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CHRISTIAN DUNKER HELOISA H. A. RAMIREZ TATIANA C. ASSADI (Orgs. ) A Construcao de Casos Clinicos em Psicanalise Método Clinico e Formalizacao Discursiva 2 edigao revista e ampliada Feo ce Scanned with CamScanner Copyright 2023 © by ORGANZADORES os direitos desta edigio reservados & Zagodoni Edi hora are desta obra poder ser reproduzida ou nl for © meio, sem a permissSo prévia da Zagodoni. ror ‘Adriano Zago aNcRAGAOECA Marcelo Fernandes ‘ews Marta D. Claudino ‘Dados lteraconais de Catlgagio na Publica (CIP) os ‘ncwstagi de cass close psicanilise: metodo clinicoe feemalizoindscursva/Organizag Chesian Dunker, Helosa ‘hago Rami Tatiana de Carvallo Assadi. -[2ed. revista e mp, Sio Palo: Zagodoni, 023. ‘boecin julana Farias Mota CRB7/S880 SUMARIO 1 ‘Construgao e Formalizagao de Casos Clinic08....-- Christian Dunker I Clovis Eduardo Zanetti 2. Supervisio como Construgao de Caso Clinico Delia Maria C. De Césaris Priscila N. David 3 Retorno a um Caso Clinic0 ernnnnnnnnn ‘Maria Leticia de Olivera Reis / Daniele Rosa Sanches 4 AFalha, oGestoeo Heloisa Helena Aragioe Ra realho Assadi 5 A Inversio da Demanda em um Caso de Anorexia: Do Corpo legivel ao Trago de Esperanca Jaqueline Pinto Cardoso | Raftel Eduardo Franco 6 De Sepultura a Slipknot: Do Corte do Ritmo & Melodia da Anilise sen se - Tatiana Carvalho Assadi /Helosa Helena Aragdoe Rani 7 Dez Mutheres ¢ um C280 se - DileeRiciardi Coppedé Clarice Pimentel Paulon Entrada em Anilise .. Scanned with CamScanner A cow ‘Mau a0 Poeta, do Ator ao Autor: Noticias de pate 1, Apesar de um Diagnéstico Psiqustrco. Henrique Seri / Natalie Mes e Imagem em um Caso wera Reis 11 A Garrafa de Klein como Método para Formal ‘de Cas0s Clinicos em Psican: Christian Dunker 13 Casos Clinicos na Historia da Psicandlise Brasileira ... Christian Durer (J. Guillermo Milén-Ramos Sobre os Autores: sense I3T ac OF INTRODUGAO. Christian Dunker Heloisa de Aragio e Ramirez Tatiana Assadi lise € uma experiéncia que se transmite por muitos Ela passa do analista ao analisante em sua longa jornada Ela se reconstréi a cada vez, por meio da escuta em super- to, ele constitui uma versio particular do método de investigacao e pode aspirar, finalmente, a exprimir achados e evidéncias em uma parece como caso no sentido de que ele ¢ algo 1 seja, um evento, um encontro, um obsticulo que cai a parte, como, por exemplo, na etimologia da palavra sintoma (sin = jungao, thoma = parte), sintoma sao as partes que caem junto, que caem ao mesmo tempo. Lacan acrescentou a esta série a hipétese de que a psicanalise seja também pensada como uma ética e como um discurso, Portan- to, teremos novas exigéncias de transmissio que decorrem da passa- ‘gem de meios éticos e condigdes discursivas. A ética da psicandlise 7 Scanned with CamScanner Gilman, 5. King, H. Porter, R; Rousseau, G.$ Showalter, E. (199) Hysteria Beyond Freud. Berkeley: University of California Press. Lacan, J. (1964) El Seminario ~ Libro 11 La cuatro concepts fundamentals det Buenos Aires: Pais, 1986. Psigiaria del Uruguay, 48, py 20 13 —— CASOS CLINICOS NA HISTORIA DA PSICANALISE BRASILEIRA Christian Dunker J. Guillermo Mildn-Ramos Introducao ppercurso de assimilacao e autonomizacio da psicandlise no pais. Esse processo comega entre 1909 e 149, com aimportagio das sobre a brasilidade. Quando examinamos as casos clnicos pela ané- lise psicanalitica de discursos (Dunker, Paulon, Milan-Ramos, 2017) ‘emergem expressivos tragos de classe, raca, género e etnia. Entre 1984 a funcdo do caso clinico muda no contexto da institu- izacdo da psicanilise. Isso acontece durante uma nova onda \cional, marcada pela modernizagio, desenvolvimento e ur- io, mas também pela ditadura militar a partir de 1964. Casos clinicos passam a integrar os dispositivos de formagao dos psicana- listas, conferindo-lhes prova de pertinénciaefliagso, decorrente do dominio de um universo vocabular e conceitual. Nesses ens08 orol do autor parece ser o de demonstrar que o sofrimento brasileiro tem se ajustado ao diagnéstico europeu, em lugar de demandar 0 reco- nhecimento de categorias autéctones. {J no final da ditadura militar em 1984 e durante os anos de redemocratizagio do pais, até o ano 2000, percebe-se uma nova mu m Scanned with CamScanner criticas provenientes do desconstruti cestudes feministas. No que se refere aos ca! de plificagdo estética das dos tratamentos. A psicandlise lutou contra sua prépria imagem de instituigdoelitista, 8 medida que as pessoas de classe média trabalhadora foram ganhando acesso a tratamentos ¢ formacao. da demanda de tratamento; desenvolvimento dos acontecimentos, terapéuticos crucias;finalizando com uma apresentacio do proble- ‘ma com a conceitografia disponivel de todas as variedades e tipos dé q compreendida como. “forma literria” descrita por Lukécs (2009). A | R casulitica € um proceso de accinio que proc resolver problemas mois e* forma nao é pobre nem rica, na medida em que descreve somente uma recorréncia uma iteragio de estas de exci ra e interpretacao da cultura, quanto pela das condigies de ao tratamento. Nao era apenas mas também de uma atitude ater- itica, Houve um aumento na atividade seminacio da informagao. A expansao, particularmente do lacanis- mo, sua capilarizago na universidade e nas insttuicdes de satide, trouxe consigo uma hipertrofia conceitual, bem como a valorizagio do relato da experiéncia pessoal da andlise, conhecida como “pas- se”. caso clinico, como método de ensino, essencialmente ligado a supervisio, funcionou como uma partitha coletiva da ética da cura, cou como justificativa racional para fazer terapia. Ganhou novas fun- Bes na formacao do psicanalista, como parte do autorizar-se por si mesmo no campo lacaniano. Esse novo contexto cultural e moral, desenhado pelo neolibe- ralismo, demanda maior reconhecimento social. As velhas formas ppersonolégicas de autoridade foram substituidas pela diversidade teérica e a indeterminacdo conceitual; em vez do certficado institu- cional, 0 estilo de um autor; em vez da longa formacio com atenta ‘espacos mais progressstas, abertos to Sedes Sapientae, em So Paulo, a ieanalitica Iracy Doyle, no Rio de Janeiro, ¢ 0 Circulo Psi- ‘analitico, em Pernambuco, em desenvolvimento desde a década de 1970, também mostravam uma enorme disparidade entre o grande nimero de candidatos e as poucas figuras notaveis ou fundadoras. Lacan propée o canceto de “ransmissio" da psiandse para conrastar com 3430 ‘reuciana de formacso (Bung). foca da ransmisso & oreceptr ocandidsto, asin perfelgdes da fala. Scanned with CamScanner Isso evolucionou em um esquema der, com suas sistematicas e peri Adistribuiglo do po entre zonas de in- y inio das “Epocas de iredo, 2003), aumentaram as oportunidades de for- © 0 surgimento de analistas feitos-is-pressas, que “se autorizam por si mesmos” como empreendedores. Ao tomar pablico aquilo que éessencialmente uma experiéncia privada, exige-se ento que i a transparéncia politica e de de adquirir uma dimensio nais. Retoma aqui a fungio. dos conceitos no do debate mais amplo sobre a le, em que 0 caso ‘emerge como um discurso enderecado cada vez mais a especi surge 0 modelo do conto ou poema breves. O fragmento torna-se a forma preferencial para 0 caso clinico, nao mais 0 romance. Retorna © discurso de pertinéncia estética e a forma-padrao do caso clini- co, mas agora para criticar ou esclarecer 0 caréter enigmético dos conceitos lacanianos, preservando e derrogando suas aspiracdes de Hibridizagéo discursiva A publicacio, em 1919, do artigo de jornal “Do Delirio em Ge- Genserico Aragio apresenta a primeira tese incluindo cinco casos clinicos. © prim caso de uma vitiva espanhola de 30 anos que apresenta sintomas como “respitagio entrecortada’, sensacao de calor e vacuo na cabe. ‘6a. Foi determinado que ela estava em um “leve estado alucinatéria” ‘com sono agitado e sonhos numerosos e afitivos. Ela relatou que se levantava durante a noite em uma inquietacio constante e que apre- sentava “dores de toda sorte” no corpo, anorexia e amnésia, além de ataques histéricos. Isolamo-nos diversas vezes com a doente em uma sala silenciosa € captando pouco a pouco sua confianga e sua simpatia, conseguimos 2 sua histéria minuciosa de vida e da causa de set mal. A historia da sua vida e a histéria de seus males eram as pai- xées. Primeiro pelo marido que faleceu ito anos depois do casa- reo, espanhol como ela, até que alguém se en- espirito de nossa paciente que nio havia da parte 0 trés frases solenes e terrioeis” (p. 99) e depois de dois dias ele caiu doente com uma pneumonia. Ela ficou muito abalada com a noticia, “passou algumas horas deitada sem poder falar e sem poder chorar” antes que Ihe eclodissem os ataques hi i Esses ataques pertenciam a uma linhagem de sintomas que no se devia confundir com os sintomas provenientes da neurose de an- giistia concomitante. A Vitiva Espanhola sofria, assim, da mesma eurose mista que Freud diagnosticara na maior parte dos casos de seus Estudos sobre Histeria, Havia entre os noivos certo grau de inti- midade que permitia que eles passeassem de automével até recan- tos mais afastados e desertos da cidade, onde eles praticavam “atos frust s, segundo Freud” (p. 99). As crises eram, portanto, combi- aco de ataques histéricos com ataques de anguistia marcados pela escrupulosidade: Eu tenho a impressio [dizia a doente] de que este mundo acabou para ‘mim. Nao tenho mais drcito a destrutar o que a terra produz; 0 calor Scanned with CamScanner beber, ¢ entendia que tudo aquilo pecado”. A neurose atual prepara. ( segundo caso trata-se de uma vitiva portuguesa de 32 anos, costureira. Sofria com dores articulares, musculares e 655¢as, crises, respiratérias, “um grande peso no coragio” ¢ incoordenacao gastrica e motora completavam o quadro. Desde crianca sofria maus-tratos e couvia “oozes que the filezam por dentro”. Depois que o marido, a quem no amava, mas era fiele dedicada, veio a morrer, ela se refugiou na casa de uma familia amiga e viveu anos de pobreza. Sentia dores de ‘estmago ligadas a fome e & lembranga da fome. Surge-Ihe 0 pen- samento de que “Se por acaso eu, algum dia, nao puder comer quando tiver fom, as minhas dores de eabeca serio tio grandes que eu, por certo enlouguecee’” (p.102). A histeria se desencadeou quando as pessoas da casa ndo “tiveram a delicadeza” de a convidarem para 0 almogo; ela esperou um vendedor de frutas que poderia passar e Ihe dar de comer, mas ele nao passou. Veio a fome, veio a dor de cabega, veio finalmente a histeria para a qual nao encontrava remédio. Mas, depois de algum tempo ouvindo os sintomas, 0 médico escuta outra narrativa. Ela amava fortemente um homem casado ‘com quem tinha encontros sexuais frequentes e intensos. Quando cla percebeu que ele pretendia espacar os encontros surgiu a falta de ar, a pressao no peito e a ansia. Em um més ela mostrou grande rmelhora e deixou o h que depois receberia seu nome, seu tempo, representado por Nina Rodrigues. A medicina teve uma forte presenga no processo de modemnizagao brasileiro, principal- mente na psiquiatria ena epidemiologia, que refletiam as mudancas ne cexplorou o desencadeamento de uma histeria em uma mulher de- pois de ela ter viajado a Europa. Ela fez uma cirurgia ginecol devia evitar 0 coniabio sexual. Em decorréncia de sua abs matido encontra uma amante, 0 que faz com que a paciente apresse sua volta ao Brasil. No entanto, a amante toma o navio seguinte aparece, andando de automével pelas ruas do Rio de Janeiro, com 0 marido da paciente (0 caso niimero quatro nos remete a uma mulher francesa que cera infeliz.com o desempenho sexual de seu marido. Seu sofrimento, de tipo melancélico e com sintomas anoréxicos ede insénia, comeca quando ela tem 28 anos. Ela diz que “de uns tempos pra ci ndo encon- trava mais nenhum prazer sexual com o marido” (Aragao, 1914, p.111), uma vez que este, ocupado com o trabalho, descuidara dos assuntos amorosos. Em uma conversa, “com muita habildade para no melindré- -l0", o médico expée a situacdo a0 marido, que recobre a "prtica nor- mal e muito regular do coito”(p.107).O caso encontra a cura completa A paciente “livre de todas as suas torturas morais, sem insénia, muito mais gorda e bem disposta, esti completamente curada, em sum” (p.107). (© quinto e tiltimo caso descrito na tese de Genserico Aragio 0 de um brasileiro de 24 anos que sofria com polugies noturnas, completamente enfraquecido, com prisio de ventre e dispepsia. O diagnéstico era neurastenia, causada por excesso de estudo e mas- turbacao entre os 17.€ 18 anos. O efeito era muita vergonha e grande hesitago em tudo o que fazia. (Otratamento deste caso, apesar de um pouco longe, io nos fi, con- tudo, dificil. Mostramos ao doente' me perigo do onanism; aconselhar ‘© obrigamos a prtica normal da des inconvenientes eo enor: com carinho e bondade; nis lidade.(p 109) 108 olhos como dos quatro casos s6 um é realmente de -0. Com as mudangas que trouxe a modemizagio antes lo repressao de europeus (Fran- lemanha e Inglaterra) também da influéncia colonial portuguesa. Nesse contexto de intemacionalizagio e “bran- a Scanned with CamScanner A Constaucio oF Casos CLIMICOs em PSICANALISE queio” do pais, o outrora trabalho escravo comegou a ser substituf. do por novas ondas de alianos, espanhdis, alemies ¢ japoneses). ‘O crescimento da internacionalizacao néo 58 aponta a0 aumen. to dos fluxos mi aptos para a psicandl fundamenta ressoe fortemente com a pedagogia médica da coercio, 1a pratica isso significa benevoléncia, paciéncia, cuidado e escuta, ‘Mesmo que ainda nao existisse psicanalistas no Brasil, a psicanslise se antecipava como abordagem genérica de trato dos pacientes. Todos esses casos compreende apresentados de acordo com uma est 10 a identificaga de usar um termo médico ou lai dagem e compreensio mais ferencas de classe social: a identificagdo daqueles que podem viajar para outros paises € contrastada com aqueles que sofrem fome; vé- manece como a circunstancia mais ‘em relagdo &s praticas masturbatérias ou a abstinéncia, Esses casos apresentam uma mudanga iva que se distan- cia das formas magicas, religiosas e animistas, as quais eram preva- lentes em discusses sobre saiide mental naquele momento, € um movimento de valoracdo de format ‘osofrimento. Mesmo quando a cul 159, sobreposta e subjacente 1 € guardiao de boas pri cago de classe social, das classes altas; até mesmo a mulher faminta vem de uma familia antes abastada. Além disso, a identificacéo de vinculos europeus © ‘as viagens & Europa também sugerem firmemente uma classe espe- ne NssA01 (oncs.) A tese de Genserico Aragio, junto com os requerimentos do rsidade, informa que o au ro do nordeste) e é um “Filho Pinto e Amalia de Aragio Pinto”. Hi re o tema moral das origens, o exercicio de lidade lembrada como um universo de fan cimento proveniente da infancia. Mas o cari desse discurso é que indica a capacidade dos' como 0s europeus. As consideracies de Genserico Aragio podem ser comparadas com a forma na qual a escola antropolégica de Nina Rodrigues elen- cava sintomas para descrever a paranoia do homem negro: Paranoia religiosa em um mulato claro seguigo. Hein eétcns. Alucinaies Delirio de grande per tvs, impulses erbais com quarenta¢ cinco anos. Antece- legenerescéncia sperament luxe Nao ha nada de especificamente “negro” na paranoia desse pa- ciente a nao ser 0 fato de que o caso se desenrola no tempo da abo- vve-se a énfase na pertinéncia de raca e depois nas priticas sexuais, terminando coma circun bido o crtério de compat 219 Scanned with CamScanner Nesse primeiro periodo, os casos clinicos ajustavam 0 sofri- mento brasileiro, adaptando-o ao perfil europeu, mas com foco 3 individuais, examinando a anormalidade do paciente,¢ dhualzagie ere, origens falas eri ou raga captam a alego- ria da diferenca que representam, Descritivismo normative Em 1927, Durval Marcondes, junto com Franco dé creve a Freud, comunicando a fundagio da Sociedade Picandlise, a primera da América Latina. No mesmo em Amsterdi, tomas a Paulo. Durval Marcondes ‘sua aluna e psicanalista, ira cadeira de psiquiatria na Universidade de So Paulo laram panfletos que diziam: “se voct & neurético e quer » procure a Dra. Virginia Bicudo. Fale com a Dra. Virginia Bicuda” (Bicudo, 1944) Bicudo tinha se formado em Londres com Melanie Klein, Bion Winnicott, retornando ao Brasil em 1962, onde f autoridade em psicanélise. A autoridade do eler mitiu um certo nivel de protecio contra o preconceito das origens que afetava Bieudo, que promoveu o processo de reconhecimento Milton Zaidan foi aluno de Virginia Bicudo e Durval Marcon- des, com participagao ativa em um dos primeiros institutos ndo mm ) oficais de formacio de psicanalistas no Brasil, o Sees Sept por semana dos do tratamento. No pri 1m excessivamente 3 je mim e temores per- nn sin tite nine dualidade, entrou em acting ou, com No segundo periodo, 0 analista relata seus préprios sentimen- tos de inveja e sua raiva por nao ser compreendido pelo paciente ‘em suas interpretagdes. O diario de sua vida cotidiana. As palavras do paciente, “ditas sem afeto” causavam um desagrado cont referido a tragos do discurso moral e a uma reco- nhecida competicdo entre analista e analisante, mas demonstra uma er} Scanned with CamScanner ‘como devia para a tacito do confito é justamente essa norma contrariada, ainda que nao perfeitamente reconhecida por ambos. © discurso & repleto de conceitos pcan «0 de projegio, sendo adotados pelos cada vez mais importantes de pica, soma deriva pita tese, objetificagao e dados, 0 caso important no se semi tropical” brasileira. Essa visio € corroborada pela mostra o psicanalista Pern um paciente, que em outros aspectos pals no apogeu da ditadura militar. © endurecimento do rela das relagies de reconheciment wergem para a ideia de que se- 28 ria muito importante “falar a mesma lingua’, resultando em que as ambiguidades ¢ as indeterminacies de sentido sio criteriosamente Psicandlise e uni- icologia no periodo seus cursos priticos im momento de aspi- ragdo conjunta com 0 projeto educativo e civilizatério brasileiro a psicanalise gradualmente criou sua propria entidade separada. Na ‘medida em que ela avanga em seu nalizagio, ela se afasta do espago Trintae trés anos depois, no mesmo Jornal de Psicanilise, encon- traremos um formato um tanto te na construgao de casos cli- Jogo dos Afetos; quando Rapunzel néo joga suas trangas” de Gina Levin- zon, publicado em 1999, Esse relato esté estruturado de um modo tiza por uma abertura declarativa sobre um tema e suas tedricas, neste caso, 0 afeto. Depois disso encontramos 0 residuo do tuniversitério-cientifico que anuncia um problema \¢30 do nascimento de um irmao. Depois dessa montagem inicial da situagdo, encontramos ao menos duas séries {que se repetem no tratamento: a adversidade silenciosa e os aban- donos pregressos. Entre elas situam-se as intervengbes da analista: perguntar, silenciar, compartilhar, sugerit, interpretar. Scanned with CamScanner ‘A paciente, de cerca de 40 anos de idade, deita-se no diva em siléncio por longos periodos enquanto desfia algum fiapo de roupa: “Nunca comecare a falar espontaneamente” ¢ isso ser assim “para sem- primeiro momento se ; depois, porque sabia que esperava “ser manda- qual um procedimento seme- do analista de que ela “ndo estava que a analista “nio da embora como na a thante terminou com a dec aptaafezerandlise”. Aui, uma segurando ao leitor que 0 dizer, sugerindo que se ele tivesse sido lacaniano tal procedimento compreensi sentia que sua paciente tomava “emprestada a sua vita- Ela simplesmente esperava sua iniciativa para poder ‘enquanto isso mexia os pés como “tum cachorrinho abanan- ‘Uma mexe o pé, a outra cede e faz. uma pergunta. Quem imeiro perde. Quando investia no relato contratransferencial, vida, durante o tempo em anilise, la responde com meses de ‘mutismo. Silencio por silencio levava a0 choro e ao desespero. Depois de apresentado 0 cenario, delimitadas as séries que 0 ‘compée, delineada a estrutura da repetigio, temos a apresentacéo do evento transformador. Anos se passam assim indicando melhora, mas em intensa repetigao na tr ‘que a analista faz um lance ousado. Declara que a ai io, que ela no tem jeto-e que tinha conseguido provar isso para a analista, que se declara derrotada propondo interromper 0 trabalho analitico. A analista se perturba e percebe ter chegado a uma situa- da personalidade (Steiner), medo do colapso (Winnicott), complexo dda mie morta (Green) e vicio na quase morte (Betty Joseph). Nessas sucessivas redescrigées conceituais 0 impasse do caso vai ganhando densidade, até se formular como contradigio ou paradoxo: (..) sea mie estd perdida para osueito, morta, pelo menos esti pre- sente desta mancira, "presente mora”. No entanto se a mie se cura, 8 acorda, se anima ¢ vi na para cuidar de is ela 0 abando- outros bts ¢ desvitalidade, transferéncia e nou possivel. A escrita do caso é parte da transferéncia que vendo 0 proceso de separacio da analista, homélogo assagem da experiéncia do espago oral e privado da para Ihe dar unidade e conectar 0 caso ‘como um passaporte, que autoriza sua migracdo para outros uni- versos de fala: Rapunzel chora desesperad. Se The pega tangs diz que no tem weontade de jogi-las.O desesporo de Rapunzel me toa. Tenosubie na torre de outras maneiras, mas Rapurvel joga pros. (pl A abertura literéria contrabalanceia 0 esforco tradutivo da ex- perigncia aos conceitos e dos conceitos para a experiéncia. Agora rata mais apenas de comprovar 0 dominio da lingua psica- rnem do acesso & multiplicidade de autores escolas, mas de trazer incerteza, diavida e os afetos discordantes da analista como recurso de generalizagio da experiéncia para outros casos. Ha muitas variantes deste formato, algumas com maior ou me- pode conferir ao conjunto um aspecto bado. Podem existir mais de duas série que vimos neste caso, exemplificadas pel © do perpétuo abandono virtual na transferéncia. O evento trans- formativo pode ser descrito por meio de um ato, acontecimento ou a Scanned with CamScanner 50 decisiva, mas também por meio de uma estratégia, re- , que orienta as intervengSes. transformacies. As vezes se tras da reversio local de um sintoma ¢ até mesmo a ultrapassagem de uma repetigdo. Pequenos avangos podem gerar grandes relatos, snas do lado ‘ou indiretamente, o problema do modo de pertencimento ou filiagio para com as excolas psicanaliticas. O modo de distribuiglo, ou 0 es- pectro de citagdes e referéncias funciona como geografia do espago institucional do autor e do momento de sua formagéo, jo candnico de construgao de casos clit © elemento constante ¢ qui fem outros lugares (Dunker pelo diagnéstico, pela semiologia, pela etiol da ordem, secundarizada, em relagao a dimensio terapéutica. Além disso, as dimensées terapéutica e clinica parecem ambas se coloca- rem de modo subalterno as experiéncias éticas ou estéticas de cura, A histéria psicodinémi de organizagao dos casos cli seu ajuste conceitual.O diz toma independent e as vezes te a0 diagnéstico psiquidtri- co. A localizacio, descrigdo e semiologia dos sintomas se torna me- atribuido a coexisténcia cada vez mais complexa e potencialmente conilitiva entre diferentes geracSes de psicanalistas. E também 0 pe- riodo em que a importincia da historia da psicandlise comega a ser percebida e em que a endogamia discursiva comega a ser percebida como um problema. A volta a forma de romance, com m «e maior personalizagao do relato, sugere também uma piente daqueles que “simplesmente reproduzem ideias e priticas fora de lugar sem uma adequada apropriacio cultu pprocesso também esti vinculado a disseminagio nilise: isso pode ser interpretado como uma pratica bordinadas as experiéncias éticas ou estéticas de cura, Ainversao lacaniana ‘A partir dos anos 1980, mas com uma forca maior depois de iano se espalha pelo Brasil, surgindo em maneira de apresentar a mitico o trabalho de sete paginas publicado por Rita Vogelaar na revista Livro Zero, da Escola dos Foruns do Campo Lacaniano, em Vogelaar comega com uma passagem enigmatica do texto de 1975 de Jacques Lacan, Conferéncia em Genebra, no qual ele se per- gunta pelo estatuto do gozo no psicossomitico, associando-o com ‘a metéfora do congelamento e com a fixagao na ordem do niimero. ‘Temos aqui a primeira inversio caracteristica da construgao de ca- 50s clinicos no universo lacaniano: 0s casos so trazides para escla- recer as indeterminagées conceituais ou textuais promovidas pela teoria, e no 0 contrario, ou seja, 0s conceitos sio testados & medida Para aclarar a pergunta sobre 0 gozo psicossomitico, a autora mobiliza dois casos marcados pela tomada das maos. No primeiro as mos doem ai (e seu furo)ea Depois disso voltamos para a clinica. A dor nas méos aparecia nos ‘momentos: “(..) que estava angustiada, ou nos quais ndo sabia o que 2 Scanned with CamScanner ‘A analista retém a presenga desse olhar associada com a mao, mas nesse momento isso parece irrelevante para a paciente. Meses prio nome. Novamente encontramos 0 tem: lizacio da mae, 0 que é f pelo anagrama de “Oma', ou seja, "m-i-o". Mas pat imento, precisamos corromper a dimensao significa saber para a analista e uma reversio do sintoma para a analisan- te, Pode ser interpretado como uma especie de regra de acio, de diregio do tratamento, de cura, rumo 2 criagéo de um buraco de contextos e objetos com a mesma surgimento de um significante me ‘como forma de separi-lo do significante do saber (52), esté apresentando alguns avangos no desaparecem as descrigées detalhadas da dindmica e os impasses de transferéncia. Neste ponte, © primeiro caso é comparado com o segundo, ai tes, mas com resultados ia nao estava na série sim no nimero e na frequet na mao do paciente. A mao jo teve equivalente no segundo caso. AAs citagdes de dois comentadores (Soler e Valas) mantém uma relagio alusiva com o caso, no qual se sugere que haveria uma di- a0 ‘conceitos funciona como ponto de encerramento do texto. Encontramos um novo regime de autoridade textual, no qual ‘0s enigmas previstos pelos diferentes momentos da obra de Lacan acabam substituindo o antigo tema do desenvolvimento do caso. A i luida, em primeira pessoa, Juindo didlogos, mas esta au- istica da invengao de termos, como “po(a)tizagao” (por alusio ‘20 objeto a) em vez de “poetizacio”. Por out ‘0 fracasso da si- metrizagao entre conceito e significante aparecera deslocado para 0 tema da irreprodutibilidade do sentido dos sintomas: ambos ligados pela equivaléncia, mas com etiologia e terapéuticas diversas. A aspi- racio de ciéncia permanece indiciada pelos esquemas borromeanos e pela escrita dos matemas, mas esté ausente 0 peso normativo e 0 esforgo pela comprovacao da pericia e retidao no uso clinico dos conceitos. O texto inteiro esta dominado pela discussao diagnéstica Conclusdo As quatro tendéncias iniciais da casuistica psicanalitica, em seu contexto de a , perderam progressiva- mente sua forga ao longo do tempo. As preocupacées indisfarcaveis ‘em tomo de classe social, identidade de género, e questdes acerca das praticas sexuais, descritas por Genserico Aragao, em combina- ‘s20 com 0 agrupamento de formas de sofrimento indiferenciadas, aga ou etna, na escola de Nina Rodrigues, bem como inal representada por Febrénio Indio do Brasil, io abandonadas como protétipos formativos da ca- ido esse esquecimento das questies brasileiras secundario da intemacionalizacéo e das circunstancias 1m a consolidagio de vocabulirios e diagnésticos de so- specificos e importados. Na década de 1960, a persisténcia a Scanned with CamScanner literatura na construgio de cé parece ter reativado a tensio ent tempo em que deflacionou o cont tido, as décadas de 1960 ¢ 1990 0 periodo de regime militar no inci e de ‘mocratizagdo do pais em meio a0 tornando-s elegiveis como pont esse processo, mas por oraentende-se que as décadas de 1980 ¢ 1950 estdo associadas & difusio do lacanismo no pais, como um proces- ‘0 nacionalista,atual e em curso, da ditadui dos efeitos da “tendéncia andrquica autodi brasileiro” (Nogueira do Vale, 2003, p. 234) Muitos outros autores, como André Green, Jacques André, Rou: lon, Kaése Joyce McDougall, 0s uais se deve acrescentaro| Antonino Ferro, pat tomando-o menos “vertical” no que diz respeito & ferso € menos vertical, voltou-se novamente loo padrao de baixa penetracio de ideias e lise relacional. suistica adquiri forga normativa crescente, no contexto da fixacio 2 descritiva da psicanélise, notadamente entre 08 anos 1950 ¢ 1984 forte desejo de legitimacio institucional interesses e ocupar o Estado, nna separagio entre 0s interesses pi 0 era apenas demonstrar autoridade e dominio linico, mas também mostrar que era possivel compreender ¢ reco- nhecer processos de individualizagio e formas de sofrimento psi- quico considerados anélogos aos da Europa. Assim, aescrita de caso tornou-se prova fundamental da filiagdo discursiva & psicandlise € condigdo de acesso ao pleno exercicio da profissi. Entre 1984 e 2010, a construcio de casos clinicos adquiriu um contetido cada vez mais critico, com a intrusio progressiva de con- ceitos que a transformam em uma espécie de ilustracio ou variagao aqui 0 uso alegérico do caso clinico, que agrupa metéforas e discursos para criar uma nova unidade, que pode ser perce 3r meio do uso ilustrativo do caso, quando considerado em termos de conceitos; 0 uso autoral do caso clinico, quando serve para a autorizacio, reconhecimento e legitimagao do psicanalista. O lacanismo no Brasil inverte esses usos, substituindo 15 No Baa pode cer que sé excepcionalmenetveros um stem administatvo . um corpo de funconivios puramente dedicades a interesesobjetves ebaseades nesses interesss. Ao contrto, ¢posivelacompantar, 20 fongo de nosa hist, © 'redominioconstante de vontades prvadas que encontram eu pepo ambiente em ‘alsmo" fe Holanda, 1927p. 121) Scanned with CamScanner rtamente a psicandlise da IPA, ha uma especie de mi \dido na recepgio brasileira de La- can, Enquanto Lacan atacava a psicologia do self, representada por psicanalistas nova-iorquinos como Lowenstein {mpessoal da medicina saram a ser parte da essa autoridade parece ter de cada psicanalista, con: Referéncias Aragio,G. (1914). Da psicoandlise: A sexualidade nas nevroses. Pap Modelo (4). Becerra, D. (2018) Lac pre histridores. Curitiba: Apps. Bicudo,V.L. (19%). }é fui chamada de charlata (Testemunho Claudio Jodo “Tognoll).FolhadeS Pawo, Si Paulo, Cademo Mais, p. 6,5 de jun. de, p-6. Braga, A. P.M (2016, Plas trilhas de Virginia Bicudo:psicanlise e relagdes raciais em Séo Paulo, Lacuna: Uma Revist de Pica, 2,1 Cariho, H. (1930), Laudo do exame médico-psicolégico procedido no acus do Febronio I. do B. 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Professor, Supervisor Clinico da Graduacio em Psicologia - UniFil. Mestre em Filosofia e Metodologia das Ciéncias a Scanned with CamScanner

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