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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Ana Ester Pádua Freire

ARMÁRIOS QUEIMADOS:
igreja afirmativa das diferenças e subversão da precariedade

Belo Horizonte
2019
Ana Ester Pádua Freire

ARMÁRIOS QUEIMADOS:
igreja afirmativa das diferenças e subversão da precariedade

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Ciências da Religião da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais – PUC Minas, como
requisito parcial para obtenção do título de Doutora
em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Wellington Teodoro da Silva

Área de Concentração: Religião e Cultura

Linha de pesquisa: Religião, Política e Educação

Belo Horizonte
2019
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Freire, Ana Ester Pádua


F866a Armários queimados: igreja afirmativa das diferenças e subversão da
precariedade / Ana Ester Pádua Freire. Belo Horizonte, 2019.
298 f. : il.

Orientador: Wellington Teodoro da Silva


Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

1. Althaus-Reid, Marcella 1952-2009 - Crítica e interpretação. 2. Igreja


Comunitária Metropolitana - Pesquisa - Los Angeles (Estados Unidos). 3. Teoria
Queer. 4. Identidade de gênero. 5. Feminismo - Aspectos religiosos -
Cristianismo. 6. Juventude - Comportamento sexual. 7. Minorias sexuais -
Direitos fundamentais. I. Silva, Wellington Teodoro da. II. Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Religião. III. Título.

CDU: 241.64
Ficha catalográfica elaborada por Fernanda Paim Brito - CRB 6/2999
Ana Ester Pádua Freire

ARMÁRIOS QUEIMADOS:
igreja afirmativa das diferenças e subversão da precariedade

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Ciências da Religião da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais – PUC Minas, como
requisito parcial para obtenção do título de Doutora
em Ciências da Religião.

Área de concentração: Religião e Cultura

____________________________________________________________
Prof. Dr. Wellington Teodoro da Silva – PUC Minas (Orientador)

____________________________________________________________
Prof. Dr. André Sidnei Musskopf – UFJF (Banca Examinadora)

____________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Gonzaga Morando Queiroz - UNI BH (Banca Examinadora)

____________________________________________________________
Prof. Dr. Marcus Abilio Gomes Pereira – UFMG (Banca Examinadora)

____________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Agostinho Nogueira Baptista – PUC Minas (Banca Examinadora)

____________________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Geraldo Cantarela – PUC Minas (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 29 de novembro de 2019.


Ao Universo, essa Deusa em expansão.
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo amor e investimento;


À minha irmã, por compreender a prioridade;
À Nancy, por acreditar mais em mim do que eu mesma;
À Débora, pelo incentivo e paciência;
Aos amigos Sandro e Marcelo, pela firmeza na corrente;
Às amigues Amir, Mari e Pacuta, pelas risadas medicinais;
À ICM, por ser lar;
À Fraternidade Kayman, por ser cura;
Ao PPGCR, pelo suporte;
À CAPES, pelo financiamento;
Ao André, por ser meu pastor;
Ao Paulo Agostinho, pelo abraço acolhedor;
Ao Luiz Morando, por manter viva a história de nosso Movimento;
Ao Marcus Abilio, por se aventurar na temática;
Finalmente, ao Wellington, por ter sido, mais do que orientador, irmão.
Eu não vou perder um minuto disso. É a revolução!
(Sylvia Rivera)
RESUMO

Esta tese trata das perspectivas queer a partir de suas assimilações pela Igreja da Comunidade
Metropolitana de Belo Horizonte (ICM BH). Com mais de 50 anos, a Fraternidade Universal
das Igrejas da Comunidade Metropolitana se apresenta como uma denominação “radicalmente
inclusiva”, que se expressa de maneira complexa como Igreja e como instituição de luta pelos
Direitos Humanos. Nesse contexto, buscou-se investigar em que medida os Estudos Queer,
por meio, principalmente, de sua relação com a Teologia, reconfiguram as experiências
religiosas e políticas de uma comunidade de fé tradicionalmente colocada à margem do
cristianismo hegemônico. Pressupostos bibliográficos sobre os Estudos Queer e sobre a
Teologia Queer fundamentaram a verificabilidade da discussão teórica por meio da
observação participativa de eventos específicos da ICM BH, como o Culto Queer e a Marcha
contra a LGBTFobia. Percebeu-se que a dinamicidade da liturgia, enquanto forma ritualística
de dizer sobre si, é um mecanismo fundamental utilizado para dramatizar o mundo e, também,
para subverter a precariedade à qual LGBTs têm sido submetidas. Assim, a Igreja dá-se no
templo e nas ruas, permitindo que a concretude da existência se encontre com o concreto da
cidade.

Palavras-chave: Metropolitan Community Church. Teoria Queer. Teologia Queer. Marcella


Althaus-Reid. Igreja Afirmativa das Diferenças. Artivismo. Teologia Prática. Ciências da
Religião Aplicada. Ciências da Linguagem Religiosa.
ABSTRACT

This dissertation deals with queer perspectives in the context of Metropolitan Community
Church of Belo Horizonte (MCC BH). Having been in existence for over 50 years, the
Universal Fellowship of the Metropolitan Community Churches identifies as a “radically
inclusive” denomination, which is expressed in a complex way as Church, and as an
institution advocating human rights. In this context, the dissertation investigates the extent to
which queer studies, mainly through its relationship with theology, reconfigures the religious
and political experiences of a faith community traditionally placed on the fringes of
hegemonic Christianity. Bibliographic assumptions about queer studies and queer theology
are the lenses used to view this theoretical discussion, based on participatory observations of
specific MCC BH events, such as the “Queer Service” and the “March Against LGBT
Phobia”. These observations revealed the active use of liturgy, as a ritualistic way the MCC
BH community identifies itself, and as a fundamental mechanism to experience the world
while subverting the precariousness of being LGBT. Thus, the Church takes place in the
temple, and in the streets, allowing the concreteness of existence to meet the concrete of the
city.

Keywords: Metropolitan Community Church. Queer Theory. Queer Theology. Marcella


Althaus-Reid. Church Affirming Differences. Arctivism. Practical Theology. Applied
Religious Science. Religious Language Science.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Anúncio MCC ....................................................................................................... 121

Figura 2 – ICM Rio em site de buscas ................................................................................... 154

Figura 3 – Viviany Beleboni ................................................................................................... 167

Figura 4 – Convite para o primeiro ICM Queer ..................................................................... 169

Figura 5 – Altar do primeiro ICM Queer ................................................................................ 170

Figura 6 - Sylvia Rivera ......................................................................................................... 182

Figura 7 – Incêndio na Igreja Mãe ......................................................................................... 187

Figura 8 - Militância MCC nas ruas ....................................................................................... 190

Figura 9 – Simone Star ........................................................................................................... 205

Figura 10 – Corpos abjetos ..................................................................................................... 206


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Teologia Queer ...................................................................................................... 93

Gráfico 2 - Organização das Igrejas da Comunidade Metropolitana ..................................... 139


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – MCC no mundo..................................................................................................... 147


LISTA DE SIGLAS

AIDS – Síndrome de Imunodeficiência Adquirida


BDSM – Bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo
CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
CELLOS MG – Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais
FUICM – Fraternidade Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana
GLBT – Gays, lésbicas, bissexuais e transexuais
ICM – Igreja da Comunidade Metropolitana
ICMs – Igrejas da Comunidade Metropolitana
ICM BH – Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte
ICM Rio – Igreja da Comunidade Metropolitana do Rio de Janeiro
ICM SP – Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo
LGBT – Lésbica, Gay, Bissexual, Transgênero
LGBTs – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros
LGBTI+ - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Intersexuais, e outros
MCC – Metropolitan Community Church
MCCs – Metropolitan Community Churches
OMS – Organização Mundial de Saúde
STF – Supremo Tribunal Federal
UFMCC – Universal Fellowship of the Metropolitan Community Churches
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 25

1 CLOSET: tirando o queer do armário .............................................................................. 37


1.1 “Sair do armário”: possibilidades identitárias .................................................................... 38
1.2 Estudos Queer: notas sobre uma perspectiva teórica dissidente......................................... 61
1.3 Conclusão ........................................................................................................................... 74

2 PRATELEIRA: tirando a Teologia Queer da estante ...................................................... 77


2.1 Teologia Queer: perspectivas teológicas para um outro sujeito ......................................... 78
2.2 Sistemática Queer: Santa Marcella, rogai por nós .............................................................. 94
2.3 Conclusão ......................................................................................................................... 114

3 CRISTALEIRA: transparências de uma igreja afirmativa das diferenças ................. 117


3.1 Metropolitan Community Church: “somos transformados enquanto transformamos o
mundo” ................................................................................................................................... 119
3.2 Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte: abertura ao queer ................... 150
3.3 Conclusão ......................................................................................................................... 174

4 ARMÁRIOS QUEIMADOS: Teologia Queer em marcha ............................................. 177


4.1 Mártires queer: vidas e trajetórias em resistência ............................................................. 178
4.2 Teologia em marcha: ICM BH na Marcha contra a LGBTfobia ...................................... 192
4.3 Conclusão em combustão: Igreja e Movimento ............................................................... 211

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 221

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 229

APÊNDICES ......................................................................................................................... 251

ANEXOS ............................................................................................................................... 259


25

INTRODUÇÃO

Tu me seduziste Senhor, e eu me deixei seduzir.


(Jeremias 20,7)

50 anos da Revolta de Stonewall. Esse é o marco histórico que, em um processo


revolucionário, permitiu que essa pesquisa acontecesse. São 50 anos de uma mudança
geracional que tirou os dissidentes sexuais dos becos, dos bares clandestinos, e os colocou nas
ruas, nas manifestações, nas assembleias. A mentalidade revolucionária que marcou o período
do pós-Segunda Guerra Mundial foi a propulsora de Stonewall, principalmente a partir dos
Beatniks, movimento sociocultural, cuja principal personagem foi Jack Kerouac. A “Geração
Beat” já se apropriava de um termo pejorativo1 para se autodenominarem em um processo de
subversão linguística, que representava mais do que uma mudança de comportamento, a
subversão das mentalidades.
A mentalidade revolucionária daquele momento da história também atuou de maneira
cabal no cristianismo, quando foi criada a primeira igreja inclusiva do mundo, a Metropolitan
Community Church (a partir de agora MCC), em 1968. Uma igreja que pretendia, desde sua
fundação, aliar à experiência de fé a integralidade dos corpos, por meio da não negação da
sexualidade dissidente.
O ambiente propício para a emergência e o fortalecimento de grupos identitários
permitiu o crescimento da denominação que, depois de 38 anos de fundação, estabeleceu-se
em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. A Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo
Horizonte (a partir de agora ICM BH2) apresenta-se no cenário das ICMs como uma igreja sui
generis por meio de sua aproximação com as perspectivas subversivas proporcionadas pelos
Estudos Queer3.
A “radical inclusão” proposta pela MCC chega a Belo Horizonte por meio de uma
abertura ao queer, que revoluciona o próprio conceito de inclusão, transformando-o em
afirmação. Afirmação das identidades, afirmação das diferenças, afirmação do queer como

1
O termo beat, presente no falar das ruas, significa “quebrado, pobre, sem domicílio”, reforçando o mito da
geração perdida (TAG, 2018).
2 A Metropolitan Community Church será tratada por MCC e a Igreja da Comunidade Metropolitana por ICM
BH. Quando a denominação for abordada em termos mundiais, será chamada de MCC, e quando for específica
do contexto brasileiro, ICM.
3 O termo “queer” será grafado na pesquisa sem o itálico, por se compreender que o substantivo já foi assimilado
pela Língua Portuguesa, ainda que receba, por alguns teóricos, algumas propostas de tradução, como estranho,
cuir ou transviado.
26

possibilidade de experiência da fé dentro do templo religioso e, também, fora dele, por meio
do artivismo (arte + ativismo).
A escolha da denominação como objeto da presente tese não deve ser considerada
como sendo apenas em nível objetivo de pesquisa, foi uma opção que partiu dos interesses
pessoais. Membro a quatro anos da ICM BH, a pesquisadora tem um forte envolvimento com
a Igreja, sendo reconhecida pela denominação como líder leiga de destaque, em 2019, por
meio do prêmio Kerry Brown Award for Distinguished Leadership.
Além disso, a pesquisadora está em fase conclusiva de seu processo de ordenação ao
quadro de clérigas4 da Igreja, o que demonstra seu interesse pessoal em conhecer a
denominação de maneira sistematizada. Com formação em jornalismo e em teologia, a
pesquisadora recebe influências das duas graduações em seu método de pesquisa e de escrita.
Do jornalismo, a escrita que muitas vezes pode ser considerada como sendo superficial, por
ter o desejo de tocar diversos temas sem esgotar possíveis reflexões, e um texto que se abre
em outras temáticas, sem a escolha obrigatória pela divisão em subcapítulos, permitindo que
quase seja feita uma leitura em hiperlink, ou seja, um texto que se desdobra em outros textos.
Já a teologia contribui dando destaque a temas importantes para uma futura sistematização
teológica das ICMs, a partir da experiência de Belo Horizonte.
Não negando o importante papel da pesquisadora na observação e sistematização da
pesquisa, já se torna indispensável apontar o método percorrido na tese. Apesar de abordar a
temática queer, essa não se pretende ser uma obra queer, pois não há uma preocupação
epistêmica que reconheça o queer como método de estruturação do conhecimento. Pelo
contrário, o fim da pesquisa reconhece essa limitação e abre possibilidades de estudos nesse
sentido, no qual o queer não é compreendido apenas como uma categoria analítica, mas como
um paradigma moderno que muito tem a contribuir com as ciências, por meio não somente da
revisão, mas da subversão de modelos esgotados de conhecimento.
Essa é uma pesquisa que se dá nas Ciências da Religião e se apresenta como aplicação
da epistemologia feminista, que a autora pesquisou em seu mestrado na mesma área.
Lançando mão da crítica feminista, a tese ousa abordar a temática da sexualidade em um
campo do conhecimento tradicionalmente marcado pela marginalização de assuntos como
esse. O queer sistematizado pelo conhecimento teológico ainda é insipiente no Brasil, e conta

4 Optou-se pelo uso da linguagem inclusiva na tese por meio do uso variado de pronomes e desinências ora
femininas, ora masculinas, ora ambas. A variação intenta minimizar a diferença de gênero no uso formal da
gramática da Língua Portuguesa. Entretanto, como mostra a Introdução da presente tese, grande parte da
bibliografia levantada trata sobre o “Movimento Gay” ou “o homossexual”, o que levou ao uso majoritário de
pronomes masculinos.
27

com o pioneirismo de André S. Musskopf (2012) por meio, principalmente, de sua tese
doutoral, um dos eventos fundantes para os estudos da Teologia Queer no Brasil.
Nesse sentido, é a epistemologia feminista o método escolhido para a abordagem do
tema, por meio da supracitada crítica feminista. A crítica feminista aponta a importância
daquela que faz ciência. Tomando como princípio as questões levantadas sobre a neutralidade
científica, autoras feministas como Schiebinger (2001) esclarecem que não deveria ser
proposta, a partir do feminismo, “uma ciência ‘feminista’ especial, esotérica, mas sim, uma
capaz de incorporar uma consciência crítica de gênero na formação básica de jovens cientistas
e no mundo rotineiro da ciência” (SCHIEBINGER, 2001, p. 31). Sardenberg (2007)
acompanha a ideia e afirma que o feminismo relaciona-se com a ciência, pelo menos, de duas
maneiras. A primeira diz respeito aos avanços teórico-metodológicos no interior do próprio
pensamento feminista, com a construção e teorização em torno das relações de gênero. A
segunda diz respeito ao impacto da crítica feminista, contribuindo para a desmistificação da
ciência.
É possível afirmar, de um modo geral, que a crítica feminista volta-se para a análise de
como as categorias de gênero têm historicamente influenciado os conceitos de conhecimento,
sujeito cognoscente, justificativas e práticas de investigação ditas científicas. Segundo
Sardenberg, a assertiva epistemológica feminista que mais encontra consenso é a noção de
“conhecimento situado” ou “saberes localizados”, isto é, de que “o conhecimento reflete a
perspectiva ou a ‘posicionalidade’ dos sujeitos cognoscentes, sendo gênero um dos fatores
determinantes na sua constituição” (SARDENBERG, 2007, p. 11).
Complementariamente, Haraway (1995) explica que saberes localizados requerem que
o objeto do conhecimento seja visto como ator e agente, e “não como uma tela, ou como um
terreno, ou como um recurso, e, finalmente, nunca como um escravo do senhor que encerra a
dialética apenas na sua agência e em sua autoridade de conhecimento ‘objetivo’”
(HARAWAY, 1995, p. 36). Isso implica no papel do objeto de estudo na produção do
conhecimento, não como algo a ser investigado, mas como parte agente no processo de
produção dos saberes. Para Haraway (1995), a epistemologia feminista deve ser uma
epistemologia de alocação, na qual a parcialidade e a não universalidade são as condições de
ser ouvido nas propostas a fazer de conhecimento racional.
A questão da ciência para o feminismo diz respeito à objetividade como “racionalidade
posicionada” (HARAWAY, 1995). A objetividade não pode ter a ver com a visão fixa quando
o tema de que trata é a história do mundo. Para Haraway (1995), as imagens da ciência são a
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junção de visões parciais e de vozes diversas em uma posição coletiva de sujeito que promete
uma visão de meios de corporificação finita continuada, isto é, visões desde algum lugar.
A alternativa a esse relativismo, segundo Haraway (1995, p. 23) “são saberes parciais,
localizáveis, críticos, apoiados na possibilidade de redes de conexão, chamadas de
solidariedade em política e de conversas compartilhadas em epistemologia”. Nessa
perspectiva de conhecimento situado, cabe a ressalva de que os “posicionamentos dos
subjugados” não estão isentos de uma reavaliação crítica, de decodificação, desconstrução e
interpretação. Para Haraway (1995), essas epistemologias não são posições “inocentes”, pelo
contrário, elas são preferidas porque, em princípio, são as que têm menor probabilidade de
permitir a negação do núcleo crítico e interpretativo de todo o conhecimento.
Diante do exposto, afirmar que esta é uma pesquisa que tem a epistemologia feminista
como método, implica dizer que os conhecimentos aqui formulados são situados. Não há uma
pretensa afirmação de neutralidade, pelo contrário, a pesquisa é muito mais sobre o que uma
pesquisadora feminista tem a dizer sobre o tema, do que o tema tem a dizer sobre si mesmo,
em uma pretensa neutralidade epistemológica. Portanto, os desdobramentos do texto revelam
não somente sobre o objeto da pesquisa, como também sobre a pesquisadora, e sobre como
ela percebe o fenômeno.
Assim, é importante destacar as limitações encontradas pela pesquisadora. O lugar de
fala – e de pesquisa – fazem parte de um conjunto de idiossincrasias de uma religiosa cristã,
branca, de classe média, cisgênera e lésbica, membra da comunidade à qual pesquisa e
envolvida pessoalmente com o tema que escolheu. Essas características determinam os
recortes feitos, a maneira com a qual o texto se desenvolve e, consequentemente, as
conclusões às quais se chega. Vale ressaltar, ainda, que apesar de ser uma mulher que
pesquisa, na maioria das vezes a pesquisa terá o recorte do homem gay. Isso porque a
limitação bibliográfica disponível permite que a análise seja feita, principalmente, por meio
do Movimento Gay que emergia quando da fundação da Igreja pesquisada, limitando assim
interseccionalidades caras ao tema, como classe, raça e transgeneridade.
Transgeneridade e cisgeneridade são conceitos importantes a serem conhecidos para
contextualização na pesquisa. Além deles, outros termos merecem ser introduzidos, ainda que
superficialmente, pois têm sido pouco abordados nas pesquisas produzidas no campo das
Ciências da Religião. Uma possível trajetória conceitual, que prescinda um glossário passa,
primeiramente, pelo conceito de sexualidade. A sexualidade, segundo Foucault (2015), dá-se
por meio de um “dispositivo de sexualidade”. Miskolci (2012) explica que dispositivo é um
termo que se refere ao conjunto de discursos e práticas sociais que criam uma problemática
29

social, uma pauta para políticas governamentais, discussões teóricas e até mesmo embates
morais. O dispositivo de sexualidade leva em consideração as relações de poder, portanto
deve ser compreendido como político.
Compreendida, então, a sexualidade como um dispositivo de categorização social, faz-
se necessário conhecer dois importantes termos nesse contexto: orientação sexual e identidade
de gênero. Orientação sexual, segundo Lanz (2015, p. 43), “está relacionada ao desejo
erótico-afetivo de uma pessoa: com quem ela gosta de namorar e/ou manter relações sexuais”.
É plural tanto quanto plurais forem as possibilidades de relações afetivas e sexuais entre os
seres humanos. Heterossexualidade, homossexualidade, pansexualidade, assexualidade são
alguns exemplos.
Com relação à identidade de gênero, destacam-se a cisgeneridade e a transgeneridade.
Uma pessoa cisgênera é aquela que considera o gênero atribuído a ela (homem ou mulher)
adequado ao seu corpo. Segundo Rios (2007), pessoa cisgênera é aquela que não tem
discordância com o gênero atribuído no momento do nascimento. Este é um vocábulo
bastante recente, discutido e difundido pela própria população de pessoas transgêneras, que
forjaram um termo para dar conta e explicitar os privilégios das pessoas que não vivenciam a
experiência de contrariar as normas de gênero.

Embora o gênero não possa funcionar como paradigma para todas as formas de
existência que lutam contra a construção normativa do humano, ele pode nos
oferecer um ponto de partida para pensar sobre poder, atuação e resistência. Se
aceitarmos que existem normas sexuais e de gênero que condicionam quem vai ser
reconhecível e “legível” e quem não vai, podemos começar a ver como os
“ilegíveis” podem se constituir como um grupo, desenvolvendo formas de se tornar
legíveis uns para os outros, como eles são expostos a diferentes formas de viver a
violência de gênero e como essa exposição comum pode se tornar a base para a
resistência (BUTLER, 2018, p. 45).

Nesse sentido, ilegíveis são aqueles que não consideram adequado o gênero atribuído
ao nascimento à compreensão dos seus próprios corpos. Essas são as identidades transgêneras,
que são aquelas “que se constituem a partir de alguma forma de transgressão, desvio ou
violação das normas de conduta estabelecidas pelo dispositivo binário de gênero masculino-
feminino” (LANZ, 2015, p. 14). Para Butler (2018), gênero é um exercício de liberdade,
entretanto, nem tudo o que constitui o gênero é livremente escolhido. Mas, ainda assim, essas
dimensões que aparecem como dadas – sendo elas constituídas ou adquiridas – devem ser
exercidas de maneira livre. É o que Butler (2018) chama de “liberdade corporificada”. Para
ela, a sexualidade e o gênero são um exercício de liberdade, pois, “independentemente de
entendermos nosso gênero ou nossa sexualidade como algo que escolhemos ou que nos foi
30

atribuído, cada um tem o direito de reivindicar esse gênero e essa sexualidade” (BUTLER,
2018, p. 67).
Pensando a partir de orientações sexuais e identidades de gênero, seria possível propor
uma sigla que aborde, ainda que com limitações, a questão. Segundo Fachini (2005), a sigla
LGBT pode ser metaforicamente comparada a uma “sopa de letrinhas”, que tenta abarcar as
diversas orientações sexuais e identidades de gênero. Importa ressaltar que, para dissidentes
sexuais, a sigla é mais um termo de resistência do que uma descrição, porque as infinitas
possibilidades mostram que os termos são autodeterminados, assim, a sigla sempre deixaria
alguma possibilidade de gênero ou de orientação sexual de fora. Por isso, a designação
trabalha por meio da delimitação de um limite que configura os termos de inclusão e
exclusão. Segundo Butler (2018, p. 186), “o termo nunca pode representar adequadamente
uma coletividade que está em processo de ser formada ou de se formar – tanto a inadequação
quanto a sua autodivisão fazem parte do seu significado e da sua promessa”.
Segundo Miskolci (2016), a sigla não dá conta do grande espectro de gente que não se
enquadra no modelo heterossexual – e cisgênero –, não se reconhecendo em nenhuma dessas
letras. Por isso, ela indica a diversidade, mas não supõe abarcá-la em sua totalidade. Para esta
pesquisa optou-se pelo termo LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneras/os), termo
reconhecido pelos movimentos sociais e usado pela ICM BH. Importa ressaltar que a escolha
foi feita a despeito da pesquisadora considerar mais adequado o uso do conceito de
dissidentes sexuais, minorias sexuais, ou ainda sexo-divergentes, que não enclausuram
identidades em siglas e consideram, inclusive, práticas heterossexuais dissidentes, como, por
exemplo, praticantes de BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e
masoquismo – sigla que reúne as diversas práticas relacionadas ao sadomasoquismo). Afinal,
pessoas heterossexuais que não reproduzem o esperado pelo sistema determinante de gênero,
acabam também sendo marginalizadas sob o espectro da norma heterossexual.
A norma que regula a performatividade de gênero é chamada de heteronormatividade.
Para Miskolci (2016, p. 44), “heteronormatividade é um regime de visibilidade, ou seja, um
modelo social regulador das formas como as pessoas se relacionam”. Segundo o autor, o
termo foi cunhado por Julia Kristeva, filósofa feminista búlgara, para explicar que existe
regulação e normatização dos modos de ser e de viver no que diz respeito aos desejos
corporais e à sexualidade. A norma heteronormativa que rege os indivíduos e as relações diz
respeito ao modo pelo qual o indivíduo se relaciona com o outro afetivamente – orientação
sexual – e o modo com o qual o indivíduo se relaciona com seu próprio corpo – identidade de
gênero. Atualmente, é possível que o termo seja grafado como “cisheteronormatividade”, pois
31

inclui a cisgeneridade dentro do espectro regulador. Preciado (2011) explica que a ordem
sexual é fundada no modelo heterossexual, familiar e reprodutivo, por isso a definição de
heterossexualidade é “tecnologia biopolítica”, ou seja, regula as pessoas e as relações.
Um conceito que acompanha heteronormatividade é o de heterossexualidade
compulsória. Segundo Miskolci (2016), esse é um termo cunhado por Adrienne Rich,
escritora feminista estadunidense, para explicar que a heterossexualidade não deve ser
compreendida como algo natural, mas como o resultado de práticas sociais que estabelecem
uma norma que regula as relações amorosas e sexuais. Ou seja, é um modelo imposto de
relações amorosas e sexuais com o sexo oposto. O não enquadramento a esse modelo destina
relações e corpos à abjeção. Corpos e relações abjetas são aquelas que contradizem a proposta
cisheterossexual, ou seja, o padrão cisgênero e heteronormativo. Abjeção é um lugar de
destinação causado pelas forças de opressão.
A abjeção é o local ao qual foram destinados os cristãos e as cristãs que ousaram se
confessar gays e lésbicas. Por meio de uma leitura fundamentalista da Bíblia, foram
sublinhados textos que condenam práticas e pessoas, por meio de discursos de ódio que
trazem um adoecimento psíquico, físico e espiritual de gerações que se veem presas no
“armário”5 do silenciamento de suas sexualidades divergentes. A elas não é negada apenas a
vivência da sexualidade, como também da religião.
Segundo Nongbri (2013), tradicionalmente o termo “religião” tem sido compreendido
como fenômeno universal. Entretanto, em uma genealogia do conceito, o historiador percebe
que a palavra “religião” não existia em eras mais remotas e quando existia em algumas
culturas significava mais ação do que conceito. Assim, sua ideia garante que não existindo a
palavra, não existe também o conceito. Pergunta Nongbri (2013, p. 23, tradução nossa 6), “a
ausência de uma palavra ou frase equivalente à ‘religião’ em uma dada língua também implica
em não existir o conceito de religião?”.
Para ele, a resposta é sim, pois acompanhando a ideia do filósofo Wittgenstein, a
análise do conceito pressupõe a análise de como a palavra é usada. Para Nongbri (2013),
religião não é um conceito universal de todas as culturas, devendo ser compreendida no
discurso. A tensão entre a religião, como um conceito transcendente dissociado da história,
gera universalismos que não são verificados na genealogia do termo. Sua genealogia
comprova que religião é um conceito histórico, criado em meio a disputas cristãs sobre o que

5 A metáfora do armário como sendo local de esconderijo, silenciamento e invisibilidade da homossexualidade


será exaustivamente tratada no primeiro capítulo da tese.
6 does the absence of a word or a phrase equivalent to ‘religion’ in a given language also lack the concept of
religion?
32

era verdade, em um cenário de exploração colonial europeia e de formação dos Estados


Nações.
Nesse sentido, a presente tese apreende a historicidade de seus conceitos, neste caso,
a compreensão sobre religião. Religião é um conjunto de símbolos, rituais e dogmas que
organizam a relação do ser humano com o Sagrado. É o que ontologiza a realidade. Tem uma
dimensão exotérica de relação com o transcendente e com a sociedade, e outra esotérica que
diz respeito à dimensão individual do sujeito. Assim, afirma Geertz (2008) que a religião deve
ser interpretada como sistema cultural, um integrado complexo de sentidos, símbolos, e
comportamentos relacionados a uma comunidade de adeptos.
Segundo Rodrigues (2015, p. 208), “reconhecemos imediatamente que a categoria
analítica religião excede à possibilidade de uma definição que apreenda o que o fenômeno
representa para quem o vivencia”.

Pensamos religião como aquilo que expressa crenças e que resulta em práticas.
Crenças inspiradas em convicções subjetivas profundas que entendem como fé, mas
que são elaboradas e fomentadas social e culturalmente, portanto, respondem
objetivamente às demandas de grupos inscritos em contextos históricos específicos
(RODRIGUES, 2015, p. 2011).

O que se pretende aqui é demonstrar que a religião não é extemporânea, por isso se
deve levar em consideração o momento histórico no qual está ela está inserida, a fim de se
compreender quais são os mecanismos culturais, políticos e econômicos que determinam a
abertura ou a proibição de determinadas práticas religiosas. Segundo Rodrigues (2015, p.
205), “não fosse a força mobilizante e o efeito desestabilizante da religião, ela não atrairia
tantos esforços de definição”. A presente pesquisa acolhe a dúvida metodológica, por isso,
como Rodrigues (2015), não intenta definir religião, mas perseguir suas dissonâncias.
A pesquisa insere-se contextualmente na experiência cristã vivida pelas LGBTs por
meio da fundação de uma Igreja, da reconfiguração de ritos, liturgias, dogmas e do próprio
Sagrado. Parte-se do pressuposto de que as perspectivas queer influenciam a maneira pela
qual a MCC se estabelece no mundo, e, em específico, a maneira pela qual a prática litúrgica
da ICM BH é produzida.
As perspectivas queer aqui mencionadas partem de referenciais teóricos advindos,
principalmente, dos Estados Unidos, por meio da teórica Judith Butler, que, como Musskopf
faz parte dos fundamentos teóricos da tese. O objetivo da pesquisa é investigar em que
medida os Estudos Queer, por meio, principalmente, de sua relação com a Teologia - a
Teologia Queer e a Teologia Indecente de Marcella Althaus-Reid - reconfiguram as
experiências religiosas e políticas da ICM BH, uma comunidade de fé tradicionalmente
33

colocada à margem do cristianismo hegemônico. Afinal, no tronco teológico cristão, a


Teologia Queer atende às demandas intelectuais e de sentido para as ICMs.
Nesse sentido, o problema da tese é “como os Estudos Queer e a Teologia Indecente de
Marcella Althaus-Reid contribuem para a construção teológico-prática da Igreja da
Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte?” A hipótese que se sustenta no decorrer da
tese é a de que as perspectivas queer impulsionam não somente a subversão litúrgica religiosa
dentro do espaço dedicado aos cultos, como também na subversão litúrgica política,
impulsionando a Igreja para fora dos limites do templo.
Nesse sentido, não se pretende com a tese apresentar um estudo sobre uma igreja cristã
inclusiva, mas sim sobre as dinâmicas que se estabelecem entre a religião e a sexualidade em
uma abertura a processos sociais que relacionam a religião e a política. Por isso, a pesquisa se
enquadra na área de concentração Religião e Cultura, em específico na linha de pesquisa
Religião e Política, da subárea Ciência da Religião Aplicada7 da árvore do conhecimento das
Ciências da Religião e Teologia.
O conceito de política da pesquisa também é o de Butler (2018), que, segundo a
filósofa, tem como objetivo a construção de possibilidades mais permanentes de vida vivível
para todos: “Para os precários, a resistência exige expor as dimensões abandonadas ou
carentes de apoio da vida, mas também mobilizar essa vulnerabilidade como uma forma
deliberada e ativa de resistência política, uma exposição do corpo ao poder na ação plural da
resistência” (BUTLER, 2018, p. 201). Em um sentido mais amplo, é um projeto comum com
a intenção de realizar ideais de justiça e igualdade. Dessa forma, o envolvimento da Igreja
com a política dá-se em uma perspectiva libertária, na qual Igreja e Movimento não são dois
conceitos distintos, mas sim possibilidades de experiência do Sagrado na promoção da justiça,
tanto dentro quanto fora do templo religioso.
O percurso escolhido pela pesquisa para garantir que o gênero tese fosse respeitado foi
a análise bibliográfica, com o intuito de demonstrar a teoria no nível da prática, a partir da
exemplificação da realidade. O debate entre autores e autoras pretende apontar a
verificabilidade de uma discussão teórica em cima da observação participativa dos eventos
para verificar a teoria, por meio da já apresentada epistemologia feminista. Um dos desafios
da tese, nesse sentido, foi o de transformar a intuição em conceito, aportando categorias que
dessem conta do fenômeno que se apresenta como parte de um processo de revolução em
aberto promovido pela modernidade.

7 Ciência da Religião Aplicada – religião e espaço público, política, ética, saúde, ecologia, culturas; temas
associados à diversidade, respeito e tolerância; diálogo inter-religioso; educação e religião (CAPES, 2019).
34

O período pós-Segunda Guerra Mundial suscitou a emergência de novos agentes no


cenário de luta pelos direitos igualitários. Foi assim com os movimentos identitários da
década de 1960 liderados por negros, mulheres e gays, que ousaram romper com as fronteiras
a eles impostas pelas margens sociais, políticas e econômicas. Como afirma Touraine (2009),
o Sujeito8 é ao mesmo tempo histórico e pessoal e deve ser compreendido como um
movimento social, “como uma contestação da lógica da ordem”, e esse movimento social é,
ao mesmo tempo, um conflito social e um projeto cultural.
Para Touraine (2009, p. 245), “o que melhor define a modernidade não é o progresso
das técnicas, nem o individualismo crescente dos consumidores, mas a exigência de liberdade
e sua defesa contra tudo o que transforma o ser humano em instrumento, em objeto ou em um
absoluto estranho”. Nesse sentido, os movimentos identitários são um fenômeno moderno,
criado nesse ambiente de tensões e de luta por afirmações subjetivadas.
O conceito de modernidade, acompanhando os Estudos Queer, pode não ser comum,
afinal a Teoria Queer foi criada por teóricas e teóricos que se afirmam pós-estruturalistas,
portanto, pós-modernos. Entretanto, a pesquisa compreende que a comumente chamada pós-
modernidade faz parte do próprio ambiente moderno, no qual existe uma revolução em aberto.
A revolução inaugura a modernidade, e a modernidade é inaugurada pela revolução (SILVA,
2009).
Segundo Silva (2009), “a revolução, que é morte e ressurgimento de estruturas e
mentalidades novas e historicamente situadas, apenas existe na matriz geracional do
cristianismo, que é morte e ressurreição para uma realidade nova situada no Absoluto”. Nesse
sentido, a revolução é o ato máximo da emancipação humana. Se por analogia a política possa
ser pensada como sexo, a revolução é o seu gozo.
Para compreender como esse processo revolucionário se dá na prática da realidade das
LGBTs, o primeiro capítulo da presente tese apresentará os Estudos Queer por meio das
identidades que se constroem sobre o paradigma da modernidade, ou seja, aquelas a quem de
alguma forma foi destinado o dentro ou o fora do “armário”. Além disso, a Teoria Queer será
introduzida por meio de aproximações que intentem em percebê-la como uma teoria moderna,
que rompe com paradigmas anteriores, propondo uma nova epistemologia que compreenda
como se dá a sexualização de corpos, desejos, atos, identidades, relações sociais,
conhecimento, cultura e instituições sociais (SEIDMAN, 1996).

8 Assim grafado, com letra maiúscula.


35

O segundo capítulo aproxima os Estudos Queer da Teologia, por meio de uma análise
bibliográfica da Teologia Queer. A Teologia Queer será apresentada como sendo uma das
expressões da modernidade, sendo uma Teologia que se coloca ao lado das demais, que rompe
com a tradição por meio de propostas subversivas, mas também mantém a tradição
afirmando-se cristã. O estatuto de maturidade da Teologia Queer é defendido pela
apresentação da proposta de Teologia Indecente de Marcella Althaus-Reid, que é uma dentre
as possíveis Teologias Queer. A escolha pela autora deu-se pela sua importância para a ICM
BH, que lança mão de sua proposta indecente para suas liturgias experimentais.
A Teologia Queer não é formulada como sendo uma realidade meramente idealista,
pois encontra espaço de efetividade de suas formulações e esse espaço a reformula. Nesse
sentido, o terceiro capítulo pretende apresentar a MCC e a ICM BH como parte desse
fenômeno moderno que produz sínteses entre a Igreja, a Teologia e a Teologia Queer. Essa
relação dialética se dá de maneira tal que se torna necessário conhecer a denominação no que
diz respeito à sua estrutura e sua forma de se apresentar ao mundo.
Por fim, o quarto capítulo investiga como a teoria apresentada e a prática se dão na
Igreja, por meio de uma saída do templo às ruas, marcando a proposta militante das ICMs.
Será apresentada em específico a presença da ICM BH na Marcha contra a LGBTfobia, no
intuito de verificar a aplicabilidade da teoria apresentada.
Os capítulos delineiam-se por meio da metáfora do “armário queimado”, evento que
marca o processo revolucionário da MCC, no qual há a urgência de ser Igreja e Movimento,
ou ainda, uma Igreja em Movimento. A fim de desenvolver essa ideia, a pesquisa sustenta-se
sobre a tese de que é possível perceber as influências da perspectiva queer na ICM BH, por
meio da singularização de sua prática litúrgica tanto religiosa quanto política. Para tanto, se
propõe a averiguar a verificabilidade da discussão teórica por meio da observação
participativa de eventos nomeados pela ICM BH como queer.
O “armário queimado” permitiu que essa pesquisa fosse feita. Não há mais como
manter às escondidas tema tão relevante para a contemporaneidade como as relações que se
dão entre religião e sexualidade. Existe por detrás de cada frase desta pesquisa o imperativo
ético de que a academia deve se manter relevante para a sociedade, discutindo temas que, em
contexto de retrocessos de direitos e garantias individuais, estão sob a constante vigilância de
fundamentalismos religiosos. Assim como o teólogo da libertação Gustavo Gutierrez, é
possível afirmar que “os riscos de falar acerca de Deus em meio ao sofrimento do inocente
são grandes. Mas, também como Jó, não podemos refrear a nossa língua” (GUTIÉRREZ,
1986,p.166).
37

1 CLOSET: tirando o queer do armário

Queer é um corpo estranho, que incomoda,


perturba, provoca e fascina.
(Guacira Lopes Louro)

A imagem metafórica do closet traz a ideia de privacidade e de intimidade. Um ambiente


geralmente localizado dentro do quarto, no mais reservado dos ambientes de uma casa. Ali
são guardadas as roupas, os sapatos, as joias, os documentos. Ali são escondidos os segredos.
As roupas dizem respeito à performance de gênero que é construída quando, por exemplo, a
mulher opta por passar um batom, ou quando um homem decide vestir uma saia. O closet é o
lócus propício para uma discussão na qual o eixo central é o queer.
Queer: palavra encontrada traduzida, transliterada, recriada, mas, na maioria das
vezes, grafada como em sua origem anglófona. Estranho, ambíguo, transviado, cuir. Muitas
são as possibilidades de tradução que o verbete admite e mais ainda são as suas possibilidades
teóricas. Nesse ambiente de tentativa de superação das fronteiras sexuais e de gênero, o
presente capítulo tem como objetivo apresentar o queer em duas perspectivas – identitária e
teórica.
Em uma “saída do armário”, metáfora comumente usada para tratar da afirmação e da
visibilidade de uma identidade sexo-divergente (homossexualidade e transgeneridade, por
exemplo), o capítulo guiará uma reflexão fundamental para a presente pesquisa buscando
identificar quem é o sujeito queer e o que são os Estudos Queer.
Nesse sentido, o primeiro subcapítulo apresentará o contexto no qual surge o queer,
abordando uma perspectiva histórica da homossexualidade e de sua construção no ambiente
religioso. Para tanto, serão pensadas as tensões das relações entre o ser humano e a formação
de uma identidade LGBT, passando por uma simbólica “saída do armário”. No segundo
subcapítulo, o queer será abordado em uma perspectiva teórica, buscando-se compreender as
potencialidades dos Estudos Queer como possibilidade teórica moderna.
Tirar o queer do armário pressupõe entrar em seu closet, o local simbólico da
intimidade e da privacidade, no intuito de permitir que o conceito “saia do armário”,
revelando suas possibilidades categóricas de compreensão da sociedade por meio da
subversão da sexualidade.
38

1.1 “Sair do armário”: possibilidades identitárias


Algumas expressões populares transitam facilmente na academia, ora por sua importância
histórica e social, ora pela abrangência que conquistaram na representação linguística. “Sair
do armário” é uma dessas expressões. O termo remete à ideia de sexualidade, em especial à
homossexualidade. Segundo Lessa (2018), a origem do termo está na junção de duas
expressões da língua inglesa: come out (sair, revelar-se) e skeletons in the closet (esqueletos
no armário). A primeira dizia respeito, durantes os séculos XIX e XX, às debutantes que se
apresentavam à sociedade, tradição conhecida pelos brasileiros. Já a segunda era usada como
sinônimo de “segredo vergonhoso”. À junção das duas expressões, surgiu o termo “come out
of the closet”, que foi traduzido para a língua portuguesa por “sair do armário”.
A expressão foi acolhida pelo senso comum e passou a ser culturalmente ligada à
orientação sexual, podendo, também, dizer respeito à identidade de gênero. Segundo Camargo
(2013), “sair do armário” significa fazer-se aparecer ou tornar algo público, e também pode
significar to declare oneself openly (declarar-se abertamente), tendo maior peso quando a
expressão é pronunciada no tocante à orientação sexual: declarar-se gay ou lésbica, por
exemplo, passaria de uma questão íntima para ambiente público e, portanto, alvo de
julgamentos morais. Existe ainda, no que tange à compreensão do termo, a expressão outing
que, segundo Spargo (2017), designa a prática de revelar publicamente a identidade de gênero
ou a orientação sexual de figuras públicas sem o consentimento delas. Assim, o “sair do
armário” pode ou não ser consentido.
Vale de Almeida (2009, p. 14) afirma que

há o armário, de um lado e, simetricamente, o sistema homofóbico, que se


caracterizaria por ser um sistema de garantia da heterossexualidade normativa e da
dicotomia e assimetria de gênero, que funciona através das estruturas do parentesco
e das representações do corpo sexuado e suas atividades. A manutenção da
dicotomização dos sistemas se dá por meio de um processo de subjetivação, que
sujeita o indivíduo às categorias da heteronorma, só sendo superada quando o ritual
performativo dele tiver sido cumprido e a sociedade reconhecer mais um/uma
homossexual em seu meio.

A expressão compreende um ambiente de tensões, no qual não é possível usá-la sem


levar em consideração os processos que estão por trás de sua assimilação. Diferentemente de
Camargo (2013), que entende o “sair do armário” somente em um contexto de publicização da
sexualidade divergente, Silverstein et al (2012) afirmam que a “saída do armário” pode
acontecer em um momento de privacidade, no qual a pessoa reconhece-se como homossexual,
por meio de uma prática homossexual, por exemplo:
39

Sair do armário virou bandeira política sendo empregado em todo o Ocidente.


Atualmente o coming out pode ser entendido, de modo mais pragmático, tanto como
a primeira vez que um/uma suposto/a “heterossexual” faz sexo com outro
homem/outra mulher, quanto como o processo que se estende desde a percepção do
desejo homo-orientado até a concretização de uma relação de natureza homossexual.
Apesar de identificarem “estágios” deste processo – de fantasias às primeiras
experiências homossexuais, dessas à concretização da primeira relação sexual
propriamente dita e, finalmente, a “identificação” com uma dada comunidade –
reconhecem-se que não há uma linearidade estável e nem tal processo está
“fechado” completamente (SILVERSTEIN et al, 2012, p. 87).

Nunan (2003) também intenta apresentar uma definição da expressão e aproxima-se de


Camargo (2013), ao compreender a necessidade de uma afirmação pública da sexualidade
divergente. Para Nunan (2003, p. 126),

o processo por meio do qual o homossexual revela sua orientação sexual a outras
pessoas (sejam familiares, amigos, colegas de trabalho ou estranhos) tornando-se
visível, culturalmente inteligível e desafiando abertamente o discurso sexual
hegemônico. O viver no armário é sempre contraposto ao sair dele e isso não é, em
definitivo, uma questão fechada, hermética. Os pensadores do século XX não foram
ingênuos nem cegos para as danosas contradições dessa metáfora do dentro e fora do
armário da privacidade.

A compreensão do armário como lugar do segredo, do secreto, é abordada por


Sedgwick (2007), que afirma que quanto à questão da existência e a manutenção do segredo
do armário, este é um regime de controle da sexualidade e uma estrutura definidora da
opressão gay no século XX. Muito mais do que um fenômeno isolado, o armário tem feito
parte da história da sexualidade no Ocidente e, além disso, há uma verdadeira “epistemologia
do armário”, que tem sido produtora incansável da cultura e da história do Ocidente como um
todo e esteve ligada à homossexualidade na Europa e na América do Norte, desde fins do
século XIX.
Pode-se dizer que a própria existência do armário enquanto segredo carrega a questão
da ambivalência em si. A imagem do assumir-se confronta regularmente a imagem do
armário, e sua posição pública sem ambivalência pode ser contraposta como uma certeza
epistemológica salvadora contra a privacidade equívoca oferecida pelo armário. Segundo
Sedgwick (2007), o que torna problemático é que tais contradições estão enraizadas na cultura
europeia e têm topologias mais amplas relacionadas à privacidade na cultura, o que dificultou
haver, de fato, uma metáfora alternativa como possibilidade real. A opção pelo armário é
desestabilizadora, e mais difícil do que sair é permanecer nele, uma vez que a incerteza do
permanecer é consumida pelo desconhecimento do que há adiante. Por isso, a “saída do
armário” pode trazer a revelação de um desconhecimento poderoso como um ato de
40

desconhecer, não como o vácuo ou o vazio que ele finge ser, mas como um espaço
epistemológico pesado, ocupado e consequente.
O que se faz necessário ressaltar nesse início de discussão é que, apesar de a expressão
já ser um termo do senso comum, abordar suas especificações requer refletir sobre as
ambivalências nas quais a expressão se funda. Sexualidade e identidade são conceitos que
fundamentam a compreensão do que vem a ser “sair do armário” e em que circunstâncias essa
saída se dá.
Faz-se necessário, então, abordar a questão da identidade sexo-divergente, ou seja,
aquela que é compreendida como divergente à norma. Brandão (2004) explica que a
etimologia da palavra identidade remete a dois sentidos: similaridade e distinção. A distinção
pressupõe o sentimento de consistência e continuidade de si no tempo, bem como a percepção
do outro sobre o sujeito. Estabelece, assim, dois aspectos da identidade:

 seu lado social, através da alteridade entre o sujeito e o outro;


 seu lado individual de sentir que continua o mesmo e dos outros o verem desse
modo, um “sentido de identidade”. (cf. BRANDÃO, 2004).

Brandão (2004) afirma que através das trocas, experiências e vivências ao longo da
vida, constrói-se a identidade e que esses encontros com as diversidades através das diferentes
experiências vividas põem em dúvida o sentimento de continuidade já adquirido. É possível,
nessa circunstância, que surjam “crises identitárias” que desencadeiam “reajustamentos
permanentes”, responsáveis por integrar nos sujeitos essas novas experiências. A definição
identitária do sujeito é afetada diretamente pela forma como ele vive sua sexualidade,
principalmente aqueles cujas práticas sexuais se situam à margem do que se convenciona ser a
“normalidade”. As práticas sexuais não convencionais, não aceitas, reprimidas e/ou
marginalizadas podem produzir conflitos ao nível da definição identitária.
A identidade é, assim, a cada momento, uma nova configuração, porque integra
elementos que não estavam lá antes. Além desses processos internos pelos quais os sujeitos
passam na construção identitária, há forças externas que os empurram para a concordância das
predefinições já estabelecidas, daquilo que representa, por exemplo, ser homem ou ser
mulher. Essas predefinições interferem, diretamente, através dos padrões, normas e valores
que são interiorizados por meio, por exemplo, da ação das pessoas mais próximas.
Para Brandão (2004, p. 4-5),
41

a identidade é sempre, e ao mesmo tempo, um encerrar e um abrir de fronteiras. Ela


estabelece o que somos excluindo o que não faz parte de nós, traçando um limite
para lá do qual seríamos, necessariamente, outra pessoa, determinando o que se
espera de nós por sermos o que somos. Identificarmo-nos significa aceitarmos ou,
pelo contrário, recusarmos, esses limites que [nos] contêm que [nos] encerram, mas
também aceitar [ou recusar] certa ordem do mundo que coloca cada coisa no seu
lugar.

O que se intenta ressaltar é que a identidade é aqui compreendida como um processo


identitário, no qual rupturas e continuidades acontecem por meio do rompimento de fronteiras
identitárias e normalizadoras e da construção de novas fronteiras. A antropologia à qual essa
pesquisa se alia é a que compreende o ser humano moderno como um ser de ambiguidades, no
qual não somente coexistem os clássicos binários bem e mal, masculino e feminino, hétero e
homossexual, como também o que está entre os binários ou para além deles.
Para Hall (2007), o conceito de identidade é complexo, pouco desenvolvido e pouco
compreendido na ciência social contemporânea. Está em curso uma mudança estrutural da
sociedade moderna desde o final do século XX. Tal mudança é responsável por fragmentar
paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade tidas como
sólidas até então. Estas transformações estão também mudando as identidades pessoais,
abalando a ideia que se tem de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um
sentido de si, estável, é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descontração dos
indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si. São estas
transformações que permitem que se tenham diferentes identidades.
Diante desse ambiente instável, Brandão (2004) destaca que quando a
heterossexualidade é o padrão dominante e considerado exclusivo, quando outros modelos
estão praticamente ausentes ou o que se mostra deles é estigmatizante, a ocorrência de um
evento que a possa pôr, de algum modo, em causa, pode gerar um sentimento de isolamento,
mesmo de “anormalidade”, com o qual é preciso aprender a lidar. Trata-se, portanto, de voltar
a organizar o mundo, de (re)descobrir qual é o seu lugar. Mediante esses entendimentos, é
possível analisar os processos que levam à metáfora de um “armário gay”.
Para Sedgwick (2007, p. 37),

nenhuma pessoa pode assumir o controle sobre todos os códigos múltiplos e muitas
vezes contraditórios pelos quais a informação sobre a identidade e atividade sexuais
pode parecer ser transmitida e, dessa forma, no processo de entendimento de si
como sujeito homossexual surgem muitas dúvidas, cujas respostas mostram o quão
difícil é a definição de uma identidade homossexual, a resistência a ela e, também, o
quanto sua definição se afastou, muitas vezes, do próprio sujeito homossexual.

A citação de Sedgwick (2007) destaca que a conceituação de uma identidade ou de um


sujeito homossexual não é uma conta matemática na qual a exatidão dos fatores corresponde à
42

realidade. Tem-se aqui um ambiente de tensões, no qual o próprio sujeito tem dificuldade de
compreender-se e, portanto, de se fazer compreendido. Segundo Pereira (2009), o processo de
“saída do armário” é determinante na construção de uma identidade homossexual, refletindo a
aceitação dessa identidade pelo indivíduo e o entendimento de que a orientação sexual
divergente possui um status social estigmatizado perante os indivíduos. O processo de “sair
do armário” é considerado um dos mais complicados para o indivíduo homossexual,
envolvendo uma grande carga emocional e medo.
Assim, usando o ambiente de trabalho como exemplo dessa realidade, Altman (2012,
p. 77) afirma que

por medo de sofrer algum preconceito, os gays no ambiente de trabalho podem


evitar um relacionamento social com pessoas heterossexuais, para não acabarem
revelando que são gays. E tendo em vista que grande parte da sociedade se declara
heterossexual, os homossexuais se consideram minoria e podem acabar adotando os
padrões e estilos de vida dos heterossexuais nas organizações, pelo medo de que
possam ser prejudicados de algum modo.

Embora possa parecer simples e comum, “sair do armário” ainda é algo permeado por
inúmeras especificidades e implicações sociais. É um processo que envolve uma série de
negociações de ordem simbólica e prática, podendo ocorrer em diversas etapas, e talvez nunca
completamente.
“Sair do armário” significa estar mais exposta à homofobia, que Borrillo (2010) assim
descreve:

mesmo que seu componente primordial seja, efetivamente, a rejeição irracional e,


até mesmo, o ódio em relação a gays e lésbicas, a homofobia não pode ser reduzida
a esse aspecto. Do mesmo modo que a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo, a
homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como
contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado a
distância, fora do universo comum dos humanos. A homofobia desempenha um
papel importante na medida em que ela é uma forma de inferiorização, consequência
direta da hierarquização das sexualidades, além de conferir um status superior à
heterossexualidade, situando-a no plano do natural, do que é evidente (BORRILLO,
2010, p. 13).

O ódio aos dissidentes sexuais não somente os vitimiza como também os estigmatiza.
Goffman (1978) explica que

o termo estigma [...] pode ser usado em referência a um atributo profundamente


depreciativo. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de
descrédito é muito grande – algumas vezes ele também é considerado um defeito,
uma fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a
identidade social virtual e a identidade social real. As violências às quais os
homossexuais são vítimas são rotineiras e contínuas, não permitindo a construção de
uma autoimagem positiva muita das vezes, o que não impede outras formas de
significação da discriminação constantemente sofrida (GOFFMAN, 1978, p. 13).
43

Há de se observar, entretanto, que a quebra do silêncio e da clandestinidade, o


encontro de pessoas com experiências similares, são vitais para a releitura da experiência
homossexual, o que possibilita se sobrepor às ideias que circulam no campo teórico como
tendo legitimidade própria. Hoje, esse diálogo iniciado, em sua maioria, pelos movimentos
sociais tem questionando a regra estigmatizadora exigindo o reconhecimento da existência de
sexualidades diversas, pois tais identidades são reproduzidas por meio de recurso às práticas
simbólicas partilhadas e à manutenção de uma linguagem específica e adoção de práticas
corporais diferenciadas (BORRILLO, 2010).
A complexidade com a qual o tema homossexualidade se apresenta no meio social de
forma mais ampla é justificada por uma necessidade de compreensão da sociedade como um
todo e também de desconstrução de ideias preconcebidas. A problematização da sexualidade é
tema central na modernidade e através dessa ação todos os questionamentos da naturalidade
do sexo e da heterossexualidade surgem acompanhados de argumentos para uma crítica à
ideologia vigente. A articulação dessa crítica também proporciona o apoio grupal e a
constituição de redes voltadas para a “saída do armário”.
Conforme Borges (2014, p. 01),

ao problematizar os rígidos papéis atribuídos a mulheres e homens, descortinou-se


um horizonte mais heterogêneo e diverso de práticas sexuais. Assim, a opção sexual9
acabou se tomando um caminho para construção de outras narrativas que vão além
das narrativas que afirmam que o biológico, tido como equivalente natural para
heterossexualidade, é o único destino para homens e mulheres.

Assim, as sociedades na modernidade são caracterizadas pela diferença em que os


diferentes antagonismos sociais responsáveis por criar diferentes posições de sujeito, que nada
mais são que identidades para os indivíduos, se dão (HALL, 2007). Diniz (2016) salienta que
o homossexual está em constante transformação, possibilitado pelas experiências e interações
que ele vivencia com seu meio social e os direitos sociais que se articulam, com a própria
experiência propriamente dita da estigmatização do homossexual. A realidade social também
se faz por meio da interiorização e exteriorização de si, atribuindo um caráter relacional com a
sociedade em que este está inserido. A orientação do desejo, por mais diferenciada que seja,
tem que ser levada em conta, pois expressa a verdadeira possibilidade de se realizar afetiva e
sexualmente. Na orientação moram os afetos e as emoções.

9 Considera-se que o termo “orientação sexual” seja mais adequado que “opção sexual”, pois esse compreende a
homossexualidade como uma escolha, e se é possível escolher ser homossexual, seria também possível escolher
não ser homossexual.
44

Nesse cenário, Nunan (2003) reconhece que a homossexualidade em si não é uma


escolha, a escolha, porém, é “tornar-se gay”, ou seja, adotar a identidade gay. “Sair do
armário” é, então, desafiar o discurso sexual hegemônico. A autora afirma que

a angústia proveniente do sujeito homossexual, não deriva da descoberta, mas sim


da rejeição que sofre/sofrerá. Mesmo tomando a precaução de revelar sua
homossexualidade a indivíduos que acreditam ser menos preconceituosos, ao fazê-lo
os homossexuais estão se arriscando a perder conexões humanas valiosas, sobretudo
com familiares e amigos íntimos (NUNAN, 2003, p. 127).

Para Reynolds (1999), deve-se pensar no armário como uma metáfora de um


fenômeno tipicamente contemporâneo: o estabelecimento de fronteiras entre público e
privado, com o consequente aparecimento de um espaço no qual identidades emergentes ou
desviantes podem escrever e ensaiar falas públicas. A identidade pode ser definida como um
conceito extremamente subjetivo, pois se refere mais a experiências psicológicas do que a
uma essência objetiva de cada indivíduo, envolvendo níveis de autorrepresentação individual
e em grupo. Assim, a identidade não é uma unidade indivisível: ela é multifacetada,
consistindo-se de autorrepresentações que se diferenciam umas das outras.
Nesse sentido, Eribon (2008, p. 68) explica que

o armário foi, com tanta frequência, denunciado pelos militantes homossexuais


como o símbolo da vergonha e da submissão à opressão que se acabou esquecendo
ou negligenciando que ele também pode ser, e ao mesmo tempo, um espaço de
liberdade e um meio – o único – de resistir e de não se submeter às injunções
normativas. E é esse extraordinário sentimento de orgulho e de liberdade
conquistada e mantida como um segredo partilhado com vários que os gays das
gerações precedentes talvez não encontrem mais na liberdade e no orgulho ostentado
à luz do dia e que lhes parecem fáceis demais, e, num certo sentido, um pouco
insossos, uma vez que perderam o sabor do jogo com o interdito. Quando um gay ou
uma lésbica se vê diante de uma situação em que existe a possibilidade de fazer seu
coming out, não é incomum que seja tomado por um sentimento ambivalente em
relação à confissão. Afinal, lidar com a diferença em um mundo onde aprendemos
desde cedo a assimilar valores hegemônicos é uma tarefa que exige um esforço de
desaprendizagem, ainda muito penoso para grande parte das pessoas. Falar de si
sempre é de um jeito ou de outro, uma demanda por reconhecimento, e em muitas
das vezes, uma tentativa de maior aproximação daquele para quem se fala.
Experiência central na vida dos homossexuais de hoje, o problema do dizer é
permeado por uma série de questionamentos que põem em xeque uma gama de
variáveis; dentre elas, o próprio ato de revelação.

Mesmo em casos marcados por um nível razoável de tolerância ou compreensão,


quando alguém “se assume homossexual”, aquelas que se percebem heterossexuais ou
simplesmente como “normais” e que, até então, não tinham por que questionar sua própria
identidade ou a ordem social pela qual esta se institui, se veem frente à ameaça de perder
certos privilégios que a posição que ocupam na hierarquia das sexualidades lhes proporciona.
Podem, então, exigir do homossexual que volte a se recolher ao silêncio ou questionar o
45

simples fato de ter desejado falar sobre determinados aspectos de sua existência que poderiam
nunca ter sido compartilhados (ERIBON, 2008).
A sexualidade humana é uma dimensão da experiência social permeada por todo um
universo de desejos, crenças e valores articulados que definem a identidade. As sexualidades
participam da estruturação da hierarquia social sendo um desafio compreender como estas
formas de significação se entrelaçam em um emaranhado visível e invisível no cotidiano do
ser humano. A conceituação de sexualidade será aprofundada no capítulo 2, entretanto o
conceito já atravessa toda a discussão sobre identidade.
Discutir as sexualidades envolve abordar as formas de orientação sexual em torno das
homossexualidades e as questões políticas e de identidade nas quais é possível observar o
preconceito e os enfrentamentos em torno da visibilidade e dos direitos homossexuais.
Segundo Goffman (1978), o preconceito, como um mecanismo social, colabora e produz
formas subalternas de cidadanias e o enfrentamento contra estas formas discriminativas exige
um alargamento do campo do político com a discussão da homossexualidade no âmbito da
política e da identidade desse contingente populacional.
Ao revelar sua homossexualidade, o indivíduo põe em xeque valores e crenças
extremamente arraigadas na sociedade. Ao mesmo tempo em que um encobrimento
possivelmente doloroso é desfeito, a estigmatização continuará presente de uma forma ou de
outra e ele estará mais sujeito a sofrer agressões físicas ou verbais, entre outras perdas sociais
significativas. Como Goffman (1978, p. 56) aponta,

a narrativa do coming out vem desempenhando um papel significativo na


historiografia de gays e lésbicas, bem como em suas vidas. Durante as décadas de
1970 e 1980, o coming out era descrito como uma experiência de renascimento, na
qual as idéias de crise, segredos juvenis e guinadas faziam-se presentes. O coming
out parece ser um dos processos de aprendizagem social mais importante na vida de
um homossexual, na medida em que uma identidade homossexual positiva começa a
se delinear através de uma espécie de ressocialização, já que, diferente de outros
grupos estigmatizados, como negros e judeus, os homossexuais não possuem, de
modo geral, apoio familiar para lidar com o preconceito. Faz-se necessário, portanto,
que descubram por conta própria modelos que os ajudem a encontrar uma posição
de relativo conforto.

Assim, infere-se que esses modelos não são estáticos ou pré-definidos e podem,
inclusive, dar suporte para que o indivíduo permaneça escondido. Enquanto uma pessoa pode
passar a frequentar reuniões de alguma organização ou mesmo filiar-se a ela a fim de obter
amparo psíquico e social para enfrentar a discriminação da família, dos amigos ou no
trabalho, outro homossexual pode construir toda uma rede de sociabilidade clandestina, na
qual ele tem amigos, sai à noite para determinados lugares e conhece parceiros sexuais e ainda
46

assim mantém sua homossexualidade como um aspecto completamente desconhecido das


outras redes de que faz parte, ou limita esse conhecimento a apenas uma dessas redes, como
familiares ou amigos mais íntimos (GOFFMAN, 1978).
Nunan (2003, p. 132) explica que

os homossexuais não aceitam ser reduzidos e menosprezados, por este motivo


passam a fortalecer a comunidade gay organizada, pois assim adquirem
conhecimentos de seus direitos e reduzem os conhecimentos errôneos impostos pela
heteronormatividade. O ponto de vista da sociedade heterossexual masculina traz a
homossexualidade (que é a dominação do homem pelo homem) como sendo
considerada uma doença mental ou a perturbação da identidade de gênero que
ameaça a manutenção da superioridade social do sexo masculino. Isto faz relembrar
a questão socialmente imposta de que homem é ativo/dominante e a mulher
passiva/dominada, associando a imagem do sujeito homossexual à figura da mulher.
No Brasil, pode-se afirmar que mais importante do que o parceiro sexual é o papel
sexual.

A afirmação acima requer uma análise que encontrará respaldo na discussão proposta
sobre a Teologia Queer (cap. 2), o binário passivo e ativo configura a forma pela qual se dará
a aceitação da homossexualidade. Como já apontado, existem padrões de gênero, que se
cumpridos, facilitam a entrada homossexual na norma heterossexual. Assim, uma lésbica
feminina (femme) é mais aceita na sociedade do que uma popularmente nomeada de
“caminhoneira” (butch).
Green (1999, p. 106) explica que

a criação da subcultura homossexual decorre da identidade comum entre


homossexuais que fica fortalecida por meio do território em que se encontram e pelo
comportamento social que demonstram, aliado a hábitos, linguagem, humor, entre
outros. Alguns passaram a usar roupas e estilos que serviam de indicativos de suas
predileções sexuais e projetavam imagens efeminadas a fim de veicular suas
disponibilidades para interações sexuais e sociais com outros homens. As roupas,
costumes e códigos desses homens indicam que haviam construído uma identidade
social comum ligada ao comportamento sexual. Alvo de desprezo pela sociedade de
forma geral, ainda assim demonstravam uma resistência surpreendente ao manter
múltiplas formas de se socializarem, enquanto desafiavam o comportamento
normativo da sociedade brasileira.

As categorizações sociais apontadas por Green (1999) são historicamente marcadas.


Assim, identificações do final da década de 1990 podem já não ser adequadas para a realidade
atual. Por exemplo, atualmente, homossexuais mais afeminados são nomeados de “bichas
poc” que, segundo Vieira (2018)10, o uso do “poc” remete ao som dos saltos no chão.
Nas práticas sexuais, há fatores que distorcem a vida sócio-moral como
comportamentos dissonantes da heterossexualidade dominante, que determinam que a vida

10 Conversa com Helena Vieira por ocasião do Retiro Nacional das Igrejas da Comunidade Metropolitana 2018,
que aconteceu em Fortaleza, CE.
47

sexual deva ser reprodutiva e, por isso, deve acontecer entre um homem e uma mulher, em
padrões monogâmicos de união, forçando, assim, as práticas divergentes a acontecerem nos
guetos, evitando estigmas referentes à sexualidade “transgressora”, tal qual acontece com as
práticas homossexuais. O armário, nesse sentido, é um espaço simbólico no qual se escondem
desejos e sexualidades em benefício de um grupo social dominante, mantendo a identidade
sexual em segredo. É um dispositivo de regulação da vida de minorias sexuais que concerne,
também, aos heterossexuais e seus privilégios de visibilidade e hegemonia de valores; e, como
uma característica fundamental da vida social, devido à opressão sofrida pelas pessoas gays,
por mais corajosas e sinceras que sejam de fato, por mais afortunadas pelo apoio de suas
comunidades, em cujas vidas o armário não seja ainda uma presença formadora.
Conforme Miskolci (2013), o armário se caracteriza por um conjunto de normas nem
sempre explícitas, mas rigidamente instituídas, que faz do espaço público sinônimo de
heterossexualidade, relegando ao privado as relações entre pessoas do mesmo sexo. O armário
é a tentativa de criar uma existência paralela cuja centralidade emocional tenciona o cotidiano
em que lutam para se inserir como pessoas “normais”, discretas, heterossexuais. Essa
dicotomia em que vivem os homossexuais é inevitável, e é visível como o trabalho constante,
de manutenção das vivências homossexuais em segredo, se pauta pela prioridade que
conferem à sociabilidade heterossexual, em especial familiar. Mesmo mantidas em segredo e
ocupando menos tempo em sua vida cotidiana, as relações secretas realmente desempenham
um papel fundamental para eles. Lanzarini (2013) entende, ainda, que qualquer forma distinta
dessa heterossexualidade normativa e dominante é tida pela sociedade como “um ‘desvio’ de
comportamento”, impondo a esses indivíduos uma marginalização e os obrigando a viverem à
margem da sociedade.
Segundo Seidman et al (1999) não se pode escapar de sentimentos ambivalentes em
relação à homossexualidade em uma sociedade que faz da heterossexualidade a norma. No
entanto, à medida que a homossexualidade vai se tornando mais visível na sociedade,
enquanto uma variação legítima da sexualidade humana, haveria uma maior facilidade para a
“normalização” e a “rotinização” de uma identidade homossexual; isto é, uma maior aceitação
subjetiva e integração social da mesma, ainda que incompleta.
O que se observa na atualidade é que fronteiras e padrões sociais são cada vez mais
contestados e se encontram cada vez mais fragmentados. Formas de conduta, com seus
valores e práticas, que antes eram marginalizados, reduzidos e ocultados, de forma a torná-los
clandestinos, passam a se manifestar e tentar buscar o seu espaço. A busca por legitimação no
48

espaço social cria um ambiente de tensionamento, no qual a afirmação da identidade


dissidente passa a ser um imperativo.
A discriminação contra homossexuais existe ancorada em alguns fatores que atuam
para incitar o sujeito a permanecer no armário, tais como: condenação moral, inaceitabilidade
social e política, e atribuição de relação entre homossexualidade e doença. A
homossexualidade tende a afrontar de uma forma mais radical e incômoda as instituições e
valores da sociedade (RIOS, 2007).
Nesse sentido, Medeiros (2007, p. 101) enfatiza que

a autorrevelação da sexualidade é uma das questões mais difíceis para os


homossexuais porque envolve uma grande energia emocional e um medo de
retaliação e rejeição. Entretanto, ao mesmo tempo, aqueles que permanecem no
armário manifestam baixos níveis psicológicos de bem-estar e de satisfação na vida,
aumentando os riscos relacionados à saúde, além de gastarem muita energia em
atividades focadas em esconder sua homossexualidade, em uma tentativa de evitar
qualquer estereotipia e estigmatização.

Assim, “sair do armário” é para muitos uma expressão perturbadora. Para outros, pode
parecer um tanto quanto desafiadora. Essa expressão pode levar a imaginar que só as
homossexuais, popularmente chamadas de “enrustidas”, estão no armário. Segundo Jameson
(2002), é uma construção de um padrão de identidade fixa, aceita e estabelecida socialmente.
À noção rígida de identidade, uma vez que se baseia na análise nas sociedades tradicionais e
pré-industriais nas quais o sujeito construía a sua identidade com pouca autonomia pessoal,
submetido a um grande número de determinações das instâncias socializadoras e a uma
cultura fortemente codificada e estratificada (JAMESON, 2002).
A identidade ganha significado em função de um grupo e supõe um conjunto de traços
comuns que, por isso, depende do quadro de referência no qual se insere o grupo. Há uma
ligação entre a memória e a identidade, visto que ela é um fator extremamente importante no
sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo. Logo, o
sentimento de identidade está ligado a uma memória, que permanece viva na experiência
singular, tanto de um indivíduo como de um grupo.
“Sair do armário” ganha novos e importantes contornos quando enunciado em
público, como para familiares, amigos/as, cônjuges e colegas de trabalho. Afinal de contas, a
sexualidade foi construída em segredo no Ocidente e a história do segredo permanece no
armário da sexualidade (SEDGWICK, 2007). A sexualidade é um dispositivo histórico de
poder que marca as modernas sociedades ocidentais, conforme pressupostos foucaultianos, e é
justamente o poder que convida a enunciar a sexualidade por meio das diversas instituições e
49

saberes, como peça essencial de uma estratégia de controle do indivíduo, característica destas
mesmas sociedades.
O “sair do armário” gera diversas dúvidas e anseios aos indivíduos por mais que se
pareça simples; o ato de visibilizar a sexualidade não dominante também traz diversas
implicações sociais e inúmeras especificidades, de acordo com o contexto de cada indivíduo.
Multiplicam-se os medos de agressões físicas, psicológicas, de ser expulsa de casa, de ser alvo
de bullying na escola, de sofrer preconceito no ambiente de trabalho, de ser demitida, de
perder vínculos afetivos com familiares e amigos, ou a presença de um trânsito religioso
forçado (ANDERSON, 2005).
Segundo Jesus (2008, p. 88),

o “sair do armário” também se revela como um fator de enfrentamento da crença de


que a homossexualidade é um tema distante, supostamente longe da realidade
vivenciada, como se não existisse esse “tipo de gente” próxima aos familiares. A
invisibilidade da homossexualidade foi sendo de certa forma substituída por maior
debate e visibilidade social e midiática do tema, fazendo com que essas pessoas
passassem a ser vistas e reconhecidas; o que para grupos fundamentalistas religiosos
deu a ideia de um “aumento da população homossexual”, mas que na verdade o que
ocorreu foi o empoderamento dessas pessoas.

A oportunidade de perceber que o caminho compreendido entre o reconhecimento de


si, como sujeito inscrito em uma sexualidade subalternizada, o enfrentamento de todas as
situações impostas pela cultura normativa dominante e a tomada de posição como sujeito
dessa sexualidade, pode ser longa e dura para tais sujeitos.
Os valores e os costumes dominantes em cada sociedade são determinados pelo
momento histórico em que as pessoas se encontram. Junto aos valores e costumes, surgem as
exclusões que são precedidas por preconceitos. As pessoas costumam encarar o diferente, o
incomum, com certa desconfiança. Nesse sentido, a relação heterossexual é considerada
normal porque está retoricamente associada à formação da família, isto é, pai, mãe e filhos.
Ou seja, já está estabelecido o que é certo e o que se deve fazer, passando por cima, muitas
vezes, da essência das pessoas, que não raramente sofrem em razão de seus desejos não
estarem de acordo com a visão aceita pela sociedade (FRY; MACRAE, 1985).
A discriminação que atinge a homossexualidade encontra-se, preferencialmente, na
moralidade. As pessoas ignoram a busca pela identificação das raízes da homossexualidade,
adotando posturas de recriminação e negação aos homossexuais, por acharem que a relação de
afeto entre pessoas do mesmo sexo é uma afronta à moralidade. A rejeição à
homossexualidade tornou-se um evento verificado em todas as classes sociais orientadas,
principalmente pelas instituições religiosas que, segundo Fry e McRae (1985), isso se deve ao
50

fato de a igreja se sentir sempre contrariada e, até hoje, ameaçada com relação ao seu poder e
monopólio. As relações entre pessoas do mesmo sexo testemunharam, ao longo da história, os
mais diversos momentos sociais e, ao se aproximarem da contemporaneidade, passaram a ser
compreendidas como motivo de preocupação moral, sendo-lhes outorgadas um caráter
satânico pela religião cristã tradicional. Do lado, a sociedade lhe emprestou um caráter
promíscuo opcional, motivo pelo qual se acredita que essa manifestação sexual divergente
deve ser punida e banida da terra, é isso que caracteriza de forma trágica mais uma face do
preconceito em razão da orientação sexual.
Para Trevisan (2002, p. 88),

a compreensão da homossexualidade foi extremamente prejudicada por influência de


valores desprovidos de senso científico, mesmo tendo a medicina avançado e
reconhecendo a homossexualidade não mais como doença, fortemente embasados no
senso comum e em postulados religiosos, o que contribuiu para o incentivo à
construção da cultura do ódio em relação aos homossexuais, refletindo sobre a
postura social e legal em relação aos diferentes. O fenômeno da homossexualidade
vem sofrendo enorme preconceito ao longo da história, essa não aceitação se deveu
principalmente à igreja, que entendia o casamento como a única forma de perpetuar
a espécie, passando a alimentar fortemente essa discriminação contra o
homossexual, pois se acreditava que essa prática podia interferir no propósito do
criador.

Contudo, as características da sociedade contemporânea estão sendo transformadas


pela luta e resistência dos movimentos sociais e vêm acolhendo paulatinamente as
necessidades de novos entendimentos, posturas e atitudes diante dessa questão, sendo
perceptível a existência de uma maior abertura para tais discussões nos dias atuais. Ainda
assim, existem muitos complicadores com relação à homossexualidade, principalmente no
que diz respeito à formação de uma identidade LGBT, que implicaria em uma “saída do
armário” marcada, muitas vezes, pelo preconceito e pela dor. Estes muito influenciados por
uma visão fundamentalista de perspectivas morais do cristianismo.
“Sair do armário” no âmbito religioso – compreendendo este como uma experiência
pessoal e individual de espiritualidade, construída a partir de vivências anteriores em
instituições religiosas e fora delas – mostra que o exercício do poder está assegurado a quem
detém os meios simbólicos para produzir o saber institucionalizado. No cristianismo, por
exemplo, a constituição do saber, o privilégio de pronunciar o discurso oficial da instituição e
o ministério da mediação entre o profano e o sagrado eram prerrogativas dos homens
(DURKHEIM, 1989). Essa dominação masculina, patriarcal e androcêntrica, principalmente
na produção e controle do conhecimento, produziam relações de poder social e sexualmente
hierarquizadas. Na teologia e na ética cristã, os homens podiam estabelecer a desigualdade de
51

gênero através dos discursos e práticas que normalizavam os papéis sociais para homens e
mulheres, sobre o que seria natural ao mundo feminino e o que pertenceria ao mundo
masculino (DURKHEIM, 1989).
Nesse contexto Bourdieu (2003, p. 22) observou que

quando os dominados aplicam àquilo que os domina esquemas que são produtos da
dominação ou, em outros termos, quando seus pensamentos e suas percepções estão
estruturados de conformidade com as estruturas mesmas da relação da dominação
que lhes é imposta, seus atos de conhecimento são, inevitavelmente, atos de
reconhecimento, de submissão. Os procedimentos de exclusão em uma sociedade do
discurso alcançam aqueles que não são considerados qualificados para um
pronunciamento público. É preciso destacar que ao se analisar um fenômeno social a
partir do uso de gênero, observa-se que essa chave hermenêutica é atravessada por
outras categorias que influenciam diretamente no resultado da análise. Não só o
sexo, mas a classe social, raça/etnia, idade e cultura são dados que precisam ser
considerados também na análise que usa gênero como instrumento de interpretação.

Então, observa-se, nesse contexto, que as igrejas cristãs historicamente alimentaram


essa ordem social de gênero ao reproduzir a desigualdade e a divisão sexual de papéis no
interior de suas estruturas organizacionais, a partir da mesma perspectiva da dominação
masculina na família e na sociedade. Pois, conforme Bourdieu (2004), a igreja contribui para
a manutenção da ordem política e, portanto, para o reforço das divisões desta ordem.
Segundo Fernandez-Martos (2012), pela pressão da religião e da sociedade, muitos
gays procuram na religião a fuga da homossexualidade: oram, jejuam, fazem promessas,
correntes, campanhas, frequentam compulsivamente a igreja, buscando assim se livrarem do
que muitos consideram apenas um “comportamento”. Ou seja, algo passível de cura ou
escolha. Explica Martos (2012, p. 74) que

uma discussão sobre sexualidade não pode ser realizada sem a abordagem de
temáticas religiosas, pois, como bem se sabe as religiões em geral, com algumas
exceções, condenam veementemente o comportamento sexual atípico, ou seja, o
comportamento que foge da padronização sexual imposta muitas vezes pelos
próprios dogmas religiosos. É importante ressaltar que essa aversão a outros tipos de
comportamento sexual não atinge somente o comportamento homossexual, mas sim,
inúmeras formas de manifestação da sexualidade humana que fogem do
convencional, inclusive práticas perfeitamente possíveis na heterossexualidade,
como o sexo anal por exemplo. Na verdade, é condenável por boa parte das
religiões, com especial destaque pelas religiões cristãs, o sexo que não seja para fins
de procriação, condenando-se, consequentemente, o sexo praticado apenas pela
obtenção de prazer, instituindo a padronização da sexualidade.

Na contemporaneidade brasileira, o que se observa em termos de religiosidade é que


os militantes pró-LGBTs têm buscado os direitos homossexuais cada vez mais discutidos e
com maior visibilidade social, ainda que sejam esses discursos contrários
52

às doutrinas cristãs majoritárias no Brasil, que apontam a homossexualidade como


ameaça à família. Assim, o reconhecimento de seus direitos é reconhecido como ameaça às
liberdades de expressão e religiosa.
Para Giorgis (2002, p. 103),

a relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação


homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem
depender da orientação sexual, é previsto no artigo 1º, inciso 3º, da Constituição, e o
Estado Democrático de Direito promete aos indivíduos, muito mais que a abstenção
de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais, a promoção positiva de suas
liberdades. Salienta-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a um ser humano,
em função da orientação sexual, significa dispensar tratamento indigno a um ser
humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, como
se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana. A orientação sexual
adotada na esfera de privacidade não admite restrições, o que configura afronta a
liberdade fundamental, a que faz jus todo ser humano, no que diz com sua condição
de vida.

Um exemplo que ilustra essa tensa relação entre a liberdade de expressão e a liberdade
religiosa é o projeto aprovado em 1º turno pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do
Senado sobre a criminalização da homofobia. Segundo Garcia et al (2019), no dia 22 de maio
de 2019, a CCJ aprovou um projeto que prevê punições para a discriminação ou preconceito
motivados por sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. A pauta foi votada um dia
antes do Supremo Tribunal Federal (STF) ter conseguido o número mínimo (seis) de votantes
para aprovação do julgamento de uma ação que criminaliza a homofobia. O que merece
destaque no projeto aprovado pela CCJ é que ele isenta de punição quem “impedir ou
restringir manifestação razoável de afetividade em templos religiosos”. Entram em conflito,
então, o direito à liberdade religiosa e os princípios básicos de liberdade, igualdade e
dignidade. O que está por detrás do ordenamento jurídico brasileiro advém uma pauta moral
tradicional cristã, que categoriza as dissidências sexuais como pecado. E contra o pecado não
haveria argumentos.
Por causa da tensão dessas questões, ao assumir sua sexualidade, o ser humano pode
ter a necessidade de se desvencilhar de seus dogmas ao falar de direitos ou de moral,
enxergando esses pontos de um olhar laico e não religioso, com o intuito de ser livre. À
religião é atribuída a legitimidade para normatizar o ethos privado e a dimensão sagrada da
construção da sexualidade, dos corpos e dos desejos. Há, então, a presença de uma ordem
moral e padrões de conduta considerados ideais se cada denominação religiosa desenvolve
modos específicos de orientação nos comportamentos e na disciplina de seus seguidores. Os
conflitos envolvendo a homossexualidade estão diretamente relacionados com questões de
identidade e desejo. Esses conflitos não só dilaceram igrejas em termos mundiais, como
53

também incidem profundamente sobre as vidas e as histórias de vida de indivíduos. A


influência da religião frente as questões da diversidade sexual na atualidade pode ser
claramente percebida na construção do entendimento que se tem sobre a homossexualidade,
visto que a mesma é estruturada a partir de um discurso social sedimentado nas referências
simbólicas que ditam os parâmetros sexuais daquilo que é considerado como normalidade
(SILVA et al, 2008). Natividade (2010) defende que os grupos religiosos são um foco
importante de mudanças e fala de uma igreja “reformada e inclusiva” que acolhe os
homossexuais em cultos cristãos, sem exigir deles uma mudança de conduta sexual.
A religião e suas interpretações a respeito da homossexualidade são com frequência
mantenedoras de significados negativos, que dificultam mudanças necessárias para a
aceitação e a legitimação da mesma. Nessas denominações, as crenças religiosas do que é
puro ou impuro dificultam a aceitação e a mudança social mais ampla. Isto se torna evidente
nas situações em que pessoas com orientação homossexual afastaram-se de suas respectivas
igrejas para vivenciarem sua homossexualidade, ou ainda, procuraram uma igreja inclusiva
que aceitasse o homossexual, buscando uma participação em congregações que abordavam
uma homossexualidade santificada, que permitisse a vivência da mesma nos moldes cristãos,
ou seja, tirando a conotação de pecado da homossexualidade e o atribuindo às atitudes de
promiscuidade, infidelidade, sexo fora do casamento (NATIVIDADE, 2010).
Nesses casos, percebe-se que as pesquisas de Natividade (2010) apontaram para a
fundação de igrejas autodenominadas inclusivas, marcadas pela aceitação ampla, mas não
irrestrita de dissidentes sexuais. Com isso, percebe-se que existe um padrão de
heteronormatividade que regula as práticas religiosas dessas denominações. Entretanto, esses
dados não podem ser considerados como únicos dentro do espectro da inclusão religiosa,
como a pesquisa tratará mais adiante.
Neste momento, o que é preciso perceber é que a “saída do armário” pressupõe o
reconhecimento das singularidades, revelando-se como éticos os comportamentos de não
julgar e agir de forma desrespeitosa. A história e os princípios de cada ser e/ou grupo social
são particulares. Ainda assim, há aqueles que se utilizam do argumento de que, se todos
fossem homossexuais, a raça humana seria extinta devido à falta da reprodução. Esse
argumento, por sua vez, é dissuadido pela hipótese óbvia de que não existem somente
heterossexuais e que, do mesmo modo, não existiriam apenas homossexuais. O mundo é
construído pela diversidade humana e também é possível argumentar em prol das novas
configurações de família, em que casais homossexuais adotam crianças e oferecem condições
dignas de vida para seus filhos.
54

“Sair do armário” esbarra em fobias profundas e variadas, em inseguranças e,


conforme Alves (2005), a noção de segurança e insegurança decorre, muitas vezes, da
violência não-física. A sensação de insegurança em locais públicos e, por conseguinte, sentir-
se segura apenas em locais privados decorre do fato de que a heterossexualidade é encenada
publicamente, é permitida ao público, restando à homossexualidade o espaço privado.
É possível que, com o passar do tempo da “saída do armário”, o dissidente sexual
acabe se acostumando com a violência dos olhares, em sentir-se inseguro em espaços
desconhecidos, em ser rechaçado apenas porque está existindo a partir de uma experiência
estigmatizada. Uma vez que a violência é estruturadora da subjetividade, faz-se necessário
aprender a conviver com essas cenas violentas, e articular uma boa dose de resistência e
coragem para garantir uma vivência enquanto homossexual.
Assumir a divergência sexual é um momento de grande dificuldade, podendo ser
marcado por desentendimentos graves, humilhações, exclusão. Não se respeita o ser humano;
exige-se a observância de padrões de poder dominantes preestabelecidos socialmente, como
os descritos por Bourdieu (2004; 2003) Deleuze (2005), Durkheim (1989) e Foucault (1974,
1988).
Então, “sair do armário” é assumir-se como desviante11, ou seja, um indivíduo que não
adere às normas (GOFFMAN, 1978), tendo a identidade social real inconforme com a
identidade social virtual que a sociedade deseja. A inconformidade gera preconceitos. Assim,
na discriminação contra homossexuais, existem alguns fatores que atuam como obstáculos no
combate à discriminação:

 diversamente das outras formas de discriminação, pesa sobre a homossexualidade


uma condenação moral, uma inaceitabilidade social e política e uma atribuição de
relação entre homossexualidade e doença;
 a homossexualidade tende a afrontar, de uma forma mais radical e incômoda, as
instituições e valores da sociedade (cf. RIOS, 2007).

As relações humanas e seus aspectos afetivo-sexuais devem ser compreendidos de


forma que se leve em conta a cultura, o tempo, o lugar e os demais aspectos relacionais,
contextuais e processuais que as envolvem. Muitas têm sido as mudanças observadas nas

11 O termo desvio alia-se com a teorização de Goffman (1978), como destoante a qualquer membro individual
que não adere às normas, e denomina desvio a sua peculiaridade.
55

relações de intimidade e na expressão da sexualidade nos contextos públicos nas últimas


décadas.
Sant'Anna et al (2007) relatam que a homossexualidade ainda é em muitos contextos,
como por exemplo os de fundamentalismos religiosos, vista como uma mistura de pecado,
doença e crime. Rejeições impactantes e variadas foram e ainda são frequentes no contexto
social desses indivíduos, o que faz daqueles cujo desejo afetivo-sexual seja direcionado para
pessoas do mesmo sexo, um dos agrupamentos mais atingidos pelo preconceito, pela
intolerância e pela discriminação.
Nesse contexto, a família tem um papel importante de acolhimento ou discriminação.
“Sair do armário” na questão familiar passa pela percepção de que pessoas com orientação
homossexual se desenvolvem e estão presentes em todo tipo de lar e/ou famílias, bem como
também estão presentes em vários grupos socioeconômicos, étnicos e religiosos. A família é
um sistema aberto que resulta da interação e interdependência de suas partes e de seus
componentes. O ser humano como sistema vivo é um sistema auto-organizador, mas quando
se trata de família, é uma parte, que a influencia e por ela é influenciada e, dessa forma, a
dificuldade da família e de algumas pessoas aceitarem a própria orientação sexual está
inserida em um contexto de relações imersas em crenças, tabus e construções sociais que
devem ser vistas conjuntamente. Para compreender o ser humano com orientação
homossexual e ressignificar eventuais conflitos familiares e dificuldades com relação à
aceitação da homossexualidade, faz-se necessário ampliar o foco de visão, voltando a mesma
para o respeito que cada ser inspira e pela dignidade que lhe é devida (FERREIRA et al,
2007).
Para Natividade (2010), as crenças de cada família em torno dos papéis sexuais e
sociais pesam negativamente na aceitação da homossexualidade. Poucas comunidades
religiosas aceitam a homossexualidade. O fato de ter que esconder a expressão da
sexualidade, reforça o preconceito arraigado nas concepções de homossexualidade como
doença, pecado e crime, o que gera o medo e a dificuldade de comunicação. A construção do
significado da homossexualidade na família de origem se dá por meio de uma concepção
preconceituosa e estereotipada, reforçada, em sua maioria, pelas crenças religiosas, papéis de
gênero, e conceitos de saúde e doença, o que gera um sentimento de medo ao expressarem sua
orientação sexual diante da própria família e sociedade, caracterizando assim um
relacionamento familiar e social discriminatórios.
Desse modo, quando se fala em “sair do armário” ou afirmar sua sexualidade, percebe-
se que com o passar do tempo e a modificação dos costumes sociais, os homossexuais
56

puderam começar a aspirar a uma família real, e não apenas de substituição às suas. Entre o
repúdio e o fascínio de párias sem família, homossexuais passaram eles mesmos a pretender
integrar o rol daqueles aptos a formarem a entidade base da sociedade onde há fortemente um
processo submetido a muitos significados e complexidade (ERIBON, 2008).
Sobre essa exclusão familiar, segundo Eribon (2008), o reconhecimento das famílias
homoafetivas incorpora o afeto e os direitos individuais como chaves interpretativas no lugar
da tradição e da capacidade reprodutiva, o que tem o condão de desconstruir o preconceito e a
intolerância. Essa postura de não aceitação familiar dentro dos moldes da
heteronormatividade acaba por cristalizar relações de poder, que permitem apenas a certos
tipos de homossexuais mais higienizados a cidadania plena, relegando àqueles que não se
amoldam a este padrão à mesma solidão ou relações substitutas tradicionais.
Na visão de Louro (2010, p. 117),

ainda é comum, no Brasil e no mundo, associar a homossexualidade a algo inferior,


um motivo de vergonha, um comportamento não natural ou uma espécie de doença
que precisa ser curada. É por isso que muitos especialistas dizem que as dificuldades
encontradas para se assumir como homossexual começam, em primeira instância,
num processo de reconhecimento e aceitação de suas próprias necessidades. O
sentimento de gostar, se sentir atraído por pessoas do mesmo sexo pode surgir bem
antes da fase adulta. A forma como um adolescente, por exemplo, vai lidar com
todas as dúvidas e incerteza que a homossexualidade pode provocar não deixa de ser
influenciada por seu entorno mais próximo. Em famílias em que não há uma visão
aberta e de aceitação da orientação sexual de qualquer pessoa, o mais comum é que
o homossexual não se reconheça como tal por medo de ser marginalizado.

“Sair do armário” pode ser ainda mais difícil sem o suporte da família. Por isso, é
fundamental amadurecer o processo de autoaceitação, para que não haja dúvidas sobre a
legitimidade de seus sentimentos, nem qualquer culpa na hora de assumir a homossexualidade
à família e ao resto da sociedade. Essa postura familiar de exclusão trouxe o reconhecimento
gradativo da legitimidade da família homoafetiva, com o casamento igualitário, a
possibilidade de adoção, técnicas de fertilização in vitro, e foi modificando não apenas o que
se entende por família, mas, o que é necessário para algo ser uma família, como também o
que a família representa para homossexuais (ERIBON, 2008). A família foi assumindo outros
significados ao lado do tradicional local de violação e exclusão, de abandono, e passou a ser
lida como uma instância de autorrealização, acolhimento e de fruição de direitos. A própria
modificação de costumes aumentou o número de homossexuais que não mais precisam
abandonar os seus como pressuposto para viver a sua verdade, abrindo novas e mais felizes
possibilidades de subjetivação homossexual.
57

Nessa ótica, assumir sua orientação sexual divergente implica em algumas


considerações, como entender que as categorias de gênero são hierarquizadas, binárias e
relacionais, sendo que a cultura vigente privilegia a diferença sexual como sendo a base da
identidade de gênero. As diferenças anatômicas entre os sexos são tomadas como base para
dividir o mundo entre homens e mulheres e também para definir quem deve se sentir
masculino ou feminino, conforme salienta Sousa Filho (2012).
Simões et al (2009) relatam que “sair do armário” passa pelas conexões entre desejo,
comportamento e o modo como as pessoas se percebem, o que também são fruto das
convenções, contingências ou constrangimentos sociais. Mesmo os fatos supostamente
naturais ou biológicos do sexo são sujeitos à interpretação e reinterpretação no contexto de
um discurso específico sobre o sexo e sobre a identidade. No discurso vigente, há um modelo
ideal de sexualidade que é considerada saudável: entre adultos, dotados de identidade de
gênero adequada ao sexo biológico, com vínculo conjugal monogâmico.
Há, então, uma expectativa social sobre o comportamento das pessoas que se constrói
a partir de oposições entre masculinidade, que é associada à atividade sexual, e feminilidade,
associada à passividade sexual. De acordo com Heilborn (2004), a identidade sexual ganha
sentido em um contexto histórico-cultural delimitado ao se ancorar e se impregnar do lugar
que a sexualidade ocupa nas sociedades ocidentais e adquire relevância na composição da
identidade do sujeito.
Na sociedade contemporânea, assumir sua orientação sexual passa pelo conflito que se
expressa no preconceito e na discriminação por orientação sexual e pode ser traduzido em
alguns termos, como homofobia, lesbofobia, transfobia e bifobia, dependendo do sujeito ou
grupo para o qual se dirigem os pensamentos/atos que excluem.
Assumir sua sexualidade traz a perspectiva de compreendê-la como construção social
e decorrente de aprendizado. Nela encontra-se, também, a ideia de que o sujeito, no exercício
da sua sexualidade, deve ser condutor de suas escolhas ao longo de sua trajetória sexual e não
alguém que está sob o comando irracional de instintos, impulsos, nem como alguém que
simplesmente se assujeita aos discursos sobre sexualidade. No exercício da sexualidade a
pessoa, como sujeito sexual, está permanentemente interpelada por diferentes discursos, pelos
distintos contextos intersubjetivos em que deve ser uma agente autônoma, inclusive para lidar
com os muitos discursos sobre o sexo que, por vezes, são até contraditórios (PAIVA, 2008).
Observa-se nesse contexto que, segundo Louro (2010), profundas transformações têm
trazido múltiplas dimensões da vida de mulheres e de homens, alterando assim as concepções,
as práticas e as identidades sexuais. Tais mudanças deveriam ser levadas em consideração, de
58

modo especial, pois na sociedade atual percebe-se uma mudança gradual na concepção de
sujeito. Isso ocorre devido a uma maior diversidade de identidades, que aos poucos vai sendo
aceita através da ruptura com padrões socialmente impostos.
Chama-se a atenção para as transformações de valores culturais e mentalidades que se
dão lentamente: dependem, sobretudo, dos processos de socialização, em particular os
primários, vividos nas relações com os pais, responsáveis pelas primeiras transmissões
mediadas pelos afetos. Possíveis mudanças dependem da capacidade de flexibilização, e isto,
por sua vez, advém da estrutura psíquica de cada um e até mesmo do grau de saúde mental e
da habilidade de reinventar-se de forma mais livre. Em outras palavras, as transformações
processadas na sociedade não são simultaneamente introjetadas. É preciso, antes, amadurecer
as novas ideias.
Nesse viés, a discriminação no mundo moderno e os princípios conservadores não
podem distorcer informações e ações calcadas no preconceito. Na condição humana, cada ser
pode emergir em conformidade com sua orientação, ainda que potencializado ou rejeitado
pelas condições sócio-históricas. O combate ao preconceito em geral, e aos específicos, entre
eles o que se direciona à diversidade sexual, parece o princípio para se minimizar os
problemas que geram violência e que tiram os direitos de muitas pessoas.
Como direito do indivíduo, a sexualidade é um direito natural, inalienável e
imprescritível. Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito
ao exercício da sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual, albergando a
liberdade da livre orientação sexual. O direito de tratamento igualitário independe da
sexualidade. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da
sexualidade. Sem liberdade sexual, o indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe
faltam qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais.
Nesse sentido, entende-se que o exercício da sexualidade, a prática da conjunção
carnal ou a identidade sexual não é o que distingue os vínculos afetivos. A identidade ou
diversidade do sexo do par gera espécies diversas de relacionamento. Ainda que o preconceito
faça com que os relacionamentos homossexuais recebam o repúdio de segmentos
conservadores, o movimento libertário que transformou a sociedade acabou por mudar o
próprio conceito de família. A homossexualidade existe, sempre existiu, e cabe à justiça
emprestar-lhe visibilidade. Em nada se diferenciam os vínculos heterossexuais e os
homossexuais que tenham o afeto como elemento estruturante.
Assim, na questão da orientação sexual, do assumir sua sexualidade, pensar na
coletividade é considerar princípios éticos que ultrapassem a dimensão moral dominante. É
59

evoluir com a diversidade, seja enquanto indivíduo que se é na dimensão privada, seja
enquanto sociedade como expressão maior daquilo que é público.
Essa mudança na mentalidade da sociedade deu-se, principalmente, a partir da
“Revolução Sexual”, que marcou os anos de 1960 e 1970, quando existiu um forte apelo por
uma mudança comportamental. Ainda que seja possível uma crítica a essa “liberação sexual”,
por se acreditar que ela libertou apenas homens heterossexuais cisgêneros, ainda se percebe,
segundo Louro (2013), o apelo ao amor livre.
Nas mesmas décadas de 1960 e 1970, o então chamado Movimento Gay fortaleceu-se
criando um ambiente propício a novas formas de amar. Segundo Fry e McRae (1985), a
questão do “sair do armário” foi marcada pela Revolta de Stonewall12 e, no Brasil, pelo Grupo
de Afirmação Homossexual (SOMOS), que foi o primeiro grupo no país a ser criado para
lutar na busca e em defesa dos direitos dos homossexuais, no período da ditadura militar
(1964-1985). Importa ressaltar, que, segundo Morando (2019), apesar do grupo SOMOS ser
considerado o primeiro grupo civil organizado do hoje chamado Movimento LGBT, já
existiam anteriormente a ele iniciativas isoladas de formalização do Movimento, o que o autor
nomeia de “protoativismo LGBTQIA”. Segundo Morando (2019, p. 63), “o primeiro traço de
protoativismo se caracteriza pela constituição de uma rede de sociabilidade aparentemente
difusa com a finalidade de formar uma associação”.
A união com outros grupos, como o movimento das feministas e dos negros, fortaleceu
este grupo dando mais evidência para alcançar seus objetivos. A partir da década de 1980,
percebe-se a mudança de tratamento dado a gays, lésbicas, bissexuais e transexuais,
identificados pela sigla GLBT. As escolas e a mídia, antes mais preocupadas em não entrar na
questão polêmica, passaram a propagar a necessidade de se garantir tratamento igualitário a
quem possuía orientação sexual diferente da heterossexual.
Essa revolução despertou a possibilidade de vivências homossexuais por muitas,
criando, assim, a visibilidade de novas possibilidades de manifestações sexuais. Esses novos
paradigmas, surgidos a partir da década de 1960, possibilitaram a compreensão da
homossexualidade não mais apenas como tabu, mas como liberdade de expressão e liberdade
de escolha. Assim, os armários vão se abrindo, ainda que essa seja uma saída processual.
Como explica Sedgwick (2007, p. 22),

12 A Rebelião de Stonewall aconteceu em 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn, localizado no bairro de
Greenwich Village, em Manhattan, em Nova York. A rebelião foi uma série de manifestações violentas e
espontâneas de membros da comunidade LGBT contra uma invasão da polícia de Nova York. Esses motins são
amplamente considerados como o evento mais importante que levou ao movimento moderno de libertação gay e
à luta pelos direitos LGBT no país (ERIBON, 2008). O evento será abordado no capítulo 4 da presente tese.
60

o manejo do conhecimento acerca de uma sexualidade “desviante” condiciona, de


maneira permanente, a vida daqueles que a possuem. Mesmo num nível individual,
até entre as pessoas mais assumidamente gays, há pouquíssimas que não estejam no
armário com alguém que seja pessoal, econômica ou institucionalmente importante
para elas [...]. Cada encontro com uma nova turma de estudantes, para não falar de
um novo chefe, assistente social, gerente de banco, senhorio, médico, constrói novos
armários cujas leis características de ótica e física exigem, pelo menos da parte de
pessoas gays, novos levantamentos, novos cálculos, novos esquemas e demandas de
sigilo ou exposição [...]. O armário gay não é uma característica apenas das vidas de
pessoas gays. Mas, para muitas delas, ainda é a característica fundamental da vida
social, e há poucas pessoas gays, por mais corajosas e sinceras que sejam de hábito,
por mais afortunadas pelo apoio de suas comunidades imediatas, em cujas vidas o
armário não seja ainda uma presença formadora.

Mesmo que a pessoa se encontre numa situação em que aqueles ao seu redor saibam
dela, algum tipo de dissimulação pode ser necessária ou desejável. Ainda de acordo com
Sedgwick (2007), na geração atual, a discriminação é diferenciada por classe, raça e sexo
àqueles e àquelas que não conseguem assimilar-se, considerando impossível escapar de
sentimentos ambivalentes em relação à homossexualidade, numa sociedade que faz da
heterossexualidade a norma.
No entanto, à medida que a homossexualidade vai se tornando mais visível na
sociedade, enquanto uma variação legítima da sexualidade humana cresce, há uma maior
facilidade para a normalização e rotinização de uma identidade homossexual. Isto é, uma
maior aceitação subjetiva e integração social da mesma, ainda que incompleta. Dessa forma,
acredita-se ser possível afirmar que o risco de discriminação, também, estaria intimamente
ligado com os mecanismos de autorregulação adotados por esses indivíduos (SEDGWICK,
2007).
Para Sedgwick (2007, p. 53),

o estabelecimento da anormalidade da homossexualidade fez com que muitos dos


indivíduos que não seguem a heteronormatividade buscassem formas de proteção
contra o preconceito gerado por essa norma. Essa ideia de “esconder” a sexualidade
e não “revelá-la” surge dessa ideia, de certo e errado, natural e pecado, como se o
indivíduo homossexual precisasse “confessar” a sua sexualidade para assim ter uma
“cura” por parte dos religiosos que a pregam, pois, para esses religiosos
fundamentalistas a homossexualidade é um pecado e deve ser curada. É nesse
sentido que surge o “armário” como forma de não revelar a própria sexualidade,
determinada pela ordem social como pecado a partir dos parâmetros do correto. O
armário se trata de mais um controle da sexualidade humana, uma forma de garantir
à heterossexualidade visível e invisibilizar a homossexualidade, buscando assim,
garantir uma divisão social entre heterossexuais e homossexuais. Esse controle
busca então estabelecer fronteiras entre os “corretos” e os “incorretos”,
marginalizando o segundo e supervalorizando o primeiro. A vida no armário
representa não apenas um movimento de ordem pessoal e individual, mas de um
conjunto de fenômenos sociais em que se “assumir” como uma pessoa que possui
orientação sexual distinta da regra pode gerar sofrimentos, angústias e até mesmo a
própria morte. Para buscar se “resguardar” de possíveis ataques, existem pessoas
que acabam sendo levadas a escolherem um “caminho mais fácil” que é a
invisibilização de sua sexualidade.
61

É essa a forma de se manterem protegidos em uma sociedade que os persegue,


criminaliza e busca endireitar os comportamentos desviantes. Os homossexuais procuram uma
proteção na invisibilidade de suas sexualidades, não sendo essa, porém, uma escolha livre de
sofrimento pessoal. O assumir-se gera diversas dúvidas e anseios por mais que se pareça
simples; o ato de visibilizar a sexualidade não dominante também traz diversas implicações
sociais e inúmeras especificidades de acordo com o contexto de cada indivíduo. É um
processo que envolve uma série de negociações de ordem simbólica e prática, podendo
ocorrer em diversas etapas, e talvez nunca completamente (SEDGWICK, 2007). Sair ou não
do armário pode não se configurar como opção, seja pelo fato de outras pessoas forçarem a
saída ou pela dificuldade em obedecer aos jeitos de macho e comportamentos de fêmeas que
são prescritos socialmente. O posicionamento adotado estrategicamente de estar no armário é
usado para que se possa evitar a opressão heteronormativa.
O armário, nesse sentido, passa a não ser apenas uma escolha individual, como
também uma necessidade de segurança. A decisão de sair dele não depende da coragem ou
capacidade individual. Em contexto heterossexual, assumir-se pode significar a expulsão de
casa, a perda do emprego ou, em casos extremos, até a morte. O assumir-se traz temores e
sofrimentos e a exposição se mantém em um ato de negociação constante da pessoa com o
mundo, em um processo complexo, ora libertador ora ameaçador, oscilando em diversos
contextos e situações da vida cotidiana.
Percebe-se que ao permitir a insurgência de novos sujeitos sexuais, a saída do
armário suscita, também, novos paradigmas epistemológicos. Afinal, o conhecimento passa a
ser produzido por novos sujeitos e, como em uma via de mão dupla, novos sujeitos passam a
ser objetificados por esse mesmo conhecimento. Nesse contexto, emergem os Estudos Queer
como nova possibilidade epistemológica dissidente.

1.2 Estudos Queer: notas sobre uma perspectiva teórica dissidente

Diante desse novo cenário identitário, no qual sujeitos fora do padrão normativo cisgênero e
heteronormativo decidem “sair do armário”, surge uma demanda por direitos igualitários e,
também, uma potencial influência na produção do conhecimento. Entretanto, o momento
histórico que marca esses processos é de um cenário de patologização não somente pelo
espectro da sexualidade divergente, como também da irrupção da AIDS. Segundo Seidman
(2011, p. 116),
62

devido à AIDS, foi ampliada a discussão a respeito da homossexualidade e diante da


expansão da doença e de sua associação com a homossexualidade. A homofobia
mostrava-se com toda sua crueza. A partir desse momento além de se tornar mais
evidente o desejo homossexual, ocorreu uma espécie de “efeito colateral da
epidemia sexualizada”: a deflagração de uma epidemia de informação. O vírus da
Aids realizou em alguns anos uma proeza que nem o mais bem-intencionado
movimento pelos direitos homossexuais teria conseguido, em muitas décadas: deixar
evidente à sociedade que homossexual existe e não é o outro, no sentido de um
continente à parte, mas está muito próximo de qualquer cidadão comum.

A AIDS, segundo Miskolci (2012), marcou a segunda metade da década de 1980, nos
Estados Unidos, gerando um dos “maiores pânicos sexuais” de todos os tempos. No caso
norte-americano, inclusive, houve uma recusa estatal em reconhecer a emergência de saúde
pública. Para Miskolci (2012), é importante compreender a epidemia de AIDS como fato
biológico, mas também como uma construção social. Afinal, o que poderia ter sido
compreendido como uma doença viral foi nomeada como sendo uma doença sexualmente
transmissível.
Conforme Pelúcio (2003), em meio ao auge do período mortal da epidemia de AIDS, a
partir de fins da década de 1980, o desejo homossexual ainda era encarado pela maioria das
pessoas como uma ameaça à sociedade. Mesmo tendo a homossexualidade, em 1973, deixado
de ser considerada uma doença mental e passado a ser repatologizada em termos
epidemiológicos pela Associação Americana de Psiquiatria. Importante ressaltar que somente
em 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista
internacional de doenças. Ainda assim, homossexuais e dissidentes de gênero passaram a ser
vistos como uma ameaça contaminante à ordem social estabelecida que é heterossexual,
reprodutiva e assentada no modelo familiar tradicional. Pessoas vivendo com HIV13
tornavam-se, portanto, abjetas, ou seja, pessoas com relação às quais muitos não escondiam o
desprezo e o desejo por sua eliminação.
A homossexualidade, como construção social e não mais apenas uma condição
biológica, e muito menos uma patologia, é considerada um marco da criação do movimento
homossexual. Apesar de sua importância, os estudos gays e lésbicos constituíam estudos de
minorias e, dessa forma, conseguiam apenas confirmar a normalidade de gays e lésbicas sem
contestar, tampouco problematizar, a heterossexualidade, a qual ficou em uma benéfica zona
de conforto, que a mantinha como a suposta ordem natural do desejo. Tinham como foco
principal apenas as formas de homossexualidade socialmente menos perseguidas, a de
mulheres e homens cujo desempenho de gênero era mais convencional, e pouco reconheceram

13 Termo sugerido pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS).
63

as problemáticas de dissidentes sexuais e/ou de gênero como transexuais, travestis, entre


outros (MUSSKOPF, 2012).
Assim sendo, as origens dos Estudos Queer remontam ao contexto da Revolução
Sexual, dos movimentos liberacionistas feministas e gays e do curto período de
despatologização da homossexualidade, que começou com sua retirada do manual
internacional de doenças mentais. A política identitária queer está ligada à produção de um
grupo de intelectuais dos anos 1990, que usa o termo queer para descrever suas perspectivas
teóricas. Segundo Miskolci (2012, p. 24), “é assim que surge o queer, como reação e
resistência a um novo momento biopolítico instaurado pela AIDS”.
A hegemonia heterossexual passou a ser contestada como tendo delimitado o que se
compreende como a sociedade ou a cultura. Com isso ocorreu a emergência, em diversos
contextos nacionais, de uma vertente de pensamento que viria a ser chamada de Teoria Queer
por Teresa De Lauretis, feminista italiana radicada nos Estados Unidos, dirigida a
homossexuais e as dissidentes de gênero para denominar uma corrente de reflexão que traduz
o impulso insurgente que dava origem a um novo pensamento radical sobre a sexualidade
(SILVA, 2013).
Segundo De Lauretis (1991), é necessária uma compreensão discursiva do termo
queer, porque o então “gay e lésbica” usados pela academia e ativismos já não era suficiente
para pensar as novas realidades identitárias. O queer, em sua perspectiva teórica, foi cunhado
como articulação na qual “os termos em que as sexualidades gays e lésbicas podem ser
compreendidas e retratadas, como formas de resistência à homogeneização cultural,
contrariando os discursos dominantes com outras construções do sujeito na cultura” (DE
LAURETIS, 1991, p. v, tradução nossa14). Segundo a autora, o termo tinha o objetivo de
transgredir e transcender – ou ao menos problematizar – as distinções então dadas pelos
protocolos que definiam homem, mulher, gay e lésbica. Desde o início se propunha a ser um
diálogo crítico com o intuito de compreender as especificidades das histórias contadas por
dissidentes sexuais.
A compreensão do queer passa pela história da palavra. Segundo Preciado (2018), seu
surgimento data do século XVIII, quando nomeava “aquele ou aquilo que, por sua condição
de inútil, malfeito, falso ou excêntrico, questionava o bom funcionamento do jogo social”.
Queer não era, desde o início, um simples adjetivo. Segundo Preciado (2018), “a palavra
queer não parece tanto definir uma qualidade do objeto a que se refere, quanto indicar a

14 the terms in which lesbian and gay sexualities may be understood and imaged as forms of resistance to
cultural homogenization, counteracting dominant discourses with other constructions of the subject in culture.
64

incapacidade do sujeito que fala de encontrar uma categoria no âmbito da representação que
se ajuste à complexidade do que ela pretende definir”. Ou seja, na falta de outra coisa a ser
dito, dizia-se “queer”. O queer implicava desconfiança, pois tratava com o
divergente/dissidente, pressupondo o insulto. Preciado (2018) explica que eram queer “os
invertidos, a bicha e a lésbica, a travesti, o fetichista, o sadomasoquista e o zoófilo”.

O insulto queer não tinha um conteúdo específico: pretendia reunir todos os sinais
do abjecto. Mas a palavra servia na realidade para traçar um limite no horizonte
democrático: aquele que chamava o outro de queer se situava a si mesmo sentado
confortavelmente em um sofá imaginário da esfera pública em uma troca
comunicativa tranquila com seus iguais heterossexuais enquanto expulsava o queer
para além dos confins do humano. Deslocado pela injúria para fora do espaço social,
o queer estava condenado ao sigilo e à vergonha (PRECIADO, 2018).

Assim, existia um atravessamento político na expressão marcada não somente por


códigos reguladores, como também pelas pessoas que eram detentoras desses códigos. Essa
perspectiva política da expressão é justamente uma das causas de sua subversão. Por ser
considerada uma injúria, passou a ser ressignificada pelos próprios dissidentes sexuais.
Preciado (2018) explica que “o que havia mudado era o sujeito da enunciação: já não era mais
o mestre hétero que chamava o outro de ‘bicha’; agora a bicha, a caminhoneira e o/a trans se
autodenominavam queer, anunciando uma ruptura intencional com a norma”.
Nesse contexto, para Silva (2013), o queer não é uma defesa da homossexualidade
nem da heterossexualidade; é a recusa dos valores morais violentos que instituem e fazem
valer a linha da abjeção, essa fronteira rígida entre os que são socialmente aceitos e os que são
relegados à humilhação e ao desprezo coletivo. Por isso, pode ser considerada como sendo
uma teoria à margem, para a margem, buscando representar aqueles e aquelas que por tanto
tempo ficaram sob suspeita por causa de sua condição sexual.
O conceito de abjeção foi usado por Julia Kristeva e Mary Douglas15, e se refere,
segundo Miskolci (2012, p. 24), “ao espaço que a coletividade costuma relegar aqueles e
aquelas que se considera uma ameaça ao seu bom funcionamento, à ordem social e política”.
Mais que um espaço, abjeto é o indivíduo e como ele é compreendido pela sociedade. Abjeto
é o corpo gordo, o corpo inconforme, o corpo afeminado. Abjeto é aquilo que é visto como
repugnante. Um termo que exemplifica isso é o “aidético”, que representava um corpo doente,
adoecido e contagioso. A “linha da abjeção”, para Miskolci (2012, p. 25), “é uma fronteira
rígida entre os que são socialmente aceitos e os que são relegados à humilhação e ao desprezo
coletivo”.

15 Kristeva em sua obra Pouvoir de l’horreur, e Douglas em Purity and danger: an analysis of the concept of
pollution and taboo (1980).
65

Bennetti (2013), em uma perspectiva culturalista, afirma que a Teoria Queer reflete
sobre o sujeito de certa forma marginalizado, sobre as normas sociais, a desconstrução das
naturalizações culturais, questionamentos da própria cultura em si e a reflexão sobre os
silenciados pela história. A Teoria Queer não abarca apenas questões relacionadas aos desejos
sexuais, como também propõe uma reflexão das maneiras de ser e estar o mundo, as roupas, o
discurso, a aparência, a classe social, que são dinâmicas que implicam na constituição
identitária dos sujeitos.
Segundo Musskopf (2012), a Teoria Queer ou Estudos Queer surgiram nos Estados
Unidos, no início da década de 90, como uma vertente teórica multissituada que já possuía um
movimento acadêmico-político e científico que, desde as décadas de 1960 e 1970, se
constituiu nos mais diversos países e contextos, sendo influenciada pelos Estudos culturais, os
Estudos gays e lésbicos e os Estudos pós-estruturalistas, além da aliança, muitas vezes
incômoda, com o movimento feminista. Incômoda porque, em alguns momentos, a pauta dos
Estudos Queer distancia-se do movimento feminista, que ora tem que se afirmar radical,
baseando-se, então, em normas sexualizantes alicerçadas na biologia dos corpos.
Baseado nos estudos da sexualidade de Foucault (2015) e nas contribuições de Butler
(2016), a Teoria Queer, segundo Silva (2013, p. 101),

usa o marginal, o que foi posto de lado como perverso, para analisar a construção
cultural do centro: normatividade heterossexual. Nesse sentido, a teoria queer
tornou-se o espaço de um questionamento produtivo não apenas da construção
cultural da sexualidade, mas da própria cultura, tal como baseada numa negação das
relações homossexuais. Assim como o feminismo e versões dos estudos étnicos, ela
obtém energia intelectual de sua ligação com os movimentos sociais de libertação e
dos debates no interior desses movimentos sobre estratégias e conceitos apropriados.
A teoria queer quer nos fazer pensar queer (homossexual, mas também diferente) e
não straight (heterossexual, mas também “quadrado”): ela nos obriga a considerar o
impensável, o que é proibido pensar, em vez de simplesmente considerar o pensável,
o que é permitido pensar. [...] O queer se torna, assim, uma atitude epistemológica
que não se restringe à identidade e aos conhecimentos sexuais, mas que se estende
para o conhecimento e a identidade de modo geral. Pensar queer significa
questionar, problematizar, contestar, todas as formas bem comportadas de
conhecimento e de identidade. A epistemologia queer é, neste sentido, perversa,
subversiva, impertinente, irreverente, profana, desrespeitosa.

O mesmo autor explica que, como o feminismo, a Teoria Queer efetua uma verdadeira
reviravolta epistemológica. Segundo Sedgwick (2007), existe uma “epistemologia do
armário”, que separa o público do privado. A “saída do armário”, como abordada
anteriormente, apresenta o que a autora nomeia de “segredo revelado”. Para Sedgwick (2007),
o armário na sociedade moderna é aquele que apresenta as características da vida social, que
tem uma presença formadora e, utilizando-se de uma categoria judaico-cristã, que oferece a
66

salvação. “O armário é a estrutura da opressão gay no século XX” (SEDGWICK, 2007, p.


26). A “saída do armário”, então, apresenta-se como sendo uma “ruptura apocalíptica”.
A ruptura apocalíptica ou a reviravolta epistemológica funciona na perspectiva queer
como uma dobradiça, tendo em vista o desafio de articular a ambiguidade (MUSSKOPF,
2012) como sendo um lugar móvel. A ambiguidade apontada por Musskopf diz respeito à sua
compreensão do queerness como sendo essa fronteira instável não somente da existência
humana dissidente, como também da produção do saber. Pereira (2015), interpretando o
conceito de queerness a partir de Musskopf, afirma que “a ambiguidade é um lugar/móvel a
partir do qual se produz conhecimento como fenômeno de resistência da língua, expressão
narrativa de performance e plástica, produzindo um conhecimento onde as fronteiras são
sempre móveis e instáveis” (PEREIRA, 2015, p. 67).
Fundamental para a epistemologia proposta pelos Estudos Queer é o uso do gênero
como categoria de análise. A questão de gênero é uma questão de fronteira. Considerá-la
dentro do ambiente das Ciências Humanas faz-se necessário, pois, as discussões sobre a
sexualidade colocam em discussão os binarismos que fundam o estatuto epistemológico no
qual o conhecimento foi estabelecido. Segundo Scott (1989), gênero refere-se à relação entre
os sexos na organização social. Para ela, gênero é construído na “relação”, sendo esse um
desafio teórico, pois exige a análise não somente da relação entre experiências masculinas e
femininas no passado, como também a ligação entre a história do passado e as práticas
históricas atuais.
O gênero como categoria de análise, como o proposto por Scott (1989), propõe-se a
rever a história das relações entre homens e mulheres na busca por compreender as relações
sociais que são estabelecidas entre os dois. Nessa perspectiva, o gênero une-se a outras
categorias de análise, não se sobrepondo, mas somando, em um esforço analítico para
compreender como se dão as relações entre homens e mulheres. Para a historiadora, “gênero
é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os
sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 1989, p.
1067, tradução nossa16). Essa definição do conceito de gênero aponta para seu aspecto crítico
diante das relações de poder que se estabelecem, baseadas nas diferenças percebidas entre os
sexos.
Nesse enfoque, para Grossi (2014), gênero é “uma categoria usada para pensar as
relações sociais que envolvem homens e mulheres, relações historicamente determinadas e

16 gender is a constitutive element of social relationships based on perceived differences between the sexes, and
gender is a primary way of signifying relationships of power.
67

expressas pelos diferentes discursos sociais sobre a diferença sexual” (GROSSI, 2014, p. 5).
Pode-se dizer, então, que gênero é mutável, pois é social, cultural e historicamente
determinado. Gênero diz respeito a construções sociais, culturais e históricas que culminam
em hierarquias que se estabelecem a partir da binarização dos sexos. Para Rubin (1993) seria
impossível compreender a mulher apenas a partir de seu sexo, por isso a importância de uma
teoria que a compreenda a partir das relações que se estabelecem entre o sexo e o gênero.
Neste sentido, Giddens (2005) explica que as diferenças entre os gêneros podem ser
entendidas a partir da socialização do gênero, com a aprendizagem de papéis de gênero. Essa
abordagem, que parte da socialização, faz distinção entre sexo biológico e gênero social –
uma criança nasce com o primeiro e desenvolve o segundo (GIDDENS, 2005). Ou seja, “as
diferenças de gênero não são biologicamente determinadas, mas sim culturalmente
produzidas” (GIDDENS, 2005, p. 105). Compreendem-se aqui, portanto, que as identidades
de gênero são resultados de influências sociais.
Segundo Preciado (2011, p. 14), “o gênero não é o efeito de um sistema fechado de
poder nem uma ideia que recai sobre a matéria passiva, mas o nome do conjunto de
dispositivos sexopolíticos (da medicina à representação pornográfica, passando pelas
instituições familiares) que serão o objeto de uma reapropriação pelas minorias sexuais”. Para
Preciado (2011), o gênero é uma abertura à reflexão sobre um sistema sexopolítico que
categoriza a existência por meio de dispositivos de controle dos corpos.
Fundamentada na abertura da categoria analítica de gênero às desconstruções
identitárias pautadas pela normatização e poder, a Teoria Queer surge como possibilidade
epistemológica que busca abarcar um conjunto amplo e relativamente disperso de reflexões
sobre a heterossexualidade como uma categorização social que regula a vida. Tratam-se de
regulações sexuais e de gênero socialmente impostas, que criam e mantém desigualdades de
toda ordem, em especial no menor reconhecimento político e de direitos daquelas pessoas
cuja sexualidade ou o gênero entram em desacordo com as normas sociais. Pois, conforme
afirma Musskopf (2012), as reflexões queer afirmam que a ordem política e cultural da
heterossexualidade compulsória garante os privilégios políticos, culturais e até econômicos
daqueles/as que vivem dentro de suas prescrições.
Segundo Seidman (2011, p. 102):

os teóricos queer são favoráveis a uma estratégia descentralizadora ou


desconstrutiva que escapa das proposições sociais e políticas programáticas
positivas; imaginam o social como um texto a ser interpretado e criticado com o
propósito de contestar os conhecimentos e as hierarquias sociais dominantes. As
políticas pós-identitárias da Teoria Queer podem ser vinculadas ao pensamento
68

ocidental contemporâneo que problematizou, ao longo do século XX, noções


clássicas de sujeito, de identidade, de agência, de identificação com uma construção
discursiva das sexualidades, exposta por Foucault, assim como a operação de
desconstrução proposta por Jacques Derrida, que defende que a lógica ocidental
opera segundo binarismos, que elege algo como uma ideia principal e, a partir daí,
determina outro subordinado. Esta lógica apenas poderia ser abalada a partir de um
processo de desconstrução dos pares.

Para Seidman, o queer implica em uma nova compreensão do sujeito, subvertendo


categorias como binarismos e subordinação. As políticas identitárias da Teoria Queer
demandam rever a construção do sujeito a partir de outra lógica que não a hegemônica
ocidental. Para Louro (2011), o caráter discursivo da sexualidade produz novas concepções da
ideia de sexo, sexualidade e gênero. As sociedades constroem normas que regulam o sexo dos
sujeitos e essas normas regulatórias precisam ser constantemente repetidas e reiteradas para
que tal materialização se concretize. Desta forma, as normas regulatórias do sexo têm caráter
performativo e produzem as normas dos gêneros sob a ótica heterossexual, produzindo corpos
e sujeitos, fazendo com o que o sujeito não decida sobre o sexo que vai assumir.
Esses códigos reguladores, porém, também dão espaço para a produção de corpos que
não se ajustam a eles, sujeitos socialmente indispensáveis, pois fornecem o exterior para os
corpos que materializam a norma. A Teoria Queer, segundo Seidman (2011), constitui-se
menos numa questão de explicar a repressão ou a expressão de uma minoria homossexual do
que numa análise da figura hétero/homossexual.
Mais uma vez, a política identitária da Teoria Queer volta sua crítica para a dicotomia
heterossexual/homossexual, pois, isso preside os discursos homofóbicos e está presente,
também, nos discursos favoráveis aos homossexuais, entretanto nunca escapando de uma
referência à heterossexualidade como norma. Empreende-se então uma mudança que rompe
com a lógica binária e seus efeitos de hierarquia, classificação, dominação e exclusão para
mudar o foco para a cultura, para as estruturas linguísticas ou discursivas e para seus
contextos institucionais (LOURO, 2011). Conforme Jesus (2014), a homossexualidade,
discursivamente produzida, transforma-se em questão social relevante e a disputa centra-se
fundamentalmente em seu significado moral, pois enquanto alguns assinalam o caráter
desviante, a anormalidade ou a inferioridade do homossexual, outros proclamam sua
normalidade e naturalidade de um tipo humano distintivo.
Até o início dos anos de 1970, o movimento de organização dos grupos homossexuais
é ainda tímido e suas associações e reuniões suportam, quase sempre, a clandestinidade. Aos
poucos, especialmente em países como os Estados Unidos e a Inglaterra, um aparato cultural
69

começa a surgir: revistas, artigos isolados em jornais, panfletos, teatro, arte (MARANHÃO
Fº, 2016).
No Brasil, nesse período, a homossexualidade também começa a aparecer nas artes, na
publicidade e no teatro, com artistas que apostam na ambiguidade sexual, tornando-a sua
marca e, desta forma, perturbando, com suas performances, não apenas as plateias, como
também toda a sociedade. A partir de 1975, emerge o movimento de libertação homossexual
no Brasil com participação de intelectuais exilados durante a ditadura militar e que traziam,
desde sua experiência no exterior, inquietações políticas feministas, sexuais, ecológicas e
raciais que eram temas internacionalmente discutidos (JESUS, 2014).
Dessa forma, a política queer está estreitamente relacionada e articulada à produção de
um grupo de intelectuais, principalmente estadunidenses, que, nos anos 1990, utilizou este
termo para descrever seu trabalho e sua perspectiva teórica. Ainda que esse seja um grupo
internamente bastante diversificado, capaz de expressar divergências e de manter debates
acalorados, há entre seus integrantes algumas aproximações significativas (SEIDMAN, 2011).
Nesse cenário, segundo Maranhão Fº (2016), nos grandes centros, os termos do debate
e da luta parecem se modificar e a homossexualidade deixa de ser vista como uma condição
uniforme e universal e passa a ser compreendida como atravessada por dimensões de classe,
etnicidade, raça, nacionalidade etc., tornando-se uma ação política empreendida por militantes
e apoiadores, tornando-se mais visível e assumindo um caráter libertador.
Dessa forma, Louro (2013, p. 45-46) afirma que

a partir da invenção da homossexualidade na metade do século XIX, se constituem


as identidades sexuais na esteira dos discursos médicos e na apropriação política
realizada pelos movimentos sociais. A homossexualidade é discursivamente
produzida e se transforma em uma questão social relevante que ao ser apropriada
politicamente dando visibilidade às identidades sexuais que se contrapunham à
heterossexualidade. Ao longo do tempo, a ideia de identidade sexual vai sendo
acompanhada por ideias que questionam a fixidez das categorias organizadas
tradicionalmente de forma dicotômica (homem/mulher; homossexual/heterossexual)
e expõem a crise de uma política que se constrói a partir da identidade homossexual
dando espaço para ideias que emergem a partir da teoria queer. Esse é um processo
constrangido e limitado desde seu início, uma vez que o sujeito não decide sobre o
sexo que irá ou não assumir; na verdade, as normas regulatórias de uma sociedade
abrem possibilidades que ele assume, apropria e materializa. Ainda que essas
normas reiterem sempre, de forma compulsória, a heterossexualidade,
paradoxalmente, elas também dão espaço para a produção dos corpos que a elas não
se ajustam. Esses indivíduos serão constituídos como sujeitos “abjetos”– aqueles
que escapam da norma.

A construção discursiva das sexualidades, proposta por Foucault (2015), vai se mostrar
fundamental para a Teoria Queer. Para os teóricos queer, a oposição
heterossexualidade/homossexualidade poderia ser efetivamente criticada e abalada por meio
70

de procedimentos desconstrutivos. Na medida em que o queer sinaliza para o estranho, para a


contestação, para o que está “fora do centro”, seria incoerente supor que a teoria se reduzisse
a uma aplicação ou a uma extensão de ideias fundadoras. Os teóricos queer fazem um uso
próprio e transgressivo das proposições das quais se utilizam, geralmente para desarranjar e
subverter noções e expectativas (SEIDMAN, 2011).
Em termos políticos, segundo Lanz (2015), a emergência de demandas de
reconhecimento homossexual se deu na forma de movimentos organizados desde meados do
século XX, e quase ao mesmo tempo em que, em termos científicos, intelectuais de diversas
partes do mundo começaram a contestar as fontes teórico-conceituais existentes para
compreender as sexualidades dissidentes.
No Brasil, a questão política da luta de gays, lésbicas, trans e travestis, intersexos, e
outras formas de manifestações de dissidência sexual, em termos globais, multiplica-se em
movimentos com propósitos variados. Segundo Maranhão Fº (2016), alguns grupos
homossexuais permanecem lutando por reconhecimento e por legitimação, buscando sua
inclusão, em termos igualitários, ao conjunto da sociedade; outros estão preocupados em
desafiar as fronteiras tradicionais de gênero e sexuais, pondo em xeque as dicotomias
heterossexual/homossexual; outros ainda não se contentam em atravessar as divisões, mas
decidem viver a ambiguidade da própria fronteira.
A nova dinâmica dos movimentos sexuais e de gênero provoca mudanças nas teorias e
é alimentada por ela e, também, promove a análise das desigualdades e das relações de poder
entre categorias sociais, no questionamento das próprias categorias, o que impacta a política
de identidade do grupo. O que se percebe é que a heterossexualidade compulsória suprimiu a
emergência desses novos sujeitos. A homossexualidade também foi achada dentro desse
escopo unificador e assimilacionista, buscando a aceitação e a integração dos homossexuais
no sistema social. A maior visibilidade de gays e lésbicas sugeria que o movimento já não
perturbava o status quo como antes. No entanto, tensões e críticas internas já se faziam sentir.
Para muitos, as campanhas políticas tratavam de valores brancos e de classe média e
adotavam, sem questionar, ideais convencionais, como:

 o relacionamento comprometido e monogâmico;


 para algumas lésbicas, o movimento repetia o privilegiamento masculino evidente
na sociedade mais ampla, o que fazia com que suas reivindicações e experiências
continuassem secundárias face às dos homens gays;
71

 para bissexuais, sadomasoquistas e transsexuais essa política de identidade era


excludente e mantinha sua condição marginalizada. (cf. LANZ, 2015).

Por isso, faz-se importante a crítica a esses elementos reguladores que acabaram sendo
cooptados por alguns estudos identitários, nos quais, para que a dissidência sexual fosse aceita
a tornaram “naturalizada”. O queer surge justamente nessa tensão identitária, e é justamente o
inverso disso, ou melhor, a subversão desses reguladores naturalizantes, permitindo que as
identidades sejam flexíveis e múltiplas.
Nesse cenário focou-se, criticamente, segundo Jesus (2014), no heterossexismo, que
explicita quando a heterossexualidade é tomada como um dado, pressuposta ou esperada em
teorias, normas jurídicas ou mesmo em relações sociais cotidianas. A heteronormatividade se
refere às normas sociais que impõem não necessariamente a heterossexualidade em si, mas
seu modelo a outras relações, inclusive entre pessoas do mesmo sexo. A heteronormatividade
consiste no discurso baseado no domínio e privilégio heterossexual. É a produção e a
reiteração compulsória da norma heterossexual.
Esta ideia só é possível pelo alinhamento entre sexo, gênero e sexualidade quando se
supõe que todas as pessoas sejam ou devam ser heterossexuais, discriminando, privando e
punindo quem possa escapar à regra imposta. É a capacidade da heterossexualidade se
apresentar como lei que regula e determina a impossibilidade de vida fora das suas normas.
Para esta lógica de pensamento, masculino expressa homem e feminino expressa mulher,
reproduzindo uma lógica normativa de congruência entre sexo-gênero-orientação sexual
(LOURO, 2014). Assim, a matriz heterossexual designa a expectativa social de que os sujeitos
terão uma coerência linear entre sexo designado ao nascer, gênero, desejo e práticas sexuais.
Os Estudos Queer permitiram a crítica a esses aspectos normalizadores presentes na
vida social e que antes eram tidos como “naturais” ou inquestionáveis. E permitem, ainda, um
olhar mais sociológico para a sexualidade como um dos eixos de organização política e
hierarquização coletiva. No Brasil, conforme Jesus (2014), as ciências sociais se distanciaram
da psicanálise, a relação entre o social e o psíquico tendeu a permanecer em uma zona neutra
que impede a exploração dos contextos em que se dá a generificação e a sexualização dos
sujeitos, mesmo lidando com sujeitos adultos nos quais predominam análises na exploração
de seus componentes culturais e históricos, considerando que a incorporação da Teoria Queer
no Brasil se iniciou de forma mais clara pela área da educação, portanto, em uma área
historicamente afeita à reflexão sobre a formação dos sujeitos.
72

Segundo Spargo (2017), ainda que a sexualidade permaneça como sendo o objeto-
chave das análises queer, ela tem sido estudada em relação a outras categorias, como raça,
religião e classe, por exemplo. Dessa forma, cada vez mais setores pesquisam com olhar
cuidadoso a questão da sexualidade e das ações políticas decorrentes dela, proliferando
discursos a seu respeito.
A fim de resumir a questão conceitual, Spargo (217, p. 13) define assim o queer:

Em inglês, o termo “queer” pode ter a função de substantivo, adjetivo ou verbo, mas
em todos os casos se define em oposição ao “normal” ou à normalização. A teoria
queer não é um arcabouço conceitual ou metodológico único ou sistemático, e sim
um acervo de engajamentos intelectuais com as relações entre sexo, gênero e desejo
sexual. Se a teoria queer é uma escola de pensamento, ela tem uma visão
profundamente não ortodoxa de disciplina. O termo descreve uma gama
diversificada de práticas e prioridades críticas: interpretações da representação do
desejo entre pessoas do mesmo sexo em textos literários, filmes, músicas e imagens;
análises das relações de poder sociais e políticas da sexualidade; críticas do sistema
sexo-gênero; estudos sobre identificação transexual e transgênero, sobre
sadomasoquismo e sobre desejos transgressivos.

Para Jesus (2014), a sexualidade tem se tornado efetivamente uma questão à medida
que a religião, a antropologia, a filosofia, a ciência, a psiquiatria e a educação tentam
compreendê-la, explicá-la, regulá-la, saneá-la, educá-la, enfim, normatizá-la. Politicamente, a
questão-chave dos Estudos Queer não é apenas reconhecer que as posições de gênero e
sexuais se proliferaram, mas sim entender que existem sujeitos habitando essas fronteiras, e
que elas são constantemente atravessadas, inclusive, pela religião.
Diante dessa variedade conceitual, os Estudos Queer dão vida e voz às minorias
sexuais, além de declarar a multiplicidade cultural dessas minorias, posicionando-se como um
objeto político de representação, advindo da necessidade de se afirmar, em meio a uma
maioria heteronormativa e conservadora. Os Estudos Queer investigam e desconstroem as
categorias que predeterminam os sujeitos, afirmando a indeterminação e a instabilidade de
todas as identidades sexuadas e generificadas. Como explica e resume Preciado (2018),

o movimento queer é pós-homossexual e pós-gay. Já não se define com respeito à


noção médica de homossexualidade, nem tampouco se conforma à redução da
identidade gay a um estilo de vida acessível dentro da sociedade de consumo
neoliberal. Trata-se, portanto, de um movimento pós-identitário: queer não é uma
identidade a mais no folclore multicultural, mas uma posição de crítica atenta aos
processos de exclusão e marginalização gerados por toda a ficção identitária. O
movimento queer não é um movimento de homossexuais nem de gays, mas de
dissidentes sexuais e de gênero que resistem às normas impostas pela sociedade
heterossexual dominante, atento também aos processos de normalização e exclusão
internos à cultura gay: marginalização das caminhoneiras, dos corpos transexuais e
transgêneros, dos imigrantes, dos trabalhadores e trabalhadoras sexuais.
73

Diante do exposto, é possível se chegar a algumas conclusões conceituais sobre os


Estudos Queer. Os Estudos Queer são um conjunto de reflexões sobre os processos de
categorização social que organizam a sociedade sexualizando corpos, desejos, atos,
identidades, relações sociais, conhecimentos, cultura e instituições sociais (SEIDMAN, 1996).
As reflexões são alicerçadas sobre Teoria Queer, uma teoria instável e instabilizante
(SPARGO, 2017), que lança mão do instrumental crítico de gênero e do dispositivo de
sexualidade, conceitos problematizadores do que é compreendido como regra. A partir de uma
perspectiva não normativa dos sujeitos, os Estudos Queer compreendem a sexualidade como
cultural e política, e a identidade a partir da perspectiva da diferença, propondo resistência à
homogeneização cultural, a partir da ruptura intencional com a norma. Por meio da subversão,
não propõe a defesa da homossexualidade, mas sim a recusa dos valores morais violentos que
insistem em adequar as pessoas a padrões e normas sustentados por um sistema político de
poder e regulação dos corpos.
Nesse sentido, uma reflexão teórica queer, a partir do que foi apresentado
anteriormente sobre a “saída do armário”, lança mão de elementos que complexificam a
questão. Um exemplo é a compreensão queer de Spargo (2017) sobre o armário, para a qual
dentro e fora do armário operaria como mais um regulador binário. Segundo a autora (2017,
p. 27), “sair do armário evocava emergir do confinamento e do ocultamento para o espaço
público, partir da clandestinidade para a afirmação pública”. Entretanto, haveria uma
incompatibilidade da publicização da sexualidade quando ela dissesse respeito a, por
exemplo, práticas sexuais dissidentes como o sadomasoquismo:

A incompatibilidade pode ser parcialmente interpretada em termos de


respeitabilidade. Se você quer viver em condição de igualdade num mundo
heteronormativo demonstrando o quanto você é comum e “igual a todo mundo”
(talvez um pouco mais sensível e artístico), será inútil ostentar suas relações ou
desejos mais excessivos e transgressores (SPARGO, 2017, p. 27).

A “saída do armário”, para a autora, sugere limitações como projeto libertário. A saída
implica em um reconhecimento da centralidade da heterossexualidade, pois se sai para onde a
heteronormatividade regula as normas, as relações e as identidades. Além disso, reforça a
marginalidade das pessoas que ainda estão dentro do armário.
Assim, uma possível leitura da “saída do armário” por meio de uma perspectiva queer
tensiona a questão trazendo novos elementos problematizadores para o fato. “Sair do armário”
não deveria, nesse sentido, ser visto como um imperativo ético, mas sim uma possibilidade de
experiência da identidade, além de tantas outras. Pode-se, primeiramente, perguntar se a
“saída” é completa, ou seja, se o indivíduo sai em sua integralidade, ou se, por força de uma
74

realidade heteronormativa, acaba deixando para trás muitos de seus desejos. Também é
questionável se a “saída” é definitiva ou se, em alguns momentos, o indivíduo deverá voltar
para um ambiente de negação de sua sexualidade. Um exemplo seria uma pessoa
homossexual optar por viver uma vida heterossexual, devido a uma experiência de fé que lhe
impediria a vivência plena da homoafetividade. Também é possível perguntar sobre a
imposição da “saída do armário” sem considerar escolhas e realidades pessoais.
A metáfora do armário não pode ser compreendida como única opção de experiência
da homossexualidade, pois muitas vezes é dentro dele que os maiores prazeres serão sentidos.
Dentro ou fora, entrando, saindo ou permanecendo são possibilidades que complexificam
ainda mais as identidades que se formam sob o espectro da visibilização da sexualidade.

1.3 Conclusão

A metáfora do armário tem sido usada em um ambiente no qual sair dele, diante de um
cenário político de retrocessos, tem sido cada vez mais difícil. O que se percebe é que a
realidade na qual o indivíduo está inserido tem complexificado o que antes era entendido
como um imperativo para afirmação da identidade. Dentro do armário encontram-se pessoas,
encontram-se desejos, e se encontram pensamentos que tem elaborado uma nova corrente de
pensamento que leva em consideração o sujeito a partir de sua sexualidade. Uma antropologia
para um ser humano integral, que é compreendido desde seu corpo, faz-se necessária para que
novos elementos integrem a discussão sobre o que o armário tem a esconder ou a revelar.
Nesse sentido, o capítulo procurou iniciar uma discussão que identifica o indivíduo no
contexto da modernidade, percebendo que nele se encontram complexidades que singularizam
sua experiência de vida. A metáfora do armário acompanhará a pesquisa que se seguirá na
tese, não como o objeto da discussão, mas como um convite à descoberta que se dá quando se
percebem essas novas possibilidades identitárias dentro de um contexto de experiência de fé.
Para West (2016), “sair do armário” deve ser compreendido como um sacramento.
Tomando sacramento como um ato que media a graça e o mistério de Deus, para a autora,
assumir-se LGBT diz respeito a uma dimensão espiritual, pois compreende a identidade, a
natureza divina e a imagem de Deus. O ato de graça talvez esteja não na “saída”, mas no
reconhecimento de uma identidade sexo-divergente que se afirma dentro, fora e em trânsito.
A religião, em uma perspectiva antropológica, deve, necessariamente, abordar esse
novo sujeito moderno. Sujeito sexual, que “sai do armário” – ou permanece nele –, vestido de
medos e inseguranças advindos da realidade na qual está inserido, como também vestido de
75

um novo arcabouço de ideias e fundamentos que privilegiam sua saída como sendo um ideal
libertário. Afinal de contas, “a desordem do armário embutido17” já não pode mais os conter.
Partindo dessa compreensão, pretende-se abordar no próximo capítulo como se dá a
aproximação desse sujeito sexuado com a teologia. A Teologia Queer será apresentada a partir
de seus aportes principais, permitindo a verticalização de sua proposta por meio da Teologia
Indecente de Marcella Althaus-Reid.

17 Trecho da música “Eu te amo” de Chico Buarque, 1980.


77

2 PRATELEIRA: tirando a Teologia Queer da estante

À Marcella Althaus-Reid
A cor vermelha dos seus lábios carnudos a moem na argamassa de minhas costas;
com ela eu colori o fundo do oceano de Vênus,
a canção dos pássaros de fevereiro e a vagina de Deus.
(Hugo Oquendo-Torres) 18

Conforme foi apresentado, em conformidade com Musskopf (2012), os Estudos Queer


buscam abarcar um conjunto amplo e relativamente disperso de reflexões sobre a
heterossexualidade como uma categorização social que regula a vida. Eles pressupõem uma
perspectiva crítica e reflexiva de um ordenamento cisheterossexual, questionando o sistema
sexopolítico apontado por Preciado (2018).
A fixidez categórica de construtos caros à ciência, como corpo, gênero e sexualidade, é
flexibilizada pelos Estudos Queer de maneira que as bases das teorias que edificam esses
conceitos passam a ser questionadas. Novos eixos de discussão são elencados por meio do
estranhamento das normalidades. Nesse sentido, pensar em Estudos Queer pressupõe
relacionar corpo, gênero e sexualidade por meio da compreensão de um ser humano integral,
que não seja dissociado de sua corporeidade. Nessa perspectiva, os Estudos Queer
influenciam diversas áreas do saber ao incluírem a sexualidade como categoria organizada
pelo conhecimento e pelas práticas sociais.
A religião, compreendida como espaço aberto a reformulações contextuais, acabou
sendo influenciada pelos Estudos Queer, à medida que novos sujeitos teológicos emergiam
dentro dos movimentos identitários que marcaram as décadas de 1960 em diante. Nesse
sentido, faz-se necessária uma incursão nas relações que se estabeleceram entre os Estudos
Queer e a Teologia fazendo suscitar a Teologia Queer.
O presente capítulo apresentará a Teologia Queer a partir de seu imbricamento com os
Estudos Queer e com as novas práticas religiosas provocadas pelos sujeitos que reconfiguram
a experiência com o Sagrado, por meio de práticas que não dissociem seus corpos de suas
vivências de fé. Para tanto, o subcapítulo 1 apresentará a Teologia Queer a partir de sua
relação com o sujeito “saído do armário”, ou seja, que ousa experimentar a fé afirmando sua
identidade LGBT.
No intento de singularizar a Teologia Queer, o subcapítulo 2 apresentará a proposta
teológica “indecente” de Marcella Althaus-Reid. A autora foi escolhida, primeiramente, por

18 A Marcella Althaus-Reid. El color rojo de tus labios carnosos lo trituro en el mortero de mi dorso; con él
coloreo el fondo del océano de Venus, el canto de las aves de febrero y la vagina de Dios.
78

ter contribuído de forma substancial com o pensamento teológico queer. Por meio do que
chamou de “Teologia Indecente”, Althaus-Reid produziu Teologia Queer por meio de uma
literatura refinada que colocou sob suspeita as verdades da tradição hegemônica cristã. Além
disso, a autora foi membro das Igrejas da Comunidade Metropolitana, possibilitando que seu
pensamento fosse fortemente difundido nessa denominação.
Assim, tirar a Teologia Queer da estante remete a retirar os livros da prateleira,
pressupondo passar pelos clássicos dessa teologia, buscando aportes teóricos para a
compreensão de como esse pensamento surge e se consolida como possível expressão
teológica moderna.

2.1 Teologia Queer: perspectivas teológicas para um “outro sujeito”

A contribuição que os Estudos Queer deram a outros saberes sobre o corpo, gênero e
sexualidade atravessa a epistemologia, propondo um estranhamento do que a tradição
apresenta como normalidade. Segundo Louro (2011), o queer transforma o olhar sobre
sujeitos de gênero e sexualidade, permitindo que outros sujeitos e outras ferramentas de
leitura da realidade emerjam. A “epistemologia do armário” de Sedgwick (2007) confirma a
criação de um instrumental teórico que intente perceber esse novo sujeito dentro de suas
diferenças, complexidades e singularidades.
Os Estudos Queer, ainda segundo Louro (2011), rompem com a lógica binária a partir
da multiplicidade, pois consideram como muitas as “vidas que importam”. Essas vidas são
aquelas consideradas como vulneráveis, precárias e subalternas. Criando uma linguagem que
reconfigura a abjeção e o que foi construído como discurso de ódio (por exemplo, viado,
sapatão, traveco), o queer, como categoria epistemológica, promove uma subversão das
ciências implicando no rompimento radical com a lógica dominante (LOURO, 2011).
A adesão de ativistas e acadêmicos a uma perspectiva analítica contrária à
naturalização das identidades, aos binarismos identitários e à análise da economia política dos
discursos médicos, passou a estabelecer novas possibilidades interpretativas. O pano de fundo
destas disputas está na relação entre natureza e cultura. Aqui existe um tensionamento
epistemológico importante de ser problematizado. A relação entre natureza e cultura não é um
tema novo proposto pelos Estudos Queer, uma vez que questionamentos sobre a relação
hierárquica das duas categorias já eram feitos, por exemplo, pelas Ciências Sociais. O queer
não apresenta nada novo ou extraordinário, é no ordinário que o queer opera criando
aberturas, fissuras, diante do tradicional esquema da criação do conhecimento. O queer está
79

dentro de um horizonte histórico específico de afirmação identitária de sujeitos que são parte
de uma revolução em andamento.
A modernidade permite a ascensão de novos sujeitos por meio de um ambiente
linguístico que reconfigura a vida e é por ela reconfigurada. É o caso, por exemplo, da
homossexualidade. Como foi apresentado, a prática homossexual só foi nomeada como hoje
conhecemos em 1869. A criação do conceito permite que a prática seja também conhecida e,
assim, estudada e problematizada. O conceito difunde a categoria, pois permite que se dê
nome àquilo que então não se compreendia. Essa é uma relação complexa na qual a ciência
influencia a vida e a vida influencia a ciência.
Morin (2008) vê na complexidade científica não um inimigo a ser eliminado, mas um
desafio a ser enfatizado. Para o autor, o progresso das certezas científicas não caminha na
direção de uma grande certeza. Segundo Morin (2008, p. 21), “a verdade objetiva da ciência
escapa a todo olhar científico, visto que ela é esse próprio olhar”. Caracterizando a ciência
como o “olhar”, o autor não somente valoriza aquela que produz a ciência, mas também a
comunidade científica. Ainda que complexa e, muitas vezes, controversa, a ciência proposta a
partir de uma comunidade científica garante à ciência, segundo Morin (2008), a característica
de ser uma atividade construída com todos os ingredientes da atividade humana.
Em uma destruição do positivismo lógico, Morin (2008) conclui que a ciência é
“impura”:

A vontade de encontrar uma demarcação nítida e clara da ciência pura, de fazer uma
decantação, digamos do científico e do não-científico, é uma ideia errônea e diria
também uma ideia maníaca. [...] O notável é que a ciência não só contém postulados
e themata19 não científicos, mas que estes são necessários para a constituição do
próprio saber científico, isto é, que é preciso a não-cientificidade para produzir a
cientificidade, do mesmo modo que, sem cessar, produzimos vida com a não-vida
(MORIN, 2008, p. 59).

A “impureza” científica apontada por Morin (2008) não descaracteriza a ciência, pelo
contrário, aponta para um “outro” fazer científico, livre do monismo epistemológico e da
neutralidade. É nesse ambiente já criado pela modernidade de crítica ao fazer científico que os
Estudos Queer se destacam, permitindo que a complexidade evoque novos atores outrora à
margem da ciência.
Assim, o estudo da relação entre natureza e cultura não é exclusividade de uma
subversão epistemológica queer. Determinadas correntes de pensamento, como a medicina,

19 Themata, do grego thema, singular e themata, plural. Para Morin (2008, p. 44), themata “é uma preocupação
fundamental, estável, largamente difundida e que não se pode reduzir diretamente à observação ou ao cálculo
analítico do qual não deriva”. Ou seja, serve para instigar a pesquisadora e o pesquisador. Termo usado por
Holton em HOLTON, G. L'imagination scientifique. Paris: Gallimard, 1981.
80

por exemplo, aderem a uma epistemologia que privilegia a natureza em detrimento à cultura.
Nesse caso, o sexo seria o determinante das relações sociais, pois o ser humano é identificado
e construído pelo órgão sexual que possui. Do outro lado, é possível perceber perspectivas das
Ciências Humanas que privilegiam a cultura, possibilitando, assim, novas construções
humanas a partir da sociabilização dos corpos. Nesse caso, conforme Butler (2016), o ser
humano é anterior ao seu sexo (“ser a priori”).
A superação desse idealismo masculino presente no pensamento ocidental acaba por
relegar a mulher à natureza e o homem à cultura, o que Gebara (2010) recusa. Para a autora, é
papel do feminismo na ciência introduzir o “relativismo cultural”, isto é, afirmar as diferentes
maneiras de interpretar o mundo como necessárias à vida do planeta. Nesse sentido, os
Estudos Queer seriam mais uma “maneira de interpretar o mundo” ao usar categorias como
sexo, gênero e sexualidade em uma perspectiva de subversão do tradicionalmente reconhecido
como normativo.
Essa conduta põe em xeque o olhar que analisa os deslocamentos enquanto sintomas
de identidades pervertidas, transtornadas, disfóricas e psicóticas. A radicalização da
desnaturalização das identidades, iniciada pelos estudos e pelas políticas feministas, apontará
que as expressões de gênero, as sexualidades, as subjetividades só apresentam uma
correspondência com o corpo quando é a heteronormatividade que orienta o olhar (BENTO,
2015).
A verdade do gênero, no entanto, não está nos corpos (LAQUEUR, 2001). Não existe
uma forma mais verdadeira de ser mulher ou homem, mas configurações de práticas que se
efetivam mediante interpretações negociadas com as idealizações do feminino e do
masculino. Quando se destaca o aspecto estereotipado, transviado das práticas trans, por
exemplo, por um lado se reforça a tese de que há uma verdade para os gêneros que se
referencia no corpo-sexuado. Por outro, não se problematiza as múltiplas interpretações e as
práticas internas aos gêneros dissidentes sobre o masculino e o feminino, apagadas, muitas
vezes, sob a rubrica genérica de transexuais (JIMÉNEZ, 2012). Neste caso, as pessoas não-
binárias, por exemplo, ou seja, pessoas que não se reconhecem nem como mulheres nem
como homens.
As pesquisas que acontecem nos marcos dos Estudos Queer propõem uma leitura das
performatividades de gênero, desfazendo os limites e as fronteiras que separam a natureza do
sexo, o natural do artificial, o real do irreal, a verdade da mentira. Para Butler (2016), a
performatividade categoriza o sujeito generificado, o corpo generificado. A filósofa
complexifica a ideia de “identidade de gênero” ao compreender o gênero como efeito de
81

discursos, ou seja, performativo. Gênero é algo que se faz e não que se é. Assim, o corpo é
uma categoria discursiva, pois é criado a partir da linguagem. “As identidades de gênero são
construídas e constituídas pela linguagem, o que significa que não há identidade de gênero
que preceda à linguagem” (SALIH, 2015, p. 91). Para Butler (2016), ser um gênero pressupõe
não em performance – que precisaria de um sujeito ou ator performando – mas sim em
performatividade, ou seja, não pressupõe a existência de um sujeito. Pois, o sujeito de Butler
não é pré-discursivo, mas sim uma construção discursiva.
Para chegar a essas conclusões, Butler (2016) propõe uma genealogia 20 do gênero,
perguntando-se por que as coisas – no caso o gênero – chegam a ser como elas são.

Explicar as categorias fundacionais de sexo, gênero e desejo como efeitos de uma


formação específica de poder supõe uma forma de investigação crítica, a qual
Foucault, reformulando Nietzsche, chamou de “genealogia”. A crítica genealógica
recusa-se a buscar as origens do gênero, a verdade íntima do desejo feminino, uma
identidade sexual genuína ou autêntica que a repressão impede de ver; em vez disso,
ela investiga as apostas políticas designando como origem e causa categorias de
identidade que, na verdade, são efeitos de instituições, práticas e discursos cujos
pontos de origem são múltiplos e difusos. A tarefa dessa investigação é centrar-se – e
descentrar-se – nessas instituições definidoras: o falocentrismo e a
heterossexualidade compulsória (BUTLER, 2016, p. 10).

A preocupação de Butler (2016), a princípio, não é desconstruir o conceito de sujeito,


mas o conceito de mulher, pois critica o feminismo, suspeitando da lógica da identidade. A
autora apresenta uma crítica ao feminismo que se sustenta sobre uma lógica de identidade
binária: “O feminismo de Butler é a defesa de uma desmontagem de todo tipo de identidade
de gênero que oprime as singularidades humanas que não se encaixam, que não são adequadas
ou corretas no cenário da bipolaridade no qual acostumamo-nos a entender as relações entre
pessoas concretas” (TIBURI, 2016, p. 9). Para Butler (2016), o gênero é uma complexidade,
uma coalizão aberta, que permite múltiplas convergências e divergências, sem obediência a
um télos normativo e definidor. Assim, a identidade é um efeito de práticas discursivas, e a
identidade de gênero – compreendida como uma relação entre sexo, gênero, prática sexual e
desejo – mostra ser performativa no interior do discurso.
É nesse contexto que se pretende refletir sobre outras possibilidades teológicas, outras
hermenêuticas, considerando em que sentido original está relacionada à compreensão das

20 A questão da genealogia é tratada por Friedrich Nietzsche em “Da utilidade e desvantagem da história para a
vida”, texto no qual o autor questiona sobre o historicismo de seu tempo. Em “Aurora”, Nietzsche aborda a
hipótese genealógica, a qual pergunta: por que algo chega a ser o que é? As coisas não são o que são, elas
chegam a ser o que são. Assim, qualquer realidade que se estabeleça como dada é questionada, perguntando-se
sobre quais são as forças que atuam, quais são as disputas? Em “Genealogia da moral: uma polêmica”, o autor
também trata sobre o método genealógico. No texto “Nietzsche, a genealogia e a história”, Foucault acrescenta a
crítica à hipótese genealógica.
82

Escrituras, para dar sentido às “palavras de Deus”. É fundamental a compreensão de que o


método hermenêutico queer de leitura das Sagradas Escrituras advém da hermenêutica
feminista, pois foi esta quem primeiro perguntou sobre o gênero no texto bíblico.
A pergunta “a quem interessa ou a quem favorece determinada interpretação e
determinado ponto de vista?” é fundamental para a hermenêutica em uma perspectiva
feminista. A busca pelas relações de poder que se estabelecem entre os gêneros, não apenas no
Texto Sagrado, como também nas práticas religiosas, é de valiosa importância, pois intenta
revelar o que está por detrás das práticas institucionalizadas. Além disso, discutir patriarcado
em um contexto de hermenêutica bíblica feminista, a partir do viés de gênero, diz respeito não
somente às relações que se estabelecem entre homens e mulheres, como também as relações
entre homens e homens, mulheres e mulheres e entre o ser humano e a divindade.
A hermenêutica bíblica feminista propõe a releitura de textos bíblicos, anteriormente
interpretados de forma unilateral, com o intuito de recuperar a história, a memória, a
autoridade e o poder das mulheres e, também, tem o intuito de explicitar e desconstruir
paradigmas, de explicitar as relações de dominação e submissão presentes no texto. Nesse
sentido, a Teologia Feminista é radical e propositora de rupturas com o sistema patriarcal.
Na questão hermenêutica queer, observa-se que existem muitos textos na Bíblia
difíceis de compreender, por isso a hermenêutica faz-se essencial para as pessoas que não têm
conhecimento específico sobre palavras e símbolos. É nesse sentido que, dentro do paradigma
queer, a Teologia Queer tem como objetivo construir uma verdadeira cidadania queer (queer
nation), revisando pontos centrais do pensamento judaico-cristão. Esta teologia visa romper
com diversos constructos teóricos associados a uma visão heteronormativa. A proposta
teológica queer é a de realizar uma hermenêutica contextualizada, buscando elementos
arqueológicos, históricos que ampliam a compreensão da religião e seus signos. Este processo
é fundamental, conforme o discurso inclusivo, para retirar o estigma que a tradição judaico-
cristã acabou por receber como sendo uma instituição homofóbica (MUSSKOPF, 2012).
A religião cristã é reconfigurada, como a noção de ética sexual atrelada unicamente a
procriação, noções de natureza humana imutável, salvação mediante somente a fé – princípio
básico do protestantismo. A sexualidade, como em uma boa herança teórico queer, passa a ser
vista de uma forma fluida, mais complexa.
A Teologia Queer, diferentemente de outras tradições interpretativas, que tratam de
questões econômicas, políticas, mas não da emergência de outras minorias, lembra a luta pela
cidadania religiosa de minorias sexuais na construção da história do Sagrado com base em
suas experiências, o que impacta em uma nova compreensão religiosa. É possível afirmar que
83

a Teologia Queer surge, também, como consequência do fornecimento de bases teóricas da


Teologia da Libertação.
A Teologia da Libertação (TdL), segundo Libanio e Murad (2011), é uma Teologia
Contextual influenciada pelo contexto político-econômico da América Latina. Surgiu entre as
décadas de 1960 e 1970, alimentada por movimentos de libertação populares e vanguardistas.
Marcada pela confluência da situação de dominação, dos movimentos de libertação e da
presença da Igreja, a TdL buscava responder às perguntas que emergiam, recebendo esse
nome por abordar essas mesmas questões sob a ótica da libertação. Para Libanio e Murad
(2011, p. 167), “a TdL lança suas raízes no solo experiencial e eclesial da percepção teologal
da presença de Deus no pobre, no explorado e em sua luta por libertação”.
O método teológico da libertação – quefazer teológico – segundo Gutiérrez (1986), é
um “ato segundo”. Primeiramente, é preciso contemplar a Deus e colocar em prática a sua
vontade, ou seja, situar-se no terreno da mística e da prática. “Só posteriormente pode haver
um autêntico e respeitoso discurso sobre Deus” (GUTIÉRREZ, 1986, p. 13).
Desta a Teologia Queer usa o método ver, julgar e agir, no qual a realidade tem grande
impacto na interpretação. Pois, em meio a todo o movimento homossexual, a Teologia Queer
surge com a preocupação de responder à vivência de pessoas dissidentes da norma sexual
(MUSSKOPF, 2012).
Afirma Musskopf (2012) que a Teologia Queer propõe uma cristologia que mostra
Jesus como um agente de justiça, que se coloca ao lado daquele que é excluído pelo sistema
vigente. Alguns são os pilares para a compreensão dessa nova teologia, cujo objetivo é dar um
sentido salvífico àquelas que historicamente foram retiradas do plano de salvação.
No contexto queer, não seriam as atitudes e comportamentos que levariam
homossexuais para o céu/inferno. Uma das possibilidades de interpretação nesse caso é a de
que, por exemplo, Deus concede a salvação gratuitamente àqueles que têm fé em sua
misericórdia. Pois propor que o pecador não vai ao céu por conta dos seus pecados é não
reconhecer os textos bíblicos que afirmam que todos pecaram. Caso assim fosse, ninguém
estaria livre da condenação eterna (MUSSKOPF, 2012).
A moral sexual queer não fragmenta a compreensão integral do ser humano,
compreendendo-o como um ser de desejos. Assim, a ética é pensada a partir de relações de
complementariedade nas quais o desejo não é subjugado, mas celebrado e incentivado. A
tradicional moral cristã, voltada para as práticas e os costumes, é subvertida ao repensar quais
práticas e quais costumes violariam a condição da existência humana, negando suas
individualidades, seus desejos e suas vontades.
84

Embora haja poucos estudos que fazem o entrosamento entre religião e Estudos Queer
no Brasil, autores como Couto (2012) chamam a atenção para a forma como o queer coloca
em causa as habituais políticas da representação. Queer não é a dissolução das identidades,
mas uma crítica possível a todas as identidades hegemônicas e monolíticas, essencialistas ou
naturalizantes.
Assim, os Estudos Queer instalam-se nos lugares das especificidades identitárias
silenciadas nos discursos gay e lésbico e, atualmente, também dos transgêneros. Trata-se,
então, de conceitualizar a intersecção de identidades e de opressão em contextos de
religiosidade que as constituem mutuamente.
Ao se reportar à religião é necessário ressaltar que, conforme Poel (2013, p. 891),

religiosidade é a fé, a piedade de uma pessoa ou de um grupo diante do sagrado.


Esta definição, por mais que seja ampla, delimita um espaço de análise
compreendendo a religiosidade, o sagrado e o profano, no campo do discurso e suas
artimanhas [...]. Religiosidade é toda a esfera do sagrado, e com os discursos que o
produzem e reproduzem em meio a saberes, práticas, instituições, normas, técnicas,
mas também, em face da resistência a estes saberes e práticas normatizados, que
também poderíamos chamar religião, a religiosidade engloba as resistências, e
assujeitamentos abjetos. É possível ainda compreender que a religiosidade, como
todo dispositivo, tem uma história, que não sendo linear, vai se engendrando nos
discursos e saberes ao longo do tempo.

Observa-se que a religião, como produto e produtora de representações e dispositivos


reguladores das sexualidades (COELHO JR., 2012), também legitima ou constrói
determinadas concepções de masculinos e femininos reafirmando, assim, os binarismos. Essas
concepções favorecem ou não a participação e legitimação de sujeitos não pautados pela
heteronormatividade no corpo de especialistas religiosos, bem como nas outras esferas do
Sagrado, mesmo na qualidade de leigos no campo religioso.
Conforme Natividade (2008, p. 87),

a discussão sobre a homossexualidade no campo religioso brasileiro passa pela


Igreja Católica, concentrando-se entre teólogas ligadas ao grupo Católicas pelo
Direito de Decidir e mais recentemente ao grupo Diversidade Católica. Mas circula
também em diferentes igrejas protestantes que têm discutido, oficialmente, entre
seus dirigentes, a questão da homossexualidade, observando diferentes pontos de
vista - e entre pentecostais mesmo que seja na tentativa de converter as pessoas à
condição de heterossexual ou, ao menos, para uma “homossexualidade não ativa”,
aconselhando o celibato. Também nos cultos de origem afro-brasileiros onde a maior
flexibilidade doutrinária e cosmológica tornou-se o foco de muitos outros estudos
antropológicos devido a presença de homens e mulheres homossexuais confrontada
com reprovação de condutas não heterossexuais no cristianismo.

Em uma nova perspectiva do direito humano à orientação sexual e à identidade de


gênero voltada para a religiosidade, há a tentativa de desconstruir a lógica heteronormativa.
Os Estudos Queer avançaram ao longo das últimas décadas na intenção de ampliar as relações
85

sexualizadas, e propuseram uma indeterminação sexual, na qual o gênero e a sexualidade não


precisam, necessariamente, ser definidos.
Como apresentado anteriormente, as categorias de homossexualidade e de sujeito
homossexual são criações do século XIX. Estes termos surgiram a partir da definição do
escritor austro-húngaro Karl Kertbeny que, em 1869, definiu homossexualidade como uma
variante benigna da heterossexualidade. Porém, o sexólogo Richard Von Krafft-Ebing, em
uma releitura negativa, apresentou a homossexualidade como desvio, doença e algo anormal,
desencadeando a construção de um discurso em que o homossexual teve sua identidade
marcada pela negação e pelo silêncio.
Segundo Ambrosino (2017), apesar de a palavra homossexualidade ter surgido em
1869, foi somente em 1901 que a palavra heterossexualidade foi definida. Primeiramente,
segundo o dicionário Merriam Webster, como o significado de “um apetite anormal ou
pervertido em relação ao sexo oposto”. Somente em 1934, a heterossexualidade teve seu
significado atualizado para “manifestação de paixão sexual por alguém do sexo oposto”.
Em paralelo, a medicina, a psiquiatria, a sexologia, a justiça, as igrejas, a teologia, os
grupos conservadores e os grupos emergentes também atribuíram a esses sujeitos e a suas
práticas distintos sentidos (LOURO, 2011). Segundo Leite Jr. (2015), muitas são as áreas do
conhecimento que têm dado visibilidade aos estudos de gênero e sexualidade: sociologia,
filosofia, antropologia, psicologia, ciências médicas e ciências jurídicas são alguns exemplos.
A adesão aos Estudos Queer em muitas áreas do saber tem permitido a discussão e a produção
de interpretações sociais do gênero e da sexualidade no Brasil.
Dessa forma, os estudos sobre a Teoria Queer, também chamados de Estudos Queer,
possuem o desafio, conforme Pereira (2012, p. 57),

em uma potência do queer e sua não universalização em teorias prontas sem levar
em consideração as especificidades locais, dependem da capacidade de absorção das
experiências locais, num contexto de alteração teórica. Isso significa dizer que a
Teoria Queer deve adequar-se aos contextos territoriais, espaciais, identitários,
subjetivos, etc. específicos do lócus de pesquisa, dando uma característica de
mutabilidade à teoria.

Entretanto, nota-se um desconforto quando se evoca o termo queer para designar as


diversas realidades das experiências de gênero e sexualidades dissidentes brasileiras. É nesse
incômodo que Bento (2015) se posiciona:

os estudos transviados21 serão os contradiscursos que irão propor uma nova


interpretação para a relação com o corpo/sexualidades/gênero e irão estabelecer uma

21
Termo atribuído aos Estudos Queer, pela pesquisadora Berenice Bento (2015).
86

forte disputa com o mainstream. [...] A disputa que os estudos transviados estão
realizando com outros saberes instituídos em torno das sexualidades, gêneros e
dimensões raciais, tem como efeito invadir áreas do conhecimento antes tidas como
verdadeira porta-voz de determinadas esferas da vida.

Bento (2015) afirma, ainda, que são eixos do ativismo e Teoria Queer:

 desnaturalização das bioidentidades coletivas e individuais;


 ênfase nas relações de poder para interpretar as estruturas subjetivas e objetivas da
vida social;
 a permanente problematização das binariedades;
 prioridade à dimensão da agência humana;
 crítica ao binarismo de gênero masculino versus feminino e sexual heterossexual
versus homossexual. (cf. BENTO, 2015).

Esses pontos não podem ser atribuídos somente à Teoria Queer. Porém, há uma
difusão, uma institucionalização desses eixos como sendo inerentes aos Estudos Queer. Nesse
sentido, segundo Bento (2015), é necessário refletir sobre como os Estudos Queer
reconstruirão, reinventarão, remodelarão essas questões difundidas como queer e, antes de
tudo, pensar como vai ou está ocorrendo essa negociação, visto que muitos estudiosos
brasileiros não sentem nenhum incômodo em utilizar o queer. Nesse sentido, segundo a
autora, os Estudos Queer podem ser uma fonte de tensão acadêmica, política e social.
Para Pereira (2012, p. 91),

as tensões que os Estudos Transviados podem provocar, ou já estão provocando é


(sic) fonte de potencialidade para proporcionar fissuras na sociedade, nos
movimentos sociais e principalmente na universidade, ainda assombrada com o
fantasma da heteronormatividade. Portanto, no caminho aberto até então, precisa
emergir novos conceitos que atendam as demandas brasileiras por um novo olhar
interpretativo do gênero e da sexualidade.

É nesse ambiente que surge, então, o “discurso teológico inclusivo”, buscando ampliar
os horizontes de percepção, inserindo categorias marginalizadas do ponto de vista
sociológico. A ascensão desta nova hermenêutica, já que surge de dentro de uma religião cujo
espaço para a fluidez da sexualidade é nulo, reflete o próprio processo dinâmico em que se
passa (JESUS, 2014). Traduz, assim, a grande importância que a religião continua tendo,
enquanto instância socializadora na sociedade contemporânea.
Nesse contexto, é possível dizer que as teologias que propõem novo olhar sobre a
homossexualidade trouxeram novas proposições que possibilitaram que um conjunto de
87

valores tradicionais fosse analisado e, em alguns casos, reelaborado. No que tange à


sexualidade, essas problematizações teológicas levantaram questões que se desdobraram na
constituição de novas ordenações institucionais, como é o caso das igrejas inclusivas
(BENTO, 2015). Igreja inclusiva é uma terminologia que vem sendo utilizada nas últimas
décadas para nomear as igrejas comumente conhecidas como “igrejas gays” (NATIVIDADE,
2010). Essas novas proposições denominacionais protagonizaram rupturas que possibilitaram
a constituição de novos movimentos cristãos, formando um cenário religioso moderno
inusitado e complexo.
Em relação à dissidência sexual e de gênero, de acordo com Musskopf (2012), a
mudança de perspectiva religiosa teria perpassado três momentos, que se desenvolveram a
partir da segunda metade do século XX, por ele definidos como: Teologia Homossexual, Gay
e, finalmente, Queer. Para Musskopf (2012) essa mudança pode ser assim estruturada:

 primeiro momento: teologia homossexual, que se refere ao contexto de surgimento


e constituição do sujeito histórico, no âmbito médico e social, que recebeu a
nomenclatura de homossexual; assim como o movimento de organização desses
sujeitos em grupos, que passaram a reivindicar o direito à existência e a
descriminalização da homossexualidade. A partir de meados do século XX, surgiram
teólogos e teólogas que passaram a refletir sobre as mudanças conceituais e as
reivindicações políticas em torno da homossexualidade. Suas obras são marcadas pelo
esforço em interpretar esses novos sujeitos, reavaliando os posicionamentos morais-
tradicionais da religião cristã. Tais obras passaram a adotar a perspectiva que
considera os homossexuais como sujeitos normais, proferindo um discurso de inclusão
à vida da Igreja.
 segundo momento: a teologia gay22 se relaciona ao momento de crescente
mobilização dos homossexuais, a partir dos anos 1970, no qual surgiram grupos
políticos mais articulados e organizados, formando um movimento unificado em prol
da visibilidade e luta por direitos civis. Gays e lésbicas ganharam visibilidade e
passaram a se apresentar enquanto identidades sociais, como ativistas se posicionavam
como sujeitos de experiências e características distintas, atreladas não mais à doença e,
sim, ao orgulho de compor uma diversidade. A teologia gay emerge no contexto do

22 A primeira obra a se nomear de “Teologia Gay” na América Latina foi “Uma brecha no armário: propostas
para uma teologia gay”, de André Musskopf. (MUSSKOPF, A. S.. Uma brecha no armário: propostas para uma
teologia gay. 3. ed. São Leopoldo: Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, Fonte Editorial, 2015. v. 1000. 160 p.).
88

movimento de libertação gay e demais movimentos sociais que surgiram na época,


além de relacionar-se com o processo de desenvolvimento de novas perspectivas
teóricas e acadêmicas, uma vez que as ciências sociais, e não mais as médicas,
passaram a ter importância nos estudos sobre a comunidade gay e lésbica.
 terceiro momento: a teologia queer se encontra em vias de formulação, no qual
teólogos e teólogas vêm se dedicando à sua construção. Desse modo, utilizando
principalmente os estudos teóricos acadêmicos de gênero e sexualidade, autores e
autoras abordariam a questão da religiosidade de forma inusitada e transgressora.
Entretanto, assim como as outras duas vertentes, a teologia queer é marcada por
descontinuidades históricas e discursivas, pois não há univocidade entre os teólogos e
as teólogas que a ela se dedicam. Nesse sentido, por vezes, os diferentes momentos se
misturam, criando pontos de intersecção.

Nas últimas décadas, os temas sobre as minorias sexuais vêm ganhando adeptos e
figurando nos espaços de reflexão teológica. Apesar de não haver uma corrente teológica gay-
queer consolidada, existem, em todo o mundo, cenários de vivências religiosas, que envolvem
as experiências desse contingente populacional e organizações espirituais que constituem a
conjuntura que permite a esses sujeitos o exercício da religiosidade.
É nesse cenário que, embora recentes, surgem as igrejas inclusivas no Brasil, que se
consolidaram a partir do final dos anos 1990, e veem discutindo a tensão entre religião e
homossexualidade a partir da experiência das LGBTs em suas igrejas de origem
(NATIVIDADE, 2008). Somente a partir do início dos anos 2000 é que acontece uma
proliferação de diversas denominações religiosas inclusivas no Brasil.
As igrejas inclusivas, embora atribuam significado positivo à homossexualidade, ainda
têm, entre si, diferentes posições acerca do exercício da sexualidade. Nesse sentido, as igrejas,
além de serem distintas naquilo que diz respeito aos significados da homossexualidade,
também são distintas em sua cosmologia, sua visão de mundo.
O termo inclusivo pode ser problematizado ainda no campo das representações por sua
ligação com aquilo que está à margem. O inclusivo, assim, acabaria por corroborar os
discursos que colocam sexualidades e corpos não heterossexuais e não normativos à margem
da religião e da sociedade ou alertaria para uma necessária legitimação de muitas existências
que a normatividade mantém abjetas.
As igrejas que se afirmam inclusivas, – embora sejam direcionadas a uma perspectiva
de inclusão e aceitação da homossexualidade como perfeitamente compatível com uma
89

religiosidade cristã expressa por elas – não são exclusivamente para homossexuais, estando
abertas a todas as pessoas, incluindo, assim, heterossexuais (NATIVIDADE, 2008).
Halberstam (2005) elabora os conceitos de tempos e espaços queer como
possibilidades para entender comportamentos não normativos. Assim, o conceito de tempo
está relacionado aos modelos de temporalidade que emergem na contemporaneidade, em que
diversas pessoas optam por viver fora do tempo da reprodução e da família. Já os espaços são
lugares em que as pessoas se engajam e seguem em direção contrária ao que é considerado
espaço público, e que possibilitam o confronto. Tempo e espaço ressignificam a experiência
religiosa queer, por meio de novas construções de sentido mediante a relação com o Sagrado
inclusivo.
Os Estudos Queer, centrados na religiosidade, não se constituem em um ponto de
chegada, pois sua proposta é um ponto de partida; significam desafiar e fazer valer a voz e o
poder do outro (TIERNEY; DILLEY, 1998). Trata-se de uma forma de entender a cultura, a
religião e a política, a partir de uma dissidência que confronta a dominante, cujo objetivo
central é produzir e fazer circular novos discursos – efeitos queer – que contribuam para
problematizar e trocar certas regras do jogo de dominação. Ao propor um novo entendimento
para a cultura, a religião e a política, a visão essencialista de identidade passa a ser
questionada.
A Teologia Inclusiva também compõe esse movimento de contestação da teologia
hegemônica, pois, assim como as vertentes apresentadas, ela passou a questionar valores
morais e práticas de exclusão social e discriminação impetrada pelas congregações
tradicionais. Seu objetivo é incluir todos/as aqueles/as que historicamente foram excluídos do
cristianismo, possibilitando-lhes o exercício religioso (TIERNEY; DILLEY, 1998). No
entanto, apesar de apresentar tal proposta oficial, ela é difundida enquanto corrente específica
de produção teológica, adotada por instituições religiosas no Brasil, que defendem a inclusão
daqueles/as que sofrem discriminação pela orientação sexual. Possui ênfase e direcionamento
eclesiástico aos gays e às lésbicas e, em alguns casos, às e aos transgêneros. Por causa dessa
especificidade, tornou-se sinônimo e ficou popularmente conhecida, em alguns segmentos,
como Teologia Gay.
A fundamentação teológica da Teologia Inclusiva centra-se na reinterpretação e
releitura bíblica. A partir do uso de uma exegese histórico-crítica, o esforço se concentra em
reler e dar outros significados a interpretações (cf. cap. I, sobre Sodoma e Gomorra) que
foram historicamente defendidas pelas perspectivas teológicas tradicionais. Em vista a sua
ênfase nas questões relacionadas à homossexualidade, há um direcionamento do exercício de
90

releitura das passagens bíblicas tradicionalmente utilizadas para condenar os relacionamentos


não heterossexuais.
Para Tierney e Dilley (1998, p. 78),

vale ressaltar que o objetivo dessa releitura é desconstruir as antigas classificações


pejorativas, principalmente, o estigma de pecado associado à homossexualidade,
passando a concebê-la como uma vivência tão natural e divina quanto à
heterossexualidade. No esforço em consolidar essa nova vertente, teólogos vêm se
dedicando à produção de livros, apostilas e demais materiais, além de ministrarem
estudos bíblicos pautados na hermenêutica inclusiva. Suas produções não só se
apresentam como ferramentas que objetivam definir e legitimar teologicamente a
corrente, mas servem de guias de conduta para os/as fieis, explicando como Deus
concebe a homossexualidade de forma positiva e normatizando os relacionamentos
homoafetivos, dentro de comportamentos e práticas sexuais ditas aprovadas por
Deus. Presente em diferentes denominações, a Teologia Inclusiva ganhou adeptos
não apenas entre religiosos evangélicos, mas entre grupos como o católico. Esse
contexto abriu novas possibilidades de reflexão entre religião e sexualidade,
proporcionando inclusive uma mudança nos discursos de alguns líderes de igrejas
tradicionais que, em certos contextos, possibilitaram que pessoas LGBTs
participassem de suas instituições.

A Teologia Inclusiva para interpretação bíblica centra-se na proposta histórico-crítica


como método que legou importantes metodologias de estudos literários, de crítica das fontes,
de crítica da forma e de crítica da redação. Só assim se tornam possíveis a revisão e
reinterpretação das passagens que outrora foram utilizadas para condenar dissidentes da
heterossexualidade, possibilitando a desconstrução dos estigmas e das perspectivas que
tradicionalmente sentenciaram.
O termo Teologia Inclusiva se refere a um ramo da teologia tradicional voltada para
inclusão das categorias socialmente estigmatizadas, com foco na inclusão dos excluídos das
demais vertentes cristãs em função da sua orientação sexual. Seu pilar central encontra-se na
ideia de que Deus possuiu um amor eterno e incondicional à humanidade. O elemento que
confere fundamento a tal perspectiva é a reinterpretação bíblica, com vistas a mostrar que a
homossexualidade constitui outro aspecto da alteridade humana, tão possível quanto a
heterossexualidade (FEITOSA, 2010). A Teologia Inclusiva representa um novo aspecto
teológico fundamentado na dignidade da pessoa humana e na valorização da identidade, da
igreja, e consiste na elaboração doutrinal das verdades de fé do cristianismo.
A Teologia Inclusiva afirma que não é possível comprovar a condenação da
sexualidade homossexual, pois não existe trecho que fale claramente de forma condenatória
sobre o assunto na Bíblia. Afirma que, além de não haver condenação clara, a Bíblia revela
que Deus criou heterossexuais e homossexuais em sua completude, logo, se Deus assim os fez
não foi para cruelmente destiná-los à condenação.
91

Ela defende uma leitura bíblica focada na experiência de fé e vivência religiosa,


priorizando a subjetividade e a singularidade como elementos centrais. Fundamenta-se na
utilização de passagens bíblicas que definem que o amor de Deus à humanidade é
incondicional e eterno, já que todos foram criados à sua imagem e semelhança, considerando
a sexualidade como um aspecto da natureza humana, tão diversa e natural, quanto os demais.
Em termos religiosos, a constituição de um novo sujeito teológico, conforme
Musskopf (2012), é reflexo das experiências de gays e da luta em querer trazer para eles o
plano salvífico de Jesus Cristo, e reflete um campo de batalha pelo reconhecimento social
entre categorias historicamente marginalizadas. A busca pela religião, tão abrangente nas
sociedades seculares, certamente deve ser devida ao papel que ela ainda opera enquanto
instituição socializadora, e também no sentido de que é necessário construir referências
“aceitáveis” em torno da homossexualidade.
Faz-se importante a ressalva de que existem diferenças teológicas importantes que
separam a Teologia Inclusiva da Teologia Queer. Considera-se que esta seja uma Teologia
Inclusiva, entretanto dela se separa quando propõe uma subversão das grandezas teologais. A
Teologia Inclusiva, dentro do cenário cristão contemporâneo, permite a inclusão de LGBTs no
ambiente religioso, a releitura das Sagradas Escrituras, mas não se preocupa em pensar novas
estratégias epistemológicas que rompam com as identidades fixadas. Assim, na Teologia
Queer é possível, inclusive, a experiência cristã sem o apoio na Bíblia, pois outros livros vão
se somando à experiência de fé e passam a ser sacralizados. Por exemplo, um livro de
poemas, um livro erótico, passam a compor o cânone queer, possibilitando que suas palavras
iluminem a experiência de fé.
Seria possível afirmar que o que se percebe na religião é que a Teologia Inclusiva foi
higienizada mantendo padrões cisheteronormativos. Assim, casais LGBTs deveriam ter
relações sexuais somente após o casamento, as relações deveriam ser monogâmicas e a
família seria a base da comunidade de fé. A Teologia Queer, entretanto, permite subversões
dessas categorias – casamento, relacionamento amoroso etc. – promovendo espaços livres de
vivência da sexualidade, acolhendo relações poliamorosas, relações abertas e criando novas
compreensões de família, como a família multiespécie, quando os animais da casa são parte
fundamental do conjunto familiar.
Diante da multiplicidade de adjetivos que circundam, o conceito queer e, por
consequência seus estudos, cabe definir o que esta pesquisa compreende por Teologia Queer.
Conforme Musskopf (2012), existe uma relação entre teologia, academia e movimento social
no que diz respeito à categorização do queer. Enquanto na teologia havia uma Teologia sobre
92

a homossexualidade, na academia existiam os Estudos sobre homossexualidade e no


movimento social, o Movimento homófilo. Posteriormente, enquanto existia uma Teologia
gay e lésbica, na academia cresciam os Estudos gays, e na sociedade civil os Movimentos de
liberação gay. Por fim, quando a teologia pensa uma Teologia Queer, na academia fortalecem-
se os Estudos Queer como categoria de análise dos processos de categorização social, e na
sociedade o Movimento LGBT – e suas variáveis.
Não seria queer, nesse sentido, encontrar uma definição para queerness, pois passa por
flexibilizações intrínsecas às reivindicações do próprio conceito. Sendo assim, sem abrir mão
da “ambiguidade” proposta por Musskopf (2012) e da “indecência” proposta por Althaus-Reid
(2005), Teologia Queer pode ser considerada como sendo a produção teológica de dissidentes
sexuais e de gênero a partir de análises dos processos de categorização social que se dão na
religião, aliada a um movimento civil pró-LGBT.
As Igrejas da Comunidade Metropolitana, tendo sido fundadas principalmente para
esse público, são influenciadas pelos Estudos Queer e passam a produzir seu próprio material
teológico. Reverendo Patrick S. Cheng é um exemplo. Segundo Cheng (2011), a Teologia
Queer está alicerçada no que chama de Radical Love (amor radical). Esse amor é aquilo que
une a Teoria Queer e o cristianismo:

O amor radical está no coração da teologia cristã porque nós cristãos acreditamos em
um Deus que, através da encarnação, da vida, da morte, da ressurreição e da
ascensão de Jesus Cristo, dissolveu os limites entre a morte e a vida, o tempo e a
eternidade e o humano e o divino. Semelhantemente, o amor radical também está no
coração da teoria queer porque desafia nossos limites existentes em relação à
sexualidade e identidade de gênero (por exemplo, gay versus hétero, ou masculino
versus feminino) como construções sociais e não essenciais ou conceitos fixos
(CHENG, 2011, p. X, tradução nossa 23).

Assim, para o autor, é esse amor radical que transita entre a não-essencialidade e
universalidade dos conceitos. É na tensão que se dá a vida, que se dá o encontro entre o
cristianismo e a Teoria Queer, o que se nomeia por Teologia Queer (CHENG, 2011).

23 Radical Love is the heart of Christian theology because we Christians believe in a God Who, though
incarnation, life, death, resurrection, and ascension of Jesus Christ, has dissolved the boundaries between death
and life, time and eternity, and the human and the divine. Similarly, radical love is also at the heart of queer
theory because it challenges our existing boundaries with respect to sexuality and gender identity (for example,
gay vs. straight, or male vs. female) as social constructions and not essentialist, or fixed, concepts.
93

Gráfico 1 – Teologia Queer

Estudos Teologia
Queer Cristã

Teologia
Queer

Fonte: Adaptado de Cheng, 2011.

Para Cheng (2011), a Teologia Queer está na intersecção entre os Estudos Queer e a
Teologia Cristã, por meio do amor radical. Para o autor, a terminologia queer pode ter três
significados:

 queer é um termo guarda-chuva;


 queer é uma ação transgressora;
 queer elimina fronteiras da sexualidade.

Nenhum dos significados se sobrepõe ao outro, mas todos complementam a


compreensão do queer. Como termo guarda-chuva é considerado como sendo um termo plural
(LANZ, 2015), que se refere coletivamente às formas divergentes de vivência da sexualidade
heteronormatizada. Para Lanz (2015, p. 71), “o queer está voltado para o reposicionamento da
homossexualidade no mundo”. Nesta compreensão, o termo queer abarca a sigla LGBT e
todas as suas outras formas, inclusive aquelas não contempladas pela sigla, como, por
exemplo, as pessoas não-binárias. Para Cheng (2011), queer descreve as pessoas
marginalizadas por sua sexualidade ou identidades divergentes.
Como ação transgressora, o queer remonta a sua história quando foi considerada a
existência de uma queer nation pelo Dicionário Oxford de Língua Inglesa. A palavra queer, de
origem anglófona, significa, literalmente, estranho, e foi usada durante décadas
pejorativamente contra as LGBTs. O que era, então, aplicado como uma ofensa para pessoas
que “desviavam da norma cisheterossexual” (VIEIRA, 2015), foi subvertido pelos estudos
pós-estruturalistas de uma conotação negativa para uma positividade, ou seja, uma identidade
positiva. No pós-estruturalismo, significante e significado não têm necessariamente que ser
94

correspondentes. A dimensão linguística ainda é estrutural, mas não é absoluta. Assim, para
Cheng (2011), transgressão é metáfora central dos Estudos Queer.
Finalmente, como um conceito que elimina as fronteiras da sexualidade, os Estudos
Queer compreendem a sexualidade como constructos sociais (BUTLER, 2016; FOUCAULT,
2015; LAQUEUR, 2001), que estão para além do dispositivo binário de gênero.
Nesta pesquisa, as três compreensões do conceito queer são consideradas, cabendo a
ressalva que o substantivo transgressão será substituído por subversão, apoiando-se assim, nas
ideias da filósofa Judith Butler. Para a autora, o desconstrutivismo não propõe inversões, mas
sim subversões.
Assim, os Estudos Queer, o movimento pró-LGBT e a Teologia Queer estão atrelados
na modernidade sendo fortes influenciadores de uma “saída do closet”.

2.2 Sistemática Queer: Santa Marcella, rogai por nós

A Teologia Queer e as teologias que a precederam, como a Teologia Homossexual, a Lésbica


e a Inclusiva são possibilidades teológicas de experiência do Sagrado por meio do uso da
sexualidade como chave hermenêutica para interpretação da religião, seus símbolos e ritos.
São sujeitos que produzem a sua própria teologia e que, também, por ela são produzidos.
A inserção desses sujeitos no cenário cristão, não negando sua sexualidade, mas a
recebendo como uma “dádiva divina” possibilitou a insurgência de novas perspectivas
hermenêuticas e exegéticas, por meio de propostas teológicas que contemplassem a
integralidade do ser humano, sem negar as muitas possibilidades de vivência da sexualidade.
Acompanhando Musskopf (2012), cada uma dessas possibilidades teológicas se apresenta em
um cenário político distinto, no qual a pauta dos movimentos identitários influencia a maneira
pela qual os textos bíblicos serão interpretados e a experiência da espiritualidade se
configurará.
Nesse cenário, surge a teóloga queer argentina Marcella Althuaus-Reid, que baseou
sua teologia no que nomeou de “teologia sexual da libertação” ou “indecência teológica”.
Segundo Quero (2014), ela é a “santa de uma espiritualidade sexualmente encarnada”. De
acordo com o LGBTQ Religious Archieves Network (2019), Althaus-Reid nasceu em Rosário,
na Argentina, em 1952, e é a principal teóloga reconhecida pela aplicação da Teoria Queer na
teologia Cristã. Graduada em teologia, pelo Instituto Superior Evangelico de Estudos
Teologicos, em Buenos Aires, ela faleceu em 2009, trabalhando na Universidade de
Edimburgo, como professora de teologia contextual.
95

Althaus-Reid tem importantes publicações sobre a temática queer no contexto


teológico. Dentre elas, destacam-se as obras Indecent theology (2000), traduzida para o
espanhol (2005) e The Queer God (2003), traduzida para o italiano e, recentemente, para o
português. A teóloga teve uma passagem pela Igreja da Comunidade Metropolitana da
Argentina e de Edimburgo, o que tornou de grande importância sua obra no contexto dessa
denominação. No Brasil, apesar de nenhum de seus livros terem sido traduzidos para o
português até 2019, chegaram alguns textos publicados em periódicos e a sua ideia de
Teologia Indecente teve grande alcance entre as comunidades locais da ICM.
Para compreender a ICM, no que diz respeito à sua vivência teológica e militante, faz-
se necessário um aprofundamento nas ideias fundamentais de Althaus-Reid, que são
abordadas, principalmente, em sua obra La teologia indencente (2005), que se apresenta como
um tratado sistemático sobre grandezas teologais, como Deus, Cristo, Maria, salvação e
igreja. A Teologia Indecente se propõe a ser uma teologia político-sexual, crítica da Teologia
da Libertação e da Teologia Feminista da Libertação, mediante um enfoque multidisciplinar
baseado nas teorias sexuais, na crítica pós-colonial, nos estudos e teologias da
homossexualidade, nos estudos marxistas, na filosofia continental e na teologia sistemática.
Para entender a obra de Althaus-Reid, é fundamental perceber sua ligação com as lutas
populares de sua época, principalmente pelos períodos ditatoriais das décadas de 1960 e 1970.
A autora afirma que lança mão de um instrumental marxista de compreensão do mundo, por
meio do materialismo histórico (ALTHAUS-REID, 2008). No intuito de explicar sua teologia
engajada com as lutas sociais, ela apresenta uma metáfora sobre cadeiras ao redor da mesa.

A metáfora de uma grande mesa eucarística, cercada de cadeiras suficiente para


todos(as), não é apenas uma imagem fraternal, mas uma metáfora econômica de
inclusividade preocupada com a criação de um modelo alternativo de sociedade
participativa. Ou seja, de uma sociedade onde pão e vinho não serão o produto de
condições de trabalho exploradoras, mas, ao contrário, o fruto do trabalho libertador
de comunidades em que pão e vinho sobre a mesa serão um direito (ALTHAUS-
REID, 2006, p. 456).

Althaus-Reid transita entre o discurso teológico e o social como sendo uma via de mão
dupla, na qual a luta pela libertação econômica passa pela libertação teológica dos corpos. Seu
contexto pessoal, tendo nascido na periferia da Argentina, e vivido os golpes de 1966 e 1976,
que estabeleceram ditaduras naquele país, é importante para que houvesse uma abertura
pessoal à causa dos pobres e marginalizados. Ela conta (2005, p. 16, tradução nossa) 24: “fui

24 Fui [...] una pobre mujer de las calles de Buenos Aires, y soy suficientemente indecente para poder
reflexionar con honradez teológica sobre cuestiones que afectan a la mujer, sobre la pugna económica, las
imágenes de Dios y el fluir de los deseos sexuales.
96

[...] uma mulher pobre das ruas de Buenos Aires, e sou suficientemente indecente para refletir
com honestidade teológica sobre questões que afetam as mulheres, sobre a luta econômica, as
imagens de Deus e o fluxo dos desejos sexuais”. Assim, a Teologia da Libertação foi de
grande importância para que ela se aproximasse de Deus, da igreja e dos outros. Entretanto,
coloca-se como crítica dessa.
Para Althaus-Reid, a Teologia da Libertação tem como sujeito teológico os pobres
campesinos, rurais; entretanto, deveria acionar outros sujeitos teológicos, como os pobres das
metrópoles, aqueles que terminam seu dia em um “bar de salsa”. A Teologia da Libertação,
para a autora, é uma teologia decente – centrada na autorização dos grandes discursos
religiosos políticos de autoridade na América Latina, que inscrevem Jesus em um sistema
teológico simbólico fechado, predeterminado e obstinado.
A autora apresenta uma demitologização da Teologia da Libertação, na qual
compreende o sujeito dessa teologia como sendo um sujeito mítico, um pobre – sem gênero,
sem corpo e sem sexualidade. Para ela, existe uma lacuna entre as ideologias incontestadas e a
realidade crítica que deve ser desvelada. Afinal, “desvelar ideologias, incluindo as sexuais,
ajuda-nos a continuar redescobrindo a face de Deus entre nós” (ALTHAUS-REID, 2005, p.
466).
Nesse sentido, a sexualidade é um fundamento crítico à ideologia que se apresenta,
inclusive, na Teologia da Libertação. A sexualidade importa, “primeiramente contestando
formações ideológicas na Igreja e na teologia, e em segundo lugar restaurando a mensagem
verdadeira do Evangelho mediante uma práxis de justiça entre o Povo de Deus” (ALTHAUS-
REID, 2006, p. 462).
A sexualidade, segundo Foucault (2015), dá-se por meio de um “dispositivo de
sexualidade”. Segundo Miskolci (2012), dispositivo é um termo que se refere ao conjunto de
discursos e práticas sociais que criam uma problemática social, uma pauta para políticas
governamentais, discussões teóricas e até mesmo embates morais. O dispositivo de
sexualidade leva em consideração as relações de poder. Por poder, Foucault (2015) entende
que é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada.
Segundo ele (2015, p. 101), “o poder está em toda parte; não porque englobe tudo e sim
porque provém de todos os lugares” (micropoder). O poder se dá em forma de domínio, que
se manifesta, por exemplo, na histerização do corpo da mulher, na pedagogização do sexo da
criança, na socialização das condutas de procriação e na psiquiatrização do prazer perverso.
Para Foucault (2015), a relação entre o sexo e o poder é de repressão. Em um regime
de poder-saber-prazer reprimido, somente uma revolução poderia liberá-lo, por meio da
97

“transgressão das leis, da suspensão das interdições, da irrupção da palavra, da restituição do


prazer ao real, e de toda uma nova economia dos mecanismos de poder; pois a menor eclosão
da verdade é condicionada politicamente” (FOUCAULT, 2015, p. 9). Importante a
compreensão do regime poder-saber-prazer como reprimido, pois sendo o sexo reprimido, ele
está fadado à proibição, assim “o simples fato de falar dele e de sua repressão possui como
que um ar de transgressão deliberada” (FOUCAULT, 2015, p. 11). A tradição cristã mantém
discursos disciplinadores em relação à sexualidade, por meio dos quais a repressão da
sexualidade como ato e como tema de discussão participam do que Foucault (2015) nomeia
de “hipótese repressiva”. Essa hipótese diz respeito à repressão sexual que, segundo o autor, é
marcadamente histórica, teórica e política.
Para o filósofo, uma hipótese repressiva tem por consequência a “incitação dos
discursos” e a “implantação perversa” (repressão, interdição e exclusão):

Ora, uma primeira abordagem feita desse ponto de vista parece indicar que, a partir
do fim do século XVI, a “colocação do sexo em discurso”, em vez de sofrer um
processo de restrição, foi, ao contrário, submetida a um processo de crescente
incitação; que as técnicas de poder exercidas sobre o sexo não obedeceram a um
princípio de seleção rigorosa, mas, ao contrário, de disseminação e implantação das
sexualidades polimorfas e que a vontade de saber não se detém diante de um tabu
irrevogável, mas se obstinou – sem dúvida através de muitos erros – em construir
uma ciência da sexualidade (FOUCAULT, 2015, p. 18).

A sexualidade, dentro dessa hipótese repressiva, acaba por instigar o discurso sobre
ela. Assim, a incitação dos discursos, apresentada por Foucault, afirma que “em torno e a
propósito do sexo há uma verdadeira explosão discursiva” (FOUCAULT, 2015, p. 19). Para
ele, o cerceamento das regras de decência provocou, provavelmente, como contra-efeito, uma
valorização e uma intensificação do “discurso indecente” (p. 20).
Em uma análise sobre o discurso da sexualidade no ambiente religioso cristão,
Foucault explica que a carne é a origem de todos os pecados. Diz o Evangelho de Mateus,
capítulo 26, versículo 41: “Vigiai e orai, para que não entrei em tentação, pois o espírito está
pronto, mas a carne é fraca”. Para Foucault, a carne é um modo de subjetivação, pois, em um
ambiente cristão, ela “surge como crucial na penitência e na vida ascética para dar conta de
uma triangulação importante: a remissão do mal, a manifestação da verdade e a descoberta de
si”. Assim, a produção de um sujeito de desejos é marcadamente tensionada pelo discurso
cristão, que promove a dissociação entre o corpo e a carne. Segundo Foucault (2015, p. 23),
“a pastoral cristã inscreveu, como dever fundamental, a tarefa de fazer passar tudo o que se
relaciona com o sexo pelo crivo interminável da palavra”.
98

Os discursos analíticos sobre o sexo são administrados pela igreja, como também pela
medicina, pela psiquiatria e pela justiça penal. A repressão da prática e do discurso sobre a
sexualidade culminou em uma “implantação perversa”. Segundo Foucault (2015, p. 41), “até
o final do século XVIII, três grandes códigos explícitos regiam as práticas sexuais: o direito
canônico, a pastoral cristã e a lei civil. Eles fixavam, cada um a sua maneira, a linha divisória
entre o lícito e o ilícito”. O poder dos reguladores criou as sexualidades periféricas, pois, o
que não se enquadrava nas heterogeneidades sexuais era veementemente rechaçado.

O poder funciona como um mecanismo de apelação, atrai, extrai essas estranhezas


pelas quais se revela. O prazer se difunde através do poder cerceador e este fixa o
prazer que acaba de desvendar. O exame médico, a investigação psiquiátrica, o
relatório pedagógico e os controles familiares podem, muito bem, ter como objetivo
global e aparente dizer não a todas as sexualidades errantes ou improdutivas, mas na
realidade, funcionam com mecanismos de dupla incitação: prazer e poder. [...]
Captação e sedução; confronto e reforço recíprocos: pais e filhos, adulto e
adolescente, educador e alunos, médico e doente, o psiquiatra com sua histérica e
seus perversos não cessaram de desempenhar esse papel desde o século XIX. Tais
apelos, tais esquivas, incitações circulares não organizaram em torno dos sexos e dos
corpos, fronteiras a não serem ultrapassadas, e sim perpétuas espirais de poder e
prazer (FOUCAULT, 2015, p. 50).

Assim, o poder regulador cria o sujeito moderno, por meio de “espirais de poder e
prazer”. As fronteiras que limitam os corpos não são fronteiras fixas, pois a sexualidade as
flexibiliza em espirais que constroem a sexualidade e que por ela são construídas. Essa
relação dialética é fundamental para compreensão do sujeito sexual moderno; sujeito
discursivo (BUTLER, 2016), formado pela emergência linguística que o represente diante da
complexidade da vida.
O poder deve ser localizado no tempo e no espaço. No século XX há, segundo
Foucault (2015), um afrouxamento dos mecanismos de repressão.

Passar-se-ia das interdições sexuais imperiosas a uma relativa tolerância a propósito


das relações pré-nupciais ou extramatrimoniais; a desqualificação dos perversos teria
sido atenuada e sua condenação pela lei, eliminada em parte; ter-se-iam eliminado
em grande parte os tabus que pesavam sobre a sexualidade das crianças
(FOUCAULT, 2015, p. 125).

As camadas mais populares escaparam por mais tempo ao dispositivo de sexualidade,


até que vieram os problemas da natalidade e a moralização das camadas pobres. É aqui que
incide o biopoder que, segundo Preciado (2011), produz as disciplinas de normalização e
determina as formas de subjetivação, sendo assim, mecanismos reguladores e corretivos. Ele
dá-se por meio de agenciamentos concretos, que constituem a grande tecnologia de poder.
A apresentação da compreensão foucaultiana de sexualidade é importante dentro do
debate da presente tese, pois ele é um fundamento teórico imprescindível para as discussões
99

propostas pela teologia de Althaus-Reid. A teóloga vai ao encontro das proposições


foucaltianas sobre o dispositivo de sexualidade e sobre o biopoder ao elaborar uma teologia
que pense a partir, também, desses mecanismos. Por isso, a sua Teologia Indecente propõe
perversões teológicas no sexo, no gênero e na política:

Teologia indecente nada mais é do que aquela que questiona e desnuda as camadas
míticas da opressão múltipla na América Latina, uma teologia que tomando o ponto
de partida na encruzilhada da Teologia da Libertação e do pensamento queer se
refletirá sobre a opressão econômica e teológica com paixão e imprudência. Uma
teologia indecente questionará o tradicional campo latino-americano da decência e a
ordem que permeia e sustenta as múltiplas estruturas (eclesiológica, política e
amorosa) da vida em meu país, Argentina, e em meu continente (ALTHAUS-REID,
2005, p. 12, tradução nossa 25).

Pensando em seu país e em seu continente, Althaus-Reid propõe uma teologia


contextual, ou seja, uma teologia “com os olhos abertos”. Segundo Gebara (1997, p. 67), a
contextualidade “admite estarmos sempre abertas(os) aos novos referenciais que a história e a
vida mais ampla nos sugerem”. Em uma proposta epistemológica ecofeminista, Gebara
explica que o contextual não implica na absolutização da forma de conhecimento, admitindo,
assim, sua provisoriedade histórica. Assim, uma teologia contextual busca referir-se ao
contexto de cada grupo humano. As dúvidas e as respostas surgem em contextos específicos,
mantendo a tensão entre o caráter regionalista e o caráter universalista do conhecimento.
Ao aproximar-se dos Estudos Queer, a Teologia Indecente requer ser uma teologia
contextual de gênero que se distancie de uma teologia branca, ocidental, antropocêntrica,
androcêntrica e heterossexual. Nesse sentido, os Estudos Queer têm uma contribuição
fundamental para a Teologia Queer ao incluírem o mundo da vida e da religião dos dissidentes
sexuais. Não absolutizando a forma de conhecimento, admitindo, assim, sua provisoriedade
histórica, a proposta contextual de Althaus-Reid busca referir-se ao contexto de um grupo
humano específico. “O cotidiano das pessoas sempre nos dá um ponto de partida para o
processo de configuração de uma teologia contextual sem exclusões, neste caso, sem excluir a
sexualidade que se discute em meio à miséria” (ALTHAUS-REID, 2005, p. 15, tradução
nossa)26.
A compreensão de Althaus-Reid sobre teologia é de uma “arte incoerente”:

25 Teología indecente no es sino la que cuestiona y desnuda las míticas capas de opresión múltiple en
Latinoamérica, una teología que tomando el punto de partida en la encrucijada de la teología de la liberación y
el pensamiento queer se reflejará en opresión económica y teológica con pasión e imprudencia. Una teología
indecente cuestionará el campo latino americano tradicional de la decencia y el orden que impregna y sostiene
las múltiples estructuras (eclesiológicas, políticas y amatorias) de la vida en mi país, Argentina, y en mi
continente.
26 La vida cotidiana de la gente nos aporta siempre un punto de partida para el proceso de configurar una
teología contextual sin exclusiones, en este caso, sin excluir la sexualidad que se debate en mitad de la miseria.
100

Teologia é basicamente uma arte incoerente. Se usássemos uma metáfora inspirada


no Novo Testamento, diríamos que a teologia é a arte de se deitar na cama com
Deus, embora evitando o sexo pleno. Afinal, é a primeira coisa que a fé cristã nos
ensina: que o início da relação histórica entre Deus encarnado e a humanidade se
encontra na metáfora de ir para a cama com Deus pela primeira vez (e única) e sem
camisinha. Assim foi a experiência de Maria. Se a primeira Eva tem uma inclinação
fetichista por uma cobra, a segunda optou por sexo desprotegido com um Deus-
nuvem. As metáforas sexuais que determinam o início das construções simbólicas
religiosas são assim, caóticas, imprevisíveis e imorais (ALTHAUS-REID, 2005, p.
40, tradução nossa27).

A arte aqui é a manifestação criativa do ser humano. Do latim ars, arte é a capacidade
de criar algo, entretanto, é do grego tékne que ela apresenta importantes características para
este estudo. Segundo Morando (2019)28, tékne deriva a palavra “técnica” na língua
portuguesa, no sentido de “elaboração criativa, de domínio do técnico sobre a criação, da
originalidade e do potencial de reflexão sobre o próprio ato de criação e o contexto que o
cerca”. Nesse sentido, enquanto a arte como ars garante a continuidade da criação, a arte
como tékne garante sua ruptura.
Althaus-Reid cria – ou recria – sua imagem de Deus. Permite que Deus seja achado
encarnado e pleno de desejos. Os desejos do Deus-humano vão ao encontro do humano-Deus,
que, por meio de sua corporeidade, compreende o mundo. A arte incoerente de Althaus-Reid é
criada em meio à tensão moral. Ousar ir para a cama com Deus é a invocação de uma
intimidade que toca os limites estabelecidos pelo cristianismo hegemônico. A tradição cristã
coloca Deus em um trono, a ousadia artística teológica o leva para a cama.
A autora relê as narrativas bíblicas, como o encontro de Eva com a serpente, narrado
no livro de Gênesis, capítulo 329. Aqui, Eva estabelece uma relação de fetichismo com a
serpente. Fetiche, segundo Botti (2003), tem origem no francês fétiche, que vem do latim
facticius, que significa “artificial, fictício”. Etimologicamente, um fetiche era um material ao

27 La teología es básicamente un arte incoherente. Si fuéramos a usar una metáfora inspirada en el Nuevo
Testamento diríamos que la teología es el arte de meterse en cama con Dios aunque evitando el sexo pleno.
Después de todo, es lo primero que la fe Cristiana nos enseña: que el comienzo de la relación histórica entre
Dios encarnado y la humanidad se encuentra en la metáfora de encamarse con Dios por primera (y única) vez y
sin condón. Así fuera la experiencia de María. Si la primera Eva tevé inclinación fetichista por una serpiente, la
segunda optó por el sexo desprotegido con un Dios-nube. Las metáforas sexuales que determinan los inicios de
las construcciones simbólicas religiosas son así, caóticas, imprevisibles e inmorales.
28
Esta importante contribuição foi apresentada pelo professor Dr. Luiz Morando, por ocasião da defesa desta
tese, em 29 de novembro de 2019.
29 (Todos os textos bíblicos da pesquisa são da Bíblia de Jerusalém). Gênesis 3: 1-6 “A serpente era o mais
astuto de todos os animais dos campos, que Iaweh Deus tinha feito. Ela disse à mulher: ‘Então Deus disse: Vós
não podeis comer de todas as árvores do jardim?’A mulher respondeu à serpente: ‘Nós podemos comer do fruto
das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Dele não comereis, nele
não tocareis, sob pena de morte”. A serpente disse então à mulher: ‘Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no
dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal’. A
mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que essa árvore era desejável para adquirir
discernimento. Tomou-lhe do fruto e comeu. Deu-o também a seu marido, que com ela estava, e ele comeu.”
101

qual se atribuía poderes mágicos ou sobrenaturais. Na psicanálise, o termo fetichismo é


utilizado para relatar um desvio sexual para algo, como parte do corpo (pés/podolatria), lugar,
objeto etc. O facticius deu origem ao feitiço português. Assim, o fetiche ao qual Althaus-Reid
se refere poderia ser esse enfeitiçamento pelo qual Eva foi submetida pela serpente, a qual
tinha poderes “mágicos” de falar com o ser humano. A escolha da autora pelo verbete não é
inocente. Ela usa um termo tradicionalmente usado em contexto sexual (fetiche), como por
exemplo, o sadomasoquismo, para tratar de um mito bíblico (a conversa entre a serpente e
Eva). A sexualidade se torna uma chave de leitura bíblica que interpreta o texto e o
ressignifica.
Outro texto usado por Althaus-Reid para explicar a teologia como essa “arte
incoerente” foi o da gravidez de Maria30. Em um diálogo de Maria com um anjo, ele afirma
que ela ficará grávida de Deus, por meio de seu Espírito Santo. Para Althaus-Reid, a narrativa
fala de um encontro sexual entre Maria e Deus, no qual os dois vão para a cama – e sem
preservativo –, já que o objetivo do sexo seria a gravidez. Tradicionalmente, o texto bíblico é
higienizado de todas as metáforas sexuais que o compõe, por isso, à primeira vista poderia ser
considerada como heresia uma leitura que propõe sexualizar o próprio Deus. Entretanto, a
teóloga faz isso com liberdade artística, que tensiona o que está escrito e como foi lido o texto
no passar dos séculos.
Para a autora, em uma perspectiva moral, a teologia produziu a culpa, mas não o
reconhecimento da vida sexual. Por isso, ela propõe o que chama de indecentamiento, verbete
que foi traduzido por Mora Grisales (2016) por “indecentar”. Indecentar a teologia é uma
“proposta radical de questionamento à base heterossexual da teologia, da economia e da
política. Não se trata, porém, de substituir um discurso pelo outro, mas de quebrar a ‘máquina
produtora’ (AGAMBEM, 201431) de decências enquanto dispositivos de controle” (MORA
GRISALES, 2016, p. 106).
Musskopf (2012) compreende o indecentamiento, o queerness, o queering como
“ambiguidade”. O teólogo amplia o escopo do verbete proposto por Althaus-Reid ao atribuir a
ele uma própria significação ambígua, explicando-o como um conceito que transita entre a
resistência e o espaço de produção de sentido:

30 Lucas 1: 30 “‘Não temas, Maria! Encontraste graça junto a Deus. Eis que conceberás no teu seio e darás luz a
um filho, e o chamarás como o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor
Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará na casa de Jacó para sempre, e o seu reinado não terá fim’.
Maria, porém, disse ao anjo: ‘Como é que vai ser isso, se eu não conheço homem algum?’ o Anjo lhe respondeu:
‘O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a sua sombra; por isso o Santo que nascer
será chamado Filho de Deus’”.
31 AGAMBEM, Giorgio. Nudez. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
102

Compreende-se a ambiguidade como, em primeiro lugar, uma forma de resistência a


um sistema, seja ele qual for, que estabelece regras e padrões de comportamento que
acabam por gerar privilégios para aqueles e aquelas que se enquadram nestes
padrões, ansiedade entre aqueles e aquelas que lutam arduamente para atingir suas
exigências e marginalização para aqueles e aquelas que, por assumirem a “exceção”
ou a “ambiguidade” como parâmetro para construção de sua identidade e condução
de sua vida, são excluídos/as dos centros de poder e dos meios de produção do
conhecimento. Tal resistência, no entanto, não é compreendida simplesmente como
um ato de “suportar” uma realidade adversa e opressora, embora “suportar” muitas
vezes seja a única possibilidade. Mas, além de pensar a “ambiguidade” como um ato
de resistência, quer-se também enfocá-la, em segundo lugar, como um espaço (ou
como espaços – no plural) de produção de sentido que extrapola os limites impostos
por sistemas hegemônicos, funda uma outra lógica e abre a possibilidade para outras
formas de conhecimento e reflexão teórica (MUSSKOPF, 2012, p. 220).

O conceito de ambiguidade proposto por Musskopf se torna ambíguo em si mesmo,


permitindo um estranhamento característico do queer. Ele cria seu conceito a partir de
“itinerários teológicos”, que o permitem transitar em teorias a partir de si mesmo, ao assumir-
se cristão e gay. Althaus-Reid também permite essa construção teórica a partir de si, propondo
um indecientamiento que transforme sua teologia e a si mesma em um encontro hermenêutico
entre a teoria e a vida.
O indecentamiento pressupõe uma suspeita das categorias dadas. Para Mora Grisales
(2016, p. 115),

a suspeita como método indecente de Marcella, vai além da suspeita aplicada aos
textos bíblicos. Esta suspeita consegue entrar em todos os cômodos: olhar nas
gavetas das calcinhas e das cuecas, levantar a saia de Deus, revirar a cozinha e até
espiar no banheiro. Trata-se, pois, de uma completa invasão no lar da decência.
Suspeita de discursos, narrativas, imaginários, símbolos, orações e rituais. Suspeita
de Deus, da trindade, de Jesus, do céu, do inferno, da masculinidade, da
feminilidade, suspeita da virgem Maria e suspeita das alianças entre capitalismo e
cristianismo. Suspeita das narrativas de conquista, descobrimento e até dos discursos
de libertação.

A hermenêutica da suspeita é um dos fundamentos utilizado pela Teologia Feminista.


Para Gebara (2007), essa suspeita é “a desconfiança e a dúvida em relação às afirmações
tomadas como verdades absolutas em relação aos seres humanos e ao mundo. [...] Por isso, a
suspeita, como método hermenêutico, atingiu a teologia em diferentes níveis” (GEBARA,
2007, p. 33). A chamada “hermenêutica da suspeita” permeia as “revisões das interpretações
existentes dos Textos Sagrados e a proposição de novas interpretações” (ROSADO-NUNES,
2006, p. 294).
Segundo Schüssler-Fiorenza (2009), a hermenêutica da suspeita é contrária à
apreciação e ao consentimento comumente requeridos à leitura das escrituras. Os Textos
Sagrados não são considerados a partir de uma pretensa autoridade divina, mas sim são
analisados em relação às funções ideológicas que desempenham no interesse da dominação. A
103

preocupação desse instrumental hermenêutico está em perceber as maneiras “distorcidas”


pelas quais as presenças e práticas das mulheres estão construídas e representadas. Busca-se
pelas funções ideológicas dos textos e de suas interpretações. Segundo Schüssler-Fiorenza
(2009), a hermenêutica da suspeita analisa criticamente as estratégias dominantes da produção
de sentido.

A melhor maneira de entender a hermenêutica da suspeita é como uma prática


desconstrutiva de pesquisa que desnaturaliza e desmistifica as práticas linguístico-
culturais de dominação, e não como a remoção, camada por camada, de sedimentos
culturais que esconderiam ou reprimiriam uma “verdade mais profunda”
(SCHÜSSLER-FIORENZA, 2009, p. 198).

A Teologia Feminista da Libertação, com seu método de suspeita, é base do


pensamento althaus-reidiano, entretanto também é alvo de suas críticas. Segundo a autora,
essa teologia propõe uma mulher ideal, uma “Maria” ideal. “O discurso sobre a Virgem Maria
construiu a realidade latino-americana. O resultado foi que a mariologia das mulheres latino-
americanas responde à moda teológica do evangelho e da cultura que parece considerar que os
espaços culturais estão fora do âmbito econômico-sexual” (ALTHAUS-REID, 2005, p. 57,
tradução nossa32).
Para ela, essa teologia é proveniente do subdesenvolvimento da análise materialista de
gênero, que desconsidera as diferenças, em uma pretensa universalização categórica da
mulher. Maria seria esse estereótipo feminino, um mito de uma “mulher sem vagina”, um caso
de “feminicídio teológico”. A corporeidade da Maria é envolta em um manto que esconde
suas curvas, seus seios, seu sexo, construindo um dogma ordenador da realidade e da
experiência das mulheres no continente. Maria é, para Althaus-Reid, esse mito criador da
decência teológica que rege não somente as experiências homossexuais, como também as
heterossexuais. “Decência é o nome da heterossexualidade latino-americana de armário, ou
seja, da suposição de que mesmo a heterossexualidade pode ser moldada de acordo com uma
prescrição, o que não é verdade” (ALTHAUS-REID, 2005, p. 71, tradução nossa33).
A hermenêutica da suspeita de Althaus-Reid propõe não somente o uso da categoria de
gênero como instrumento de análise, como também a sexualidade, o que considera um avanço
epistemológico. Essa hermenêutica sexual coloca sob suspeita a decência da tradição cristã
hegemônica. Para tanto, propõe um “círculo hermenêutico libertino”, baseado em sua leitura

32 El discurso sobre la Virgen María construyó la realidad latinoamericana. El resultado fue que la mariología
de las mujeres latinoamericanas responde a la moda teológica de evangelio y cultura que parece considerar que
los ámbitos culturales quedan fuera de los económicos sexuales.
33 Decencia es el nombre de la heterosexualidad latinoamericana de armario, es decir, del supuesto de que
incluso la heterosexualidad puede ser moldeada según receta, lo cual no es verdad.
104

dos escritos eróticos de, por exemplo, Marques de Sade. Segundo Mora Grisales (2016, p.
117),

a autora apela ao uso hermenêutico dos textos de Sade para mostrar, por exemplo,
como os excessos, entre os quais se encontram detalhadas orgias imaginadas, podem
interpelar ideias totalitárias como a obediência. Trata-se de aprender o jogo teórico-
discursivo e subverter através de excessos. [...] Segundo a autora, uma olhada à
paisagem libertina epistemológica de Sade pode conectar com os próprios contextos
epistemológicos e nos permitir questionar a teologia e pensar criticamente as
relações nas quais participamos.

O método hermenêutico de Althaus-Reid dialoga com a poesia, com a literatura.


Seguindo essa proposta de intertextualidade, Boehler (2013) propõe uma leitura teológica
erótica a partir dos escritos de Marcella Althaus-Reid e de Adélia Prado. O encontro dessas
duas dá-se em um ambiente de indecentamiento, no qual a leitura de uma penetra a leitura da
outra, em uma íntima relação na qual a descoberta dá-se no encontro. Assim, o erótico é
compreendido como elemento teológico de acesso ao divino, pois percebe o corpo como o
caminho para a aproximação do humano com o Sagrado. Para Boehler, essa é uma outra
possibilidade teológica:

Com o resgate desta outra visão teológica, proponho, portanto, a interpelação sob
novo prisma de verdades e certezas constituídas a partir de paradigmas excludentes e
essencialistas, permitindo assim a reconfiguração de determinadas questões e
problemas, relacionadas nas transformações das identidades e culturas de gênero.
Esta outra vertente possibilita interrogar-nos criticamente sobre a natureza da
teologia e da qualidade da nossa religiosidade, buscando alternativas teoricamente
fundadas para as respostas que damos a tais interrogações, desde o humano: corpo,
erótico e sexuado (BOEHLER, 2013, p. 45).

A compreensão desse corpo não mutilado, que é reservatório de desejos e fonte de


prazer, é fundamental para o método althaus-reidiano. Entretanto, vale a ressalva de que em
sua proposta de leitura da realidade, a partir de escritos eróticos e também da Bíblia, por meio
de um processo de indecentamiento, não se baseia, necessariamente, em uma hermenêutica ou
exegese “leitura libertária” das escrituras. Segundo Mora Grisales (2016, p. 119), “a autora
não busca legitimidade na Bíblia. Ao invés disso [...], há uma denúncia sobre os textos
bíblicos e sua produção de narrativas jurídico-teológicas que funcionam para regular os
corpos, fixando sentidos e papéis atemporais”. A Teologia Indecente permite construções
teológicas que se distanciem do texto como mediador da relação do humano com o Sagrado.
Por diversas vezes, a Bíblia foi alvo de desconstruções e releituras com o objetivo de
garantir que fosse nela achada exemplos de experiências homoeróticas (Davi e Jonatas, Rute e
Noemi) e de não condenação da homossexualidade (releitura de Gênesis 19, por exemplo).
105

Entretanto, o que Althaus-Reid propõe está para além disso, pois não pergunta “o que a Bíblia
diz sobre a homossexualidade?”, mas sim “o que a minha vida diz sobre a Bíblia?”34.
Partindo da vida, Althaus-Reid introduz uma nova teologia a partir da margem do
desvio sexual e da exclusão econômica. A Teologia Indecente propõe-se reescrever a
ideologia, a teologia e a sexualidade, por meio do método de indecentiamento e da crítica às
epistemologias sexualmente hegemônicas. É uma teologia que se compreende como sendo
uma continuação da Teologia da Libertação, mas, ao mesmo tempo, uma ruptura com a
mesma, ao compreender que a opressão perpassa âmbitos não somente cristãos e políticos,
como também sexuais:

A teologia indecente é o oposto de uma teologia canônica sexual centrada na


regulação de práticas de amor, justificadas como normais por modelos de
infraestrutura econômica, onde tudo o que é deixado de fora da heterossexualidade
patriarcal hegemônica é desvalorizado e espiritualmente alienado (ALTHAUS-
REID, 2005, p. 21-22, tradução nossa35).

A economia da sexualidade necessita de uma análise materialista da questão, pois,


segundo a autora, os sistemas econômicos são sistemas religiosos representados por relações
sociais. Além disso, existem alianças teológicas de poder entre a igreja e o mercado. Althaus-
Reid explica que, “nisto entra a sexualidade, porque falo da marca que determina a produção e
troca de mercadorias, mas também a produção e troca de desejos, afeições e amor”
(ALTHAUS-REID, 2008, p. 58, tradução nossa36). Existe uma economia da sexualidade que
regula as relações, inclusive no âmbito da religião, porque é nela que a heteronormatividade é
substancial para uma ideologia sexual, que se tornou um ídolo no cristianismo hegemônico.
Althaus-Reid (2008) explica que a heterossexualidade se comporta como uma ideologia,
compreendendo esta como um conjunto de ideias e crenças que promovem a base de alguma
ação social organizada.

As ideologias, de acordo com Marx, substituem o mundo da experiência pelo mundo


das ideias. Se a experiência dos seres humanos, suas necessidades e sua felicidade
são opostas às ideias, então as ideias são sempre escolhidas. Os seres humanos
devem se adaptar às ideias e não vice-versa. (Isso é o que Marx chamou de processo

34 Essa conclusão assemelha-se a proposta por Mora Grisales (2016), que diz que a teologia sexual não
perguntaria “O que Jesus diz sobre minha sexualidade?” e sim: “O que minha sexualidade (do jeito que é) diz
sobre Deus, sobre Jesus, sobre a salvação?”.
35 La teología indecente es lo opuesto a una teología canónica sexual centrada en la regulación de las prácticas
amatorias justificadas como normales por modelos de infraestructura económica donde todo lo que queda fuera
de la heterosexualidad patriarcal hegemónica es devaluado y espiritualmente alienado
36 en esto entra la sexualidad, porque hablo del marcado que determina la producción y el intercambio de
bienes pero también la producción e intercambios de deseos, afectos y de amor.
106

de reificação ou coisificação.) E a heterossexualidade se comporta como uma


ideologia hegemônica (ALTHAUS-REID, 2008, p. 61, tradução nossa 37).

Assim, rompendo com a ideologia vigente, sua proposta indecente prevê uma
mudança da estrutura sexual, por meio da crítica aos binarismos – certo e errado, moral e
imoral, sagrado e profano –, em um processo de exposição que “tira a roupa íntima da
teologia heterossexual”. A autora explica que a princípio, nomeou sua teologia de “fora do
armário”, entretanto logo passou a chamá-la de “uma teologia sem roupa interior”. Primeiro,
porque não pressupõe uma suposta neutralidade teológica sexual, mas compreende a
necessidade de uma teologia que declare abertamente seus interesses sexuais, denunciando,
assim, a formação ideológica sexual no cristianismo. Segundo, porque questiona o papel da
teóloga e sua integridade teológica com relação ao seu contexto de sexualidade, ampliando a
suspeita por meio de uma hermenêutica que radicalize propostas anteriores (ALTHAUS-
REID, 2008).
Assim, a autora resiste aos discursos da religião hétero-hegemônica, pois acredita que
as construções econômicas e políticas se dão por meio da experiência sexual ou da
interpretação que a ela se dá. A “teologia é um ato sexual” que intervém diretamente na
construção ideológica de Deus, preocupando-se com as regulações e discursos controladores
baseados em “alienações heterossexuais”, que naturalizam o debate da sexualidade e da
decência (ALTHAUS-REID, 2008).
Althaus-Reid propõe uma teologia “sem roupa interior”, na qual o sujeito sexual é o
alvo da práxis teológica. Importante ressaltar que esse sujeito sexual não é apenas o desviante
sexual, pois a heterossexualidade também é aprisionada por meio de padrões fixados de
masculinidade e feminilidade. Segundo a teóloga (2005, p. 53, tradução nossa38), “as pessoas
heterossexuais na América Latina também vivem em armários asfixiantes”. Existem padrões
sociais de como ser mulher e como ser homem que engessam as possibilidades de experiência
de ser. Ao homem, por exemplo, é ensinado que não deve chorar; à mulher, que não deve
sentar de pernas abertas. Em um fluxo padronizante, pessoas heterossexuais são reduzidas a
estereótipos de gênero. A Teologia Indecente, nesse sentido, pretende ser libertária, por meio
“mudanças revolucionárias” que possibilitem ao ser sexual a vivência plena de sua
sexualidade e de sua identidade de gênero.

37 Las ideologías, de acuerdo con Marx, remplazan el mundo de la experiencia por el mundo de las ideas. Si la
experiencia de los seres humanos, sus necesidades y su felicidad se contraponen a las ideas, entonces se opta
siempre por las ideas. Los seres humanos deben adaptarse a las ideas, y no viceversa. (A esto Marx lo llamó
proceso de reificación o de cosificación.) Y la heterosexualidad se comporta como una ideología hegemónica.
38 Las personas heterosexuales en Latinoamérica también viven en asfixiantes armarios.
107

Partindo das margens da imprecisão e da incompatibilidade, a autora propõe um


processo de conscientização, que implica no questionamento de problematização das
realidades dadas. Para ela, a justiça caminha com a sensualidade e com o amor: “Não há
hímen que as separe” (ALTHAUS-REID, 2005, p. 100, tradução nossa39)! Essa é uma
teologia membranosa, que põe em dúvida a estabilidade do sistema teológico e sexual, afinal
“a teologia nunca é ingênua, nem inocente, nem neutra do ponto de vista sexual” (p. 127,
tradução nossa40).
Na prática, a autora propõe, por exemplo, a homoerotização de Jesus. Ela levanta
suspeitas sobre Jesus não para afirmar que é gay, mas para flexibilizar o que é dado. “Jesus
pode ser, então, uma bicha, ou um (sic) travesti” (ALTHAUS-REID, 2005, p. 102, tradução
nossa41). Para isso, usa o que chama de “princípio da imaginação teológica”, com o objetivo
de provocar uma ruptura nas identificações imaginativas do que é tradicionalmente
naturalizado. Assim, Jesus pode converter-se em um Jesus gay para se identificar com os
gays: “Se Deus ou Jesus Cristo não podem ser chamados de bichas é simplesmente porque
não podemos ver o divino fora das estruturas reducionistas de uma teologia sexual sistemática
que pouco sabe do amor fora dos sistemas regulatórios decentes das categorias sexuais
controláveis” (ALTHAUS-REID, 2005, p. 103, tradução nossa42).
Assim, a Teologia Indecente permite a compreensão queer do/no Sagrado, porque não
objetiva a compreensão de modelos dados, mas sim de identidades flexíveis e maleáveis. A
“imaginação teológica” não só subverte o divino, como também os pensamentos e as relações
das pessoas com as instituições, permitindo um “voyeurismo” da vida de Jesus, da igreja e das
relações de poder. O voyeurismo permite uma obscenização das relações, por meio de um
exibicionismo que revela as realidades e as estéticas castradas pelo cristianismo. Assim, a
Teologia Indecente é uma possibilidade obscena de criação de novas possibilidades de relação
com o Sagrado. Segundo Cascais (2017), as sexualidades queer – comumente reduzidas à
homossexualidade – foram sujeitas a um processo de obscenização que fez com que sua
representação fosse reduzida a uma imagem pornográfica.
Um exemplo de obscenidade é o “bi-Cristo” de Althaus-Reid: “Tomemos, por
exemplo, a afirmação de que Jesus era ‘amigo de pecadores e prostitutas’, não implicaria que
ele compartilhasse sua vida, então, com eles? [...] Jesus também deve ter tido algo de pecador

39 No hay himen que las separe.


40 [...] la teología no es nunca inocua ni inocente ni neutra desde el punto de vista sexual.
41 Jesús puede ser, pues, un marica, o un (sic) travesti.
42 Si Dios o Jesucristo no pueden ser llamados maricas es simplemente porque no podemos ver lo divino fuera
de las estructuras reduccionistas de una teología sexual sistemática que poco sabe de amor fuera de los sistemas
reguladores decentes de las categorías sexuales controlables.
108

e de prostituta, se ele gostava de sua companhia” (ALTHAUS-REID, 2005, p. 162, tradução


nossa43). Para a Teologia Indecente, Jesus pode ter sido tudo, inclusive heterossexual. Mas
existem, ou devem ser criadas, outras narrativas para além da heterossexualidade de Jesus.
Essas suspeitas não querem chegar a uma presunção dos atos sexuais de Cristo, mas sim à
compreensão da heterossexualidade como economia, pauta sacralizada que organiza o
cristianismo hegemônico. “Bi-Cristo” remete a um Cristo bissexual, entretanto, é possível
sugerir que o conceito tangencie o que hoje é nomeado por “não-binário”, ou seja, um Cristo
que não apenas flerte com a heterossexualidade ou com a homossexualidade, mas com o
rompimento com os binarismos e as dicotomias. Como afirma a teóloga (2005, p. 168,
tradução nossa44), “na cristologia de um bi-Cristo consideramos duas coisas. Em primeiro
lugar, a realidade da identidade das pessoas fora do heterossexualismo (sic) e, em segundo
lugar, um modelo de pensamento para um Cristo mais amplo, fora dos limites binários”. A
ideia da cristologia a partir de um “bi-Cristo” é romper com as relações afetivas e econômicas
de monopólio, pois os binarismos implicam em uma hierarquia.
Compreendida pela própria autora como sendo uma teologia desviacionista e
pervertida, a Teologia Indecente ao propor um “bi-Cristo” percebe o corpo como espaço de
salvação, sendo contrária à disciplinarização dos corpos pelo dispositivo da
heterossexualidade45. O “bi-Cristo” é uma perspectiva teológica de avanço a uma teologia
liberacionista queer:

Essa é a principal diferença entre uma abordagem liberacionista de Deus e outra


indecente. Como já dissemos, alguns liberacionistas queer podem razoavelmente ver
em Jesus alguém com quem lésbicas saídas do armário e gays, bissexuais e
heterossexuais manifestos podem se identificar. Um passo muito positivo, mas uma
teologia indecente deve avançar em sua desconsideração às forças interpelativas e
normativas da teologia patriarcal. Deve ir além da identificação positiva como um
Cristo maior. Há de se ter o direito de dizer não apenas que uma lésbica pode se
identificar com um Cristo libertador, mas que também se deve desconstruir
sexualmente a Cristo (ALTHAUS-REID, 2005, p. 138, tradução nossa 46).

43 Tomemos, por ejemplo, el aserto de que Jesús era amigo de pecadores y prostitutas’ acaso no implicaría que
compartía su vida, pues, con ellos? [...] Jesús también debe de Haber tenido algo de pecador y prostituto, si
gozaba de su compañía.
44 En la cristología de un bi-Cristo consideramos dos cosas. En primer lugar, la realidad de la identidad de las
personas fuera del heterosexualismo y, en segundo, un modelo de pensamiento para un Cristo más amplio, fuera
dos limites binarios.
45 Aqui, Marcella Althaus-Reid se apropria do conceito de Adrienne Rich de “dispositivo de
heterossexualidade”, que é uma instituição política obrigatória.
46 Esta es la principal diferencia entre un enfoque liberacionista de Dios y otro indecente. Como hemos dicho,
algunos liberacionistas queer pueden razonablemente ver en Jesús a alguien con el que las lesbianas salidas del
armario e gays, bisexuales y heterosexuales manifiestos pueden identificarse. Un paso muy positivo, pero una
teología indecente debe avanzar en su desconsideración por las fuerzas interpelativas y normativas de la
teología patriarcal. Debe ir más allá de la identificación positiva con un Cristo más grande. Ha de tener el
109

O método de indecientamiento de Althaus-Reid deve ser entendido como “elemento de


paixão arrebatadora”, com o objetivo de organização sexual nas batalhas políticas. Primeiro,
determina os fragmentos, as fissuras e os elementos frágeis, segundo, escolhe diferentes atores
para essa produção evangélica. A epistemologia da autora propõe reescrever a ideologia, a
teologia e a sexualidade por meio de uma “per-versão” (outra versão, indecientamiento) dos
fatos. Perversão, do latim perversus e pervertere, segundo Morando (2019)47, perversão como
perversus tem o sentido de “virado, posto às avessas, feito contra a regra, desordenado; já
como pervertere tem o sentido de “virar às avessas, desordenar, deitar a perder, arruinar,
destruir, corromper, viciar”. Em ambos os casos, o tom transgressor é fundamental para
compreender a “per-versão” proposta pela teóloga.
É possível afirmar que existe um “princípio da perversão teológica” que inaugura e é
inaugurado pelo pensamento althaus-reidiano. A autora propõe o que chama de “per-versão”,
ou seja, uma outra versão da ideologia, da teologia e da sexualidade. O princípio da perversão
é o que inaugura a perspectiva teológica indecente de Althaus-Reid. Perversão, do latim
pervertere, tem um significado que aponta um desvio de conduta, principalmente no campo
da sexualidade, por causa dos escritos freudianos (perversão sexual). Para a medicina,
segundo Alberti (2005), a perversão é um conceito que compreende o desvio de uma função
normal, mais particularmente no que tange à esfera sexual. É o que Foucault (2015) chama de
“psiquiatrização do prazer perverso”. Althaus-Reid queeriza esse conceito, ou seja, subverte
por meio de uma apropriação positiva o que outrora era compreendido negativamente como
anormalidade.
Althaus-Reid é inaugurada pelo princípio da perversão teológica. Suas ideias, suas
propostas teológicas surgem a partir do momento que ela é pervertida por sua própria
realidade. A teóloga afirma-se bissexual em um contexto no qual os dispositivos de poder que
controlam sua sexualidade passam pelos discursos religiosos. Ela é pervertida pelas ditaduras
da Argentina, pela desigualdade social que assolava (e assola) a América Latina, pelo controle
biopolítico dos corpos. A teóloga observa a vida e a vida a perverte. Ela percebe que o poder
regulador criou sexualidades periféricas, pois, o que não se enquadrava nas heterogeneidades
sexuais era veementemente rechaçado. Assim, essas sexualidades periféricas passaram a
requerer dela uma perversão de seu pensamento construído sob a égide do tradicional discurso
cristão sobre a sexualidade.

derecho de decir no solo que una lesbiana puede identificarse con un Cristo libertador sino que también debe
desconstruir sexualmente a Cristo.
47
Esta importante contribuição foi apresentada pelo professor Dr. Luiz Morando, por ocasião da defesa desta
tese, em 29 de novembro de 2019.
110

Por outro lado, Althaus-Reid inaugura o princípio da perversão teológica. Ela perverte
a compreensão hegemônica de grandezas teologais, propondo uma outra compreensão do
Sagrado e de sua relação com o ser humano. A perversão é a sua chave de leitura, sua chave
de compreensão do mundo. É formatando sua perversão teológica que ela dá voz às versões
contra-hegemônicas do cristianismo, no qual a sua voz é uma delas.
Segundo Musskopf (2012, p. 204),

não se trata apenas de metáforas novas para estruturas teológicas antigas com o
intuito de chocar um discurso (nada) ingenuamente definido. São experiências
sexuais desviantes concretas que informam epistemologicamente um outro jeito de
pensar teologicamente. Sente-se o cheiro do sexo. Práticas como fetichismo,
sadomasoquismo e voyeurismo questionam epistemologias mais recatadas e
fornecem pistas metodológicas para tornar indecente/queer (indecenting/queering)
ou erotizar até a parte mais adormecida do corpo teológico tradicional. Trata-se de
uma teologia verdadeiramente “indecente”.

São as metáforas ou as imaginações althaus-reidianas que inauguram o princípio da


perversão teológica. Por meio delas, ela constrói um instrumental teórico capaz de perceber a
economia da sexualidade como construtora de normas reguladoras da experiência sexual. Por
isso, segundo Musskopf (2012, p. 205), “a teologia indecente/queer é também uma teologia
política que visa desestabilizar, através da subversão e desvio (deviancy), a teologia
sistemática tradicional e o sistema econômico capitalista globalizado, duas faces da mesma
moeda”.
O princípio da perversão teológica inaugura o método de indecientamiento de Althaus-
Reid, pois pensar a indecência na teologia configura uma perversão da própria compreensão
da sexualidade na religião. O indecientamiento valoriza elementos radicais que surgem da
marginalidade, como a perversão e a promiscuidade. Aqui, há uma substituição das
identidades fixas – cisheteroafirmadas – por identidades imprecisas e mutáveis. A pobreza e a
sexualidade se interpõem em uma crítica contrária à homogeneização das sexualidades dos
pobres. A tese da autora é a de que as sexualidades que marcam as periferias dos grandes
centros não eram o alvo inicial do repúdio religioso, mas sim os pobres. Por isso, o modo pelo
qual os pobres expressam e vivem sua sexualidade acabou se tornando alvo da moral cristã
majoritária. Fala-se em sexo somente depois do casamento, entretanto a juventude da periferia
começa cedo a relacionar-se sexualmente. Fala-se em aborto como pecado, mas as pobres das
periferias engravidam sem desejar e por isso o aborto se torna uma necessidade naquelas
comunidades:

A promiscuidade como uma categoria teológica queer nos faz pensar em amor e
também em economia. As promiscuidades mostram a força do amor entre os
111

diferentes padrões de relacionamentos amorosos em diferentes culturas na América


Latina, mas também a realidade dos excluídos (ALTHAUS-REID, 2003, p. 4,
tradução nossa48).

Nas periferias, as relações casuais e momentâneas são compreendidas pela autora


como relações divinas, pois o Sagrado também se manifesta na casualidade, no
descompromisso, no urgente, no agora. As pessoas que chamam os pobres de promíscuos
ignoram o vínculo do social e do espiritual que os unem. Nesses termos, para a autora (2005,
p. 460), “a promiscuidade poderia significar graça, isto é, amor fora da lógica da lei”.
Assim, o princípio da perversão teológica é a ruptura com a tradição hegemônica
cristã, por meio da indecência como conceito que reconstrói grandezas teologais, através da
inclusão da sexualidade como categoria de análise. Seu objetivo é uma outra versão do dado
teológico, por meio da valorização de narrativas do Sagrado que são feitas por sujeitos
desviantes da norma sexual. Sua consequência é uma teologia que des/reconstrói tanto a
imagem do Sagrado – e suas imagens de opressão – quanto a do sujeito teológico – e sua
sexualidade.
Althaus-Reid, por meio do princípio da perversão teológica, propõe não apenas uma
perversão da sexualidade dos pobres, como também uma análise teológica pervertida da
tradição cristã, como, por exemplo, dos elementos da Santa Ceia. Ela interpreta a Ceia como
um “fetiche” do pão e do vinho. E leva a refletir que se o pão é comido, ele também é
excretado. A ideia de um elemento sagrado sendo excretado subverte toda a lógica higienista
da religião. Ao Sagrado é destinado o espaço da reverência, do altar, da santidade, da
separação. É uma perversão teológica enunciar o Sagrado percorrendo todo o trato digestivo.
A ideia do Sagrado que passa pelo cu é, no mínimo, obscena. Obscenidade aqui não somente
como algo contrário à decência e ao pudor, mas contrário à lógica religiosa que cria um
sujeito religioso amputado, que não pode dispor de todo o seu corpo na experiência religiosa.
A menção de cu em um contexto religioso causa algum desconforto, mesmo para os
mais progressistas. O cu deve ser compreendido não somente como algo físico, mas como
linguagem. Isso porque a palavra cu não remete somente ao seu significado original, mas à
proibição, à negatividade, ao insulto. Afinal, como lembram Sáez e Carrascosa (2016, p. 29),
“você limpa-o (sic), mas, sempre, volta a se sujar”. Pensar em um Cristo que se suja pode
causar repulsa para alguns, mas libertação para outros. O Cristo que entra, que é degustado,

48 Promiscuity as a queer theological category makes us think about Love and also economics. Promiscuities
show the strength of love amongst the different patterns of loving relationships in different cultures in Latin
America, but also the reality of the excluded.
112

digerido, que percorre cada parte do corpo em uma unidade divina (“Eu e o Pai somos um”,
cf. João 10, 30, ou “Eu e o cu somos um”).
Mombaça (2015), a partir de Grada Kilomba49, explica que “a norma da
heterossexualidade compulsória produziu o cu como lugar de excreção e não-prazer”. Existe
uma territorialização arbitrária do corpo, que reduz o cu e as possibilidades de interpretação
desse órgão. Assim, para Mombaça (2015) “a interdição do cu nos corpos adequados à norma
heterocissexista torna possível a manutenção do gênero como ideal regulatório atrelado à
heterossexualidade como regime político”. O dispositivo de sexualidade que pressupõe a
manutenção do gênero como binários fixos, lança a mão de controles políticos por meio da
interdição do cu. Ou seja, o cu é aprisionado por um sistema que o pacifica e o reduz.
Tradicionalmente, o cu é símbolo do homossexual no contexto da religião cristã, pois a
pessoa acaba sendo reduzida a ele, ou a homossexualidade a uma homogenitalidade. Muitas
interpretações bíblicas sobre a homossexualidade acabam se inserindo neste contexto, pois
consideram como sendo pecado o ato, a prática sexual, e não o homossexual em si. Assim, por
exemplo, um homossexual que se abstém da prática sexual não seria pecador.
A redução da pessoa a seu cu, segundo Sáez e Carrascosa (2016), tem uma
identificação entre o direito e o sexo. O cu não seria considerado humano, então, a pessoa (o
homossexual) não é humana e, portanto, não é compreendida como cidadã de direitos. Essa
relação de poder que se estabelece na redução do humano é um caminho de violação de
direitos civis e, também, religiosos. A análise filosófica proposta por Sáez e Carrascosa (2016)
defende a tese de que por detrás da vigilância da sexualidade está a vigilância de classe.

O grave não é o ato em si da penetração, mas se quem a recebe é uma pessoa de


classe alta, um homem livre e, sobretudo, que desfrute com isso. O que escandaliza
não é o sexo em si, mas o deslizamento de classe social que supõe, o adotar uma
posição que só deve ter o escravo (SÁEZ; CARRASCOSA, 2016, p. 55).

Para os autores, o cu está intrinsecamente ligado à passividade. O passivo é reduzido


ao cu, não é considerado um cidadão de direitos, fundamentalmente porque o conflito está nas
relações de classe, as quais se manifestam, também, na sexualidade.
Tomando essa perspectiva de crítica às hierarquias de classe, ao subverter a
higienização da Ceia, afirmando que o pão que entra pela boca é o mesmo que é excretado,
Althaus-Reid compreende o pão como símbolo e como pão em si. O símbolo seria desfeito na
boca, o pão em si leva em consideração desde a mão de obra injustamente paga pelo sistema

49 Jota Mombaça usa a imagem proposta por Grada Kilomba sobre uma máscara que era colocada nos negros
escravizados, para impedir que eles comessem nas plantações. (KILOMBA, Grada. Plantation Memories:
Episodes of Everyday Racism. Münster: Unrast, 2008).
113

do capital até o corpo que o come. Ela questiona, assim, todos os processos de aprisionamento
daquele símbolo. Fazer o pão, comer o pão, excretar o pão são etapas de uma experiência que
pode ser opressora ou libertadora.
O Cristo excretado é o Cristo desprezado. Excremento, em seu sentido figurado,
significa “indivíduo ou coisa desprezível” (MICHAELIS, 2019). Cristo pode ser interpretado
como o desprezado de Isaías 53, 350: “Era desprezado e abandonado pelos homens, homem
sujeito à dor, familiarizado com o sofrimento, como pessoa de quem todos escondem o rosto;
desprezado, não fazíamos caso nenhum dele”. Como a pedra rejeitada da comunidade
mateana (Mt 21, 42a): “Disse-lhe então Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: ‘A pedra que os
construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular’”. O Cristo desprezado é o vulnerável, é o
pobre da Teologia da Libertação, a mulher da Teologia Feminista, o negro da Teologia Negra,
o LGBT da Teologia Queer.
A crítica de Althaus-Reid é contra a narrativa cristã e capitalista que impera na
América Latina. Ela acredita que houve um esvaziamento das narrativas latinas e um
revestimento com as europeias e afirma que “a necessidade de grandes narrativas sempre
envolve cortes e mutilações. Daí vem a teologia latino-americana: uma mutilação do
conhecimento simbólico na forma de teologia, política, economia, ciência e sexualidade”
(ALTHAUS-REID, 2005, p. 24, tradução nossa51). O cristianismo se baseia nessa grande
narrativa colonizadora que é fundamentada em configurações estáveis e injustas52. As
injustiças políticas são consequência dessas visões de hierarquias dicotômicas do patriarcado
heterossexual.
A Teologia Indecente de Althaus-Reid permite que novas construções teológicas sejam
possíveis quando sujeitos, realidades, outrora excluídos do fazer teológico, refletem sobre a fé
a partir da experiência real de luta pela liberdade. A estrutura teórica da teóloga queer cria
alicerces que permitem a melhor compreensão do que se é experimentado como vivência de
fé na ICM. Como esclarece Boehler (2017a, p. 80),

50 O “desprezado” do livro de Isaías faz menção a um “messias davídico”. Existem leituras feitas a partir da
chave de leitura Cristo, que o interpretam como sendo Cristo ou um “tipo de” Cristo, por isso chamado de
“Servo Sofredor” (Isaías 52, 13 – 53, 12).
51 La necesidad de grandes narrativas siempre implica recortes y mutilaciones. De ahí proviene la teología
latinoamericana: una mutilación del conocimiento simbólico en forma de teología, política, economía, ciencia y
sexualidad.
52 Um exemplo da compreensão de configurações estáveis no campo tratado é a declaração, de 2 de janeiro de
2019, da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, sobre as roupas a serem usadas por
meninos e meninas. Segundo a ministra, “menino veste azul e menina veste rosa”. Essa declaração só confirma a
inflexibilização de categorias como gênero, orientação sexual e identidade de gênero no campo discursivo do
fundamentalismo evangélico.
114

a Teologia Queer propõe o resgate do particular, do fragmento, da fluidez que dá


sentido para as comunidades de fé onde pulsa a vida. Naturalmente que confronta as
cristalizações teológicas anteriores porque não busca exclusividades, mas que sim
valorizam as experiências das comunidades situadas nos espaços e tempos das
pessoas, que por serem humanas, estão marcadas por raridade e diversidade.

A Teologia Queer permite que o Sagrado invada espaços e ações, criando uma
experiência viva de compreensão radical de Deus em tudo e em todos. Deus se expande, não é
limitado pelo controle da tradição hegemônica, não é regulado pelas experiências
higienizadas. Deus está na igreja, como também está no bar, no brinde com a cachaça. Ele
está no sexo depois do casamento, como também no sexo sem compromisso, ou, ainda, no
sexo sadomasoquista. O amor é o regulador das relações, mas não qualquer amor. O Eros!

2.3 Conclusão

A Teologia Queer, diante do exposto, apresenta-se como um movimento teológico moderno. A


modernidade, compreendida como um processo de revolução em aberto, revoluciona tudo,
inclusive a teologia. É dentro do cristianismo, ou melhor, em suas margens, que surge uma
proposta teológica atravessada por categorias outrora excluídas e manipuladas pelo fazer
teológico, como sexo, gênero e sexualidade. Teologia Queer é a produção teológica de
sujeitos LGBTs a partir de análises dos processos de categorização social que se dão na
religião, aliada a um movimento civil pró-LGBT.
A Teologia Queer deve ser compreendida como múltiplas possibilidades de
interpretações do Sagrado e das relações com o Sagrado por meio da sexualidade como
categoria fundamental para análise e experiência. Percebendo a singularidade que Althaus-
Reid imprime em sua proposta teológica queer, seria possível afirmar que existe não uma
Teologia Queer, mas Teologias Queer, que são desenvolvidas em contextos históricos e
sociais específicos. Nesse sentido, a Teologia Indecente de Althaus-Reid é uma Teologia
Queer possível, mas não a única. Sobre sua teologia, ela afirma (2008, p. 66, tradução
nossa53): “é uma teologia queer, mas de libertação. É uma teologia sexual transgressora, mas
usa uma epistemologia distorcida em relação à crise produzida pela globalização, pela
exclusão social e pelo capitalismo selvagem. É Marx em um bar gay”.
Assim, as Teologias Queer vão sendo suscitadas à medida que novos sujeitos
teológicos dissidentes das normas cisheteronormativas vão ocupando o espaço da tradição

53 Es una teología Queer pero de la liberación. Es una teología sexual transgresiva, pero que usa la
epistemología torcida en relación con la crisis producida por la globalización, la exclusión social y el
capitalismo salvaje. Es Marx en um bar gay.
115

religiosa, propondo releituras e rupturas com o status quo. Nesta pesquisa, é a indecência de
Althaus-Reid que fundamenta as possibilidades de experiência de fé vivenciadas pelas ICMs.
Poderiam ser escolhidas tantas outras, entretanto, o método althaus-reidiano possui a
especificidade de aliar agendas políticas e teológicas em um mesmo discurso crítico. A
Teologia Queer pauta a urgência das revisões das relações de poder que se dão no ambiente
religioso, propondo a subversão dessas relações por meio da práxis que considere, sempre, o
ser humano em sua integralidade.
Tirar a Teologia Queer da estante é compreendê-la em uma complexa relação entre a
teoria e a prática. No intuito de perceber quais são as relações de reciprocidade e de tensão
que se estabelecem nesse âmbito, faz-se necessário singularizar a proposta de Althaus-Reid
por meio das experiências das Igrejas da Comunidade Metropolitana, mais especificadamente
em uma perspectiva histórica de sua fundação como Fraternidade Universal das Igrejas da
Comunidade Metropolitana e da Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte.
117

3 CRISTALEIRA: transparências de uma igreja afirmativa das diferenças

A minha casa é guardiã do meu corpo


e protetora de todas minhas ardências.
(Hilda Hilst)

Os Estudos Queer e suas perspectivas no contexto teológico são criados e criam aberturas
para outras possibilidades de experiência de fé. Esse é um movimento dialético no qual é
possível perceber principalmente no contexto dos movimentos identitários da década de 1960,
uma influência queer, ainda que não sistematizada, suscitando dúvidas e enfrentamentos no
que diz respeito às abordagens morais do tradicional cristianismo, principalmente neste caso
no contexto estadunidense. Nesse ambiente, é fundada a Fraternidade Universal das Igrejas da
Comunidade Metropolitana (FUICM), parte desse fenômeno moderno, no qual os sujeitos
criam seus próprios espaços de ruptura com as normas estabelecidas, em busca de um lugar
no qual sejam agentes de suas próprias histórias e de suas experiências religiosas. Para narrar
essa trajetória sob o ponto de vista da emergência de novos sujeitos no contexto religioso
cristão, a FUICM será tratada desde sua fundação, há 51 anos, nos Estados Unidos, por meio
de relatos de seu fundador, figura fundamental para se compreender a Igreja que cresceu em
torno dos seus ideais.
Como abordado na Introdução da presente tese, o método de pesquisa escolhido foi o
proposto pela epistemologia feminista. Nesse sentido, os dois capítulos que se seguem narram
o que a pesquisadora percebeu do objeto, não devendo ser desconsideradas as idiossincrasias
que traçam escolhas pessoais para compreensão do fenômeno. Sendo membra ativa da
comunidade escolhida para ser pesquisada, a observação tornou-se participativa e foi
facilitada pelo livre acesso da pesquisadora ao campo. Do momento que a tese começou a ser
escrita até sua finalização, a pesquisadora ainda continuava a frequentar os espaços mote da
pesquisa, ainda que não mais de forma sistematizada. Sendo assim, foram três anos de
participação nos cultos da ICM BH, que, pelo menos uma vez por mês, recebiam o nome de
“Culto Queer”.
Desses cultos, foi escolhido o primeiro para exemplificar a influência dos Estudos
Queer na experiência religiosa construída por aquela comunidade de fé. Como utilizado por
DaMatta (1997b), o percurso da pesquisa deu-se de maneira a “verticalizar” o que foi
apresentado anteriormente como pressupostos conceituais. Nesse sentido, os dois primeiros
capítulos da tese buscaram levantar aportes teóricos que pudessem, na prática, serem
“verticalizados” na experiência da MCC e da ICM BH.
118

Sendo assim, o presente capítulo pretende mostrar que aAs Igrejas da Comunidade
Metropolitana têm o desafio de contemplar o sujeito moderno em seus interesses religiosos.
Muitos de seus membros vêm de tradições religiosas distintas, multiplicando as expressões de
experiência do Sagrado em um ambiente de inclusão da sexualidade. Esses sujeitos trazem
consigo diversas experiências de fé, vivenciadas desde sua tradição religiosa. Segundo Valério
(2015), as ICMs entendem que Deus é chamado de diversos nomes e cultuado de diversas
formas. Para a denominação, dentro da teologia cristã, a humanidade é a imagem e
semelhança de Deus. Desta forma, pensam o rosto de Deus como um grande mosaico, no qual
se tem “todas as cores, todos os tons, e o brilho de todos os olhares do mundo” (VALÉRIO,
2015).
A “saída do armário” pela comunidade LGBT permite a inserção de novos sujeitos no
ambiente religioso, promovendo uma radical mudança na própria expressão e vivência da
religiosidade. Por isso, faz-se importante apresentar a MCC a partir de sua fundação, como
também de maneira mais organizacional, mediante seu organograma, sua Declaração de Fé,
seus sacramentos e o panorama da denominação no mundo hoje, que, nos aportes de um
ativismo queer, alinha-se com a defesa dos Direitos Humanos. Nesse contexto, no intento de
compreender a visão eclesiológica da Igreja, será apresentada uma das pautas defendidas
desde a sua fundação, como o casamento igualitário.
Tendo feito isso, o subcapítulo 2 apresentará a ICM BH, buscando a verticalização da
experiência queer no contexto brasileiro. É necessária a discussão sobre a identidade LGBT
para que seja possível uma aproximação com a Igreja, entendendo nela a construção de uma
religiosidade cristã a partir da experiência de novos sujeitos teológicos. A ICM BH, assim
como foi feito na história da MCC, será apresentada a partir da trajetória de dois líderes
pastorais. É possível inferir a partir dos relatos, que a perspectiva teológica da ICM é
fundamentalmente baseada nos caminhos propostos por sua liderança local (MUSSKOPF,
2012). Assim, é possível se ter uma ICM sob a influência do catolicismo popular, como a
ICM SP ou algumas ICMs da América Latina e Caribe que cultuam Nossa Senhora de
Guadalupe. É possível, ainda, uma proposta teológica pentecostal, como é o caso da ICM Rio.
Nesse sentido, conhecer a ICM BH, requer uma descrição sobre seu atual líder local, na
intenção de revelar possibilidades de abertura teológica à experiência queer.
Como em uma cristaleira, vidros transparentes permitem que seja conhecida a ICM
por meio de momentos específicos de sua história e teologia que singularizam sua
religiosidade ao incluírem a sexualidade queer na experiência com o Sagrado.
119

3.1 Metropolitan Community Church: “somos transformados enquanto transformamos o


mundo”
Em setembro de 1967, começou a circular mensalmente The Los Angeles Advocate. Segundo
Heching (2016), a revista surgiu com o título The New York Times of homosexuality, devido a
sua importância para as LGBTs, seu prestígio e respeitabilidade. Em 1969, passou a ser
nomeada somente como The Advocate, circulando ainda hoje como a mais antiga publicação
norte-americana dedicada ao público LGBT. Foi na edição de setembro de 1968 que Troy
Perry, fundador das ICMs, publicou um anúncio de que realizaria um culto no dia 06 de
outubro de 1968.
O ano de 1968 foi marcado por um período de efervescência social simbolizado pelo
“Maio de 1968”. A data passou para história pelo movimento estudantil francês que, no dia 2
de maio de 1968, fez um protesto contra a divisão dos dormitórios entre homens e mulheres
na Universidade de Nanterre. O que estava por trás da ação era a revolta contra o
conservadorismo da época. O que começou como reivindicação contra pauta de costumes,
culminou na luta pela renúncia do então presidente francês, Charles de Gaulle. O dia 18 de
maio foi marcado por uma greve geral que contou com a adesão de cerca de 9 milhões de
trabalhadores. Segundo Arcary (2008, p. 204),

o Maio francês foi uma revolução política derrotada, pois De Gaulle e o regime da V
República sobreviveram, mas, ainda assim, foi uma revolução. E, mesmo derrotada,
abriu caminho para reformas, entre elas, mudanças socioculturais progressivas que
eram inadiáveis. Os direitos da mulher passaram a ser parte da agenda política: o
direito ao divórcio, a legalização do aborto, a criminalização da violência doméstica,
entre outros, encontraram reconhecimento legal, mais rápido ou mais lentamente,
em inúmeros países. Os direitos da juventude foram também ampliados. Não deveria
surpreender que muitos tenham-se dedicado, nas décadas seguintes, a exorcizar o
fantasma, ou o perigo, da revolução social anticapitalista, aplaudindo as reformas
político-culturais. Mas as reformas não foram obra da contrarrevolução: foram,
essencialmente, um subproduto da revolução.

O “espírito de 1968” foi um espírito revolucionário cuja mística não se limitou ao


cenário francês. Nos Estados Unidos, 1968 foi marcado, segundo Purdy (2010), pela
contracultura da juventude, pelo movimento operário de base, pelo movimento militante
negro “Black Power”, pela “Segunda Onda” do feminismo e por um novo movimento pelos
direitos de lésbicas e gays. Purdy (2010) conta que

ao longo de 1968, aconteceram importantes mobilizações, como a da Universidade


Columbia, que lutaram tanto por questões internacionais, como a da guerra do
Vietnã, como por reivindicações locais. Além do protesto contra o envolvimento da
universidade com pesquisas militares usadas na guerra da Vietnã, os estudantes
também reivindicaram o fim dos planos para construir um prédio no campus em
terras expropriadas do bairro pobre negro do Harlem (PURDY, 2010).
120

Foi nesse ambiente que o jovem Troy Perry, com 28 anos à época, decidiu publicizar
um convite para a Igreja que decidiu fundar. O anúncio não mencionou que seria um culto
voltado para LGBTs, ainda que a revista estivesse vinculada a esse público. Embora fosse o
primeiro culto, a Igreja já tinha nome: Metropolitan Community Church (MCC), e propunha a
regularidade (todos os domingos) na residência de Troy Perry. Segundo o próprio fundador
(GLASER, 2005), a denominação deveria ter o nome “igreja”, pois seria uma nova Igreja,
deveria ter o nome “comunidade”, pois alcançaria a comunidade gay, como explica:
“comunidade significava um sentimento de camaradagem, uma pequena área, um lugar onde
você conhece todo mundo” (PERRY in GLASER, 2005, p. 48, tradução nossa54). Além disso,
havia o interesse de servir a uma comunidade mais ampla, abrangendo toda a área de Los
Angeles, por isso, o nome “metropolitana”.
O horário do culto levanta alguns questionamentos, pois, por ser apenas um serviço
dominical, esperar-se-ia que fosse em um horário tradicional da manhã ou da noite, mas o
horário logo após o almoço sugere que sua igreja não entraria em disputa com outras igrejas,
assim um membro poderia continuar frequentando sua igreja de origem. O horário depois do
almoço daria a liberdade para que o frequentador fosse ao culto sem parecer que estaria indo a
uma igreja, já que uma “igreja gay”, naquele momento histórico, poderia ter que ser
frequentada como algo feito às escondidas. Nesse caso, seria possível pensar a Igreja como
mais um armário para as LGBTs.
Aqui, ressalta-se a metáfora do armário como algo compreendido não somente em
língua inglesa, como também em portuguesa. “To come out of the closet” ou “sair do
armário”, conforme apresentado no capítulo 1, é uma metáfora comumente usada para relatar
quando uma pessoa LGBT decide assumir sua orientação sexual socialmente. Segundo
Musskopf (2012, p. 417), “sair do armário representa o processo de assumir uma orientação
sexual diversa da heterossexual”. O armário diz respeito à intimidade, por isso faz menção a
uma socialização da intimidade, quando o privado se torna público.
Uma igreja compreendida como um armário tem duas implicações: a primeira diz
respeito à criação de um espaço seguro para vivência da sexualidade, a outra um espaço
seguro para a vivência da religiosidade. A ideia de segurança, em ambos os casos, vem ao
encontro da ideia de o armário ser um local privado, que diz respeito à intimidade. Ainda
dentro do armário já é possível perceber a formação de uma identidade sexo-divergente, como
foi mencionado no primeiro capítulo desta tese. A igreja-armário permite ao LGBT que, pelo

54 community meant a feeling of comradeship, a small area, a place where you know everybody.
121

menos durante sua experiência de culto, ele possa ser quem é, assumindo sua identidade,
criando e conhecendo signos que façam parte de sua existência. Lá é o lugar onde é possível o
flerte, as mãos dadas, o beijo, ainda que seja considerado como um ambiente sagrado.
Uma igreja-armário, por outro lado, pode ser compreendida como um espaço no qual a
vivência de fé tem que ser feita em segredo, pois o estigma cristianismo e homossexualidade
obrigaria seus fiéis a viverem na obscuridade, que é o que metaforicamente, analisando o
anúncio (figura 1), o perfil obscuro de Troy Perry poderia apontar. A sombra que cobre o rosto
do fundador é maior que ele mesmo, mas revela um sujeito que emerge das sombras, que
emerge do armário, em uma metáfora de luta entre trevas e luz.

Figura 1 – Anúncio MCC

Fonte: Perry, 2007.

Na arte publicitária acima, Troy Perry tem seu rosto destacado em quase 75% na
imagem, onde aparece sério e olhando diretamente para o leitor, sendo emoldurado por seu
próprio perfil. O destaque dado a sua própria imagem desperta uma ideia de uma possível
egolatria, na qual a imagem central do Cristo foi substituída pelo líder e fundador. Do latim
ego, que significa eu, e do grego latria, cujo significado é adoração ou culto, egolatria aponta
uma autoadoração, o que não seria esperado em uma igreja cristã na qual Cristo deveria ser o
objeto de adoração do culto.
Entretanto, o momento histórico no qual a fundação da Igreja está inserida leva a fazer
outra leitura do realce dado ao indivíduo na publicidade. A década de 1960, nos Estados
Unidos, como apresentado anteriormente, foi um momento de efervescência pelos direitos
122

civis na luta pela liberdade e garantias para os indivíduos. Segundo Musskopf (2012), esse foi
um momento histórico de rupturas e continuidades, que propiciaram a formação de um novo
sujeito. A forte repressão contra a cultura homossexual incentivou o fortalecimento de
subculturas homossexuais, que se articulavam em redes de sociabilidade. Essas redes
facilitaram a organização dos grupos e a reivindicação de seus direitos civis. Eram
movimentos sociais liderados por negros, mulheres e gays.
Como explica Alonso (2009, p. 51),

eram jovens, mulheres, estudantes, profissionais liberais, sobretudo de classe média,


empunhando bandeiras em princípio também novas: não mais voltadas para as
condições de vida, ou para a redistribuição de recursos, mas para a qualidade de
vida, e para afirmação da diversidade de estilos de vivê-la. Essas demandas “pós-
materiais”, como as chamou Inglehart (1971), se completavam com a opção por
formas diretas de ação política e pela demanda por mudanças paulatinas na
sociabilidade e na cultura, a serem logradas pela persuasão, isto é, léguas longe da
ideia de tomada do poder de Estado por revolução armada. Então eram, sim,
movimentos, mas movimentos sociais.

Nesse ambiente, o indivíduo irrompe a normatividade da cultura, cujas estruturas o


sufocavam. Um líder religioso em um anúncio, em uma revista para o público gay, era uma
afronta às normas morais da época. O rosto estampado de Troy Perry com o título “Rev.” era a
publicidade da própria luta pelos direitos civis – a emancipação do indivíduo. Nesse sentido,
pode-se compreender aquele rosto tomando quase todo o anúncio como uma afirmação do
“eu” daquele momento histórico, que, corajosamente, se afirmava gay e, ao mesmo tempo,
cristão.
Entre o anúncio na revista e o culto se passaram duas semanas. Segundo Troy Perry
(2007), 12 pessoas compareceram à reunião, dentre elas um casal heterossexual. E, das que
estiveram presentes, três foram motivadas pelo anúncio na revista. Interessa ressaltar que o
número “doze” pode fazer menção sobre uma possível narrativa simbólica bíblica, um mito de
fundação, pois ao afirmar que havia 12 pessoas, Troy Perry não se incluiu. O simbolismo
estaria em um líder e seus 12 discípulos, ao exemplo das narrativas de Jesus Cristo. Esse foi,
oficialmente, o primeiro culto da MCC, fundada pelo Reverendo.
Antes de seu sermão, ele apresentou sua proposta de igreja dizendo:

eu disse que a igreja foi organizada para servir às necessidades religiosas, espirituais
e sociais da comunidade homossexual da grande Los Angeles, mas que eu esperava
crescer para alcançar os homossexuais onde quer que eles estivessem. Deixei claro
que não éramos uma igreja gay – éramos uma igreja cristã –, e eu disse isso em meu
123

primeiro sermão. Eu, também, lhes disse que seríamos uma igreja protestante
inclusiva. Então, eu orei novamente (PERRY, 2007, tradução nossa55).

Merece destaque nessa afirmativa, o fato que essa é uma narrativa de 2007 sobre o
culto ocorrido em 1968. É, então, após 36 anos, que Troy Perry narra a fundação afirmando
que ela era uma “igreja protestante inclusiva”, termo que não existia à época para nomear uma
igreja que acolhesse as LGBTs. Troy Perry faz uma distinção entre igreja gay e igreja cristã,
inclusive porque tinha um casal heterossexual presente em seu primeiro culto.
O tema da pregação do primeiro culto foi “Be true to you” (Sê fiel a ti mesmo), que, de
acordo com Troy Perry (2007), foi inspirado no conselho de Polônio a Laertes, segundo a
peça teatral Hamlet, de Shakespeare. A frase faz parte da passagem na qual Polônio dá uma
série de conselhos a Laertes, quando esse está retornando a Paris: “Mas, sobretudo, sê a ti
próprio fiel; segue-se disso, como o dia à noite, que a ninguém poderás jamais ser falso.
Adeus; que minha benção tais conselhos faça frutificar” (SHAKESPEARE, 1603).
Uma análise sobre o texto escolhido e de sua aplicação no contexto LGBT merece ser
feita neste momento no intuito de levantarem-se suspeitas sobre o porquê da escolha dessa
perícope para o primeiro culto da MCC. A leitura proposta pela pesquisa parte de intuições da
autora, tendo em vista sua própria experiência com as Sagradas Escrituras por meio de uso de
arquétipos como os de Jó como fonte de libertação das imagens opressoras de Deus.
A fidelidade implica em um compromisso pessoal com o que realmente se é, para além
de qualquer perspectiva essencializante do indivíduo. O ser está em construção constante,
inclusive no que diz respeito à sua sexualidade. O “sê fiel a ti mesmo” implica em reconhecer
essas complexidades características da própria existência, na qual muitas vezes o sujeito se
percebe como “estrangeiro em sua própria cama” 56. O sujeito que não se reconhece, que olha
para si como um refugiado dentro dos armários das incertezas, das inseguranças e das dúvidas
com relação ao que se é.
“Sê fiel a ti mesmo” implica em um resgate emocional da pessoa LGBT, que muitas
vezes nega a sua existência ou a amputa por meio de uma negação de sua sexualidade. O
chamamento sugere uma autoaceitação, que dificilmente passaria pelo crivo da religião
naquele específico momento histórico. Em complementação ao tema, o autor lançou mão do

55 I said the church was organized to serve the religious, spiritual and social needs of the homosexual
community of greater Los Angeles, but I expected to grow to reach homosexuals wherever they might be. I made
it clear that we were not a gay church — we were a Christian church, and I said that in my first sermon. I also
told them that we would be a general Protestant church to be all-inclusive. Then I prayed again.
56 Termo de depoimento foi encaminhado à pesquisadora, pelas redes sociais, por ocasião do lançamento da
obra “Deus Queer”, de Marcella Althaus-Reid, em agosto de 2019.
124

Evangelho de São João 3, 1-21 (anexo D), e se ateve ao texto encontrado no livro de Jó
(PERRY, 2007). O texto bíblico usado foi Jó 19, 1-26:

Até quando continuareis a afligir-me


e a magoar-me com palavras?
Já por dez vezes insultais,
e não vos envergonhais de zombar de mim.
Se de fato caí em erro,
meu erro só diria respeito a mim.
Quereis triunfar sobre mim,
lançando-me em rosto minha afronta?
Pois sabei que foi Deus quem me transtornou,
envolvendo-me em suas redes.
Grito: “Violência!”, e ninguém me responde,
peço socorro e ninguém me defende.
Ele bloqueou o meu caminho e não tenho saída,
encheu de trevas minhas veredas.
Despojou-me de minha honra
e tirou-me a coroa da cabeça.
Demoliu tudo em redor de mim e tenho de ir-me
desenraizou minha esperança como uma árvore.
Acendeu sua ira contra mim,
considera-me seu inimigo.
Chegam em massa seus esquadrões,
abrem em minha direção seu caminho de acesso
E acampam em volta de minha tenda.
Ele afastou de mim os meus irmãos,
os meus parentes procuram evitar-me.
Abandonaram-me vizinhos e conhecidos,
esqueceram-me os hóspedes de minha casa.
Minhas servas consideram-me intruso,
a seu ver sou estranho.
Se chamo meu servo, ele não responde,
quando lhe imploro com minha boca.
À minha mulher repugna meu hálito,
e meu mau cheiro, aos meus próprios irmãos.
Até as crianças me desprezam
e insultam-me, se procuro levantar-me.
Todos os meus íntimos têm-me aversão,
meus amigos voltam-se contra mim.
Meus ossos estão colados à minha pele e à minha carne,
ah! Se eu pudesse me livrar deles com a pele de meus dentes.
Piedade, piedade de mim, amigos meus,
pois me feriu a mão de Deus!
Por que me perseguis como Deus,
E sois insaciáveis de minha carne?
Oxalá minhas palavras fossem escritas,
e fossem gravadas em uma inscrição;
com cinzel de ferro e chumbo
fossem esculpidas na rocha para sempre!
Eu sei que meu Defensor está vivo
e que no fim se levantará sobre o pó
quando tiverem arrancado esta minha pele
fora de minha carne verei a Deus.
125

Ditos populares como “a paciência de Jó” acompanham a personagem bíblica central


desse texto. Entretanto, segundo MacKenzie e Murphy (2012), atribuir essa característica a Jó
é “sem sentido” e “inexato”. Para eles, o que se pode afirmar é que Jó é perseverante, o que
demonstra em sua experiência com o sofrimento. Segundo Gutiérrez (1986), Jó não é o
homem da paciência, mas o “crente rebelde”. Rebela-se contra o sofrimento do inocente,
contra a teologia da retribuição, em busca do conhecimento profundo da gratuidade do amor
de Deus.
O livro bíblico, que é uma construção literária com textos em prosa e poesia, apresenta
Jó como sendo um homem íntegro e justo, temente a Deus e que evitava fazer o mal (Jó 1, 1).
Segundo Costa (2011), o nome de Jó em hebraico é IYYOB, a forma passiva do verbo
“odiar”. Jó significaria então aquele que é odiado, hostilizado. De acordo com a narrativa, o
próprio Senhor diz que “na terra não há outro igual: é um homem íntegro e reto, que teme a
Deus e se afasta do mal” (Jó 1,8). Então, a presença de um antagonista, Satanás, tenciona o
texto sugerindo que Deus coloque Jó à prova, para que ele mostre que só teme a Deus porque
é agraciado com família e riqueza. Segue-se, então, uma série de provações a Jó, como
pobreza, enfermidade, e nesse contexto ele é questionado por sua esposa e amigos.
O objetivo do livro, segundo Gutiérrez (1986), é falar de Deus a partir de uma
situação-limite: o sofrimento do inocente. “Como encontrar uma linguagem sobre Deus a
partir do sofrimento do inocente?”, pergunta Gutiérrez (1986, p. 41). Assim, não é um livro
sobre sofrimento, mas sobre como falar de Deus a partir dele. Jó é aquele que carrega em si a
marca do sofrimento. Segundo Gutiérrez, Jó experimenta várias mortes: a física ao sofrer de
doenças graves, e a social ao ser excluído e rejeitado do seu núcleo familiar. Jó era o corpo
abjeto que tinha perdido tudo: saúde, dinheiro, família, amigos. A ele, desejam a morte,
mesmo ele já tendo experimentado tantas. Seu sofrimento não encontrava base na falta de
ética ou desobediência à vontade de Deus, por isso seu senso por justiça questiona a relação
entre a retribuição e a gratuidade.
O sofrimento de Jó o leva a uma religião desinteressada, na qual o que tem não é
consequência de algo que tenha feito ou deixado de fazer, pois ele percebe que no princípio de
tudo está a gratuidade do amor de Deus. Segundo Gutiérrez (1986), Jó elabora uma teologia
que tem o que dizer ao sofrimento humano.
O texto escolhido por Troy Perry é a quinta resposta de Jó, dentre nove que existem no
esboço do livro, conforme MacKenzie e Murphy (2012). Bildade (ou Baldad) critica Jó por
seu linguajar inapropriado e abusivo e por seu desprezo à sabedoria, insinuando que o
sofrimento de Jó é punição pelo seu próprio pecado. Nesse sentido, é razoável propor que
126

Troy Perry se comparou à figura de Jó. O texto apresenta claramente uma tensão na
experiência da própria fé, quando Jó questiona a presença de Deus, queixando-se abertamente
de sua situação de vulnerabilidade. As LGBTs percorrem um caminho semelhante, são
questionadas justamente pelas pessoas mais próximas, e muitas vezes são acusadas por
buscarem viver um relacionamento com Deus mesmo assumindo-se homossexuais. O ponto
nevrálgico aqui é a relação de Deus com o sofrimento do inocente.
Tendo a tradição cristã hegemônica considerado por tanto tempo a homossexualidade
como pecado, ao homossexual estão destinadas as mais duras acusações. Se já não bastassem
as lutas sociais às quais precisa enfrentar na busca por direitos civis, a ele são designados
artifícios de controle religioso que o colocam em uma situação de vulnerabilidade espiritual e
psíquica. Ao tratar sobre o livro de Jó, Jung (2012) compreende Deus como sendo esse “ser
completo”, no qual habitam tanto o bem quanto o mal. Satanás seria o “olho de Deus” sobre a
terra, revelando assim uma imagem ambivalente de Deus, à qual Jung propõe uma
interpretação psicológica. Nessa interpretação, que não se pretende exegética nem teológica, o
autor compreende o livro de Jó como sendo aquele que revela uma imagem arquetípica de
Deus, um arquétipo numinoso:

embora todo o nosso universo de representações seja constituído de imagens


antropormóficas e, portanto, segundo creio, incapazes de resistir a uma crítica
racional, contudo é preciso não esquecer que ele assenta em arquétipos numinosos,
ou seja, em um fundamento emocional que parece inacessível à razão crítica. Refiro-
me aqui a casos psíquicos cuja existência podemos ignorar mas nunca refutar
(JUNG, 2012, p. 13).

Deus, do livro de Jó, fala mais sobre Jó do que sobre Deus. Jó, aquele que também tem
em si essa ambivalência, na qual habita tanto o bem como o mal. Assim, Troy Perry assume
esse local de contradições, no qual o errar e o acertar são antônimos de uma mesma realidade:
a de um cristão homossexual. É razoável propor que Troy Perry ao fundar sua Igreja, ainda
guardava em si as incertezas de comungar o cristianismo com a homossexualidade, sem
considerá-la como pecado. A fundação da Igreja implica em uma ruptura com o cristianismo
hegemônico no que diz respeito ao seu entendimento do mal que habita os corpos e as
experiências da sexualidade. Ainda que desviante, sua vivência como gay não mais o afastava
de Deus, permitindo que ele, que já não tinha espaços legítimos de vivência de sua fé, criasse
seu próprio espaço, um local de tensões entre o cristianismo que experimentou durante anos e
a sua orientação afetivo-sexual. Como afirma Jung (2012, p. 17), “[...] uma pessoa criada e
instruída no cristianismo se confronta com as trevas divinas tais como aparecem no livro de Jó
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e [...] essas trevas agem sobre tal pessoa”. E, também, a pessoa, como mostrou Troy Perry,
age sobre essas trevas.
Assim, Troy Perry começa sua homilia tomando para si o que Jó, o pobre verme, disse:
“Até quando continuareis a afligir-me e a magoar-me com palavras? Já por dez vezes me
insultais, e não vos envergonhais de zombar de mim. Se de fato caí em erro, meu erro só diria
respeito a mim” (Jó 19, 2-4). O desvio e a culpa cristã aqui caminham juntos, implicando em
uma relação opressora de vivência da religião. Para o Reverendo, essa relação teve um peso
singular, que culminou em uma tentativa de suicídio, por ocasião de um relacionamento
homossexual que chegou ao fim. Entretanto, a fundação da Igreja “matou” o que a tentativa
de suicídio não conseguiu – o peso violento do discurso religioso hegemônico sobre a
experiência livre e libertária do amor.
As acusações contra Jó eram feitas pelas pessoas mais próximas, assim como, muitas
vezes, ocorre nos casos de homossexualidade assumida. É a família, são os amigos, e, como
na narrativa, são aqueles da mesma profissão de fé que lançam as palavras que têm o maior
poder de dor e destruição. Ainda sofrendo duras acusações, Jó se dirige ao próprio Deus como
aquele que tem legitimidade de fazê-lo, ao contrário das outras personagens do livro, que não
se dirigem diretamente a ele.
Nessa perspectiva, Troy Perry se coloca em um local de “privilégio sacerdotal”, que
irá acompanhá-lo por sua caminhada como Reverendo, pois cria um ambiente de intimidade
com Deus, no qual se dirige ao Sagrado como um igual. Ele conversa com Deus, ouve a sua
voz, faz perguntas e Deus a ele as responde. Jung (2012) aborda essa perspectiva em Jó, ao
afirmar que esse tratava Deus como um objeto de seu domínio, um “parceiro divino”,
ligeiramente inferior do ponto de vista intelectual e moral. Essa relação de quase
horizontalidade entre Deus e Jó perdura durante toda a narrativa. É possível inferir pelo
desfecho do texto que essa relação – Jó e Deus – possa ter mudado, não para uma
verticalização ou hierarquização, mas para um ambiente de ainda maior intimidade, pois Jó
afirma que “eu te conhecia só de ouvir, mas agora meus olhos te veem; por isso, retrato-me e
faço penitência no pó e na cinza” (Jó 42, 5-6). O tom penitencial do versículo reforça a
personalidade de Jó, o que não o coloca em uma situação de autoflagelo, mas de
autoconhecimento.
Na relação antropomórfica com Deus é que Jó toma consciência de si. Aqui é
importante lembrar o tema da homilia de Troy Perry, “Sê fiel a ti mesmo”. A partir de uma
tomada de consciência de sua homossexualidade, o Reverendo faz uma aliança consigo
mesmo, na qual ele deveria ser fiel, antes de qualquer coisa, à sua realidade, não mais
128

temendo assumir seu desejo em viver o cristianismo, embora o cristianismo tradicional não o
aceitasse. Assim, ele apoia-se em sua própria experiência pentecostal, dando um salto na
tradição e chegando diretamente na Bíblia.
Segundo Gutiérrez (1986), o sofrimento do inocente e suas perguntas são um
questionamento capital para uma teologia, isto é, para uma linguagem sobre Deus. Troy Perry,
ao se descobrir em Jó, percebe-se em uma relação de vulnerabilidade devida a sua
homossexualidade. Sua perspectiva de leitura bíblica acaba por libertá-lo das antigas
construções opressoras sobre Deus. Para Gutiérrez (1986, p. 19), “ler a Bíblia a partir de
nossas preocupações mais profundas e urgentes, não é só legítimo, em princípio, mas constitui
a prática da comunidade cristã ao longo da história. [...] Se é certo que lemos a Bíblia,
também é verdade que ela nos lê, nos interpela”. Troy encontra-se naquela personagem bíblica
e constrói a partir do texto e de sua compreensão uma teologia pessoal que o aceite como
homossexual e, não somente isso, que celebre o fato de ele ser homossexual.
Como Jó, o encontro de Troy Perry com Deus passa pela queixa, pela perplexidade e
pelo confronto. As tensões de uma relação horizontal dão-se sobre o escopo da proximidade e
da intimidade. Gutiérrez (1986) explica que os amigos de Jó falam de Deus, mas nunca a
Deus como faz Jó. Assim faz o Reverendo: fala, escuta e sente Deus, em uma relação que
propicia a honestidade.
O livro de Jó proporciona uma construção teológica profunda sobre a gratuidade do
amor de Deus, que levam Gutiérrez (1986) a concluir que “o desprezado deste mundo é o
preferido do Deus amor” (GUTIÉRREZ, 1986, p. 11). Assim, a justiça de Deus se dá na
escolha preferencial pelo sofrimento, pela exclusão e pelo desprezo. Naquele momento
histórico, era vital que Troy Perry se colocasse nesse local de preferência divina, pois sua vida
dependia de uma mudança radical na compreensão da gratuidade do amor de Deus.

O que compreendeu Jó exatamente? Que a justiça não rege no mundo criado por
Deus? Não. O que percebeu, e o que levou à contemplação, é que a justiça sozinha
não teme a última palavra no falar sobre Deus. Estamos total e definitivamente
diante do Deus da fé somente quando reconhecemos a gratuidade de seu amor. A
graça não se opõe nem desmerece a busca por justiça. Pelo contrário, dá-lhe seu
pleno sentido. O amor de Deus, como todo amor, não se move num universo de
causas e efeitos, mas no mundo da liberdade e da gratuidade. É deste modo que as
pessoas podem encontrar-se plena e incondicionalmente: sem pagar qualquer tipo de
tarifas, sem obrigações exteriores que pressionem a corresponder ao outro
(GUTIÉRREZ, 1986, p. 142).

Troy Perry não estava mais no alvo da retribuição de Deus por seus atos considerados
pecaminosos, estava sim no alvo do amor de Deus, que o libertava para ser quem ele era
verdadeiramente. Afinal, existia um chamado: “Sê fiel a ti mesmo”. Esse chamamento só
129

podia ser cumprido dentro de um ambiente teológico que o acolhesse integralmente. Assim, a
escolha do texto de Jó não foi uma escolha ingênua. Troy Perry podia lançar mão do arquétipo
de Jó para apresentar-se naquela comunidade como alguém que se assumia gay e se
professava cristão.
O uso de uma perícope do Antigo Testamento diz muito sobre a tradição pentecostal
do Reverendo. Segundo Freston (1996), o precursor do pentecostalismo foi um negro
chamado William Seymour, um garçom com deficiência em um dos olhos, nascido como
escravo, que professava a fé batista. Em 1906, foi convidado a pregar em Los Angeles por
uma pastora de uma igreja negra. Ali, conseguiu fazer muito sucesso com sua oração em
línguas (xenoglossia), que é a suposta capacidade de falar em línguas desconhecidas quando
em transe religioso. Naquele mesmo ano, Seymour alugou um velho armazém na Azusa
Street, naquela cidade, e atraiu muitas pessoas, inclusive brancos, dando início ao que é
reconhecido como “movimento pentecostal”.
Importa ressaltar que o movimento pentecostal é marcado pela liderança de negros e
mulheres desde seu início, algo inusitado para aquele contexto caracterizado por uma forte
segregação racial e de gênero. Nesse sentido, não seria espantoso que uma igreja para um
público à margem lançasse mão de seus aportes, ainda que inicialmente. O pentecostalismo
marca essas igrejas que emergem das margens, em um rico ambiente de identitarismo, no qual
os marcadores sociais, de raça e gênero, são valorizados como categorias de experiência da fé.
Troy Perry (2007) relata que o texto usado buscou apresentar Jó como exemplo de
homem que foi “fiel a si mesmo”, fazendo relação com o texto de Shakespeare, sendo esse o
seu desejo para a MCC. Conta que usou outras passagens bíblicas, também
veterotestamentárias, como a história de Davi e Golias, para traçar um paralelo entre a
comunidade gay e Davi, sempre no intento de convocar os ouvintes a serem sinceros e
honestos com eles mesmos.
Para Troy Perry (2007), seu objetivo era que as pessoas entendessem que Deus e ele as
amava. Os relatos sobre a exposição bíblica feita naquele primeiro culto não demonstram
nenhuma preocupação teológica de releitura dos textos a partir de algum método inclusivo.
Segundo Musskopf (2012), foi na década de 1970, ou seja, posterior à fundação da MCC, que
se deu uma produção sistemática do que ficou conhecido como Teologia Homossexual.
Conforme as narrativas de Perry (2007), liturgicamente, o culto foi marcado por
momentos de oração e louvor. O Reverendo optou pelo uso da veste talar – o que é marca
hierárquica nas MCCs até hoje – promovendo não somente uma diferenciação entre a sua
pessoa e os demais participantes, mas confirmando por meio de símbolos litúrgicos que era o
130

líder local. No culto houve o momento da Santa Ceia, no qual foi ofertado o “corpo” e o
“sangue” de Cristo por meio de símbolos como a hóstia/pão e o vinho/suco de uva. Segundo a
narrativa do Reverendo (2007), apesar de ter feito o convite a todos os 12 presentes, apenas
três participaram.
Perry (2007, tradução nossa 57) conta:

orei novamente, e então eu olhei para cima e disse: “Nós vamos ter Comunhão
(Santa Ceia) aberta”. Não havia um olho seco no local. Um silêncio tomou conta do
lugar e todo mundo naquela pequena sala de estar estava chorando silenciosamente.
Todos nós sentimos que éramos uma parte de algo maior. Deus estava se preparando
para mover. Estávamos prontos para ver a obra de Deus, e aquilo seria inacreditável

A narrativa sobre aquele momento litúrgico revela a personalidade religiosa do líder e


sua maneira de vivenciar a fé, na qual ele “se conecta” com Deus por meio de orações, olhares
e sensações: “orei, [...] olhei para cima, [...] não havia um olho seco”. O Deus que ele narra é
o que ele experimenta por meio de sensações, por meio do “inacreditável”. O que se percebe,
também, é bem característico do movimento pentecostal, no qual as sensações são muito
valorizadas. Por diversas vezes em suas narrativas, o Reverendo afirma que “sabia que Deus
estava naquele lugar”, essas são certezas da fé que legitimam tomadas de decisões em nome
de Deus.
A MCC ficou por cerca de seis semanas tendo seus cultos sendo realizados na casa do
líder (anexo F) quando essa já não comportava mais o número de frequentadores. Em um ano
e meio da fundação, já eram cerca de mil participantes (GLASER, 2005). Um ano depois, em
19 de outubro de 1969, a Igreja já estava construindo um templo próprio, mas com certa
dificuldade financeira. Assim, Troy Perry convocou para que as pessoas, naquele dia,
fizessem uma oferta comunitária de $10,000 (dez mil dólares). Foi levada à frente do templo
uma lixeira na qual os membros depositavam suas ofertas. Segundo Glaser (2004), a meta foi
alcançada com alguma sobra. Assim, em 1971, a MCC consagrava seu primeiro templo,
sendo considerada a primeira propriedade de uma organização LGBT dos Estados Unidos.
Troy Perry (2007) narra que o rápido crescimento da denominação deu-se devido a
algumas questões: “eram visitados por curiosos, eram visitados por incrédulos, eram jovens,
eram novidade, eram um item no mundo gay e eram ignorados pela comunidade
heterossexual”. Diante do crescimento denominacional, que os fez sair da pequena casa para
procurar um novo espaço, o Reverendo deparou-se com questões teológicas para o

57 I prayed again, and then I looked up and said, “We’re going to have open communion”. There wasn’t a dry
eye in the place. A hush fell over the place and everybody in that small living room was weeping silently. We all
felt that we were a part of something great. God was preparing to move. We were to see God’s handiwork, and
that would be unbelievable.
131

seguimento da igreja, pois o que ele outrora propusera para ser uma “igreja protestante
inclusiva” (PERRY, 2007) recebia pessoas de diferentes tradições religiosas.
Dentre as pessoas que frequentaram o primeiro culto da MCC havia católicos,
episcopais e protestantes de diferentes denominações e correntes teológicas. O Reverendo
Perry explica que sabia que não estava fundando outra igreja pentecostal, mas sim uma “igreja
ecumênica”: “Teria de ser uma igreja que a maioria poderia compreender e facilmente se
identificar, e aceitá-la não como incomum ou estranha. Pareceu-me que ela deveria ser
tradicional, quase como aquelas que eles frequentaram na infância, ou não muito diferente
daquelas” (PERRY, 2007).
A narrativa de Troy Perry (2007) suscita algumas hipóteses sobre sua fidelidade a um
projeto teológico protestante no qual ele havia sido formado. Ele viveu uma tensa dialética
entre tradição e ruptura, fidelidade e subversão. A ruptura com sua igreja local implicaria em
rupturas teológicas a fim de acolher as LGBTs. Buscando formar uma Igreja que incluísse o
maior número de adeptos que faziam parte de um público à margem da religiosidade
convencional, Troy Perry criou seu próprio marketing religioso. A MCC passou a crescer em
volta de seu líder, por isso conhecer sua história torna-se fundamental no intuito de
compreender os rumos que a denominação tomou em seus 51 anos de existência.
É de Troy Perry (1940) a afirmação “o Senhor é meu Pastor, e Ele sabe que eu sou
gay”, citação que inclusive deu nome a um livro biográfico, escrito por Charles L. Lucas
(1972). A referência ao Salmo 23 mostra uma ousadia teológica na qual ele se inclui no
projeto de Deus, afirmando seu pastorado sobre sua vida. Deus não é apenas o pastor, mas
aquele que tudo sabe, que tudo conhece. Por isso, Troy Perry afirma que Ele sabe de sua
homossexualidade. A ciência de sua condição sexual revela muito sobre Troy, mas também
muito sobre Deus, este sendo reconhecido como onisciente, conhecendo os segredos mais
íntimos do ser humano, ainda que este esteja escondido “entre as árvores do jardim” (cf.
Gênesis 3, 8) ou dentro de um armário.
As narrativas do Reverendo sobre a gênese de seu desejo de fundar uma comunidade
cristã para as LGBT partem de uma tentativa de suicídio. Ele conta que depois do término
daquele que foi seu primeiro relacionamento homoafetivo estável, não via mais razão para
continuar vivo, pois havia abandonado tudo para viver sua homossexualidade. Entretanto, o
relacionamento tinha chegado ao fim. Perry (2007), então, tentou suicídio, e foi resgatado por
seus amigos que o levaram ao hospital. Segundo ele, foi no hospital que uma voz suave lhe
132

disse: “Troy, você é meu filho, e Eu quero lhe dizer uma coisa, eu não tenho filhos e filhas
bastardos” (PERRY, 2007, tradução nossa58).
O que ouviu muito se assemelha ao versículo 15, do capítulo 31 de Jó: “Quem me fez
a mim no ventre não o fez também a ele? Quem nos formou a ambos não é um só?”. Troy
passava a se reconhecer não mais como bastardo, mas como filho legítimo, afinal Deus havia
criado a todas e todos. Novamente, uma narrativa de experiência sobrenatural com Deus. São
experiências pessoais, nas quais ele, geralmente, encontra-se sozinho quando Deus se
comunica diretamente com ele, muitas vezes como convicção ou, como nesse caso, por meio
de uma voz audível. Não uma metáfora do pensamento, mas uma voz que realmente escuta
devido ao que considera como sendo um alto grau de intimidade com o próprio Deus.
Sobre sua sexualidade, Troy Perry (2007) conta que sempre soube que era gay. Sua
primeira experiência homossexual foi aos nove anos e, desde então, sua relação com a
homossexualidade foi conflituosa por causa de sua forte relação com tradição protestante, que
considerava o ato como pecado. O protestantismo fundado a partir da cisão com a Igreja
Católica, em 1517, resumidamente, baseia sua doutrina no cumprimento fiel das Escrituras
Sagradas. Sendo assim, com relação à homossexualidade, tradicionalmente possui alguns
textos usados para sua condenação, comumente conhecidos pelas LGBTs como “Textos de
Terror” 59:

 Gênesis 19 – A narrativa de Sodoma e Gomorra;


 Judas vs. 7 – “De modo semelhante, Sodoma e Gomorra e as cidades vizinhas,
por terem se prostituído, procurando unir-se a seres de natureza diferente,
foram postas como exemplo, ficando sujeitas ao castigo de fogo eterno”;
 Levítico 18, 22 – “Não te deitarás com um homem como se deita com uma
mulher. É uma abominação”;
 Levítico 20, 13 – “O homem que se deita com outro homem como se fosse uma
mulher, ambos cometerão abominação; deverão morrer, e o seu sangue cairá
sobre eles”;
 Romanos 1, 26-27 – “Por isso Deus os entregou a paixões aviltantes: suas
mulheres mudaram as relações naturais por relações contra a natureza;
igualmente os homens, deixando a relação natural com a mulher, arderam em

58 Troy, you're my son, and I want to tell you something, I do not have bastards sons and daughters.
59 Esses textos já foram discutidos em uma perspectiva histórico-crítica e inclusiva por autores como Wilson
(2012), Feitosa (2010), Miner e Connoley (2014), Helminiak (1998) e Bimbi (2013).
133

desejo uns para com os outros, praticando torpezas homens com homens e
recebendo em si mesmos a paga da sua aberração”;
 1 Coríntios 6, 9-10 – “Então não sabeis que os injustos não herdarão o Reino
de Deus? Não vos iludais! Nem os devassos, nem os idólatras, nem os
adúlteros, nem os depravados, nem as pessoas de costumes infames, nem os
ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os injuriosos herdarão o
Reino de Deus”.

Interessa ressaltar que, para esses dois últimos versículos, por exemplo, algumas
traduções bíblicas optaram por colocar o termo “homossexual”, como no caso da Nova Versão
Internacional, utilizada por várias igrejas protestantes, que se consideram progressistas. O
texto traduzido de forma anacrônica diz: “Vocês não sabem que os perversos não herdarão o
Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem
homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem
caluniadores, nem trapaceiros herdarão o Reino de Deus”. Não somente foram incluídos os
homossexuais, como foram separados em passivos e ativos. Ou seja, qualquer que seja a
prática homossexual, essa é compreendida como pecado e separa o ser humano do prometido
Reino de Deus.
Ainda hoje, algumas igrejas cristãs baseiam seus discursos discriminatórios contra as
LGBTs em uma leitura fundamentalista desses versículos. Diante da opressão causada pelo
uso indevido desses textos e da tradição contrária à prática homossexual no ambiente cristão,
Troy Perry (2007) resume que sua vida baseava-se em “pecar” e “pedir perdão”. Entretanto,
considerava-se vocacionado para o ministério pastoral, e para ser ordenado pastor em sua
igreja era exigido que fosse casado. Por isso, aos 18 anos, casou-se com a filha de seu líder
pastoral e com ela teve dois filhos, entretanto, continuou tendo relações homossexuais.
Relações esporádicas, sem envolvimento afetivo, com homens os quais ele não sabia nem o
nome. Sua relação com a homossexualidade, e com sua esposa, mudou a partir da leitura de
One Magazine: the homossexual viewpoint (Revista Um: o ponto de vista homossexual) e do
livro The homosexual in America: a subjective approach (O homossexual na América: uma
abordagem subjetiva), de Donald Webster Cory, que, segundo Troy Perry (2007), foi um meio
de “Deus lhe dizer que havia milhares de pessoas como ele”.
Novamente, em seu relato, ele usa o recurso de afirmar que “Deus fala com ele”, às
vezes com frases, de maneira audível como foi feito no hospital, ou como agora por meio de
objetos. Para o pentecostal, o livro usado tradicionalmente para a comunicação de Deus com
134

seus fiéis é a Bíblia, entretanto, neste caso, foi um livro gay. Essa é uma subversão teológica
que merece destaque, porque a moral em torno do então pecado da homossexualidade está
ruindo em nome da sua própria prática homossexual.
Foi, então, quando Troy Perry teve uma relação com um membro da igreja, que foi
forçado a se assumir para sua esposa, pois havia sido delatado para a liderança da comunidade
pelo próprio parceiro. Ele afirma que decidiu não ser mais desonesto consigo mesmo,
confessando-se homossexual para sua esposa. Ela foi embora com as crianças (uma delas de
três anos), e por 17 anos ele não viu seus filhos. A narrativa não esclarece o que ocasionou
essa ruptura, se foi decisão do próprio pai de não vê-los ou se ele foi impedido de alguma
maneira. Troy Perry (2007) conta que, por causa dessa situação, teve uma discussão com
Deus: “Ok, Deus, perdi minha família, perdi a igreja, estou cansado disso. [...] Sei que o
Senhor me chamou, mas eu não vou tentar novamente. E, Deus, eles dizem que o Senhor me
odeia. Tudo que lhe peço é que não me incomode e eu prometo não incomodá-lo” (PERRY,
2007). A relação que ele estabelece com Deus é de horizontalidade, quase “coagindo” Deus,
ele apresenta suas queixas e perdas atribuídas a sua homossexualidade.
Em 1965, estando divorciado e não sendo mais pastor, Troy Perry é convocado pelas
Forças Armadas a servir ao exército norte-americano na Alemanha. Ao retornar, decide morar
junto com um amigo e acaba se apaixonando por um conhecido dele. Após viver sua primeira
paixão homossexual por cerca de seis meses, ele é traído, a relação tem fim e ele tenta o já
narrado suicídio. Durante essa experiência, Perry (2007) afirma que Deus falou com ele, e por
isso passou a ter a convicção de que era, ao mesmo tempo, cristão e abertamente
homossexual.
A solução para os conflitos entre homossexualidade e cristianismo não vieram, então,
de nenhum estudo teológico profundo, de nenhuma releitura das Sagradas Escrituras por meio
de um viés liberal ou por meio de uma ruptura com o protestantismo, mas sim de uma
“conversa com Deus”, na qual Ele diz que o aceita como seu filho. Essa convicção foi
suficiente para que o Reverendo experimentasse o desejo de compartilhar esse entendimento
com seus pares.
Entretanto, foi somente ao tirar um amigo da prisão que lhe ocorreu a ideia de fundar
uma comunidade cristã para LGBTs. Seu amigo afirmou que ninguém se importava com ele, e
Perry respondeu que Deus se importava. O amigo irritou-se e disse que aquilo não era
verdade. Depois do ocorrido, Troy se viu sozinho com Deus e se pôs a orar questionando
sobre a possibilidade de abrir uma igreja e quando isso deveria acontecer. Conta que ouviu
uma pequena voz respondendo: “agora”. Sem nenhum apoio de outro religioso, decidiu criar
135

sua própria denominação cristã inclusiva, publicando o já mencionado anúncio na revista The
Advocate.
Ao fundar a MCC, Perry desejava que seus fiéis fizessem “tudo” que uma igreja faria.
Por isso, uma das pautas escolhidas para sua atuação tanto como sacerdote quanto como
militante, foi o casamento igualitário. Devido à relevância da pauta para a Igreja, cabe aqui
uma breve discussão sobre o assunto no sentido de perceber as tensões que se dão em torno da
temática.
Para Perry (2007), o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma marca pelos
direitos civis, e ainda que não fosse reconhecido legalmente, ele o faria religiosamente.
Segundo Birkitt (2013), o Reverendo realizou o que ficou reconhecida como sendo a primeira
cerimônia pública de casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos, em
dezembro de 1969, na Califórnia. A revista Life deu destaque à imagem de Perry realizando
um casamento entre dois homens (anexo F).
Apesar do forte envolvimento da MCC com a pauta, vale ressaltar que o desejo pelo
casamento entre pessoas do mesmo sexo não é consenso entre as LGBTs. Miskolci (2007)
problematiza a questão ponderando que a luta pelo casamento igualitário poderia ser
compreendida como uma resposta da comunidade LGBT aos estigmas sociais que lhe foram
atribuídos, principalmente em decorrência da síndrome de imunodeficiência adquirida -
AIDS.
Conforme Miskolci (2007, p. 109-110),

a possibilidade do casamento aponta para uma normalização das relações amorosas


entre pessoas do mesmo sexo, pois o reconhecimento estatal levaria a uma
delimitação das relações aceitáveis como sendo apenas aquelas que pudessem
resultar em “casamento”, o que automaticamente relegaria à ilegitimidade as
relações fora dos padrões hegemônicos (entre gerações diferentes, entre classes
sociais distintas ou com pessoas de origem étnica, religiosa ou cultural diferentes do
grupo familiar de origem). Assim, o casamento constituir-se-ia em um mecanismo
de normalização social poderoso e com consequências ainda pouco discutidas pelo
movimento GLBT60.

Assim, o casamento apresenta-se, também, como uma forma de controle social e


enquadramento das relações amorosas em padrões normativos. Miskolci (2007) explica que a
luta pelos direitos civis acabou se dando a partir de questões como o casamento e a família, e
em um ambiente de intolerância (tanto à época da fundação da MCC, quanto agora). O debate
sobre esses temas torna-se o que o autor nomeia “mobilização domesticadora”. Para serem

60 A sigla GLBT foi comumente usada para representar os Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais. Em 2008,
na 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais a sigla foi alterada para
LGBT pelo movimento social.
136

socialmente aceitas, relações homoafetivas teriam que passar pelo crivo do casamento, para
constituírem, então, famílias.
Outro argumento possível é o apreendido por Miskolci (2016) a partir de Butler. A
pergunta que é levantada é a seguinte: “por que a pessoa com quem você tem uma relação
amorosa e sexual é justamente a pessoa da qual você vai exigir um contrato com garantias
sobre bens, dinheiro e direitos?” (MISKOLCI, 2016, p. 64). Assim, percebe-se que as
suspeitas à norma, e subversão aos esquemas dados, permitem novas configurações sociais,
por meio de outras propostas de relações.
Mesmo diante da complexidade da temática, o direito pelo casamento igualitário foi e
é uma pauta de luta pelos direitos civis das LGBTs. Um caso muito próximo à realidade
brasileira, na qual o casamento igualitário é garantido por uma decisão do Judiciário61, deu-se
na Argentina. Bimbi (2013) apresenta uma extensa narrativa sobre como se deu o processo
naquele país, tendo sido um importante interlocutor da pauta tanto quanto na Argentina como
no Brasil. É importante ressaltar que a pauta sobre o casamento igualitário não é sanada
quando a justiça oferece a união civil a casais homoafetivos. A disputa não é somente por
herança ou pensão, mas por dignidade jurídica, reconhecendo o homossexual como ser pleno
de direitos e não como cidadão de segunda categoria.
Assim, a questão na Argentina deu-se de maneira tensa, muito radicalizada pelos
grupos fundamentalistas, tanto protestantes quanto católicos. Segundo Bimbi (2013, p. 408),
“parecia que o que estava em discussão, mais do que o casamento, era o que cada casal fazia
na cama”. A pauta de costumes não reconhecia o homossexual como cidadão, sendo ele
reduzido às suas práticas homoafetivas, por meio de argumentos baseados em leituras
fundamentalistas das Escrituras Sagradas: “É difícil discutir com alguém que invoca um poder
sobrenatural e te diz: ‘eu tenho razão porque Deus está comigo, você vai para o inferno e não
se discute o que está na Bíblia’” (BIMBI, 2013, p. 408).
Os conflitos surgem pautados pelos fundamentalismos e pelo desejo da tradição em
manter o status quo. Felizmente, no caso argentino, em 2010, a luta por direitos civis superou
o discurso religioso tradicional, fazendo daquele país o primeiro na América Latina a criar
uma lei que autoriza o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o seu território
nacional.
É importante compreender que existem outras formas cristãs de vivência do
casamento. No ambiente religioso da MCC, o casamento é um rito, diferentemente de outras

61 Casamento civil igualitário no Brasil: decisão do Supremo Tribunal Federal (união estável, 2011); resolução
do Conselho Nacional de Justiça (175/2013).
137

tradições que o compreendem como um sacramento, conforme reza seu Estatuto, artigo III, B,
3 (anexo B, tradução nossa 62):

O rito da Santa União/rito de Santo Matrimônio é a união espiritual de duas pessoas


em uma maneira apropriada e adequada por um clérigo devidamente autorizado,
líder pastoral interino de uma igreja local ou por um(a) Bispo(a) da FUICM. Depois
de ambas terem sido aconselhadas e informadas das suas responsabilidades mútuas,
pode ser realizado o rito que confere a bênção de Deus.

A partir da pauta do casamento, percebe-se que o desejo de Troy Perry sobre as


atuações de sua Igreja, não somente rompeu com a tradição cristã hegemônica, mas também
se atentou à continuidade de uma instituição de fé organizada por ritos e símbolos. Assim,
são, também, ritos estatutários da MCC: ordenação, obtenção de título de membresia, funeral
ou culto memorial, imposição de mãos e benção.
Segundo DaMatta (1997b),

rito e cerimonial podem ser compreendidos como sinônimos. Comumente,


cerimonial está ligado às questões seculares, enquanto rito às questões místicas. O
ritual é algo plenamente compatível com o mundo da vida diária e os elementos do
mundo diário são os mesmos elementos do ritual. Ritos são momentos especiais de
convivência social, colocando em close up as coisas do mundo social. É muito
provável que as imensas possibilidades de se terem ritos estejam relacionadas a um
problema mais difícil e mais profundo, o simples fato de toda a vida social ser de
fato, um “rito” ou “ritualizada”. Sendo o mundo social fundando em convenções e
símbolos, todas as ações sociais são realmente atos rituais ou atos passíveis de uma
ritualização. Na performance do ritual, há a separação e inserção de um elemento em
determinado contexto. Nada de novo precisa ser realmente inventado, o que se faz é
“o deslocamento de um elemento para um contexto do qual ele está normalmente
excluído”. O reforço ou separação “é um mecanismo em que a escolha parece ser
daquilo que está submerso (ou em vias de submergir) do que está dentro e, por isso
mesmo, não está sendo devidamente percebido”. É o discurso de rituais formais ou
ritos de respeito. Já o mecanismo da inversão tem por objetivo provocar um
deslocamento completo de elementos de um domínio para outro do qual esses
elementos estão normalmente excluídos. (DAMATTA, 1997b, p. 47, 72, 78, 79).

Pensar essa categoria de exclusão, em um ambiente de igreja para as LGBTs, torna-se


importante na medida em que o rito do casamento apresenta-se teologicamente subversivo.
Não é somente um casamento homoafetivo que está sendo realizado, como também está
sendo celebrado por um líder espiritual assumidamente gay.
É oportuno pensar que a relação da denominação com seu Estatuto dá-se de maneira
livre, mais como orientação do que regulação. Neste caso, por exemplo, o casamento diz
respeito à união espiritual entre duas pessoas, mas seria possível, em situação de uma relação

62 The RITE OF HOLY UNION/RITE OF HOLY MATRIMONY is the spiritual joining of two persons in a
manner fitting and proper by a duly authorized clergy, Interim Pastoral Leader of the church, or UFMCC
Elders. After both persons have been counseled and apprised of their responsibilities one toward the other, this
rite of conferring God’s blessing may be performed.
138

poliamorosa63, o líder espiritual resolver a questão entre os membros da comunidade local,


pois a igreja afirma-se em um dos seus principais pilares: a comunidade. Para esse caso em
específico, seria possível o uso do “rito da benção”, no qual pessoas, coisas e relações podem
ser abençoadas.
Ainda que Miskolci (2007) aponte questões sobre uma possível imposição de padrões
heteronormativos ao pensar sobre a luta por casamento, em um âmbito de direitos civis, se
refletida na perspectiva da religião, sua reivindicação pode ser compreendida como um ato
emancipador. É possível conceber que a MCC lançou mão dessa temática desafiando os
parâmetros teológicos da época, como também fazendo do casamento igualitário uma pauta
de um marketing religioso. Primeiro, porque esse sempre foi um tema controverso que atraiu
a grande mídia, não somente no final da década de 1960 nos Estados Unidos, como ainda
agora, no Brasil, é uma temática presente. Também, por despertar o interesse de pessoas que
se aproximam da denominação com o interesse pelo matrimônio. E, finalmente, por
manterem, como Igreja, a ideia nuclear de família.
O casamento era um desejo pessoal de Troy Perry. Durante seis anos, ele marchou em
todos os Valentine’s Days (como o Dia dos Namorados brasileiro, que acontece no dia 14 de
fevereiro, nos Estados Unidos), em frente ao cartório de Los Angeles, requerendo seu
casamento com seu parceiro. Tendo o estado da Califórnia indeferido seus inúmeros pedidos,
os dois optaram casar-se no Canadá, em 2003, onde o casamento era legal. Ao voltarem a Los
Angeles, decidiram, juntamente com sua amiga, Robin Tyler e sua companheira, entrar na
justiça solicitando o reconhecimento de seus casamentos. Em 15 de maio de 2008, os dois
casais homossexuais foram os primeiros a serem legalmente reconhecidos como casados no
estado da Califórnia.
A preocupação com a pauta do casamento igualitário fez e faz parte de sua
compreensão como Igreja, passando pela forma como se organiza de maneira
institucionalizada. Uma eclesiologia, sendo esta considerada como sendo a perspectiva com a
qual a denominação trata de suas doutrinas é, segundo Best (2005), “a visão de uma igreja
acerca de si própria, de como se organiza e como cada igreja se relaciona com as outras e com
o mundo”. De acordo com Hackmann (2003), “eclesiologia é o estudo da Igreja, ou seja, da
comunidade de fiéis, reunidos em nome de Jesus Cristo, com o intuito de constituir a
comunidade de salvação fundada por ele e, assim, continuar sua missão”.

63 O poliamor é um modelo de relacionamento amoroso não-monogâmico.


139

Ao se falar em eclesiologia inclusiva, ou seja, uma proposta eclesiológica de inclusão


das LGBTs, observa-se que desde o primeiro culto celebrado pela MCC houve uma
preocupação com a formalização da denominação em nível institucional, não somente
administrativamente, como também para atender às diferentes confissões de fé que passaram a
frequentar os cultos. Assim, foi criada a Fraternidade Universal das Igrejas da Comunidade
Metropolitana (FUICM) no intuito de cuidar das demandas administrativas e eclesiásticas da
denominação.

Gráfico 2: Organização das Igrejas da Comunidade Metropolitana

Fonte: Adaptado, MCC, 2015.64

A Junta de Governo da MCC é um conselho administrativo que atua em nível


internacional na Fraternidade e é escolhida durante a Conferência Geral, que acontece a cada
três anos, sendo composta por nove pessoas, quatro leigos e quatro clérigos, sendo a nona
pessoa o próprio Moderador da Fraternidade. Com poderes para ordenação e remoção de
cargos clericais, é o órgão máximo da FUICM.
A Moderação é um cargo ocupado por uma pessoa eleita durante a Conferência Geral,
segundo o Estatuto, com a função de impulsionar a missão e a visão da FUICM em todo o
mundo e através da prática do desafio profético, a criatividade, a autoridade espiritual e
pastoral, e liderança. Como um porta-voz da MCC, é um membro com direito a voto e preside
reuniões da Junta de Governo e do Conselho de Bispos; modera a Conferência Geral, nomeia
clérigos e clérigas e supervisiona funcionários da FUICM. Seu mandato é de seis anos; nesse
período participa de eventos globais, com objetivo de ensino e formação, estabelecendo

64
O organograma apresentado esteve em atividade durante todo o período da pesquisa. Entretanto, desde outubro
de 2019 tem passado por importantes reconfigurações. Como nem todas as mudanças foram aplicadas quando da
defesa da tese, optou-se por manter o organograma anterior como exemplo de como funciona a MCC
administrativamente.
140

relações com comunidades. Tem, também, uma preocupação ecumênica e de justiça social no
mundo procurando, assim, estabelecer redes de contato com outras instituições, sejam elas
religiosas ou não (ESTATUTO MCC, 2019).
Desde a sua fundação até 2005, Troy Perry foi o Moderador, cargo máximo da MCC,
quando decidiu aposentar-se. Foi, então, eleita a Reverenda Bispa Nancy Wilson para
substituí-lo. Wilson foi eleita duas vezes para a Moderação (2005-2016), quando decidiu
afastar-se. A eleição para a Moderação é feita na Conferência Geral das MCCs, que em 2016
aconteceu em Vitória, Canadá. No pleito, existem duas câmaras, a laica e a clerical. Para ser
eleita/o, a/o candidata/o deve atingir 2/3 dos votos em ambas às câmaras. Nessas eleições,
nenhum/a candidato/a atingiu esse quantitativo na câmara dos clérigos, deixando o cargo de
moderação vacante, conforme reza do Estatuto, artigo V, E, 2, d:

vacante o posto de moderador/a: em caso de vacante o mandato de moderador/a, a


Junta de Governo deve eleger um/a Moderador/a Interino/a para cobrir a vaga até a
próxima Conferência Geral, quando uma eleição deve ser realizada para cobrir-se a
vaga. O término do mandato do/a Moderado/a eleito/a pela Conferência Geral para
substituir a vacância será de seis anos. (ESTATUTO MCC, 2019, tradução nossa 65).

Nesse caso, coube à Junta de Governo escolher a moderação interina, que nomeou a
Reverenda Rachelle Brown como Moderadora Interina das MCCs, ou seja, sua líder espiritual
e administrativa, de outubro de 2016 até a próxima Conferência Geral, realizada em Orlando,
em 2019. A revista Advocate fez uma matéria sobre a vida pessoal de Rachelle Brown pelo
fato de ela viver uma relação poliamorosa (ANDERSON-MINSHALL, 2017). Há nove anos,
a Moderadora vive com duas mulheres em uma relação estável. As três são tutoras de um
menino de sete anos. Sobre sua relação, Rachelle Brown considera que

toda a questão da igualdade matrimonial tem um elemento subjacente ‘mas eu quero


ser aceito como real’ na narrativa. Eu não acho que isso seja ruim. É importante ter
algum ritual de validade. Como cristã, acredito no ritual, obviamente. Fazemos
muito ritual. Há o ritual que valida e o ritual que o apresenta diante de Deus de
maneiras realmente poderosas, e acho que são muito significativas e importantes.
[...] Eu entendo, pessoalmente, o casamento como uma construção, uma construção
social e que existem muitas maneiras de fazer votos e assumir compromissos. Esta é
uma maneira de fazer uma aliança e mantê-la. (BROWN in ANDERSON-
MINSHALL, 2017, tradução nossa 66).

65 VACANCY IN THE OFFICE OF MODERATOR: In the event of a vacancy in the office of Moderator, the
Governing Board shall elect an Interim Moderator to fill the vacancy until the next General Conference, when
an election shall be held to fill the vacancy. The term of office of the Moderator elected by General Conference
to fill the vacancy shall be six (6) years.
66 I think the whole marriage equality thing has an underlying ‘but I want to be accepted as real’ element in the
narrative. I don’t think that’s a bad thing. It’s important to have some ritual of validity. As a Christian, I believe
in ritual, obviously. We do a lot of ritual. There’s ritual that validates and ritual that presents you before God in
really powerful ways, and I think those are very meaningful and very important. […] I understand, personally,
141

Rachelle assume sua relação poliamorosa publicamente. Em suas redes sociais existem
diversas fotos e declarações; ela a compreende como uma aliança, um compromisso público.
O que em outras tradições seria um impeditivo para sua presença no cargo, não foi um
demérito para a sua escolha pela Junta de Governo para que ocupasse o cargo máximo da
FUICM.
Apesar de Troy Perry ter se afastado de sua função como Moderador da MCC em
2005, ele não parou com sua agenda de pregações, palestras e militância ao redor do mundo
(PERRY, 2016). O quadro de bispas e bispos da MCC atualmente é composto por nove
pessoas, sendo quatro homens e cinco mulheres, sendo uma delas a nova Moderadora da
Igreja, a inglesa Revª Bispa Cecilia Eggleston, eleita na Conferência Geral realizada em
Orlando, EUA, em julho de 2019.
O Instituto de Justiça Global no alto do organograma diz muito sobre o que a FUICM
pretende ser como denominação religiosa. A primeira reunião do Instituto aconteceu em 9 de
maio de 2006, ainda sob a moderação da Reverenda Bispa Nancy Wilson. Suas diretrizes
seguem os aspectos humanísticos dos Princípios de Yogyakarta, responsável por traçar
cânones e preceitos acerca da aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em
relação à orientação sexual e identidade de gênero. Os princípios são: “vá somente onde for
convidado, assuma que tem muito a aprender, escute a seus anfitriões, forje parcerias,
responda quando necessário, compreenda que sua necessidade é a da promoção dos direitos
humanos no mundo” (GLOBAL, 2019).
Como missão, o Instituto de Justiça Global assume a seguinte declaração: “ser um
agente de mudança construindo pontes que libertam e unem vozes de desafio sagrado em atos
de justiça” (GLOBAL, 2019). Assim, a justiça global torna-se um imperativo cristão,
fundamentado pela epígrafe do site oficial da instituição: "O Espírito do Senhor está sobre
mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar
liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar
o ano da graça do Senhor" (cf. Lucas 4, 18-19).
A Equipe Diretiva de Liderança, a Formação de Desenvolvimento de Lideranças, Vida
e Saúde das Igrejas, Ministérios Emergentes e Operações são órgãos mais voltados para as
igrejas locais. Preocupados com a capacitação de novas lideranças e implantação de novas
igrejas, se destacam por se dividirem globalmente, permitindo que mesmo as menores igrejas
tenham acompanhamento e material para crescimento e desenvolvimento.

marriage as a construct, a social construct and that there are many ways to make vows and make commitments.
This is a way of making a covenant and keeping it.
142

O Estatuto que rege a Fraternidade recebe emendas ao seu texto que são votadas no
Business Meeting que acontece durante as Conferências Gerais da Igreja. Ele é um documento
prático que aborda as seguintes questões:

 Artigo I – nome;
 Artigo II – propósito;
 Artigo III – sacramentos e ritos;
 Artigo IV – ministério;
 Artigo V – governo, organização e ofícios;
 Artigo VI – membresia na FUICM;
 Artigo VII – cultos da Igreja;
 Artigo VIII – encontros da Igreja;
 Artigo IX – finanças da Igreja;
 Artigo X – reserva de poderes;
 Artigo XI – adoção e emendas.

Conhecer a eclesiologia da MCC passa não somente por seu Estatuto, como também,
pela nova proposta de Declaração de Fé. A declaração sempre esteve presente no Estatuto da
Fraternidade, quando na Conferência Geral de 2013 foi sugerida a revisão do documento. Foi
iniciado, então, um processo aberto a todas as igrejas para sugestões. Na Conferência Geral de
2016, realizada em Vitória, no Canadá, foi aprovada, por unanimidade, a nova Declaração de
Fé (MCC, 2018):

Preâmbulo
As Igrejas da Comunidade Metropolitana são um capítulo na história da Igreja, o
Corpo de Cristo. Somos pessoas em uma jornada, aprendendo a viver em nossa
espiritualidade, enquanto afirmamos nossos corpos, nossos gêneros, nossas
sexualidades. Nós não cremos, exatamente, nas mesmas coisas. E, mesmo assim, em
meio à nossa diversidade, nós construímos nossa comunidade, fundamentados no
radical e inclusivo amor de Deus por todos os povos. Somos parte de um diálogo em
andamento, em questões de crença e fé, formado pelas Escrituras e pelos credos
históricos, construídos segundo os que nos precederam. Nosso capítulo começa
quando Deus nos diz: “Venham, provem, e vejam!”.

Nossa Fé
“Venham, provem, e vejam!”. Jesus Cristo, você convida todos os povos para Sua
mesa aberta. Você faz de nós Seu povo, uma comunidade amada. Você restaura a
alegria de nosso relacionamento com Deus, mesmo em meio à solidão, ao desespero
e à degradação. Somos pessoas únicas e todas parte de um todo, o sacerdócio de
todos os crentes. Batizadas e cheias com Seu Santo Espírito, você nos empodera a
ser sua presença curadora em um mundo ferido.
143

Esperamos ver Seu Reino, na terra assim como no céu, enquanto trabalhamos por
um mundo onde todos tenham o suficiente, as guerras cessem, e toda a criação viva
em harmonia. Nós afirmamos Sua missão a toda a humanidade de cuidar da terra, do
mar e do ar. Portanto, resistiremos, ativamente, aos sistemas e estruturas que estão
destruindo Sua criação.
Com toda a criação, nós Te adoramos - cada tribo, cada língua, cada povo, cada
nação. Nós O conhecemos por muitos nomes, Deus Triúno, além da compreensão,
revelado a nós em Jesus Cristo, que nos convida à festa. Amém.

A divulgação da nova Declaração de Fé foi acompanhada de um documento com mais


de 80 páginas, o Companion Guide to the MCC Statement of Faith (Guia Complementar a
Declaração de Fé da ICM), que explica cada item como sendo “parte da constante abertura
para um diálogo dentro da ICM”. O documento apresenta a Declaração de Fé como uma
oração, com linguagem simples, não sexista, com o intuito de proporcionar uma comunicação
íntima com Deus, e que deve ser usada a cada culto.
O preâmbulo da Declaração de Fé começa incluindo as MCCs na história da Igreja.
Um preâmbulo é um texto introdutório, com o intuito de apresentar. As MCCs preocuparam-
se em colocar na primeira frase de sua apresentação uma afirmação: “somos um capítulo na
história da Igreja”. Assim, não pretendem ser uma igreja à parte, mas sim reivindicar um lugar
na história da Igreja Cristã, o Corpo de Cristo. Ao afirmar a Igreja como sendo o Corpo de
Cristo, fazem menção a metáforas usadas no Novo Testamento, nas quais a Igreja é
comparada ao Corpo do Cristo, como em Efésios 5, 23; 1 Coríntios 12, 27; Colossenses 1,
24; entre outros.
Em segundo lugar, falam sobre uma jornada, típica da narrativa de Êxodo (a partir de
Êxodo 15), comumente usada pela Teologia da Libertação. O Êxodo fala da saída do lugar da
opressão, da escravidão, em busca de um lugar prometido, de paz. Nessa jornada, que está em
andamento, aprendem sim sobre espiritualidade, mas essa atrelada à afirmação de seus corpos,
gêneros e sexualidades. São os princípios de uma Teologia Queer, a qual prevê a não
dissociação da sexualidade com a espiritualidade, ou seja, uma “espiritualidade encarnada”.
O preâmbulo afirma categoricamente: “nós não cremos, exatamente, nas mesmas
coisas”. Tradicionalmente, o objetivo de uma Declaração de Fé, de um Credo, é juntar
elementos de uma fé em comum, entretanto, aqui, sem ressalvas, afirmam que não existe uma
preocupação em crer nas mesmas coisas. Pois, mesmo em meio à diversidade, constroem a
comunidade, fundamentados no radical e inclusivo amor de Deus por todos os povos.
A diversidade de pensamento, de crenças, de pessoas é uma perspectiva-chave para
uma Teologia Queer, que presume essa multiplicidade como sendo algo a ser acolhido e não
combatido por uma pretensa heterogeneidade. Segundo o Companion Guide (2016), “nós
144

celebramos nossa diversidade, juntamente com os desafios e as tensões que ela traz.” Assim, a
comunidade é construída em meio à multiplicidade não somente de crenças, como também de
sexualidades, gêneros e corpos. O preâmbulo menciona o “radical e inclusivo amor de Deus”,
termo fundante para as MCCs, que prevê a radical aceitação das sexualidades divergentes.
Além disso, o preâmbulo afirma que as MCCs são parte de um diálogo em andamento, em
questões de crença e fé, o que explica uma Conferência Geral das MCCs ter cultos tão
diversos, com perspectivas de celebrações ecumênicas, com reiki, com drag queens, entre
outras atividades tradicionalmente excluídas do ambiente cristão. Interessa ressaltar que o
diálogo que preveem, afirmam ser baseado nas Escrituras e nos Credos Históricos, ratificando
assim a ideia de ser um capítulo da Igreja, respeitando toda a história que as precedeu.
Segundo o Companion Guide (2016), alguns credos colaboraram com a formação da
identidade da FUICM. O Credo Apostólico, o Credo Niceno, o Credo Calcedoniano e o Credo
Atanasiano. O Credo Apostólico começou a ser usado pela denominação entre 1972 e 1973
por meio de sua tradução Textus Receptus, considerada como sendo a mais antiga tradução.
Esse credo é o mais conhecido dos leigos cristãos, sendo utilizado nas liturgias católicas e
reformadas.
Do Credo Niceno, a denominação usufrui de sua reflexão sobre a trindade. O texto do
credo apresenta Deus, o Senhor Jesus Cristo e o Espírito Santo como sendo a mesma pessoa,
porém com características próprias na economia trinitária. Do Calcedoniano, a FUICM se
apropria da ideia da plena divindade e humanidade de Jesus.
Com relação ao Credo Atanasiano, somente na Declaração de Fé de 1973 a FUICM
afirmou que confirmava a proposta do credo. Logo ele foi removido, tendo em vista que
objeções foram levantadas com relação às suas definições estritas de fé adequada e sua
advertência de que qualquer um que não concordasse com ela não seria salvo. O que se
percebe com a Declaração de Fé de 2016 é uma radicalização dessa abertura, buscando incluir
a todas e todos seus membros em sua confissão de fé. O exercício da abertura é fruto de 51
anos de história, nos quais a denominação passou por revisões profundas sobre qual era o
edifício que sustentava sua prática de fé. Concluíram que era Cristo. Em Cristo percebem
Deus em sua plenitude, e também a humanidade em sua plenitude. Em Cristo ressignificam
sua missão e propósito. Dele recebem o convite para a festa: “Venham, provem, e vejam!”
O preâmbulo da Declaração de Fé afirma como começa esse capítulo na história da
igreja e da abertura ao Sagrado, com um convite feito pelo próprio Deus às ICMs, ou seja,
Deus fala intimamente com elas: “Venham, provem, e vejam!”. Em “Nossa Fé”, o convite do
preâmbulo é reafirmado. Em menção ao “Venham e vejam” de João 1, 39 e ao “Provai e vede
145

que o Senhor é bom” do Salmo 34, 8, “venham, provem e vejam” faz referência à encarnação
do Cristo. Alguém que pode ser provado e visto, imanente, no chão-da-vida, com gosto, afeto,
cores e apto a se relacionar.
Segundo o Companion Guide (2016), um Cristo totalmente Deus e totalmente
humano, que convida todos os povos para Sua mesa aberta. Todos os povos são convidados,
não somente alguns são escolhidos, o que faz menção a uma radical inclusão. O conceito de
“mesa aberta” é fundante para a Santa Ceia das MCCs. Troy Perry (2007) conta que, desde o
primeiro culto em sua casa, ele optou por oferecer uma mesa aberta, que não fizesse distinção
de credo, pois as pessoas que ele receberia ali seriam, muitas vezes, aquelas que foram
proibidas de ter livre acesso à comunhão em suas congregações por sua condição sexual.
Propondo o que consideram um avanço em relação ao Estatuto da FUICM, que prevê a
crença, confissão e arrependimento para participação na Santa Ceia, a atual Mesa Aberta da
MCC, segundo sua nova Declaração de Fé, considera que essas condições estão em desacordo
com sua prática. Ao convidarem à Mesa, costumam dizer que aquela não é a mesa da MCC,
mas a Mesa de Cristo, estando, então, todas e todos convidados a participar. A comunhão, que
deve ser oferecida em todos os cultos semanais, é um convite para todos os presentes,
independentemente de membresia ou de confissão de fé. O Cristo, que convida para sua mesa
aberta, faz das MCCs o seu povo. É dele a chancela de que eles são povo de Deus67.
Esse mesmo Cristo é o restaurador, o mediador do relacionamento humano com Deus,
“mesmo em meio à solidão, ao desespero e à degradação”. Não é mencionado, conforme
explica o Companion Guide (2016), nada sobre o pecado ou seus efeitos, evitando, assim,
palavras que pudessem servir como “pedras de tropeço”. Muitos dos frequentadores das
MCCs suspeitam da palavra “pecado” por terem sido acusados de pecadores por sua
orientação sexual ou identidade de gênero. Ainda assim, mesmo em meio às dores de solidão,
desamparo da família devido a não aceitação da condição sexual ou de gênero, LGBTfobia,
Cristo apresenta-se como o restaurador e o mediador.
A Declaração de Fé é inclusiva e afirma que as pessoas das MCCs são pessoas únicas,
singulares e ainda sim partes de um todo, o sacerdócio de todos os crentes. Aqui faz menção a
uma ideia atribuída a Lutero que, segundo Leandro Hofstätter (2013) pode ser assim
explicada: “o cristão é livre – pela fé – de qualquer dever a qualquer pessoa deste ou do outro
mundo. O cristão é servo – pelo amor – a toda e qualquer criatura!” (HOFSTÄTTER, 2013).

67 A perspectiva da igreja como povo de Deus também é abordada pelo Concílio Vaticano II da Igreja Católica
Romana, mais especificamente o capítulo II da Constituição Dogmática sobre a igreja, a Lumen Gentium, de
1964.
146

Assim, hierarquias tão rechaçadas por Lutero deveriam ser combatidas e todas e todos fariam
parte de um sacerdócio universal de dever um para com o outro. E o que capacita e empodera
esse sacerdócio é o Santo Espírito de Deus por meio de seu batismo, aqui em referência ao
batismo espiritual, apresentado em Atos dos Apóstolos, capítulo 2. O Companion Guide
explica que não são todos os membros das MCCs que acreditam em um batismo espiritual,
mas como denominação, escolhem viver nessa “tensão”. O encher do Espírito Santo não é
para um bem-estar pessoal, para uma sensação prazerosa, ou para uma vivência pessoal, mas
sim tem como objetivo de ser a presença curadora do próprio Espírito em um mundo ferido.
Segundo o Companion Guide (2016), a proposta teológica da MCC pretende afastar-se
da perspectiva de inferno, propondo a ideia de um encontro do céu e terra (cf. Apocalipse 21,
3). Essa espera pelo Reino de Deus, entretanto, não é uma espera passiva, mas sim uma espera
ativa. Uma luta social para que todos tenham o suficiente, uma luta política para que as
guerras cessem e uma luta por uma nova compreensão humana, a fim de que como cidadãos
planetários, enfim alcancem harmonia com toda a criação. As MCCs compreendem ser essa
uma missão do próprio Cristo, que é agora de toda a humanidade, a de cuidar da terra, do mar
e do ar (cf. Gênesis 1, 26), fundamental para as perspectivas teológicas contemporâneas68.
É nesse contexto que a denominação propõe-se a resistir, ativamente, aos sistemas e
estruturas que estão destruindo a casa comum, a criação de Deus. Essa resistência dá-se por
meio, principalmente, de seu Instituto de Justiça Global. Na luta pelos Direitos Humanos, ele
cria condições humanitárias para uma compreensão da cidadania. A finalidade do cuidado
com a criação é a adoração a Deus, com todos os povos, sendo de diferentes tribos, línguas ou
nações. A Declaração afirma reconhecer o Deus Triúno, aqui afirmando a Trindade – Deus
Pai, Filho e Espírito Santo – por muitos nomes e, segundo o Companion Guide (2016), não
somente os diversos substantivos a ele dedicados nas Escrituras, como também nomes de
outras deidades, pois a revelação continua acontecendo – o que é além da compreensão.
A Declaração de Fé das ICMs começa com um convite: “Venham, provem, e vejam” e
termina com um convite: “que nos convida à festa”. Essa festa faz menção ao grande
banquete de Deus, narrado em Apocalipse 19. A FUICM inclui-se no projeto salvífico de
Deus, o que por vezes é rechaçado pelas igrejas tradicionais. Além disso, a palavra festa diz
muito sobre as LGBTs. Uma igreja que tem como maioria de membros esse público,
certamente é associada à festa, e a Declaração de Fé não foge desse estereótipo, pelo
contrário, o reafirma, pois é motivo de celebração que aquelas e aqueles que outrora foram

68 A Igreja Católica Romana tem um documento importante sobre essa questão, publicado em 24 de maio de
2015, a Carta Encíclica ecológica do Papa Francisco Laudato Si, que versa sobre o cuidado da casa comum.
147

expulsos ou não eram aceitos pela tradição cristã hegemônica, agora tenham sua própria
denominação e Declaração de Fé.
Quanto aos sacramentos, como apresentando anteriormente, a FUICM possui dois
sacramentos: o Batismo e a Santa Ceia. Ambos abordados no Estatuto da Fraternidade
Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana. A temática foi novamente tratada por
ocasião da aprovação da nova Declaração de Fé. Sobre o batismo, o Companion Guide to the
MCC Statement of Faith (2016) explicou ser um sacramento por conferir a graça de Deus aos
indivíduos que o recebem.
No Brasil, o Batismo acontece por ocasião do Retiro Nacional das ICMs, evento anual
para todos os membros da ICM e convidados, que trata da temática escolhida para o ano civil.
Em 2016, o tema foi “Emerja”, em 2017, “Espiritualidade subversiva”, em 2018, “Venham,
Provem e Vejam” e em 2019 “Celebre 50 anos”. Nos encontros, os batismos geralmente são
por imersão, pois usam a piscina dos locais dos retiros. Entretanto, as comunidades são livres
para realizar batismos em suas igrejas locais. É possível, por exemplo, um batismo quando a
pessoa decide afirmar uma identidade de gênero diferente da que foi batizada quando criança,
o que pode ser por aspersão, dentro do templo.
Assim, a FUICM se organiza e reorganiza ao longo das décadas procurando “não
deixar ninguém de fora”. Seu crescimento impulsionou a denominação a se expandir ao redor
do mundo. No quesito presença global da MCC, seu site oficial traz alguns dados da presença
da denominação em outros países. Segundo o MCC Fact Sheet (2019, anexo C), a MCC está
presente está presente em 33 países, conforme tabela 1, abaixo:

Tabela 1 – MCC no mundo


Números Tipo de Agrupamentos Descrição

172 Igrejas afiliadas Igrejas afiliadas são igrejas membros da


Fraternidade Universal das Igrejas da
Comunidade Metropolitana.

46 Igrejas emergentes Igrejas emergentes são igrejas que estão


no processo de afiliação.

7 Grupos de encontros Grupos de encontros virtuais, que usam


virtuais (Oasis) recursos de uma plataforma básica.
Existem para aqueles que não possuem
alguma comunidade MCC próxima.

Fonte: MCC site oficial, 2019.


148

No Brasil, a denominação tem os seguintes grupos (VALERIO, 2019):

 Igrejas afiliadas: (7 igrejas)


ICM Fortaleza, ICM Vitória, ICM Belo Horizonte, ICM Rio de Janeiro, ICM São Paulo, ICM
Maringá, ICM Teresina;
 Igrejas emergentes: (6 igrejas)
ICM Cabedelo, ICM Cariri, ICM Baixada Fluminense, ICM Baixada Santista, ICM Sarandi,
Cossis do Salvador – Salvador/BA;
 Grupos em formação e/ou em diálogo avançado com a MCC: (5 grupos)
São José dos Campos, Curitiba, Goiânia, Mogi das Cruzes e Mossoró.

Desde seu organograma, a MCC intenta comunicar uma preocupação com a formação
de líderes locais por meio de cursos de capacitação. Conforme apresentado, existem duas
câmaras na denominação: a dos leigos e a dos clérigos. Para tornar-se clériga/o na MCC, é
necessário primeiramente passar por um retiro de discernimento para a vocação pastoral, o
Readiness for Entering Vocational Ministry (REVM), a partir daí deve-se cumprir uma carga-
horária de cursos no Instituto de formação de lideranças, que no Brasil é o “Instituto Darlene
Garner de Treinamento de Liderança Ibero-americana”. É possível o reaproveitamento de
cursos anteriores. Além disso, é necessário apresentar um laudo psicológico e um atestado de
antecedentes criminais. Com esses requisitos cumpridos, a/o interessada/o no cargo deve se
submeter a uma entrevista com uma banca de líderes indicados para essa finalidade, para
então ser ordenada/o reverenda/o.
No Brasil, existem cinco reverendos, desses uma mulher, pastora em Vitória, que se
aposentou de suas atividades clericais em 2017. Caso não haja um clérigo na igreja local,
pode ser nomeado um líder pastoral interino. Com o intuito de aumentar o número de
clérigos, homens e mulheres, no Brasil, o Instituto Darlene Garner passou a oferecer cursos
em língua portuguesa, com a ajuda de professores voluntários. As disciplinas são on-line,
encaminhadas via e-mail e com webaulas disponibilizadas pela plataforma Adobe Connect.
Mesmo com o voluntariado, algumas matérias ainda são oferecidas somente em espanhol,
pois o corpo docente não é suficiente para o número de matérias.
O Instituto Darlene Garner recebe esse nome em homenagem à Bispa Reverenda
Darlene Garner, figura representativa dos esforços de capacitação e formação de lideranças.
História e Política da ICM, Justiça Global, Introdução à Teologia, Homilética, Liturgia,
Perspectivas Feministas no Antigo Testamento, Cuidado Pastoral, Sexualidade Humana,
149

Pluralidade Religiosa, Teologia Queer, Metodologias de Leitura Queer da Bíblia, Tópicos


Queer no Novo testamento, Metodologias Queer – Cartas Paulinas foram algumas das
disciplinas já ofertadas no módulo do Instituto para a América Latina.
A formação de liderança permite que os valores fundamentais da MCC sejam
fortalecidos. Eles são a cristaleira que envolve a Igreja, protegendo-a, pois oferece parâmetros
para sua institucionalização, e permitindo que ela seja vista, pois a transparência de seus
valores é algo celebrado. Assim, o cristal transparente que envolve, metaforicamente, a MCC
permite que o que ela tem de mais precioso, que são seus valores, sua missão, sua história,
cheguem a outras partes do mundo fortalecendo a Fraternidade Universal das Igrejas da
Comunidade Metropolitana. Os principais valores da Igreja são (MCC, 2018):
 Inclusão – o amor é o nosso maior valor moral e a resistência à exclusão é o foco
principal do nosso ministério. Queremos continuar sendo condutos de fé, onde todos
são incluídos na família de Deus e onde todas as partes do nosso ser são bem-vindas
na mesa de Deus;
 Comunidade – oferecer uma comunidade aberta e segura para as pessoas
adorarem, aprenderem e crescerem em sua fé é o nosso desejo profundo. Temos o
compromisso de nos equipar uns aos outros para fazer o trabalho que Deus nos
chamou para fazer no mundo;
 Transformação Espiritual – fornecer uma mensagem de libertação do ambiente
religioso opressivo de nossos dias ou para aqueles que experimentam Deus pela
primeira vez é o que guia nosso ministério. Acreditamos que quando as pessoas são
convidadas a experimentar Deus através da vida e ministério de Cristo, as vidas serão
transformadas;
 Justiça – Trabalhando para falar menos e fazer mais, temos o compromisso de
resistir às estruturas que oprimem as pessoas e de permanecer com aqueles que sofrem
com o peso dos sistemas opressivos, sendo guiados sempre por nosso compromisso
com os Direitos Humanos Globais. (cf. MCC, 2019).

Essas características são os quatro lados da cristaleira que envolve a Igreja. Um


armário de cristal. O cristal faz menção a uma das características do “armário” proposto por
Sedgwick (1990). Segundo Gonorazky e Marzano (2018), a “epistemologia do armário”
proposta por Sedgwick, apresenta um armário de cristal.
150

O armário é de cristal: a sexualidade e a atividade sexual cotidianas funcionam como


reguladores sociais e culturais da vida. Anedotas, experiências, fofocas, segredos a
boca pequena correm os escritórios, as salas de aula, as cozinhas, os banheiros. A
verdade sobre o sexo é impossível de ser escondida por muito tempo. Muitas vezes a
saída do armário significa apenas a cristalização de uma informação que já circulava
como chantagem silenciosa. “Finalmente, a situação de alguém que sabe algo de si
mesmo que o outro não sabe é de entusiasmo e poder”, conclui Sedgwick
(GONORAZKY; MARZANO, 2018).

Assim, “o que não pode ser escondido por muito tempo” vai construindo novas
possibilidades de experiência com o Sagrado, por meio da afirmação dos corpos e das
identidades. O que parecia frágil e centralizado em um só líder, já afirma ser “um capítulo na
história da igreja” com mais de 50 anos de história.

3.2 Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte: abertura ao queer

Segundo Althaus-Reid (2019), as narrativas religiosas de dissidentes sexuais são


marcadamente biográficas. Para ela (2019, p. 26), “a Teologia Queer é uma teologia em
primeira pessoa: diaspórica, autorrevelatória, autobiográfica e responsável por todas as suas
palavras”. Um exemplo é a trajetória do Reverendo Troy Perry, abordada no subcapítulo
anterior, que foi apresentada como sendo fundamental para a compreensão da fundação da
FUICM e do percurso teológico da denominação. Nesse sentido, no intuito de apresentar a
igreja afiliada existente na capital de Minas Gerais, será traçada uma narrativa histórica de sua
trajetória por meio do ambiente político no qual foi inaugurada e de dois dos seus líderes
pastorais69.
A história da fundação da denominação no Brasil é cheia de entraves, principalmente,
se percebida do ponto de vista da denominação do Rio de Janeiro, que passou por alguns
processos de ruptura e descontinuidade. Segundo Rossetti (2016), as primeiras aspirações para
a formação de um grupo da MCC em solo brasileiro ocorreram na década de 1980. Entretanto,
a primeira data apontada pelo historiador para a implantação de uma ICM no Brasil foi
199170, quando Isabel Pires de Amorim, diplomata e pastora ordenada pela MCC Los
Angeles, começou a organizar um grupo em Brasília-DF. Esse grupo, porém, logo se
dissolveu.

69 A ICM BH teve, até a presente data, três pastores. O primeiro e o atual foram entrevistados (entrevista
estruturada). O segundo não respondeu ao convite para a entrevista.
70 Importante ressaltar que a década de 1990 é fortemente marcada pela luta LGBT no Brasil, que colaborou
com um cenário propício para a fundação de igrejas inclusivas. Jesus (2012) apresenta, em sua tese doutoral, um
importante resgate dessas igrejas ou grupos que surgiram nesse contexto histórico.
151

Outras duas datas importantes para o estabelecimento da ICM no Brasil apontadas por
Rossetti (2016) foram 1996, quando o militante Raymundo Pereira convidou dois reverendos
da ICM, Roberto González e Thomas Hanks, para fundarem um grupo no Rio de Janeiro-RJ;
e 1998, quando Luiz Fernando Guarupe iniciou na cidade de São Paulo, SP, a implantação da
ICM Emaús. Os dois grupos, entretanto, passaram também por processos descontinuidade.
A história da fundação da ICM no Brasil passa, ainda que indiretamente, por um
personagem emblemático no cenário evangélico brasileiro: Nehemias Marien, pastor da Igreja
Presbiteriana Bethesda, de Copacabana, Rio de Janeiro, fundada em 1992. Marien foi uma das
primeiras vozes a se manifestar publicamente favorável à inclusão de homossexuais em
celebrações cristãs (OLIVEIRA, 2015). Machado (1998) explica que o lançamento do livro
do pastor, “Jesus: a luz da Nova Era” (1994), gerou fortes reações contrárias a seu ministério.
Um dos relatos do livro era a realização de uma cerimônia religiosa abençoando a união de
um casal homossexual, já no início da década de 1990:

O alcance de tal reação, envolvendo desde a liderança pentecostal – portadora de


uma rígida moral sexual – até os quadros “politicamente progressistas”, expressa a
condenação dos grupos evangélicos ao homossexualismo (sic). Artigos em
periódicos e livros, faixas em passeatas e celebrações públicas mobilizando a massa
pentecostal, assim como programas televisivos na mídia evangélica tratavam de
deixar claro o caráter “individual” da iniciativa do pastor presbiteriano e a dimensão
diabólica do comportamento homossexual (MACHADO, 1998, p. 277).

As reações demonstram o conservadorismo evangélico da época, na qual, segundo


Natividade (2010), Marien, preocupado em colaborar para a desconstrução do preconceito
contra os homossexuais, celebrou o “Culto do Orgulho Gay”. Esse culto foi realizado durante
cinco anos, em menção ao Dia do Orgulho Gay (28 de junho). Marien realizou a ordenação
dos dois primeiros pastores assumidamente gays do Brasil, Victor Orellana e Luiz Fernando
Guarupe (ROSSETTI, 2016). E foi Guarupe quem fundou a ICM Emaús, em São Paulo.
Segundo Natividade (2010), Marien preocupava-se em apresentar uma liturgia que
acolhesse os homossexuais, sem exigir deles uma mudança de conduta sexual. “Citando o
evangelho de Matheus (Mateus 19, 12)71, ele instruía que homossexuais ‘eram como os
eunucos’ do texto bíblico: alguns foram ‘feitos assim pela sociedade’, outros ‘nasceram’, e
ainda havia aqueles que o eram por ‘opção’” (NATIVIDADE, 2010, p. 93). A postura de
Marien atraiu muitos homossexuais a sua comunidade e, por isso, segundo Natividade, sua
igreja ficou conhecida como sendo uma “igreja gay”.

71 “Com efeito, há eunucos que nasceram assim, do ventre materno. E há eunucos que foram feitos eunucos
pelos homens. E há eunucos que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus. Quem tiver capacidade para
compreender, compreenda!” (Mateus 19, 12).
152

Em 2003, um grupo de amigos, motivados pela proposta inclusiva de Marien,


encontrou-se na igreja do pastor, e a partir daí se propuseram a organizar um grupo da ICM na
cidade. Liderados por Marcos Gladstone, que atualmente é o Pastor Presidente da Igreja
Cristã Contemporânea72, contataram lideranças internacionais da MCC a fim de facilitar a
realização da 1ª Conferência da ICM no Brasil, ocorrida no Rio de Janeiro.
Segundo Rossetti (2016), a conferência aconteceu em 2003, no Hotel Othon, no Rio de
Janeiro, e contou com a presença do Bispo Armando Sanchez, que instituiu líderes pastorais
interinos. Nesse período, um grupo de destaque foi liderado por José Luiz da Silva, conhecido
por Zeca, desde então uma das personagens mais preocupadas com a implantação e
crescimento da ICM no Brasil. Zeca esteve com a denominação a partir daí, entretanto,
faleceu em 2015, em decorrência de um infarto.
Em 2004, aconteceu a 2ª Conferência da ICM no Brasil, desta vez com a presença do
Rev. Troy Perry, então Moderador da denominação, e de outras lideranças internacionais
(ROSSETTI, 2016). Foi, então, que a primeira igreja da ICM no Brasil foi fundada, no centro
do Rio do Janeiro, sob liderança pastoral de Marcos Gladstone.
Segundo Rossetti (2016), no ano seguinte, sob liderança de Gelson Piber (já falecido),
que posteriormente tornou-se Padre Abade no Mosteiro Domus Mariae, um novo grupo da
ICM organizou-se em Niterói. No mesmo ano, a ICM Rio de Janeiro, fundada no ano interior,
deixou o processo de afiliação à Fraternidade Universal das Igrejas da Comunidade
Metropolitana, e outro grupo iniciou o processo de filiação: a ICM Betel, em Duque de
Caxias.
Foi, então, que em 2006, aconteceu a Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas 73,
em Porto Alegre-RS, que motivou a vinda para o Brasil da então Bispa Regional da ICM para
a América Latina, Darlene Garner, e da Bispa Moderadora da denominação, Nancy Wilson. A
presença das duas líderes no Brasil viabilizou que acontecesse a 1ª Jornada de Formação de
Lideranças das Igrejas da Comunidade Metropolitana no Brasil, ocorrida em São Paulo, no
Centro de Formação Sagrada Família, Bairro do Ipiranga. Segundo Rossetti (2016, p. 25),

se em 2003 a 1ª Conferência da ICM abriu espaço para que a Fraternidade iniciasse


os trabalhos no Brasil, a 1ª Jornada de Formação sacramentou a consolidação da
ICM e a vontade da denominação de manter suas atividades no país, tornando-se um

72 A Igreja Cristã Contemporânea, fundada pelo Pastor Marcos Gladstone, é, segundo Natividade (2010),
advinda de uma ruptura com a ICM, em 2006. Atualmente, é uma igreja inclusiva de cunho teológico
neopentecostal.
73 A história da ICM na América Latina e desse evento específico são profundamente tratados na tese doutoral
do Prof. Dr. André Musskopf, publicada sob título Via(da)gens teológicas: itinerários para uma Teologia Queer
no Brasil, 2012.
153

dos primeiros marcos simbólicos e históricos da presença da Comunidade


Metropolitana em território nacional.

Esse período foi marcado pela fundação da ICM Betel no Rio de Janeiro, da ICM São
Paulo, da ICM Fortaleza, da ICM Vitória e da ICM Belo Horizonte. É importante ressaltar,
que esta é a data oficial da presença da denominação no país, porque, apesar de diversas
tentativas de implantação anteriores a essa data, somente a partir de 2006 a denominação
existe sem descontinuidades. No mesmo período, a ICM foi instalada em outras cidades:
Teresina, Salvador, São Luiz e Brasília, entretanto, esses grupos não tiveram continuidade.
Todavia, Teresina retomou as atividades como ICM, em 2013, e Salvador, em 2018.
Importa ressaltar que anteriormente a isso, em Belo Horizonte, segundo Morando
(2019)74, ocorria o aparecimento mais evidente de correntes neopentecostais, que tomavam as
“terapias de conversão” como medida para curar as sexualidades dissidentes. O pesquisador
cita dois exemplos: o ministério entre os homossexuais “Desafia Peniel”, por volta de 1986,
no bairro Carlos Prates; e as atividades do grupo MOSES, ao longo dos anos 1990. O
MOSES, ou Movimento pela Sexualidade Sadia, foi uma ONG evangélica fundada, no Brasil,
por Sérgio Viula, com o objetivo da “reversão sexual”. O mesmo evangélico publicou, em
2010, um livro75 autobiográfico assumindo-se homossexual e reconhecendo a falácia de
grupos como o MOSES, que “satanizam a homossexualidade”.
Em uma contraforça a esses movimentos que buscavam anular o avanço e a
estruturação dos movimentos LGBTs cidade, é fundada a ICM em Belo Horizonte, no que
Morando (2019) chama de “segundo momento” do movimento LGBT na capital:

Arrisco apontar três momentos que balizam uma história para esse movimento na
cidade: um período para o qual utilizo a denominação protoativismo, proposta por
Rita Colaço Rodrigues (2012) (que, em Belo Horizonte, se iniciaria durante os anos
1950 e se prolonga até 1996); um segundo momento que nomeio estabilização
(caracterizado pelo surgimento e consolidação dos primeiros grupos LGBT
organizados na cidade, ou seja, de 1996 a 2007); um terceiro momento que chamo
de rizoma (fortalecimento do discurso e a formação de conexões com outros
movimentos de maneira consistente, isto é, de 2008 em diante) (MORANDO, 2019,
p. 63).

Pensado de maneira nacional, para compreensão da fundação das ICMs no Brasil,


importa ressaltar qual era o cenário político que marcou o ano de 2006, buscando elementos
que facilitem e estimulem a abertura de igrejas voltadas para as LGBTs. O ano de 2006 foi de
eleições presidenciais no Brasil. Vindo de uma crise política de 2005, devido, principalmente,

74
Esta importante contribuição foi apresentada pelo professor Dr. Luiz Morando, por ocasião da defesa desta
tese, em 29 de novembro de 2019.
75
VIULA, Sergio. Em busca de mim mesmo. Rio de Janeiro: Livre expressão, 2010.
154

às denúncias do Mensalão, o PT (Partido dos Trabalhadores) buscava a reeleição contra o


PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). A disputa entre Luis Inácio Lula da Silva e
Geraldo Alckmin terminou no segundo turno das eleições, com a reeleição de Lula. O cenário
de instabilidade e incerteza política era propício para que a comunidade LGBT se unisse em
torno de elementos comuns temendo a insegurança de mudanças bruscas na política.
Como o Partido dos Trabalhadores esteve na liderança política nos quatro anos que
antecederam a fundação da ICM no Brasil, é importante perceber quais foram suas ações no
que diz respeito às LGBTs. No site oficial do Partido dos Trabalhadores, em um artigo que
trata sobre as ações do PT para as demandas LGBTs (THOMAZ JR, 2014) de 2003 a 2014,
destaca-se o cronograma de ações até o ano de 2006:

2003: Secretaria de Direitos Humanos elevada à categoria de Ministério;


2004: Criação do programa Brasil sem Homofobia;
2005:Fortalecimento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e
Promoção dos Direitos LGBT a partir da modificação da sua estrutura, que passava
a contar obrigatoriamente com a participação de membros da população LGBT;
2006: É sancionada a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), primeira Lei Federal
no país a prever expressamente a união homoafetiva feminina (THOMAZ JR, 2014).

Importa ressaltar que, apesar de existir uma agenda pró-LGBT, as duras críticas da
militância às ações do PT (NUNES, 2014), como a falta de apoio político à criminalização da
homofobia e ao casamento homoafetivo, que foi garantido em 14 de maio de 2013 resultado
de um processo jurídico, apontam a tensão entre as relações da comunidade LGBT e o
governo do PT.
Essa tensão entre militância e o governo também atravessa a ICM, pois, desde o início
de sua fundação em Los Angeles, ela tem um forte apelo pela militância política, sendo por
isso reconhecida como a “Igreja dos Direitos Humanos”, uma autointitulação da qual usa,
inclusive, para fins de divulgação, como em cartazes, banners, como a imagem abaixo (figura
2), tirada do site de buscas Google, confirma.

Figura 2 – ICM Rio em site de buscas

Fonte: ICM Rio, 2017.


155

O compromisso com os Direitos Humanos não implica, ao que se percebe com a


observação da comunidade, com a afiliação partidária, mas sim com a tentativa de diálogo
com os movimentos sociais. Dessa forma, uma tendência pelos ideários políticos progressistas
permeia a ICM BH desde sua fundação. Ao ser perguntado pelo cenário político quando da
implantação da ICM BH, o atual pastor da comunidade não hesita em afirmar que

o que chamava mais atenção é que o governo tinha possibilidades de políticas em


relação à pobreza, e aumentar a empregabilidade no Brasil. Então, apesar de ter uma
instabilidade, era um discurso diferente, algo novo acontecendo, possibilidades que
poderiam se abrir, devido a esse governo mais popular que estava acontecendo
(BRASILEIRO, 2016)76.

Uma distinção teórica entre a esquerda e a direita faz-se necessária, ainda que os
contrastes e as contraposições sejam cada vez mais complexos diante das multiplicidades de
vozes que as representam. Bobbio (1995), por meio de um método analítico, propõe essa
distinção. Para o autor, ao se afirmar “de esquerda” ou “de direita” as expressões estão
referidas a valores positivos, abarcando não somente um significado descritivo, como também
emotivo das palavras.
Mannheim (1972) ressalta a importância do pensamento político como sendo baseado
no coletivo. “A discussão política é, desde o início, mais do que argumentação teórica; ela é o
desfazer-se de disfarces – o desmascaramento dos motivos inconscientes que ligam a
existência em grupo a suas aspirações culturais e a seus argumentos teóricos” (MANNHEIM,
1972, p. 66). Nesse contexto, está inserido o conceito de ideologia:

O conceito de “ideologia” reflete uma das descobertas emergentes do conflito


político, que é a de que os grupos dominantes podem, em seu pensar, tornar-se tão
intensamente ligados por interesse a uma situação que simplesmente não são mais
capazes de ver certos fatos que iriam solapar seu senso de dominação. Está implícita
na palavra “ideologia” a noção de que, em certas situações, o inconsciente coletivo
de certos grupos obscurece a condição real da sociedade, tanto para si com para os
demais estabilizando-a portanto (MANNHEIM, 1972, p. 66).

Entretanto, para Bobbio (1995), direita e esquerda não podem ser reduzidas
simplesmente a expressões do pensamento ideológico, pois o contraste que implicam não é
somente do campo das ideias, mas também de interesses e de valorações pertencentes à ação
política. É necessário partir de uma perspectiva dialética para se compreender a direita e a
esquerda, pois “existe uma direita na medida em que existe uma esquerda e existe uma
esquerda na medida em que existe uma direita” (BOBBIO, 1995, p. 43). Essa é uma díade que
existe e persiste apesar das grandes mudanças históricas pelas quais ambos passaram.

76 Dados da entrevista. Pesquisa realizada em Belo Horizonte, com o atual pastor da ICM BH, Sandro Aurelio
Silva Brasileiro, em 2 ago. 2016.
156

Existem alguns critérios que podem ser elencados para uma distinção política entre a
direita e a esquerda, mesmo tomando-se em consideração que não sejam conceitos absolutos
ou ontológicos. Bobbio (1995) alerta para o fato de que a linguagem política é pouco rigorosa,
pois é extraída da linguagem comum, assim a polaridade atribuída à direita e esquerda deve
ser percebida a partir do que ele nomeia de princípios fundadores: igualdade e liberdade.
Para Bobbio (1995), o conceito de igualdade pode ser resumido na seguinte questão:
“igualdade sim, mas entre quem, em relação a que e com base em quais critérios?” (BOBBIO,
1995, p. 97). Essas variáveis – sujeitos, bens e critérios – relativizam o conceito de igualdade,
promovendo uma variedade de tipos de repartição, todos “igualitários”. Para o autor, a
igualdade é o princípio fundador da esquerda, e aqui cabe a ressalva que uma perspectiva
igualitária não pressupõe o igualitarismo. A doutrina igualitária tende a “reduzir as
desigualdades sociais e a tornar menos penosas as desigualdades naturais”, já o igualitarismo
seria a “igualdade de todos em tudo” (BOBBIO, 1995, p. 100).
O princípio da igualdade é uma chave para a distinção entre a esquerda e a direita,
pois, segundo Bobbio (1995, p. 105), “de um lado, estão aqueles que consideram que os
homens são mais iguais que desiguais; do outro, aqueles que consideram que são mais
desiguais que iguais”. Nesse sentido, a esquerda, como igualitária, parte da convicção de que
as desigualdades são em sua maioria sociais e, portanto, elimináveis. Já a direita, inigualitária,
considera as desigualdades como naturais, portanto, inelimináveis. Princípios como liberdade
e igualdade são o núcleo duro da modernidade. Somente nela eles podem ser compreendidos e
concretizados.
No Brasil, o ano de 2006 e os que o antecederam foram marcados por essa
mentalidade de igualdade, que permeou também os movimentos identitários. O conceito de
igualdade não pode ser reduzido à economia, pois sua compreensão perpassa a dignidade do
sujeito reconhecido como ser de direitos. Nesse sentido, em uma perspectiva de igualdade, um
grupo de pessoas que professa a fé cristã, mas que não encontra lugar em uma comunidade de
fé devido a sua condição sexual, poderia reivindicar sua presença entre os cristãos por meio
da criação de sua própria denominação. Essa é uma hipótese em âmbito político que ajuda a
compreender como a ICM, que tentou firmar-se em solo brasileiro desde a década de 1980,
somente em 2006 encontrou um cenário favorável para sua implantação.
Todavia, não somente isso, como também, o apontado receio pelas mudanças que as
eleições presidenciais poderiam trazer. A pouca, mas substancial visibilidade da comunidade
LGBT, adquirida nos quatro anos de governo do Partido dos Trabalhadores, passava por
momentos de incerteza com o receio de uma mudança ideológica no cenário político nacional.
157

Assim, seria justificável que LGBTs se unissem por meio de agendas afins, como a religiosa,
para se protegerem de uma possível perda de direitos.
A mentalidade da esquerda igualitária esteve, assim, presente durante a fundação das
ICMs no Brasil, entretanto, é importante destacar que o ideário que esteve por detrás de sua
fundação não foi o que obrigatoriamente acompanhou as comunidades no Brasil, como no
caso da ICM de São Paulo que, em alguns momentos, firmou parcerias com a “direita” - ou
com o que é considerado como sendo de direita atualmente – então representada pelo
governo do PSDB, em prol de ações políticas favoráveis à comunidade LGBT local. Por
exemplo, participação na campanha de divulgação da Lei Estadual 10948/2001 (conhecida
como Lei contra a Homofobia) promovida pela Coordenação de Políticas para Diversidade
Sexual da Secretaria de Justiça e Cidadania do Governo Estadual; e a participação no GT
Religiões dentro da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (JESUS, 2012).
Esse foi o cenário político que as ICMs encontraram em 2006, quando decidiram por
realizar a já referida 1ª Jornada de Formação de Lideranças das Igrejas da Comunidade
Metropolitana no Brasil. Nesta, participaram dois membros da ICM Belo Horizonte, o então
pastor da comunidade, e um membro, que veio a se tornar seu segundo pastor. A comunidade
em Belo Horizonte era recém-iniciada, conforme será tratado a seguir.
A narrativa da trajetória da fundação da ICM em Belo Horizonte foi realizada,
principalmente, por meio de entrevistas feitas com o primeiro e com o atual pastor da Igreja.
Sandro Aurelio Silva Brasileiro77, 48 anos, pastor há seis anos da ICM BH, participou da
primeira reunião para implantação da denominação na capital mineira, que se deu
anteriormente ao que é considerado como sendo o primeiro encontro da ICM BH. Cabe
ressaltar, que de todos os membros atuais da comunidade, ele foi o único que esteve na
primeira reunião de implantação da denominação na cidade. Entretanto, nessa época, Marcos
Aurélio Martins dos Santos78 já conversava com um dos líderes da ICM Rio de Janeiro sobre
a possibilidade da implantação de uma ICM na capital mineira.
Foi a partir de um convite da já extinta rede social Orkut que se iniciou a Igreja da
Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte, a primeira comunidade cristã inclusiva da
cidade. Segundo o atual pastor da comunidade, então membro da Igreja Batista da Lagoinha,
ele recebeu um convite pela rede social para participar de uma reunião em um hotel para
tratarem sobre uma igreja que “aceitava gays”. Participaram desse encontro cinco pessoas, o

77
Dados da entrevista. Pesquisa realizada em Belo Horizonte, com o atual pastor da ICM BH, em 2 ago. 2016.
78
Dados da entrevista. Pesquisa realizada em Belo Horizonte, com o primeiro pastor da ICM BH, em 4 set.
2019.
158

Reverendo Gelson Piber (ICM Niterói) – então Coordenador das ICMs no Brasil –, o
Reverendo Márcio Retamero (ICM Betel), e outras três pessoas, dentre elas duas da Igreja
Batista da Lagoinha, sendo uma o atual pastor da ICM BH. Segundo o pastor, “ali eles
explicaram de maneira bem rápida [...] que havia a possibilidade de entender a Bíblia e a
homossexualidade e viver a fé cristã de maneira sadia” (BRASILEIRO, 2016). Já nessa
reunião foram abordadas algumas temáticas entre Bíblia e homossexualidade e indicada a
leitura de “O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade”, do padre e teólogo norte-
americano, Daniel A. Helminiak (1998). Ao final da reunião, foi informado que já havia uma
pessoa com interesse em iniciar a implantação da ICM na capital mineira e que todos ali
seriam colocados em contato por meio de um email.
Na mesma semana receberam o email para que combinassem o primeiro encontro da
ICM em Belo Horizonte, com a proposta de que estudassem o livro de Daniel A. Helminiak, o
que era a ICM e começassem a reunir em um formato de “igreja no lar” que, segundo Marcos
Santos, eles chamaram de Grupo Inclusivo Cristão, GIC. O primeiro encontro desse grupo
ocorreu em 2006, no bairro Barro Preto, em uma residência particular. Da reunião
participaram aquele que foi o primeiro pastor da ICM BH, Marcos Martins, o então instituído
pastor e a proprietária da casa. Sandro Brasileiro (2016) conta que apenas essas três pessoas
participaram, apesar do e-mail/convite ter sido encaminhado a diversas pessoas: “Eu lembro
que nesse encontro a gente levou muita comida e o pastor disse naquele momento que aquilo
ali era profético, que isso significaria o tanto de pessoas que teriam o coração cheio de
esperança novamente e alimento com aquela proposta” (BRASILEIRO, 2016).
Uma semana depois aconteceu um novo encontro, esse na casa de Sandro Brasileiro,
no bairro Padre Eustáquio. Um número maior de pessoas compareceu, dentre elas aquele que
foi o segundo pastor da ICM. De todos os presentes nessa reunião, duas pessoas ainda
continuam membros da ICM BH. O primeiro pastor conta que

as reuniões começaram a ficar muito concorridas, nós ainda éramos um Grupo de


Formação intitulado GIC – Grupo Inclusivo Cristão, ficando para mim, a
responsabilidade com relação às ministrações e o serviço litúrgico. Conhecíamos
muito pouco sobre as práticas da ICM, então agíamos sob a demanda do Espírito
Santo, da Santa Ruah. Eram reuniões “inclusivas/pentecostais” com muito fogo e
avivamento, renasceu em mim o “penteca” silenciado pelo preconceito.
Vivenciamos lindas tardes de domingo onde a presença de Jesus estava ali conosco
(Emanuel), curando nossas feridas, sarando nossa autoestima e se declarando como
Deus afetuoso que nos aceita e recebe. Embora soubéssemos da importância da ICM
espiritual e politicamente, ainda não tínhamos a dimensão exata de onde estávamos
nos metendo. Acreditamos no chamado aliado à oportunidade de fazer história, de
marcar e demarcar um novo espaço de acolhimento para todas e todos que durante a
vida foram massacrados por discursos de ódio vociferados nos púlpitos das igrejas
(SANTOS, 2019).
159

Os encontros continuaram acontecendo na casa de Sandro Brasileiro, até que, com


cerca de 20 pessoas, eles tiveram que procurar outro lugar para se instalarem, pois o espaço
físico já não os comportava mais. Um dos membros ofereceu sua casa, que era mais ampla,
localizada no Bairro da Graça. Sandro Brasileiro (2016), assim como Marcos Santos (2019),
explica que apesar de serem uma igreja emergente da MCC, pois a filiação só iria acontecer
posteriormente, não sabiam o que realmente isso significava:

Nós não tínhamos noção do que era a ICM, da sua importância e dimensão no
mundo, sabíamos que ela foi fundada pelo Reverendo Troy, nos Estados Unidos e a
gente queria fazer culto. Então, a gente estruturou esses encontros já em formato de
culto. O C. já tinha experiência com louvor, então ele selecionava o louvor. Outras
vezes a gente fazia rodízio de quem ia escolher as músicas. Aí tinha o momento da
pregação, o momento da oração. Tinha pessoas pentecostais, neopentecostais, então
tinha profecia. Então, foi sempre cada um com o seu universo. A única coisa que a
gente estudava era do material que a ICM nos mandou, dentro do material que
estava disponível era a Bíblia e a Homossexualidade. Então, a gente não sabia muito
de instituição, dos valores, da declaração de fé, da missão, da visão, nada disso. Era
aquela vontade grande de estar reunido em comunidade fazendo culto, adorando a
Deus (BRASILEIRO, 2016).

Em julho de 2007, já com um grupo maior, decidiram procurar outro espaço para as
reuniões. Alugaram um auditório da Secretaria da Agricultura a um preço bem reduzido. O
auditório tinha cerca de 100 lugares e ficava no primeiro andar do prédio, então localizado à
Rua dos Guajajaras, no centro da cidade. Antes da mudança, porém, planejaram ir à Parada do
Orgulho LGBT com uma faixa com os seguintes dizeres: “o Senhor é meu Pastor e me aceita
como sou” (anexo F), e durante a Parada recolheriam o maior número possível de contatos
para convidar para a nova sede da igreja.
Sandro Brasileiro (2016) faz um trocadilho e conta que na Parada, ficaram “parados”.
Não sabe precisar quantos endereços eletrônicos foram recolhidos ali, mas afirma que foi um
número grande. Marcos Santos (2019) explica que “o próprio movimento não nos reconhecia,
mesmo porque não tinham conhecimento algum sobre a ICM e nós não tínhamos nenhuma
representação política que nos referendasse”. A faixa chamou a atenção das pessoas que
passavam, pois a mensagem da teologia inclusiva ainda era novidade na capital, dentre essas
pessoas, o então reitor do Instituto Metodista Izabela Hendrix, Jaider Batista da Silva. O reitor
quis saber quem eram aquelas pessoas e quais eram as suas propostas. A conversa e os
esclarecimentos levaram Jaider a oferecer 30 bolsas de estudo integral para os membros da
ICM BH. Segundo o pastor, a única condição era a de que todo ano, as pessoas beneficiadas
teriam que apresentar um projeto social cumprido. Teologia, arquitetura, enfermagem foram
alguns dos cursos escolhidos pela comunidade. Dos 30 bolsistas, quatro continuam como
membros da comunidade, sendo que um deles ainda não concluiu o curso (teologia).
160

O primeiro culto fora das casas, no auditório da Secretaria de Agricultura, estava bem
articulado ministerialmente. Contou com a participação do Reverendo Gelson Pieber, do Rio
de Janeiro, e já tinha bem definidos os ministérios de louvor, dança, intercessão, financeiro e
pastoral. Além disso, a ICM BH tinha um banco de dados extenso levantado na Parada do
Orgulho LGBT e contava com a parceria com o Izabela Hendrix. Foi, então que Belo
Horizonte foi indicada para receber a 2ª Jornada de Formação de Lideranças das Igrejas da
Comunidade Metropolitana, entre os dias 11 e 13 de julho de 2008.
A jornada aconteceu na Fazendinha do Izabela Hendrix, um espaço para retiros que
fica na cidade de Sabará-MG. Segundo Sandro Brasileiro (2016), foi somente aí que eles
começaram a ter dimensão do que era a MCC, porque vieram pessoas de todo o Brasil, um
colombiano, além da Reverenda Bispa Darlene Garner, norte-americana, e do Reverendo
Bispo Héctor Gutierrez, mexicano. Nesta ocasião, foram oficialmente filiadas à Fraternidade
Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana, as congregações de São Paulo e de Belo
Horizonte.

Nesse retiro, a Bispa nos oficializou como igreja, devido à estrutura, o que ela
acompanhou. Eu me lembro de uma fala dela que ela disse: que a Espírita Santa
estava confirmando no coração dela que nós éramos igreja, e que um símbolo para a
nossa igreja seria uma árvore frondosa, com uma sombra grande, mas uma árvore
onde as aves chegariam, se renovariam, e iriam embora. (BRASILEIRO, 2016).

Segundo Sandro Brasileiro (2016), a ICM BH voltou do retiro mais inteirada sobre o
que era a MCC em âmbito nacional e mundial. Assim, continuou sua caminhada na Secretaria
da Agricultura até serem convidados a sair, por meio de um abaixo-assinado do condomínio.
A partir daí, a ICM BH passou por alguns hotéis. Um deles foi o Wimbledon, do qual também
foram convidados a sair. O pastor conta que a busca por hotéis que os acolhessem foi uma
espécie de “via-sacra”, pois tinham os hotéis que não os acolhiam, os que o preço não
condizia com o que podiam pagar, e os que os aceitavam, mas depois de entenderem o que
realmente era o grupo, acabavam inventando uma “desculpa” para expulsá-los. Sandro
Brasileiro (2016) explica que os “convites para que saíssem” se deram por questões
homofóbicas, pois, para ele, a presença do grupo nos espaços de alguma forma “incomodava”
algumas pessoas.
Assim, acabaram sem nenhuma opção na região central. Foi quando optaram em ir
para uma ONG que cedeu seu espaço para a comunidade. A ONG Mudanças ficava no bairro
Venda Nova (bairro distante da região central da capital) e lá a igreja permaneceu por cerca de
oito meses. As reuniões, que tinham até uma centena de pessoas, passaram a ter três, quatro
pessoas. Mesmo com poucos participantes, mantiveram os cultos e os estudos, quando, então,
161

encontraram uma sala no hotel BH Palace, no bairro Barro Preto. Ficaram lá por um curto
período, pois a administração subiu demais o preço, inviabilizando o pagamento do aluguel.
Foi, então, que conseguiram uma sala no Hotel Amazonas, região central de Belo Horizonte,
onde permaneceram por dois anos.
Decidiram, por quase o mesmo valor, alugar uma loja no bairro Barro Preto, à Rua dos
Aimorés, número 2789, onde permaneceram por dois anos e meio. Nesse espaço, tinham a
liberdade de poder usar a igreja nos dias da semana que quisessem, ainda assim,
permaneceram com um único culto aos domingos, às 19h. Durante algum tempo tiveram um
culto de oração aos sábados, ao qual não foi dada continuidade por ser pouco frequentado.
Em outubro de 2016, entretanto, inviabilizados de continuarem pagando o aluguel,
devido ao baixo número de mantenedores, mudaram para uma sala em um edifício comercial,
à Rua Domingos Viera, número 587, 3º andar, no bairro Santa Efigênia. Lá ficaram por quase
dois anos quando novamente, após o que consideram como “atitudes homofóbicas da
administração”, tiveram que se retirar, e hoje se reúnem, provisoriamente, na Casa Azul, um
espaço de coworking, localizado à Rua Itacolomito, nº 44, no bairro Santa Tereza.
As mudanças de local ocasionavam mudanças de público que acabavam influenciando
na dinâmica da igreja. Um dos valores regimentais da ICM é a comunidade, por isso existe
uma atenção ao respeito às decisões tomadas em comunidade. Entretanto, apesar do forte
apelo comunitário, percebe-se um personalismo na ICM BH figurado por seus pastores. Por
isso, assim como sobre a MCC, foi necessário conhecer a história de seu fundador Troy Perry,
faz-se necessário conhecer a história do atual pastor da ICM BH no intuito de buscar
elementos que ajudem a compreender a dimensão queer do atual ministério.
Nesses 13 anos de história, a ICM BH teve três pastores. O primeiro pastor foi
instituído desde a primeira reunião (2006), que aconteceu em uma casa no Barro Preto, e saiu
em 2009, sem que ninguém soubesse antecipadamente. O atual pastor relata que a saída foi
anunciada em púlpito, quando o então líder disse que não voltaria mais à igreja. Nessa época,
com mais de cem membros, foi um “trauma para a comunidade, que se sentiu como órfã”
(BRASILEIRO, 2016).
Marcos Santos (2019) conta que esse foi um momento de ruptura que marcou a Igreja.
Sobre esse acontecimento explica que

naquele momento, essa palavra se cumpriu, o plano estava sendo executado de


acordo com a vontade d'Aquele que planejou. Mas eu estava em paz, sabia que uns
semeiam e outros colhem. É um princípio! Possuía clara consciência emocional e
espiritual do que era preciso ser feito. Foi um processo doloroso, mas necessário.
Moisés guiou o povo pelo deserto, mas quem entrou na Terra Prometida foi Arão;
162

Davi ganhou as guerras, mas quem construiu o templo foi Salomão. Nesse momento
abriu-se o espaço para que novas lideranças surgissem (SANTOS, 2019).

O líder nacional, pastor da ICM de São Paulo, veio a Belo Horizonte mediar a
situação. Foi, então, escolhido um novo pastor, que à época, cursava Teologia no Instituto
Metodista Izabela Hendrix, como um dos bolsistas. O segundo pastor permaneceu até abril de
2013, quando, por motivos pessoais, deixou o ministério e se mudou para outra cidade. Nessa
ocasião, foi instituído o atual pastor. O processo de instituição deu-se por nomeação da
comunidade, que o escolheu em Assembleia.
Nascido em São Sebastião do Paraíso, MG, Sandro Brasileiro saiu da sua cidade natal
para estudar Farmácia na capital mineira (UFMG). Especialista em Executivo em Saúde, pela
FGV, em Docência para Educação Profissional, pelo SENAC, e em Teologia Contemporânea,
pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais, aos 48 anos terminou sua quinta pós-
graduação, por causa do cargo de gerência em farmácia, que ocupa na Santa Casa de Belo
Horizonte. Além do cargo de gerência, o pastor tem experiência em docência, pois ministrou
por 12 anos aulas no SENAC MG, para o curso técnico de farmácia. Suas atividades
profissionais colaboram financeiramente para que ele possa ser o pastor da igreja, tendo em
vista que o cargo é voluntariado e não prevê remuneração alguma, ao contrário, ele é o
principal mantenedor da ICM BH.
Casado há 20 anos (há um ano tendo registrado sua União Estável com seu marido), o
pastor mora com seu companheiro, sua sogra e três cachorros. Sua sogra o acompanha desde o
início da formação da ICM BH e é a diaconisa mais antiga da comunidade. Seu companheiro,
ao contrário, não esteve desde o início, entretanto, hoje é um membro ativo, responsável por
grande parte artística da comunidade, tendo em vista sua formação teatral (graduação em
Artes Cênicas, pela USP). Além disso, é membro da Comissão de Direitos Humanos da ICM
Nacional, sendo um importante colaborador e líder em nível nacional.
Com relação à sua tradição religiosa, sua mãe e seu avô (materno) eram umbandistas,
já seu pai e sua avó (materna), católicos. Conta que cresceu entre o centro de umbanda e a
igreja católica. Da igreja católica, lembra-se da eucaristia, da confissão com o padre, da
confissão comunitária, da missa das crianças aos domingos, das procissões, até a
adolescência. Da umbanda, lembra-se do medo que sentia ao ser separado de sua irmã durante
o ritual, porque os homens ficavam separados das mulheres. Mas, recorda-se, também, das
festas de Cosme e Damião, na qual ganhava balas e doces e via pessoas falando com voz de
criança, sentadas ao chão, brincando. O pastor relata que se lembra de ver a sua mãe “tomada”
várias vezes:
163

Havia um tipo de trabalho que eles falavam que estavam trabalhando com a
esquerda e que era mais pesado, então, a gente não participava, mas havia muita
curiosidade em torno disso. Alguns trabalhos que eles realizavam no meio do mato,
na roça. [...] Então, havia muito mistério, muito atrás dessa questão da umbanda, e
um pouco de receio e medo. Em relação à católica, eu já gostava muito de ir à missa,
principalmente pela parte musical, que me atraia muito, e sempre tive essa vontade
de estar buscando mais, e mais, e mais (BRASILEIRO, 2016).

Foi quando, já na adolescência, mudou para Passos-MG, e passou a ir à igreja “por


obrigação”. Começou, então, a buscar alguma literatura que lhe mostrasse outras
possibilidades de vivência de sua fé. Conheceu os livros do antropólogo e escritor latino-
americano Carlos Castañeda. Seu livro mais vendido em língua portuguesa é “A erva do
diabo: os ensinamentos de Dom Juan”, publicado pela primeira vez em 1960, que trata sobre
os ensinamentos que o autor recebeu do índio Yaqui Dom Juan Matus, quando estava na
fronteira dos Estados Unidos com o México, fazendo uma pesquisa para seu mestrado.
Segundo o interlocutor (2016), “aquele misticismo me atraía muito, essa possibilidade de
transcender, de ter uma experiência mais forte, diferente com Deus”. Nessa mesma época,
teve algum contato com a igreja evangélica, através de alguns parentes que se tornaram
batistas.
Foi quando se mudou para Belo Horizonte para cursar a faculdade de Farmácia que se
aprofundou na busca por uma fé exotérica por meio da Raja Ioga79. Nesse mesmo período,
conheceu o Santo Daime80, com o qual ficou envolvido durante seis anos como membro.
Segundo ele, sentiu-se atraído pelo Daime porque lhe “lembrava muito os livros do
Castañeda, do fato de ‘estar usando’ uma bebida, uma bebida que pode nos colocar em
contato com o divino, a expansão da consciência, as experiências místicas” (BRASILEIRO,
2016).
Desse período, o pastor traz para a ICM BH muito da mística que aprendeu no Santo
Daime e com os métodos da Raja Yoga e da Meditação Transcendental. A liturgia da Igreja é
marcada por essas tradições exotéricas, por meio do uso de músicas de Nova Era e práticas de
Meditação Ativa, por exemplo. Em momentos de oração, o pastor comummente incorpora
elementos da meditação oriental em um método de Lectio Divina81.

79 Segundo Peçanha e Campana (2010), o Raja Yoga ou Ashtanga Yoga é uma prática de vida com fins de
libertação, que apresenta oito passos definidos para se alcançar a meta do Yoga, ou seja, o Samadhi. São eles:
Yama (princípios de comportamento social), Niyama (atitudes, comportamento individual), Asana (posturas em
harmonia com a consciência interna), Pranayama (controle da respiração e força vital), Pratyahara (controle
sensorial), Dharana (controle da mente, concentração), Dhyana (Meditação) e Samadhi (absorção, tornar-se uno
com o objeto percebido).
80 Religião de tradição ayahuasqueira amazônica, ou seja, baseada no uso sacramental da bebida genericamente
conhecida como ayahuasca, que tem propriedades alteradoras de consciência (ALVES JUNIOR, 2007).
81 Método de oração, meditação e contemplação das Sagradas Escrituras advindo da época das clausuras em
monastérios.
164

Foi em 2005, em um período de dificuldade profissional e pessoal, que ele, a convite


de sua sogra, que já morava com o casal, visitou a Igreja Batista da Lagoinha, em Belo
Horizonte. Sobre o culto e seu envolvimento com a denominação, ele relata:

[...] eu participei daquele momento, que para mim foi muito importante, de
“entregue a vida a Jesus”, porque eu via ali muita esperança, uma possibilidade de
algo novo, de uma busca. Algo muito musical também, que sempre me atraiu, e
passei a frequentar essa igreja evangélica neopentecostal, e eu nunca fui de estar em
algum lugar só como frequentador, eu sempre me envolvi muito. E já entrei
buscando um envolvimento, fui para o Ministério de Intercessão, todas aquelas
coisas de batalha espiritual, era uma época que estava o Movimento G12. Então, eu
participei daqueles encontros, pré-encontros, reencontro, escola de líderes, células,
curso de batalha espiritual, Ministério Rhema de cura e libertação, e tudo mais.
(BRASILEIRO, 2016).

Seu forte envolvimento com a Igreja Batista da Lagoinha, principalmente com o


Ministério de Intercessão, fez com que ele se declarasse homossexual, o que foi rechaçado
desde o início. O pastor lembra que foi orientado a terminar seu relacionamento e todas os
direcionamentos que recebeu sobre a homossexualidade chegaram a fazer pensar que poderia
estar em um “caminho desviante”. Entretanto, por escolher continuar em sua relação
homoafetiva, ele foi desligado do ministério. Solicitou, então, participar do “Disque Paz”, um
ministério de aconselhamento via telefone, mas, segundo ele, “não o deixaram nem entrar”.
O pastor relata que abdicou, para estar na igreja, de seu vínculo com o Santo Daime,
com a parte mística de sua experiência de fé. Além de “não beber, não fumar, não ir à boate,
não sentar com os escarnecedores”. Entretanto, no que dizia respeito a sua homossexualidade
ele não conseguia abrir mão, porque remetia a quem ele era, o que ele é. Viveu, então, um
momento de tensão, pois estava satisfeito com a fé evangélica, mas não com a instituição.
Mesmo assim, persistiu indo aos cultos, ainda que ficasse sentado isolado. Foi, então, que em
2006 recebeu o convite via Orkut para participar do grupo que fundaria a ICM em Belo
Horizonte.
Sandro é o pastor da ICM BH desde 2013. Sua presença como líder na comunidade é
fundamental para compreensão do queer como perspectiva teológica e militante, pois permite
a inclusão de perspectivas de experiência não-hegemônicas do Sagrado. É o seu pastoreado
que marca a abertura da comunidade ao queer, primeiramente por meio de cursos, leituras em
comunidade e, depois, pela própria apropriação da Teologia Queer pela igreja em “cultos
queer”.
A compreensão do cristianismo por essa comunidade passa por momentos de abertura
tal que singularizam sua experiência litúrgica. Um exemplo é o questionamento das questões
de gênero pelo nomeado “ICM Delas”. Considerando o espaço cristão como sendo
165

predominantemente masculino, buscando subverter essa lógica ideológica, na qual a mulher


não é considerada para espaços de protagonismo, a ICM criou um projeto de protagonismo
feminino.
O ICM Delas foi um projeto nacional das ICMs, iniciado em 7 de abril de 2012, por
sugestão da Moderadora, Reverenda Bispa Nancy Wilson, em São Paulo. Originalmente, seria
um culto que aconteceria uma vez por mês no qual o protagonismo seria das mulheres, por
isso “Delas”. O projeto buscava viabilizar não somente a discussão de gênero, como também
a inserção das mulheres nos espaços aos quais ela não estaria tradicionalmente designada.
O grupo apropriou-se de discussões emergentes no contexto brasileiro sobre a
categoria de análise de gênero. Por meio de leituras e rodas de conversa, as perspectivas
conceituais sobre gênero foram de extrema importância para o andamento do ministério. O
gênero, como categoria de análise, busca recontar a histórias das mulheres sob o viés da
opressão patriarcal. As relações entre o feminismo e o patriarcado são tão imbricadas, que é
possível encontrar o conceito de patriarcalismo na própria definição do feminismo, como
afirma hooks (2000). Segundo a autora, “o feminismo é um movimento para acabar com o
sexismo, exploração sexista, e opressão. [...] O movimento não é sobre ser anti-masculina. Ele
deixa claro que o problema é o sexismo” (HOOKS, 2000, p. 8-9, tradução nossa82). Para
hooks, a melhor definição de sexismo, quando institucionalizado, é patriarcalismo.
Segundo Schüssler-Fiorenza (2009, p. 132), “o homem é o ser humano paradigmático
que é o centro das sociedades, culturas e religiões androcêntricas; a mulher é o Outro”. A
autora explica que

o patriarcado constrói relações estruturais e institucionais de dominação. [...]


Desenvolve-se esse conceito como instrumento para identificar e desafiar as
estruturas sociais e ideológicas que permitiram aos homens dominar e explorar as
mulheres ao longo de toda a história registrada (SCHÜSSLER-FIORENZA, 2009, p.
133).

Entretanto, é preciso esclarecer que mulheres não foram somente os objetos e as


vítimas do domínio masculino, mas também agentes “complacentes” da vontade de Deus,
desejando viver a serviço do bem-estar dos homens (SCHÜSSLER-FIORENZA, 2009).
Nesse sentido, as mulheres podem ser compreendidas como lugar de discursos conflitantes.
Tomado o conceito de patriarcado em uma perspectiva teológica feminista, o termo
está para além de uma referência à estrutura familiar concreta no Israel bíblico, pois aponta
também para a própria figura de Deus. Assim,

82 Feminism is a movement to end sexism, sexist exploitation, and oppression. […] The movement is not about
being anti-male. It makes It clear that the problem is sexism.
166

patriarcalismo é usado para indicar a existência de um sistema que utiliza a


dominação dos homens sobre as mulheres em vista a perpetuar-se. A figura
masculina representada pelo Pai se torna o princípio, a “archê” da organização e da
compreensão do mundo (GEBARA, 2000, p. 38).

Schüssler-Fiorenza (2009) aponta algumas questões que devem ser levadas em conta
ao se pensar sobre o patriarcado. Primeiramente, o patriarcado não diz respeito somente às
relações de subordinação que se estabelecem entre homens e mulheres. Homens também
ocupam posições desiguais de dominação. Por exemplo, o homem branco e o homem negro.
E, do outro lado, mulheres também exercem poder sobre mulheres, como mulheres brancas
sobre mulheres negras, ou ainda mulheres brancas sobre homens negros. Sendo assim, uma
análise do patriarcado a partir da categoria de análise de gênero é apenas uma dentre tantas
dimensões de um complexo sistema de dominação marcado pela interseccionalidade.
A discussão de gênero permitiu que o ICM Delas acontecesse todos os últimos
domingos do mês, entre os anos de 2012 e 2018. Apesar de a proposta ser de protagonismo
das mulheres, percebeu-se que, por causa da Teologia Queer e dos novos sujeitos que
começaram a se juntar ao grupo, algumas adequações à realidade comunitária deveriam
acontecer. O binarismo homem/mulher não atendia às demandas dos membros. Alguns deles
passaram a se considerar como pessoas não-binárias e, portanto, reivindicavam espaço
naquele culto, por entenderem que poderiam transitar em um espaço dedicado às mulheres.
Outras pessoas montavam-se como drag queens e, também, passavam a requerer espaço entre
as mulheres. Vale ressaltar que drag queens, de maneira geral, não se tratam de identidades,
mas sim da construção de uma personagem, ou seja, estão inscritas na arte, configurando-se
como teatro ou performance83 (AMANAJÁS, 2018).
Nesse ambiente de tensão, com novos atores/atrizes no ICM Delas, foi proposto um
culto experimental, marcadamente plural e interconfessional, no qual se buscou romper com
os binarismos de gênero. O primeiro aconteceu em 30 de agosto de 2015. Apesar de a
construção ser comunitária, é importante perceber a presença do líder pastoral nesse processo.
Ainda que ele não fosse o protagonista desse culto e dos que viriam a acontecer, ele
proporcionou um espaço de diálogo e fomento teórico dentro da congregação fundamental
para que o culto ocorresse. Por meio de filmes, de livros e rodas de conversa, a comunidade
foi se apropriando dos Estudos Queer a ponto de querer experimentar na prática o queer como
possibilidade teológica. Abaixo um texto usado na liturgia do culto experimental:

Naquele tempo, Jesus estava andando entre o parque Trianon e o museu do MASP, a
multidão se aglomerava por toda a avenida, gays, lésbicas, trans, travestis,

83 No próximo capítulo a temática será tratada com maior profundidade.


167

bissexuais, negros, negras, héteros, uma diversidade fluida celebrando o orgulho de


suas identidades. Jesus estava feliz, era a primeira vez que ele andava no meio do
povo com o peito desnudo, sentido o vento sobre sua pele e a vibração da música.
Algo chamou a sua atenção, uma mulher trans, seu nome Viviany, estava no alto de
um Trio, crucificada, seminua, com o corpo marcado por sangue e no fundo um céu
azul. Nesse instante, ele respira profundamente, sentindo o ar encher os seus
pulmões e expira cheio de contentamento e plenitude. Leva a mão sobre o seu peito
e alisa a cicatriz da cirurgia de retirada das mamas, com as quais ele não se
identificava. Depois, ainda transbordando de amor por todos ali, alisa suavemente
sua barba que já podia ser percebida, depois de ter se empenhado com o hormônio T.
Identificação e alegria com o seu corpo. Mais uma vez olha para a trans crucificada
e por um relance, lembra-se de outra crucificação que ocorreu há mais de dois mil
anos atrás e por um instante, tipo aquele que dizem que passa pela nossa mente nos
momentos de morte toda a nossa vida, foi invadido por uma avalanche de
sentimentos e imagens do seu povo que vinha nesse caminho. Lembrou-se das
últimas palavras ressoando e se desfazendo no ar. Está consumado. E disse: Valeu a
pena. Valeu a pena. Está valendo a pena. Essas são para nós palavras que salvam.
Glória a Vós, Senhor (ICM BH, 201584).

A leitura proposta para aquele culto experimental foi desafiada pelos reflexos do que
acontecera na 19ª Parada do Orgulho LGBT, em São Paulo, em 7 de junho de 2015, quando
Viviany Beleboni (figura 3), mulher transexual, à semelhança do Cristo, apareceu crucificada.

Figura 3 – Viviany Beleboni

Fonte: Globo, 2015.

A transexual circulou durante a Parada sobre um trio elétrico. Crucificada, ela manteve
os braços abertos como os do Cristo. Seus cabelos tampavam seus seios. Em vez de INRI
(Iēsus Nazarēnus, Rēx Iūdaeōrum, Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus) sobre a cruz, estavam
grafadas as palavras: “basta”, “homofobia” e “GLBT”. Manchada de tinta que remetia a
sangue, ela tinha sobre a cabeça uma coroa que simulava a de espinhos usada por Cristo. Uma

84 Texto escrito coletivamente para ser lido durante o Culto Queer de 30 de agosto de 2015.
168

Crista. Uma mulher que se identificou com a mensagem da cruz e que pela mensagem da cruz
foi identificada. De acordo com o texto criado para o culto experimental, assim caminhou
Cristo naquela Parada: crucificada no trio elétrico e ressuscitado na rua.
O texto construído comunitariamente e lido durante o culto propunha uma outra
imagem de Cristo da comumente reconhecida. Jesus naquela narrativa não era mais o homem
Galileu, mas sim um homem trans. A transgeneridade de Jesus é descrita pelas marcas em seu
corpo: cicatrizes de uma mastectomia total, uma barba crescendo devido ao uso do hormônio
testosterona. Ele caminhava no parque Trianon, espaço conhecido, principalmente a partir da
década de 1980, pela presença de homossexuais masculinos. Jesus foi à Parada do Orgulho
LGBT como um igual, como todos aqueles que ali estavam celebrando a existência e
resistência. Uma metanarrativa trata da questão da cruz, levando a imagem de Viviany
crucificada à do próprio Jesus crucificado. O texto bíblico se mistura à narrativa com o “Está
consumado” (cf. João 19, 30).
A identificação com Jesus proposta pelo texto lido não é exclusiva da Teologia Queer.
A Teologia da Libertação, por exemplo, faz isso ao identificar Cristo com o pobre, e a
Teologia Negra, ao apresentar um Cristo negro. Em uma antropologia da religião, Feuerbach
(2007) explica Cristo como um símbolo religioso, mas cuja essência sobre-humana é apenas
um produto ou objeto da afetividade humana sobrenatural. Segundo o autor, o homem retira
de si a sua essência mais elevada e mais nobre para adorá-la fora de si como Deus (absoluto,
perfeito, eterno). Sua filosofia inverte a perspectiva hegeliana na qual Deus se mostra a si
mesmo no ser humano, e garante que o homem é quem cria Deus em si mesmo. Em uma
“teoria da projeção”, Feuerbach (2007) explica que Deus não é nada mais do que a projeção
da consciência humana da própria finidade. Religião é projeção, ou seja, algo subjetivo que se
coloca no firmamento do absoluto.
O objetivo de considerar-se Feuerbach (2007) nesse contexto não é afirmar que Deus é
uma projeção do humano, mas refletir sobre a possibilidade de identificação do humano em
Jesus por meio de expressões de aproximação, como classe social, cor, gênero etc. Assim, na
leitura feita pela ICM BH naquele culto experimental, Jesus aproxima-se dos membros da
comunidade, por meio de seu corpo encarnado. Corpo transgênero, que frequenta o Trianon,
que comparece à Parada do Orgulho LGBT, que celebra a vida.
Alexya Salvador, mulher transgênera, pastora da ICM SP, afirma que Deus é
transgênero. Segundo ela (2019, p. 25),

a Transgeneridade também é uma manifestação de Deus, pois o próprio Cristo faz a


transição de gênero, sendo o primeiro homem trans da história. E não é difícil
169

entender essa lógica. Jesus, antes de nascer através de Maria, tinha como natureza o
gênero divino. Para assumir a condição, ele teve que deixar o gênero divino e
assumir o gênero humano. Ele não conseguiria êxito em sua missão se não tivesse
transgredido sua norma divina e assumido radicalmente uma nova forma de ser.
Portanto, Jesus sendo o Deus Filho, Deus também faz a transição em Cristo,
assumindo de uma vez por todas, a condição humana que ele mesmo criou.

Esse exercício teológico proposto por Salvador (2019) é uma forma de encontrar a si
mesma em Cristo, percebendo nele possibilidades infinitas de assemelhação. “Pensar num
Deus Transgênero é ser levado, de uma vez por todas, pela obrigação de abandonar toda
colonização à qual as pessoas, independentemente da orientação e identidade de gênero,
foram e são submetidas até os dias de hoje” (SALVADOR, 2019, p. 25).
A projeção ou identificação em Jesus varia à medida que outros sujeitos se fazem
presentes no ambiente religioso. Assim, a possibilidade de experimentações e de encontros
com esse Deus multiforme, ou o Deus mosaico (cf. VALERIO, 2015), convida a comunidade
a ousar pensar a experiência de fé a partir de códigos não-hegemônicos, criados a partir da
marginalização e da perversão (ALTHAUS-REID, 2005) de sua fé.
Os cultos experimentais da ICM BH, atravessados pela Teologia Queer, se tornaram
espaços de promoção de novos sujeitos, procurando dar voz não somente a gays e lésbicas,
como também a outros dissidentes sexuais, como pessoas não-binárias e pessoas transgêneras.
O ICM Delas foi tomando um novo corpo e criando uma identidade própria, por isso, em 22
de maio de 2016, foi oficializado o Ministério Queer da ICM BH, com seu primeiro culto.
Abaixo o convite (figura 4):

Figura 4 – Convite para o primeiro ICM Queer

Fonte: Perfil no Facebook, Brasileiro, 2016.


170

O texto do convite diz: “Você é nossx convidadx a saborear o Jesus do chão da vida”.
Nesse culto, as cadeiras da igreja juntaram-se a mesas de bar. As mesas foram cobertas com
toalhas de pano de chita, sobre elas aperitivos, como amendoins e pasteis, que saiam ainda
quentes da cozinha. Cada pessoa recebeu uma comanda individual, na qual podia fazer
pedidos aos garçons e garçonetes (membros do ministério queer), que ficavam circulando
entre as mesas. Homens estavam vestidos como mulheres ou com, pelo menos, algum adereço
feminino, e mulheres usavam gravatas masculinas. Foram servidos refrigerantes e cervejas.
Ao fundo, música sertaneja. Nos altares pregados à parede foram colocados cachepôs com
logotipos de bebidas (figura 5).

Figura 5 – Altar do primeiro ICM Queer

Fonte: Foto da autora, 2016.

O espaço do culto tinha seis altares como o da figura (5). Eles foram colocados nas
paredes em um ICM Delas e sobre eles geralmente havia bonecas (anexo F). O boneco
masculino Ken, vestido de mulher, e a boneca feminina Monster High85eram algumas das
bonecas que tomavam os altares criando novas santas e santos para aquela comunidade. Nesse
culto em específico, foram as bebidas, em forma de cachepôs, que tomaram os altares. Flor e
bebida, a vida que floresce e que é degustada.

85 Ken é o parceiro da conhecida boneca Barbie. A boneca Monster High é, como o próprio nome aponta, um
monstro.
171

Ainda que informalmente, a liturgia iniciou-se com a leitura de um texto (anexo E),
enquanto os membros e visitantes comiam e bebiam. Um líder do ministério tomou a palavra
e explicou que a ideia do bar era porque, para eles e elas, o primeiro ICM Queer havia
acontecido em um encontro em um bar, frequentado pelo público LGBT, chamado Mineiro
Bill. Nesse encontro não estavam todos os membros da igreja.
O texto lido fazia menção à obra do professor de meditação Lodro Rinzler, “Budismo
na mesa do bar” (2013). Explicando que o livro tratava sobre a relação da religião com o
cotidiano, “como saídas às sextas-feiras à noite”, o texto criou um ambiente teórico que levou
a uma reflexão sobre em que medida se dão as relações entre o Sagrado e o Profano:

A mesa do bar é um espaço propício para discussões. É em meio às cervejas e aos


petiscos que, muitas vezes, temas de grande relevância são debatidos, como se o
ambiente informal inspirasse as pessoas a abordar assuntos profundos, que vão além
dos tradicionais política, futebol e relacionamento. Muitas vezes, as acaloradas
conversas chegam a questões essenciais e existenciais (ICM BH, 2015).

Após a explicação, convidaram a todos para cantar a música “O Segundo Sol” (Nando
Reis). A homilia (anexo E) foi conduzida por um membro da igreja que se denominava como
não-binária e se destacava à época como líder do ministério queer. Ela usou textos
acadêmicos, citações budistas e perguntou à comunidade: “quem é Deus para você?” Algumas
pessoas presentes responderam. Apesar de a ICM seguir o lecionário, e aquele dia ser o da
Santíssima Trindade, nada foi mencionado a respeito.
A reflexão proposta lançou mão de algumas citações de Marcella Althaus-Reid,
destacando a importância dessa teóloga para aquela comunidade. “A vida nunca poderá ser
normal para aqueles que abraçam a carne como divina, aqueles que são amantes de Deus
através da carne com toda a sua diversidade” foi uma das citações da autora em um ambiente
de “anormalidade” criado por aquela proposta de culto queer.

O que estamos fazendo aqui é uma nova forma de experimentar e vivenciar Deus, de
nós (sic) relacionarmos com a divindade. Essas metáforas do Deus perfeito, da
sabedoria suprema, do terminado vêm de uma maneira de pensar pré-moderna. O
Deus Queer é um Deus inacabado, que está em processo de descoberta, um Deus
ambíguo, de múltiplas identidades, que nunca terminamos de conhecer porque,
quando o abarcamos, escapa, há mais (ICM BH, 2015).

A “anormalidade” daquele culto estava na abertura à experiência. Compreendendo, a


partir de Althaus-Reid (2003), Deus como um Deus Queer, a ICM BH ousava em desconstruir
a tradição do templo religioso como espaço sagrado, propondo outras sacralizações. Sagrado é
o corpo, sagrada é a abertura ao diferente, sagrado é o brinde no bar, sagrada é a experiência
de fé por meio da concretude da vida.
172

Após esse momento de reflexão, um casal dançou um forró da banda “As Bahias e a
Cozinha Mineira” (grupo musical liderado por duas travestis), todos os presentes foram
convidados a dançar. Depois da dança, explicaram que não haveria Santa Ceia, pois ela já
havia acontecido ali, nas mesas – com pastéis, amendoins e cerveja – enquanto o culto
acontecia. Nesse contexto, foi apresentada uma reflexão sobre a eucaristia (anexo E). Citando
o Papa João Paulo II – “O sacrifício eucarístico está particularmente orientado para a união
íntima dos fiéis com Cristo através da comunhão86” – a eucaristia foi apresentada como
“partilha”.

A vida, os encontros, as celebrações, a vida… A vida em comunidade gera


comunhão, hoje estamos aqui, no nosso local destinado à nossa comunidade ICM,
mas além deste lugar, quando nos encontramos em vários outros lugares, como em
bares por exemplo, geramos comunhão. E geralmente em vários destes encontros
partilhamos. A partilha enriquece a verdadeira experiência de doação e do servir.
Servir é gesto de doação de si mesmo ao outro. Servir é amar e amar é se colocar a
serviço do outro (ICM BH, 2015).

A reflexão enfatizou que a partilha eucarística não se dá apenas no ambiente da igreja.


Dá-se, também, fora dela. Quando há partilha, há eucaristia. Cristo partilhou seu pão e seu
vinho, sua carne e seu sangue, dando exemplo de uma doação ética na qual “há mais
felicidade em dar do que em receber” (cf. Atos 20, 35b). Assim, a experiência de encontro
com Cristo por meio da eucaristia expande os símbolos do pão e do vinho, permitindo
encontros humanos.
O encerramento do culto foi marcado pela leitura de uma oração (anexo E) intitulada
“Mãe nossa dos que estão às margens”. A imagem feminina de Deus foi quem acolheu aquele
culto queer. Mãe que tolera as “excentricidades e anormalidades” de seus filhos e filhas. A
imagem de um “Deus Mãe” passa pela tradição católica brasileira de adoração à Maria, mas
também pela tentativa de desconstrução da imagem de um “Deus Pai”, “Deus Homem”. É da
mãe, como diz a oração, que se tem o colo, as cantigas de ninar, a proteção, o amor
incondicional. “Porque és mãe que protege, que não recrimina, que acolhe em teus fartos seios
os pobres, os pequenos, os homossexuais, os desvalidos, os esquecidos, as travestis, os
violentados, os transgêneros e as transgêneras, os excluídos…” (ICM BH, 2016).
A desconstrução das imagens opressoras de Deus – um Senhor que governa, um Pai
que pune, um Homem que não se solidariza com a diferença – é um exercício teológico queer
que busca, pelo “princípio da imaginação teológica” de Althaus-Reid, criar outras imagens do

86 Ecclesia Eucharistia, João Paulo II, n.16.


173

Sagrado por meio de experiências sexuais. Imagens que digam respeito à diferença e não à
igualdade. Não é um Deus para todos, mas um Deus para cada um/a:

Minha proposta é pensar uma fé e uma teologia a partir de experiências sexuais


diferentes. Não a dos gays, ou a das lésbicas, ou a dos travestis, mas a partir da
Teoria Queer, uma espécie de guarda-chuva que abriga toda a diversidade sexual.
Quero saber, por exemplo, como um (sic) travesti se relaciona com o sagrado, como
é o Deus do transexual. Minha teologia não é sobre igualdade, é sobre diferença
(ALTHAUS-REID in BRUM, 2004).

Não somente a sexualidade, mas a diversidade sexual marca as possibilidades de uma


prática teológica queer. São as multiplicidades de perspectivas a partir de corpos sexualizados
que permitem a experiência do Sagrado por meio da afirmação de identidades sexuais. Não é
uma Teologia Inclusiva, mas uma Teologia Afirmativa das Diferenças. O que se pretendeu
naquele culto não foi apenas incluir, ou seja, adicionar outros sujeitos no fazer teológico. Foi a
partir da afirmação de suas identidades – sendo elas plurais e singulares – que o culto queer
foi experimentado.
O que se percebeu com o culto foi que desestabilizando as categorias do fazer
teológico tradicional, os Estudos Queer aproximam-se da ICM BH não somente pelas novas
propostas hermenêuticas da Teologia Queer, como também, por meio de novos sujeitos
religiosos que criam uma outra religiosidade a partir da afirmação identitária que considera a
corporeidade e a sexualidade de suas experiências particulares. A Teologia Queer permeou a
liturgia singular daquela comunidade, ao optarem por fazer da igreja um bar, não em um
processo de dessacralização da igreja, mas em um processo legítimo de sacralização do bar.
Importa ressaltar, entretanto, que a ideia desse primeiro culto experimental queer
surgiu, como mencionado anteriormente, justamente em um bar. Foi o bar, primeiramente, que
foi transformado em igreja, por isso o exercício da sacralização do bar começou não quando
ele foi levado para dentro da igreja, mas quando ele foi tomado por corpos santificados que
celebravam ali a existência.
Uma leitura mais comumente aceitável no que diz respeito à aplicabilidade da
Teologia Indecente de Marcella Althaus-Reid seria a de que os espaços não foram
sacralizados, mas sim dessacralizados. O conceito de “sagrado” seria tão próprio do
cristianismo hegemônico, que por séculos criou mecanismos de controle dos corpos, que
deveria ele mesmo ser subvertido pelo seu antônimo: a dessacralização. Entretanto, o que se
percebeu a partir da observação do que foi feito por meio da aplicabilidade da teologia de
Althaus-Reid na ICM BH é que a sacralidade estava disponível e possível a tudo e todos.
174

Àquelas a quem por tanto tempo foi negada a experiência legítima do Sagrado, agora
era dada a oportunidade de dizer, como o cantor e compositor Beto Guedes, “tudo o que move
é sagrado”. Sacralizar tudo e todas se tornava a rica oportunidade para as LGBTs de se
inserirem na criação de Deus, não mais como “abominação”, mas agora como “perfeição”.
Sendo assim, em um ambiente rico de sentido, e cheio de tensões, a proposta de um
culto experimental fomentou o surgimento de um ministério queer, o ICM Queer, que tem
criado uma nova dinâmica litúrgica e simbólica. É possível afirmar que, no que tange à
singularidade da prática religiosa daquela comunidade, os aportes da Teologia Queer, até
então muito mais presentes em discussões acadêmicas do que no ambiente eclesiástico,
encontraram ali um campo prático-experimental latente.

3.3 Conclusão

Uma cristaleira guarda cristais, louças, enfeites. Guarda e protege. A metáfora da cristaleira
nesse capítulo diz muito mais sobre a riqueza da Igreja do que sobre sua fragilidade. Os 51
anos de história da Fraternidade Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana
permitiram que ela se institucionalizasse, criando uma estrutura que a protegesse contra
fundamentalismos que ou não a consideram como sendo uma igreja cristã ou a atacam por
meio de discursos de ódio.
A MCC afirma ser um capítulo na história do cristianismo, que permitiu que a inclusão
criasse dispositivos de resistência diante de cenários de violentos discursos contra as LGBTs.
Nesse ambiente rico de sentido, avançou pelo mundo, chegando até Belo Horizonte, onde há
13 anos tem experimentado novas formas de experiência do Sagrado. Nesse cenário, as
perspectivas queer encontraram um ambiente propício para suas experimentações e
subversões. A abertura ao queer permite que a ICM BH se identifique com o Cristo marginal,
que caminha na Parada do Orgulho LGBT e brinda em uma mesa de bar. A ICM BH
singularizou essa proposta pervertida, por meio de uma abertura à experiência.
Em um ambiente rico de sentido, e cheio de tensões, a proposta de um culto
experimental fomentou naquela comunidade o surgimento de um ministério queer, o “ICM
Queer”, que tem criado uma nova dinâmica litúrgica e simbólica. Atualmente, o ministério
existe e resiste por meio de intervenções nos cultos considerados tradicionais, que ainda
acontecem naquela comunidade. Além disso, a perspectiva queer leva a ICM BH para fora do
templo religioso, por meio de ações políticas performadas que acontecem com a sociedade
civil. Afinal de contas, mesmo quando o bar é fechado, a festa continua na rua. Assim, as
175

perspectivas queer pervertem propostas litúrgicas e ministeriais na ICM BH, desestruturando


a tradição, por meio de um constante convite ao brinde.
177

4 ARMÁRIOS QUEIMADOS: Teologia Queer em marcha

Tudo que é sólido desmancha no ar.87


(Marshall Berman)

As perspectivas queer que se desenvolvem dentro do contexto da ICM BH marcam sua


experiência litúrgica tanto dentro quanto fora do templo. O templo e as ruas se apresentam
como o lócus teológico no qual o queer subverte a norma por meio de experimentações e
experiências com o Sagrado. Sendo que essas não negam a sexualidade como parte
fundamental da vivência de fé que se dá na construção de uma eclesiologia que afirme a ICM
tanto como Igreja quanto como Movimento.
A partir dos elementos sociológicos de DaMatta (1997a), é possível sugerir que o
templo e a rua não são somente espaços geográficos, ou físicos, mas sim atores sociais.
Segundo DaMatta (1997a), o espaço não existe como uma dimensão social independente e
individualizada, estando sempre misturado a outros valores que servem para a orientação
geral, como, por exemplo, o tempo. O espaço público é lugar da ação das pessoas e esse
espaço, enquanto tal, também age, pois a cidade é atriz e o espaço público é ator da
modernidade.
Para o autor, nas sociedades onde o capitalismo e o protestantismo se estabeleceram, o
movimento, geralmente, é dialético, atuando tanto no individual quanto no coletivo. Nesse
sentido, como uma espécie de “sala de visitas coletiva”, a rua surge como uma região
teoricamente do povo. Assim, os espaços são atualizados pela própria dinâmica da vida social.
Não somente os espaços, mas os diálogos que neles acontecem. A mesma pessoa comporta-se
de maneira distinta nesses lugares, porque a casa, a rua e o outro mundo “fazem mais do que
separar contextos e configurar atitudes. Eles contêm visões de mundo ou éticas particulares”
(DAMATTA, 1997a, p. 47).
O conceito de privado e o público, comumente atribuído à casa e à rua, representam
uma condição relacional não-excludente, como afirma DaMatta (1997a, p. 106): “estamos
sempre querendo maximizar as relações e a inclusão, criando com isso zonas de ambiguidade
permanente”. Assim, a ICM BH, compreendida como sendo Igreja e Movimento, transita
entre esses espaços reconfigurando-os a partir de sua liturgia religiosa e política. Para
DaMatta (1997a), essa é uma característica tipicamente brasileira de relacionalidade. “O

87
A frase é título de um livro e de um capítulo dentro do mesmo livro de Marshall Berman, entretanto foi
primeiramente escrita por Karl Marx e Friedrich Engels, no Manifesto Comunista.
178

ponto é utilizar consistentemente a descoberta de que a sociedade brasileira é relacional. Um


sistema onde o básico, o valor fundamental, é relacionar, juntar, confundir, conciliar. Ficar no
meio, descobrir a mediação e estabelecer a gradação, incluir (excluir jamais)” (DAMATTA,
1997a, p. 108).
Partindo da síntese relacional proposta por DaMatta (1997a), o presente capítulo
pretende apresentar elementos da trajetória da MCC que contribuíram para a formação de um
perfil denominacional que viva a experiência de ser tanto Igreja quanto Movimento. Enquanto
Igreja, a MCC, e em específico a ICM BH, foram apresentadas a partir de suas trajetórias
narradas no capítulo anterior. Assim, serão objeto da reflexão sobre a relacionalidade entre
Igreja e Movimento, ou ainda, Igreja em Movimento.
Para tanto, serão apresentados mártires da MCC que marcam a narrativa sobre a Igreja
como sendo um espaço de resistência e enfrentamento. Talvez seja possível, de antemão,
afirmar que a sua história é a sua principal mártir, pois enfrenta momentos de tentativas de
extermínio da sua própria existência enquanto Igreja cristã fundada e frequentada pelas
LGBTs. Além disso, verticalizando a discussão para a experiência da ICM BH, será
apresentada sua presença como movimento de militância política na Marcha contra a
LGBTfobia de Belo Horizonte. Por fim, a conclusão apresentará uma discussão sobre o que
foi demonstrado até aqui sobre a compreensão da Fraternidade das Igrejas da Comunidade
Metropolitana como sendo Igreja e Movimento.

4.1 Mártires queer: vidas e trajetórias em resistência

O martírio, segundo Sobrino (1992), está imbricamente ligado à libertação. Em uma análise
sobre as relações da Teologia da Libertação com uma “Teologia do Martírio”, Sobrino,
apoiado em ideias de Monseñor Romero88, afirma que não se deve falar apenas sobre uma
“igreja de mártires”, mas deve-se falar também em uma “igreja construída sobre os mártires”.
A ideia é semelhante à compreensão de que existe um Jesus mártir (igreja mártir), mas deve se
pensar também no anúncio do Reino de Deus, na libertação do Reino de Deus (igreja
construída sobre os mártires):

88 Bispo e mártir, Oscar Arnulfo Romero foi assassinado aos 24 de março de 1980, em San Salvador, capital de
El Salvador. Sua luta em favor dos pobres e do fim da opressão fez com que em 2010, a Assembleia Geral das
Nações Unidas proclamasse o dia 24 de março como o Dia Internacional pelo Direito à Verdade acerca das
Graves Violações dos Direitos Humanos e à Dignidade das Vítimas, em reconhecimento à atuação de Dom
Romero em defesa dos direitos humanos. Romero foi canonizado em 14 de outubro de 2018, sendo o primeiro
santo salvadorenho, o primeiro mártir depois do Concílio Vaticano II e o primeiro santo nativo da América
Central (ROMEROES, 2019).
179

A libertação, com efeito, refere-se ao reino de Deus e o martírio refere-se à cruz (e


ressurreição) de Jesus. Ambas as realidades iluminaram-se mutuamente, de modo
que o reino e a cruz ajudaram a entender nossa realidade como libertação e martírio,
e, de modo inverso, redescobriram a centralidade do reino de Deus e da cruz de
Jesus (SOBRINO, 1992, p. 36, tradução nossa 89).

O martírio, segundo Sobrino (1992), foi tratado como sinal dos tempos. A partir do
método teológico da libertação (ver, julgar, agir), explica que o conceito deve ser abordado
sob o espectro da realidade observável. Assim, fazer Teologia da Libertação, no contexto
latino-americano implica em uma práxis libertadora, que promove a passagem da teologia
para o martírio. Uma passagem do pensar ao agir. Nesse contexto, martírio e libertação devem
ser pensados juntamente.
De acordo com Prado, no cristianismo, o martírio está ligado a uma entrega pacífica,
sem resistência (PRADO, 2018, p. 48). Comblin (2013) amplia assim o conceito, também no
espectro do cristianismo:

Mártires são os que foram mortos por causa do testemunho de Jesus. Mas a forma do
testemunho varia de acordo com as situações históricas, porque o contexto varia.
Além disso, há em todo martírio um aspecto de ambiguidade porque os que matam
têm razões históricas que os justificavam. O martírio é sempre um ato histórico
inserido num contexto social determinado e que varia no decorrer da história
(COMBLIN, 2013, p. 1).

O uso laico do conceito tem a ver com o sacrifício por uma causa. Pensar em martírio
na contemporaneidade implica em perceber o fenômeno de maneira complexa, dentro do seu
contexto político e social. A partir dessa perspectiva, é possível afirmar, por exemplo, que os
marginalizados são mártires. Suas vidas são ceifadas pelas contingências de uma realidade
precária. Precariedade designa, segundo Butler (2018, p. 40), “a situação politicamente
induzida na qual determinadas populações sofrem as consequências da deterioração de redes
de apoio sociais e econômicas [...] e ficam diferencialmente expostas ao dano, à violência e à
morte”.
Sobre o martírio, Boff (1983) explica que o martírio diz respeito à morte por causa de
Deus, de Cristo ou por aquilo que esses dois conceitos representam: a verdade e a justiça.
Mártir, nesse sentido, ganha o escopo da entrega da vida por uma causa, pela verdade e pela
justiça, como também a morte advinda por uma realidade complexa. De acordo Sobrinho

89 Liberación, en efecto, remite a reino de Dios y martirio remite a cruz (y resurrección) de Jesús. Ambas
realidades se han iluminado mutuamente, de modo que reino y cruz han ayudado a comprender nuestra realidad
como liberación y martirio, pero, a la inversa, éstos han hecho redescubrir la centralidad del reino de Dios y de
la cruz de Jesús.
180

(2019), relatório90 recente aponta que entre os anos de 1963 e 2018, 8027 pessoas LGBTs
foram assassinadas no Brasil em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Evidentemente, somente nos anos recentes esses números começaram a se aproximar da
realidade, tendo em vista a subnotificação desses dados. Segundo o relatório, entre 2011 e
2018, foram denunciados ao Disque 100, ao Transgender Europe e ao Grupo Gay da Bahia91,
4422 assassinatos por LGBTfobia, o que configura uma vítima a cada 16 horas.
Relatório do Grupo Gay da Bahia (2018) apresenta dados diferentes 92. Segundo o
documento, tomando como base o ano de 2018, a cada 20 horas um “LGBT é barbaramente
assassinado ou se suicida, vítima da LGBTfobia, o que ainda assim confirma o Brasil como
campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais”. Apesar do homicídio ser o líder do
índice de violência contra LGBTs, o suicídio é um dado a ser considerado nesse contexto.

O suicídio é a 4ª principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil,


segundo recente pesquisa do Ministério da Saúde e de acordo com a revista
científica Pediatrics, gays, lésbicas e bissexuais, devido à homofobia, têm 6 vezes
mais chance de tirar a própria vida, em relação a heterossexuais, com risco 20%
maior de suicídio quando convivendo em ambientes hostis à sua orientação sexual
ou identidade de gênero (GGB, 2018).

Dos suicídios, em termos absolutos, os gays são os que mais o praticam (60% dos
óbitos). Entretanto, em termos relativos, são as lésbicas as principais vítimas da morte
voluntária. Representando 12% das vítimas de homicídios, elas sobem para 31% nos casos de
suicídio. A análise desses números não é objetivo da presente pesquisa, entretanto é razoável
propor que no caso das mulheres vítimas de morte voluntária, a forma patriarcal com a qual a
sociedade se estrutura tem muito a ver com essa tomada de decisão. As mulheres,
consideradas como cidadãs de segunda categoria (GEBARA, 1997), são rechaçadas a espaços
de invisibilidade e passividade. No suicídio, uma possível interpretação seria a de que as
mulheres encontrariam nele a oportunidade de serem protagonistas de suas próprias vidas –
decidindo, inclusive, pela não-vida.

90 O relatório feito por Julio Pinheiro Cardia, ex-coordenador da Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT do
Ministério dos Direitos Humanos, ainda não foi divulgado ao público amplo. Ele foi entregue à Advocacia-Geral
da União no final de 2018 e os dados foram disponibilizados ao portal UOL.
91 Os três são instituições que recebem denúncias de assassinatos, violação de direitos, e agressões. Enquanto o
Disque 100 recebeu 529 denúncias de assassinato entre 2011 e 2018, a Transgender Europe informou 1.206
homicídios de transexuais e o GGB registrou 2.687 mortes (SOBRINHO, 2019).
92 Tendências predominantes do relatório: 420 LGBT+ foram vítimas no Brasil de morte violenta: 76%
homicídios e 24% suicídios, 45% gays, 77% com até 40 anos, 58% brancos, predominam profissionais do setor
terciário e prestação de serviços, 29% mortos com armas de fogo, 49% na rua, apenas 6% dos criminosos
identificados. Suicídios de LGBT: 60% gays, 66% brancos, 84% com até de 30 anos, 15% enforcamento (GGB,
2018).
181

Importa ressaltar que os números sobre a LGBTfobia incluem pessoas heterossexuais


(5% dos dados de 2018), que eventualmente podem ser confundidas com homossexuais
devido às expectativas de gênero que são normalizadas por uma cisheteronormativadade
compulsória. Assim, um homem abraçando seu filho, por exemplo, pode ser lido socialmente
como um casal gay. É o caso do homem que teve sua orelha decepada após ser agredido por
um grupo de jovens, em 2011, na cidade de São João da Boa Vista, São Paulo. “Os agressores
pensaram que ele e o filho de 18 anos fossem um casal gay, pois estavam abraçados” (EPTV,
2011).
Os padrões de gênero determinam comportamentos esperados socialmente. Segundo
Butler (2018, p. 41), “a precariedade está diretamente ligada às normas de gênero, uma vez
que sabemos que aqueles que não vivem seu gênero de modos inteligíveis estão expostos a
um risco mais elevado de assédio, patologização e violência”. Por isso, o que aqui é nomeado
de “martírio queer” está intrinsecamente ligado à precariedade.
O martírio permeia essa realidade criminosa suscitando atrizes e atores que
protagonizam movimentos contrários à violência sexualmente orientada. Um dos mais
conhecidos movimentos de levante contra a repressão às LGBTs comemora, em 2019, 50
anos. No final da década de 1960, existia, no contexto estadunidense, uma mentalidade de luta
por direitos civis. Negros, mulheres e dissidentes sexuais eram os protagonistas dessas
reivindicações. Com relação aos homossexuais, um evento emblemático desse embate civil
foi o que ficou conhecido como a “Revolta de Stonewall”.
Segundo Duberman (1993), Stonewall foi um evento que se tornou sinônimo da
“resistência gay” contra a opressão. O fato aconteceu aos 28 de junho de 1969, no bar
Stonewall Inn, localizado em Greenwich Village, Nova York. O bar, de propriedade da máfia,
vendia bebidas falsificadas e era um gueto para o público homossexual. Em uma época de
forte repressão policial, que cassava os alvarás de estabelecimentos que recebessem as
LGBTs, nesse dia, como em vários outros, a polícia fez uma batida no bar. Conformes relatos,
os policiais usavam de muita violência e expulsavam as pessoas do local. Entretanto, eles não
contavam com a resistência do público presente. Aos poucos, gays, lésbicas, travestis, drag
queens e simpatizantes da causa foram se aglomerando e em um ato de “revolta” decidiram
não sair, pelo contrário, ficaram e enfrentaram a força policial durante quase quatro dias
(DUBERMAN, 1993).
Não houve uma convocação prévia para a resistência contra os policiais, mas já havia
um mal-estar entre as pessoas e um desejo reivindicatório de luta pelos direitos civis. O
contexto, segundo Ferraz (2015), era de luta contra o racismo, pelo movimento por direitos
182

civis de negros e negras, e da luta das mulheres. Stonewall, literalmente uma parede de pedra,
é uma palavra que traz em si o simbolismo da subversão da lei, como explica Duberman
(1993, tradução nossa93.), “hoje, a palavra ressoa com imagens de insurgência e
autorrealização e ocupa um lugar central na iconografia da consciência lésbica e gay. [...]
Como tal, Stonewall tornou-se um poderoso símbolo de proporções globais”.
Importa ressaltar sobre Stonewall que o evento, conforme Musskopf (2012) explica,
assumiu contornos “míticos e lendários”. E completa, “Stonewall foi o catalisador e unificador
de um movimento até certo ponto clandestino, dando visibilidade e uma forma renovada à
militância, bem como promovendo a articulação de grupos dispersos em uma frente de luta
unificada [...]” (MUSSKOPF, 2012, p. 130). Pelo menos dois importantes eventos que
antecederam Stonewall merecem destaque. A “Revolta do Cefé Cooper Do-nuts”, em Los
Angeles, em 1959, que envolveu homossexuais e pessoas transgêneras e a “Revolta na
Cafeteria Compton’s”, em São Francisco, em 1965, envolvendo drag queens, garotos de
programa e travestis.
Uma das personagens icônicas da Revolta de Stonewall foi Sylvia Rae Rivera (1951-
2002), uma travesti nova-iorquina, que se tornou uma das principais vozes militantes da MCC
(figura 6).

Figura 6 - Sylvia Rivera

Fonte: Perfil no Facebook, Sylvia Rivera (Pioneras LGBTI), 2019.

93 Today, the Word resonates with images of insurgency and self-realization and occupies a central place in the
iconography of lesbian and gay awareness. […] As such, Stonewall has become an empowering symbol of global
proportions.
183

Segundo Lucon (2014), há relatos que Sylvia Rivera tenha sido a primeira pessoa a
lançar um coquetel molotov contra os policiais.

Voaram garrafas, cadeiras, pedras e saiu do peito o estrondoso grito engasgado. Há


relatos de que Sylvia tenha jogado o primeiro coquetel molotov nos policiais, de que
foi uma das primeiras a encará-los e afastá-los do grupo. Ela esquivava-se da
vaidade e dizia que, talvez, tenha jogado o segundo coquetel. O fato é que a
inesperada reação e o seu pioneirismo motivaram o espírito dos que permaneciam
calados. Com o grupo LGBT unido e finalmente engajado, a revolta durou quatro
dias, ganhou os noticiários e mudou a história. “Eu não vou perder um minuto disso,
é a revolução”, afirmou durante o embate (LUCON, 2014).

Ao contrário do colocado por Lucon (2014), é importante ressaltar que o grupo LGBT
não estava unido e engajado. Não havia a concepção de uma comunidade LGBT como se tem
hoje. Eram minorias sexuais, que se guetizavam em bares que funcionavam na irregularidade.
Apesar de ser considerado o protagonismo gay na luta pela garantia dos “Direitos Civis
Gays”, é sabido que existiam outras atrizes e atores nessa luta. Sylvia Rivera é uma dessas
personagens. Phillis e Olugbala (2006) narram que houve tensão entre lésbicas e gays e as
travestis e drag queens presentes. Ainda assim, aquele momento específico de Stonewall
conseguiu reunir os diferentes grupos ao redor de uma pauta específica: a resistência à
truculência e prisão arbitrária de minorias sexuais.
A tensão entre os grupos minoritários foi – e ainda é – pauta do movimento de luta
pelos direitos civis. Segundo Lucon (2014), rechaçada diversas vezes por gays e lésbicas,
Sylvia Rivera e outra importante transativista da época, Marsha P. Johnson, criaram o STAR
(Street Transvestites Action Revolutionaries), que lutava pelo direito de pessoas da
comunidade sujeitas à vulnerabilidade social e que enfrentavam a situação de rua.
Phillis e Olugbala (2006), baseados na ideia de punctum de Chela Sandoval, afirmam
que existem determinados momentos na história quando há uma ruptura com o status quo
permitindo o surgimento de novas oportunidades de se pensar e agir. Para eles, Stonewall foi
um desses momentos revolucionários.
Punctum é um termo apropriado de Roland Barthes por Chela Sandoval em sua
“Metodologia do oprimido” (2000). Barthes, em sua clássica obra “A câmara clara: nota sobre
a fotografia” (1980), cunhou os termos studium e punctum no contexto da teoria fotográfica.
Cavaco (2015) explica que studium é o objetivo e punctum é o subjetivo da fotografia.
Segundo Fontanari (2015, p. 66), “o punctum vem do verbo latino pungere, ‘picar’, ‘furar’,
‘perfurar’. Aquilo que é pungente, que corta, fere, espicaça, alfineta e amortiza”. Fontanari
(2015) explica que o punctum é o invisível que está na foto, é o que não se vê, a
intencionalidade. Punctum pode ser o detalhe, a dramaticidade, o suplemento.
184

Há também um “terceiro sentido” de punctum em A câmara clara, que é aquilo que


ele denomina de “suplemento”: é, num certo sentido, “aquilo que vem a mais” que o
intelecto e os sentidos não são capazes de perceberem, mas que o corpo reivindica.
Esse sentido não é decifrável. Seria essa ausência, esse silêncio de todo o sentido –
um grito mudo – em que a metalinguagem do crítico cessa e, então, o sujeito é
despertado para um deleite do significante sem chegar ao espasmo do significado ao
qual todo campo de significação está habitualmente destinado a conduzir
(FONTANARI, 2015, p. 67-68).

Nessa relação entre significante e significado, o punctum provoca rupturas que afetam
de forma profunda a consciência do ser humano. Sandoval apropria-se do conceito de Barthes
em um contexto de interpretação da opressão. Para Sandoval (2000), o punctum é a
consciência que surge a partir das diferentes formas de movimento social. É partir dele que
devem ser lidas as narrativas sociais. Como lugar de significado e acesso à consciência, o
punctum, segundo Phillis e Olugbala (2006), permite a compreensão de Stonewall como um
momento de ruptura na história do movimento de minorias sexuais. Os autores explicam que
a análise de Stonewall deve ser feita a partir da compreensão das formas sociais que
promoveram seu acontecimento. No que chamam de “marcha para a libertação” (march
toward liberation), Stonewall é resultado da insurgência de novos sujeitos.
Sylvia Rivera conta que “o movimento nasceu naquela noite e sabíamos que tínhamos
feito algo que todo mundo no mundo inteiro saberia quando a notícia chegasse” (PHILLIS;
OLUGBALA, 2006, p. 317, tradução nossa94). Compreendendo Stonewall como punctum,
pode-se inferir que um movimento nasceu ali, e também um movimento foi nascido ali. Com
isso, se pretende afirmar que Stonewall inaugurou uma nova forma do mundo lidar com a
“pauta gay”, compreendendo que Stonewall é resultado de um movimento emancipatório que
é anterior a ele. Stonewall é fruto das revoluções inauguradas e que inauguram a
modernidade: revolução sexual, revolução de gênero, revolução de raça. Diante do embate
que se travou entre as minorias sexuais e os policiais em Stonewall, Sylvia Rivera afirmou:
“Eu não vou perder um minuto disso – é a revolução!” (PHILLIS; OLUGBALA, 2006, p.
317, tradução nossa95). Certamente, ela não estava errada.
Os embates travados a partir de Stonewall garantiram à Sylvia Rivera destaque no
ativismo. Acompanhada de Marsha P. Jonhson, Sylvia criou a já mencionada STAR House,
casa de acolhida a minorias sexuais em situação de rua. Sylvia conta que “tivemos uma STAR
House – um lugar para todas nós dormirmos. Eram apenas quatro cômodos e o proprietário
desligou a eletricidade. Então nós vivíamos lá à luz de velas, um grupo flutuante de 15 a 25

94 The movement was born that night, and we knew we had done something that everybody in the whole world
would know about when the news came out.
95 I am not missing a minute of this – it is the revolution!
185

monas96, apertadas naqueles quartos com todo o nosso guarda-roupa. Mas funcionou” (NYC,
2017, tradução nossa97).
Segundo Haefele-Thomas (2019), Sylvia e Marsha passaram suas vidas dedicadas a
ajudar jovens LGBTs na cidade de Nova York, mesmo quando elas mesmas estavam em
situação de rua. Ações como essas aproximaram Sylvia Rivera da Metropolitan Community
Church. Sylvia foi coordenadora da MCC Nova York e faleceu sendo parte importante da
comunidade. Em seu leito de morte, Sylvia fez com que a Reverenda Bispa Pat Bumgardner,
uma das atuais Bispas da MCC, prometesse que criaria uma casa de abrigo para jovens e
crianças LGBTs. Em atenção, foi criado, pelo Instituto de Justiça Global da MCC, o Sylvia’s
Place, em Nova York, em funcionamento até hoje. Sylvia’s Place funciona como uma casa de
passagem para minorias sexuais em situação de rua. Além da casa, Revª. Bispa Pat
Bumgardner criou o Sylvia Rivera Food Pantry, local de distribuição de comida para pessoas
em situação de rua.
No documentário “A morte e a vida de Marsha P. Johnson” (2017), a Revª. Bispa Pat
Bumgardner afirma: “com certeza, muitas histórias serão contadas sobre Sylvia. Algumas
verdades; outras, puro mito. É o que acontece com grandes líderes. E não se enganem. Sylvia
Rivera é a mãe de nosso movimento, uma grande líder de nosso povo”.
Sylvia foi mãe, líder e também mártir do movimento. Sua trajetória de luta pela
dignificação das pessoas LGBTs garante a ela a marca do martírio. Durante a Revolta de
Stonewall, Sylvia disse: “Oh, meu Deus, a revolução está aqui. Graças a Deus. Eu estou aqui e
faço parte disso” (PHILLIS; OLUGBALA, 2006, p. 317, tradução nossa98). Sylvia viveu a
revolução e também a promoveu. Libertação e martírio (SOBRINO, 1992) no corpo de uma
transativista revolucionária.
Em resposta ao ocorrido em Stonewall, exatamente um ano depois, aos 28 de junho de
1970, data em que hoje é celebrado o Dia do Orgulho LGBT, movimentos pelos Direitos
Civis Gays organizavam-se para realizar paradas em memória à resistência emblemática
daquele evento. Nesse contexto, a MCC decidiu, então, organizar a primeira Parada do
Orgulho Gay em Hollywood. Cerca de 50 mil pessoas compareceram ao evento, entre elas
membros da MCC, militantes e simpatizantes (GORDER, 2015), sendo que o maior número
de pessoas era de espectadores.

96 Termo típico do pajubá (dialeto comumente usado e criado por travestis) que significa mulheres ou travestis.
Pode ser usado também entre LGBTs para se referirem a si mesmas/os.
97 We had a STAR House–a place for all of us to sleep. It was only four rooms, and the landlord had turned the
electricity off. So we lived there by candlelight, a floating bunch of 15 to 25 queens, cramped in those rooms with
all our wardrobe. But it worked.
98 Oh, my God, the revolution is here. Thank God. I’m here and I’m part of it.
186

Reverendo Troy Perry veio em destaque, em um carro conversível, dirigido por um


amigo, sua mãe à frente, e ele e seu companheiro à época atrás. Em memória e em
reconhecimento a esse fato, foi colocada em 2005, no ponto de partida da parada, uma placa
homenageando os organizadores do evento. A placa está localizada à rua Christopher West, e
diz o seguinte: “Aos 28 de junho de 1970, a primeira Parada do Orgulho Gay de Los Angeles
saiu dessa esquina. A cidade de Los Angeles fechou o Hollywood Boulevard para a parada,
sendo a primeira ação dessas na América. Os organizadores do evento foram Rev. Troy Perry,
Rev. Bob Humphries, Sr. Morris Kight. Dedicada em 28 de junho de 2005”.
As comummente chamadas Stonewall riots deram início a uma mobilização mais
organizada de luta pelas garantias civis das LGBTs. O movimento emancipatório de
dissidências sexuais declarado em Stonewall propiciou o surgimento de protagonistas,
entretanto, antagonistas também surgiram nesse enfrentamento político. Assim, o ambiente
para o martírio estava criado, por meio de um embate entre posições polarizadas a respeito de
temas que atravessavam a sexualidade, como também a pauta de costumes.
O martírio, compreendido como essa relação complexa de vida e morte em razão da
precarização das vidas subalternizadas, marcou a história da MCC. A trajetória da igreja
encontra não somente discursos de obstacularização de seu crescimento enquanto
denominação cristã, como também a ação criminosa de violência manifestada em dois
principais eventos.
Três anos após sua fundação, devido ao crescimento da comunidade, a MCC investiu
na compra de uma sede que foi inaugurada em 7 de março de 1971. Conhecida como “Igreja
Mãe” (anexo F), a MCC Los Angeles é uma catedral grande, ampla, com vitrais que circulam
o edifício e um imponente órgão. Em 27 de janeiro de 1973, um crime assombrou a
comunidade. A sede da MCC foi incendiada (figura 7). O Reverendo Troy Perry (2007) conta
que somente o altar e a Bíblia, que ficava aberta sobre o altar, não haviam sido destruídos.
Troy Perry (2007) narra que sua reação foi da tristeza à raiva, porque, de acordo com o Corpo
de Bombeiros, havia a suspeita de o incêndio ter sido criminoso. O que foi confirmado
posteriormente (GLASER, 2005).
187

Figura 7 – Incêndio na Igreja Mãe

Fonte: Manning, 2017.

A pergunta da igreja agora era: “onde seriam celebrados os cultos?”. Propuseram,


então, que as celebrações fossem feitas na rua, em frente à igreja queimada. Solicitaram
autorização para fecharem a via e improvisaram um palanque, que serviu de altar.
Diferentemente das ações nas quais a motivação para estar na rua era a militância, agora o
mote era o rito religioso. O culto na rua era um culto de denúncia, denúncia da igreja que
havia sido queimada pelo fato de ser um espaço no qual homossexuais professavam a fé
cristã. Devido à presença da imprensa no local, algumas pessoas não queriam estar presentes
no culto por causa das câmeras, já que mantinham sua orientação sexual em segredo. Foi,
então, que um membro da igreja, Willie Smith, disse: “o armário foi queimado!” (PERRY,
2007).
Ainda que assumissem sua orientação sexual divergente, uma igreja específica para as
LGBTs poderia criar, metaforicamente, um armário, um espaço de proteção e acolhimento,
para um público que, muitas vezes, não encontrava esse apoio em casa, por carregarem em si
o que Goffman (2002) chama de “estigma”. O estigma é um atributo depreciativo
compreendido como uma linguagem de relações que deteriora uma identidade e normaliza
outra. À tentativa de esconder o estigma social, Goffman (2002) chama de encobrimento. O
autor explica que o encobrimento leva à dupla biografia, pois o indivíduo convive em duas
comunidades, na quais uma não sabe da outra. O momento histórico no qual o incêndio
188

aconteceu (começo da década de 1970) era propício a esse tipo de vivência. Para sociabilizar-
se nesse ambiente hostil à homossexualidade, o indivíduo lança mão da segregação dos
espaços nos quais a igreja torna-se um deles. Deste modo, a MCC “escondia” a sexualidade,
tornando-se um local quase seguro de convivência entre iguais. O incêndio, então, convocava
a todos e todas para que saíssem do “armário” e tornassem pública sua sexualidade.
O armário foi queimado. Esta é a metáfora na qual a presente pesquisa se assenta. Para
Willie Smith, a igreja era o armário. E ele havia sido criminosamente incendiado. Já não havia
mais como se esconder, a Igreja deveria ir para as ruas, não somente para fazer um culto de
denúncia, como também para ressignificar sua trajetória e sua compreensão sobre o que
significava ser uma Igreja para as dissidentes sexuais.
Assim, as ruas, que eram tomadas pela MCC por meio de alguns membros e em
momentos específicos de militância, agora eram de todos os membros. Seus corpos religiosos
tornavam-se corpos políticos que atestavam não somente a perseguição a cristãos gays e
lésbicas, mas, antes de tudo, a existência de cristãos gays e lésbicas, o que era subversivo e
revolucionário - e ainda o é. Em decorrência, a visibilidade nas ruas também trouxe novas
pessoas incentivadas pela resistência daquela ação.
Outro incêndio criminoso marcou a história da MCC, quando, em 24 de junho de
1973, em Nova Orleans, 32 pessoas foram mortas no UpStairs Lounge, um dos mais famosos
bares gays da cidade, onde a MCC funcionou durante alguns meses. Dessas, 12 eram
membros da MCC, incluindo o pastor (anexo F) – que foi ordenado reverendo postumamente
– sua irmã e seu companheiro. O casal George Mitchell e Horace Broussard foram exemplos
de outros membros da MCC presentes no acontecimento. George conseguiu escapar do
incêndio, mas voltou para resgatar Horace. Durante a tentativa de resgate, ambos foram
incinerados pelas chamas. Relatos do ocorrido contam que os dois foram encontrados
abraçados (ANDERSON-MINSHALL, 2013).
Até o massacre em Orlando, em 12 de junho de 2016, quando 49 pessoas foram
mortas e 53 ficaram feridas, em um bar frequentado pelo público LGBT (Boate Pulse), esse
tinha sido o maior ataque aos gays nos Estados Unidos. A MCC ficou completamente
envolvida com o ocorrido, convocando um culto para os parentes e amigos das vítimas.
Segundo Anderson-Minshall (2013), cerca de 100 pessoas estiveram presentes no culto, que
se preocupou em levantar dinheiro para o Crippled Children’s Hospital (Hospital para
Crianças Deficientes).
Esses dois incêndios, apesar de não terem sido os únicos contra a MCC, foram os de
maior impacto para a denominação. É possível afirmar que as motivações para o crime
189

tenham sido diferentes. O primeiro ocorre na igreja, o segundo em um bar. Entretanto, é


impossível dissociar um caso do outro, pois ambos podem ser compreendidos como crime de
ódio contra a comunidade LGBT. Igreja e bar, assim como o primeiro culto queer da ICM BH,
no qual a igreja foi transformada em um bar. Os dois ambientes eram sagrados (ou os dois
ambientes eram profanos!). As vidas ali eram sagradas. Pessoas lutando para viver livremente
sua religiosidade, sua sexualidade e seus afetos. Mártires queer.
O armário foi queimado. Entre a destruição da igreja e as mortes no bar, havia um
imperativo para uma “saída do armário”, que implicava em um comprometimento com as
causas das LGBTs. Segundo Gorder (2015), dois eventos da MCC marcaram a história LGBT
na Costa Oeste dos Estados Unidos: o surgimento da denominação marcou o ano de 1968
(Igreja) e a primeira Parada do Orgulho Gay de Los Angeles no ano de 1970 (Movimento).
Esse fato deve-se ao reconhecido envolvimento pessoal e institucional de Troy Perry com a
luta pelos Direitos Civis LGBTs.
Desde sua fundação, a MCC envolveu-se com questões de Direitos Civis Gays e o que
motivou a implicação inicial não foi a agenda política LGBT da época, mas a necessidade de
ajudar os próprios membros da comunidade, que acabavam envolvidos em alguma questão
persecutória, devido à forte represália que enfrentavam na sociedade (PERRY, 2007). A
primeira vez foi quando o Reverendo recebeu um telefonema informando que um jovem gay
da comunidade havia sido assassinado pela polícia de Los Angeles.
Troy Perry (2007) conta que não recebia apoio de todos os membros da igreja nesse
sentido, pois era visto como um líder espiritual e não como um ativista. Entretanto, por meio
do uso de passagens bíblicas específicas, como Lucas 4, 18-1999, ele buscava espiritualizar
suas ações. Principalmente após o incêndio da Igreja Mãe, a MCC passou a ir às ruas
encorajando que gays “saíssem do armário”, compreendendo ser esse um ato político
libertador. Nas ruas, entre as bandeiras e os cartazes da militância, a igreja erguia velas em um
rito político e religioso que reivindicava igualdade de direitos entre homossexuais e
heterossexuais (figura 8). Uma Igreja em Movimento, em saída, que compreendia a
mensagem de Cristo como esse chamamento às ruas e às luta pela justiça.

99 “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres;
enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade
aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor”.
190

Figura 8 - Militância MCC nas ruas

Fonte: Perry, 2007.

As imagens que marcam a presença da MCC nas ruas estão sempre vinculadas à figura
de Troy Perry, que se tornou o principal articulador do ativismo político na denominação. O
anúncio de seu protagonismo já havia sido previsto – e planejado – quando ocorreu o convite
para o primeiro culto da MCC (cf. figura 4, cap. 3). Merece destaque o uso de roupas clericais
durante ações de militância, revelando que o rito religioso e político não se separavam, mas se
complementavam. Ao ir às ruas, a Igreja não deixava de ser Igreja, pelo contrário afirmava
seus valores e sua missão como Igreja cristã.
Outra presença da MCC nas ruas que merece destaque aconteceu em 1978. Nessa
época, foi criada a “Proposição 6”, no Estado da Califórnia, também conhecida por “Iniciativa
Briggs”, por ter sido patrocinada por John Briggs. A proposição proibia gays e lésbicas de
serem professores em escolas públicas, e não somente eles, mas qualquer heterossexual
simpatizante da causa. A iniciativa teve o apoio de Anita Bryant, líder do movimento
conservador de sua época. Troy Perry (2007) conta que perguntou a Deus sobre o que deveria
fazer naquela situação e que, em resposta, foi compelido a jejuar (anexo F).
O jejum não foi considerado como sendo da denominação, não havia outros membros
em jejum, o ato era de Troy Perry. O processo de formação da liderança de Troy Perry se faz a
partir de seu relacionamento com Deus – ele pergunta, Deus responde e ele obedece – e de
sua exposição em locais públicos de maior visibilidade.
Troy Perry jejuou e orou em frente a um prédio federal, solicitando a doação de 100
mil dólares em prol da fundação de um comitê para reforma jurídica pelos homossexuais. Seu
191

lema foi “jejum pela justiça”. Ele jejuou por 16 dias somente com água, quando recebeu o
valor solicitado de uma única doadora. Com o dinheiro, financiou a primeira pesquisa nos
Estados Unidos sobre o que as pessoas pensavam sobre os gays e lésbicas e sobre a Iniciativa
Briggs. O movimento gay ia às ruas e a MCC participou de muitas dessas manifestações.
Segundo Chaparro e Vargas (2011), o referendo recebeu grande cobertura da mídia,
ocasionando a realização do primeiro debate nacional sobre os direitos dos homossexuais nos
Estados Unidos. De um lado, John Briggs, do outro Harvey Milk junto à professora Sally M.
Gearhart. A “Proposição 6” foi derrotada por mais de 1 milhão de votos de diferença.
Um ano depois, em outubro de 1979, incentivado por Robin Tyler, uma amiga judia,
militante e lésbica, participaram da organização da “Marcha Nacional a Washington”, na qual
estava marcada para acontecer, segundo Maia (2009), a “Primeira Marcha em Washington
pelos Direitos de Lésbicas e Gays”, em 14 de outubro de 1979. A ideia era tomar um trem em
direção à Washington e em cada parada, discursar. Então, encheram o trem de lésbicas e gays,
colocaram um teclado e seguiram viagem. Durante as paradas, ainda que a cidade fosse
pequena, a imprensa cobria a fala de Perry e Tyler. Em alguns lugares poucas pessoas vinham
ouvi-los, mas, mesmo nesses casos, como conta Robin Tyler (in PERRY, 2007), os próprios
militantes do ônibus desciam, e nas cidades onde havia uma MCC organizada os membros
compareciam.
No estado de Utah, o trem foi parado por um pastor que segurava um cartaz com os
seguintes dizeres: “homossexuais, seus demônios, vocês não são bem-vindos”. Troy Perry e o
pastor começaram um confronto a partir do uso de passagens bíblicas, até que o trem foi
liberado para seguir viagem. Ao chegarem a Washington, o nome de Troy Perry não estava na
lista para discursar. Segundo Robin Tyler (PERRY, 2007), Perry não constava porque era um
clérigo cristão. Tyler, então, convenceu os organizadores a colocarem Perry entre os primeiros
da lista a falarem, pois acreditava que sua mensagem seria fundamental devido a seu alcance
entre os cristãos.
A “Primeira Marcha em Washington pelos Direitos de Lésbicas e Gays” contou com a
presença de mais de 100 mil pessoas e marcou o décimo aniversário da Revolta de Stonewall.
Segundo a Enciclopédia GLBTQ (2015), dentre seus organizadores estavam Delores Berry e
Billy Jones, que aproveitaram o ajuntamento para a realização da I Conferência Nacional
pelos Direitos de Gays e Lésbicas do Terceiro Mundo.
O contexto histórico era por libertação. A MCC se configurava como denominação
cristã, paralelamente à revolução inaugurada em Stonewall. Ela foi sim atravessada por aquele
ambiente revolucionário, no qual “o armário havia sido queimado”. Existia um imperativo
192

para que a revolução continuasse, por meio do rompimento com estruturas de opressão que
advinham da mentalidade cristã daquele momento. O ambiente era de martírio, mas também
era de libertação:

No que diz respeito à razoabilidade da fé, o martírio que ocorre precisamente por
causa da libertação pode ser, por um lado, o máximo do questionamento teórico da
verdade da fé e, em última análise, de Deus. E isso não apenas no sentido tradicional
da teodiceia – toda morte inocente é a grande questão de Deus –, mas em um sentido
específico, precisamente porque a teologia da libertação torna central que Deus seja
um Deus libertador, um Deus da libertação, um Deus da vida, um Deus das vítimas.
Diante do martírio, Deus não só não liberta as vítimas, mas não tem o poder de
impedir a sua morte ou de evitar a dos seus defensores. Deus se torna
reduplicativamente enigma (por fé, reduplicativamente mistério) (SOBRINO, 1992,
p. 45, tradução nossa100).

O enigma da construção de uma espiritualidade que era construída passa por essa
relação de reciprocidade na qual não somente o sujeito constrói a espiritualidade, como
também é construído por ela. Mártires queer são sujeitos, realidades marcadas pela Revolta de
Stonewall, que se somam a um contexto moderno por emancipação de pautas que atravessam
tanto a questão da religiosidade quanto da sexualidade. São sujeitos que tiveram seus armários
queimados e que, por isso, são convocados ao exercício da defesa de suas pautas tanto na
igreja quanto nas ruas.

4.2 Teologia em marcha: ICM BH na Marcha contra a LGBTfobia

Os “armários queimados” das ICMs permitiram que a saída às ruas pela denominação se
manifestasse em forma de resistência e luta pela agenda LGBT. Mártires queer suscitaram
desse movimento, marcado pela irrupção de sujeitos que ousaram reivindicar sua existência a
partir da integralidade da vivência da fé e da sexualidade. Nesse ambiente, as igrejas que
surgiram ao redor do mundo, filiadas à Fraternidade Universal das Igrejas da Comunidade
Metropolitana, trouxeram a marca de uma eclesiologia viva, na qual ser igreja e ser
movimento é um imperativo ético. Dentre essas igrejas destaca-se a Igreja da Comunidade
Metropolitana de Belo Horizonte, cuja fundação foi tratada no capítulo anterior.
O relato sobre a influência da Teologia Queer na ICM BH, no chamado “Culto Queer”,
aponta para uma abertura ao “princípio da perversão teológica” de Marcella Althaus-Reid.

100 Por lo que toca a la razonabilidad de la fe, el martirio que ocurre precisamente por causa de la liberación
puede ser, por una parte, la máxima cuestionabilidad teórica de la verdad de la fe, y en definitiva, de Dios. Y ello
no sólo en el sentido tradicional de la teodicea - toda muerte inocente es la gran pregunta por Dios -, sino en un
sentido específico debido precisamente a que la teología de la liberación hace central el que Dios sea un Dios
libertador, un Dios de vida, un Dios de las víctimas. Ante el hecho del martirio, ese Dios no sólo no libera las
víctimas, sino que ni tiene poder para evitar su muerte ni para evitar la de sus defensores. Dios se hace
reduplicativamente enigma (para la fe, reduplicativamente misterio).
193

Esse princípio pressupõe “uma outra versão” do dado teológico, permitindo construções
singulares a partir da categoria sexual, como fundamento da experiência religiosa. Nesse
sentido, a ICM BH constrói uma agenda política alinhada à sua confissão de fé na expectativa
de construir um ambiente – Reino de Deus – mais justo para as LGBTs (cf. Declaração de Fé
das ICMs, cap. 3). A aliança entre as perspectivas religiosa e política implica em uma saída do
“templo” em direção ao “centro”, no intuito da defesa por pautas de minorias sexuais. O
centro é, nesse contexto, compreendido como espaço público central de Belo Horizonte, no
qual, preferencialmente, as manifestações civis acontecem101. Na capital mineira, é nomeado
de hipercentro102 e possui como marco espacial-político a Praça Sete.
Não é objetivo da presente tese problematizar a questão do espaço público. Ele é um
conceito operacional, também nomeado de “centro” ou “rua”, que pretende identificar o local
no qual acontece a Marcha contra a LGBTfobia. Entretanto, faz-se necessária uma breve
análise sobre o conceito a fim de que se perceba o espaço como lócus teológico e litúrgico da
ICM BH. A compreensão do conceito passa pela análise de Weber (1979) sobre a formação
das cidades burguesas e de Miège (2014) sobre o espaço público contemporâneo.
Sobre o início das formações das cidades ocidentais, Weber (1979) explica que cidade
é um local de mercado, que tem um centro econômico estabelecido, nomeado “economia
urbana”. Ressalta que não é somente a economia que caracteriza um espaço como sendo
cidade, como também conceitos político-administrativos:

Nem toda cidade no sentido econômico, nem toda fortaleza que, no sentido político-
administrativo, supunha um direito particular dos habitantes, constitui uma
“comunidade”. A comunidade urbana, no sentido da palavra, existe como fenômeno
extenso unicamente no Ocidente. Além disso, existe uma parte do Oriente próximo
(Síria, Fenícia, talvez Mesopotâmia), porém só eventualmente em embrião. Para isso
seria necessário que encontrássemos estabelecimentos de caráter industrial-mercantil
bastante pronunciado, a que correspondem essas características: 1) a fortaleza, 2) o
mercado, 3) tribunal próprio e direito ao menos parcialmente próprio, 4) caráter de
associação, e, unido a isso, 5) ao menos uma autonomia e autocefalia parcial,
portanto administração a cargo de autoridade em cuja escolha os burgueses
participassem de alguma forma. Esses direitos se revestiram no passado da forma de
privilégios estamentais. Portanto, um estamento de burgueses, como titular desses
privilégios, constitui a característica da cidade no sentido político (WEBER, 1979,
p. 82).

101 Em Belo Horizonte, são dois os espaços preferenciais para manifestações civis: a Praça Sete e a Praça da
Estação.
102 O hipercentro de Belo Horizonte foi redefinido pela Lei 9959, de 20 de julho de 2010 e é compreendido pelo
perímetro iniciado na confluência das avenidas do Contorno e Bias Fortes, seguindo por esta até a Rua Rio
Grande do Sul, por esta até a Rua dos Timbiras, por esta até a Avenida Bias Fortes, por esta até a Avenida
Álvares Cabral, por esta até a Rua dos Timbiras, por esta até a Avenida Afonso Pena, por esta até a Rua da Bahia,
por esta até a Avenida Assis Chateaubriand, por esta até a Rua Sapucaí, por esta até a Avenida do Contorno, pela
qual se vira à esquerda, seguindo até o Viaduto Jornalista Oswaldo Faria, por este até a Avenida do Contorno, por
esta, em sentido anti-horário, até a Avenida Bias Fortes, e por esta até o ponto de origem.
194

A análise de Weber sobre uma “teoria da cidade”, segundo Palacios (2016), é uma
perspectiva sociológica da ação social. Nesse sentido, compreende-se que as instituições
existem como resultado dos atos das pessoas. Assim, a cidade é mais do que um aglomerado
de pessoas localizadas em um grande espaço geográfico, alicerçadas em valores econômicos.
Existem fatores não-econômicos que deve ser incluídos nessa conceitualização, como os
políticos.
Para melhor compreensão da “teoria da cidade” de Weber, Palacios (2016) explica que
alguns pontos devem ser tomados em consideração:

a) as cidades possuem dimensões não-econômicas;


b) o papel da cultura é mais importante, na notória impessoalidade das cidades,
do que a sua densidade populacional;
c) para entender as cidades, é preciso reconstruir as relações sociais, que são
constituídas das relações inter-humanas, como também seu significado e o sistema de
relações que dela decorre;
d) as instituições existem como resultado do ato das pessoas;
e) as relações sociais e as instituições são formas condensadas e econômicas de
expressar atos conjuntos complexos de interações sociais;
f) tudo na cidade tende a se profissionalizar e que essa tendência está presente
na constituição das cidades, que sempre se distinguiram de vilas e aldeias pela
política econômica urbana que partia das corporações. Por isso, no entendimento do
urbano, os conceitos políticos são tão importantes quanto os econômicos
(PALACIOS, 2016, p. 148).

Sendo assim, relações econômicas, políticas e sociais dão-se nas cidades, em uma
complexa relação geográfica, histórica e cultural. Entretanto, caberia aqui a pergunta sobre em
que medida essa análise se aplicaria às cidades latino-americanas. Palacios (2016) salienta que
essa questão foi problematizada por Cardoso (1975). A resposta apresentada aponta que se
aplica, sendo necessário perceber que, no caso das cidades brasileiras, as cidades, no período
pós-Independência, passam a ser polos de decisões políticas.
Miège (2014) propõe uma análise sobre o espaço público que tangencia o conceito de
cidade de Weber. Segundo ele, o espaço público pode ser compreendido como um ideal de
resistência na cidade burguesa. “Uma auto-organização diante do espaço público burguês, no
âmbito dos movimentos sociais” (MIÈGE, 2014, p. 23). Esta compreensão de um “espaço
público de oposição” é, segundo Miège (2014), de autoria de Oscar Negt, sociólogo que pensa
o espaço público a partir do pensamento de Habermas. E é Habermas quem elabora
significantes análises sobre o espaço público que corroboram com a compreensão
contemporânea do tema.
195

Habermas trabalha com a ideia de “esfera pública” em uma perspectiva genealógica.


Segundo Rodrigues (2015), é possível usar os conceitos de esfera e espaço como sinônimos
de lugar. Lugar não delimitado por fronteiras precisas, lugar de diferentes dimensões, que
favorece diferentes formas de ocupá-lo. Nesse contexto, a abordagem sobre a “teoria da esfera
pública” de Habermas deveria, segundo Miège (2014), ser compreendida com sua “teoria da
ação comunicativa”.

Habermas aponta que somente o modelo comunicacional de ação pressupõe


linguagens como meio de intercompreensão, ao mesmo tempo que o locutor e o
ouvinte, partindo do horizonte de seu mundo vivido, se referem a alguma coisa por
sua vez objetiva, social e subjetiva a fim de negociar definições comuns de situações
(MIÈGE, 2014, p. 26).

Assim, Habermas estabelece funções da linguagem fundamentais para compreensão


do espaço público. Por meio da linguagem, os atores sociais podem construir seu mundo
vivido e formar suas identidades. Para Miège (2014), a racionalidade comunicacional abre
novas possibilidades de emancipação que podem se manifestar no espaço público.
Miège (2014) compreende o espaço público como parcial, fragmentado e assimétrico.
Essa é uma perspectiva que a presente pesquisa acompanha, pois se percebe que apesar de ter
se optado em não adentrar a discussão do espaço público, a questão adentra o que foi
encontrado no campo. A presença da ICM BH nas ruas por meio de uma mobilização social
levanta questionamentos sobre as disputas e os enfrentamentos que se dão no espaço público,
que é uma categoria relacional e sujeita à historicidade. A ideia de um “espaço público de
oposição” (NEGT) é importante para perceber o modo pelo qual a igreja decide por uma
caminhada do templo ao centro. Nesse sentido, a contribuição de Miège (2014) à discussão,
ao pensar em possíveis atravessamentos da teoria da esfera pública com a teoria da ação
comunicativa, é importante para destacar a linguagem usada pela ICM BH para publicizar sua
presença nas ruas.
A presença da ICM BH nas ruas, no que chama de “luta pelos Direitos Humanos”,
considera, a partir de Althaus-Reid (2005, p. 130, tradução nossa103) que “as sociedades civis
são espaços de luta hegemônica entre diferentes interesses, capitalismo, injustiças sociais e
raciais”. Assim, segundo a autora, político significa um compromisso com a luta pela
libertação da opressão política e econômica. Segundo Althaus-Reid (2005), o que deve ser
denunciado é o pensamento econômico heterossexual. Nesse sentido, a ICM BH, em sua saída

103 las sociedades civiles son espacios de lucha hegemónica entre diferentes intereses, capitalismo, injusticias
sociales y raciales.
196

ao centro104, denuncia um sistema político-econômico engendrado na categoria de


cisheteronormatividade. Qualquer anúncio de perversão a esse esquema identitário, afeta, de
alguma forma, esse mesmo sistema político-econômico pautado em identidades conformes.
Os usos e as apropriações do espaço público passam pela maneira dialética com a qual
a religião se relaciona com esse espaço. O mesmo espaço público que, “pelo menos
idealmente, é o lugar da diferença, da heterogeneidade, do encontro com estranhos” (JAYME;
NEVES, 2010, p. 609), é o espaço no qual é possível a vivência religiosa em sua
complexidade, diversidade e perversão (ALTHAUS-REID, 2005). Theije (2006) salienta que

prestar a devida atenção às vidas religiosas dos habitantes da cidade, aos símbolos e
relações sociais manifestados nas atividades religiosas da população urbana – e aos
significados que conferem à religião e aos espaços urbanos que lhe servem de
contexto; eis aí um cuidado antropológico que indubitavelmente iluminaria as
reflexões acerca dos processos de contestação, identificação e simbolização na
paisagem urbana (THEIJE, 2006, p. 66).

Assim, a observação da proeminência da religião na paisagem urbana atravessa temas


importantes ao espaço público contemporâneo, como o monopólio da violência simbólica.
Segundo Rubino (2009, p. 37), “a cidade é feita de fronteiras, que tanto impedem que os
atores sociais considerados impróprios entrem, como que os legítimos saiam e assim
desclassifiquem”. Para romper essas fronteiras e a violência simbólica que a determina, a ICM
BH alia-se a movimentos civis já organizados, que transitam mais facilmente nesse espaço de
embate político. O principal deles é o Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas
Gerais (CELLOS MG), em dois importantes momentos de visibilidade de luta pela pauta
LGBT: a Parada do Orgulho LGBT e a Marcha contra a LGBTfobia. Nesta tese, optou-se pelo
relato da presença da ICM BH na Marcha contra a LGBTfobia, por se considerar que é nela
que a denominação ganha espaço e respeitabilidade como atriz de resistência, como será
apresentado adiante.
A Marcha contra a LGBTfobia é um ato político que tem se consolidado no Brasil,
desde 2010, e ocorre no dia 17 de maio, quando, no mundo todo, pessoas se mobilizam pelo
Dia Internacional Contra a Homofobia, Lesbofobia e Transfobia. A data foi escolhida em
menção ao dia 17 de maio de 1990, quando a Organização Mundial de Saúde retirou a
homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID):

A primeira conquista significativa e de alcance nacional do movimento LGBT


brasileiro ocorreu em 1985 e decorre de decisão do Conselho Federal de Medicina
(CFM), que deixou de definir a homossexualidade como patologia, como ocorria até
então nos termos prevalecentes na Classificação Internacional de Doenças (CID),

104 Portanto centro, rua e espaço público operam nesta pesquisa com o mesmo sentido.
197

elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A própria OMS passou a ter
o mesmo entendimento a partir de 17 de maio de 1990, data que se tornou marco
histórico a ponto de este dia ser hoje internacionalmente reconhecido como Dia
Mundial de Combate à Homofobia. Esse marco foi recentemente também
referendado pelo governo federal, que, a partir de demanda do movimento LGBT,
instituiu, por meio de Decreto Presidencial de 4 de junho de 2010, o dia 17 de maio
como Dia Nacional de Combate à Homofobia (MELLO et al., 2012, p. 152).

A maior participação da ICM BH na Marcha, entre os anos de 2016 a 2019 (período


no qual a pesquisa se desenvolveu), deu-se em 2016. Nela houve uma mobilização dos
membros da igreja para estarem presentes de maneira ativa: com apresentações artísticas,
panfletando material sobre a Marcha e, principalmente, marchando. Em 2017, o número foi
bem inferior, apesar da importante pauta que era travada com o “Fora Temer”. Em 2018, a
Marcha não fez seu trajeto tradicional, permanecendo na Praça Sete, por causa de uma chuva
que dispersou os manifestantes. E em 2019, o CELLOS MG, alegando estar envolvido com a
preparação da Parada do Orgulho LGBT, que celebrou os 50 anos de Stonewall, não
promoveu a Marcha.
Sendo assim, optou-se pela análise da presença da ICM BH na Marcha de 2016,
considerando que ela é um recorte que explicita bem a relação da igreja com a militância
política. A III Marcha contra LGBTfobia de Belo Horizonte e Região Metropolitana
aconteceu no dia 14 de maio de 2016, com concentração na Praça Sete. Neste ano, a Marcha
foi realizada, em Belo Horizonte, no dia 14 (sábado), e não 17 (terça-feira), pois a Comissão
Organizadora preferiu que o evento ocorresse no sábado para que mais pessoas pudessem se
ajuntar à manifestação. O tema escolhido para a edição foi: “Existimos e merecemos
respeito”. Reuniram-se, segundo jornal O Tempo, cerca de 500 pessoas. A programação do
evento foi: 14h-Concentração na Praça Sete; 16h-Marcha pelo centro; 18h-ato final na Praça
Raul Soares.
A ICM BH contou com a participação de dez pessoas. O grupo era pequeno, mas
representava quase 50% dos membros ativos da comunidade (22 membros). Dos
participantes, alguns estavam diretamente envolvidos com a organização: o pastor, na
coordenação política, e três membros, na parte cultural, apresentando performances.
Segundo o CELLOS MG (2016), as entidades apoiadoras da Marcha de 2016 foram:

 Artistas Diversos;
 Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(ABGLT);
 Conselho Regional de Psicologia;
198

 CELLOS MG;
 CELLOS Contagem MG;
 Diversas;
 Espaço Comum Luiz Estrela;
 Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM);
 Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (IBRAT-MG);
 Instituto Pauline Reichstul;
 Levante Popular da Juventude - BH;
 UNA-se contra a LGBTfobia;
 UNA LGBT;
 União da Juventude Socialista (UJS);
 D. A. Serviço Social UNA – Florestan Fernandes.

O ponto de partida para a Marcha foi a Praça Sete, como já apresentado, marco
representativo de militância e resistência do hipercentro da capital mineira e o centro
simbólico dessa ação política. Tradicionalmente, a Praça Sete de Belo Horizonte tem sido
palco de vozes dissonantes, atraindo públicos diversos, quer por seu fácil acesso, quer por seu
caráter histórico simbolicamente político. Sobre a dinâmica desse espaço público, Jayme e
Neves (2010) afirmam que “a Praça Sete é um espaço de interações e de convivência entre
estranhos e, também, lugar identitário, que tem vitalidade” (JAYME; NEVES, 2010, p. 610).
A Marcha contra a LGBTfobia é uma ação política plural, não-violenta, que pressupõe
uma variedade de corpos de sexualidades minoritárias representando seus propósitos. A pauta
central é a visibilidade da violência contra pessoas LGBTs, no sentido de mobilizar a
sociedade na luta pela manutenção de direitos já adquiridos e pela conquista de novos direitos,
como, por exemplo, a aprovação do Projeto de Lei 5002/2013, conhecido como Projeto de Lei
João W. Nery ou Lei da Identidade de Gênero. João Nery foi um homem trans pioneiro nas
reivindicações sobre os direitos à identidade de gênero. Parte de sua trajetória pode ser
conhecida em sua biografia “Viagem solitária” (2011)105. O PL, de autoria do ex-deputado
federal Jean Willys (PSOL) e da deputada federal Erika Kokay (PT), foi, em 31 de janeiro de

105 NERY, João W. Viagem solitária: memórias de um transexual trinta anos depois. São Paulo: Leya, 2011.
Existe uma nova edição, de 2018. O livro é uma releitura de uma obra do mesmo autor, “Erro de pessoa” (1984).
199

2019, arquivado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, nos termos do artigo 105106
do Regimento Interno (CÂMARA, 2019).
A Marcha luta por direitos coletivos corporificados. Luta contra a precariedade, a
partir de perspectivas singulares e plurais, ou seja, das experiências vividas pelos indivíduos e
pela coletividade. Segundo Butler (2018, p. 89), “mesmo uma vida destituída de direitos ainda
está dentro da esfera do político e, portanto, não está reduzida à mera existência, mas está,
com frequência, enraivecida, indignada, revoltada e opondo resistência”. É a vocalização da
“raiva” e da “indignação”, que, segundo a filósofa, leva as pessoas às ruas. Os corpos que
saem em assembleia são corpos sexualizados, que persistem em tomar o espaço público, ainda
que sejam alvo da erradicação do Estado. Sair às ruas é, segundo Butler (2018), uma ruptura
performativa no status quo. É a representação de um gesto que é, ao mesmo tempo, um
movimento no sentido corporal e político.
Ir às ruas é um exercício plural e performativo de aparecer, quando a própria reunião
significa persistência e resistência. A Marcha começa quando as pessoas começam a se reunir
na Praça Sete, ao que Butler (2018) chama de “assembleia pública”. Esta é uma manifestação
de massa, na qual pessoas se unem em um espaço público em reivindicação a uma ou mais
pautas específicas. Em um exercício de liberdade de assembleia, essas manifestações de
massa ocorrem como uma rejeição coletiva da precariedade induzida social e
economicamente. Segundo Butler (2018, p. 173),

a assembleia já está falando antes de qualquer palavra ser pronunciada, se reunir em


assembleia já é uma representação da vontade popular; essa representação significa,
de maneira bastante diferente, a maneira como um sujeito singular e unificado
declara seu desejo por meio de uma proposição vocalizada.

Assim, não é necessária uma vocalização reivindicatória para que a assembleia


aconteça. O direito à liberdade de reunião é diferente do direito à livre expressão.

Se considerarmos por que a liberdade de assembleia é diferente da liberdade de


expressão, veremos que é precisamente porque o poder que as pessoas têm de se
reunir é ele mesmo uma importante prerrogativa política, bastante distinta do direito
de dizer o que quer que tenham a dizer uma vez que as pessoas estejam reunidas. A
reunião significa para além do que é dito, e esse modo de significação é uma

106 Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido
submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito
suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as: I - com pareceres favoráveis de todas as Comissões; II - já
aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno; III - que tenham tramitado pelo Senado, ou dele
originárias; IV - de iniciativa popular; V - de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.
Parágrafo único. A proposição poderá ser desarquivada mediante requerimento do Autor, ou Autores, dentro dos
primeiros cento e oitenta dias da primeira sessão legislativa ordinária da legislatura subsequente, retomando a
tramitação desde o estágio em que se encontrava.
200

representação corpórea concertada, uma forma plural de performatividade


(BUTLER, 2018, p. 14).

Agir em conjunto não significa agir em conformidade, afinal, como ocorre na Marcha,
pautas diversas podem ser suscitadas. Entretanto, existe um desejo anterior a uma
reivindicação por uma agenda política que as une: criar formas de convivência caracterizadas
pela igualdade e pela precariedade minimizada, por meio de alianças que se formam. Existe
uma performatividade linguística e uma performatividade corpórea nas assembleias, que além
de se unirem em torno de uma pauta, performatizam o direito de aparecer, sendo essa uma
demanda corporal por um conjunto de vidas mais vivíveis. Assim, ir às ruas é um exercício
plural e performativo de aparecimento. Aparecimento de seus corpos, de suas pautas comuns,
de sua resistência contra a precariedade. Butler (2018), em sua “teoria performativa de
assembleia”, trabalha com três conceitos importantes para a análise da Marcha contra a
LGBTfobia: condição precária, precarização e precariedade.
Resumidamente, condição precária é a condição universal de todo ser vivente, é a que
torna possível a vulnerabilidade dos corpos. Ela faz parte da humanidade, em seu destino que
é a morte e em sua condição relacional de existência. A condição precária é um dos
fundamentos da existência humana.
Precarização é a situação biopolítica à qual populações estão sujeitas. Uma situação de
insegurança e desesperança, que é, geralmente, induzida e produzida por instituições
governamentais e econômicas. Segundo a filósofa, precarização deve ser compreendida junto
a outro conceito fundamental de sua tese: a precariedade.
A precariedade são modos de não viabilidade da vida e “implica um aumento da
sensação de ser dispensável ou de ser descartado que não é distribuída por igual na sociedade”
(BUTLER, 2018, p. 21). É uma condição imputada ao ser humano pelas relações opressivas
de controle político e econômico, na qual, em uma exigência máxima pela responsabilização
pessoal, a responsabilidade é redefinida como “a exigência de se tornar um empreendedor de
si mesmo em condições que tornam uma vocação dúbia impossível” (BUTLER, 2018, p. 21).
Afinal, a moralidade individualizante exige uma autossuficiência irrealizável. A precariedade
é a distribuição diferencial da condição precária. Nesse sentido, existe uma importância
fundamental nas assembleias públicas que é permitir a coexistência como uma alternativa
ética e social distinta da “responsabilização individualizante”.
Assim, em uma singularidade de seus propósitos na Marcha, a ICM BH não vai às
ruas só para falar de si, mas para coexistir em um exercício ético de relacionalidade. Relações
das quais outrora fora banida, pois essa é uma marca que tangencia vidas estigmatizadas,
201

como as dos dissidentes sexuais. Como anteriormente tratado (cap. 1), muitas LGBTs passam
pela exclusão relacional em suas famílias por não serem aceitas por elas; em seu ambiente de
trabalho por serem estigmatizadas; em sua vida afetiva por tentarem viver uma vida
celibatária; em sua vida religiosa por não acreditarem serem merecedoras de um
relacionamento com o Sagrado. A saída do templo ao centro leva a ICM BH ao encontro
relacional com outros que compartilham ideais emancipatórios, que passam pela reivindicação
da manutenção de direitos adquiridos e por novas conquistas civis. Assim, é substituída uma
responsabilidade individual por um ethos de solidariedade (BUTLER, 2018).
A ética demandada pela solidariedade é uma questão fundamental para Butler. Como
afirma, “sugiro que a vida que uma pessoa tem que viver é sempre uma vida social,
implicando-nos em um mundo social, econômico e de infraestrutura mais abrangente, que vai
além de nossa perspectiva e da modalidade de questionamento ético em primeira pessoa”
(BUTLER, 2018, p. 29). Positivamente, a precariedade expõe a sociabilidade.
A Marcha expressa e demonstra a condição precária, que para as LGBTs deve ser
considerada a partir de uma perspectiva interseccional, que não desconsidere gênero, classe,
idade, raça dentre outros possíveis marcadores sociais. O acesso ao espaço público pela ICM
BH dá-se de duas maneiras singulares. Primeiramente, como já mencionado, por meio de
aliança com a sociedade civil – no caso específico, com o CELLOS MG. Outra maneira é pelo
uso da arte. Historicamente, a arte tem sido um meio de se romper com as fronteiras do
espaço público (RUBINO, 2009), sendo, por isso, um instrumento de resistência e uma aliada
nas militâncias políticas. Nesse sentido, a ICM BH lança mão da estética, por meio de
performances, no intuito de dar visibilidade ao que tem considerado sua luta pelos Direitos
Humanos. “Performance” é um conceito importante para compreender a presença da ICM BH
no espaço público, entretanto, apesar de se manifestar como intenção artística, na presente
tese, o conceito não tem o rigor da academia.
Segundo Carlson (2010), uma das ênfases da performance é o corpo.

A arte performática típica é a arte solo, e o artista típico da performance pouco uso
faz das adjacências cênicas elaboradas pelo palco tradicional; mas às vezes usa
alguns poucos elementos e alguma mobília; uma vestimenta qualquer (às vezes até
mesmo a nudez) é mais adequada para a situação da performance (CARLSON,
2010, p. 17).

Performance, nesta tese, apresenta-se como um conceito operatório, que comunica


com um maior número de pessoas sobre o que ocorre com a presença da ICM BH nas ruas. É
possível afirmar, que se fosse requerida uma análise sob a perspectiva artística, o melhor
conceito para as ações da igreja seria happening. Happening é uma manifestação artística de
202

improviso, marcada pela espontaneidade, com menor importância estética e mais ordinária.
Mas, ainda assim, é arte, ainda que com uma linguagem de experimentação (CARLSON,
2010).
O conceito performance é usado pela própria ICM BH ao explicar suas interferências
nas ruas e sua forma de militância. À união entre arte e militância tem sido dado o nome de
artivismo107. Segundo Raposo (2015), artivismo é um neologismo “instável”, devido à falta de
consensualidade de sua definição. Alguns historiadores da arte sequer permitiriam o livre-uso
desse conceito devido aos critérios que arte exigiria para ser considerada como arte, como
reconhecimento dos pares, seu valor etc. Entretanto, considerando arte a partir da sua
etimologia – do grego tékne, no sentido de elaboração criativa – o conceito de arte entra em
disputa e sua dimensão estética é apropriada pela política como ferramenta potencializadora
das manifestações de cunho ativista. Assim, a natureza estética e simbólica da arte

sensibiliza, reflete e interroga temas e situações num dado contexto histórico e social
visando à mudança ou à resistência. Artivismo consolida-se assim como causa e
reivindicação social e simultaneamente como ruptura artística – nomeadamente, pela
proposição de cenários, paisagens e ecologias alternativas de fruição, de participação
e de criação artística (RAPOSO, 2015).

Segundo Raposo (2015), o primeiro uso da palavra artivismo na academia deu-se com
Chela Sandoval e Guisela Latorre (2008), quando as autoras explicaram que “o termo
artivismo é um neologismo híbrido que significa o trabalho criado por indivíduos que veem
uma relação orgânica entre arte e ativismo” (SANDOVAL; LATORRE, 2008, tradução
nossa108). Arte e ativismo, apesar de se encontrarem em um novo conceito agora, já se
atravessavam em uma perspectiva de performance109, como, por exemplo, na performance
política110.
Segundo Carlson (2010), as raízes da performance política tiveram destaque na década
de 1980, quando as preocupações sociais e políticas tornaram-se um dos principais temas da
atividade. Foi o “Teatro de Guerrilha”, da década de 1960, o grande influenciador desse tipo
de arte também chamada de “performance de resistência”. Estas eram performances populares

107 Apesar de artivismo ser um possível conceito para a militância da ICM BH, optou-se pela grafia “ativismo”,
por ser ainda um termo mais operacional para tratar sobre ações políticas.
108 the term artivism is a hybrid neologism that signifies work created by individuals who see an organic
relationship between art and activism.
109 Em uma perspectiva de performance, porque não é o caso aqui de se adentrar em uma discussão sobre o
caráter ontológico político da arte.
110 Não é mote da presente pesquisa uma discussão mais aprofundada sobre o caráter político da arte. Cabe
ressaltar, entretanto, que a questão é complexa, pois enquanto pode-se pensar em uma arte específica para a ação
política, é possível afirmar também, a partir de Jacques Rancière (2005), a existência de uma política da arte
mais do que uma arte política. Para o filósofo, a política da arte emancipa só de olhar.
203

que, lançando mão do teatro popular e do espaço público, traziam uma mensagem política
para uma audiência mais ampla.
Para Carlson (2010), na performance de resistência,

identidades e posições do sujeito se tornam marcadores de uma peça irônica cujo


objetivo é realmente questionar o processo de representação, para perguntar o que
está em jogo na performance (social e teatral) em termos de etnicidade, gênero ou
sexualidade – para quem, por quem e com quem a representação está acontecendo
(CARLSON, 2010, p. 207).

Carlson (2010) explica que a arte crítica engajada despontou na década de 1990 e
trouxe em sua pauta a visibilidade dos excluídos por raça, classe ou gênero. Impactada pelas
teorias feministas, a performance socialmente orientada buscava dar voz e ação a grupos
historicamente oprimidos. No caso específico da ICM BH, é razoável propor que a resistência
política de sua mensagem estaria, a princípio, em um travestimento dos corpos religiosos,
desafiando o que seria esperado de uma representação mimética da moral cristã tradicional. A
performance começaria, então, quando os corpos políticos-religiosos da ICM BH se colocam
nas ruas.
As performances da ICM BH são realizadas por homens gays performatizando
mulheres, sendo atravessados, então, pela dimensão política da relação entre a arte da
performance e a identidade. Segundo Carlson (2010), as raízes dessa subversão dos papéis
tradicionais de gênero no campo da arte da performance está no conceito de Camp de Susan
Sontag. Segundo o autor, a performance tipo Camp está comumente associada à performance
de uma persona feminina por um homem da tradição do drag. Para Spargo (2017), o Camp é
frequentemente associado à cultura queer por seu questionamento dos padrões morais e
estéticos. O conceito de drag queen (cf. cap. 3) não se refere a uma identidade de gênero, mas
sim a uma linguagem cênica. Segundo Amanajás (2018), o principal objetivo da arte drag é o
estranhamento. Seu alcance é artístico e político, pois está conceitualmente situada em um
território sociossexual.
O uso do Camp hiperboliza a performance por meio do paródico que, segundo Spargo
(2017), é uma crítica séria. Sobre sua relação com a crítica à religião, Spargo (2017, p. 62)
afirma que “muito do jogo paródico com o religioso não era sério apenas na intenção, mas
indicava a fragilidade ou mesmo a natureza ilusória dos fundamentos sobre os quais se
construíram as proibições e injunções da cultura”.
A ICM BH apresentou-se na Marcha com uma performance de Simone Star, nome
dado à drag queen performatizada por Marcelo Oliveira, marido do atual pastor da ICM BH.
Essa drag está presente em todos os momentos que a igreja declara estar realizando alguma
204

ação queer, como o Culto Queer e o Ministério Queer. Além disso, ela esteve presente em
todas as edições da Marcha entre os anos de 2016 e 2018. Na III Marcha ela apresentou-se na
concentração da ação, mais especificamente no quarteirão fechado da Praça Sete, entre as ruas
Rio de Janeiro e Tamoios.
A problematização do ativismo queer em contato com as práticas religiosas gera um
ambiente de tensões pulsantes, mas que não descaracterizam o viver religioso, repleto de
contradições, entretanto, baseado no chão da vida e na concretude da existência. A
sexualidade e a corporeidade que poderiam ser consideradas protegidas por meio de uma
igreja “gueto”, que “esconde” as LGBTs estariam, na realidade, dando visibilidade aos seus
membros. É o que Chaves (2003) chama de “caixa de ressonância”. O termo é usado pela
autora para tratar sobre a Marcha Nacional dos Sem-Terra, ocorrida em 1997. Segundo
Chaves (2003), a Marcha Nacional tendo se tornado destaque na mídia, com a criação de fatos
e notícias, converteu-se em uma caixa de ressonância dos embates com o Estado. Nesse
sentido, a III Marcha contra a LGBTfobia, por meio de sua pauta política geradora de
mobilização e notícia, funcionaria como essa caixa de ressonância, dando visibilidade à ICM
BH no que diz respeito à afirmação de sua sexualidade e corporeidade.
Dentre as performances exibidas e as manifestações públicas de movimentos civis e
coletivos de articulação política, apresentou-se Simone Star (figura 9). Deitada sobre uma
espécie de palco que existe naquele quarteirão, com uma malha que escondia pedaços crus de
carne que seriam usados mais adiante, com um avental de açougueiro, caída entre arames
farpados e fotos de travestis assassinadas, Simone Star, como morta, permaneceu ali enquanto
a concentração ia se ajuntando. Conforme Butler (2018), os corpos falam ainda que em
silêncio, por meio de representações corporais, por isso a performance já comunicava e
interagia com as pessoas que iam se juntando em assembleia. O nome da performance
apresentada foi “Corpos Abjetos”, uma crítica à indiferença da sociedade com os corpos das
travestis e das pessoas transgêneras.
205

Figura 9 – Simone Star

Fonte: Fotografia da autora, 2016.

A plasticidade da foto e a “abjeticidade” do corpo ali representado exemplificam o


ativismo queer da comunidade, que leva às ruas a singularidade da sua vivência cristã. Na
saída do templo ao centro, ou seja, da igreja para o espaço público, os membros da ICM BH
constroem sua identidade política. A politicidade da ICM BH dá-se através das relações
comunitárias, assim, o sujeito político da Igreja forma-se tanto no “templo” quanto em sua
saída ao “centro”. Ao sujeito que era imputado o distanciamento da religião hegemônica é
dado a possibilidade da espontaneidade (ARENDT, 2005), ou seja, o direito à ação, ao início
de algo com seus próprios recursos e talentos, como uma dimensão que os dignifica.
A espontaneidade é expressão do comportamento humano, uma condição análoga à
liberdade que possibilita ao ser humano agir politicamente e instaurar por meio do nascimento
algo novo no mundo. Essa perspectiva sugere que a ICM BH, por meio da espontaneidade
que a performance artística e os ritos – tanto religiosos quanto políticos – proporcionam,
constrói uma liturgia política singular que inaugura seus próprios corpos políticos no mundo.
A Marcha foi marcada por certa tensão inicial, pois a data coincidiu com a passagem
da Tocha Olímpica em Belo Horizonte. Por isso, o CELLOS MG foi notificado pela Prefeitura
de Belo Horizonte, que solicitou a mudança da data do evento. Entretanto, a Comissão
Organizadora decidiu manter a data e, por isso, só houve liberação para saída da Marcha após
a passagem da Tocha pela Avenida Afonso Pena, uma das principais avenidas da capital.
206

Enquanto essa questão era resolvida, Simone Star desenvolvia sua performance. Deitada, em
pé, fumando, ela continuou silenciosamente em uma espera de quase duas horas, até que
recebeu o microfone e o direito à fala (figura 10).

Figura 10 – Corpos abjetos

Fonte: Fotografia da autora, 2016.

A foto revela Simone Star com microfone em mãos. A qualidade do som era precária.
Sua fala estava baixa, e muitas vezes cortada por questões técnicas. O que ela falava no palco
saía em um caminhão de som cedido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), que estava
localizado alguns metros à frente. Diante dela, ainda no palco, em um lençol vermelho que
remetia à ideia de sangue, estavam cartazes impressos com fotografias e nomes de LGBTs
assassinadas pela LGBTfobia. Mais abaixo, cruzes enfileiradas (anexo F) marcavam esse
memorial pelas vítimas da violência. Enquanto Simone Star lia um texto de oposição à morte
de travestis e pessoas transgêneras, ela lançava sobre os presentes os pedaços de carne crua
que estavam em seu corpo. Carne, mutilação, precariedade.
Ao redor, algumas pessoas se juntavam tentando quase sem êxito ouvir o que estava
sendo dito ao microfone. Com celulares em mãos, a performance era registrada por pessoas
que estavam ali para seguirem com a Marcha. Curiosos também paravam, escutavam um
pouco do que estava sendo dito e seguiam, já que a Praça Sete é local de passagem, devido ao
seu comércio local e as inúmeras linhas de transporte público que ali circulam. Alguns
207

transeuntes passavam sem se interessar pelo que estava acontecendo. Correndo, atravessavam
o pequeno grupo que ali se aglomerava e ignoravam a performance. Algumas pessoas que
seguiriam com o grupo em Marcha também não se ativeram ao que estava sendo apresentado,
continuando conversando em seus pequenos grupos, rindo, se abraçando e tirando selfies.
Outras pessoas sentavam-se no palco, de costas para Simone Star, desinteressas com o que
acontecia ali.
Segundo Butler (2018, p. 182),

qualquer fotografia ou qualquer série de imagens, sem dúvida teria um


enquadramento ou um conjunto de enquadramentos, e esses enquadramentos
funcionariam como uma designação potencialmente excludente, incluindo o que é
capturado ao estabelecer uma zona do que não é passível de ser capturado.

Essa perspectiva pode ser analisada do ponto de vista do punctum de Roland Barthes.
O conceito, apresentado no subcapítulo anterior, apresenta-se em oposição ao studium. Esse é
o aspecto objetivo da fotografia; o outro, o subjetivo. Como afirmou Butler, o enquadramento
fotográfico inclui e exclui ao mesmo tempo. Há uma intencionalidade no que é registrado
objetivamente. A imagem de uma drag queen no centro da cidade, em uma manifestação
contra a LGBTfobia, já é algo que rompe com o esperado, criando um espaço propício para
rupturas e continuidades. Como exemplo de continuidade aqui, percebe-se o local escolhido
para a manifestação, o uso de carro de som, palavras de ordem, uma marcha que atravessa o
centro da cidade. Continuidades ao modelo já estruturado de manifestações reivindicatórias.
Do outro lado, acontecem importantes rupturas que devem ser percebidas do ponto de
vista do punctum, ou seja, do subjetivo que se apresenta na foto e para além dela. O papel
político de uma igreja cristã nas ruas gera ruídos na ideia de laicidade, que muitas vezes é
compreendida como laicismo. A presença da igreja nas ruas – ainda que esse seja um
movimento anterior no Brasil, como quando por ocasião das lutas contra o Golpe de 1964 -–
tensiona a assembleia. Mas, é nas ruas que a identidade de nação é formada (DAMATTA,
1997b).
Ainda que opte por uma linguagem artística, seu corpo ainda é um corpo religioso, que
sai às ruas em atenção a um chamamento ético cristão de defesa das minorias. E não somente
um corpo religioso, mas um corpo religioso e LGBT. Aqui reside uma tensão fundamental
para compreensão do ativismo da ICM BH. Seu corpo político-religioso-sexual rompe as
normas estruturantes esperadas, criando um espaço de disputa por outras vozes que buscam
aparecer (ARENDT, 2005) e romper com a precariedade (BUTLER, 2018).
208

Além disso, existe uma ruptura com o religioso que busca, com todos os esforços
morais, manter igrejas denominadas inclusivas em um espaço de invisibilidade e à parte do
cristianismo. Entretanto, o exercício do aparecimento (ARENDT, 2005) permite que a
existência dessas igrejas seja notada – ainda que não aprovada. Apesar de não hastearem a
bandeira da igreja ou de apresentarem um discurso proselitista, era sabido que aquelas pessoas
eram membros da ICM BH, pois foram apresentadas como tal e já alcançaram status de
reconhecimento junto à sociedade civil.
O punctum é o detalhe. A análise dessa manifestação da ICM BH na Marcha diz muito
pelo que não é dito. Ou seja, ao optarem por não se uniformizarem, não se apresentarem como
igreja, esse não-dito revela um comportamento de busca por aceitação da igreja na sociedade
civil. É possível sugerir que a ICM BH opte por se manifestar por meio de performances
porque a arte tem mais fácil acesso ao ativismo do que a religião. A arte cria conexões, por
meio do já apresentado artivismo, criando um espaço de intersecções com os movimentos e
coletivos sociais. Nesse sentido, a ICM BH lançaria mão dessa linguagem para romper as
fronteiras que a deixam de fora dos debates públicos.
A performance de gênero utiliza-se do corpo como uma alternativa para a ordem
simbólica da linguagem. Em princípio, pode-se pensar na performance de Simone Star como
uma performance Camp. Entretanto, mais do que interpretar uma drag, a proposta de ativismo
queer da ICM BH passa por uma subversão das identidades de gênero em uma perspectiva
butleriana de emancipação discursiva, devido ao efeito político emancipador da performance.
A exposição corporal da drag Simone Star faz parte de possíveis discussões sobre a
resistência política. Segundo Butler (2018, p. 140),

não se trata de afirmar que a exposição corporal é sempre um bem político ou


mesmo a estratégia mais bem-sucedida para um movimento emancipatório. Algumas
vezes o objetivo de uma luta política é exatamente superar as condições indesejadas
da exploração corporal. Outras vezes a exposição deliberada do corpo a uma
possível violência faz parte do próprio significado de resistência política.

Butler (2018) não está tratando aqui do específico da arte drag ou de outras
especificidades artísticas de corpos em espaço de disputa política. Para ela, a presença de
qualquer corpo nas assembleias já é uma exposição corporal. No caso específico da ICM BH,
a performance destaca o corpo e o coloca em uma situação de sobressalência. Essa é uma
ferramenta encontrada pela Igreja para que seu discurso seja escutado e para que seu corpo
seja visto.
Ainda que a ICM BH se apresente na Marcha por meio de performance, é possível
afirmar que exista em sua ação uma performatividade. Segundo Butler (2018), a
209

performatividade é um conceito da teoria dos atos de fala, ou seja, uma característica dos
enunciados linguísticos, que no momento da enunciação fazem surgir algo. Usando o conceito
a partir de J. L. Austin, a filósofa afirma que um enunciado dá existência àquilo que declara.

Em primeiro lugar, ao que parece, a performatividade é um modo de nomear um


poder que a linguagem tem de produzir uma nova situação ou de acionar um
conjunto de efeitos. Não é por acaso que Deus geralmente receba o crédito pelo
primeiro ato performativo: “Faça-se a luz”, e então de repente a luz passa a existir
(BUTLER, 2018, p. 35).

Em Butler, a teoria performativa dos atos de fala se torna uma teoria performativa de
gênero (cf. cap. 2), ou seja, não somente os enunciados linguísticos são performativos, como
também os atos corporais. Segundo Butler (2018), há um evento gráfico que inaugura o
gênero, quando, por exemplo, um médico afirma: “é menino!”. Assim,

dizer que o gênero é performativo é dizer que ele é um certo tipo de representação; o
“aparecimento” do gênero é frequentemente confundido com um sinal de sua
verdade interna ou inerente; o gênero é induzido por normas obrigatórias que
exigem que nos tornemos um gênero ou outro (geralmente dentro de um
enquadramento estritamente binário); a reprodução do gênero é, portanto, sempre
uma negociação com o poder; e, por fim, não existe gênero sem essa reprodução das
normas que no curso de suas repetidas representações corre o risco de desfazer ou
refazer as normas de maneiras inesperadas, abrindo a possibilidade de reconstruir a
realidade de gênero de acordo com novas orientações (BUTLER, 2018, p. 39).

Butler (2018) explica que quando afirma que o gênero é performativo, quer dizer que
ele é um determinado tipo de representação. “Uma pessoa não é primeiro o seu gênero e
então, depois, decide como e quando representá-lo. A representação é parte de sua própria
ontologia, é uma maneira de repensar o modo ontológico do gênero” (BUTLER, 2018, p. 68).
Segundo Butler (2018), é necessária a observância de duas dimensões ao se tratar de
performatividade: o processo de ser objeto de uma ação, e as condições e possibilidades para
a ação. Por isso, o gênero faz e é feito, constrói e é construído.
Assim, a Marcha é uma assembleia de corpos representados performativamente, sendo
essa uma ferramenta de reconhecimento. A Marcha cria espaço para uma nova forma de
sociabilidade:

Esse movimento ou inércia, esse estacionamento do meu corpo no meio da ação do


outro, não é um ato meu ou de outros, mas alguma coisa que acontece em virtude da
relação entre nós, surgindo dessa relação, usando frases equívocas entre o eu e o nós,
buscando a uma só vez preservar e disseminar o valor generativo desse equívoco,
uma relação ativa e deliberadamente sustentada, uma colaboração distinta da fusão
ou confusão alucinatória (BUTLER, 2018, p. 15).

Nesse sentido, a assembleia que a Marcha propõe é uma ação relacional. Observando a
ICM BH nesse prisma, é possível afirmar que ela, em sua saída do templo ao centro,
210

relaciona-se com a sociedade civil por meio dos movimentos e coletivos sociais. Além disso,
essa saída promove a relacionalidade entre a religião e a política, criando um espaço no qual é
criada uma liturgia política e religiosa caracterizada pelos ritos ditos e não-ditos que se
apresentam tanto na performance quanto na performatividade. Nesse sentido, no ato litúrgico
o sagrado “é”, e no ato litúrgico religioso, o político também “é”.
O “sagrado e o urbano” (ROSENDAHL, 1996), o templo e o centro, a religião e a
política se atravessam em uma complexa relação, na qual não se percebe, em princípio, a
dessacralização do rito. Pelo contrário, performativizado, por meio de corpos discursivos, os
ritos trazem novos sentidos à religião da comunidade LGBT. A saída dos membros do templo,
por meio das performances no centro da cidade, implica também em uma “saída do armário”
de sua religião.
A singularidade do ativismo queer da ICM BH está justamente em como a religião e
a sexualidade atravessam sua ação política. Pautado no tripé arte, militância e religião, a saída
da igreja para a rua é a “prostituição” da ICM BH. A ideia de prostituição neste contexto
acompanha Althaus-Reid (2005) que explica que a prostituição tira a religião do privado e a
lança no público – uma análise que faz a partir da ideia da presença pública das mulheres fora
da vida doméstica: mulheres na rua, religião na rua. Afinal, segundo Miskolci (2016), até
meados do século XX, mulher pública era sinônimo de prostituta.
Quando as mulheres tomam o espaço público, elas não vão só. Levam consigo suas
experiências religiosas, suas ideias sobre Deus. Assim faz também a ICM BH. Em sua saída
do templo ao centro, os membros levam sua fé, sua esperança e sua ideia de justiça a partir da
construção do Reino de Deus. A religiosidade é uma condição indissociável da vida dessas
LGBTs que transformam o espaço público por meio da afirmação de categorias identitárias
que não dissociam fé, política e sexualidade.
O objetivo da Marcha é questionar: quais são as vidas possíveis de serem vividas? Há
uma necessidade de que sejam conhecidas, primeiramente, as condições de interdependência
que garantirão a luta pela realização de metas políticas. É a construção da ideia de
comunidade e de vida em comunidade que possibilita a interdependência entre pessoas que
constroem coletivamente sua noção de sentido (BERGER; LUCKMANN, 2018). É o ideal de
solidariedade que move essa comunidade de fé do templo ao centro. Entretanto, é importante
ressaltar que a coletividade, a solidariedade e a interdependência são também construídas no
caminho entre o templo e o centro. Butler (2018) explica que

algumas vezes não é uma questão de primeiro ter o poder e então ser capaz de agir;
algumas vezes é uma questão de agir, e na ação reivindicar o poder de que se
211

necessita. Isso é a performatividade como eu a entendo e também é uma maneira de


agir a partir da precariedade e contra ela (BUTLER, 2018, p. 65).

Assim, a precariedade é compreendida não como identidade, mas sim como uma
condição por meio da qual se é possível encontrar caminhos de resistência.

4.3 Conclusão em combustão: Igreja e Movimento

A metáfora dos “armários queimados” tem permeado a pesquisa a fim de mostrar como as
perspectivas queer influenciam a MCC no sentido de impulsionarem seus fiéis para fora do
templo, em uma experiência complexa de novas relações no âmbito religioso e político. Uma
Igreja militante, uma Igreja e um Movimento, uma Igreja em Movimento. Apenas adjetivar o
substantivo igreja seria insuficiente para compreender esse fenômeno religioso que se
apresenta pulsante tanto dentro do templo religioso quanto nas assembleias das ruas
(BUTLER, 2018). Pautada fortemente pelo contexto em que foi fundada, a Igreja ainda busca
manter-se operante no que diz respeito à sua atuação política, por isso mantém em atividade
seu Instituto de Justiça Global (Global Justice Institute, GJI). Conforme apresentado
anteriormente (cap. 3), o Instituto de Justiça Global compreende o Evangelho de Jesus Cristo
como um “manifesto social radical que acredita que diretos LGBTs são Direitos Humanos”
(GLOBAL site oficial, 2019, tradução nossa111).
Igreja e Movimento caminham paripassu por meio da propulsão gerada pelas
perspectivas queer. Essa propulsão, segundo tudo o que foi apresentado até aqui, é também
gerada pela combustão pela qual os “armários” da Igreja passaram. Combustão é o ato, o
efeito de queimar. Pode acontecer com elementos sólidos, líquidos ou gasosos. Nessa reação
química, há grande liberação de energia na forma de calor, ou seja, é uma reação exotérmica
(LIRA, 2019). Essa energia impulsiona a Igreja para uma prática litúrgica religiosa e política
que subverte a precariedade (BUTLER, 2018) à qual é imposta, gerando, assim, mais vigor
para sua atuação.
Berman (1992), reapropriando-se da expressão de Marx, afirma “tudo que é sólido se
desmancha no ar”. Esse é o processo de combustão pelo qual passa a MCC, não permitindo
que fosse destruída, mas sim transformada. É assim a modernidade. Um ambiente de
instabilidade completo, causado pela emergência de novos atores e atrizes sociais. No meio da
desordem, da anomia, há a ruptura com a ordem anterior, mas também há a continuidade. O
sujeito que se dá nesse contexto experimenta com muita intensidade as fronteiras da

111 radical social manifesto and about the belief that Queer rights are human rights.
212

modernidade, que se dão justamente nessas intersecções entre rupturas e continuidades. Como
afirma Butler (2018, p. 47),

ser um sujeito requer primeiro encontrar o próprio caminho dentro de certas normas
que governam o reconhecimento, normas que nunca escolhemos e que encontraram
o seu caminho até nós e nos envolveram com seu poder cultural estruturador e
incentivador. E então, se não conseguimos encontrar nosso caminho dentro das
normas de gênero e sexualidade que nos forma designadas, ou só conseguimos
encontrar nosso caminho com grande dificuldade, ficamos expostos ao que significa
estar nos limites da condição de reconhecimento: essa situação pode ser, dependendo
da circunstância, tanto terrível quando emocionante. Existir nesse limite significa
que a própria viabilidade da vida de uma pessoa está em questão, o que podemos
chamar de condições ontológicas sociais da persistência dessa pessoa. Também
significa que podemos estar no limiar de desenvolver os termos que nos permitem
viver.

Os limites apontados por Butler (2018), que pensa o sujeito a partir de categorias
sexualizantes, são espaços de transformação, de combustão. Ali o sujeito está no “limiar de
desenvolver os termos que permitem viver”. A persistência humana permite a criação de
condições de transformação, nas quais “tudo o que é sólido se desmancha no ar” (BERMAN,
1992). Segundo Birman (2003, p. 12), “muitas desarrumações institucionais e políticas têm
desestabilizado as fronteiras entre domínios sociais na modernidade contemporânea”. São as
“espirais de poder e prazer” de Foucault (2015). Afinal, as fronteiras não devem ser
compreendidas como limites rígidos intransponíveis, mas como espirais que sobem e descem
se adequando às novas realidades.
São assim os sujeitos queer descritos por Musskopf (2012), ao citar Althaus-Reid
(2003, p. 44, tradução do autor):

o sujeito Queer é nomádico, instável (unsettled), e não tem uma vocação sedentária.
Suas fronteiras de filiações estão constantemente em movimento, desta forma
desestabilizando os ideais de fixação (settling) da ética Cristã. [...] Usando a
memória teológica de experiências amorosas não-fixáveis (unsettling) nós
deveríamos ser capazes de pensar sobre uma experiência de Deus em movimento
como expressa pela retórica de um transbordamento (overflowing) erótico do divino.

Os sujeitos queer dão-se nesse ambiente moderno de rompimento com fronteiras fixas
da tradição cristã, e também de continuidade com a experiência cristã, por meio de novas
categorias, no caso o queer. Pensar nas perspectivas queer em um ambiente altamente
complexo só ajuda a compreender como ele se dá por meio de subversões categóricas
desestabilizantes, ou seja, rompe com a rigidez das fronteiras que regulam o dispositivo sexo-
gênero. Importa ressaltar que, segundo Preciado (2011), não seria possível pensar em apenas
sujeitos queer, pois para o autor o melhor termo seria “multidão queer”:
213

O corpo da multidão queer aparece no centro disso que chamei, para retomar uma
expressão de Deleuze, de um trabalho de “desterritorialização” da
heterossexualidade. Uma desterritorialização que afeta tanto o espaço urbano (é
preciso, então, falar de desterritorialização do espaço majoritário, e não do gueto)
quanto o espaço corporal (PRECIADO, 2011, p. 14).

Nesse sentido, o sujeito queer é aquele responsável pela “reforma agrária”


(CARDOSO, 2010) de seu próprio corpo, por meio de conexões – não homogeneizantes –
criando uma multidão que age na contramão da heteronormatividade. Esses novos territórios
são cultivados pelo rompimento com a norma de gênero, por meio de caminhos nos quais
viver o gênero impliquem no desafio às normas de reconhecimento predominantes (BUTLER,
2018). Isso sugere então não uma identidade queer – por isso, o conceito de multidão de
Preciado (2011) – mas sim na compreensão do queer como um movimento de pensamento, da
linguagem, da ação que se moveu em direções bastante contrárias àquelas explicitamente
reconhecidas. Como afirma Butler (2018, p. 79), “o termo queer não designa identidade, mas
aliança, e é um bom termo para ser invocado quando fazemos alianças difíceis e imprevisíveis
na luta por justiça social, política e econômica” (BUTLER, 2018, p. 79). É a aliança que se dá
na multidão queer em assembleia.
Pensar, então, nas perspectivas queer sob o prisma da religião requer um esforço
epistemológico que parta, primeiramente, do reconhecimento dessa multidão queer que
reconstrói a sua própria existência por meio da criação de novos termos e categorias que a
permita viver. Em segundo lugar, do reconhecimento da necessidade de uma metodologia que
não enclausure essa multidão em novas categorias rígidas, mas que parta do princípio
flexibilizador moderno, no qual as rupturas e as continuidades são o ponto de partida e
também de chegada das novas experiências religiosas. Ou seja, o fato religioso em uma
perspectiva queer nunca é um dado em si, mas sempre um porvir.
Segundo Spargo (2017, p. 75), “inicialmente, a noção de que a fé e a subjetividade
possuem uma condição queer pode parecer mera provocação; que seja então uma provocação
necessária”. A provocação a qual o queer se propõe não é ao fato abstrato, ou unicamente
especulativo, pois, como foi demonstrado na tese, o queer parte das experiências desses
sujeitos modernos intimamente interpelados por questões relativas à sexualidade.

O queer sempre teve um posicionamento queer sobre religião, que se dava, em parte,
não rejeitando a religião ou a fé em si, mas criticando os lugares reservados aos fiéis
dentro (ou por) de uma versão discursiva ou institucional específica de determinada
religião, tendo como base a sexualidade desses fiéis (SPARGO, 2017, p. 63).

Assim, é a crítica queer que fundamenta esse outro olhar para o Sagrado, permitindo
(re)construções litúrgicas que (re)elaborem novas relações religiosas que não neguem, mas
214

afirmem a sexualidade. Para além de uma transgressão criativa ou paródia, segundo Spargo
(2017, p. 63), o queer oferece “uma versão revista de uma religião queer inclusiva que talvez
possibilite superar o impasse do fundacionalismo religioso e político convencional”. A crítica
à qual o queer se propõe testa os limites dos discursos religiosos que têm sido base para
violências contra os dissidentes sexuais. Além disso, propõe o desenvolvimento de posições
de resistência contra essa perspectiva fundamentalista da fé (SPARGO, 2017).
Uma dessas propostas de resistência, no ambiente do cristianismo hegemônico é a
Teologia Indecente (cf. cp. 2), uma perspectiva teológica que rompe com o binarismo sagrado
e profano, reconhecendo a complexidade da vida. Não é sobre dessacralizar tudo e todos (ou
talvez sim!), mas sobre sacralizar as vidas e as práticas sexuais/religiosas dessas pessoas que
foram colocadas à margem da legitimidade da experiência cristã por tanto tempo. A
resistência das perspectivas queer pressupõe a compreensão da performatividade (BUTLER,
2016) não somente no que diz respeito às categorias e experiências de gênero, como também
na própria vivência religiosa.
Assim como o gênero é performatizado, a religião também é. O queer no gênero
rompeu com as expectativas de gênero. O queer no cristianismo rompe com as normas e
tradições, permitindo outras formas de experiência da religiosidade que não dissociem o corpo
e a sexualidade. O objetivo do queer é, assim como foi o objetivo da teoria performativa de
Butler (2018), subverter o domínio coercitivo das normas sobre as vidas generificadas.
A subversão à qual o queer se propõe implica em um contradiscurso que, como afirma
Althaus-Reid (2005), pretende desmascarar e desnudar os pressupostos sexuais do
cristianismo hegemônico. Isso sem negar a necessidade de um enfrentamento às práticas
econômicas de opressão. Explica Althaus-Reid (2005, p. 237, tradução nossa112), “como gesto
social, a indecência é política e erótica ao extremo e está relacionada à construção da
identidade do sujeito através da subversão das identidades econômicas, religiosas e sexuais”.
Nesse sentido, afirma-se a relação entre identidade e política, sobre a qual Butler
afirma que

é provável que uma questão política tenha permanecido praticamente a mesma,


ainda que meu foco tenha mudado, e essa questão é que a política de identidade não
é capaz de fornecer uma concepção mais ampla do que significa, politicamente,
viver junto, em contato com as diferenças, algumas vezes em modos de proximidade
não escolhida, especialmente quando viver juntos, por mais difícil que possa ser,
permanece um imperativo ético e político (BUTLER, 2018, p. 34).

112 como gesto social, la indecencia es política y erótica en extremo, y se relaciona con la construcción de la
identidad del sujeto mediante la subversión de las identidades económicas, religiosas e sexuales.
215

Butler não somente trata de questões políticas ao abordar o conceito de


performatividade, quando usa a política como o substrato para seu pensamento sobre gênero e
questões identitárias. Ainda assim, a filósofa reconhece os limites políticos de sua tese ao
compreender que a responsabilidade da vida comunitária, ao aproximar as diferenças, implica
em um exercício ético de responsabilidade com o outro que a política de identidade não
contempla.
O imperativo ético e político apontado por Butler (2018) se dá em noções de liberdade
e responsabilidade, que implicam a religião em uma múltipla pertença: o templo e a rua. Essa
é a ética da Igreja e do Movimento, que se constrói em uma formação ética capaz de dar conta
das demandas da contemporaneidade. Como explica Butler (2018, p. 122),

a relação ética significa abrir mão de uma perspectiva egológica em favor de uma
perspectiva que se estruture, fundamentalmente, por um modo de abordagem: você
me solicita, eu respondo. Mas se respondo, é apenas porque já podia responder. Ou
seja, essa suscetibilidade e essa vulnerabilidade me constituem no nível mais
fundamental e estão presentes, podemos dizer, antes de qualquer decisão deliberada
de responder ao chamado. Em outras palavras, a pessoa precisa ser capaz de receber
um chamado antes de respondê-lo de fato. Nesse sentido, a responsabilidade ética
pressupõe a capacidade de resposta ética.

Importa ressaltar, a partir de Butler, que existe sim uma atuação comunitária, mas que
não prescinde da responsabilidade pessoal. E para que haja a responsabilidade pessoal é
necessário que o sujeito seja capaz de afirmar a própria vida, avaliando criticamente as
estruturas que valorizam a vida de modos diferentes. Como questiona Butler (2018, p. 222):

como uma pessoa pode perguntar qual é a melhor maneira de levar a vida quando
não sente ter poder sobre a própria vida, quando não tem certeza se está vivo ou
quando está lutando para se sentir vivo, mas, ao mesmo tempo, temendo esse
sentimento e a dor de viver dessa maneira?

Para responder a essa questão, é preciso atender às exigências que permitem a


existência e a persistência de um corpo. Diante desse imperativo ético da vida comunitária,
que não somente intenta respeitar, como valorizar as diferenças, é razoável propor que a ICM
BH apresenta-se nesse escopo como sendo uma “igreja afirmativa das diferenças”.
Igreja afirmativa das diferenças é uma expressão discursiva e estratégica,
autodeterminada e polissêmica. Discursivamente estratégica porque o termo inclusão já não é
mais capaz de compreender as novas configurações das relações entre a religião e a
sexualidade. Autodeterminada porque é uma denominação atribuída pelas próprias igrejas
para se apresentarem como espaço não somente de inclusão, como também de afirmação das
identidades. Ou seja, as pessoas não são incluídas em uma comunidade que pressupõe uma
216

homogeneidade a partir das diferenças, mas sim celebra a diversidade como sendo dom de
Deus.
Finalmente, polissêmica porque tem abertura para diferentes compreensões a partir de
contextos diferentes. Nos Estados Unidos as chamadas affirming churches se apresentam
como igrejas que não se contrapõe ao anterior conceito de inclusão, mas agregam à inclusão a
importância do advocacy como estratégia de conquista e manutenção dos direitos das
minorias sexuais. Afinal, a perspectiva queer no cenário cristão aponta objetivos outros que
não apenas a inclusão.
A afirmação da identidade, segundo Spargo (2017), tem a ideia do talking back
butleriano. Ou seja, é um discurso em retribuição, uma reação. A afirmação positiva da
identidade surge como resposta a um discurso pejorativo e opressor que vulnerabiliza o ser
humano. Ressalta-se, entretanto que, segundo Butler (2018), a vulnerabilidade nesse sentido
deve ser compreendida positivamente pela sua abertura ao desconhecido e à
imprevisibilidade. “Dizer que todos somos vulneráveis é marcar a nossa dependência radical
não apenas dos outros, mas de um mundo sustentado e sustentável” (BUTLER, 2018, p. 164).
A filósofa explica que ao afirmar que determinados grupos são vulneráveis, deve-se afirmar,
também, que são capazes de resistência. A vulnerabilidade não deve ser uma característica
definidora das minorias sexuais, mas sim sua vulnerabilidade em resistência.
A compreensão de uma igreja afirmativa passa, então, pela afirmação da identidade,
mas não de um conceito de identidade homogêneo ou que seja percebido apenas sob o
espectro da diversidade. Segundo Miskolci (2016), o termo “diversidade” é ligado à ideia de
tolerância ou de convivência. “A diversidade serve a uma concepção horizontal de relações
sociais que tem como objetivo evitar a divergência e, sobretudo, o conflito” (MISKOLCI,
2016, p. 52). O melhor conceito, dentro de uma perspectiva queer, segundo o autor, é de
“diferença”. Pois, “o termo ‘diferença’ diz respeito à ideia do reconhecimento como
transformação social, transformação das relações de poder, do lugar que o Outro ocupa nelas.
Quando você lida com o diferente, você também se transforma, se coloca em questão”
(MISKOLCI, 2016, p. 15).
Esse conceito de diferença propõe a relacionalidade como chave para a transformação
social. Nesse sentido, o queer não se apresenta apenas simplesmente como um “termo guarda-
chuva” que trata sobre identidade de gênero ou orientação sexual. Conforme Spargo (2017), o
ideal de identidades coletivas é desmantelado pelas diferenças internas. A partir dessa
compreensão, é possível afirmar que o queer é um conceito operacional e epistemológico que
217

propõe a diferença como ponto de partida para a compreensão dos conhecimentos e das
práticas sexuais que organizam a sociedade. Afinal,

lidar com as diferenças impõe encarar as relações sociais em suas assimetrias e


hierarquias, reconhecendo que a divergência é fundamental em um contexto
democrático. [...] A perspectiva das diferenças nos convida sempre ao contato, ao
diálogo, às divergências, mas também à negociação de consensos e à transformação
da vida coletiva como um todo (MISKOLCI, 2016, p. 52).

A perspectiva queer é uma perspectiva das diferenças. Mas, não apenas uma
perspectiva que reconhece as diferenças, mas que intenta ressignificar o estranho, o anormal
como veículo de mudança social e abertura para o futuro (MISKOLCI, 2016). O conceito de
igreja inclusiva, diante do exposto, não é suficiente para tratar da complexidade das vidas e
das relações que se apresentam no contexto da sexualidade. A ideia conceitual de uma igreja
inclusiva conseguiu lidar com a ideia de heterossexualidade compulsória, pois incluiu as
homossexualidades no espectro das possibilidades de experiência cristã. Entretanto, no que
diz respeito à heteronormatividade, acabou replicando os mesmos erros de padronização de
normas e modelos que deveriam ser seguidos, como monogamia, constituição familiar e sexo
somente depois do casamento. Nesse sentido, Miskolci (2016, p. 60) alerta:

é importante não “trocar seis por meia dúzia” apenas buscando “incluir” as
diferentes expressões da (homos)sexualidade. Podemos fazer mais e melhor
questionando o próprio binário hétero-homossexual (ou mesmo a tríade hétero-
homo-bi) como um esquema rígido e restrito que jamais abarcou toda a variedade de
expressões afetivas e sexuais humanas. Se somos capazes de perceber que as
pessoas cada vez menos cabem em binários como homem-mulher, masculino-
feminino, hétero-homo, é porque mal começamos a compreender como as pessoas
transitam entre esses polos, ou se situam entre eles de formas complexas, criativas e
inesperadas.

É diante dos binarismos que a perspectiva queer apresenta sua grande contribuição ao
questionar os esquemas rígidos e fixos que regulam a existência. E não apenas o binário
homem e mulher, como também o sagrado e o profano – como feito pelo próprio Cristo, por
exemplo. Aqui a ideia de uma igreja afirmativa das diferenças se apresenta como um ambiente
religioso no qual a heteronormatividade é questionada. Isso implica em uma revisão da
própria existência, como também das experiências que se dão entre o Sagrado e o humano.
As relações que se dão no ambiente de uma igreja afirmativa são relacionalidades
complexas, mas sem as quais não se é possível viver. E é nesse ambiente que o queer, segundo
Spargo (2017, p. 73), “oferece a reavaliação e a reconfiguração do religioso no terceiro
milênio”. Questiona-se quem se é, por que se é, e para quem se é. Ou seja, existe uma revisão
218

da própria existência por meio da compreensão de que há uma regulação da vida por meio de
padrões que não somente dicotomizam, como também hierarquizam.
A Igreja e o Movimento representados pela ICM BH, por meio de sua subversão
litúrgica tanto no templo quanto no centro da cidade, não somente reconhecem as diferenças,
como também as celebram. Essa é a virada teológica da perspectiva queer dessa denominação
– não apenas as diferenças são incluídas, como são também celebradas. Como afirma Spargo
(2017, p. 69), “uma nova teologia deve ser, nas palavras de Sara Maitland (1995113), ‘uma
teologia que conduza e dê apoio a uma antropologia e a uma ética que afirmam a diferença
como algo desejável’”.
Essa virada teológica inclusiva para afirmativa, muito se assemelha a ideia de Althaus-
Reid, que primeiramente chamou a sua teologia de “teologia fora do armário”, entretanto,
posteriormente, a compreendeu como sendo uma “teologia sem roupa interior”. Ou seja, a
igreja inclusiva é aquela que “sai do armário”, questionando a heterossexualidade
compulsória, entretanto, é a igreja afirmativa produzindo uma “teologia sem roupa interior”
que desestabiliza a heteronormatividade por meio de sua própria experiência de fé, como se
demonstrou com o Ministério Queer da ICM BH e com sua presença na Marcha contra a
LGBTfobia.
A ICM BH, compreendida como igreja afirmativa das diferenças, reconhece sua
responsabilidade no mundo tendo como eixo de luta política a crítica aos regimes de
normalização (MISKOLCI, 2012), pois compreende o poder não somente como repressor,
como também disciplinador. Contra esse poder disciplinador, a luta é pela desconstrução de
normas e convenções culturais que constituem os sujeitos.
Diante das demandas identitárias e sociais, ao sujeito que era imputado o
distanciamento da religião hegemônica, é dada a possibilidade da espontaneidade (ARENDT,
2005), ou seja, o direito à ação, ao início de algo com seus próprios recursos e talentos, como
uma dimensão que os dignifica. Como afirma Miskolci (2016), o queer não impõe modelos
preestabelecidos de ser, de se compreender e de classificar uns aos outros. Aqui, importa
relembrar a questão de Butler (2018, p. 167): “não seria uma forma de exposição e
persistência deliberadas, a reivindicação corporificada por uma vida possível de ser vivida que
se nos mostra a simultaneidade de ser precarizado e agir?”.
O precarizado em ação. Essa é a energia gerada pela combustão pela qual passou a
MCC em sua história de fundação. Uma igreja incendiada pelo ódio aos gays, que tirou

113 MAITLAND, Sara. A big-enough God: artful theology. Londres: Mowbray, 1995.
219

energia do fogo e reescreveu sua trajetória, por meio da afirmação das diferenças. Afinal, o
armário queimado, diante de tudo o que foi apresentado, não representa apenas a saída do
armário, mas sim a transgressão da norma.
221

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um fogo devora um outro fogo.


(William Shakespeare)

A combustão pela qual os “armários” da Metropolitan Community Church passou faz parte de
um cenário de perspectivas de rompimento e continuidade com as normas hegemonicamente
estabelecidas. Esse é o ambiente revolucionário moderno no qual a Igreja foi fundada e
persiste até hoje por meio da afirmação das diferenças. Nesse ambiente de contradições
pulsantes, no qual “tudo o que é sólido desmancha no ar” (BERMAN, 1992), as perspectivas
queer surgem como paradigmas de estudos situados, nos quais os conhecimentos e as práticas
sociais são percebidos pela categoria da sexualidade.
Essa é uma realidade de contradições na qual o queer, sendo compreendido como uma
perspectiva não normativa, transforma a religião, que se apresenta como instituição
normatizadora. A não norma e a norma. Uma relação de combustão na qual a metáfora do
armário queimado demonstra a necessidade de uma saída da Igreja para a rua em um processo
de reapropriação do próprio significado de ser Igreja e Movimento, dentro de um cenário de
enfrentamento a favor de uma agenda política pró-LGBT.
Essa realidade foi apresentada, na presente pesquisa, como expressão da modernidade.
Sendo esta compreendida como o ambiente no qual eclodem novas possibilidades identitárias.
Existe uma urgência pela “saída do armário” reivindicada, principalmente, a partir da década
de 1960 (cf. cap. 1), quando os movimentos identitários se fortaleceram. O convite de Milk,
“meu nome é Harvey Milk e estou aqui para recrutar você”, marcou os anos 1970 quando um
forte enfrentamento contra o fundamentalismo religioso fez-se necessário nos Estados Unidos,
principalmente por ocasião da Preposição 6 (cf. cap. 4). A metáfora do armário faz parte da
cultura LGBT representando a dor de uma sexualidade reprimida, o esconderijo de uma
sexualidade velada, mas também a possibilidade de escolha diante da síntese queer
estabelecida a partir do binário dentro/fora (SPARGO, 2017).
Esse ambiente de emergência de sujeitos sexuais propiciou a sistematização de um
novo campo do conhecimento chamado de Estudos Queer, que é um conjunto de reflexões
sobre os processos de categorização social, que organizam a sociedade sexualizando corpos,
desejos, atos, identidades, relações sociais, conhecimentos, cultura e instituições sociais
(SEIDMAN, 1996). A partir de uma perspectiva não normativa dos sujeitos, os Estudos Queer
222

compreendem a sexualidade como cultural e política, e a identidade a partir da perspectiva da


diferença, propondo resistência à homogeneização cultural a partir da ruptura intencional com
a norma. Por meio da subversão, não propõe a defesa da homossexualidade, mas sim a recusa
dos valores morais violentos que insistem em adequar as pessoas a padrões e normas
sustentados por um sistema político de poder e regulação dos corpos.
Uma das instituições apresentadas na tese, que opera na regulação dos corpos, é a
igreja cristã hegemônica, que tradicionalmente se fundamenta no sistema heteronormativo,
reforçando lugares de poder nos quais o homem – branco, cisgênero e rico – representa a
ponta da hierarquia de controle. Diante dessa realidade, o dispositivo da sexualidade opera por
meio de códigos aportados como moral e ética. Nesse ambiente, os Estudos Queer propõem
possibilidades subversivas de emergência de sujeitos que, partindo da mesma pauta moral e
ética, construam novas hermenêuticas e possibilidades teológicas que subvertam a
precariedade a qual foram impostos.
Os Estudos Queer, apresentando propostas epistemológicas que partam da construção
do conhecimento a partir e/ou para sujeitos dissidentes, aproximam-se da teologia por meio de
releituras e reapropriações o Sagrado. E, não somente isso, como também pela “imaginação
criativa” de possibilidades teológicas que transpassem pela sexualidade, não a negando, como
tradicionalmente feito, mas a afirmando e a celebrando.
Nesse contexto, dá-se a irrupção de teólogos e teólogas queer, que criam métodos de
reconfiguração do Sagrado por meio de questionamentos sobre as relações de poder que se
dão tanto no texto quanto na tradição do cristianismo hegemônico. Um dos nomes destacados
na pesquisa foi o da teóloga indecente Marcella Althaus-Reid. A partir de uma teologia
contextual, a autora critica a pretensa assexualidade dos sujeitos da Teologia da Libertação,
propondo um método de indecientamiento que não somente se propõe a fazer “teologia com
roupas íntimas” como também a “desnudar a teologia”. Afinal, como afirma Althaus-Reid
(2005), a teologia é um ato sexual e deve ser feita como um ato de indecência.
Althaus-Reid (2005) compreende a teologia como uma “arte incoerente” na qual a
manifestação criativa do ser humano ousa se reapropriar do Sagrado por meio da sexualidade.
Esse não é um processo que deva ser compreendido como mera obscenização, mas sim como
“perversão teológica”, na qual o método materialista histórico, no qual Althaus-Reid se apoia,
faz uma crítica profunda às estruturas econômicas de poder que segregam a sexualidade a
lugares de promiscuidade.
A crítica ao poder econômico de controle dos corpos, das sexualidades e das
identidades propostas por Althaus-Reid se apropria da religião, que é a maior mantenedora
223

desse sistema. Por meio de uma “outra sistemática cristã”, a teóloga “vai à cama com
grandezas teologais”, “gozando na cara” dos binarismos cristãos – certo e errado, moral e
imoral, sagrado e profano. Esse é o princípio da perversão teológica de Althaus-Reid, que
inaugura seu pensamento e que é inaugurado por ela, em uma dialética tipicamente moderna,
na qual as rupturas e as continuidades operam em um sistema de contradições.
A Teologia Queer, proposta por Althaus-Reid por meio de seu indecientamento, é
verticalizada na experiência sui generis de igreja apresentada no contexto da modernidade,
por meio da fundação da MCC. Marcando a emergência dos movimentos identitários da
década de 1960, a Igreja é caracterizada pela figura central de sua criação, o Reverendo Troy
Perry. O título da mensagem do primeiro culto do ministério, “Be true to you”, ainda ecoa na
denominação por meio de um reiterado convite à afirmação das diferenças.
A trajetória da Igreja é distinguida pela atuação ministerial e militante de seu líder
máximo, que ainda hoje centraliza as igrejas afiliadas por meio de sua figura carismática. Seu
desejo por fundar uma igreja cristã para a comunidade gay fez com que ele desejasse oferecer
a esse mesmo grupo a oportunidade de fazer tudo o que uma igreja tradicional fazia, como
batismo, comunhão e casamento. Sobre o último, a pesquisa teceu uma breve discussão sobre
como foi uma pauta importante desde a fundação da Fraternidade.
Entretanto, como apresentou a pesquisa, mesmo sobre o casamento não há consenso
na denominação, pois existem pessoas LGBTs que não desejam constituir família (cf. cap. 3).
Lidar com essa pluralidade de pensamentos sempre foi um desafio para a MCC, não somente
em questões práticas como o casamento, como também em questões teológicas que marcam a
diversidade de confissões de fé que existem na Igreja. Desde sua fundação, a MCC é marcada
por um público que traz consigo a sua experiência de fé anterior – por terem frequentado
outras tradições, por seguirem a tradição religiosa de seus pais – ou ainda a confissão de fé
que ainda exerciam, em casos de múltipla pertença religiosa. Esse ambiente de pluralidade
levou a Igreja a aprovar sua última Declaração de Fé (2016), documento fundamental para
compreensão da MCC como uma igreja moderna, que rompe com a tradição, criando novas
possibilidades de interpretação e experiência do Sagrado, e que também se insere na tradição,
como quando afirma ser “um capítulo na história da Igreja, o corpo de Cristo” (cf. Declaração
de Fé, cap. 3).
A pluralidade de experiências do cristianismo permitida pela denominação possibilitou
que a pesquisa verticalizasse a Teologia Queer na ICM BH, apresentando sua abertura à
proposta subversiva queer. A Igreja “digere” o queer e o reconfigura por meio de suas próprias
assimilações. Esse “processo digestivo” é marca da modernidade no Brasil, quando por
224

ocasião do Manifesto Antropófago, Oswald de Andrade (1928) apresentou o que chamou de


“digestão antropofágica”.
Digerindo o queer, a ICM BH cria o Ministério Queer, por meio de uma experiência
primeira de Culto Queer, que transformou a igreja em um bar (ou o bar em uma igreja). As
relações entre o Sagrado e o Profano foram revistas por meio de uma tentativa não de
dessacralização do espaço religioso, mas da sacralização das experiências cotidianas, como a
comunidade que se forma nas mesas dos bares, entre uma bebida, uma dança e uma boa
conversa.
As perspectivas queer tanto na MCC quanto na ICM BH levantam novas perguntas
sobre como se dá a relação religião e sexualidade, e confirmam que o dispositivo de
sexualidade é um dispositivo político. Ao ser considerada como política, a sexualidade evoca
enfrentamentos que reconheçam a importância da experiência religiosa não somente no
templo como também nas ruas, por meio de uma liturgia religiosa e política. Igreja e
Movimento se complementam na construção de uma instituição que percebe não somente a
experiência sagrada no templo e nas ruas, quanto também a experiência política nas ruas e no
templo.
Assim, suscitam mártires queer que marcam a trajetória da MCC por meio de
participações ativas de defesa – da fé e da sexualidade – que se dão, principalmente, a partir
do final da década de 1960, com as Stonewall riots. Uma Teologia do Martírio Queer, ou uma
Teologia Queer do Martírio levanta números sobre a realidade da violência contra as LGBTs
no Brasil, quando esse se apresenta como o país que mais mata pessoas trans em todo o
mundo. Um cenário de violência física e psicológica que contribui, inclusive, para o alto
número de suicídio de dissidentes sexuais.
O cenário do martírio rememorou o nome de Sylvia Rivera, uma “transativista” que
marcou Stonewall e, também, a MCC. Por meio da teoria fotográfica de Roland Barthes e da
metodologia do oprimido de Chela Sandoval, Stonewall é interpretada por meio dos conceitos
de studium e punctum, que intentam perceber não somente o que há de objetivo em um fato,
como também a subjetividade, ou seja, a consciência que surge a partir de determinado fato.
Nesse sentido, Stonewall é resultado da insurgência de novos sujeitos. E Sylvia Rivera é
ressaltada como mãe, líder e também mártir do movimento. Sylvia viveu e promoveu a
revolução, exemplo de um movimento revolucionário moderno, no qual se “é” enquanto se
“faz”.
Reverendo Troy Perry também surge nesse cenário, no qual a defesa da fé e da
sexualidade é uma marca do ideal martírico de libertação. Entre jejuns e manifestações
225

públicas, ele não somente lidera uma igreja, como também um movimento ativista de luta
pelos direitos civis LGBTs. O martírio, compreendido como essa relação complexa entre a
vida e a morte em razão da precarização das vidas subalternas, marcou a história da MCC. A
própria igreja pode ser considerada uma mártir, quando reconhecida a partir de dois eventos
específicos narrados na pesquisa – o incêndio da Igreja Mãe e o incêndio do UpStairs Lounge.
Os dois incidentes abordados na tese colaboram com a ideia metafórica de “armários
queimados”. Igreja queimada, refúgio queimado, esconderijo queimado. Foi nesse contexto,
que Willie Smith, membro da MCC presente desde o primeiro culto realizado na casa de Troy
Perry, afirmou: “o armário foi queimado!”. Já não havia mais como manter a sexualidade
escondida, havia um imperativo ético para afirmação da não conformidade com a norma e a
moral sexual naquele momento da história. O incêndio, em um processo combustivo que gera
energia, impulsionou a Igreja para fora do templo, permitindo que ela recriasse sua própria
trajetória por meio de uma saída em direção ao espaço público.
Os armários queimados impulsionaram a Igreja para fora das quatro paredes do templo
religioso, conclamando seus membros a uma aparição pública reivindicatória de
reconhecimento e defesa dos seus direitos civis. Esse é o movimento de saída do templo para
as ruas que marca, também, a ICM BH. Um dos eventos desse movimento de ativismo da
ICM BH é a Marcha contra a LGBTfobia, narrada a partir da análise de sua terceira edição, no
ano de 2016.
A teoria performativa de assembleia de Butler (2018) foi o fundamento para análise da
luta da ICM BH contra a precarização, que é uma situação biopolítica de insegurança e
desesperança, geralmente induzida e produzida por instituições governamentais e econômicas.
Por meio de performances artísticas, a ICM BH busca legitimidade junto à sociedade civil,
criando, assim, uma liturgia política que não nega a religiosa, mas que a ressignifica por meio
de ritos artísticos que são a maneira pela qual a Igreja diz sobre si ao mundo.
Os armários queimados são fruto do ambiente moderno no qual a MCC e, em
específico, a ICM BH se compreendem no mundo. Igreja e Movimento são o resultado desse
processo de combustão, que transforma o sólido em gasoso, gerando energia. Fraternidade
Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana e Instituto de Justiça Global são
consequência desse processo de ruptura e continuidade com o cristianismo hegemônico, no
qual tanto a heterossexualidade compulsória quanto a heteronormatividade são questionadas.
O instável ambiente moderno é marcado pela emergência de sujeitos que se apropriam
dos instrumentos de fé, que por tanto tempo os mantiveram à margem da produção e da
experiência teológica. As perspectivas queer são o caminho epistemológico e político
226

(MUSSKOPF, 2012) para a subversão dessa realidade, promovendo a construção de novas


maneiras de ser Igreja e Movimento, que não desconsiderem a sexualidade como importante
categoria de análise e de experiência do Sagrado.
Nesse sentido, a presente pesquisa confirmou sua tese de que os Estudos Queer, por
meio, principalmente, de sua relação com a Teologia - a Teologia Queer e a Teologia
Indecente de Marcella Althaus-Reid - reconfiguram as experiências religiosas e políticas da
ICM BH, uma comunidade de fé tradicionalmente colocada à margem do cristianismo
hegemônico.
A verticalização da teoria por meio da observação participativa da ICM BH permitiu a
compreensão da importância do evento que marcou a história da MCC, quando os “armários
queimados” impulsionaram a Igreja para uma saída do templo em direção às ruas, construindo
uma identidade de Igreja em Movimento.
O trajeto percorrido pela pesquisa demonstrou que a complexa relação entre
homossexualidade e cristianismo foi sendo enfrentada no cenário recente por meio de
processos de transformação no qual a metáfora do armário queimado implica em uma saída
do templo ao centro. E é essa saída, essa caminhada, que permite afirmar que ainda há muito
caminho a ser percorrido.
Diante de um processo de combustão, faz-se urgente a análise desses processos de
dignificação subalterna, na qual aqueles e aquelas colocados à margem ressignificam a
própria história. Afirma Baptista (2016, p. 497) que “apesar de o colonialismo anteceder ao
capitalismo e à modernidade, para o pensamento decolonial modernidade e colonialidade se
associam, sendo a colonialidade o lado trágico da modernidade”. Nesse sentido, as reflexões
apresentadas na presente pesquisa abrem horizontes para novas reflexões que considerem a
modernidade sob o prisma da colonialidade.
Permitir o encontro da academia com esses movimentos de práxis libertadora
justificam não somente a sua relevância enquanto instituição promotora e produtora de
saberes situados, como também espaço de visibilização dos movimentos de insurgência
subalterna. Nesse contexto, inserem-se as igrejas afirmativas das diferenças, como relevantes
espaços de subversão da precariedade. O campo de pesquisa está aberto para essas novas
relações com o Sagrado, nas quais os corpos, então abjetos, se ressignificam por meio da
reconstrução de suas experiências de fé que não mais negam, mas sim celebram a
integralidade humana.
227

“Revolução não é um evento único. Está sempre vigilante para a menor oportunidade de
fazer uma mudança genuína nas respostas tidas como estabelecidas e superadas; por
exemplo, é aprender a abordar a diferença um do outro com respeito.”

(Audre Lorde114)

114 Revolution is not a one-time event. It is becoming always vigilant for the smallest opportunity to make a
genuine change in established, outgrown responses; for instance, it is learning to address each other’s difference
with respect.
229

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WILSON, Nancy. Nossa tribo: Gays, Deus, Jesus e a Bíblia. Rio de Janeiro: Metanoia, 2012.
251

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista

Pergunta 1: qual é o seu nome completo?


Pergunta 2: descreva sua tradição religiosa.
Pergunta 3: como você se envolveu com a Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo
Horizonte?
Pergunta 4: quando participou da fundação da comunidade, você sabia da importância da
Igreja da Comunidade Metropolitana em âmbito mundial?
Pergunta 5: como se deu a fundação da Igreja da Comunidade Metropolitana em Belo
Horizonte?
Pergunta 6: você se lembra qual era o cenário político quando ocorreu a fundação da Igreja da
Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte?
Pergunta 7: nesses dez anos de Igreja da Comunidade Metropolitana, quais são os
acontecimentos mais relevantes que você gostaria de destacar?
Pergunta 8: a Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte passou por algum
processo de ruptura?
253

APÊNDICE B – Termo de anuência

TERMO DE ANUÊNCIA

A Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte, ICM BH, que se


reúne à rua Itacolomito, nº 44, bairro Santa Tereza, Belo Horizonte, Minas Gerais,
sem sede fixa, representada Pelo Reverendo xxxxxx, abaixo assinado, na qualidade
de Pastor, vem por meio desta confirmar, para os devidos fins junto Comitê de Ética
em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a firme intenção
de participar do projeto de pesquisa “Do Templo ao Centro: o ativismo queer da
Igreja da Comunidade Metropolitana no espaço público de Belo Horizonte”
coordenado pelo Prof. Dr. Wellington Teodoro da Silva e que terá como
pesquisadora responsável nessa instituição a doutoranda Ana Ester Pádua Freire.
Declaramos conhecer e cumprir as Resoluções Éticas Brasileiras, em
especial a Resolução 466/2012 do CNS. Esta instituição está ciente de suas
responsabilidades como instituição participante deste projeto de pesquisa, e de seu
compromisso no resguardo da segurança e o bem-estar dos participantes de
pesquisa nela recrutados, dispondo de infraestrutura necessária para a garantia de
tal segurança e bem-estar.

Belo Horizonte, 9 de maio de 2019.


255

APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

N.º Registro CEP: CAAE


Título do Projeto: Do Templo ao Centro: o ativismo queer da Igreja da Comunidade
Metropolitana no espaço público de Belo Horizonte

Prezado Sr(a),
Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa que estudará o ativismo queer
da Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte, ou seja, como se dá a relação
entre a igreja e a política nessa comunidade.
Você foi selecionado(a) porque faz diretamente parte da liderança da comunidade,
tendo participado desde os primeiros encontros, permanecendo como membro local até a
presente data.
A sua participação nesse estudo consiste em responder, pessoalmente, a perguntas que
serão apresentadas em forma de entrevista direcionada por determinadas perguntas a serem
feitas no local de reuniões da comunidade. Além disso, serão feitos registros fotográficos na
“Marcha contra a LGBTfobia de Belo Horizonte e Região Metropolitana” sobre a
participação da Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte. As fotos intentarão
mostrar como se dá o processo de participação da igreja na política, por meio de registros que
explorem como a denominação se comporta e como a sociedade civil reage à sua participação.
Tanto as entrevistas quantos os registros fotográficos serão objetos de análise da tese.
As imagens serão usadas com o objetivo de mostrar como se dá a participação da Igreja no
Espaço público por meio do que tem nomeado de “ativismo queer”. Não há riscos neste tipo
de pesquisa, entretanto, por ser uma temática que pode ser alvo de reações negativas, existe
um compromisso elevado com o tratamento analítico que será feito. Nesse sentido, no intuito
de garantir benefícios para a Igreja da Comunidade Metropolitana, ela será analisada com os
rigores da epistemologia científica, proporcionando perceber a denominação como um evento
moderno de superação das opressões advindas da orientação sexual divergente.
Sua participação é muito importante e voluntária e, consequentemente, não haverá
pagamento por participar desse estudo. Em contrapartida, você também não terá nenhum
gasto.
256

As informações obtidas nesse estudo serão confidenciais, sendo assegurado o sigilo


sobre sua participação em todas as fases da pesquisa, e quando da apresentação dos resultados
em publicação científica ou educativa, uma vez que os resultados serão sempre apresentados
como retrato de um grupo e não de uma pessoa. Você poderá se recusar a participar ou a
responder algumas das questões a qualquer momento, não havendo nenhum prejuízo pessoal
se esta for a sua decisão.
Todo material coletado durante a pesquisa ficará sob a guarda e responsabilidade da
pesquisadora responsável pelo período de 5 (cinco) anos e, após esse período, será destruído.
Porém, caso os dirigentes da Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte desejem
arquivar este material, por tempo indeterminado, para compor o acervo da referida instituição,
o mesmo ficará sob responsabilidade da igreja, a partir da autorização dos entrevistados. Os
nomes dos entrevistados ficarão em sigilo e, caso desejem sua divulgação, assinarão um termo
de autorização.
Os resultados dessa pesquisa servirão para divulgar a crescente relação entre religião e
política na comunidade LGBT. A partir de uma análise do ser humano moderno, pretende-se
levantar elementos que contribuam com a autonomia de dissidentes sexuais.
Para todos os participantes, em caso de eventuais danos decorrentes da pesquisa, será
observada, nos termos da lei, a responsabilidade civil.
Você receberá uma via deste termo onde consta o telefone e o endereço da
pesquisadora responsável, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora
ou a qualquer momento.

Pesquisadora responsável:
Ana Ester Pádua Freire
Rua Francisco Deslandes, 940/703
Bairro Anchieta
30310-530 - Belo Horizonte/ MG
Telefone: (31) 99463-8805

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, coordenado pela Prof.ª Cristiana Leite
Carvalho, que poderá ser contatado em caso de questões éticas, pelo telefone 3319-4517 ou
email cep.proppg@pucminas.br.
257

O presente termo será assinado em 02 (duas) vias de igual teor.

Belo Horizonte, XX de abril de 2019.

Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade para participar deste estudo.

______________________________ __________________
Nome do participante Data

Eu, Ana Ester Pádua Freire, comprometo-me a cumprir todas as exigências e


responsabilidades a mim conferidas neste termo e agradeço pela sua colaboração e sua
confiança.

______________________________ __________________
Assinatura da pesquisadora Data
259

ANEXO A – Aprovação Plataforma Brasil


260
261
263

ANEXO B - Estatuto da Fraternidade das Igrejas da Comunidade Metropolitana


(atualizado em 15 de agosto de 2019)

BYLAWS OF
THE UNIVERSAL FELLOWSHIP OF
METROPOLITAN COMMUNITY CHURCHES

As revised at General Conference XXVII, Orlando, Florida, USA


Effective 02 July 2019

ARTICLE I – NAME

The name of this Fellowship shall be the UNIVERSAL FELLOWSHIP OF


METROPOLITAN COMMUNITY CHURCHES (hereinafter referred to as UFMCC or
Fellowship).

Each affiliated local church group will use the name METROPOLITAN COMMUNITY
CHURCH as part of its official title. The group may add either a prefix or suffix to distinguish
it from other affiliated local church groups, such as: Grace Metropolitan Community Church,
Metropolitan Community Church of Tallahassee, Metropolitan Community Church, Ashland,
or Springfield Metropolitan Community Church.

ARTICLE II – PURPOSE

The objectives of the UFMCC shall be:


To bind together churches for the purpose of sharing in the worship of God in the Christian
tradition, and to make God’s will dominant in the lives of all people, individually and
collectively, as set forth in the Holy Scriptures.

To set up bodies for instruction in theology and in allied subjects for the propagation of the
teachings of the Christian faith, as accepted by the General Conference of the Universal
Fellowship of Metropolitan Community Churches.

C. To instruct and encourage those who offer themselves to the teaching and philosophy
accepted by this body.

D. To do all things that are compatible with the work of a Christian Church.

ARTICLE III – SACRAMENTS AND RITES

SACRAMENTS: This Church embraces two holy Sacraments:


BAPTISM by water and the Spirit, as recorded in the Scriptures, shall be a sign of the
dedication of each life to God and God’s service. Through the words and acts of this
sacrament, the recipient is identified as God’s own Child.

HOLY COMMUNION is the partaking of blessed bread and fruit of the vine in accordance
with the words of Jesus, our Sovereign: This is my body...this is my blood. (Matthew 26:26-
264

28). All who believe, confess and repent and seek God’s love through Christ, after examining
their consciences, may freely participate in the communal meal, signifying their desire to be
received into community with Jesus Christ, to be saved by Jesus Christ's sacrifice, to
participate in Jesus Christ's resurrection, and to commit their lives anew to the service of Jesus
Christ.

RITES: The Rites of the Church as performed by its duly authorized ministers shall consist of
the following:
The RITE OF ORDINATION is the setting apart of duly qualified persons for the professional
ministry of this Church. It is evidenced by the laying on of hands by authorized ordained
clergy or UFMCC Elders, pursuant to these Bylaws.

The RITE OF ATTAINING MEMBERSHIP IN THE CHURCH shall be conducted by the


Pastor or Interim Pastoral Leader before a local congregation at any regular worship service.
In accordance with criteria established by the local church, a baptized Christian may become a
member in good standing of the local church group through a letter of transfer from a
recognized Christian body or through affirmation of faith.

The RITE OF HOLY UNION/RITE OF HOLY MATRIMONY is the spiritual joining of two
persons in a manner fitting and proper by a duly authorized clergy, Interim Pastoral Leader of
the church, or UFMCC Elders. After both persons have been counseled and apprised of their
responsibilities one toward the other, this rite of conferring God’s blessing may be performed.

The RITE OF FUNERAL OR MEMORIAL SERVICE is to be fittingly conducted by the


ministers of the Church for the deceased.

The RITE OF LAYING ON OF HANDS or prayer for the healing of the sick in mind, body or
spirit is to be conducted by the ministers of the Church, at their discretion, upon request.

The RITE OF BLESSING may be conducted by the ministers of the Church for persons,
things and relationships, when deemed appropriate by the minister. This includes the
dedication of a church building to the glory of God.

ARTICLE IV – MINISTRY

The UFMCC affirms the universal priesthood of all believers (1 Peter 2:5-10). All members of
the Church are called by God to a ministry of the Gospel of Christ in the Church and in the
world.

UFMCC decrees that all people shall have equitable access and opportunity which is free
from discrimination on grounds of sex, gender identity, gender expression, sexual orientation,
race, ethnicity, culture, age, physical or cognitive ability, medical diagnosis, HIV status,
health status, nationality, or economic status in terms of: (1) Employment and personnel
procedures and (2) Service delivery ‐‐ so that MCC will pursue justice through all we do.

A. MINISTRY OF THE LAITY


THE PRIESTHOOD OF ALL BELIEVERS: Lay people are the People of God, called by God
and authorized by Scripture to respond to the Word, serving as Christ served, to the end that
the Church may be edified and the world transformed. UFMCC affirms that this is the
ministry of every lay person in the UFMCC.
265

DEACONS: As outlined in the New Testament, their office is a historic ministry of service
and aid within the Christian Church.

B. MINISTRY OF THE CLERGY:


CLERGY: Clergy are members of the People of God, called by God, authorized and legally
recognized by the UFMCC to serve among the people as professional ministers of the Word
and Sacraments.
RESPONSIBILITIES: In accordance with their call, clergy shall administer the Rites and
Sacraments of the UFMCC and be teachers and preachers of the faith to the end that the world
may believe and the Church might be renewed, equipped, and strengthened in its ministry.

QUALIFICATIONS: Clergy are those persons of professed and demonstrated call to be


professional Christian ministers who meet the qualifications established by the Council of
Elders.

c. ORDINATION: Persons who have met the academic standards and qualifications as
established by the Council of Elders may then be ordained. A person who is ordained cannot
function as a UFMCC clergy person until such person is licensed.

d. DISCIPLINE: The UFMCC will not condone disloyalty, unbecoming conduct, or


dereliction of duty. Procedures for discipline shall be developed by the Governing Board.
These procedures shall be included as an addendum to the UFMCC Bylaws.

ARTICLE V – GOVERNMENT, ORGANIZATION, AND OFFICERS

A. GOVERNMENT:
The UFMCC acknowledges the Holy Scriptures interpreted by the Holy Spirit in conscience
and faith as its guide in faith, discipline, and government.

The government of the UFMCC is vested in the General Conference, subject to the provisions
of the UFMCC Articles of Incorporation and its Bylaws, or documents of legal organization.
The officials elected by the General Conference are subject to the direction and discipline of
General Conference and are responsible to carry out its policies.

When the Moderator desires more flexibility with respect to Articles IV through IX of these
Bylaws, the Moderator can apply to the Governing Board, which may grant that flexibility.

This Fellowship is accountable to no outside ecclesiastical jurisdiction, but accepts the


obligation of mutual consent and cooperation involved in the free fellowship of other
churches, and does pledge itself to share in their common aims and endeavors subject to the
expressed approval of its membership.

Local Churches and the General Conference as defined by these Bylaws are set forth for the
purposes of Christian fellowship, worship, witness, and service, borne in the cooperation,
program development, and implementation of their Bylaws, Procedures, and Policies.

A local church of the Universal Fellowship of Metropolitan Community Churches is that


church which subscribes to the government and doctrine of the UFMCC, and has been
authorized by the same.
266

B. LOCAL CHURCHES:
EMERGING CHURCHES: Within the UFMCC, all worshipping and/or ministry bodies that
seek to enter into the process of meeting the criteria for affiliation as established by the
Council of Elders and approved by the Governing Board may apply to UFMCC for
authorization as an “emerging church.” Emerging churches include parish extensions, new
church starts, and existing churches that seek to affiliate with UFMCC.

a. AUTHORIZATION: The Council of Elders shall establish procedures for


authorization of emerging churches, procedures for authorization of the leader for each
emerging church, and processes for supporting each emerging church until it achieves
affiliation.

ACCOUNTABILITY: The emerging church shall be subject to these Bylaws and to the
approval or disapproval of actions by a designee of the Council of Elders. When such come to
exist, the emerging church shall then also be subject to its local Articles of Incorporation,
local Bylaws/Standard Operating Procedures, and any other document of legal organization.

CLOSURE: If an emerging church other than a parish extension disbands or ceases to


operate, the net assets of the church will revert to the use of the General Conference of the
UFMCC. The Governing Board will decide the disposition of said property.

AFFILIATED CHURCHES: Within the UFMCC, all churches that meet the criteria as
established by the Council of Elders and approved by the Governing Board qualify for
affiliation and recognition as an affiliated church. The Council of Elders has the authority to
approve requests for affiliation. If an affiliated church ceases to meet the criteria for
affiliation, a designee of the Council of Elders may take appropriate actions of intervention,
which may include removal of the church’s affiliation status. The decision of the designee
may be appealed to the Council of Elders.

ASSOCIATED ORGANIZATIONS: A local church shall have the authority to establish,


authorize, and hold accountable special-purpose groups, ministries, and organizations.

AFFILIATED CHURCH GOVERNANCE: The government of each affiliated church is


vested in its Congregational Meeting which exerts the right to control all of its affairs, subject
to the provisions of the UFMCC Articles of Incorporation, Bylaws, or documents of legal
organization, and the General Conference. The Pastor and the local church administrative
body are authorized to provide spiritual and administrative leadership in the affiliated church.
The officials elected by the Congregational Meeting are subject to the direction and discipline
of the affiliated church and are responsible to carry out the local church policies.

STRUCTURES AND SYSTEMS: The affiliated church, in consultation with UFMCC, shall
determine an appropriate structure and systems for local church governance that is appropriate
for the size of church and cultural context. The local church structure and systems shall
include provision for (1) selection and discipline of the local church administrative body, (2) a
pastoral search process, and (3) congregational meetings. It is incumbent upon the local
church administrative body of each local church to provide that church with a set of Bylaws
or standard operating procedures, subject to approval by UFMCC.
267

ACCOUNTABILITY: The local church administrative body shall be subject to these Bylaws,
local Articles of Incorporation, local Bylaws/Standard Operating Procedures, any other
documents of legal organization, and to the approval or disapproval by action of their local
congregation as provided for in any of the above.

CONFLICT RESOLUTION: When there are conflicts or difficulty within a local church,
including apparent irreconcilable differences between the Pastor and congregation, UFMCC
shall have the authority to interface with that church, to take appropriate measures, to provide
resources and support, and to attend and have voice at any meeting of the local church
administrative body or Congregational Meeting. UFMCC shall be required to intervene when
invited (1) by the Pastor/Interim Pastoral Leader, (2) by majority vote of the local church
administrative body, or (3) as a result of a petition signed by a minimum of one-third (33%) of
the members of the church.

Within twenty-four (24) hours of receiving the request for intervention, UFMCC must
officially notify all parties mentioned above. Within ten (10) days of the request, UFMCC
will establish the time-lines and process for the Ministry of Reconciliation, which must be
implemented within thirty (30) days of the initial request.

PASTOR: The Pastor of an affiliated church is a duly ordained clergy person who has been
licensed to practice. Though there are a variety of pastoral roles, in a local congregation the
Pastor is elected to be responsible for the duties of teacher, preacher, and spiritual leader. If no
duly credentialed UFMCC clergy person is available, an Interim Pastoral Leader may be
appointed annually by UFMCC. All UFMCC churches are led by Pastors or Interim Pastoral
Leaders.
QUALIFICATIONS AND DUTIES: Pastors must be credentialed clergy in the UFMCC. The
Pastor of the church shall have the authority for ordering all worship services of the church.
The Pastor is a voting member of the local church administrative body.

Associate and/or Assistant Pastor(s) and other personnel, uncompensated or compensated,


shall be appointed by the Pastor subject to the approval of the local church administrative
body. The Pastor shall act as personnel director of the local church staff, shall have the
authority to delegate such responsibilities and duties as seems wise, and shall, with the
approval of the local church administrative body, determine compensation, vacation periods,
and titles of office of the staff.

REMOVING THE PASTOR FROM OFFICE: When irreconcilable differences exist between
the Pastor and congregation, the Pastor and congregation may choose to terminate their
relationship through mutual agreement. No petition for removal of the Pastor based on
irreconcilable differences is valid unless preceded by the process of conflict resolution, as
contained within the UFMCC Bylaws Article. V.B.2.c.ii. Unilateral failure to renew a pastoral
contract does not constitute removal of the Pastor from office.

The process of removing the Pastor from office for disloyalty, unbecoming conduct,
dereliction of duty or when irreconcilable differences arise between Pastor and congregation
may be initiated by a petition submitted to the duly authorized church officer as designated by
the local Bylaws/Standard Operating Procedures, or documents of legal organization, and
signed by at least twenty-five percent (25%) of the members in good standing; or by a vote of
268

three-fourths (3/4) of the full Board of Directors /local church administrative body. Within
three (3) days, the Pastor and UFMCC must be sent a copy of the completed petition or
motion of the local church administrative body by the designated church officer. After
UFMCC and the designated local church officer have validated the number of members who
have signed the petition and the clarity of the petition or validated the votes of the members of
the local church administrative body and the clarity of the motion, UFMCC may place the
Pastor on inactive status, but the Pastor remains fully compensated until the final action of the
congregation. Upon validating the petition, a representative of UFMCC and the local church
administrative body will set the time and place of a special congregational meeting to
determine whether the Pastor shall remain in office. The date of the meeting shall occur
within thirty (30) days of the date the petition is submitted to the designated church officer or
the date the motion of the local church administrative body is received by UFMCC.

The Pastor has the right to appear on his/her own behalf before the congregational meeting
and may have an advocate of his/her own choice present. The action of the congregation is
final. If a special meeting is called to remove a Pastor, UFMCC must be given notice that
such action is being taken. A representative of UFMCC shall attend as an impartial observer
who shall moderate the meeting. If the Pastor is removed, the local church administrative
body will meet immediately after the meeting with the representative of UFMCC to arrange
for pastoral leadership until the pulpit is filled. The local church administrative body may
confer with UFMCC as to available candidates for the office of Pastor.

d. LAY DELEGATE: Each affiliated church shall have one (1) vote for every one
hundred (100) members in good standing or portion thereof and shall elect one (1) Lay
Delegate for each vote. Each Lay Delegate shall carry one (1) vote. Each Lay Delegate shall
be a member in good standing of the congregation that such person represents and shall serve
a term of three (3) years. The duties of the Lay Delegate shall include, but not be limited to,
representation of the congregation at General Conferences and to be informed of the UFMCC
concerns and policies.

Each voting church may, in accordance with that local church's Bylaws or Standard Operating
Procedures, elect at least one (1) Alternate Lay Delegate for each Lay Delegate elected. The
Alternate Delegate(s) so elected shall, in accordance with procedures set forth in the local
church Bylaws or Standard Operating Procedures, be empowered to assume the duties of any
Lay Delegate who is unable or unwilling to perform the duties of Lay Delegate, including but
not limited to representation of the congregation at General Conferences.

e. DISAFFILIATION: Disaffiliated congregations may not continue to use the name


Metropolitan Community Church (MCC) or in any manner hold themselves out as being
associated with UFMCC or as being an MCC church.

i. DISAFFILIATION BY AN AFFILIATED CHURCH: Should a local church desire to


disaffiliate from the UFMCC, a representative or representatives appointed by the Moderator
must be allowed to meet with the congregation and shall have voice at the Congregational
Meeting called for the purpose of disaffiliating. The decision to disaffiliate must receive a
two-thirds (2/3) vote of the Members present at a duly called Congregational Meeting called
for the purpose of disaffiliating.

ii. NOTIFICATION TO UFMCC: At least sixty (60) calendar days prior to a


Congregational Meeting called for the purpose of disaffiliating, the local church shall notify
269

the Moderator in writing that such a Congregational Meeting will be held. The written
notification to the Moderator shall include: (a) the date, time, and place of the Congregational
Meeting; and (b) a copy of the local church membership list. Except in the event of the death
or resignation of a listed Member, no Members may thereafter be removed from membership
in the local church and no Members may be added to the membership in the local church until
after the Congregational Meeting called for the purpose of disaffiliating.

iii. NOTIFICATION TO MEMBERS: At least thirty (30) calendar days prior to a


Congregational Meeting called for the purpose of disaffiliating, all Members of the local
church must be notified in writing at their last known address on the membership list of the
date, time, place, and purpose of the Congregational Meeting called for the purpose of
disaffiliating. A copy of the notification to members shall be simultaneously submitted to the
Moderator.

iv. VOTING PROCESS: Voting at the Congregational Meeting called for the purpose of
disaffiliating shall be done by secret ballot.

v. CONTINUING AFFILIATION: In the event that a congregation votes to disaffiliate,


those members of the congregation wishing to continue affiliation with UFMCC may be
designated by the Moderator as the continuing Metropolitan Community Church affiliated
with the UFMCC.

vi. DISPOSITION OF ASSETS: After existing financial obligations to the UFMCC are met,
the disaffiliating local church has the right to net assets.

vii. NOTIFICATION TO AFFECTED THIRD PARTIES: In the event that a congregation


votes to disaffiliate, the UFMCC shall notify affected third parties that the disaffiliated
congregation is no longer associated with the UFMCC and that the disaffiliated congregation
may not hold itself out as being an MCC church. Affected third parties include, but are not
limited to, banks, creditors, and government agencies that issued corporation/registration
status to the disaffiliated church.

DISCIPLINE OF CHURCHES: If any emerging or affiliated church shall fail to abide by the
Articles of Incorporation of the UFMCC, these Bylaws, or documents of legal organization,
the Moderator or a representative of the Moderator shall take appropriate action to require
compliance. The Moderator shall report any such action to the church involved and to the
Governing Board.

4. CHURCH PROPERTY: In every nation where UFMCC comes to exist and where
permitted by local or national laws, the local church’s documents of legal organization must
name the UFMCC as the successor not-for-profit corporation/non-governmental organization
designated to receive the church’s property in the event of (1) the dissolution or abandonment
of the church, or (2) failure to abide by the process for disaffiliation from the UFMCC by the
local church as contained in the UFMCC Bylaws.

CLOSURE: When a church disbands or ceases to operate, the net assets of the church will
revert to the use of the General Conference of the UFMCC. The Governing Board will
decide the disposition of said property.
270

RESERVATION OF POWERS: Any specific matters of congregational approval not covered


herein are left to local church option

C. ASSOCIATED NON-GOVERNMENTAL ORGANIZATIONS: When the mission of the


UFMCC would be best served by a special-purpose organization being accountable to the
denomination, the Governing Board shall have the authority to establish, authorize, and hold
accountable such special-purpose organization. Individuals from associated non-governmental
organizations may participate in all activities of UFMCC.

OFFICIAL OBSERVER: Each associated non-governmental organization may designate a


representative to serve as an Official Observer at General Conference, with voice but no vote.
CLOSURE: When an associated organization disbands or ceases to operate, the net assets of
the associated organization will revert to the use of the General Conference of the UFMCC.
The Governing Board will decide the disposition of said property.

D. ALIGNED NON-GOVERNMENTAL ORGANIZATIONS: Aligned non-governmental


organizations are those organizations that support the goals of UFMCC and that are aligned
with the work of UFMCC yet do not seek to become an affiliated church or associated
organization. Individuals from aligned non-governmental organizations may participate in all
activities of UFMCC.

RECOGNITION: The Council of Elders shall establish the process for granting recognition to
Aligned Organizations.
OFFICIAL OBSERVER: Each aligned organization may designate a representative to serve
as an Official Observer at General Conference, with voice but no vote.

E. FELLOWSHIP:
INTRODUCTION: Internationally, the government of the UFMCC is vested in the General
Conference, subject to the provisions of the Fellowship Articles of Incorporation, its Bylaws,
or documents of legal organization. Between General Conferences, the Council of Elders is
authorized to provide spiritual and pastoral leadership and the Governing Board is authorized
to provide administrative leadership on the international Fellowship level.

MODERATOR: The Moderator is elected by General Conference to serve as the primary


visionary and futurist in order to advance the mission and vision of UFMCC worldwide
through the exercise of prophetic challenge, creativity, spiritual and pastoral authority, and
leadership. As the primary UFMCC spokesperson, an Elder, and the Chief Executive Officer,
the Moderator is a voting member and moderates meetings of the Governing Board and of the
Council of Elders; moderates General Conference; appoints Elders; and supervises UFMCC
senior staff. The Moderator shall be responsible for leading the visioning process for the
Fellowship, having a presence at global events, teaching and training, engaging in continuous
learning, community relations, visitation and assistance in churches, ecumenical relations, and
global social justice. The term of office of the Moderator shall be six (6) years.

MODERATOR NOMINATING COMMITTEE: The Governing Board shall appoint a


Moderator Nominating Committee of five (5) persons. The responsibility of the Moderator
Nominating Committee is to actively solicit candidates for the position, review any and all
applications, and select up to five (5) qualified candidates. The qualified candidates shall be
presented by the Governing Board to the General Conference for election.
271

DISCIPLINE OF THE MODERATOR: Complaints about the Moderator must be submitted to


the Governing Board in written form and must be signed by a minimum of one (1) member of
the clergy from each of ten (10) different churches and by the Lay Delegates representing the
majority of the Lay Delegate votes from each of ten (10) different churches, and may be
initiated by either the clergy or Lay Delegates. The Governing Board shall establish and
publish its procedure for considering complaints about the Moderator.

REMOVAL OF THE MODERATOR: If the Governing Board determines that the Moderator
is unable or unwilling to fulfill the responsibilities of the position, the Governing Board may,
by a vote of two-thirds (2/3) of the full Governing Board, remove the Moderator from the
position. Such action shall be reported to the General Conference within five (5) business
days. The Governing Board may elect someone who meets the qualifications to serve as
Interim Moderator until the next General Conference, when an election shall be conducted to
fill the vacancy.

VACANCY IN THE OFFICE OF MODERATOR: In the event of a vacancy in the office of


Moderator, the Governing Board shall elect an Interim Moderator to fill the vacancy until the
next General Conference, when an election shall be held to fill the vacancy. The term of office
of the Moderator elected by General Conference to fill the vacancy shall be six (6) years.

COUNCIL OF ELDERS: The Council of Elders of the UFMCC is that body authorized by
the General Conference to serve in a pastoral role and direct the spiritual life of the
Fellowship. This Council shall consist of a Moderator and Elders appointed by the
Moderator, subject to approval by the Governing Board and affirmation by General
Conference. All UFMCC Elders are deemed professional ministers and are authorized to
perform all of the Rites and Sacraments of the church.

a. QUALIFICATIONS: Elders must be those individuals of obvious spiritual quality and


leadership who are mature, have sound judgment, have a proven record of accomplishment as
lay or clergy members within the Fellowship, and have successful experience in envisioning
and strategic planning for the future. Elders must be excellent communicators, skilled
motivators and teachers, self-motivated and devoted to continuous learning. Further, Elders
must be capable of understanding and working within sound fiscal guidelines, be sensitive to
cultural differences, and be able and willing to embrace diversity. It is desirable that the
Council of Elders reflect the diversity of the Fellowship.

b. DUTIES: The primary responsibility of Elders shall be to give pastoral leadership and
care to enable the Fellowship in our spiritual journey. The Elders shall exercise spiritual and
pastoral authority to build a shared vision for the UFMCC, prepare UFMCC for the future,
and support UFMCC’s strategic direction. The Elders serve as official representatives of the
Fellowship in the areas of public and community relations; provide oversight of and support
to congregations; consult with churches on issues related to church development; and fulfill
other ecclesial and ceremonial duties.

Other than the Moderator, a member of the Council of Elders shall not serve simultaneously
as a member of the Governing Board.

c. ACCOUNTABILITY, DISCIPLINE, AND REMOVAL: The UFMCC cannot


condone disloyalty, unbecoming conduct, or dereliction of duty on the part of its Elders and,
therefore, makes the following provisions for accountability, discipline, or removal:
272

ACCOUNTABILITY: All Elders shall be accountable to the Moderator, the Council of


Elders, the UFMCC Bylaws, the UFMCC Code of Conduct, personnel policies as established
by the Governing Board, and General Conference.

DISCIPLINE: The Elder must be given written notice of a complaint and shall remain in
position until final disposition of the complaint.

(a) DISCIPLINE OF AN ELDER: Complaints about an Elder other than the Moderator must
be submitted to the Moderator in written form and be signed by a member of UFMCC. The
Moderator shall determine whether to refer the complaint to the Council of Elders for
resolution or to seek resolution of the matter in another appropriate way. The Council of
Elders shall establish and publish its procedure for considering complaints about an Elder.

(3) REMOVAL:
(a) REMOVAL OF AN ELDER:
(i) The Moderator may remove an Elder at any time, with or without cause.

(ii) If the Council of Elders determines that an Elder is unable or unwilling to fulfill the
responsibilities of the position, the Council of Elders may, by a vote of two-thirds (2/3) of the
full Council of Elders, recommend that the Moderator remove that Elder from the position.

(iii) Such action shall be reported to the Governing Board.

d. VACANCIES: In the event of a vacancy, the Moderator may appoint someone who
meets the qualifications to fill the vacancy, subject to the approval of the Governing Board.

4. GOVERNING BOARD: The Governing Board is that body authorized by the General
Conference to carry on the governance of the UFMCC between General Conferences in an
orderly manner. The Governing Board is composed of nine (9) persons, four (4) of whom
shall be lay persons and four (4) of whom shall be clergypersons plus the Moderator, elected
by the General Conference to be responsible for the governance of UFMCC finances and
operations and to serve as the corporation’s Board of Directors, having charge of all matters
pertaining to Articles of Incorporation, all documents of legal organization, property, and
finances of the UFMCC. The Governing Board shall exercise all corporate powers subject to
the provisions and limitations of these bylaws and any other applicable laws.

QUALIFICATIONS: Members of the Governing Board must be members in good standing


within the Fellowship who, in the sole discretion of the UFMCC, have spiritual quality and
leadership, are mature, have sound judgment, and have a proven record of accomplishment.
Consideration will be given to elect members with diverse perspectives, core competencies,
and complementary skills consistent with the required functions and responsibilities of the
Governing Board.

GOVERNING BOARD CHARTER: A Charter of the Governing Board shall define the
functions, responsibilities and structures of the Governing Board. The Charter shall be
affirmed by a majority vote of the General Conference and included as an addendum to
UFMCC Bylaws.

TERM OF OFFICE: The term of office for members of the Governing Board shall be six
years, with the exception that General Conference XXIV shall elect two (2) lay persons and
273

two (2) clergy persons to three-year terms until the next General Conference, when two (2)
lay persons and two (2) clergy persons shall be elected to six-year terms.

GOVERNING BOARD NOMINATING COMMITTEE: The Governing Board shall appoint


a Governing Board Nominating Committee of three (3) persons. The Moderator shall serve as
a consultant to the Governing Board Nominating Committee. The responsibility of the
Governing Board Nominating Committee is to actively solicit candidates for the position,
review any and all applications, and select qualified candidates. The qualified candidates shall
be presented to the General Conference for election.

VACANCIES: In the event of a vacancy on the Governing Board among membership elected
at a duly convened General Conference, the Governing Board may appoint someone who
meets the qualifications to fill the vacancy until the next General Conference, when an
election shall be held to fill the unexpired term. Appointments may only be utilized for filling
vacancies up to 40% (3 members) of the total membership of the Governing Board. When the
number of appointed Governing Board members exceeds 40% (3 persons) of the total
membership of the Governing Board, a special General Conference shall be called for the
purpose of electing members to the Governing Board. The process for selecting candidates for
election shall conform to the process outlined in Article V.E.4.d. - GOVERNING BOARD
NOMINATING COMMITTEE.

DISCIPLINE: The UFMCC cannot condone unbecoming conduct, malfeasance, nonfeasance


or dereliction of duty on the part of any member of the Governing Board and, therefore,
makes the following provisions for discipline or removal:

(1) If the Governing Board determines that one of its members is unable or unwilling to
fulfill the responsibilities of the position, the Governing Board may, by a majority vote of the
full Board, remove that member from the Board. The member must be given written notice of
the charges and, at that time, becomes inactive. The member has the right to appear and
present his/her own defense before the Governing Board on his/her own behalf. The
Governing Board will then review the charges and, upon majority vote of the members of the
Governing Board not including the member charged, may remove the member of the of the
Governing Board or take such other action as it may deem appropriate. The decision of the
Governing Board shall be final.

Governing Board members may be removed by a Special General Conference.

ARTICLE VI – MEMBERSHIP IN UFMCC

MEMBERS IN GOOD STANDING OF A LOCAL CHURCH: Any baptized Christian may


become a member in good standing of an emerging or affiliated local church. A local church
has the authority to determine any additional criteria for gaining and retaining membership in
that local church. Any additional criteria shall be in accordance with UFMCC Bylaws and be
compatible with UFMCC core values.

MEMBERS OF UFMCC
Members in good standing of each emerging and affiliated local church shall be considered to
be Members of UFMCC.
All clergy persons ordained by UFMCC shall be considered to be Members of UFMCC.
274

All Members of UFMCC may serve on appointed committees, hold elected office, and
participate in all activities of UFMCC.

C. FRIENDS OF THE CHURCH: A local church body may, if it desires, accept into the
Church person(s) who, for one reason or another, feel that they cannot become regular
members of the Church but who support the goals of the Church and want to be part of the
work of the church. Such people shall be designated as “Friends of the Church.” Friends may
serve on appointed committees and may participate in all activities of the Church. Friends
may not, however, serve on the local church administrative body and may not vote at
congregational meetings. Friends shall not be considered in determining the number of Lay
Delegates that a local church body may send to meetings of the General Conference.

D. DISCIPLINE: The UFMCC cannot condone disloyalty or unbecoming conduct on the


part of any of its members and friends; therefore, the local church administrative body shall
develop and implement a procedure for taking appropriate disciplinary action, as it deems
necessary.

ARTICLE VII – CHURCH SERVICES

Each local church body shall hold services of public worship every week. Other worship
services may be held as determined by the Pastor with the approval of the local church
administrative body. In regard to the worship services of local church bodies, the Sacrament
of Holy Communion shall be offered at weekly worship, as well as at other worship services
at the discretion of the Pastor. Holy Baptism may be administered at any appropriate service
of the local church body or at any other time, at the Pastor’s discretion.

ARTICLE VIII – CHURCH MEETINGS

A. GENERAL CONFERENCE: For the purpose of the transaction of business, the


UFMCC will hold a General Conference every third year, commencing 2007.

1. TIME, PLACE, AND NATURE: The time and place of the General Conference will be
announced at the previous General Conference. Notice of the time, place, and nature of the
General Conference must be given in writing to all church bodies ninety (90) days prior to the
upcoming General Conference.

a. NATURE: The Governing Board is authorized to determine the means by which


members of the Lay House and of the Clergy House may participate virtually in a General
Conference.

2. COMPOSITION: The General Conference of the UFMCC is that body consisting of a


Clergy House and a Lay House.

a. CLERGY HOUSE: Members of the Clergy House are ordained clergy with a License
to Practice and honorably retired clergy.

b. LAY HOUSE: Members of the Lay House are Lay Delegates; the Interim Pastoral
Leader of each affiliated church when that Interim Pastoral Leader is a member of UFMCC;
and the members of the Council of Elders and of the Governing Board who are not clergy or
Lay Delegates and are members of UFMCC.
275

3. VOTING IN SEPARATE HOUSES: The transaction of all business except procedural


matters must be approved by a separate majority vote of the votes carried by the Lay House
and a separate majority vote of the votes carried by the Clergy House.

4. QUORUM: A quorum shall consist of twenty percent (20%) of the number of lay
people eligible to vote at General Conference and twenty percent (20%) of the number of
licensed credentialed clergy eligible to vote at General Conference.

5. SPECIAL GENERAL CONFERENCE: A special General Conference of the UFMCC


can be called by the Governing Board or by a petition submitted to the Governing Board by
fifty percent (50%) of all those persons eligible to vote at General Conference. Initiation of
this petition may be by either clergy or laity. A special General Conference shall be governed
by the same rules as those pertaining to the General Conference except when the purpose of
the special General Conference is to consider affirmation of the appointment of an Elder.
When the purpose of a special General Conference is to affirm the appointment of an Elder,
notice of the time, place, and nature of the special General Conference must be given in
writing to all members of the Lay House and of the Clergy House at least thirty (30) days in
advance of the special General Conference.

a. PURPOSE: The purpose of a special General Conference must be stated in the


petition. The nature and purpose of a special General Conference must be stated in the
notices and written into the agenda of the special General Conference.

b. NOTICE: The written notice must be sent to all credentialed clergy and to all voting
church bodies at least thirty (30) days prior to the special General Conference.

B. LOCAL: Each local church shall establish the percentage of members required for the
transaction of business, the process for notifying members of the meeting, and the process for
calling special meetings, unless otherwise indicated in UFMCC Bylaws.

C. PROXY VOTING: No proxy and/or absentee ballots shall be allowed in any business
meeting of this Fellowship, except where specifically provided for in these Bylaws.

ARTICLE IX – CHURCH FINANCES

A. FINANCIAL STEWARDSHIP: The UFMCC adopts and teaches tithing as the


scripturally affirmed means of supporting the church and its ministries, and as the expression
of good stewardship of time, skills, and money by individuals and church bodies. Therefore, it
shall be the responsibility of both the clergy and the lay leadership of emerging and affiliated
church to plan and implement programs of stewardship both to help persons grow in the grace
of giving and to fund the church's ministries. An offering shall be received at each service of
public worship in the local church and at conferences sponsored by UFMCC.

B. REPORTING: Each emerging church and affiliated church shall report all church
receipts each month to the UFMCC and with that report shall remit a percentage of the funds
reported, as determined by General Conference.

Any money transferred permanently or for a long term from any exempt fund into the General
Fund must be added to the income figures for that month, and assessments paid on them.
276

Report and remittance are due to the UFMCC on or before the tenth (10th) day of the month
following the month being reported.

SUBMISSION OF ASSESSMENT PAYMENT: Wherever possible and desirable as


determined by the Governing Board, churches shall send their assessment directly to the
UFMCC Headquarters. However, the Governing Board may choose, in certain circumstances,
to authorize special accounts in nations other than the United States to hold in trust the
UFMCC assessment payments within that nation. The Governing Board, upon the
recommendation of the Moderator, will name the signatories on said accounts and will
approve a budget for use of those monies for UFMCC purposes and programs within the
respective nation. The Governing Board shall establish appropriate policies and procedures
concerning the care of funds held in trust for UFMCC. Whenever funds are transmitted
internationally to UFMCC, Fellowship Offices shall provide documentation satisfactory to
national/regional government authorities in the sending countries.

C. FIDUCIARY BODIES: Whenever the Governing Board chooses to authorize special


accounts to hold UFMCC funds in trust, the Governing Board may appoint a fiduciary body
to have charge of all matters pertaining to the Articles of Incorporation, all documents of legal
organization, real property, and finances held in trust, as legally permitted and appropriate.
The Governing Board, in its discretion, shall determine the number of members of any
fiduciary body. All actions of the fiduciary bodies must be reported to and approved by the
Governing Board, except where specifically provided for in these Bylaws.

1. QUALIFICATIONS: Members of a fiduciary body must be members in good standing


within the Fellowship who, in the sole discretion of the Governing Board, have spiritual
quality and leadership, are mature, have sound judgment and a proven record of
accomplishment. The term of office shall be two years.
2. ACCOUNTABILITY: The fiduciary body shall be subject to these Bylaws, the
fiduciary body’s Articles of Incorporation, the fiduciary body’s Bylaws, and the policies and
procedures of the Governing Board.
DISCIPLINE: The UFMCC will not condone conduct which is, in its sole discretion, disloyal
or unbecoming or a dereliction of duty on the part of members of a fiduciary body. Therefore,
the Governing Board shall develop and implement a procedure for taking appropriate
disciplinary action, as it deems necessary.

D. BOARD OF PENSIONS ASSESSMENTS: Each local church administrative body in


the USA shall report quarterly the number of members in good standing for each month
within every quarter and shall remit the Board of Pensions assessment as set by General
Conference. Report and remittance are due to the Board of Pensions on or before the tenth
(10th) day of the month following the quarter reported.

E.. SIGNATURES: Any bank or financial account in the name of any church body, the
UFMCC, or of any subordinate group or body, must require two signatures for withdrawals,
one of which must be that of an officer elected or a person appointed under UFMCC Bylaws,
the authorizing documents of the subordinate group or body, or the authorizing documents of
the local church.

F. FORGIVENESS OF ASSESSMENTS: The Governing Board may grant forgiveness


of late assessments.
277

ARTICLE X – RESERVATION OF POWERS

All powers not delegated by these Bylaws are reserved to the local church bodies.

ARTICLE XI – ADOPTION AND AMENDMENTS

ADOPTION: These Bylaws shall become effective immediately upon adoption by the
General Conference of the UFMCC and shall become binding upon all members and church
bodies within the Fellowship.

AMENDMENTS: These Bylaws may be amended or repealed at any duly convened meeting
of the General Conference according to the procedures adopted by the General Conference.
Such amendments or repeals can only be effective if two-thirds (2/3) of the duly authorized
Lay Delegates and two-thirds (2/3) of the duly authorized clergy attending vote in favor of
such amendments or repeals.

COMPLIANCE WITH NATIONAL LAWS: If UFMCC Bylaws are inconsistent with laws of
any nation or other jurisdiction in which a local church body is organized, the Governing
Board may allow the Bylaws or other organizational documents to contain variances with
these Bylaws to facilitate compliance of the local church body with such laws.
279

ANEXO C – Ficha Técnica da MCC (atualizada em agosto de 2019)

MCC Fact Sheet

The Universal Fellowship of Metropolitan Community Churches (UFMCC, commonly


known as MCC) commemorated its 50th year starting 6 October 2018, in Los Angeles at the
first MCC, now called Founders Metropolitan Community Church. Activities continued
throughout the year and culminated recently in July 2019 at MCC’s General Conference the
international, triennial event allows the Fellowship to conduct denominational business and
provide informational, educational opportunities through workshops and plenary sessions. It
is also a time to worship and celebrate the leaders—clergy and laity—and local churches
around the globe.

Since its founding in 1968 by Rev. Elder Troy Perry, MCC has sparked a spiritual revival. It
has been at the vanguard of the civil and human rights movements by addressing important
issues such as race, gender, age, sexuality, ableism, and other forms of oppression.

MCC was the first to perform same-sex marriage in 1969, which led the way to marriage
equality. Under the ensuing leadership of the Rev. Elder Dr. Nancy Wilson from 2005 through
2016, MCC continued to be on the forefront of human and environmental rights around the
world. Dr. Wilson first visited Jimmy Carter at the White House and was appointed to
President Barack Obama’s White House Advisory Council. Dr. Wilson was later invited to
read scripture at President Obama’s second inaugural interfaith worship service.
MCC’s Governing Board elected Rev. Elder Rachelle Brown as Interim Moderator from 2016
until 2019. In 2019, MCC’s General Conference clergy and lay delegates elected Rev. Elder
Cecilia Eggleston as MCC’s next Moderator. Rev. Eggleston is the first Moderator to reside in
the UK.

● MCC is the largest international organization for public education about


homosexuality and Christianity.
● MCC congregations have an aggregate annual operating budget in excess of $20
million USD.
● MCC Headquarters has an annual operating budget of approximately $1 million USD.
● More than fifty percent of MCC clergy are women.
● MCC has 172 Affiliated Churches, 46 Emerging Ministries, 7 Oasis Communities in
33 countries worldwide.
● MCC has members in every state in the United States and congregations in 42 states
and the District of Columbia.
● The largest MCC churches are MCC Toronto (Toronto, Canada), Resurrection MCC
(Houston, TX), and Sunshine Cathedral MCC (Fort Lauderdale, FL), each with a membership
exceeding 300.
● MCC holds observer status in the World Council of Churches, is a full member of the
Danish National Council of Churches, participates in the programs of the National Council of
Churches (U.S.A.), and has full membership in the California, Colorado, and North Carolina
Council of Churches
280

Moderator Bios:
Rev. Elder Cecilia Eggleston (2019 – present) has been involved in MCC for 30 years,
starting as a young LGBT activist who helped to plant a local church. She has served as
European District Coordinator and as Regional Elder, working with our churches in Western
Europe and Africa. She is one of the few MCC leaders who has served at a denominational
level with both Rev. Perry and Dr. Wilson as Moderators, learning from them both about what
it means to lead a global movement and international denomination.

Whilst undeniably [British] English, Rev. Elder Eggleston speaks some French and German.
After serving for nine years as Pastor at Northern Lights MCC, in the UK, she spent a year
travelling and fulfilling her wish list, including volunteering for three months in Swaziland,
Southern Africa. She was so inspired by her experience there that she looked for opportunities
to continue this justice work. She previously worked for an international development charity,
Send A Cow, which trains and equips farmers in Eastern Africa to overcome poverty.
Rev. Elder Eggleston is an engaging preacher and public speaker, as well as an author. She
returned to further her studies at Durham University, which has one of the leading theological
departments in the UK. She gained a distinction for her dissertation: “Gay Men and
Disenfranchised Grief.”

Rev. Elder Rachelle Brown (2016 – 2019) was ordained with MCC in 2007, and holds a
Master of Divinity degree from Eden Theological Seminary, St. Louis, Missouri, and Master
of Communications degree from Missouri State University. Rachelle is a currently pursuing a
Ph.D. in Theology, Ethics, and Human Sciences at Chicago Theological Seminary. She has
served as an Intentional Interim Minister, North Central U.S. MCC Network Leader, and
MCC Emerging Church Specialist.

Rev. Brown published a chapter called “Beyond the Open Table” in the anthology Queering
Christianity edited by Robert E. Shore-Goss, Thomas Bohache, Patrick S. Cheng and Mona F.
West. (ABC-CLIO, 2013)

Rev. Dr. Nancy Wilson (2005 – 2016) was the first elected Moderator, and was one of the first
women to lead an international Christian denomination. In 2010, U.S. President Barack
Obama appointed Dr. Wilson to the President’s Advisory Council on Faith-Based and
Neighborhood Partnerships. For President Obama’s second inauguration, Dr. Wilson was the
first openly LGBTQ person to read scripture at a presidential interfaith service. She had
previously been among the first delegation of gay and lesbian people to meet with a sitting
president, President Jimmy Carter. Her honors include receiving the first “Lazarus Award”
from the Witherspoon Society of the Presbyterian Church (USA), preaching the Earl Lectures
at Pacific School of Religion (2002), and being named among 50 powerful religious women
leaders by Huffington Post.

Dr. Wilson’s published works include: I Love to Tell the Story: 100+ Stories of Justice,
Inclusion and Hope (Books to Believe In, 2016), Outing the Bible: Queer Folks, God, Jesus,
and the Christian Scriptures (Life Journey Press, 2013), Outing the Church: 40 Years in the
Queer Christian Movement (Life Journey Press, 2013), Our Tribe: Queer Folks, God, Jesus
and the Bible (Alamo Press)(1995) and Amazing Grace, with Fr. Malcolm Boyd. Her prayers
and poems are included in Race and Prayer edited by Malcolm Boyd and Chester Talton
(Morehouse Press, 1991).
281

Rev. Elder Troy D. Perry, MCC Founder and the first moderator of MCC, is an internationally
recognized human rights activist and has received honors from many human rights
organizations, including honorary doctorates from Episcopal Divinity School, Samaritan
College and Sierra University along with awards from the American Civil Liberties Union,
the Human Rights Campaign, the Lazarus Project, and the Gay and Lesbian Press
Association.

His published works include: The Lord Is My Shepherd and Knows I’m Gay (1973), Don’t Be
Afraid Anymore (1990), and Ten Spiritual Truths for Successful Living for Gays and Lesbians
(and Everyone Else) (2003), and Profiles in Gay and Lesbian Courage (written with Thomas
L. Swicegood, 1992).

Rev. Perry the first American citizen to receive Cuba’s Cenesex Award in 2017. Rev. Perry
was honored for his long history of working for human rights, and rights of the LGBTQ+
community worldwide.

Revised August 2019


283

ANEXO D – Roteiro primeiro culto MCC


285

ANEXO E – Textos litúrgicos Culto Queer

Texto início

A mesa do bar é um espaço propício para discussões. É em meio às cervejas e aos


petiscos que, muitas vezes, temas de grande relevância são debatidos, como se o
ambiente informal inspirasse as pessoas a abordar assuntos profundos, que vão
além dos tradicionais política, futebol e relacionamento. Muitas vezes, as acaloradas
conversas chegam a questões essenciais e existenciais.

Uma linha de livros que vem sendo publicada no Brasil explora essa transposição de
assuntos complexos e muitas vezes de difícil compreensão, tais quais religião e
filosofia, para uma linguagem acessível a um grande número de pessoas, como se o
texto soasse igual uma conversa entre amigos. Um dos exemplos mais recentes é
"Budismo na Mesa do Bar", de Lodro Rinzler, professor da Shambhala budista. O
autor tentou, por meio de uma linguagem simples e bem-humorada, conciliar os
conceitos de disciplina e entrega espiritual da religião com assuntos triviais para a
maior parte das pessoas, como cerveja e problemas nos relacionamentos amorosos.

A ideia central é que os princípios budistas estejam alinhados com o cotidiano dos
leitores. "[O livro] é destinado a pessoas que trabalham, fazem sexo, saem com os
amigos. Se você faz essas coisas, você achará esse livro útil", diz o autor. Essa
transposição muitas vezes gera desafios. "A parte mais desafiadora em escrever o
livro foi assegurar que o cristianismo poderia ser acessível aos leitores, mas não
abordada de maneira superficial. Eu quero que isso seja compreensível e aplicável
na vida das pessoas, mas não nego que seja complicado. É uma prática difícil de
seguir, mas rende muitos resultados se você focar nela", afirma Rinzler, que ainda
completa: "É importante que as pessoas não vejam as religiões apenas como um
hobby, mas como ensinamentos que podem ser aplicados em todos os aspectos da
vida, como as saídas às sextas-feiras à noite."
286

ROTEIRO PARA MENSAGEM CELEBRAÇÃO QUEER – 22-05-2016

 Ideal que convide as pessoas presente a participar, explanando seu ponto de


vista.

Deus?! Sempre me perguntei qual era minha visão de Deus, e não estou dizendo
apenas de forma física digo em um conjunto, contexto completo.
Uma teóloga feminista, MARCELLA ALTHAUS-REID, disse: “É um Deus que não
está terminado. Temos Deus saindo do armário ao dizer ”não posso ser Deus, tenho
outra identidade, preciso ser homem”.
E refletindo sobre esta frase compreendi que quando Deus saiu do armário, não foi
apenas para se doar a humanidade. Ele tinha uma necessidade de se revelar, de ser
frágil, de sentir, de experimentar, dentre tantas outras coisas. Quando sai do armário
para vivenciar as questões humanas, paga um alto preço por isso, talvez paguemos
um alto preço também por nós permitir a experimentar este Deus que este presente
no chão da vida e não em uma esfera divina, espiritual e intocável.
O que estamos fazendo aqui é uma nova forma de experimentar e vivenciar Deus,
de nós relacionarmos com a divindade. Essas metáforas do Deus perfeito, da
sabedoria suprema, do terminado vêm de uma maneira de pensar pré-moderna.
O Deus Queer é um Deus inacabado, que está em processo de descoberta, um
Deus ambíguo, de múltiplas identidades, que nunca terminamos de conhecer
porque, quando o abarcamos, escapa, há mais, por exemplo:

NESTE MOMENTO LANÇAR A PERGUNTA PARA AS PESSOAS, “QUAL SUA


VISÃO DE DEUS, COMO ELE É PARA VOCÊ. ”

Eu por exemplo não quero um Deus do centro hegemônico, um rei que vem te visitar
na favela, te dá a mão e diz: ”Eu sou Deus, tenho um reino e sou tão bom que venho
te visitar. Mas, agora, dá licença que tenho de voltar ao Reino dos Céus”, pra mim
Deus é aquele que abriu o armário e se diverte com seus amigos, dizendo: ”Agora
sou Marlene Dietrich”, que senta com seus familiares e relembram coisas da
infância. E o Deus que se multiplica, como se multiplicou com a fala de vocês.
E essas percepções que temos, que vivenciamos de Deus, passa pelo nosso corpo,
pois é ele que manifesta as emoções e os prazeres. Pensemos, o divino-humano
nasceu como bebê gritando no meio de fezes, de vacas e pulgas, coberto de sangue
287

de parto, cuja mãe/menina, na sua incerteza, recebeu-o nos braços e a partir deste
acontecimento declara a salvação para todos. Esta é a origem da encarnação na
sua radicalidade. Do Deus encarnado, do divino/humano que se mergulhou na carne
e que todas as ideias vinculadas a este princípio estão sempre sujeitas a alterações.

Althaus-Reid afirma: “a vida nunca poderá ser normal para aqueles que abraçam a
carne como divina, aqueles que são amantes de Deus através da carne com toda a
sua diversidade. ”

A fluidez da liberdade proporcionar uma aproximação maior ou até mesmo completa


do ser humano com ele mesmo. A liberdade de viver a plenitude de seu ser, sem se
render a imposições ou ditadura normativas da heterossexualidade, e o Deus
discursado em nossas vidas, sempre foi um Deus hetero normativo, de classe social
média alta e de traços finos, um europeu.
A desconstrução desta imagem, traz esperança e mostra um Deus próximo a todos e
todas, um Deus que realmente se apresenta no amor, e este Deus de amor é fluído,
não tem gênero, não tem uma raça específica, ele está presente na materialização
do amor. Permitir a fluidez de Deus é aceitar e ter a alegria de estar com Deus em
diversos meios e culturas e experimentar a plenitude de um Deus de Amor, amor
este que transformar o ser humano.

Texto Ceia

A vida, os encontros, as celebrações, a vida... a vida em comunidade gera


comunhão, hoje estamos aqui, no nosso local destinado a nossa comunidade ICM,
mas além deste lugar, quando nos encontramos em vários outros lugares, como em
bares por exemplo, geramos comunhão. E geralmente em vários destes encontros
partilhamos. A partilha enriquece a verdadeira experiência de doação e do servir.
Servir é gesto de doação de si mesmo ao outro. Servir é amar e amar é se colocar a
serviço do outro.
Diante disto, surge uma pergunta: Onde está a força de quem sabe servir numa
verdadeira experiência de comunhão? Certamente não há outro lugar que não seja
na Eucaristia. Na Eucaristia, aprendemos a lição do Altar, no dom da partilha.
Quando celebramos a Eucaristia, nossos corações se unem e nos fazem filhos
288

amados de Deus e irmãos na fé. Deste modo, nossa vida é configurada a Cristo de
tal forma que a Eucaristia nos leva a compreender que nada tem sentido nossa
partilha se não fazemos uma profunda experiência de Deus em nossa vida, que nos
leve à plena comunhão com os irmãos.
“O sacrifício Eucarístico está particularmente orientado para a união íntima dos fiéis
com Cristo através da comunhão”115. O próprio Cristo é sinal de partilha, pois Seu
desejo é que cada um de nós façamos parte do “verdadeiro banquete, onde Ele
mesmo se oferece como alimento”116.
A experiência de comunhão nos faz Igreja. A Igreja vive da Eucaristia, por isso a sua
vitalidade provém de Jesus, que com seu corpo dado em sacrifício, se oferece aos
irmãos como alimento salutar que anima, nutre e ilumina na fé.
É foi neste intuito que celebramos a comunhão hoje, e ela foi marcada por um
grande momento de graça, momento este gerado desde o momento em que se
dispuseram a dizer sim ao pedido que fizemos e muito além disso, vocês partilharam
as vossas vidas, neste nosso encontro, ofertando muito além dos alimentos,
ofertaram e partilharam com os irmão, e assim comungamos e celebramos a Cristo
em vários momentos de nossas vidas, em lugares que muitas vezes nem os
consideramos, porque assim nos foi ensinado, mas a comnhão, acontece de várias
e diferentes formas. Obrigado a cada um e cada uma por partilharem e celebrarem a
vida de Cristo conosco. Amém.
E quando Jesus quis deixar-nos um sinal capaz de expressar toda a sua vida de
doação radical por nós, usou exatamente a refeição: comeu e bebeu pronunciando a
bênção e dando graças a Deus, bênção e eucaristia (Marcos 14,22-25 e paralelos;
1Coríntios 11,23-25).
Por tudo isso, convém a nós, cristãos, tomar as refeições como uma profecia do
banquete no Reino de Deus, participar delas com alegria e simplicidade de coração,
louvando a Deus, partilhando o nosso alimento.

115
Ecclesia Eucharistia, João Paulo II, n.16.
116
Idem.
289

Oração final - MÃE NOSSA DOS QUE ESTÃO A MARGENS

Mãe protetora que se encontra em todos os lugares: Na rua, nos guetos, nos bares,
na favela, na sarjeta, no abrigo de papelão, na pista...

Que seu meigo olhar se debruce sobre os desempregados, marginalizados, sem


teto, oprimidos, rejeitados, excluídos...

Santificado seja o teu sangue, a tua luta, a tua vida…


Venha a nós o teu colo, macio e sereno, doce e suave

Que suas cantigas embalem a sensibilidade do teu amor sem fronteiras, assim como
a tua misericórdia que é tão incompreendida
Que o mundo possa experimentar e aceitar a tua presença hoje,
amanhã, em toda hora e lugar!

Porque és mãe que protege, que não recrimina, que acolhe em teus fartos seios os
pobres, os pequenos, os homossexuais, os desvalidos, os esquecidos, as travestis,
os violentados, os transgêneros e as transgêneras, os excluídos…

Santa Ruah que habita


Em cada um e cada uma de nós, e percorre o chão da vida
O pão nem sempre chega em todas as mesas, mas teu amor sim.
Dá-nos continuamente o pão da igualdade, da esperança,
Da compaixão, da luta, da fé, a nós e a todos os que têm fome dele.

Perdoa-nos… Mas, de que mesmo?


De muitas coisas que fizemos quando não deveríamos fazer
ou que não fizemos quando deveríamos ter feito.
Perdoa-nos por não termos ajudado, por não termos partilhado,
por não termos praticado a justiça, por não termos aberto a nossa mão,
o nosso coração e os nossos braços para acolher, para perdoar,
para servir tal como teu Filho fez e ensinou.

Perdoa-nos assim como nós perdoamos.


Mas, nós perdoamos a quem mesmo?
Somos capazes de perdoar de verdade?
Perdoa principalmente, ó Santa Ruah, a nossa indiferença
diante da dor e do sofrimento dos outros.

Não nos deixes cair nas tentações da hipocrisia, do preconceito,


da incoerência, da falta de fé, de esperança e de solidariedade.
Livra nossos irmãos e irmãs de andarem sem eira nem beira,
de serem mortos em série e estupidamente.

Livra-nos dos nossos fracassos como cristãos e cristãs,


como militantes, como homens e mulheres que buscam a nova terra
e o novo céu, aonde não haverá nenhuma pessoa escrava.
290

Mãe de bondade e generosidade, dai-nos sabedoria para que continuemos


acreditando na beleza, na simplicidade, no amor que abre os braços a todos e todas,
na paz sobre a terra.
E que possamos levar e compartilhar esta verdade,
para que se erga uma nova humanidade
aonde se construirá um novo céu e uma nova terra,
Repletos do teu amor e da tua justiça.
Amém.
291

ANEXO F – Figuras

Casa Troy Perry – primeiro culto das Igrejas da Comunidade Metropolitana

Fonte: Valério, 2011.

Revista Life – casamento igualitário

Fonte: Birkitt, 2013.

Igreja Mãe - Los Angeles

Fonte: Perry, 2007.


292

Culto na Rua – após incêndio da Igreja Mãe

Fonte: Perry, 2007.

Reverendo Bill Larson – incêndio Upstairs Lounge

Fonte: Firma, 2016.

Troy Perry (ao centro) - jejum público

Fonte: Perry, 2016.


293

Primeira participação da ICM BH na Parada do Orgulho LGBT

Fonte: Cypriano, 2016.

Convite Culto Queer – 18/06/2017

Fonte: ICM BH, 2017.

Altar ICM BH – Culto Queer

Fonte: Foto da autora, 2016.


294

Altar ICM – Culto Queer

Fonte: Foto da autora, 2016.

III Marcha contra a LGBTfobia – palco Praça Sete

Fonte: Foto da autora, 2016.


295

ANEXO G - Emails Trocados


296
297
298

ANEXO H – foto Troy Perry na Conferência Geral das Igrejas da Comunidade


Metropolitana (Orlando, 2019)

Fonte: MCC, 2017.

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