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wn oe cupo 2 aT hy, He CM alas wd oestrone a ego ta Meese met Tey ee edn iets 40 Poder do “‘sujeito”, poder do “objeto” Relato de uma experiéncia de pesquisa em um ‘assentamento de trabalhadores rurais Elisete Schwade As reflexdes que contém este fox visam questionamen tos acerea de alguns aspectos relaivos a pesquisa em andamento, ‘em um assentamento de trabsthadoresrurais. Tratate de tomar come dado dereflexto 0 “fazer anto- poligico”, localizando especificidades da relsgd0 pesquisa dorfpesquisado, através do resgate da construpio desta relay (0 objetivo, 6 dnfase nas complexasrelagdes de poder ue se estabelecem na pritica de pesquisa(l). Fo exercivio do ‘poder me parece possivel de serlocalizado nas diferentes situag- ‘8 que envolvem aujito/objeto, No contexto social mais emplo, ‘encontratios as diferentes posigBes ocupadas por antropélogos © pesquisados, Na especificidade dasituagéo de pesquisaumeoutra rolagHo a0 estabelece, envolvendo a interaglo sujeito/objeto ‘onde, rssalvadas as paticuaridades,o exereicio de cada papel também esté mergulhado em confltos estabelecos na propria relagdo.E neses conitos que prmeiam toda trajetéria de pesqui= ‘59, que me parece possive localizaras dimensGes do poder. Enfo ‘come algo distante, exterior e elegado co contexto mais amplo ‘Mas como algo préximo, cotidiano e diluido [esse sentido, vou relatar aqui minha experiéncia de pesquisa, locslizando aspectos importantes da construgdo © do ‘encoatro com 0 “objet” ‘mun o€cueo 2 LRTI Construindo 0 objeto COsprimeirosestudos definidos como antopolSzicos ver~ de uma mancira geral, sobre povos distantes geografica- Trane 'da sociedade do perguisador. Entrotanto, esta distancia Fefletia especialmente fronterascultaras, simbolizando 0 ex6t- ‘ovo diferente. A antropologia nase e se consiroi desvendando Aliferengas. “hos pouces, oi se delineando uma sbordagem espesitice ‘que desvincula 0 exético do geogrtico. Concomitautemente, serifica so una grande diversificacto nas teméticas de pesquisa ‘pe diferengas continuam sendo desvendadas através do extudo de jovos que vivem « milas de distncia, ao mesmo tempo em qe Pat exersicio & realizado também no interior da sociedade em gue vive o pesgusedor. En uma e novia situaplo, nos estudos Spore camadas médias ov de povos indigenase sociedades cart- ponesas distantes, aparece # necessidade de consiruir a rolayio Pom o objeto, esabelovendo condigdes de aproximagto ¢ distan- Ciamento do pesguisador Estudos envolvendo grupos indigenss fém demonatrado que pesquisas com grupos distantes tambéin tenvolvem, desde o inicio, am contexto de dislogo com vérios fnterlocutores (poitcas indigenistas oficisis, grupos de apoto entre ouros. Veje Lagrou, nesta coletines. Estas questBes colocam a necessidade de refltir acerca ‘da construgo de nossa rlagio com o objeto de estudo antes do Contato na situaqdo de pesquisa de campo.No estudo que estou Gesonvolvendo-assignficagSos da atuagio da Ireja Progeessista ten um assentamento de trabalhadores rurais ~ (2), a interayio sujeitolbjeto tee implicagdes anteriores a0"encontroetnogrif- co" savam, (© contato constante com assessores do Movimento dos ‘Trabathadores Rurais Sem Terra (MST), do qual os residentes no ‘mau BE cro & sve assentamento participaram, impulsionou um didlogo com 0 que seria posteriomente a “linguagem natiya”, em muitos aspectos semelhante aos questionamentos que apareceram no decorer da pesquisa (sobre os quis falarei no prbximo tépico) Este didlogo envolveu oestabelesimento éecondigbes de aproximagdo com o objeto, airavés da constatagdo de minha postura pessoal frente a5 reinvindicagGes do grupo. Eu nfo me fencoatrava na condigao de partcipanteativa-“‘militante”- das corganizagSes envolvendo atores que seriam meus informantes. Deste modo, minha simagdo era distinta daquela vivenciada por Pontes (1987) no seu estudo acerca do movimento feminists, ou de Mac Rae (1990) sobre o movimento homossexual. Ambos 0s autores tinham implicagbes pessoais com o objeto. ‘Minha relagio com o objeto, entretanto, foi se constrin- do no decorrer dos encontrose ddlogos com assessores do MST oe atores nele envolvidos. Foi neste contexto que se coloceram 05 critéios de accitabilidade, A identifioagdo enquanto possivel “militate” se constitu, desde o inicio, como valor de recom~ pensa ‘Ao Indo desta situapHo, como outros pesquisadores que realizam estudos envolvendo grupos reivindicairios, pati do pressuposto de quo meu trabalho seria uma grande contribuigéo para.0 grupo, que dele poderia se utilizar de alguma forma para smelhorar suas condigdes de vida. Entrtanto, sos poucos fui percebendo as limitagdes do trabalho académico, o que causava tum sensapdo de frustraplo, © que desejo ressltar & que, na minha experigacia a relaglo com o objeto foi se construindo om situagSes anteriores 0 contato dirto, no trabalho de campo. E em wim contexto do conflitos, envolvendo sspoctos subjetvos. ‘Tratava-se do questionamento de minha postura pessoal frente ao objeto, Deum Indo, havi os interlocutores que simbo- DOO OWPO SETHE tizavam a vor nativa frente 2 qual sentia 0 questionainento em relagdo aor objetivos do trabalho que estava reaizando De outo, tu exigia do mim mesma a defingdo de limites entre o trabalho Seadémico © a postura pessoal que deveria assumir frente 0 sbjeta. Neste coniexto, fai aprendendo que a simpaia pelas reivindicasdes do grupo se colocava como condigio para tet toesso as informagdes, para conhecero cotdiano dos residentes no assentamento osu projeto de vida (0 que parece & que as relagdes de poder que se estabele- ‘cem na situayde depesquisasio mais sutis do que omeroexercicio da postua académica, que permite jutificar a importincia de nossosestudos. Para além dela, ocorreamistura antropblogo/pes- ‘quisador om 0 pesquisador/pessoa, ‘Ea impossbilidade de distinguilos sugere que o exerel= cio de poder se dé nas malas finas da subjtividede, onde atua dd forma imperceptivel ao lhar superficial, 0 que nfo diminu {ntensidadedo confit, A seguirfalodo “encontro com o objeto ressaltando as condigbes em que a pesquisa de campo foi reliza- fe tendo em visia a forma como a relagio sujeitlobjeto foi Gonsiruida Encontrando o objeto: a pesquisa de campo ‘A pesquisa de campo, no sentido eoncreto, 0 do contato com o out, é sem divida marca registrada da Antropologia. A ‘fetivagdo da proposta malinowskiana “viver como um native” permanece como meta. Assn 0 delineamento do “objeto” sed Sempre em Fangio de ritérios que permitam um estudo minucioso do grupo om questo,com longo tempo de permanéncia(3) Ainda tq Talando a lingua dos nativos efou fezendo parte do seu cotidian. RABUN BE one 8 SURETHDIE Isto pode ser observaio tanto no estudo de camadas médias urbanas que compartlham o mesmo espago simbslico © ‘googritico do pesquisador, quanto nas abordagens envolvendo ‘grupos marginslizados organizados em movimentos sociais, dos ‘quas o pesquisedor 6 patdério ou simpatizante, conhecendo sua linguagem e seus integrantes antes de tomélos objeto Para a realizagdo da pesquisa no assentamento de traba- adores rurss,inicialmente foi necesséio optar por um assenta- rmeato, no conjunto dos existentes no estado de Santa Catarina, Foi o interlocutor - assessor do MST com quem havia mantida ‘conto - que indicou o assentamento, apontando-o como o mais organizado, (0 assentamento onde realizo a pesquisa locaize-se no coxtremo oeste do Estado de Santa Catarina, Na rodovia que & ceaminho para © municipio de Marmelelro no Parané, a mais ou smenos 35 km da sede do municipio de Dionisio Cerqueira (SC), cencontra-se una placa anunciando: “Assentamento Conquistana Fronteira - 4 km. A placa coniém também a bandeira do MST, indicando que aquele é um espago conguistado, ‘A chegada a0 espazo do outro implicou em um reconhe- ‘cimeato do confronto ¢ das relyées de poder que se estabelece- iam. Logo foi possivel perceber que o didlogo nfo seria apenas ‘com os dados de pesquise, Para oda estrangeiro,oprimeiro pasto € a conquista da confianga, stravés do reconhecimento.Havia a recessidade de eles me identficarom. Isto se dew através de ‘questionamentos acerca das intengSes daquela viagem, das info 1map6es que queria, Penso que a aceitaeo no grupo, permitindo a permanéncia, foi decorrente da aproximagGo propiciada pela identificagio de pessoas denossas rolagdes comuns -minhas edo ‘grupo, Estas pessoas eram conhecidas ereconhocidas pelo grupo = ou pelo menos por slguns dos residentes ~ pelo engajamento politica, pela militincia, 4 mou o€ cro # CHIE interessante perceber como se deu a toca de"espelhi- nos", Poisse antiganente os anropélogos nada. campe levavarn ‘spethinhos outras especiaras para roca porinformas6es, agus ‘aconstatagio da sinpatia pelo projeto do grupo foi arecompensa ‘Os motes da trova também podem ser explicados pele pripria situago do grupo, que vivew uma histra de tensio 20 qongo da lua ela era, Qualguer estranbo doveria see identifies do Apés esta primeira ientficaglo, no devorer da permanéncia ‘em campo, foram aparecendo situagBes onde ficava explicita 8 xistencia de ertérios de aceitagfo ¢ simuliénea cobranga de recompense ‘Em primeiro lugarama situaglo especifica se colocou cin virtude da realizagdo da primeira etapa do trabalho de campo Junto com outro psquisador-homem. Assim que chegsmos nos realiram para explicitar os objtivos e tomas de nossas pesai- Fussbem como as reas as quis pertenciamos. 0 outro pesquisador etata “cooperagdo agricola”, projlo queestava sendo gestions ddo no assentamenio e que efa 0 assunto predileto, Tocava nos sxpectos ezonbmicos,constantemente resaltados pelos resien~ tes. -Euentretant fava prguntas sobre ahistoriapestoal dos residents, suas rlagies familiares, 8 condigdes em que se en~ ‘ontravain & época do ingresso no MST... Aas poucos fui perc tendo gue a isto eta atribuido um status seoundirio, dentro da proposta de vivéneia coletiva qu estava sendo exeritada¢ era agsunto constante (4), ora viver no espago do outro preciso accitar suas repras.Come se tatava de um espago onde seguir as regras era ‘ondigdo para permanecer, sempre kaviaalguém responsivel para definir a casa onde deveria fazer as refeiges, dormir ete. Aqwise olocava a controle pela creulagio no assentamento. Isto se dava simultareamente & mnifestaglo do desejo de que conhecesse © “6 mero OC cro & suBeIMOOE ‘conversasse com todos os residentes. Mesmo que possaitsinuar desconfianga, nfo se colocava como algo negativo.era ume forma de protegdodiante da invaso de seu espapo. Ainda assim, havia interdigo acertasstuages, Os"‘nativos” também decidem o que dovomos ouvir e observa ‘No decorrer da pesquist,o fat de mergulhar no cotdiano ‘e conviver com o grupo pareia ter propiciado uma identificago ‘com o scu projeto de vida. Havia ansiedade em conhecer todas as situapes: trabalho, lazer, as reunes, a convivéncia familiar. ‘Acostumar com a rotina do assentamento "No entanto, setratava apenas damascarade pesquisadora (0 “viver como um nativo” se diluiu na primeira pause, doum dia, com que si do assentamento. Fzou claro o contrast, percebi que © pesquisador era o “outro”,¢ mesino tentando viver come um nativo, nfo fara parte de suahistéria. Comparilhava da precarie- dade da infeeestrutura das cases, entre outasdifculdades vivie das pelo grupo, mas agucla era uma vivénca temporiia, Por um lado, iso se traduziuem um sentinento deculpa, por viver em outro meio, © colocava anecessidade de contrbuir para melhorar sua stuagfo, Por outro, 0 fato de concordar com todos os aspectas da proposta qu eles vivenciavam era fruto da situago de pesquisa, talvez 0 dilogo se estabelecesse de outea formacm outs citcunstincas It também eratransformado em culpa. interessante rssaltar outra paricularidade da suposta entice son © peje pollen do grupo, Ot reeries no assentamento possuem um discurso bastante homogénco com relagio & sua histri, sito atuale prspectivas, Nao foram raras as vores em que, fazendo determinadas perguntes, me indicavam pessoas"mais entendidas"no sssunto Lembo aqui as colocagées de Durham (988) acerca da pesquisa paticipante, A autora sugere que, em se tratando de pesquisadorespatidérios ou a TBA 0 DFO a SURETHDR jntegrantes de determinado grupo reivinisstirio ostudando ste aon grupo, haveria o perigo de soleyfodeinformantes. Acabei por ivestigar ambos os Iados, mas é importante ressalar ave 2 Tlept de informanteseconseqientementedeinformagées,pode se direcionada pelo proprio grupo, ‘Darante a pesquisa as relapBes com os residents foram se diferonsiando, Em certs ocasiSes as conversas giravam em tomo de assuntos cotidianes, como por exemplo, nas rodas de uate doce que se formavam nos domingos. Nestas situaydes s° {lava da privecidade, ea rodas eram de mancira goral formadas por mulheres. Era o momento de falar dos parontes que estavamn ‘istantes, mostrar fotografia, também fazer penguras sobre & sainha vida particular. Minha presenga pareciacaracterizarnestes momentos, uma situagdo de visita: era mais uma mulher. 14 {quando os homensparticipavan daconversa (ow st mulheresmais ngejaes na militia), 05 assunts eram diesionados para a8 Guests polities ea difcaldaes vivenciadas pelo grupo. Aant conversa era com o intelectual, com 0 pesquisador ou, na finguagem dele, com o “estagiério"(). “he caracerstcas do grupo estudado clucidam alguns spectos da selagdo que se esiabeleceu. No assentamento em que featizel pesqisy se procura viver de forma coltiva, Trta-se ‘de um projeto politico e a coletivizagto abrange ndo apenas o trabalho, mas todo 0 cotidian. ‘Assim, se colocava a vigilincia constant: dos outros ¢ ‘desi mesmo, Segundo os propriosassentados,“o individualism rndo combine com o coletivo” E preciso partihar tudo. Convie ‘Vendo no cotidiano do asentantentosentinecessidade de também Jatemalizar esta vigildncia. Aqui se colocava novamente una sensagio de controle ecobranga. Aos poucos fui entendendo que f vivensia da proposta do grupo implicava em uma histria gunn OC cM # SleNDIE conjunta dentro da qual se desenvolveu a luta pela tera, onde a roposta foi gestionada ‘A cada dia que passava, ficava mais claro que o pesqui- sador é oY outro", © que mesmo exercitando o viver como um nativo, no faz pate: é outro o seu projeo de vida. E 08 nativos| pereebem isto, Come coloca Zaluar , “o pesquisador, mesmo préximo ou intimo, ele é um interloculor que nfo faz parte do ‘grupo e, no limite, continua a ser ientiticado com © mundo dos culos, dos ricos, dos poderosos, dos brancos, mesmo que de formasutilematizadapela amizade consiuidanorelacionamento

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