You are on page 1of 14
“AS ( CRIANCA ol CONTAM L AS HISTORIAS os horizontes dos leitores de diferentes classes sociais Didgenes Buenos Aires de Carvalho 2 EDUFPI I - —nttaciiiimacicesmeaiieeiibamattly, Digitalizada com CamScanner © 2011. Didégenes Buenos Aires de Carvalho EQUIPE EDITORIAL ‘Cara/PRojeTo GRAFICO: Paulo Moura ILusTRAGAo DA capa: Ana Beatriz Moura Nassau RevisKo DE ORIGINAIS: Janice Batista EpITORAGAO ELETRONICA: IrmiodeCriacio IMPRESSAO E ACABAMENTO: Halley S.A Grifica e Editora Todos os direitos reservados, De acordo com a lei n* 9.610, de 19/02/01998, nenhuma parte deste ivro pode ser fotocopiada, gravada, reproduzida ou armazenada num sistema de recupe- rasio de informacio ou transmitida sob qualquer forma ou por meio eletrbnico ou mecinico sem o prévio consentimento do autor e do editor. C331¢ FICHA CATALOGRAFICA ~ Servico de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauf Biblioteca Comunitéria Jornalista Carlos Castello Branco Carvalho, Diégenes Buenos Aires de. As criangas contam as histérias: os horizontes dos leitores de diferentes classes sociais / Diégenes Buenos Aires de Carvalho. - Teresina : EDUFPI, 2011. 171 p.;15x21cm. ISBN: 978-85-7463-323-7 1. Literatura Infantil - Hist6ria. 2. Estética da Recepgao. 3. Socio logia da Leitura. 4. Leitura Litersria - Ensino Fundamental. L. Titulo. iliiiiciinCDD.O28S, Digitalizada com CamScanner 2 A literatura infantil e os horizontes de leitura 2.1 A literatura na perspectiva do leitor A estética da recepcao é a teoria da literatura formulada por Hans Robert Jauss e seus colegas da Escola de Constanga,no final da década de 60 do século XX, desenvolvida a partir do trabalho A histéria da literatura como provocacao a teoria da literatura (1994), que retomaa problematica da historia da literatura. Jauss (1994) traz de volta a discussao por nao com- partilhar com a orientacao da escola idealista ou da escola positivista para a construgao de uma histéria literdria, uma vez que ambas nao realizam seus estudos embasados na convergéncia entre o aspecto histérico e 0 estético, criando, assim, um vazio entre a literatura e a historia. A inexisténcia des- se nexo resulta, portanto, em pesquisas que se preocupam apenas com as obras e seus autores, deixando & margem o terceiro elemento do circuito literdrio - os leitores. Em vista disso, o tedrico contrapée-se s correntes tedricas marxis- ta e formalista, tais como: a critica sociolégica, 0 new criticism, o formalis- mo russo ¢ o estruturalismo. A critica 4 teoria literdria marxista reside no fato de ela entender como sendo seu papel apresentar a literatura apenas como reflexo dos fendmenos sociais, o que implica emitir um juizo de va- lor de uma obra literaria pautado somente na sua capacidade de represen- tagao da estrutura social, impossibilitando, a partir desse juizo, a definicao de categorias estéticas. No que se refere a teoria literaria formalista, a critica funda-se na concepcao da obra literéria como um todo auténomo e autossuficiente, com seus elementos organicamente relacionados, independente de dados histéricos ou biogréficos do autor, atribuindo a verdadeira significado a Digitalizada com CamScanner _DidceNss BUENOS AIRES DE CARVALHO 4 da referéncia a uma situac3g jo interna sem necessitar S40 exter. sua organiza na. Desse modo: de preps da arte surge como um fim em mesmo tn. Cre pebiladedafrmacomo seumarcodisintvo eo denon 1 eerdimento come o principio para uma tora que, renuncan'y a esdestente so conbecimentohisttico,transformou a eres She num método racional¢, 20 faxt-lo, produzi feitos de quali cientiica duradoura (JAUSS, 1994, p.19). Para auss,as duas teorias limitam-se a compreender o fato litericio no Ambito da estética da representacao e da produgao, o que significa aex- clusio da dimensio da letura e do efeito, que & a privilegiada pela estética da recepgio, tendo em vista 0 propésito desta em apresentar uma visio diferenciada da historia da literatura, pautada na historicidade da obra de parte de seus leitores” (JAUSS, 1994, p. 24). Sob esse ponto de vista, a estética da recepgio toma como objeto de investigasioo receptor. Isso exige dela a construgio de uma nova con- cxpgio deleitor,nio mais fandamentada na visio marxista - que o concebe ‘como parte integrante da estrutura social apresentada pela ficgio - nem na visio formalists, que necessita dele apenas enquanto sujeito da percepsio, ‘apaz de, a partir das pistas textuais, diferengar a forma e revelar o proce iment, Oleitor assume, entio, "seu papel genuino, impresc tanto Pano conhecimentoestético quanto para o conhecimento hist6rico: 0 P- a destnatitio a quem, primordilmente, a obra literria visa" (JAUSS, There nt * MN do foco de investigasio para a recepsio, 0 ft0 a Passsaserdescrito com base na histéria das sucessivasleituras Po" ‘Be Passam as obras, as quais se real See ae dostempos orga, fas ¥szam de um modo difereniadost™ ‘tates no € um objeto que exist por ss oferecendo act Serrano oe aa Tomeag, eat monclogcamente seu Sr atempora. El & 2% ‘i Prius voltada para a ressonincia sempre renovad3 As CRIANGAS ConTAM AS HisTORIAS 25 tra ibertandooteato da matsa ds palavraseconferindosthe existn- cia atual (JAUSS, 1994.25). A recepgdo, nessa perspectiva, é compreendida “como uma concre- tizacio! pertinente & estrutura da obra, tanto no momento de sua produsio ‘como de sua leitura, que pode ser estudada esteticamente” (AGUIAR & BORDINI, 1993, p. 83), considerando, assim, o leitor como um elemen- to também textualmente marcado na obra de arte literdria. Para o teérico, privilegiar a recepgao significa concebero texto litersrio como um fato que no se limita dimensio estética, pois também considera social Por con- seguinte, desloca-se a concepgio de literatura enquanto sistema de sentido fechado e defintivo para a de um sistema que se constrdi por produsio, recepgio e comunicagio, ou seja, por um relacionamento dindmico entre f, © que acarreta, necessariamente, um processo yesmos, cujo grau de perenidade depende dos re- ferenciais estético-ideolégicos que os configuram; isto é em face da na- tureza dialdgica dessa relacio, a obra literdria s6 permanece em evidéncia ‘enquanto puder interagir com o receptor, sendo o parimetro de aceitagio esse horizonte de expectativas* composto pelo sistema de referéncias que resulta do conhecimento prévio que oleitor possui do gtnero, da forma, da temitica das obras ja conhecidas/lidas, e da oposiglo entre as linguagens postica e pragmitica (JAUSS, 1994, p.27). O sistema de referéncias, contudo, nao se restringe aos aspectos estéticos da obra, haja vista que no ato da leitura também entra em jogo a experitncia de vida do leitor; porque entre a leitura de uma obra o efeito Pretendido ocorre o processo da compreensio, exigindo do leitor nio sé.a utilizacao do conheciment de mundo acumulado. Em regido pelas convengdes,elencadas por Zilberman, na seguinte ordem: ~ Sasial-o individuo ocupa uma posigho na hierarquia das sociedades, Digitalizada com CamScanner 26 Didcenes BUENOS Amés DB CARVALHO = Linguistica dente com a norma gramatical pr ‘educagto, como do espace social em que transita (ZILBERMAN pee 4 Lt 1982, 0 da leitura litersria, 0 horizonte de ex. nada 6 literatura de massa, visto que nio exige nenhuma .,servindo apenas para reforcar as normasliterdrias ¢ ial No caso da quebra de expectativas, consoante Arnold Ro- the (1980), pod acontecer uma mudanga de comportamentos e de normas ou uma rejeigao por parte do piblico, como ocorreu, por exemplo, com Sthendal e Flaubert, provocando a formasio de um novo pub Em virtude dessas reagdes, tem-se a formulagio do seguinte precei to tedrico: somente a quebra ou a ruptura de expectativas serd in do valor estético de um texto, cuja avaliagio, a partir da distinci ‘Borma bastante independente da visio particular do critica. para Regina Zilberman (1989), aproxima Jauss dos formalist ¢estrutu ralistas, porque, de certo modo, esse critério adotado recupera 0 efeto de estranhamento da obra de art literiria proposto por tais teorias. E, como consequéncia pragmitica, a reconstrusio do horizonte de expectativas oportuniza as obras consideradas cissicas oretorno do seu viésemane dor, perdido por causa do processo de canonizagio, que as tornaram inc pazes de suscitar novos questionamentos (ROTHE, 1980, 1). Reconstruir os horizontes de expectativas de uma ‘obra em relagio ao processo de, produgio/recepgio sofrido por ‘ela em épocas distintas sig ‘As CRIANGAS CONTAM AS HISTORIAS 27 ifea encontrar as perguntas para as quais 0 texto consttui uma ov mais respostas. A ligica da pergnta eda resposta & 0 mecanismo da hermentu- tier que permite identifiaro horizonte de expectativas do leitor © as ques: toes inovadoras as quais o texto apresenta tuma ou mais respostas, como também mostrar como as compreens6es variam no tempo. Dessa forma, caentido de um texto é construido historicamente, descartando se a ideia ‘Te sua atemporalidade. & por meio do confronto desses dois polos que a distincia estética pode ser estabelecida. Partindo desses jos, as grandes obras sio as que perma- nentemente provocam nos leitores, de diferentes momentos histéricos, @ formulasdo de novas indagagdes que os levem a se emancipar em relagio ago sistema de normas estéticas e sociais vigentes. O efeito libertador pro- vocado pela literatura é para Jauss, a inte- ragio do individuo com 0 texto faz com que 0 sujeit rompendo, assim, seu individualismo ¢, consequentemente, promovendo a ampliagao de seus horizontes proporcionada pela obra literéria: ‘Acexperitacia da leitraTogra libero das opressdese dos dilemas de ‘0a pelais de vida, na medida em que oobrigaa uma nova percepio das Coisas O horizonte de expectativasdaliteratra distingue-se daquele da fatura (JAUSS, 1994, p52). ‘Nesse sentido, Alliende e Condemarin (1987) salientam o papel social daletura teria ou ndo, porque © homem leitor pode ampliar as possibilida- <&& de amadurecimento individual e intelectual; e, por conseguinte, compre- ‘ender melhora sie o mundo, Em contrapartida, as pessoas que nio leem ten- “ema wer gids en SUas IEE agBes ea condurir suas vidas e trabalho pelo que se hes transmite diretamente. A pessoa que Ié abre o seu mundo, pode receber informagdes ¢ conhecimentos de : (ALLIENDE, CONDEMARIN, 1987, autores confirmam a premissa de que sustentados na correlagio existente entre as Capea age epee deleitura de um povoe Digitalizada com CamScanner -_ DtOGENES Bugnos Aires DE CARVALHO Entretanto, a transformagio do homem, via priti it realizada na medida em que ele estiver aberto a ie aes dlespojado de uma postura autoritiria e disposto aaprendes afin den cientizar-se de sua transitoriedade, Essa abertura leva ohomem a adgnnc ‘mais conhecimento sobre o mundo, ter mais vivéncia, pois, de acordoca Hans-Georg Gadamer (1999, p. $25), “a pessoa a que chamamos exon ‘mentada nio é somente alguém que se fez. que 6 através das: expel mas também alguém que esta aberto a experiéncias” fi A A estética da recepgio, portanto, éo instrumental tebrico adequa- fo para fundamentar, a partir dos conceitos de recepcdo, horizonte de ex. Pectativas, distancia estética e légica da pergunta e da resposta, a anilise das narrativas infantis, que constituem o corpus dessa dissertagio, a fim de se compreender o processo de produgio/recepséo da obra literiria infantil, tendo como referéncia o leit sto é, com base nos conceitos selecionados da estética da recepgdo é possivel delinear o horizonte de expectativas de criangas de diferentes classes sociais em contexto escolar, materializado em normas literdrias e concepgdes de mundo presentes nas narrativas infantis reproduzidas de textos literérios conhecidos/lidos, uma vez que uma das, tarefas da teoria recepcional, em conformidade com Zilberman (1989, p- 113), 6 areconstrugao desse horizont jetivando explicitar a relacao da obra literdria com o seu piblico. Rest , delinear o espago percorrido pelo livro na sociedade, tarefa da sociologia da leitura. 2.2 O livro literério no contexto social A sociologia da leitura, como a ¢: io, centra 0 seu foco de atengao no terceiro eixo do circui propée investigar a relacio entre leitor e texto, buscando 0 delineamento do horizonte de expectativas, pois o que interessa sio as questes extrin- ssecas da leitura, isto é a abordagem esté centrada na relagao entre o livro ¢ seus mediadores sociais. Esse campo tebrico obj do-o nio mais como elemento passivo, mas como ativo, jé que as a, portanto, estudar o piblico encaran- sua mu — As Cnuangas Contant as HIsTORias 29 danga de gosto e preferéncia influencia a circulagio e a produsio da obra literdria. Nesse sentido, a anilise sociologica considera todos os fatores so- ciais que interferem no processo de formagao do gosto, e que funcionam como mediadores de leitura, como também as caracteristicas dos consu- midores, segundo condicio social, cultura, etéria, sexual, profissional, en- tre outros. Sendo 0 seu objeto de estudo o pibico, a sociologia daleitura n3o se restringe & andlise e descricio da recepgio de textos literirios, o que re- presenta incluir também como objeto de estudo textos considerados mat- ginais e subliteirios. Pelo fato de 0 enfoque nio buscar contrapartida na estética, Regina Zilberman (1989) afirma que sua contribuigso para a Te- oria da Literatura fica restrita, Entretanto sua importincia nio é reduzida ‘por essa razio, uma vez que “suas pesquisas permite compreender o fato literdrio no cotidiano de sua existéncia, caracterizado por sua circulagio e consumo’ (ZILBERMAN, 1989, p. 18). primeiro trabalho produzido com esse enfoque foi o livro Die Soviologie der literarischen Geschmacksbildung, de L. L. Schiicking, publi cado em 1923, que procurou atingir o objetivo anteriormente descrito. (Outros trabalhos deram continuidade ao estudo do pablico leitor, todavia, sobressaem-se os produzidos pela Escola de Bordéus liderados por Robert Escarpit e sua equipe, bem como os de Amold Hauser e Pierre Bourdieu. Robert Escarpit (1971) situa o estudo da formagio do piblico leitorno ambito da sociologia da literatura, 0 que significa buscar compre- ender o fo literério associado a0 contexto social em que esté inserido e ‘com o qual estabelece um disloga. Nao é propésito desse tedrico realizar ‘um trabalho de andlise estética, pois o critério utilizado para definir litera- tura nio é qualitativo e sim denominado por ele de “atitude ao gratuito’, {que resulta em uma definigio de literatura como todo texto que no possui ‘uma finaidade pragmitica, cujo efeito provoca uma espécie de catarse do ponto de vista cultural. Essa definigio inicial apresenta um teor generalizante que nio si- tua com clareza a abordagem sociolégica da literatura, no entanto, em Lo | Digitalizada com CamScanner 30 ‘Didcenes Buenos Aines DE CARVALHO literdrioy lo social, 0 Autor aprofunda 0 conceito de literatura em relacio ag ‘questdes sociolégicas, fundamentando com mais precisio a proposta da Escola de Bordéus: denominamosIteraturano séulo XX é dade impor suas estruturasalém da mi fe uma literatura viva, caracterizadi Importa, entio, para Escarpit, utilizar como procedimento meto- dolégico mais adequado o estudo dos dados de cunho objetivo, os quais setio explorados de modo sistemitico sem a interferéncia de ideias pre- conceituosas. No entanto, o estudioso observa que a anilise nio se deve limitar aos dados estatisticos, pois outras informagoes fornecidas pelos cos, mas gi hist6ria do livro - complementam de forma de terpretagio pretendida, culminando com a compreensio do pail ‘em um contexto social mais abrangente. Outro procedimento é 0 estudo de casos concretos, realizado por meio dos métodos da literatura geral ou da literatura comparada, como, por exemplo, 0 éxito de uma obra, a evo- fendmenos observados objetivamente (ESCARPIT, 1974, p.30-31, Embasados nessa perspectiva, através de um método empirico, 05 estudos realizados pela referida escola tratam o fendmeno literdrio a partit de trés instincias ~ a produgio, a circulag4o e 0 consumo. produgio sio analisadas a fim de identificar e caracterizar os fatores “que interferem na atividade do escritor como homem de seu tempo com res- ponsabilidade social definida” (AGUIAR, 1996, p. 24). A anilise d: lagio das obras - por sofrer intervengio na sua publicagéo € de diversos mediadores, como, por exemplo, o circuito letrado (editores [As Canangas Contaa as HistOnias 31 livreiros e criticos literirios), e o circuito popular (bibliotecas populares, imprensa, rédio, cinema, bancas de revistas e vendedores ambulantes) - torna-se necesséria para que se compreenda o papel desempenhado indivi-

You might also like