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int il Titulo original: LES BOURGEOIS ET LA BOURGEOISIE EN FRANCE Copyright © Aubier-Montaigne, 1987 Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Ltda., So Paulo, 1988, para a presente edigao 14 edicéo brasileira: dezembro de 1992 Traducdo: Antonio de Padua Danesi Reviséo da tradugéo: Vanda Frias Pinto Reviséo tipogrdfica: ; Marcio della Rosa 4 Silvana Cobucci Leite Produgao grafica: Geraldo Alves § Composi¢do: Marcos de O. Martins Capa — Projeto: Alexandre Martins Fontes Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) : Daumard, Adeline (Os burgueses e a burguesia na Franga / Adeline Daumard ; [tradugdo Antonio de Padua Danesi]. — Sao Paulo : Martins Fontes, 1992. — (Colegio O homem e a historia) Bibliografia. ISBN 85-336-0129-8 1. Classe média - Franca 2. Classe média - Histéria - Século 19 3. Franga - Historia - Século 19 1. Titulo. II. Série. 92-3419 cDD-305.550944 indices para catélogo sistema 1. Burguesia francesa : Sociologia 305.550944 : 2. Franga : Classe média : Sociologia 305.550944 | | | | Todos os direitos para 0 Brasil reservados @ | LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA. Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 — Tel.: 239-3677 01325-000 — Sao Paulo — SP — Brasil Digitalizado com CamScanner INTRODUGAO Desde 0 comego do século XIX, numerosas publicagSes ¢, sobre certos pontos, uma iconografia abundante foram consagradas aos burgueses ¢ ao seu papel na sociedade fran- cesa. Paralelamente, uma reflexio sobre a burguesia levou a ensaios brilhantes ¢ a andlises mais rigorosas: uns sio o reflexo das circunstancias, outras repousam em observagdes miltiplas e sistematicas. Tanto na opiniio comum como para o pensamento erudito, a nogio de burguesia permane- ce incerta. No decorrer das ultimas décadas, todavia, a ques- tio foi retvomada pelos historiadores. Pesquisas sobre bur- guesias locais, ambientes particulares ou certos aspectos da | vida burguesa fornecem elementos solidos a partir dos quais afigurou-se possivel apresentar uma tentativa de sintese. Se 0 objeto de nosso estudo fosse exclusivamente erudito, te~ | ramos considerado apenas o periodo suficientemente anti- go para que os documentos de base que esclarecem a histo- ria dos burgueses pudessem ser consultados pelos historia- dores. Ao contrario, examinamos também a evolugio re cente, 0 que nio deixa de oferecer dificuldades metodolo- gicas © conceptuais, De fato, nosso objetive era duplo. Tri burgueses, ¢ um grupo social, a burguesia, que — embora tava-se, em primeiro lugar, de caracterizar homens, os Digitalizado com CamScanner 2 08 BURGUESES EA BURGUESIA NA manga se apresentem mal delimitados, mal definidos pre presentes na histéria do nosso pais. Querfamos one guida, procurar no passado recente ou um pouco male din fante uma chave para compreender o presente. Ine nus tem de original: foi com esse espirito, por exemplo ne Tocqueville empreendeu seu estudo sobre © Antigo Reve me e a Revolusio!. Mas € importante, pois a questao itn, damental de nosso tempo, para os franceses e outros ews, peus, é uma questio de identidade. Ao longo de uma inven tigasdo que pode seguir varios caminhos, a histéria ds bes, guesia pode servir de fio de Ariadne gravas a0 papel dees Yo que os burgueses desempenharam na evolugio da nena civilizagZo nos tltimos dois séculos. Falta precisar as ques tes que foram colocadas, as linhas gerais do método ati zado, e justficar 0 corte cronolégico. ~ esto sem. Em busca da buerguesia Salvo breves intervalos, e ainda assim de manera m to limitada, foram os burgueses que, na Franca, a partir de 1815, controlaram e dirigiram os principais setores da ai vidade nacional, com excegio do setor agricola, que por mi to tempo continuou sendo dominado pelas tradigdes cam- ponesas e influenciado localmente por notiveis de origem nobilidria. No século XIX, o caréter burgués da sociedade francesa opunha-a ao “espirito aristocrético... que invadia todas as classes” da sociedade inglesa com o qual Tocque- ville se espantava em 18332, ou 3s sobrevivéncias da socie- dade de ordens, ainda detectaveis na Prissia, por exemplo, na época de Bismarck. As duas guerras mundiais ¢ as déca- das que Ihes sucederam foram acompanhadas do questio- namento de muitas posigées sociais, mas, & parte a époce equivoca do Estado francés, episédio sem futuro, a Franga escapou aos totalitarismos, comunista ou fascista, asim ¢O- mo s formas mais acabadas de uma democracia do tipo tr inTRODUGAO 3 balhista, movida pela preocupagio de defender prioritéria, se nio exclusivamente, os interesses representandos pelos grandes sindicatos operirios. Quando, em 1936, as leiges Jevaram ao poder uma maioria que reivindicava uma ideo- Jogia marxista, com a Frente Popular — ¢ em 1981 coma unio da esquerda socialista e comunista —, reformas in- quietaram ou incomodaram burgueses grandes e pequenos, hibitos foram modifcados, homens foram afastados dos pos tos de responsabilidade, interesses particulares foram lesa- dos. Em compensasio, nfo houve nem espoliago nem ques- tionamento das hierarquias sociais e intelectuas. Paradoxalmente, essa Franca tio impregnada de burgue- sia é freqiientemente apresentada como um pais menos in- serido que outros na civilizagio burguesa. Ao longo de ge- rages, a énfase foi colocada na importincia do campesina- to na nagio: “Uma Franga camponesa? Essa afirmagio vi- vida durante grande parte do século XIX... revelase tenaz através de uma sensibilidade terrena e do mito de uma Franca profunda, conservadora dos valores tradicionais encarnados pelo campesinato."} Na realidade, a parte da produsio agri- cola no produto nacional tornara-se minoritéria no fim do séeulo XIX. Em conseqiéncia, a Franca entrou no cami- nho da industrializacio bastante tardiamente, por volta de 1840, e com muita lentidio. O capitalismo financeiro e in- dustrial ganhou impulso em seguida, mas, considerado mu- ma perspectiva mais longa, 0 crescimento econémico na Franca foi menos forte que nas outras grandes poténcias in- dustriais, apesar dos grandes éxitos e das fases de intenso desenvolvimento industrial. Efeito ou conseqiiéncia dessa situagio, durante bastante tempo muitos burgueses france- ses guardaram distancia em relagio aos negécios ¢ A empre- sa, e ainda hoje permanecem vestigios dessa atitude. Estu- dos comparados com a Inglaterra, a Alemanha e a Itdlia se ram necessérios para se apreciar a originalidade da Franga Digitalizado com CamScanner 4 (OS BURGUESES E BURGUESIA NA FRANCA nesse dominio. Pode-se ver ticéncias um simbolo de arcaismo: libertados dos entraves ligados as regras e aos usos da sociedade de ordens, os burgueses teriam retomade para si valores nobilidrios de outrora e, na medida dos meios ligados ao seu lugar na hierarquia social, teriam procurado adequar-se a0 molde do qual a aristocracia tradicional tira. va seu prestigio. Como, porém, conciliar essa interpreta. gio com o caréter “burgués” da civilizagio francesa do sé culo XIX, cujos tragos dominantes marcaram boa parte do século seguinte e que nao desapareceram totalmente hoje? ( estudo da burguesia francesa dos séculos XIX e XX implica, pois, que se considere algumas questdes simples, mas fundamentais. Em primeiro lugar, cabe examinar se a burguesia coloca no primeiro plano de suas preocupagées a acumulagio de bens capazes de proporcionar uma renda regular ou se prefere investir, empenhando-se em produ- zir, sem com isso negligenciar a possibilidade de obter uma justa remunerago de seus esforcos. Isso implica 0 estudo do espirito empresarial e, secundariamente, uma anilise da gestdo dos patriménios privados. E preciso interrogar-se so- bre o grau de penetragio das formas modernas do capitalis- mo na burguesia francesa e procurar os fatores que contri- buiram para a evolugio ou a frearam. Os burgueses tam- bém acumulam saber. Ora esse saber no passa de um lu- Xo, ora proporciona vantagens de posigio que nao deixam de lembrar 0 rendimento do capital, ora resulta na criagi0 de novas riquezas, tangiveis ou incorpdreas. As condigdes de aquisigio, a gestio, a utilizagio de diversas formas do capital intelectual e moral de que dispdem os burgueses sio pedras de toque que permitem verificar se a burguesia cons- titui um grupo estéril ou se é preciso colocé-la na categoria dos que criam bens, servigos e idéias. E dificil possuir sem se preocupar com a necessidade de proteger o que se adqui- "iu. Portanto, uma segunda questio se coloca, Apegados 20 mrropucio 5 que detém — haveres materiais ou bagagem intelectual —, os burgueses sio por esséncia conservadores, mais acorren- tados a0 presente que ligados 20 passado, ou, a0 contririo, apoiados em sua posigio social, sio os vetores da inovagio e do progresso? Trata-se, pois, de saber se a burguesia, cuja influéncia se afirmou com o triunfo do Terceiro Estado de- pois de 1789, tendeu a imobilizar-se, com o risco de apare- cer como uma nova casta de privilegiados, ou se permane- ceu fiel a tendéncias reformistas ou revolucionarias, lem- brando-se que reformas e revolusio tanto podem ser rex ciondrias como progressistas. Chega-se assim & verceira ine dagagio, relativa 20 lugar da burguesia no pais. A burgue- sia contemporinea é fruto das instituiges individualistas ¢ liberais que se instauraram no século XIX e que s6 par- cialmente foram questionadss desde entio? Seri ela a ema- nagio do capitalismo financeiro e industrial, ainda que os talentos e as aptidées tenham podido impor-se lado a lado com a propriedade e o capital? Uma burguesia supranacio- nal, baseada em redes de interesses econdmicos ou em pes- quisas cientificas comuns, constituiu-se progressivamente & maneira da aristocracia nobilidria de outrora, que se acha- va no mesmo nivel de seus pares estrangeiros gragas a uma cultura e a habitos de vida parecidos? Ao contriio, a es- séncia da burguesia francesa é — em sua vocasio para tra- duzir as aspiragées do pals, por um lado encontrando solu- ges concretas para atender &s necessidades da massa da po- pulagio, por outro fornecendo por sua propria existéncia tum ideal material e moral — suscetivel de congregar a co- munidade nacional? Em primeiro lugar — o simples fato de colocar estas questées o sublinha —, a burguesia na Franga aparece co- mo um “grupo fluid”. Ela evoluiu desde o comeso do sé- culo XIX e adaptou-se progressivamente 3s mudangas das instituigdes, As conseqiiéncias das mutagdes econdmicas, & Digitalizado com CamScanner 1a el os ANA FRANGA ora suportando-as, ora a ¢ sobretudo, porque evolugio so gragas a caracterlsticas de ional ou outro, é um grupo que jori a nio ser que se admita um pos- ndemonstrado ¢ indemonstrvel. E, ens, dos burgueses, que se deve partir para se, ecom quais objetivos? Uma breve exposigio metodolé ica se impde para explicar e justficar nossa investigacao. A biséria social comparativa e quantitativa HA muitas maneiras de se conceber a histéria social. Podese definila como a histéria dos homens que vivem em sociedade isso implica o estudo dos diversos componentes em que repousam a vida, o devir e 0 papel dos diferentes grupos que coexistem numa dada época e sociedade. Os tra- balhos recentes que examinam essas questdes pertencem a urls grandes tendéncias. Pode-se partir de um conjunto de fenémenos conside- rados determinantes (condigdes econdmicas, demografi, ins- es, valores intelectuais e morais dominantes, crengas religiosas ou convicsSes ideoldgicas, por exemplo) e pro- curar as conseqiiéncias que essas estruturas de base e sua evo- lusio tém sobre o estado da sociedade e suas transforma 8es nos diversos dominios da atividade humana. Ora se iples técnica destinada a facilitar 0 traba- historiadores se apdiam deliberadamente num ue pretende fornecer uma explicagio de con- junto da vida socal, partindo de um prinefpio simples, mes- INTRODUGAO 7 mo que os desenvolvimentos smplexos. Esse siste- ma de pensament incontestavel. Influen- ciado por razdes filoséficas ou levado por meras considera- ges praticas, 0 pesquisador dispe de um quadro em que se podem ordenar testemunhos heterogéneos, em que os re- sultados de longas séries de observagdes podem inserir-se facilmente gragas 4 coeréncia dos temas de pesquisa, todos deduzidos da hipdtese dnica ini Outros historiadores circunscrevem estreitamente 0 cam- po de sua pesquisa, atendo-se a um problema particular que procuram resolver a partir de “fontes seriais”, eventualmente esclarecidas por uma documentacio complementar que po- de ser bastante extensa. Esses trabalhos sio mui rsifi- cados e, por seu objeto, numerosos sio os que interessam diretamente & histria da burguesia. Citemos — dois exem- plos dentre muitos outros — a andlise das caracteristicas da alta sociedade francesa que Plessis pde desenvolver baseando- se no grupo particular constituido pelos dirigentes do Ban- co de Franga sob o Segundo Império, ou o estudo de certos aspectos das relagdes sociais que Agulhon pés em evidéncia a0 examinar o papel dos circulos na Franca burguesa. A con- tribuigdo desses trabalhos, suscetiveis de desembocar em ques- t6es de interesse geral, é quase sempre essencial, mas seu ob- jeto permanece limitado. pesquisador que repugna fechar-se num sistema prees- tabelecido pode adotar um terceiro caminho. Em vez de par- tir de um postulado que pr ‘um aspecto particular da evolusio histérica ele considera varias hipSteses sem dar, a priori, mais importncia a uma que 3s outras. Se quer pes- quisar 0s fundamentos da organizacio social e encontrar as fontes da civilizagio nas quais esta repousa, nao raro ele & levado a escolher um meio cujos contornos nio sio deter- minados de antemio e a dedicar-se aos diversos aspectos da vida em sociedade. Primeiro multiplicar as hipdteses de tra- Digitalizado com CamScanner no os gran- uma bur- nos. No ntes dos burgos, cujos interesses esto ligados 20s dos campos, mas que se imprey. naram cada vez mais de cultura urbana no decorrer do sé. culo XIX. Nio consagramos longas exposigdes ao estudo especifico das mulheres, das criancas, dos jovens ou ainds dos membros do clero: uns e outros serio considerados so- mente através do exame das familias e das atividades coleti- vas, Outras eliminagdes de carter sociolégico se imp3em, mas nem sempre é nitido 6 li guesia rural, p. entani , demos um. ite entre os grupos suscetf veis de ligar-se 4 burguesia ¢ os que lhe sio totalmente es. tranhos. Criados, serventes, operirios pertencem a0 mun- do popular. Mas 0 artesio instalado por conta prépria, que trabalha com suas mos como um operirio, pertence a0 mundo dos pequenos patrdes, especialmente quando em- Prega um ou varios assalariados. Do mesmo modo, o pe- queno comerciante que possui uma loja ou um estabeleci- mento comercial se distingue do mundo popular. Com o desenvolvimento da instrucio, os burgueses perderam os privilégios associados 20 dominio da leitura e da escrita. To- davia, tanto no século XIX como em nossos dias, os que se formaram no manejo dos instrumentos da cultura de seu tempo conservam uma vantagem. O que se coloca aqui é toda a questio do lugar ocupado pelos empregados e pelos técnicos na sociedade burguesa, No outro extremo da esca- Ja social, nem sempre é clara a distingio entre nobreza >» INTRODUT, 9 mp gion bres, podem aparecer seja como uma 1 b osas, tém uma ago decisiva so- tes sociais™, nota zentes por um lado, hom destacam de seu meio, serv etém como tais um papel te por outro, que se ow de exemplo or. Essas elites, nos dois sen- tidos do termo, merecem ser estudadas por si mesmas, do contrério seus representantes, perdidos na massa do geupo em cujo seio se impuseram, poderiam ser ignorados. As hipéteses de trabalho que orientaram nossa pesqui+ sa agrupam-se em torno de quatro grandes temas. Trata-se, em primeiro lugar, de estabelecer a hierarquia das condi- es no seio da burguesia e em relagio a0 conjunto da so- ciedade francesa, Essa hierarquia depende de fatores milti- plos, ligados entre si mas sem que uns sejam sempre a con- seqiiéncia direta dos outros: fortuna e renda, situagio pro- fissional, estilo de vida e nivel cultural, capacidades e “mé- rito”, familia e estatuto individual (sexo, idade e, eventual- mente, religiio ou origens geogrificss) pesam mais ou me- nos conforme as épocas, os meios, as religides, mas todos cles devem ser considerados. Apés esse estudo das estrutu- ras e de sua evolugio no tempo, se impde uma abordagem dindmica para se compreender formagio dos diversos gru- os que constituem a burguesia: andlise da formagio e das Digitalizado com CamScanner SES EA DURGUESIA NA FRANGA 10 Js patriménios privados;investigagio so- “jividuos, as etapas de sua carreira, 0 ve aeteristicas eo papel das relaes s exame das estratégis matrimoniais : “ioe igs de solidariedade e de clientela Isso deine eaxado da mobildade sociale visa avaliaro papel ran es praseas das evolugbes ents. Embora teor- da ep powe pensar que 0 peso ds Coss OW, 20 com aoe ds heranga tenham uma influgneia pri seen, € preiso, antes de mais nada, tentar determinar papel das opps individuais na condusfo da vida privy dee public dos burgueses. Tratas, aqui, de dscernir com- ee Enenos de conjunt. Entre exes, uns, observados de maneira mais ou menos regular conforme 0s meios, decor- rear deopgdes deliberada, qualquer que seja a press so- wer gece por exemplo, © pape atibuido A poupanga, a Fmportiacaligada ao batismo dos filhos ov, a0 contririo, cipcisdo desss préticas. Constatar que decisGes desse tipo se propagaram e se repetiram constitui elemento essencial puncoconhecimento de uma categoria social. Ao ado das Escolhas deliberadas, as reagGes coletivas, no momento em aque eclodem crises que podem ameacar a prépria existén- Gad nagio, apresentam um interesse particular: 0 histo- Fador encontra ala ocasifo de observar como os diversos tei sociisconcebem o exercicio de seus direitos ea ob- servago de sus devres, Desse modo, 0 estudo dos com- portamentos desembocafinalmente numa andise da alma coletiva, com vistas a discernir os valores que constituem os fundamentos da civlizagio burguesa. Oemprego sistemitico do mérodo comparativo permite assar das hipéteses de trabalho a sintese final. O questio- nario que cadencia as sucessivas etapas de pesquisa & aper- feigoado pela comparagio entre testemunhos de todas a5 for- mas eorgens, entre as stuagdes que caracterizam diferen- introDUGIO hn tes periodos,regidese meios 4 mecipouneaneaaseee claborasio dos res mite multiplicaros meios de sbordagememrerdccrensog ‘num quadro tinico de classificagio: assim, por exemple ga, rareconstiir a hieraravia ds oid urges, Fite var em conta hierarquias paralelas i vidades profsionst i origeg anna a fissionais, is origens familiares is vineulagden locais,religiosas, intelectuas,ideolbgicas, poiticas, ee, A comparagio é necessiria para que se possaconfromtares de: dos extrafos de fontesheterogeneas que nem sempreseson firmam entre si: documentos numerosos relativos a indivi duos ou familias, monografias isoladas ou masa de fontes qualitatvas. Abordase aqui a questio da medigdo, Hiris social quantitativa:a nosso ver, esta formula implicaa neces: sidade de operar redusdes cadaver que asfontes eprestem artal; esse £0 meio de evitar generalizarabusivamente casos particulares e de reintegrar observagSes parciais num con. junto, Mas recusamo-nos a levar em conta apenas o que res salta numa apresentacio estaistica integrada num quadro preestabelecido. O dominio da medigio se estende pouco a ppouco, f que incessantemente se imaginam novas maneias de colocaras questdes essenciis; mas restrngirsearacioci nar com base no que é mensurivel resultaria numa eslero- se. Pode-seavaliarcom cifras divesidade ea freqiéaca dos comportamentos; encontrar os valores que explcam as ati- tudes eas opyes pertence a0 dominio do qualtativo,emes mo ao exame de caso particular. Uma prudéncia metédica deve, pois, inspirara elaborasio das hipérses de trabalho, aobservagio, o empregode resultados parcias. Em compen- sagdo, uma vez especificados 0 campo da prospecsio eos li rites daquilo que parece demonstrado,impbese a audécia nas concludes finas. Estas decorrem em part de uma cons- trugio intelectual, o quelhesconfere um cardtr provisbrio, mas sio um caminho aberto para pesquisis posteriores Digitalizado com CamScanner 2 (08 BURGUESES E A BURGUESIA NA FRANCA [Alguns pontos particulares,indispensiveis para a com. preensio do nosso trabalho, devem ser brevemente evoca- dos. A hist quantitativa repousa na utilizagio dos mltiplos recenseamentos legados pelo passado e das nume- rosas monografias a partir das quais se pode reconstituir a histéria dos destinos individuais, dos patriménios, das fa. Podese considerar toda coletividade humana como uma comunidade orginica, onde cada qual tem um lugar defini. do em relagio a um inferior e em relacio a um superior, za familia, no trabalho, no seio de relagdes sociais apoiadas na nosio de clientela e de servigos reciprocos: essa visio cor- porativa da sociedade ressurgiu periodicamente, nos meios burgueses, durante os séculos XIX e XX. A concepsio in- idualista da organizagio social, oriunda da filosofia das Luzes, leva a considerar os grupos sociais e a sociedade em seu todo como um agregado de individuos: sio esses indi- viduos que constituem de maneira mais direta o abjeto das fontes seriais em que se encontram os burgueses. No se pode, enfim, negligenciar os efeitos de multido, de massa, dos quais a burguesia nao escapa mais que outros meios so. ciais, sob a influéncia da moda ou por ocasido de aconteci- jonais. No espfrito do método comparativo, tentamos multiplicar os critérios de referéncia e harmoni- zar os dados o méximo possivel. A condicio dos casais ¢ a fortuna total dos esposos foram levadas em considerasio, de preferéncia ao montante das herangas e a situagio indi- vidual dos defuntos; a reconstituigio das carreiras e das ge- nealogias sociais permite encontrar algumas das vinculagdes ‘mais tangiveis. No entanto, as fontes comandam. A maio- tia dos documentos relativos a individuos, considerados iso- Indamente ou a titulo de chefes de familia, mencionam an- tes de qualquer outea referéncia a profissio ou a qualidade inTRODUGHO B dos interessados. Era preciso, portanto, dar uma atengio par- ticular as referéncias socioprofissionais, mas algumas pre- caugées se impunham, Dada a importincia das informages que se podem tirar dos documentos ligados a abertura das, sucess6es, o significado de nossas amostras poderia ser fal- seado pela presenca de uma proporsio considerdvel de pes- s0as idosas que vivem de rendas: estas foram reclassificadas 1no meio profissional em que haviam mostrado o seu valor no tempo de sua maturidade, ressalvados certos corretivos — por ocasio do estudo da composigio das fortunas, por exemplo. Do mesmo modo, as esposas foram “repatriadas”” no ambiente do marido. Toda classificagio socioprofissio- nal suscita problemas delicados, que abordamos em outra parte. Especifiquemos somente que, para nds, ea é apenas, um instrumento de trabalho e nio prejulga as caracteristi- cas da hierarquia social de conjunto. Ao lado da mengio profissional, as fontes monogrificas ¢ os recenseamentos for- necem indicagées sobre a condigio material dos individuos.. Teoricamente, poderfamos perguntar se um estudo sobre a burguesia deve apoiar-se na andlise das rendas dos burgueses, ou ater-se apenas 20 exame dos patriménios. Na pritica, a questdo é secundiria. Antes do estabelecimento do impos- to geral de renda, nada permite avaliar a renda anual total de que os franceses podiam dispor. Assim, para todo o sé- culo XIX e parte do XX, o estudo das forvunas privadas deve ser privilegiado a expensas do dos recursos. Dificuldades particulares aparece quando se aborda a época mais recente. © acesso aos arquivos, matéria:prima do trabalho dos historiadores, é limitado pela lei de 3 de janeiro de 1979. Para estudos de indole cientifica, baseados ‘numa utilizagio anénima e estaistica da documentaio, al- gumas autorizages puderam ser dadas, mas quase sempre em beneficio de organismos de cardter oficial ou semi-ofici © historiador, especialmente o pesquisador isolado, tem di- Digitalizado com CamScanner SUPSIA NA FRANGA 14 OS BURGUESES FAB Jo de base. O docu- ira das nossas estudos de origem of mento nfor ase f © os conte para cé. Muitos trabalhos utilizaram essas noticias individuai esses diciondrios ou eventualmente pesquisas feitas por cor. respondéncia ou oralmente junto a “‘amostras” considera- das representativas. Todos os dados repousam nas respos- tas dos interessados. Alguns recusam-se a responder ou res- pondem a apenas uma parte do questionério. Outros for- necem informagées incompletas, por vezes ambiguas, em matéria de origens familiares, por exemplo. Nada ou quase nada é indicado a respeito dos recursos ou dos patriménios. Trata-se, neste caso, de fontes monogréficas que é preciso utilizar na falta de coisa melhor, mas que sio muito menos confidveis que os dossiés pessoais, os documentos notariais ou as declaracées de sucessio utilizaveis para o perfodo an- terior. A documentagéo mais ou menos elaborada publicada sob a responsabilidade ou com o assentimento dos poderes piblicos nem sempre responde as curiosidades do historia- dor da burguesia. A maior parte desses trabalhos tem por objetivo estabelecer as linhas gerais das estruturas ou da evo- lucdo da sociedade francesa, Por isso, as diversas camadas burguesas sio freqiientemente confundidas em conjuntos indiferenciados: asim, a estatistica oficial situou muito baixo © limite dos grupos superiores, considerando como “‘indus- triais” ou “grandes comerciantes”, desde 1951, os empre- sérios que empregam respectivamente pelo menos cinco ou trés assalariados; da mesma forma, a nogio de “executivo INTRODUGAO. superior” igem dos patri inguir uma pe- quena burguesia, camadas médias, uma burguesia tradicio- nal de empresa das altas esferas yovernamentais e diversas aristocracias ou categorias privilegiadas. Evoquemos, enfim, uma lacuna da documentagio. Nos anos mais recentes seria bom colocar em novos termos a questo dos casais em razio da evolugio dos costumes. Due ante um século ¢ meio, 0 casal conjugal, sob a autoridade do chefe de familia, péde ser considerado como a célula bi- sica da sociedade burguesa. Ocorreri o mesmo hoje? Refe- imo-nos menos & pritica do concubinato juvenil que is con- seqiiéncias do trabalho profissional das mulheres casadas: este assumiu uma extensio considerivel na burguesia no mo- mento em que o servigo doméstico se tornow um luxo re- servado a um pequeno niimero de pessoas que tém rendas muito elevadas. Isso mereceria uma reflexio particular. Ora, as mulheres casadas que exercem uma profissio esto mal representadas como tais na documentasio acessivel. As es tatisticas atinentes aos “casais” dizem respeito & atividade do chefe de familia. As noticias biogréficas concernem so- bretudo a homens e raramente se referem a profissio da es posa. As mulheres tém um novo papel na sociedade bur- guesa? Somente por alusbes é que pudemos evocar a ques tio; talvez a importincia das burguesas de hoje no futuro Digitalizado com CamScanner estado da documen- has gerais do plano que ‘io dos testemunhos contem: mos. Apis uma exposi oraineos s os para ec adotamos, em compensacio, um métod A cronologia ¢ as instituigées E dificil escolher entre duas percepgdes do desenrolar da histéria, a que se prende as tendéncias longas e duradou- ras € a que se concentra em circunstincias e acontecimen- tos marcantes. A cronologia do tempo longo, os ritmos do crescimento econdmico, as fases das mudangas técnicas que transformam a vida familial, profissional e coletiva, assim como as formas sucessivas da revolugio demogrifica,tive- ram uma influéncia sobre as estruturas e os comportamen- tos burgueses, independente dos grandes cortes da vida na- ional. Do mesmo modo, de bom grado se credita & época atual um "'medo de reprimir”, mas o prefeito Lépine jé via niisso um trago espectfico de seu tempo: “Essa pieguice, es- sa ‘humanitarice’, como dizia Musset, que nos faz. descul- par todas as fata, mesmo as mais evidentes, que faz a cons- ciéncia hesitar ante as punigdes mais necessarias — mais be- néficas, poder-seia dizer —, nio seri um pouco o mal do século2”’® Contemplar apenas uma cronologia longa seria, no entanto, uma simplificagZo abusiva. Para compreender (8 fundamentos da civilizagZo burguesa e interpretar correta- ITRODUGAO 7 porta levar em unstincias — sentaram como simples peri destino dos individuos, das fa dade francesa. Onde, € que critérios adotar? Tratamos como um todo 0 1815 e prolongado tigo Regime insti lidagio das conquistas da re ho da soci tes significativos X, iniciado em F convensio até 1914. O fim do An- com as “mas sas de granito” estabelecidas pelo Consulado. Mas ¢ a par- tir de 1815 que se constitui uma nova comunidade nacio- nal que, a0 longo de sucessivas geragbes, dew progressiva- mente a impressio de consumar-se nos dominios territor das repetidas crises que se sucederam em todos os dominios. Revolugées, mudangas dos regimes politicos, crises econd- micas, tensdes ideol6gicas ¢ sociais, crise nacional apés a der- rota de 1870 acarretaram muitos afrontamentos. Entretan- to, na historia da burguesia francesa, 0 periodo 1815-1914 apresenta uma unidade Allei e a regulamen- tagio deixavam o campo livre para as iniciativas individuais, especialmente em matéria econdmica, salvo algumas exce- ses. Por outro lado, as familias burguesas, mesmo as mais modestas, puderam assentar em bases s6lidas suas estraté- gias familias e patrimoniais grasas 3s possibilidades de pre- visio ligadas & estabilidade do franco-ouro do ano VIL 3 pri- meira grande guerra. No século XIX, com excesio de breves interhidios, a burguesia afirmou-se no seio de um sistema liberal. Mas 0 liberalismo francés de entio comporta virios aspectos. Aos poucos, 0s cidadios foram conquistando uma independén- Digitalizado com CamScanner 18 OS BURGUESES E A BURGUESIA NA FRANGA cia politica que era a garantia de sua independéncia social. Muito restrito a principio, osufrigio censitério ampliou-se em seguida a uma parte da média burguesia. A Revolugio de 1848 impés o sufrigio universal, o que inquietou mui- tos conservadores e liberais. Em sua essencia, contudo, o sistema nao deixa de relacionar-se com o principio censita- trio: reservar a plena cidadania aos franceses do sexo mascu- Iino, de mais de vinte ¢ um anos, é fazer uma discrimina- G40 entre os cidadios. As instituigées liberais repousavam, na verdade, em um principio geral: todos os franceses ti- ham deveres, e a plenitude dos direitos s6 era concedida a0s que fossem capazes de exercé-los. Esta é uma das razbes que explicam por que as atribuigées do Estado, em princi- pio reduzidas, se conservaram. Presente em toda parte gra- 625 2 uma administragio poderosa e centralizada, o Estado era também o protetor material dos cidadios. Ele assegura- va o respeito e a aplicagio das leis, assumia encargos de in- teresse geral, sendo por exemplo o fiador da comperéncia em dominios vitais como o ensino, o exercicio de profis- ses liberais, ete. O Estado liberal nio era um Estado a ser- vigo de uma classe; em compensasio, pode-se considerar 0 Estado liberal do século XIX como a emanagio de uma ci- vilizagio que deixava um amplo lugar a0 individualismo. A igualdade dos franceses perante a lei, estabelecida em prin- cipio pelo Cédigo Civil, na verdade s6 se realizou progres- sivamente, Assim é que o artigo 1.781, abolido somente em 1868, previa que, em caso de litigio sobre os saldrios, o pa- tro era “acreditado sob palavra”, enquanto o assalariado devia apresentar provas. Treilhard, um dos principais reda- tores do Cédigo, jusificara essa disposigdo alegando que, ‘ais instrufdo, patrio merece mais confianga, mas isso estabelecia uma discriminagdo flagrante entre patrdes e em- regados. O alcance da igualdade jurfdica era evidentemen- te reduzido pela manutencio das vantagens ligadas i fortu- INTRODUGAO 19 nna, as fungdes, a0 sexo, assim como as origens familiais e seogrificas. Entretanto, até mesmo o dominio da vida pri- vada estava submetido aos rigores dos textos e da jurispru- déncia. A liberdade de testar, por exemplo, era bem menor que na Inglaterra, A partir de 1791 (lei de Allarde), a liberdade de empre- sa era quase total, se bem que o Estado tenha conservado possibilidades de intervengio. As vezes se tratava de prote- ger 0s consumidores contra as fraudes, a populagdo contra 108 perigos de estabelecimentos insalubres ou incémodos, 0 publico contra especulagdes imprudentes e desonestas, es- pecialmente pelo viés do controle das sociedades andnimas, antes da liberdade concedida pela lei de 1867. Aos poucos, elaborow-se uma legislacio social destinada a limitar os abu- sos de que os trabalhadores podiam ser vitimas. Por fim, diferentemente do direito inglés, a legislagio sobre as falén- cias protegia a massa dos credores contra a avidez dos mais importantes, melhor situados para esgotar 0 ativo, e pro- ccurava limitar as possiblidades oferecidas 3 empresa para co- locar uma parte dos bens sociais a0 abrigo das justas cobi- gas de seus credores. As vezes o Estado intervinha para pro- teger o empresério: regulamentagio em matéria de marcas, ¢ de processos industriais, complacéncia em relagio aos or- ganismos patronais antes mesmo que as coalizies ¢ os sin- atos tivessem uma existéncia legal, legislacio aduaneira. Apesar das tendéncias livre-cambistas,influenciadas pela Es- cola de Manchester, e a despeito da liberalizagio do comér- cio exterior imposta em 1860 por Napoleio II, 0 liberalis- mo aduaneiro nunca foi total, mas é de notar que a volta a0 protecionismo foi geral na Europa no fim do século XIX, excegio feita & Inglaterra: tratava-se de limitar os riscos que a liberdade das trocas acarretava para as economias nacio- nai numa conjuntura que se tornava novamente dific Digitalizado com CamScanner eralismo bem temperado. As liberdades, 2 igualdade tal como a concebiamn entio ¢ o préprio individualismo repousavam em institu, cs e textos respeitados por grande parte da populacio, pe. los que eles aderiam, pelos que queriam nao destrutes, ‘mas reformélos e mesmo pelos que, mais ou menos hones, tamente, mas tio clandestinamente quanto posstvel, proc, ravam interpretéslos em proveito préprio, sein contudo se gabar dessa distorgio das regras. O liberalismo francés ba, seavase na nogio de direito, e esta era a sua grandeza, Em contrapartida, o sistema s6 funcionava plenamente em be. neficio dos cidadios que sabiam, que podiam controlar utilizar todas as possibilidades oferecidas pela regulamen. tasio, ¢ este era 0 seu ponto fraco. A partir da Primeira Guerra Mundial, um novo mun- do foie instalando pouco a pouco. A Franga conheceu bre. ves perfodos de euforia e prosperidade, interrompidos por fases mais freqiientes e mais longas de dificuldades e angs- tia. Como todos os franceses, em épocas diferentes segun- doa situagao de uns e outros, os burgueses tomaram cons- ciéncia de que sua posigio no os colocava a0 abrigo das incertezas do futuro e de que ela podia ter um carter pre- cirio, Confrontada com as solugées destinadas a fazer face 4s novas circunstincias, a opiniio burguesa se dividiu: as reages de um nacionalismo ora estreito, ora orgulhoso se opdem as ilusdes ligadas aos projetos de solidariedade ternacional. A verdade de uns de manter a originalidade da civilizagio francesa ¢ a influéncia da Franga no mundo, na escala de uma poténcia tornada média, contrasta com a sub- missio de outros 4 ideologia e as diretrizes dos novos im- Périos, Estados Unidos da América e Unio Soviética. Nem mesmo os burgueses que se situam entre os favorecidos do momento podem escapar totalmente a uma sensago de mal- estar € inquietagio. INTRODUGAO Al As incertezas sio agravadas pela evolugio das insttui- ses. Afora breves periodos durante os quais se cogitou de dar uma orientasio socialista ou socializante 20 pals, nem os principios da democracia liberal nem o capitalismo pri- vado, que reinvidicam o liberalsmo econdmico, fram glo bale sistematicamente rejetados. Numerosas medidas, po. rém, foram tomadas com a esperanga de encontrar em re. formas parcais solugées para as dificuldades pasageiras ou duradouras por que passavam a situasio econémica, a vida social e as concepgées morais. Acumuladas, essas medidas especificas minaram alguns dos fundamentos da sociedade burguesa do século XIX. A nova concepgio que se faz dos direitos do homem representa uma evolugio ainda mais ra. dical. A solidariedade coletiva assumiu uma extensio sem precedentes, quer para socorrer as vitimas de circunstincias ou de catéstrofes excepcionais, quer para ajudar as familias, € 0s individuos desarmados ante os acasos da existéncia ¢ ‘mesmo para paliar as conseqiiéncias do comportamento di- queles que no sabem nem querem assumir suas responsa- bilidades. Em seguida foram ouvidas as reivindicagdes de todos os agrupamentos organizados, de todas as minorias, com a conseqiiente criago de uma regulamentagio especial, em casos cada vez. mais numerosos, para aqueles que se va- lem de uma crenga ou de um estado particulares. O que es- td em jogo é o equilibrio entre as nogdes de direito e de dever, &a possibilidade de manter a coesio da nagio, de fa- zer face 20 desperdicio dos recursos coletivos, a despeito das exigncias individuais e das necessidades particulares. ‘Muitos fatores pesaram sobre o futuro da burguesia fran- cesa nos iltimos trés quartos de século, e podem-se consi- derar diversas etapas cronolégicas. Duas razdes determinan- tes nos levaram a operar um corte no momento da instala- io da V Repiblica. Em primeiro lugar, a maioria dos fran- cceses parece ter aderido ao regime que se estabeleceu pro- Digitalizado com CamScanner OS BURGUESES EA BURGUESIA 4 FRANCS 22 gressivamente no curso dos na pibico afigura-seestvel. Em seguida,o que ving, ma importante para o nosso propésito, 0 fanclonama das serenade: representa uma revolugio com rece sando a analise de um presidente do Club de THorloge, apre. Sentara V Repiblica como um “Estado baseade ne direito juke me arbitraredade”, sustemtar que “em face ag feuda- lismos, é preciso volar & ética republicana do sy to ind. Fidual edz autoridade do Estado, insepardvel de ideal gaul- lisca, da grandeza da Franca”. Mas, em eas esséncia, o sis. tema nao repousa essencialmente num espirito de submis sio ¢ de fidelidade incondicional? E neste sentido que se pide Hing Pretat 0 testemunho do presidente do Conselho Cone titucional, na época em que De Gaulle modeleg segundo De Teese & instituicdes da V Republica. O general De Gaulle descartou as objeges mais graves ¢ mae bem fandadas daquele a quem consultara: “Esse jurista rigoroso nio tirou neahuma conclusio, Se se ofereceu virias verns ara retirar-s, sempre encontrou razées — de Fstado para Bermanecer em seu posto e avalizar, ao menos por seu si. Rencio, as violagdes mais flagrantes da Constituigio e da lei. E que, entre essas violagdes e a manutensio do general no Poder, sua opeio estava feita desde o principio ¢ nunca va riou.”"? Este é apenas um exemplo entre muitos outros, {huis aneddticos. Ele sublinka a ruptura com as noses de direito e de dever e com a idéia de honra que predomina- == | _ Ses atuais, herdeiros de uma ética e de uma civilizagao fun- dadas no raciocinio e na critica individual, inserirse nine sistema que, reivindicando um novo liberalismo ou preco- nizando um socialismo mais ou menos radical, assumiu um carder plebiscitério e mondrquico? A burguesia veio a fe- SST LANDA LEER, INTRODUGAO 23 char se em posigdes extremamente egostas, cujo principal objetivo &a defesa de sua situagdo somal eda oo interes. Hes sints pode se considerar como portadora de uma filosofia de vida dotada de um valor yeral? Digitalizado com CamScanner Capitulo I OS TESTEMUNHOS DOS CONTEMPORANEOS Do comego do século XIX aos nossos dias, o burgués sempre esta presente, ainda que periodicamente a noo de burguesia tenda a esfumar-se. Onde, porém, encontrar os testemunhos da opiniao? Diciondrios e enciclopédias, romances, novelas, pecas de teatro, crénicas e publicagées de circunstancia, anedoti- cas ou polémicas, relatérios de administragées publicas ou privadas e obras eruditas de publicistas e fildsofos consti- tuem uma mina inesgotavel onde se encerram as imagens que se criaram, na Franga, sobre os burgueses e a burgue- sia. Os objetivos dessas publicagées variam ao infinito e os autores baseiam raciocinio ou simples alusio em sistemas de referéncia e ideologias, ora implicitos, ora claramente ex- postos. Mas, em graus diversos e salvo raras excegées, tais autores sio homens cultos, educados em modos de racioc!- nio andlogos. Destinada a outros leitores, a literatura po- pular padece do mesmo vicio original. E preciso, pois, en- contrar uma documentagio paralela e suplementar. To variada em suas formas e em seus objetivos, sera que a iconografia cobre um terreno mais amplo? Sem pre- Digitalizado com CamScanner , evocaremos al imagem dos bur- sou coletivos realizados por am em graus diversos, de acordo com os a mos gostos de seus clientes, a realidade das apa- réncias e a evocasio de um género de vida mais ou menos Mas talvez a deformagio seja ainda mais sensivel nos eios modestos, que desempenhavam assim o papel do so- tho: na Belle Epoque, por exemplo, muitos casais se fize- ram fotografar na frente de um aeroplano onde jamais ha- veriam de subir ou ao lado de acessérios evocativos de um faxo que sempre Ihes foi estranho. As cenas de género, tio ‘numerosas nas obras expostas nos Sales de pintura e, mais tarde, na fotografia de arte, permitem reencontrar a atmos- fera da vida cotidiana em multiplas manifestagdes, mas hi ‘um risco de deformagio pelo artista, tanto pela maneira de tratar o assunto como pela escolha dos temas. Desenhos ov montagens fotogrificas, as ilustragbes dos livros e periddi- os sio ricas de ensinamentos, mas ora procuram represen- tar um personagem excepcional, ora querem-se tipicas de ‘um meio, seja idealizando-o, seja caricaturando-o. Desde a Segunda Guerra Mundial, a fotografia praticamente substi- tuiu o desenho de informagio, mas a caricatura permane- ceu viva, com uma variante: o cartaz de propaganda politi- ca sindical e mesmo religiosa ou ideolégica. Periodicamente, do século XIX ao nosso tempo, a énfase foi colocada espe- cialmente na burguesia ou em certos tipos de burgués. Car ricaturas ou cartazes de propaganda visam mais influenciar 4 opinido que mostrar as realidades, mas apdiam-se também ‘no que esta latente na consciéncia coletiva dos meios so- ciais a que se dirigem. Os amincios ilustrados afixados na reed Publcases periddicas fornecem ines do mesmo ipo, Permitem aprecie a evolusfo apazes de prender a atengdo, Em matéria gueses. Os fs encomenda (08 JESTEMUNHOS DOS CONTEMPORANEOS 27 de beleza ov de higiene, por exemplo, em 1910 os perfur mes Lubin apostam na distingio assimilando a sedugio & Clegincia discreta do trajar e & reserva do comportamento'. ‘Alguns anos depois, foi o apelo ao sentimento materno que, com 0 famoso “bebé Cadum”, determinou sucesso do Sabonete do mesmo nome. Por volta de 1950, os cartazes de Gruau afixados no metré para gabar o batom “Balser” tvoeavam, num desenho sugestivo, os luxos de uma vida mmundana e requintada, enquanto por seu prego esse batom Vsava a uma clientela completamente estranha a esse mo- do de vida. Em compensacio, em nossos dias, numerosos produtos de toalete tentam seduzir os consumidores ape- lando para um erotismo elementar baseado na exposigio da nudez dos corpos. Sem prejulgar desde j que valores po- dem caracterizar a burguesia, & dbvio que tal evolucio evi- dencia que a refertncia a uma sociedade distinta e civiliza- da tende hoje a desaparecer. (Os testemunhos relativos &s modas ¢ aos costumes em matéria de vestudrio e enfeites, de moradia e mobilidrio, aos usos da vida social e s normas de civilidade completam e ‘matizam a imagem da burguesia. Com grande luxo de por- menores, encontra-se nos conselhos dados as donas de casa a descrigio dos hibitos que caracterizam os diverso: tos da burguesia, consideradas as obrigagées e poss des ligadas 3s fung3es do chefe de familia, aos recursos do casal, 20 lugar de residéncia e ao niimero de filhos. Imagem tedrica, por certo, que no raro traduz mais um ideal que ‘uma realidade, mas que pesa principalmente sobre a opi niZo e o comportamento de quantos aspiram a inserir-se no meio burgués. ‘A anilise critica e a explorasio sistemstica dessa docu- mentagio forneceriam, por si 6s, matéria para todo um es- tudo. Nosso objetivo, porém, é outro. Sem visar & exausti- vidade, quisemos, a partir de exemplos precisos, pesquisar Digitalizado com CamScanner 28 0 sentido que os ve que a passagem no se faz, automat br gucsia. Atualmente, enquanto a ém permissio urgueses” os passageiros vestidos corretamente quando estes se recusam 1 ceder is suas solicitagdes. Numa época em que os pari- sienses abastados abandonam cada vez mais esse meio de transporte, a reagio é significativa. Mas a distorgio entre burgués e burguesia nio é nova: “Nao existem mais classes entre nés”, declarava Garnier-Pages na Cmara dos Depu- tados em 1847... “E vos, senhor Guizot, uma de vossas mais derestiveis teorias é dizer: ‘existe a burguesia e a classe po- bre, existe a burguesia e 0 povo’... Nao existem em Franga senio cidadios franceses.” Ora, ele continuou seu discurso nestes termos: ““Vejo aqui muitos burgueses...”, transigo acolhida com numerosos Para sair dessas ambigiidades, & oportuno examinar 0 que merece o atributo de burgués, como os burgueses pu- deram ser caracterizados e, enfim, 0 que o termo burguesia veio a abranger a partir de 1815. 1. QUE SIGNIFICA SER BURGUES? Qualificar de “burgués” um individuo, um comporta- mento ou um objeto pode, conforme as intengdes de uns ou de outros, ter uma ressoniincia pejorativa ou elogiosa. Diciondrios lingiisticos e enciclopédias sublinham nitida- mente essa ambigilidade, Adjetivo, o termo burgués se apli- 05 TESTEMUNHOS DOS CON MPORANEOS 29 ca"*por indica ouanarqu gguesa, boa ma mas sem lu evidk expresses como “cozinha bur- bburguesa, bem-arrumada posta por Littré ao palacete particular sio 1és repousa freqiientemente, entio, em referencias a uma hiierarquia social, e le traz. consigo uma idéis de superior dade ¢ de prestigio, Isso aparece jf na expressio “ocupagio burguesa” de uma residéncia, usual nos contestos de locagio. ¢,ainda hoje, nas esrituras de propriedade.£ ainda mais ma- nifesto quando se observa que, no século XIX, o antigo "vik ver nobremente” é substituido por “viver burguesmente”, {que evoca a abastanga, condigdes de vida dignas ¢ prddigas, fundadas no gozo de rendas ou de lucros certos (ou conside- rados como tais). Do mesmo modo, as profissSes encaradas como burguesas devem trazer prestigio e consideragio, jd que ‘© montante da remuneragio ligada 4 atividade profissional nunca é, por sis6, considerado determinante. Embora a no- fo de dignidade subentendida nesta segunda utilizagio do qualificativo burgués nao exclua uma certa modéstia, a evo- luglo da linguagem tende hoje a reservar 0 atributo de bur .guésa tudo o que implica um privilégio social, ainda que con- testado, “Educasio burguesa”, “bairro burgués”tais sioas expresses citadas pelo dicionirio Robert para ilustrar as se- guintes definigdes do adjetivo burgués: “que pertence & clas- se média e dirigente ou apenas & classe dirigente.””5 Digitalizado com CamScanner 30 OS BURGUESES FA BURGUESIA NA FRANCA Tragos do que se pode qualificar de burgués aparecem também através do exame do traje, do mobilidtio edo com, diana, embora as diferengas nesse domi, nio sejam mais dificeis de discernir. Lembremos inicialmente que no século XIX 0 “traje burgués” se opde aos diferentes vestudrios que tém um ex. riter oficial, especialmente a0 vestuério militar. Por que esse termo, que enfatiza 0 aspecto burgués? Ele se opde 3 ele. gincia aristocritica, talvez demasiado vistosa na tradigao francesa, apesar da penetragio das modas masculinas ingle. sas, excessivamente cara para ser imposta a0 conjunto dos oficiais. Implica, sobretudo, uma preocupagio de corregio, de dignidade: o traje burgués que os oficiais tém autoriza. io de vestir distingue-se das vestimentas “originais”, caras a uma certa boémia e mesmo a artistas bem-sucedidos; e nio se confunde muito mais com as vestes profissionais ou tra- dicionais do povo em geral. Da mesma forma, trajar um fato burgués, sbrio mas correto, era indispensével para 0 exercicio de certas profissdes modestas, como, por exem- plo, a dos empregados dos grandes magazines parisienses, que impunham aos vendedores 0 uso do chapéu alto e da sobrecasaca, Em matéria de moradia, tal como na escolha do mobi- lidtio de seu domicilio, os burgueses deviam, sob pena de ridfculo, rejeitar tanto a ostentagio do novo-rico como o luxo que foi durante muito tempo a tradigio aristocrdtica. Nos manuais de boas maneiras, nos guias para uso das do- nas de casa que se multiplicam até 1939, na literatura e na imprensa destinadas especialmente is mulheres e §s crian- $25, 0s conselhos ou as alusdes a esse respeito retornam com tal freqliéncia e regularidade que se pode assimiléclas a uma regra de ouro: é preciso usar enfeites, cercar-se de objetos Sie sgebitam 2 corso do trae, que contribuem para a la, mas que estejam sempre em relagio com texto da vida cot 05 TESTEMUNHOS DOS CONTEMPORANEOS 31 as necessidades da vida cotidiana, com os recursos e as obri- gacées ligadas as fungdes do chefe de familia. Esses precei- tos eram inculcados nas criangas desde a mais tenra idade, como mostra 0 seguinte relato, escrito por volta de 1910: uma menina pertencente a uma familia burguesa provin- ciana abastada mas sem fortuna usa luvas em todas as esta- ‘ges, mas torna-se ridicula no dia em que, por um coque- tismo mal-entendido ¢ sem ter consultado sua mie, com- pra, com 0 dinheiro do préprio bolso ¢ 20 prego de sérdi- das economias, lavas de pele para substituir as modestas lu- vas de algodio fornecidas por seus pais, pois seu modo de tuajar jd nio corresponde & sua condigio’. Por pueril que scja, esse exemplo € simbélico: os conselhos dados as mies de familia a propésito da composi¢io do enxoval de uma recém-casada ou para a compra dos méveis de um jovem casal repousam em consideragdes da mesma ordem. As ro pas € 0 mobilidrio refletem a condicio burguesa. ‘Malgrado a simplificagio das modas, a selesio pelo ves- tuario persistiu até bem depois de 1914, ¢ por muito tempo as diferengas permaneceram bastante pronunciadas. Na rua, pelo menos até 1939, tudo opunha a “mulher sem chapéu” 4“dama’” que em qualquer estagio usava chapéu, luvas ¢ acess6rios diversos, a0 sabor dos caprichos da moda. Inver- samente, mas com miltiplas transigdes intermedidrias, ha- xvia um contraste entre o singelo guarda-roupa burgués e as complexas toaletes dos meios ricos ou mundanos. O pri- meiro comportava, tanto para os homens como para as mu- Iheres, um vestuario de visita utilizado também para os jan- {ates privados e as safdas 4 noite, enquanto os segundos exi- giam roupas mais variadus, ligadas is necessidades de uma vida social intensa, trajes de ceriménia, de garden-parties, esportivos, de férias, etc, Apesar da ruptura da Segunda Guer- ra Mundial, as diferengas perduraram durante muito tem- po, mas atualmente assumiram um novo carter. © aumento Digitalizado com CamScanner inculacio inadas fungées acarre. , que expressava nemtas, s6 apa- nguagem e dos usos, Pode-se ano de um falar burgués. Ambos, tos matizes, conforme se trate da guagem adaptada aos encontro ses profissionais. Opéemse a rente e as diversas girias, sionais, girias das escolas, gri etérias, de meios esnobes ou Jevar em conta os usos regionais, larizar it 7 Selarizar ou seguir modas, mas para expressat-se'0 mais cla, inter a eosstteh a fim de ser compreendido por todos os l mpreendi * estariam mais pro- Embora qualquer re- seu pensamen- a0 descre- esa por sua regularidade, sua calma, seu ,osto por sua vida facil ¢ larga, mas sem luxo ¢ sem exces- nesse caso, podem seus membros ser considerados como bur- gueses? Il. O QUE E UM BURGUES? Como substantivo, o termo durgués é ainda mais am valente que como adjetivo. Sua wtilizacio responde a inten- ges ou referdncias que mudam ao sabor das disposigdes de espirito, das circunstincias e de acordo com as épocas. Nao Digitalizado com CamScanner 7 GUISES B.A BURGUESIA NA FRANC has de disténcia, um Hippolyte guds... um ser de formagio recen tre todas as espécies de homens que a sociedshe s capaz de excitar qualquer interesee" 16s somos desse bando, Historicamente, os burgueses foram a principio os hae bitantes das cidades que haviam obtido privilégios ¢ ile dades no seio do sistema feudal, Em seguida eles sairan do inpuecransoed monargisccee ea be dads on legistas ou administrado. Fes, gracas a sua atividades econdmicas e fnanceirss no pa ¢ depois participando do movimento do pensamentoe d.. artes, Tinham seu lugar na sociedade de ordens, macro An. tigo Regime nio conseguiu definir com precisio o que abran. gia a qualidade de burgués. Nos tltimos séculos da mona quia, a qualidade de “‘burgués de Paris”, por exemplo, ap cava-se a pessoas cuja condigao social era muito variads ¢ eventualmente, nobres auténticos adornavam-se com ela! Por certo, segundo a expresso de Loyseau, os burgueses distinguiam-se das “pessoas vis”, dedicadas a tarefas “deso- nestas ou de servic”, mas os limites entre profissdes hon- radas ¢ oficios manuais ou degradantes no estavam perfei- tamente fixados. Inversamente, se burgués se ope a fidal- g0, desde 0 século XVII aparece uma categoria intermedid- ria, a “cidade”, que se situa entre a Corte e a burguesia. A época das Luzes, tanto em Paris como na provincia, coinci- de com a afirmagio de uma categoria de personagens e1 nentes e cultas a prefigurar uma hierarquia social que foge aos critérios da sociedade de ordens. Na véspera da Revo- lugao Francesa, os burgueses nao sao “todos”, como o Ter- ceiro Estado desejado por Sieyés, mas esto em toda parte € pertencem a categorias sociais muito diversas, se nio + mas ‘opostas. 0 TESTEMUNHOS DOS CONTEMPORANEOS 35 & ensa ¢ o papel dos burgueses na No século XIX, a presenga ¢ © paps sociedede francesa se afirmam € a imagem que ressalta dos diversos testemunhos se complica ainda mais, Representagdes figuradas: da caricatura ao retrato idealizado ‘Algumas referéncias iconogréficas, sem nenhuma preten- so 4 exaustividade, podem servir de ponto de partida. A ca- Featura e a ilustragio dos livros ou dos periddicos de gran- de difusio deram um lugar muito amplo a imagem de bur- gueses parvos ou odiosos. Parvoice dos otérios de Robert Ma- ‘aire, de “Monsieur Gogo”, que acredita em todos os char- laties, presungio de Monsieur Prudhomme e de sua posteri- dade, que enunciam como verdades bisicas os disparates que Ihe sugere sua ignorncia, esses tipos do século XIX sio reen- contrados, adaptados ao seu tempo, no século XX". O bur- gués ridiculo é um tema que provocou infalivelmente 0 riso de sucessivas geragdes. Feio, plantado sobre pernas magras encimadas por enorme barriga, o burgués desse tipo ainda ilustra, entre 1920 ¢ 1930, jornais destinados 3s criangas de meios abastados. No caso em foco, porém, ele desempenha © papel de um personagem grotesco que nio afeta a ima- gem global dos burgueses, figurados como pessoas distintas"®. As imagens para uso dos adultos sio mais con- trastadas, As vezes pertencem & mera sétira, sem maldade. Citemos, entre os desenhos humoristicos ¢ 0s quadros de gtnero expostos no Salio antes e depois da Primeira Guer- ra Mundial, uma composigio de Albert Guillaume que mos- tra, em meio & elegante assisténcia de um casamento mun-

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