrora, da ausência do pai de Bruno, da falta de uma rede de apoio, o
que a leva a bancar os cuidados de Bruno sozinha – e com o próprio corpo, com a própria saúde
- assim como do luto causado pela inferência do diagnóstico; para que Bruno possa construir
seus próprios sintomas e elaborações de suas próprias questões por vir.
Se há um momento crucial na aquisição da linguagem que pode sofrer impasses que
levem ao circuito pulsional não se instaurar, de modo que o sujeito opere em novos modos
diante dela, e se esse momento é crucial em relação à função materna, podemos afirmar a partir
85

da fala de Lacan que não somente a mãe tem a ver com isto. É necessário que possamos situar
a importância do estabelecimento do laço entre uma mãe e seu bebê, sem adicionar mais caráter
culposo na realização de suas funções. Se o sujeito se constitui pelas funções materna e paterna,
bem como com os laços que estabelecerá – do modo que seja – com os pequenos outros que
atravessarão seu caminho, é possível pensarmos na potência da escuta como re-ordenadora
desse modo de apresentar-se diante do Outro?
Ao pensarmos espaços de escuta para as estas mulheres no contexto das instituições, é
necessário refletir sobre as dimensões que as cercam. A vivência no CASMUC possibilitou
observar os impasses ao acesso a serviços de atendimento psicológico, denunciando a
necessidade de repensar as dinâmicas de escuta constantemente, de modo a oferecer espaços de
acolhimento e que evoquem a implicação (Corrêa; Batista; Lobato, 2022). Nicolau (2022)
reflete sobre a sustentação do fazer analítico nas instituições na contramão da pressa, dos
protocolos e prazos que regem a dinâmica dos atendimentos. A escuta psicanalítica é a da
articulação inconsciente e o que pode um analista nas instituições seria a prática que visa
“produzir efeitos psicanalíticos e mudar a posição do sujeito frente ao seu sintoma” (p.41), no
que se refere às mães, a maneira com que seu sintoma se articula à sua criança, produzindo
abalos nesta relação.
Nesse contexto, proporcionar um espaço onde essas mulheres pudessem falar sobre si
mesmas, além de responder à rotina do tratamento de seus filhos, foi fundamental para oferecer
cuidado e criar uma rede de apoio. As atividades realizadas com as crianças em uma sala
reservada, com brinquedos e a presença de estagiários e psicólogos voluntários, funcionaram
como um espaço aberto em que as crianças eram convidadas a brincar de acordo com seu desejo,
enquanto aguardavam seus atendimentos pediátricos. Além dos atendimentos oferecidos às
mães, também ocorreram brincadeiras na sala de espera, mas essas não foram registradas com
a mesma frequência devido ao menor tempo de permanência das crianças nesse ambiente. No
geral, consideramos um avanço significativo ter um espaço para brincadeiras e atividades
lúdicas em um ambulatório pediátrico, com brinquedos, materiais para pintura e desenho, o que
contribui para que a infância não seja associada apenas à especialidade médica:

Assim, atuamos em um campo em que o cuidado fornecido às mulheres também


abrange as crianças. Reconhecemos a importância do desejo materno não anônimo
pelo filho e da suposição de sujeito como processos psíquicos essenciais na função
materna (Lacan, [1969]2008). A forma como o vínculo entre mãe e bebê é construído
e como o desejo materno é vivenciado desempenham um papel crucial na subjetivação
da criança, permitindo que ela estabeleça vínculos com o Outro (Teperman, 1999).
Esses aspectos podem ser escutados não apenas em termos de conquistas, mas também
86

de obstáculos e frustrações, o que amplia a compreensão clínica da criança além dos


aspectos puramente médicos (Corrêa; Batista; Lobato, 2022, p. 141).

Considerando que o diagnóstico e suas repercussões concretas podem deixar marcas


psíquicas que exigem escuta, concordamos com Moretto ([2002] 2008) que o interesse da
psicologia é dar voz à subjetividade do paciente. Assim, a abertura desses espaços de escuta
possibilita a restituição do lugar de sujeito para essas mulheres, que são atravessadas pela
experiência da maternidade. Isso, por sua vez, permite novas perspectivas para suas crianças.
Proporcionar um espaço para que essas mulheres possam falar sobre si mesmas, além de
responder à rotina do tratamento de seus filhos, funciona como um momento de cuidado e uma
rede de apoio pontual para elas, respaldado o cuidado de escutar o que o laço com a instituição
pode representar de amparo (Nicolau, 2022), como pudemos observar no caso de Marianne,
que deixou o filho aos cuidados dos estagiários para resolver outras demandas, confiando na
instituição como extensão de rede de apoio.
A função materna não pode ser exercida sem a possibilidade de a mãe não saber tudo
sobre a criança (Lacan, [1956-1957]1995), é fundamental que haja uma rede de apoio que
sustente as frustrações decorrentes desse desconhecimento. Oferecer escuta a essas mulheres
possibilita esse trabalho. Nesta investigação, foi possível perceber que as mulheres atendidas
no CASMUC tiveram acesso a um ambiente de apoio, escuta e cuidado para si e seus filhos,
promovendo transformações, mesmo que pontuais, nas relações entre mães, filhos e
diagnósticos decorrentes da natureza do serviço oferecido pelo CASMUC.
Ao refletirmos sobre o inapreensível que o diagnóstico suscita, é possível pensar que na
clínica do autismo há sempre algo de real em jogo, algo da ordem do inapreensível, que marca
esse “impossível” - como presentificado na fala da mãe citada na introdução desta dissertação
- de apreender o que é essa síndrome, ou o desconhecido que ela representa. A angústia é um
sinal, um indicativo, e seu destino não é o desaparecimento, mas sua transformação, que
concerne às relações do sujeito com esse afeto. Ao ofertar espaços para escutar sobre esse
inapreensível, por meio do atendimento em sala de espera, ainda que nem sempre haja uma
continuidade de retorno e acompanhamentos à longo prazo, atestamos através da experiência
desta pesquisa, que a escuta por si só pode fazer operar algo que promova uma mudança, mesmo
que sutil, para essas mães, seja alívio momentâneo no apaziguamento de sua angústia, seja
levantar questionamentos, fazendo furo às certezas que bordejam os diagnósticos e a própria
rotina de tratamento, bem como, um novo olhar sobre seu bebê, que pode reposicioná-lo
também enquanto sujeito no desejo de sua mãe.
87

Quanto ao autismo, Maleval ([2009] 2017) discorre acerca dos obstáculos que
encontramos ao estudar essa temática, incumbindo o dever dos psicanalistas de se debruçarem
sobre o estudo da lógica de funcionamento singular. Acrescento à fala do autor, que é
imprescindível no entendimento desta lógica, que possamos ofertar espaços de escuta dos
cuidadores destas crianças, que muitas vezes tem seu saber enquanto pais, mães, questionado
ou suprimido no decorrer da rotina dos tratamentos. Ofertar escuta que acolha e dê vazão para
os sentimentos que circulam desde o diagnóstico é parte da compreensão e abertura também de
possibilidades para lidar com suas crianças. Nicolau (2022, p.39) frisa que: “É preciso apostar
no sujeito, convocá-lo. A aposta é sempre do lado do analista advertido de seu desejo de
analista”. Finalizo com a questão que Carolina colocou ao final de nosso primeiro atendimento:

- “Um autista pode ter uma vida normal né?”.


- O que você considera uma vida normal? – retornei como pergunta.
- “Casar, ter filhos, estudar...”

Traduzimos este questionamento como a incógnita: pode o autista amar? Como dito à
Carolina, à Thaís, à Monalisa e tantas outras mulheres que ouvimos, e que retomamos como
mote do fazer analítico, o “ter uma vida normal” seria uma aposta que faríamos, dentro das
anormalidades que a singularidade carrega, assim como alguém apontou para estas mulheres
tantas impossibilidades para si mesmas e suas crianças, nós apostaríamos em seus filhos através
de um novo olhar para os mesmos, em alguma autonomia possível e no restabelecimento desse
laço fragilizado pela nomeação de outrem. O que sustenta a práxis psicanalítica é o desejo do
analista, que movimenta ao rigor teórico-técnico e ao cuidado em sustentar uma escuta atenta
aos inúmeros recortes e atravessamentos do sujeito que se coloca diante dele. Corroboramos
Ferreira e Vorcaro (2019) que:

Se no campo da psicanálise um psicanalista não recua frente ao autista e seu olhar não
se reduz às descrições fenomenológicas afetas ao saber psiquiátrico, tampouco
condena o autismo como causa genético-hereditária que fixa para essas crianças um
destino e uma suposição de vítimas frente ao que incide de fora, sobre elas, retirando-
as da suposta passividade do que as aprisiona – as questões do tratamento restam
problemáticas (p.21).

O que nos interessa é o sujeito, na medida em que é feito pelo discurso, enquanto
analistas, devemos nos colocar à altura desse sujeito da enunciação, à medida em que não nos
ocupamos do saber, nem da consciência, mas do desejo do Outro e de sua fala (Lacan, [1967]
2006), aqui se forja o desejo do analista. Se o discurso não para, portanto, suporta giros – assim
88

como o sujeito – não devemos nos paralisar diante dos enigmas colocados por outros modos
de se haver com o atravessamento no mar da linguagem.
89

MOMENTO DE CONCLUIR: CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação teve como objetivo analisar as incidências do diagnóstico do autismo


no laço mãe-criança, considerando os possíveis impasses no olhar da mãe direcionado à sua
criança, os significantes que emergiram no discurso das mães atendidas no projeto “O lugar da
mulher na função materna: torções entre o feminino e o materno no cuidado à criança”.
No primeiro capítulo situamos o conceito de autismo desde o surgimento do termo até
sua inclusão nos manuais diagnósticos, levando em consideração os mais recentes (DSM-V,
ano e DSM-V-TR, 2022), assim como as posições discursivas da psicanálise sobre este
conceito, colocando o fazer analítico como um posicionamento ético. No segundo capítulo,
avançamos no estatuto do sujeito no autismo a partir dos conceitos de função materna,
inconsciente estruturado como linguagem, circuito pulsional e a primordialidade da voz como
objeto para esmiuçar o embasamento teórico e o rigor técnico da psicanálise, norte de sua
práxis. Por fim, no terceiro capítulo, apontamos as possíveis ressonâncias no enlace destes
discursos na criança, as fantasias e significantes que circulam no discurso das mães atendidas
no CASMUC.
Pode-se concluir que o objetivo geral foi alcançado, na medida em que se frisa a
particularidade do ressoar do diagnóstico, que pode causar, em um primeiro momento,
sentimentos como frustração, negação, tristeza, culpa, assim como muitos questionamentos dos
motivos, pois defronta-se com o filho real, que figura como ferida narcísica, à medida em que
ocasiona uma quebra nas expectativas em relação ao bebê idealizado que fora, impondo a
reconstrução imaginária daquela criança, assim como, a reordenação que possibilite cobertura
simbólica que tenha como amparo a subjetividade de cada caso, não tornando o diagnóstico
uma marca identitária da criança.
Nosso trabalho buscou proporcionar ao sujeito a oportunidade de transformação por
meio de sua própria fala, desta maneira, podemos afirmar que oferecer uma escuta que não
promete suprimir o insuportável, mas bordejar algum suporte singular, algo pode ser
contornado de outras maneiras, distintas das repetitivas e promotoras de sofrimento psíquico.
A escolha desse recorte visou compreender o sofrimento psíquico enfrentado por essas mães
diante dos desafios que surgem no cuidado de crianças com impasses no desenvolvimento
considerando o desencontro entre a criança desejada e a criança real, que se destaca como um
aspecto presente em toda experiência da maternidade, e, quando essa distância é ampliada por
limitações - físicas ou psíquicas - da criança, envolve angústias adicionais, o que se
presentificou na fala das mães atendidas. O trabalho de escuta psicanalítica com as mães é
90

fundamental para acolher e abrandar o sofrimento enfrentado, permitindo uma compreensão


mais profunda da experiência singular de cada mulher. Ao integrar e demarcar estes
desencontros do que seria o filho para a mãe, esse trabalho pode ter efeitos importantes.
Em alguns casos, a confirmação do diagnóstico pode trazer alívio, operando como um
ponto de partida para construir a melhor forma de lidar com este desacordo e buscar
acompanhamentos especializados e uma rede de apoio quando possível. Tecer uma rede de
apoio operante pode fazer grande diferença para a diminuição da angústia destas mães, assim
como, dar vazão ao sofrimento ocasionado pela mudança de rotina, reconstrução da dinâmica
familiar e relacional dessas mães, assim como, trazer melhorias em sua qualidade de vida.
Quando é possível lançar mão da necessidade de serem eficientes, podem começar a
encontrar sentido nos comportamentos aparentemente desordenados de seus filhos, prestando
atenção à detalhes de seu modo singular de apresentarem-se na linguagem. Quando é possível
vivenciar outro tipo de relacionamento com seus filhos, que não seja o de tentar modifica-los,
torna-los funcionais, inserindo-os na ordem da normalidade, pode se abrir um caminho possível
para dar outro sentido à maternidade, abrindo espaços para dar voz à estas mulheres, que por
vezes configuram demanda suprimida nos serviços institucionais, ao terem seu saber
desconsiderado através da hegemonia do saber classificatório e medicalizante.
Ao abrir um espaço de suporte para a escuta dessas mulheres, por meio de atividades
também voltadas para os filhos, tivemos a oportunidade de ouvi-las em suas múltiplas facetas,
indo além do papel de cuidadoras, embora o cuidado também estivesse presente. No contexto
do trabalho de promoção da saúde, a escuta clínica ambulatorial se revela como uma potência
transformadora, um espaço acolhedor. Compreendemos que é na relação individualizada, na
escuta e na prática de cada mulher em sua relação com o filho(a), no exercício diário e
intermitente dos cuidados atravessados por um ou mais diagnósticos, que podemos trabalhar
como um espaço de promoção da saúde psíquica, criando também uma rede de apoio. No
entanto, não pretendemos oferecer uma visão romantizada da maternidade, nem prometer uma
escuta que exclua o desconforto inerente à relação entre o sujeito e o Outro.
Esta dissertação, assim como os trabalhos que circundaram seu percurso 39, permearam
dimensões importantes para além de seus objetivos, tais como, o desejo da maternidade como
questão, as torções dos atravessamentos da feminilidade e gênero no cuidado, a escuta do desejo
do sujeito pelo analista, a incorporação da voz como objeto da pulsão, assim como, os limites
e possibilidades da psicanálise no espaço ambulatorial, em que mesmo que não haja protocolos

39
Da participação nos projetos aqui mencionados surgiram resumos expandidos e banners para congressos e
simpósios, um artigo publicado em revista Qualis B2 e um capítulo de livro a ser lançado ainda em 2023.
91

rigorosos, nos coloca em uma posição de extraterritorialidade, ao nos ocuparmos de outras


questões mais além do diagnóstico, articulando com outros saberes, porém nos atendo às
minúcias da dimensão do sujeito do inconsciente.
Apontamos a importância de pesquisas que proponham criar espaços de escuta para esta
demanda reprimida de mães de crianças que são acompanhadas em razão de diagnósticos de
Transtornos de Desenvolvimento, para que possam encontrar subsídios para reorganizar sua
relação com seus filhos, assim como, de posicionar-se enquanto sujeito para além do lugar de
mãe, este lugar que muitas vezes se dizia haver peso, culpa e vergonha, passando a reaver-se
com o amor e o desejo de sustentar o laço com suas crianças.
Com a abertura de um espaço que pudesse fazer suporte a estas mães, em que se cria
também espaço para que suas crianças sejam acolhidas em sua inquietude, oferta-se uma aposta
de que não cristalize seu desejo na esfera do cuidado com a criança, encontrando no serviço
ofertado pelo projeto a rede de apoio que necessita para se direcionar por outros caminhos e
possibilitar este novo olhar. Esta oferta de escuta, para além de promoção de saúde, se revela
um dispositivo de resistência política e potência transformadora para uma prática de “fazer
aldeia” 40, conceito que tem como origem o provérbio africano que diz: “É preciso uma aldeia
para educar uma criança”, frisando a importância do cuidado dedicado às crianças como
condição necessária para sua - e nossa, como componentes da cultura e da rede de laços que
esta criança poderá tecer - sobrevivência física, psíquica e social. Em outros termos, trata-se de
oferecer acolhimento e igualmente recolher os frutos deste suporte, promovendo novos arranjos
da aldeia.
Foi a partir dessa posição que tivemos acesso às vozes das mulheres que acompanhavam
seus filhos, encontrando nelas a posição de sujeito que se revela por meio de suas enunciações,
o que não implica numa rivalidade ou afastamento da instituição ou dos profissionais inseridos
em outra lógica teórica, mas demonstra que as diferenças conceituais precisam encontrar pontos
de interseção em alguma medida, de maneira que a presença do psicanalista em ambulatório
permita que essas mulheres e suas crianças, em sua condição de sujeito, sejam ouvidas para
além do discurso científico hegemônico, possibilitando espaços para a consideração de
diferentes formas de enfrentamento da doença/diagnóstico. Essa abertura, como destacado por
Nicolau (2017), também pode reverberar na instituição e nos demais profissionais, pois, mesmo

40
Para saber mais sobre a construção do pensamento do “fazer aldeia” acessar: Corrêa, H.C. da S; Batista, J.P.;
Lobato, S. M. C. Abrindo Espaços para Brincadeiras, Abrindo Espaços para Escuta: o trabalho psicanalítico em
ambulatório pediátrico. Revista Gênero na Amazônia. Universidade Federal do Pará/ GEPEM.
- n. 22 (jul./dez. 2022). - Belém: GEPEM, 2022. Disponível emhttps://periodicos.ufpa.br/index.php/generoamazo
nia/article/view/13475
92

que eles não tenham sido nosso foco principal inicialmente, os efeitos da escuta do sujeito
podem criar brechas na dinâmica institucional, promovendo mudanças no discurso dominante.,
ocasionando ressonâncias no laço com suas crianças, como observado principalmente no relato
de Marianne e Bruno, o desejo que circunda o laço entre os dois permite que Marianne siga
apostando que Bruno não seguirá a cartilha destinada às crianças “má comportadas”, também
observado no relato de Thaís, apostando que seu filho poderá estabelecer vínculos, ancorar-se
num futuro por vir.
O que se pode observar, a partir dos questionamentos feitos nesta dissertação, foi a
necessidade da incessante investigação sobre a importância da inserção do sujeito na linguagem
e da primordialidade desta função neste caminho, frisando aqui para futuros estudos mais
aprofundados o papel do objeto-voz como suporte para essa função: para além da sonoridade
da fala, os tropeços, a musicalidade, o jogo enunciado-enunciação que a voz inaugura são
também aspectos cruciais ao que devemos nos debruçar. Esta conclusão se torna então um
direcionamento para trabalhos posteriores, assim como a mordida da linguagem sempre deixa
um resto, aqui ofertamos um espaço aberto de discussão sobre essa temática tão complexa.
93

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APÊNDICES
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Apêndice I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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