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A Natureza do Autismo Psicogénico: Uma Revisao My mother groan’d, my father wept, Into the dangerous world I lapt: Helpless, naked, piping loud: Like a fien hid ina cloud. ‘Struggling in my fathers hands, Striving against my swaddiing bands Bound and weary I thought best To sulk upon my mother’s breast.” William Blake, “Infant Sorrow” Ninguém discutiria que as criangas autistas psicogénicas sao dificeis de manterem contato, Na verdade, a discussio poderia ser se podemos sintonizar com elas. Entretanto, foi minha experiéncia, na medida em que entrava cada vez mais em contato com suas formas idiossincrasicas de funcionamento, que algumas criangas autistas (embora ndo todas) podiam ser alcancadas pela psicoterapia psicanalitica. Entretanto, antes de discutir 0 autismo psicogénico, permitam-me falar um pouco sobre a hip6tese organica, * Minha mie gemia, meu pai choravalNeste mundo perigoso salte/Impotente, ni, com um agrito estridenteComo um espiito mau oculto em uma nuvem./Debatendo-me nas mios de ‘meu paiJ/Lutando contra meu cueiro/Aprsionado, exausto, achei melhor/Amuar-me sobre © seio de minha mie. Barreiras Autistas em Pacientes Neuréticos /23, A HIPOTESE ORGANICA. Eu respeito a preocupacdo dos organicistas que acham que ¢ irresponsdvel criar esperangas nos pais que jd sofreram tanto. E lamentavelmente verdade que no passado, apés a diferenciagdo de Kanner entre “autismo infantil preco- ce” € deficiéncia mental, em uma explosdo de entusiasmo, os psicanalistas psicoterapeutas faziam afirmagées injustificadas a favor das possibilidades do tratamento psicodinamico do autismo. Mesmo hoje, em algumas esferas, os psicodinamicistas ndo fazem uma clara distingdo entre autismo psicogénico orgdnico, nem entre perturbagoes do tipo autista esquizofrénico, e pertur- bagdes que se originam da negligéncia parental. ‘Algumas criancas autistas t8m indubitavelmente um dano cerebral, e portanto tém um defeito cognitivo. Entretanto, a hipstese organica - de que elas tém um defeito genético em termos de um “cromossomo frdgil” - nao parece ter sido originada por tentativas de repetir o tratamento sugerido para ela, Mas estas questdes neurofisiolégicas nao so realmente a minha preocupagio. Como psicoterapeuta, aquelas criangas, cujo autismo parece ser provavelmente de origem psicogénica, tém sido 0 foco de minha atencdo. Para aqueles leitores que nunca trabalharam com criancas autistas psicogé- nicas, aqui est4 uma breve descrigao delas.. DESCRICAO DAS CRIANCAS AUTISTAS PSICOGENICAS Estas eriangas parecem estar em um estado primitivo de amuo massivo, absoluto, conforme descrito por Blake no inicio deste capitulo. Mas é um aborrecimento muito mais intenso do que aquele descrito por Blake. Como veremos em capitulos posteriores, ele é entremeado pelo ressentimento e negro desespero descritos por Ted Hughes em Crow. Isto fez com que elas no se relacionassem com a mie, e, portanto, com as pessoas em geral. Elas evitam olhar para as pessoas, e a comunicacao por linguagem, jogos, desenho ou modelagem é escassa e freqiientemente nao existe. As criangas que tratei eram todas mudas no inicio do tratamento, mas algumas criangas autistas apresentam ecolalia de modo que se comunicam de forma limitada mas bizarra, Estas dltimas também, as vezes, “jogam” de uma forma restrita, obsessiva. A falecida Margaret Mahler, em ensaios e livros esclarecedores originados de sua longa experiéncia com essas criancas, focalizava sua atencio nas dificuldades das criangas autistas com relagao a separagao e individuacao, « suas frgeis consciéncias de suas prOprias identidades (Mahler, 1958). Tais, criangas carecem de empatia (ver Hobson, 1986). Elas também carecem de imaginagdo (ver Frith, 1985). Essas criancas ndo tém vida interior. Atribui fantasias a elas 6 ncorreto. Isto torna a psicoterapia com tais riancas diferente daquela com nossos outros pacientes. Acima de tudo hd uma interrupgio precoce maciga do desenvolvimento cognitivo e afetivo, embora o desenvol- 24 / Frances Tustin vimento fisico das criangas autistas seja geralmente normal. Na verdade, elas frequentemente tém lindos rostos e corpos bem formados. Deixe-me incor- porar esta descricéo a um paciente real que ilustra muitos dos aspectos caracte- risticos do autismo psicogénico. UMA CONSULTA COM UMA CRIANGA AUTISTA. Stephen, de seis anos de idade, é trazido a0 meu consultério. Ele no se queixa por ter vindo. Veste uma capa de plistico branco brilhante com um ziper na frente, e carrega um carro de brinquedo fortemente apertado nna palma de sua mao. Sua boca, que esté levemente aberta, parece mole e frouxa, mas seu corpo parece tenso € duro quando 0 conduzo para dentro da sala. Ele esta mudo. Stephen para diante de mim com seu corpo bem formado, com um olhar fixo e olhos melancélicos que néo encaram 0s meus diretamente. Enquanto eu tento abrir o ziper de sua capa, ele permanece tenso e inerte como uma estétua. Ele nao coopera comigo de maneira alguma. Na verdade, ele parece nem perceber minha presenca. Entretanto, quando eu jé tinha aberto metade do ziper, ele se livra da capa e, ainda evitando olhar-me diretamente, afasta-se para um canto distante da sala, pegando rapi- damente um lépis de cera marrom de cima da mesa, enquanto faz isto. No canto, com seu lapis de cera, ele imediatamente comeca a desenhar linhas extensas no chdo, em frente a seus pés. Eu me sinto cada vez mais distante dele, a medida que ele multiplica as linhas em torno dele. Finalmente, eu pego sua capa de plastico da cadeira e seguro-a na minha frente. Embora cle pareca inconsciente da minha presenca, ele percebe meu gesto e corre para ocultar-se na protecao da capa como um caracol retornando para sua concha. ‘Stephen demonstra muitos dos aspectos que so tipicos de criangas autis- tas. Hé a evitagdo de um contato visual direto comigo, embora ele tenha ‘uma certa consciéncia do que estou fazendo. Ele no coopera mas afasta-se de mim. Ele deixa sua mae sem olhar para trés e no mostra nenhuma das respostas normais s pessoas. Fisicamente, ele ¢ bem formado e seu rosto seria atraente nao fosse t4o inexpressivo. Este € 0 caso com excegio dos olhos que, as vezes, parecem angustiados e melancdlicos. Ele carrega um objeto duro fortemente apertado na palma de sua mao. Denomino as criangas autistas de criancas do “tipo concha” ou encapsu- ladas. Seus pais freqientemente dizem coisas como “Eu nao consigo me comunicar com ele”. “Meu filho parece estar dentro de uma concha 0 tempo todo”. “E como se ele ndo pudesse nos ver ou ouvir, ou niio quisesse”. Tais criancas freqiientemente sao consideradas surdas algumas tentam mesmo caminhar entre os objetos como se fossem cegas. Entretanto, ao serem testa das, seus aparatos perceptivos revelam-se intactos; € o processamento da informagdo que entra que & defeituoso. Isto poderia ser devido a lesbes cere- Barreiras Autistas em Pacientes Neurétcos /25 brais ou a dano psicogénico. (O trabalho clinico tem-me fornecido indicios quanto a natureza do dano psicogénico, que sera discutido em varios capitulos deste livro). Este dano psicogénico faz.com que as criangas autistas desviem sua atengio das coisas que geralmente interessam a crianga em desenvolvimento, Isto parece ocorrer, porque elas esto protegendo seus corpos das ameagas de “ndo-eu” que s4o percebidas como esmagadoramente perigosas. Quando se trabalha com essas criancas, torna-se claro que qualquer coisa que ndo seja familiar, e seja “ndo-eu” desperta intenso terror. Um homem de vinte e cinco anos, que foi diagnosticado por Leo Kanner aos quatro anos como sofrendo de autismo infantil precoce, disse que sua meméria do estado autista do qual ele emergiu em algum grau, era de “terror” (Piggott, 1979). Em certos pacientes neursticos, tanto criangas como aduitos, os aspectos autistas recém-descritos e exemplificados esto encobertos por um funciona- mento mais normal. A instabilidade deste torna-se aparente a medida que © trabalho se aprofunda. AS ORIGENS DO AUTISMO PSICOGENICO, trabalho clinico com criangas autistas psicogénicas nas quais néo pode ser detectado qualquer dano cerebral pelos métodos de investigacao atual- mente disponiveis, indica que elas desenvolveram, quando bebés, uma forma- ‘gao macica de reacées de evitacao a fim de lidar com uma consciéncia traumé- tica de separagao fisica da mae. Isto invadiu suas consciéncias antes que seus aparatos psiquicos estivessem prontos para suportar a tensdo. Vocé perce- berd que estou enfatizando o estado organizacional do bebé ¢ nao a idade ‘em que 0 trauma ocorreu. Isto porque, em algumas criangas, o choque ocorreu aps uma associago muito intima com a mide que continuou por muito tempo, ‘enquanto que em outras ela ocorreu na primeira inféncia. Winnicott (1958) descreveu esta tiltima situaco como segue: . certos aspectos da boca... desaparecem do ponto de vista da crianca juntamente com a mae e o seio quando ha separacdo em uma data anterior quela na qual (a crianca) alcangou um estagio de desenvolvimento emo- cional que poderia fornecer o equipamento para lidar com a perda. A ‘mesma perda da mae alguns meses mais tarde seria uma perda do objeto sem esta perda adicional de parte do sujeito. Em termos das recentes formulagées de Stern com relagdo ao desenvol- vimento do self (1986), uma consciéncia traumética da separagdo ocorreu no estado de “self emergente”, ¢ antes que o “nticleo do self” tivesse se desenvolvido. Em outras palavras, ocorreu antes de a mae nutriz, e tudo 6 que isto implica, ter-se tornado bem estabelecida como uma experiéncia psiquica interior e antes que um senso seguro de “‘continuar a ser” tivesse 26 Frances Tustin se’desenvolvido. Assim, esses pacientes sio perseguidos por medos de desinte~ grar-se, de “cai infinitamente” (frase de Winnicott), de cair com um choque prejudicial, de derramar-se, de explodir, de perder a linha da continuidade que garante suas existéncias. Esses terrores foram experimentados em um ‘estado pré-verbal, pré-imagem e pré-conceitual. Eles significam que 0 desen- volvimento emocional e cognitivo da crianca ou se desacelerou ou virtualmente parow ‘Em uma drea oculta de suas personalidades, certos pacientes neurdticos sentem-se impotentemente imobilizados e a ponto de morrer. Eles estao sem- pre tentando contrapor-se a esta interrupgéo mortal em seu “‘continuar @ Ser” superando-se ¢ tendo expectativas ilimitadas de si mesmos ¢ de outras pessoas. Uma vez que so geralmente bem dotados, eles realizam muito, freqiientemente a um nivel cerebral, mas a um grande custo pessoal. Dois sonhos de um homem inteligente que competia eficientemente em sua profisso retratam vividamente esses handicaps autistas. No primeiro sonho, o paciente estava de pé no terrago de uma casa ‘olhando para baixo para uma grande extensio de dgua através da qual um barco passava lentamente. O avango do barco era to lento que a estagao ‘mudou para 0 inverno e 0 barco ficou congelado dentro do gelo. O paciente podia ver 0 madeiramento podre do barco. Ele saiu em um trend com a intengio de libertar 0 barco, mas ele foi to rapido que caiu de cima dele. Isto significa que ele foi até a beira da extensio de agua que estava agora reduzida em tamanho de mar para lago. Além disso, 0s limites deste lago cestavam obliterados pela neve que caira, de modo que a diferenciagao entre terra ¢ dgua era obscura. O paciente continuou tentando alcancar 0 barco por outros meios, mas sempre foi impedido em suas tentativas por obstrucdes e confusdes. No segundo sonho, ele viu um homem caindo de uma janela até 0 chéio que era duro e dspero. Antes que 0 cirurgido pudesse terminar de tratar suas pemas feridas, 0 processo de queda se inverteu e, como acontece as vvezes nos filmes, o homem foi arremessado novamente para cima, para cait da janela como antes. Mas jd entdo ele tinha pesados gessos nas pernas que pareciam ser de concreto. Estes fizeram-no cait mais répido e mais pesada- mente do que antes, de modo que quando ele chegou ao cho, suas pernas feridas ficaram encravadas no chao e ele ficou imobilizado como o barco. DISCUSSAO DA IMOBILIZACAO AUTISTA. Esses dois sonhos ilustram pungentemente a encapsulagdo autista que se desenvolve para envolver e imobilizar a parte danificada da personalidade que diz respeito ao compreender. O pensamento superconcreto torna-se a fordem do dia; a capacidade de fazer as abstragdes necessérias para 0 pensa- mento imaginativo e reflexivo é restrita. O segundo sonho também Barreiras Autistas em Pacientes Neuroticos /27 traz a nogao da queda catastréfica que provocou essas reagées autistas. Os sonhos séo a tinica forma pela qual os pacientes neursticos podem contar-nos. sobre esta catdstrofe. Felizmente eles podem usar as capacidades imaginativas da parte ndo-autista para isso. Entretanto, quando podem falar, criangas autis- tas pequenas podem contar-nos sobre esta tragédia mais diretamente (ver o material de John no Capitulo 4) ‘A queda do estado sublime de unidade jubilosa com a “mae” que, na primeira infancia, € 0 centro do universo da crianga dominado pelas sensacées, faz parte da experiéncia de cada um de nds. Entretanto, para alguns individuos, por uma variedade de razdes, diferentes em cada caso, a desilusdo de “descer para a terra” desta experiéncia extasiante foi uma experiéncia tao dificil prejudicial que provocou reagdes iminentes de encapsulagao. Foi o seixo que provocou o desmoronamento. As reagées de encapsulagéo apsiam e protegem a parte danificada e impedem o medo de ser morto mas, metaforicamente falando, o funcionamento psiquico esté congelado imobilizado. Nao hé fluxo. Também, no primeiro sonho, o paciente estava observando essas expe- riéncias como acontecendo fora dele. Ele estava em um estado elevado olhando: para baixo. No segundo sonho elas estavam acontecendo a uma outra pessoa. Estas experiéncias “fora-do-corpo” neutralizam a ameaca de morte. Na maio- ria dos casos, a ameaca é de algo pior do que a morte. E a ameaca de aniquilagdo total. Reagées de encapsulacdo significam que em uma érea isolada da persona- lidade, a atencdo foi desviada do mundo objetivo que apresenta tais ameacas, ‘em favor de um mundo subjetivo, dominado pelas sensagdes que esté sob seu controle direto. Em certos pacientes neuréticos (e, como diz Sydney Klein, alguns deles sio apenas “moderadamente neuréticos”), isto tornou-se uma forma de vida estabelecida. Essas reagdes de evitagdo, que foram neces- sirias por ocasido da Queda catastréfica, mas que duraram mais que o neces- sdrio, tornam-se barreiras ao funcionamento cognitivo e afetivo. O esforgo para prosseguir e para manter uma aparéncia de normalidade é um trabalho muito dificil. Em uma area isolada de seu ser, tais pacientes sentem que suas vidas giram em circulos sempre decrescentes, como é demonstrado pelo mar que encolhe e se torna um lago. ‘A Queda ¢ seus efeitos secundatios tendem a se repetir em situagdes de vida posteriores onde expectativas enlevadas foram construidas.e sio destro- cadas pelo contato com a realidade. Assim, elas podem ocorrer em situagdes, como o ter um bebé, na crise da meia-idade, apés o periodo da “lua de mel”, na psicoterapia ou psicandlise... Essas pessoas compensam seu senso irreconhecido de serem irreparavelmente danificadas, através de expectativas perfeccionistas de si mesmas e das outras pessoas. Quando essas expectativas impossiveis sao frustradas, a experiéncia infantil de desilusio destruidora é re-editada. Na origem de seu ser eles vivem em um mundo de “tudo ou nada”. E. um mundo em preto-e-branco inflexivel no qual opostos nao podem ser tolerados, porque parecem ameacar destruir-se. Esses medos levam a 28 / Frances Tustin « ‘mentalidade por supostas " radical. A it rente, quando hi oposto. Acidentes de sentit-se no Uma fobia € 0 terrae de uma que foi quase todo 0 munis ¢ {f6bicos so analisados a separagio fisica dm Isto seré ilustrado em no coracéo da defess = line que estéo tao conse uma condigéo agora onto, quero relacionas res, de modo que 0s le semtir-se em territério OS ACHADOS D No trecho citado : de separacao catastréfi sio psicética”. Este 1 colapso - o que Winnic focalizou os sentimente sdo primordial” (Bibr (Spitz, 1960). Balint ese M., 1968). Bion escre Influenciado por Bion descreveu 0 “deficit” p para estimulos que entr sobre a incapacidade ¢ gio”. Eles consideram DEFEITOS COG Este capitulo indi ‘emocionais, com os ¢ mas podem também se vidos em como isto p ee ~— 4 mentalidade estreita, a fanatismo e intolerdincia. Eles podem ser encobertos por supostas “atitudes progressistas”, freqiientemente de natureza ideolégica radical, A instabilidade dessas atitudes extremas algumas vezes torna-se apa- rente, quando hé uma sibita mudanga para outras de um tipo totalmente posto. ‘Acidentes psfquicos primérios também levam a uma necessidade obsessiva de sentir-se no controle do que acontece. Podem levar a reagées fobicas. ‘Uma fobia é o terror de uma parte especifica do mundo exterior, geralmente de uma que foi atraente para 0 individuo, enquanto autismo é terror de {quase todo o mundo exterior, particularmente da mae. Quando pacientes fobicos so analisados em profundidade, freqiientemente descobrimos que a separacdo fisica da mde foi experimentada como uma catéstrofe intolerével Isto serdilustrado em virios capitulos do livro. Esta catdstrofe esta também no coragéo da defesa manfaca. H4 mesmo alguns pacientes chamados border- Tine que estao tao congelados pelo terror, que nao sabem o que sao sentimentos, ‘uma condigéo agora denominada de “alexitimia” (Grotstein, 1983). Neste ‘onto, quero relacionar o que estava dizendo com os achados de outros escrito- Tes, de modo que os leitores com uma orientagdo diferente da minha possam sentir-se em territ6rio familiar. OS ACHADOS DE OUTROS ESCRITORES No trecho citado anteriormente, Winnicott descrevia essas experiéncias de separagdo catastrofica. Ele as vé como resultando no que ele chama “depres- so psicética”. Este tipo de depressio esté associado a uma sensacéo de colapso - 0 que Winnicott (1958) chama de “fracasso”. Edward Bibring, que focalizou os sentimentos de insignificincia e impoténcia, chama-a de “depres- io primordial” (Bibring, 1951). Spitz escreve sobre “depresséo anaclitica” Gritz, 1960). Balint escreveu sobre o defeito basico” desses pacientes (Balint, M., 1968). Bion escreve sobre uma “‘catéstrofe psicoldgica” (Bion, 1962b). Infiuenciado por Bion e também,-naturalmente, por Freud, James Grotste descreveu 0 “déficit” principal desses pacientes como a auséncia de um ‘filtro’ para estimulos que entram e saem (Grotstein, 1980). Os behavioristasescrevem Sobre a incapacidade de criancas autistas “de codificar e processar inform: go”. Eles consideram esta como originada de um ‘“defeito cognitivo inato” DEFEITOS COGNITIVOS EMOCIONAIS ADQUIRIDOS Este capitulo indicou que os defeitos cognitivos (bem como os defeitos emocionais, com os quais eles esto interligados) nem sempre séo inatos mas podem também ser adquiridos. Todos os capitulos neste livro esto envol- vidos em como isto pode ocorrer. A tese bisica é que 0 estado autista € Barreras Autistas em Pacientes Neurdtics /29 ‘uma reagdo a uma consciéncia traumiética da separagéo da mae nutriz produtora de sensagoes. As reagdes autistas desviam a atencdo para longe desta mie, {que € rejeitada em favor de sensagdes auto-provocadas que so sempre acessi- veis e previsiveis, e assim nao provocam choques. Estas ocasionam um estado de percepgéo diminuida que leva a uma diminuigo de pensamento € senti- ‘mento. A crianca autista, ea parte autista de um paciente neurético, é insen- sivel esilenciosa, Ela parece estar em um estado de animacao suspensa seme~ Ihante aquele dos bebés no terremoto do México em 1985, que foram encon- trados com vida apds muitos dias soterrados pelos escombros. Usando isto ‘como metéfora: como terapeutas de tais pacientes, temos que cavar um tinel através dos escombros para alcangé-los. Tendo-0s alcancado, precisamos dar- Ihes toda ressurreigao e cura psiquica que o insight cresceate torna acessfvel para nés. Mas esta € uma tarefa sensivel e delicada, e precisamos estar bem a par, e entender os detalhes, de suas experiéncias autistas. Este livro é ‘uma tentativa de fazé-o. Quando o acidente psiquico de uma perda aparentemente irrecuperavel ‘ocorreu pela primeira vez, essas reagoes autistas foram adequadas e necessé- rias, Mas com o passar dos anos elas se tornaram obsticulos ao funcionamento Psiquico. A tinica forma de o autismo ser modificado é pela interagéo com a vida ¢ pelo uso mais espontineo de suas proprias capacidades inatas. Muitos dos capitulo neste livro sao dedicados a como podemos ajudar nossos pacientes a comecar a fazé-lo. A énfase neste tipo de psicoterapia nao esté na tentativa dde compensar o que inferimos possam ter sido as deficiéncias de suas infncias. (Afinal nds nao estavamos 14 e ndo podemos ter certeza disto). A énfase esté em ajudé-los a passar pelos processos primitivos de luto, que cicatrizaréo a ferida de suas tdo precoces sensagdes de perda, ¢ relaxario as tensdes associadas com o trauma, de modo que eles possam comecar a usar as capaci- dades com as quais eles geralmente sio dotados, Este é um procedimento muito realistico e nao sentimental Em algumas formulagGes psicanaliticas, a mae parece ser, obrigatoria- ‘mente, totalmente responsavel pelo autismo psicogénico de seu filho. E como se a crianca fosse vista como um pedago de argila para ser moldado, a0 invés da particula de dinamite que o bebé humano é. Assim como distorce ‘nossas visdes sobre etiologia, tal abordagem distorce nossas visdes sobre psico- terapia, As tendéncias naturais, inatas dos pacientes para crescimento, cura ¢ criatividade nao recebem peso suficiente nas tentativas de liberté-los de ‘seus impedimentos autistas. O reconhecimento dessas “concess6es" biol6gicas, promove imediatamente uma abordagem mais promissora aos esforgos tera- péuticos. Ao invés de tentar compensar nossos pacientes pelo que achamos que eles possam estar necessitando, tentamos liberti-los, com entendimento inflexivel mas compassivo, de suas priticas autistas de modo que eles possam comecar a usar as capacidades que possuem, frequentemente em muito boa proporgao. Para sto, eles precisam sentir que acreditamos em suas capacidades de fazé-lo. Assim, est implicito em todo este livro que a propria natureza, 30 /Frances Tustin - dos pacientes e nas durante ses autista pico autista, ou parcial A IMPORTAS AMAMENTS A fim de das primeiras comecam. O da mamadeira foco para 0 A forma como 0 ‘no bom ou mau da crianga ¢ pela circunstancias da No desenvol dade especial da € mesmo de ““mistioo™ comunhao empétics € & © crescimento da psiga comportamento tiveram perturbado. Isto signi unidos, eles tém uma s “buraco negro com ms 4, descreveu tao vivid RESTAURACA Este “buraco neg ‘atenuado por “formas discutidos em capitulos atividades cooperativas exterior. Estas estimullan ragio psiquica. Os estad reconhecidas, pois tais ‘sob seu controle tirdm dos pacientes e suas capacidades de resposta, bem como as circunstacias exter- nas durante seu crescimento, terdo desempenhado seu papel na patologia autista psicogeneticamente induzida, quer seja quase total como na crianca autista, ou parcial como em certos pacientes neursticos. A IMPORTANCIA DAS PRIMEIRAS EXPERIENCIAS DE AMAMENTAGAO, A fim de entender esses pacientes, é necessério estar a par da natureza das primeiras experiéncias de amamentagio do bebé. E af que as relagdes ‘comecam. O trabalho clinico indica que a sensacao do seio-na-boca (ou bico da mamadeira experimentado em termos de um gestalt inato do seio) ¢ 0 foco para 0 desenvolvimento da psique. Associado com o abrago da mae, seus olhos brilhantes ¢ a muitua concentragdo da atengao, ela torna-se o nucleo do self. Torna-se associada com regulagdo, com suportar o suspense da espera, com tolerar as limitagdes humanas, com limites e com a escolha de sensagdes. A forma como 0 ” € dado e a forma como ele é recebido exerce influéncia no bom ou mau desenvolvimento da psique. Esta sera afetada pelas respostas da crianca ¢ pela qualidade da relagéo da mae com o pai do bebé, e pelas circunstancias da infancia dos proprios pais. No desenvolvimento normal, 0 elevado grau de responsividade e a quali- dade especial da atencdo da mae nutriz e seu bebé tem algo de sublime, mesmo de “‘mistico”. E uma experiéncia psiquica baseada no fisico. Esta comunhao empatica ¢ a forma mais primitiva de comunicagio. Ela favorece © crescimento da psique. Pacientes que sio propensos a formas autistas de comportamento tiveram este primeiro estado de comunhao traumaticamente perturbado. Isto significa que, ao invés de uma esséncia psfquica que os mantém unidos, eles tém uma sensacao de perda irrepardvel nao elaborada, - um “buraco negro com um picada ruim”’, como John, que é discutido no Capitulo 4, descreveu tao vividamente. RESTAURACAO DO “BURACO NEGRO” Este “buraco negro” nao pode ser enchido com “objetos autistas” nem atenuado por “formas autistas”. (Objetos autistas e formas autistas serao discutidos em capitulos posteriores.) Ele pode ser restaurado apenas pelas, atividades cooperativas com as pessoas e atividades criativas com 0 mundo exterior. Estas estimulam as “concess6es” biolégicas para crescimento ¢ restau- ragéo psiquica. Os estados de autismo impedem que essas “concessGes” sejam reconhecidas, pois tais pacientes temem tudo que ndo possa ser mantido sob seu controle tirénico, Essas “concess6es” sao invisiveis e misteriosas. Barreiras Autistas em Paciemtes Neuréticos /31 Quando elas entram em cena, séo muito mais poderosas para influenciar a forma na qual vivemos nossas vidas do que nossos insignificantes esforgos Para controlar 0 que nos acontece. Elas funcionam dentro de nds sem que Possamos fazer qualquer coisa com relagao aisto. A efetividade da psicoterapia depende de sua liberagao. Nunca sabemos realmente como isto acontece. Mas acreditamos que & medida que os pacientes em um estado autista elaboram gradualmente suas experiéncias de separago, e comecam a relacionar-se aos setes humanos que sio experimentados como separados e diferentes deles Proprios, eles tornam-se capazes de deixar que forcas invisiveis, impalpaveis ue estao além de seus controles comecem a trabalhar dentro deles. Esperanca € confianca comecam a desenvolver-se. Isto significa que existe a base para rengas reais sobre eles mesmos e sobre o mundo exterior. Em resumo, pulses inatas que estavam anteriormente bloqueadas entram em acio MODIFICACAO DO AUTISMO Mas antes que isto possa ser conseguido, o bloqueio autista tem que ser modificado. Em um estado autista, os pacientes nio tém consciéncia de sua prépria humanidade, nem da de outras pessoas. Neste estado eles nio podem fazer as abstragdes necessérias para imaginagao e empatia. Eles esto presos em uma forma de funcionamento super-conereta, dominada pelas sensa- ges. Isto é um grande obstéculo ao trabalho psicanalitico. Nesses estados, 0s pacientes sofrem de uma perda de motivagao. Eles deram as costas & realidade comumente aceita. Ao invés de aproveitar as possibilidades de vida Positiva que esto disponiveis para eles, tanto dentro deles mesmos como ‘no mundo exterior, suas atengées ficam fixadas em objetos ¢ formas de sensa- 40 autéctone (auto-gerada). Esses pacientes so criativos e habilidosos, mas esses dotes seguiram uma direcdo estéril, porque geraram artefatos que eram individidos e indivisiveis. Nossa tarefa é ajudé-los a abandonar essas formas de comportamento automiiticas, idiossincrasicas e comegar a tolerar a tristeza € as frustragdes e a apreciar os prazeres das relagdes profundas, interativas com outras pessoas. Esses pacientes no podem ser maltratados ou mimados Por suas formas simplistas, isoladas de comportamento. Estas apenas sero modificadas na medida em que suas necessidades delas forem entendidas, € experimentem a seguranca de uma relacdo terna, firme, si, zelosa, discipli- nada e disciplinadora que entra em contato com a parte deles que foi abando- nada a sua prOpria sorte fantéstica e excéntrica. A medida que eles experi- mentam isto, os acidentes psiquicos de sua infincia comecam a ser restaurados. Isto ocorre por meio da transferéncia infantil, na qual eles repetem a situacao de desilusio tragica. Precisamos estar a par desta forma de transferéncia ¢ ter algum entendimento sobre ela, se quisermos entrar em contato com estados autistas e modificé-los. Portanto, os pacientes neuroticos podem ser aliviados de seus medos de um colapso que jé ocorreu (ver Winnicott, 1974). 32 / Frances Tustin O tipo de psi tes com tal dano as criangas autistas, vivem, nos neurdticos que tém Demonstram-nos = gem, pré-verbal, inibiu 0 uso de suas, inseguros ¢ des O tipo de psicoterapia restauradora e disciplinadora necesséria por pacien- tes com tal dano a psique seré discutido no Capitulo 16. Parece-me que as criangas autistas, ao clarear 0 mundo idiossinerésico e restrito no qual vivem, nos possibilitam entender de forma realistica e significativa os pacientes neurdticos que tém uma parte de suas personalidades imobilizada, congelada. Demonstram-nos a operagdo autista de formas de comportamento pré-ima- gem, pré-verbal, pré-conceitual. Eles nos mostram que este comportamento, inibiu o uso de suas capacidades e fez com que eles se sentissem excessivamente inseguros e desconfiados. ‘Barreras Autistas em Pacientes Neurdticos/33

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