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Género e Historia: homens, mulheres e a pratica histdrica Bonnie G. Smith Traducdo de Flavia Beatriz Rossler EDUSC Unrate Sayate Canis $6641g Smith, Bonnie G. Género ¢ Hist6ria : homens, mulheres ¢ a pratica histériea / Bonnie G. Smith ; tradugdo de Flavia Beatriz Rossler, -- Bauru, SP: EDUSC, 2003. 502 p. : lem. -- (Colegio Histéria) Inclui bibliografia. Tradugdo de: The gender of History: men, wontan, and historical practice, <1998. ISBN 85-7460-171-3 istoriadores. f. Titulo. 1. Historiografia. 2. IL Série, ‘i DD 907.2 ISBN 0-674-34181-3 (original) Copyright © 1998 by the President and Fellows of Harvard College. Published by arrangement with Harvard University Press. Copyright © (craducdo) EDUSC, 2003 . Tradug2o realizada a partir da edigio de 1998 ++"+ Direitos exclusivos de publicacdo em lingua portuguesa para o Brasil adquiridos pela EDITORA DA UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORACAO. Rua Irma Arminda, 10-50 CEP 1701-160 - Bauru - SP Fone (14) 235-7111 - Fax (14) 235-7219 e-mail: edusc@eduse.com.br e-mail da aurora: bosmith@rei.enigars.edu capitulo 7 MULHERES PROFISSIONAIS: UM TERCEIRO SEXO? relativo a ferénci, is sua defini 40 tam- bém cobria_caracteristicas ortamentais cruza- «de pensar, Caracteristicas cruzadas dependem em Primeiro lugar de fronteiras bem definidas entre os sexos - fronteiras que as poderosas idéias e institui- bes de esferas separadas tinham estabelecido. Al- guém entdo as transgrediu a fim de acumular deta- Ihes comportamentais suficientes para estabelecer- se como membro de um terceiro sexo. Um membro ostensivamente “feminino” desse tendéncia 4 virilidade, dedicar-se a uma carreita ¢ fendencta, a rieliedde, dedicarse ama carreiza’€ evitar a maternidade. No esforco de situar as mulhe- res _historiadoras profissionais que comegavam suas éarreiras no fin: lo-29, parécia plausivel lan- gar a hipétese de que elas podiam de fato ter perdi- (o.a identidade de género, uma vez que, na verda: de, multas temiam aquels-carveia que a: mulheres éstavam seguindo na época. Essa hipotese, assim como a condico proble- mitica das mulheres ilustres, dificultou o trabalho e as carreitas dessas primeiras profissionais. Por tere 387 Ginero ¢ Histéria: homens, mulheres ¢ a prea histérica sido ignoradas a hisroriogy. ficlusive por muitas obras feministas, pode-se dizer que elas precisavam ser resgatadas para a historiogra- fia, ter suas realizagdes plenamente mapeadas e sua ausénda explicada com cuidado. Contudo, elas _prd- prias atabaram ficando inteiramente desorientada Algumas, como Margaret Judson. eram_pudicas a0 ex- tremo, quase assextiadas, e pareciam negar que tives- sem _alguia vez recebido _tratamento injusto. Elas Derdem seu atrativo porque pareciam carecer de co- savam suportar, recusando-se a testemunhar. Judson inclusive dizia a jovens colegas, no inicio da década de {970, que nao fossem tao francas, tao feministas.' Elas eram “solteironas” que viviam em grande parte 2m_guetos femininos na comunidade acadéniica. Era possivel que alguém celebrasse essas comunidades fe- mininas, embora isso significasse do mesmo tempo a celebracao do confinamento, da degradagao e da limi- tagdo de oportunidades. Depois, havia as “mocas de- vassas”, que tivham talvez mais encantos — vistosas € um tanto escandalosas, elas mexiam com a libido de Seus colegas homens e_permaneciam, por isso, mais tempo na meméria académica. Quando chegavam a go prazo eram muitas ve7es consideradas tao extrava- gantemente originais e tao carentes da erudicdo tradi- Gonal que teriam pouco a oferecci de valor duradou- To para a profissao, Pareciam meramente inverter os termos opostos atribufdos a feminilidade: boa moga ou devassa, Maria ou Eva, esposa dedicada ou prostituta. 1, Agradego a minhas colegas Dee Garrison ¢ Mary Hartman por partilharem comigo suas lembrancas de Margaret Judson, a quem ambas admiravam. 388 Mulheres profesionais: um tercira sexo? No entanto, as caracteristices de género das mulheres profissionais ram mais indistintas do_que das com menos clareza. Apenas um punhado dessas mulheres cumpriam a missao feminina de ter filhos € elas também nao estavam inteiramente integradas &m_uma cu tura doméstica tradicional, Se podemos aceitar que historiadores homens faziam parte da re- roducdo da masculinidade de classe média, em que relacionamento as mulheres profissionais e suas obras (e dos homens)? Ao buscar respostas, enfrentamos di lemas, como o de colocar mulheres profissionais “ma- Taras” contra amadoras “inferiores” € com isso, per- petuar a trauma. Ou podemos achar que a historia das_mulheres profissionais nao fwaciona_do_ modo Sagradavel._ As personas profissionais das primeiras mulheres eruditas podem ser muito perturbadoras, ao ponto de impedir uma leitura satisfatéria. Domi- nick LaCapra apontou recentemente as possibilidades de trabalhar com o libidinoso, o trauméatico e 0 repri- mido e de incorporar esses elementos as_narrativas histdricas — uma sugestéo que pode antecipar o pro- jJeto analitico deste capitulo. E a opiniao de LaCapra peimite uma hipétese adicional: nao é por acaso que a historia da erudigo profissional das mulheres foi reprimida por tanto tempo. Outro problema aparentemente impossivel de ser tratado refere-se aos textos sobre mulheres im- Portantes - textos que podem sempre fazer uma “histéria melhor” para substituir uma andlise dos te- 2, LaCAPRA, Dominick. Representing the Holocaust: History. Memory, Trauma. Ithaca: Cornell Univer- sity Press, 1994. Introducio. 389 Génere ¢ Histéria: homens, mulheres ¢ a prética histérica mas em questéo, Além do mais, a literatura sobre mutheres importantes tém sido rejeitada por alguns dos maiores teoristas feministas de nossos dias por una série de boas razes. Ela pode ser “compensado- ra” ou “celebradora”, uma ingénua “histéria dela”, em vez de um mais sofisticado trabalho de histéria do género ou social. As pessoas as vezes ridiculari= zam a historia e a historiografia do “grande homem", mas esses relatos, no entanto, ancoram’as narrativas do passado. 4. mulher realizada & menosprezads nes sa €poca eni um processo.corrente que aumenta os argumentos co! induindo as alegagdes de que @a uma manifestacdo do trauma. siveis, menosprezadas, paradoxais ou bizarras - mis- turaram-se entdo ao “inferior” da histdria cientifica assim tem sido praticamente desde inicio. “A pré- pria palavra [‘ciéncia’] era um fetiche”, escreved’ 0 “historiador W. Stull Holt sobre o clima nos prinveiros fas da profissionalizacdo 10 resultado, éle_con- duiu, “desenvolveram-se -monstruosidades_como ‘ciéncia_ da biblioteca’ e ‘ciéncia doméstica’”.’ Holt aludia em sua lista de monstruosidades & produgio seduzidas por visoes de competéncia, cidadania e émpregos na academia. Estudiosos como R. H. Taw- iey € Marc Bloch eram hostis a mulheres desse tipo. Essa_condicad “monstruosa” chama a atengdo mais Uma vez para a situacao incrivelmente andmala das 3. HOLT, W: Stull. The Idea of Scientific History in America, Journal of the History of Ideas. 1, p. 352, 1940. 4, Sobre Tawney, ver WEAVER, Stewart. A Mar- riage in History: The Lives and Work of Barbara and J. L. Hammond. Stanford: Stanford Univer- sity Press, 1997. 390 Mutheres profissionais; win terceiro sexo? mnulheres na bistéria profissi fim do século 19. fom era possivel, dadas as fantasias, a linguagem e as praticas definidas pelo género que moldavam o campo para as mulheres, sequer considerar 0 traba- lho hist6rico profissional? Excluidas das forgas arma- das, impedic i i é de rece- ber diplomas universitérios em muitos lugares, como élas poderiam ingressar nonnalmente eni-uma profis- sao criada_para_os hi 3? Na verdade, em_algun: Casos 0 antagoni; a heres que fa- ziam histéria tornava-se cada vez mais explicito €, Sheva da inesua faripa cama se abviam. Teitschke Geclarou que somente passando sobre seu_cadaver , uma mulher wansporia a soleira de sia ala de aula. ~ Epistemologicamente, também, as cartas pare-.. ciam estar contra a realizagao profissional das mulhe- © res. A historiadora, como a cientista, conseguira, -de- Pois de ait6s dé experiéncia, libertar-se da emogao, da tuigdo ¢ da parcialidade, a fim de atingir um esta- “AS de espirito devotado inteiramente & verdade. Kant ¢ Hegel. fildsofos em cujas orientagées a maio- ria dos historiadores se baseia (nem que seja de modo derivativo), tinhar gasto longos capitulos de suas obras descrevendo esses indesejaveis estados subjeti- vos como femininos. Para a mente de Kant, apenas os homens podiam operar moralmente de’ acordo com 0 principio do imperativo categorico, e apenas eles po- deriam ter de forma plena uma razao Inata para rela- Gonar-se com 0 que estava fora da compreensao ~ isto €, da natureza - e assim desenvolver o conhed- inento. Kant colocou as atividades das mulheres no reino da nutrigao, da emogao, da sensibilidade e da Giitura, Um plato nessa linha divisoria surgiu com Hlegel, cuja dialética bifurcou o mundo em um sujei- 391 Género ¢ Histévia: howens, mulheres ¢ a pravica hustorica to e um objeto nitidamente opostos: senhor e escra- vo, masculino e feminino, duas partes mmtuamente antagénicas. O sujeito soberano masculino lutava por supremacia, conhecimento e controle do objeto femi- nizado. Para os historiadores, essa realidade objetiva era encontrada em arquivos, fatos e nas informagGes conseguidas com sua habilidade. Onde se posiciona- va_a mulher profissional em um ietrato do trabalho cientffico tao determinado pelo género? ASSUMINDO O PAPEL PROFISSIONAL Amulher profissional trabalhava como homem para conseguir transformar-se em observadora im- fica, fomecedora transcendente da verda ‘ica. A partir do final da década de 1860, quando as uni- wersidades dos Estados Unidos ¢ da Gra-Bretanha co. mecaram a aceitar mulheres para treinamento profis- ional, os estudantes-panicpavam de seminds Conferéncias e grupos de ensino de histéria, além de fazerem pesquisas independentes em arquivos, bi- bliotecas ¢ outros repositérios de material histérico. A pruneira mulher a condluir o ia nios Estados Unidos foi i_que recebeu 0 grau de doutor: isconsin, em 1893.5 Embora as mulheres pudessem estudar em 5. Sobre a situago profissional de mulheres com doutorado em histéria nos Estados Unidos, ver GOG- GIN, Jacqueline. Challenging Sexual Discrimination in the Historical Profession: Women Historians and the American Historical Association, 1890-1940. American Historical Review, 97, n. 3, p. 769-802, June 1992. Entre os trabalhos recentes sobre historiadoras profissionais ou mulheres com experiéncia profissio- _Mulheres profssioncis: 4m ierceiro sexo? Oxford e Cambridge a partir de 1869, elas continua- Yam sem receber titulos académicos nessas duas uni- \eisidades até depots da Primeita Guerra Mundial ¢ da Segunda, respectivamente, As mulheres na Uni- versidade de Londres receberam diplomas a partir de 1878.*Nos Estados Unidos, quando as historiadoras com_experiénc: issional conseguiam emprego ‘nal em geral nos Estados Unidos, ver SCOTT, Joan. Gender and the Politics of History. New York: Columbia University Press, 1988. p. 178-198; PALMIERI, Patri- . Gia. In Adamless Eden: The Community of Women Faculty at Wellesley. New Haven: Yale University Press, 1995; SCOTT, Ann Firor (Org.). Unheard Voices: The First Historians of Southern Women. Charlottes- ville: University of Virginia Press, 1993; ROSEN- BERG, Rosalind. Beyond Separate Spheres: Intellectual Roots of Modern Feminism, New Haven: Yale Uni- versity Press, 1982. p. 288. Sobre mulheres no Canadé, ver BOUTILIER, Be- verly: PRENTICE, Alison L. (Org.). Creating Histori- cal Mentory: English-Canadian Women and the Work of History. Vancouver: University of British Columbia Press, 1997. 6. Para informagSes sobre literatura recente cobrin- do historiadoras profissionais ou mulheres com ex- periéncia profissional na Europa, ver SONDHEI- MER, Janet. Castle Adamant in Hampstead: A His- tory of Westtield College, 1882-1982. London: Wes- tfield College, University of London, 1983; DYHOU- SE, Carol. No Distinction of Sex? Women in British Universities, 1870-1939. Loudon: UCL Press, 1995; MARGADANT, Jo Burr. Madame le Professeur: Wo- men Educators in the Third Republic. Princeton: Princeton University Press, 1987; SCHLOTER, Anne (Org.). Pionierinnen, Feministinnen, Karrierefraen? Zur Geschichte des Frauenstudiums in Deutschland, Piaffenweiler: Centaurus, 1992. Ver também BRIT- TAIN, Vera. Women at Oxford: A Fragment of a His- tory. New York: Macinillan, 1960. 393 Genero e Mitiria: emens, muieres¢ a prtcahinérica no mundo académico, era quase sempre em faculda- des freqiientadas apenas por mulheres, embora_as faculdades para mulheres de Cambridge € ‘Oxford também as contratassem. Uma consideravel quanti- dade delas uabalhava em hist6ria econémica na London School of Economics, onde Lilian Knowles conseguiu seu primeiro emprego como professora de histéria econémica.’ Por fim; apesar de a publicagao de livros néo ser crucial para o avango profissional no periodo anterior 4 Segunda Guerra Mundial, as mulheres académicas escreveram em uma série de areas, incluindo-se as de histéria Classica, econdmi- a, medieval, social ¢ cultural. Para qualquer acesso a um treinamento. a pos- sibilidade de essas mulheres serem aceitas como e¢s- tudiosas sem nenhuma marca ~ isto é, sem nenhum Vestigio de conveng6es profissionais ~ era muito me- for do que Os exemplos que segue nao pretendem ser indicadores de discriminacao; a0 contrario, sao indicadores da impossibilidade de transcendéncla ou de uma OBservagao imparcial. Sao Sais do complcada modo como a mulher ProBssio. nal era produzida, Em primeiro lugar, as familias de recursos limitados, como 0s pals de Helen Maud ram, talvez no mandassem as filhas para thas as ensinassem em casa. “A medida que crescia- ios”, relatou Cam, “alcangavamos os limites do co- Hhedmento {de minha mae] sobre gramatica e sin- 7. BERG, Maxine. The First Women Economic His- torians. Economic History Review, 45, n. 2. p. 308-329, 1992; BEVERIDGE, W. H.; WALLAS, Graham. Pro- fessor Lilian Knowles, 1870-1926. Economica, 6, p. 119-122, June 1926; KNOWLES, C. M. Professor Lilian Knowles. In: KNOWLES, L. C. A. The Econo- mic Development of the British Overseas Empire. Lon- don: Routledge, 1930. 2 v. I, viii. 394 Muteresprofsionoi: uns terceire sexo? taxe. Ela dizia: ‘Sei que isto esta errado, mas nfo sei Bor que” Quando as mulheres passoram a frequen. tar a Universidade, a desaprovacdo da educagao in- telectual feminina que se desenvolvera a partir das Tevelugdes Francesa ¢ Americana evoluira para uma bem-estabelecida “verdade cientifica”, segundo a qual o estudo destrufa a satide fisica e emocional de- las. Q estudo de Patrick Geddes e J. Arthur Thom- son, ia Inglaterra, e do Dr. Edward Clarke, em Har- Vard, atestou que o trabalho intelectual arruinaria a Gapacidade das mulheres de reproduzir € amamen- tar. De acordo com Herbert Spencer e outros cientis-—) fas sociais, a abstinéncia das mulheres de qualquer atividade intelectual como parte de uma divisao se- xual de tarefas era o estégio mais alto da évolugio.’ A medida que a taxa de fertilidade passou a declinar no fim do século 19 € & medida que grandes poten- Gias_odidentais comecaram a preocupar-se com a “boa forma” de suas populagées, o trabalho intelec- tual das mulheres passou a ser visto como especial- imente problemético, perigoso e até impatridtico.” 8. CAM, Helen Maud. Eating and Drinking Greek. Girton Review, 184, 12, 1969. Muitos manuscritos titeis de Cam esto depositados nos arquivos do Girton College. 9. GEDDES, Patrick; THOMSON, J. A. The Evolution of Sex. London: Walter Scott, 1889; SPENCER, Her- bert. Principies of Biology. London: Williams and Nor- gate, 1867. Ver DYHOUSE, Carol. Girls Growing Up in Late Viewrian and Edwardian England. London: Routledge and Kegan Paul, 1981. p. 139-175; GOR- DON, Lynn. Gender and Higher Education in the Pro- _gressive Era, New Haven: Yale University Press, 1990. 10. O estudo cléssico é “Depopulation, Nationalism. and Feminism in Fin-de-Sidcle France’. de Karen Offea, American Historical Review, 89, p. 648-676, June 1984 395 Género¢ Mitra: tamens, multeres ec prétieehisérca Depois da Primeira Guerra Mundial, 0 temor de que 2 atlvidade WtetectUat Terninina pudeive ser “noctvs pudesse ser “nociva Asatide e ao cérebro” intensificou-se." As_mulheres_historiadoras_profissionais_em contraste com outras mulheres de classe média ¢ 2 maior parte das amadoras, nado eram casadas. Sua condigao de “solteironas” era cada vez mais notada, ‘a medida que 0 século 20 avangava. Enquanto os ho- mens historiadotes profissionais usavam uma retéri- ca de trabalho ¢ de sustento caracteristica da classe média heterossexual em relacdo a sua erudi¢io, e en- quanto arregimentavam os esforgos de uma equipe de companheitos para pesquisar, editar € escrever histéria, tais heneficios ndo existiam para realgar a situagao profissional das mulheres. Casamentos e re- lacionamentos_heterossexuais eram praticamente excluidos para elas, apesar da linguagem normativa de heterossexualidade que inspirava 0 trabalho his- torico, Elas sabiam que aceitar um trabalho at / mico 0u mesmo tentar ir um diploma aca thico significava renunciar a vida familiar. A maioria, énsinava € escrévia sem apoio doméstico, uma lacu- na que realgava a singularidade do mundo académi- co, Embora muito poucas fossem casadas, os casa- mentos de mulheres tao destacadas quanto Eileen Power (entéo com quase cinglenta anos) e Lilian Knowles foram e ainda so alvo de comentiiios. 0 Gsamento_desfezia_a autonomia, to importante para a construcdo da Gentista-cidads. Mais de uma profissional - Jane Ellen Harrison, de Cambridge, es- pedialista em classiciswr.n, por exemplo - admitiam 11. Conferéncia da Society of Oxford Women Tutors com a Association of Head Mistresses, 23 de feverei- ro de 1917, transcrigéo de minutas, Arquivos do Lady Margareth Hall, Eleanor Lodge Papers, caixa 1. 396 Mothers profionat Tecusar propostas por causa _da posicgo inferior que imediatamente assumiriam com 0 casamento."* Kno- wles representou um caso raro a0 ter uma cameira PYofissional ¢ um filho. Em geral, a historiadora profissional solteira ti- tava proveito do companheirismo de outra mulher profissional - Eleanor Lodge com Janet Spens, no Westfield College; Lucy Maynard Salmon com Ade- - laide Underhill, no Vassar College; Katherine Coman ¢ Katherine Lee Bates, que moraram juntas. forman- do 0 que era chamado de um “casamento a Welles- ley”. As dezenas de casais de mulheres entre as his toriadoras operavam no contexto de wna nova femi. nilidade e do fenémeno de “mulheres excedentes”, ‘Um niimero cada vez maior de mulheres em muitos paises ocidentais nao casava, ¢ elas viviam juntas, independentes de suas familias, como casais ou em Brandes pensoes, clubes e apartamentos para mulhe- Tes." Em todas as comunidades exclusi e fe: 12. Grande pante da informacgo sobre Harrison neste capitulo vern dos trabalhos de Jane Fller: Harrison no Newnham College, Cambridge. Sobre Harrison, ver espedalmente PEACOCK, Sandra. Jane Ellen Harri- son: The Mask and the Self. New Haven: Yale Univer- sity Press, 1988; ¢ STEWART, Jessie. Jane Ellen Harri- son: A Portrait from Letters. London: Merlin, 1959. E extensa a literatura sobre Harvison ¢ as “ritualistas” de Cambridge. 413. Ver LODGE, Eleanor. Terms and Vacations. Ed. Janeth Spens. Oxford: Oxford University Press, 1938; BROWN, Louise Fargo. Apostle of Democracy: The Life of Lucy Maynard Salmon. New York: Mac- ‘millan, 1943. PALMIERI, Patricia. In Adamiess Eden: The Community of Women Faculty at Wellesley. New Haven: Yale University Press, 1995. p. 137-142. 14. 0 fato de, no final do século 19 e inicio do sécu- Io 20, rauitos paises ocidentais terem um “exceden- 397 9 ¢ Histéria: homens, mulheres ea prétca histériea mininas, como era o caso de muitas escolas que 36 aceitavam mulheres, a homossociabilidade alcanga- Iheres escritoras podiam contar com suas parceiras. mies ¢ irmas para pesquisas, anotacoes, revisao de textos € outros tipos de ajuda editorial. Eileen Power, que foi eleita secretaria da Economic History Society (Sociedade de Histéria Econémica) na década de 1920, arregimentou sua tia, Bertha Clegg, para pre- Parar as atas das reunides e convenceu a organizagao a pagar a Clegg uma pequena remuneragao. Em ge- ral, no entanto, autoria ¢ persona profissional ¢ram mais raras entre as mulheres e elas eram mais mal Pagas do que os homens, embora aquelas que tives- sem dependentes nao fos ens responsdveis fi- Ranceiramente do que seus colegas homens. Medieval dlufdo para a impresso por uma amiga, e seu vitivo, Michael Postan, apregoava ter iniciado — ou de fato escrito — a maioria de suas obras.'* Q trabalho intelectual das mulheres era, dessa forma, nao apenas colocado_em um contexto de transparéncia, conhecimento de classe média e co- te” de mulheres solteiras nao tem sido explicado com muita clareza. O excesso pode ter sido devido A imigracdo masculina, ao servico no exército impe- rial, & expectativa de vida mais longa das mulheres ou a outros fatores. A camnificina da Primeira Guer- ra Mundial exacerbou a tendéncia. Ver (para a In- glaterra) VICINUS, Martha, Independent Women: Work and Community for Single Women, 1850- 1920. Chicago: University of Chicago Press, 1985. 15. Salvo citagdo em contrario, detalhes sobre a vida de Power vém de BERG, Maxine. A Woman in History: Eileen Power, 1889-1940. Carnbridge: Cam- bridge University Press, 1996. 398 Mulheres prefisiuais: um terctiro sexo? munidade republicana, mas também situado ~ tal- vez com mais forca — dentro de uma feminilidade Problemética, inferior. Embora alguns homens pu- fessem usar, com referéncia a mulheres profissio- nais, a ret6tica do colegiado profissional, da associa- so universitéria e de colaboradores em pesquisa em trabalhos eruditos, outros ndo conseguiam imagi- né-las nesses termos. Estudantes universitérios de uma ponta a outra da Europa periodicamente causa- yam disturbios e provocavam violéncia contra a pre- Senca de mulheres nas universidades.Na Espanha, as | éstudantes eram apedrejadas; no Newnham College; -” da Universi le Cambridge, alunos do sexo mas- Gulino rebentavam portdes em protesto. Os professo- res empregavam sua prdpria forma de “disciplina”, uma visdo contradiscursiva, porém efetiva, da mu- Iher profissional. “Nunca me i tao _amargurada na vida”, Eileen Power escreveu em 1921, 40 ouvir ~. que os decanos de Cambridge tinhami mais uma vez « votado contra as mulheres receberem diplomas € . participarem da_wniversidade’." As nyulheres es- trangeiras que estudavam na Alemanha achavam que, de uma forma ou de outra, eram tratadas como excecao. Edith Hamilton, que estudou filologia em Leipzig e em Munique, em 1895 e 1896, fez a se- guinte colocacao: “Ser americano significava, é claro, no ter instrucdo e, no caso de uma mulher, nao con- seguir de maneira alguma se instruir.” Enquanto as alemas eram inteiramente proibidas de freqiientar salas de aula, Hamilton precisou unir-se aquelas mu- Iheres estrangeiras que, embora admitidas, eram im- — 16, Eleen Power para Bertrand Russell, 21 de out bro de 1921, citado em BERG, Maxine. A Woman History: Eileen Power, 1889-1940. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 141. 399 ‘Cénero ¢ Mistiria: homens, mulheres ¢ a prea histérica pedidas de aproximar-se do professor. Em Cambrid ge, “alguns conferencistas faziam questao que as mulheres sentassem_sepatadamente e dirigiam-se apenas aos ‘cavalheiros’”.!’ Dos professores america- nos que afirmavam que “é claro que as mulheres nao podiam podiam participar de semindrios” aos decanos de de_semindrios” aos decanos de Oxbridge que se empenhavam para que elas 40 que se empenhavam para que elas nao conseguissem diplomas, nao pudessem assistir a au” las nem fazer exames, a historia cientifica marcou as mulheres como diferentes - menos dignas, menos competentes € perigosamente intelectuais. As mu- theres eruditas nao faziam sequer parte de um se- gundo sexo; elas eram um terceiro sexo. Muitas pessoas tentavam impedir que as mu- theres conseguissem_emprego, mas eral esses Qpositores nao precisavain esforcar-se muito. Os ho- mens eram vistos como membros de fraternidades, estudiosos e colegas; as mulheres, como qualquer ou- ras ficavam marcadas como inadequadas para a aca- demia. Frances Collier, autora de The Family Econom) of the Working Classes in the Cotton Industry, 1784-1833 (A conor farther das clases rabalhedoras na feds sidade de Manchester, mas lé s6 conseguiu trabalhar como secretéria de um departamento. Apesar de uma lista cada vez maior de eminentes publicagées Geptificas, Bleanora Canus- Wilson {1897-1977} pre- cisou fazer trabalhos sociais governamentais e priva- dos; ela foi ja para um cargo em horario in- 17. HAMILTON, Edith: HAMILTON, Alice. Students in Germany. Atlantic Monthly, 2, n. 3, p. 130-131, Mar. 1965; MCWILLIAMS-TULBERG, Rita. Women at Cambridge: A Men’s University-Though of a Mi- xed Type. London: V. Gollancz, 1975. p. 207, 400 Mutheres projisonais unt ercero sexo? tegral na London School of Economics apenas em 1946. Nos Estados Unidos, muitas mulheres que ti- nham doutorado em histérie, como Helen Sumner Woodbury, passaram a fazer pesquisas para 0 gover- no € outras porque, como ela disse, “as autoridades preferem professores homens”.'* Jane Ellen Harrison tentou varias vezes ser professora universitéria, mas nunca conseguiu. A indicagao de um concorrente, Ernest Gardner, deixou-a particularmente aborreci- da, porque ele representava tudo 0 que ela despre- zava no mundo académico: “obtusidade e conven- cionalismo, além de édio as idéias”.”” Sociedades hist6ricas locais, bibliotecas, arqui- yos e publicacdes especializadas também contrata- vam mulheres eruditas, que eam vistas como menos adequadas a uma carreira universitaria do que os ho- tens. Julia de Lacy Mann conseguiu primeiro um emprego como secretéria de um historiador e mais tarde envolveu-se na prepatagio da publicagao Eco- nomic History Review, recentemente criada em Cambridge. A Ecole des Chartes, em Paris, que for- mava historiadores, arquivistas e bibliotecarios pro- 18, BERG, Maxine, The First Women Economic His- torians. Ecoitomic History Review, 45, n. 2, p. 309, 1992; CHIBNALL, Marjorie. Eleanora Mary Carus-Wilson, 1897-1977. Proceedings of tie British Academy. London: ‘Oxford University Press, 1982. p. 503-520; GOGGIN. Challenging Sexual Discrimination in the Historical Profession: Women Historians and the American Historical Association, 1890-1940. American Historical Review, 776, n. 14, p. 776, June 1992. Ver, entre ou- tras obras de Helen Sumner Woodbury, sua pioneira History of Women in Industry in the United States, Was- hington: Bureau of Labor Statistics, 1910. 19. Hope Mirrless. “Outline of a Life", manuscrito 1, Jane Ellen Harrison Papers, Arquivos do Newnham College, Cambridge University. 401 Género.¢ Hisséria: homens, mulheres ¢ @ prévea historia fissionais, passou a admitir mulheres em 1906. Em vinte anos, duas haviam se formado no topo de suas turmas e seguido a carreira de arquivistas. “Ainda que lamente que as mutheres nao desempenhem o Papel que a natureza Ihes destinou”, escreveu o di- retor Marcel Prou, “nao se pode negar que elas com- binam com 0 estudo cientifico”. De fato, se as mu- Theres devessem seguir uma carreira, ele concluiu, o trabalho em arquivos “seria o mais adequado para 0 papel de mae € dona de casa” *° Arquivos e outros re- Positérios foram gradualmente feminizados durante século 19; € no século 20, as proprias arquivistas tomaram-se conhecidas como “criadas da historia’.”" “Durante a Priméira Guerra Mundial, os deca- nos das universidades inglesas tentdram livrar-se in- teiramente do professorado feminino, e apresentaram uma proposta que sugeria recrutar todas as mulheres universitarias em um batalhao de “servigo domésti- co”. No mundo académico, a guerra podia ajudar.a restabelecer 0 género, transformando as decanas am- biguamente femininas em “mulheres” de novo. Mas essas decanas tinham na verdade cruzado a linha do feminino. Havia “muita gente boa que nao era capaz de combinar a roupa”, protestou Ada Elizabeth Le- vert, do Westfield College, e que ja estava fazendo” 20. PROU, Marcel. L'Ecole des Caries. Paris: Société des Amis de IEcole des Chartes, 1927. p. 20. Agrade- 0 a Jennifer Milligan por fornecer-me esse trabalho. 21. Ver, por exemplo, GARRISON, Lora D. Apostles of Culture: The Public Librarian and American So- ciety. New York: Free Press, 1979; MAACK, Mary Niles, Women Librarians in France: The First Gene- ration. Journal of Library History, 18, p- 407-449, autumn 1983. Mulhetes norte-americanas arquivis- tas, em especial Margareth Cross Norton, lutaram durante décadas pelo reconhecimento profissional. 402 importantes contribuigées para o esforco de guerra. Além disso, ela perguntou, que direito tinham as ins- tituigdes educacionais de estabelecer essas politi- cas?" A profissao era construida como democrética € aberta ao talento: contudo, os homens eram melho- res, superiores e mais inteligentes, enquanto as mu- theres eruditas eram automaticamente domésticas. Sob_essa luz, era possivel que se pagasse as mulheres estudiosas de igual ou melhor desempe- nho do que os homens um salario muito inferior, porque embora iguais ou melhores, elas eram tam- bém consideradas inferiores e menos valorizadas. Antes da Primeira Guerra Mundial, a muito cele- brada Lilian Knowles recebia muito menos do que_ seus colegas i i ingi nivel de professora universitéria.” No Canadé, em 1929, Sylvia Thrupp conseguiu apenas ser instruto- ra na Universidade de British Columbia, embora es- tivesse comecando a publicar muitos trabalhos res- peitados. Enquanto isso, os homens ocupavam car- gos importantes, conseguiam promogées e recebiam quase 0 dobro do salrio dela, apesar de nao terem nenhuma obra publicada. Como amadoras, as mi theres profissionais_precisavam ganhar_dinheir elas eram auténomas e, como os homens, tinham ue garantir seu sustento e o de suas familias - em geral pais ¢ irmaos. No entanto, na légica libidinosa 22. Society of Oxford Women Tutors e Association of Head Mistresses, transcricao de conferénda, 23 de fevereiro de 1917, Lady Margaret Hall. Eleanor Lodge Papers, caixa 1. Ver também LEVETT, Ada Eli- zabeth. The University Woman and the War. Athe- eum, 4613, Jan. 1917. 23. BERG, Maxine. A Woman in History: Eileen Power, 1889-1940. Cambridge University Press, 1996, p. 181-182, 403 Géuezo.¢ Histéria: homens, anulheres ¢ a prética histéviee que caracterizara a profissao desde seu inicio, elas estavam também situadas no mundo de fantasia que ameagava o mundo masculino da histéria, e que estimulava.a pesquisa, mas nao se ocupava dela, A profisséo_continuou 140 confusamente mar- cada pelo género depois da Primeita Guerra Mundial quanto estivera nos anos anteriores. Mais mulheres na Alemanha e na Austria concluiam seus doutora- dos: e nos Estados Unidos algumas mulheres faziam trabalhos de graduagao em escolas de elite como Har- vard, muitas vezes mandadas para ld por seus profes- sores das escolas exclusivamente femininas.** De acordo com Margaret Judson, que estudou em Har- vard na década de 1920, a maioria dos professores homens em Harvard “nunca parecia olhar as alunas como se elas fossem inferiores ou nao merecessem re- ceber o melhor ensino”. Até a década de 1950, Sa- muel Eliot Morison atravessava a Avenida Massachu- setts para dar uma palestra separada para as alunas de Radcliffe no seu curso de historia norte-america- na. O tnico professor que Judson encontrou pessoal- mente em Harvard que “odiava as mulheres erudi tas” foi Roger Merriman: ele jamais permitiu Thulhe- res em suas aulas e nao lecionou em ‘Radcliffe. Mas ela precisou estudar o Renascimento e a Reforma, em 24. Ver Annette Vogt, “Findbuch (Livro-indice): Die Promotionen von Frauen an der Philosophischen Fakultét von 1898 bis 1936 und an der Mathema- tisch-Natucwissenschaftlichen Fakultét von 1936 bis 1945 der Friedrich-Wilhelms-Universitat 2u Ber- lin sowie die Habilitationen von Frauen an beiden Fakultaten von 1919 bis 1945", Preprint 57, Max- Planck-Institut fiir Wissenschaftsgeschichte (Ber- \in); FELLNER, Fritz. Frauen in der dsterreichischen Geschichteswissenschaft. Jahrbuch der Universit Salzburg. Salzburg: Die Universitat, 1984, 404 Mauleresprofsionais: un terccra sexe? uma detenninada cadeira e, apesar da reputagdo de Merriman, foi obrigada a consulté-lo. Ela entao diri- giu-se a sua sala: “Ao entreabrir a porta e ver uma mulher do lado de fora, ele manteve um pé firme- mente plantado contra a porta e, com muita rapidez, bateu-a na minha cra, encontrando tempo apenas Para dizer ‘Nunca tenho nada a tratar com mulhe- Tes’. Merriman recusou-se a ser seu examinador € 0 departamento providenciou um substituto. As mu- Iheres precisavam deixar a biblioteca Widener as seis da tarde e nao podiam entrar na biblioteca juridica de Harvard. Muito mais tarde, Judson conseguiu per- missio para usar a biblioteca juridica de Harvard, mas “apenas se eu entrasse pela porta dos fundos”. Em 1931-1932, ao mesmo tempo em que ela ire- qiientava a biblioteca de Lincoln’s Inn (uma faculda- de de direito de Londres), muitos estudiosos de varias partes do império, particularmente da india. todos homens, enchiam a sala de leitura’ Ela era a Unica a precisar sentar-se com um bibliotecdrio de cada lado. “Ror qué? S6 posso supor que os bibliotecarios daque- le santuario masculino ficassem imaginando por que uma mulher estaria interessada em manuscritos.”# Durante o tempo em que Judson uabalhou em sionais. ela teve que comer sozinha, enquanto os ho- Inens faziam as refeigdes no Harvard Club ou em al- io s6 de homens. Com isso, ela perdia informagées e recebia uma visdo mais limita da das quest6es que estavam sendo consideradas. No da das questoes que estavam sendo consideradas, No 25. JUDSON, Margaret. Breaking the Barrier: A Pro- fessional Autobiography by a Woman Educator and Historian before the Women’s Movement. New Brunswick: Rutgers University Press, 1984. p. 30. 34, 109, 92. Genero ¢ Hiss final da década de 1920, no entanto, ela sentia-se feliz por ter um emprego. Embora as mulheres esti- vessem conseguindo diplomas ou _mantivessem os omens abastecidos de alunos que pamicipavam de Cursos de extensdo gm muitas universidades, suas berspectivas de emprego nessas instituicGes cram sombrias. Um doutorado, “quando nas costas do sexo da Neatby, nao servia para nada na década de 1930. George Wrong, da Universidade de Toronto, apoiava a igualdade‘das mulheres na profissao, ten- tava contornar o fato de que todos “preferiam indi- car_um homem”, mandando suas _nielhores alunas para.os Est; i ou ier ~~ “Na década de 1920; essas estudjosas formavam nao: apenas alvés visiyeis, individuais dentro.da tO: fissdo-~ colegas-que os homens esf . “ mantel Teta de reunldes ou a respeffe de“atiem tomar vam decisOes contrarias - mas também um grupo vi- sivel de mulheres profissionais realizadas. Seu pré- prio desempenho era entéo manifesto (como o da es- tudiosa normalmente competente) e altamente ca- racterizado. O presidente do Vassar College permitiu- se reprimir a nacionalmente conhecida Lucy May- nard Salmon por usar um tipo de culote quando ia de bicicleta para a aula. Jane Ellen Harrison ainda é des- crita pela cor de sua roupa; ela adorava as cores ver- 26. Citado em PRENTICE, Alison. Laying Siege for the History Professoriate. In: BOUTILIER, Beverly; PRENTICE, Alison L. (Org.). Creating Historical Me- mory: English ~ Canadian Women and the work of History. Vancouver: University of British Columbia Press, 1997. Ver também HAYDEN, Michael (Org.). So Much To Do, So Little Tine: The Writings of Hilda Neatby. Vancouver: University of British Columbia Press, 1983. 406 _Mulheresprofisionais: um tehciro texa? de e azul. As esposas, segundo se relata, achavam seus decotes muito profundos € sew comportamento coquete demais. Esperava-se que os homens fumas- sem, mas ela nao podia (embora o fizesse). Por esas razGes, e talvez porque adorasse dancar tango, mui- tas pessoas conhecidas nao a convidavam para seus eventos sociais. Até mesmo para suas melhores ami- gas, Harrison parecia ousada e experimental em seu comportamento. “Se vocés algum dia me deixarem voltar”, ela escreveu para os amigos Mary e Gilbert Murray em 1903, “prometo solenemente nio... co- mer uma pastilha de cocaina”. Nas décadas de 1920 1930, notava-se que Eileen Favier passave multas 3085 DOItes a dancar em clubes londrinos e “a dis- tnbuir olhares para i " i w} Power, serviam para feminizd-las_e sensvializ4-las. Knowles era-conhecida & tOsos, autoconfianga inabaldvel ¢ uma mae cujo jar- dim continha os mais fantasticos morangos”.” Muita Goisa era dita sobre a ferainilidade de Power, mas em geral servia para corroborar suas qualidades pessoais de “radiante” e “criatura encantadora”. Bla era cele- rada em comentarios e vinhetas (inventadas por ho- mens) que se referiam a seus “longos brincos que t- nham a cor € o formato exatamente certos” e davam outras descrigGes de seu vestido." A “matrona” Helen 27. Jane Ellen Harrison para Gilbert Muzray, 2 de ja- neiro de 1903, em Newnham College Archives, Cambridge University, Jane Ellen Harrison Papers, caixa 1. Ver também Hope Mirtlees, “Outline of a Life”. Sobre Power em chubes londrinos: comunica- Gao pessoal de Sir Jack Plumb, Cambridge, 1985. WALLAS, Graham. Professor Lilian Knowles, 1870- 1926, Economica, 6, p. 119, June 1926. 28, WEBSTER. Charles K. Eileen Power, 1859-1940. Economic Journal, 50, n. 200, p. 572, 1940. 407 Género ¢ Histéria: homens, amulheres ¢ a prética historica Maud Cam, em contraste, trabalhava na Biblioteca Bodleian, em Oxford “parecendo uma galinha choca emi seu ninho, placida e confortavel, mas pronta para bicar se a _ocasiao exigisse. Alguns de seus melhores artigos devem ter sido ‘chocados’ ali”. Para tornar-se uma escritora profissional, Virginia Woolf comentou, “precisei matar o anjo da casa”. Muitas mulheres his- toriadoras profissionais parecem ter feito 0 mesmo, ou eram consideradas como se o tivessem. res pareciam _nitidamente assexuadas, modelos _pe- vezes mencionavam esse pedantismo como a raza para essas mulheres nao terem permissa¢ para parti- cipar de eventos profissionais, como encontros infor- sentiriam a vontade se nao pudessem fumar, beber ou falar abertamenté”* Ao tomar essas decisoes, os- homens também representavam) 0 genero © suas Tie- Tarquias, acréscentando um novo aspecto as suas per- Sonas, Tossem eles reunir-se socialmente com mulhe- res, ensinar- istorii juda-las a conseguir um diploma superior. Frederic Maitland era conhecido por apolar Mary Bateson: “Podemos encoitrar outro editor [do Cambridge Medieval History|", ele escreveu por ocasiao da morte dela aos quarenta-e um anos, 29. Citado em MAJOR, Kathleen. Helen Maud Cam. Dictionary of National Biography, 1961-1970. Ed. E. T, Williams e C. $. Nicholls. Oxford: Oxford University Press, 1981. p. 166-167. 30, Ver GOGGIN. Challenging Sexual Discrimination in the Historical Profession: Women Historians and the American Historical Association, 1890-1940. American Historical Review, passim; BROWN, Louise Fargo. Apostle of Democracy: The Life of Lucy Maynard Salmon. New York: Macmillan, 1943, passim. 408 Mutheres profissionais: um terecire sexo? “mas nao outra Senhorita Bateson. Mal posso acredi- tar que ela tenha partido’. Gustav ler até aceitava estudantes do sexo feminino, ao passo que Treitschke nao; Langlois era_conhecido por aceitar alunas, mas dava-lhes apenas “tépicos femininos” Como trabalho de pesquisa. Até mesmo os homens jo- Vens recém-chegados a um departamento sentiam-se a vontade para atacar estudantes mulheres € 4s pro- fessoras mais antigas, a fim de abalar qualquer liga- gao delas com o ensino de histéria. O caso da tentati- va de um professor assistente de destituir Lucy May- nard Salmon do cargo de titular do departamento de fistéria do Vassar College é muito conhecido naquelé estabelecimento. Foi necessdria una grande mobili- Zacao de Salmon, de ex-alunas, de conselheiros, do . corpo docente e dos estudantes para impedir que a jestituigdo se concretizasse.” Madeleine Wallin, do Corpo de professores de histéria do Smith College até seu casamento na década de 1890, escreveu aspera- mente sobre um novo colega, Charles Hazen, que considerou o tio de uma universitéria “grosseiro” por 31. F W. Maitland para Henry Jackson, 2 de dezem- bro de 1906, em The Letters of Frederic William Mai- tland. Ed. C. H. $, Fifoot. Cambridge: Cambridge University Press, 1965. p. 388. Os elogios de Mai- tland para Bateson foram muito comoventes. Ver The Cambridge Review, 6 Dec. 1906; ¢ Selected Histori- cal Essays of Frederic William Maitland. Ed. Helea ‘Maud Cam. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. p. 277. 32. Os documentos de Lucy Maynard Salmon nos Arquivos do Vassar College contém muitas pastas referentes a esse caso. Também bastei-me em Eliza- beth Adams Daniels, “Lucy Maynard Salmon and James Baldwin: A Forgotten Episode”, trabalho preparado para a Conferéncia Evalyn A. Clark, Vas- sar College, 12-13 de outubro de 1984 409 Género ¢ Hisséria: homens, mulheres ¢ a pt querer que “uma moga atraente como ela” seguisse um curso de histéria da politica. Ela rapidamente percebeu o desprezo de Hazen pelas mulheres de “in- telecto desenvolvido” e logo abandonou a profissao.” A soma dessas informacdes foi importante para as mulheres. Ela estabeleceu_a definicgo do género no mapa profissional, mostrando os perigos dos quais elas precisariam sempre lembrar, aprender a se de- fender e estar preparadas para enfrentar. Contudo, como a retérica da histo ientif smo tempo igualitaria e hierérquica, muitas vezes era im- possivel saber o que poderia acontecer. Excluidas da homossociabilidade_masculina ¢ das redes na profissio._e muitas vezes da heterosso- ciabilidade quando tr. ambientes mis- tos, grupos de mulheres profissionais em seus respec- tivos paises cada vez mais identificavam-se da mes-. ma maneira que os homiens - isto é, como diferentes e distintas. Elas formavam grupos, como 0.Berkshire Conference of Women Historians (Conferéndia de Berkshire de Mulheres Historiadoras), que _impri- iniam uma identidade especial adicional as historia- doras profissionais. Outras ainda conquistaram uma Hdentidade por quebrar regras: Caroline Ware, por exemplo, podia participar de reunides informais de homens e era tratada com o maximo respeito. Sob Gualquer ponto de vista, elas viviam uma vida qué finha mais de uma direcao. Muitas vezes elas associa- vam-se a um grande numero de amadoras e valoriza- vam seu trabalho. Da mesma forma como admirava Frederic Maitland, Helen Maud Cam escreveu mui- tas andlises sobre romancistas histéricos, e um livro 33. Madeleine Wallin para George C. Sykes, 23 de setembro de 1894, Arquivos do Smith College, Co- lecao Wallin, pasta 6. 410 Mutheres profissionais: um serceiro sex0? inteiro sobre o tema. Jane Ellen Harrison uniu-se a amadoras renomadas como Alice Stopford Green, mas detestava mulheres educadoras mais profissio- nais, como Miss Beale; e Eileen Power era grande amiga dos Hammond. A ambigiiidade invadiu a inter- retacao da identidade sexual as mulheres. Eileen Power era lésbica, na opiniao de algumas pessoas, € aS vezes era abordada como tal. Jane Hellen Harrison flertava com homens da mesi jue com mu- lheres, e estava plenamente ciente da beleza das mu- eres. Incentivadora de Isadora Duncan, lia poemas ‘Bregos em voz alta enquanto Duncan dancava’* No final, fica pouco claro como enquadrar de - maneira_honesta_essas mulheres em categorias con- vencionais. Pense em Anna J. Cooper, a priméira mu- o lber afro-americana a utorado em histéria (1925). “Os golpes e as ferroadas do preconceito”, ela escreveu, “sejam de cor ou sexo, ndo me encontram insensivel demais para sofrer, nem ignorante demais para saber o que me é reservado”." Nascida escrava em 1858, Cooper Iutow para receber uma educacao_ classica e protestou vigorosamente contra os obstacu- Tos que a comunidade afro-americana colocava no ca- 34. Hope Mirrless. “Outline of a Life’, manuscrito IM, Jane Ellen Harrison Papers, Arquivos do New- nhain College, Cambridge University. 35. Citado em GABEL, Leona C. From Slavery to The Sorbonne and Beyond: The Life and Writings of Anna J. Cooper. Northampton, MA: Smith College, De- partamento de Histéria, 1982. p. 79. Para uma in- terpretacao do pensamento de Cooper no contexto da vida intelectual afro-americana, incluindo suas dimensdes de classe ¢ género, ver GAINES, Kevin K- Uplifting the Race: Black Leadership, Politics, and Culture in the Twentieth Century. Chapel Hill: Uni- versity of North Carolina Press, 1996. p. 128-153. 4il Género ¢ Hietéria: homers, mulheres ¢ a prétiea hinérica minho da instrugéo das mulheres, Um _menino. por Tpais escassa que fosse suia bagagem intelectual sw- perficiais suas pretensoes, precisava apenas Perficiais suas pretens0es, precisava apenas demons- trar_umma leve intengao de estudar teologia, conseguir todo o apoio, incentivo e estimulo de que Precisasse, era dispensado de trabalhar e investido antecipadamente de toda a dignidade de seu distan- te officio. Enquanto isso, uma moga que se sustentas- se precisava lutar dando aulas no verao e trabathan- do depois do hordrio escolar para conseguir pagar as despesas de moradia ¢ alimentacao, e realmente com- Com graduacdo e mestrado obtidos no Oberlin College, Cooper ensinou latim no colégio secundario Dunbar, em Washington, D.C., até sua aposentadoria em 1930. Seu objetivo, contudo, era o doutorado, ini- cialmente negado devido as lutas politicas na sua es- cola e também pelas-exigéncias da Universidade de Columbia quanto 4 residéncia. Fora da rede académi- ca, seus contatos eram os lideres de comunidades ne- gras € outros ativistas. Apenas apds os sessenta anos Cooper obteve seu doutorado pela Sorbonne, com uma tese intitulada “The Attitude of France toward Slavery during the Revolution” (“A atitude da Fran- a com relacdo & escravidao durante a revolucdo”). Ela ja publicara um volume de ensaios, A Voice from the South (Uma voz do sul) e livros sobre a vida e obra de Charlotte Forten Grimké. Gredenciada como pfo- fissional apos muitas décadas ta e trabalho de- terminados fora da universidade, Cooper, como mui- tas outras mulheres profissionais, combinou varios ti- os de textos, experiéncias int ais € uma ardua 36. COOPER. Anna J. A Voice from the South: By a Black Woman of the South. Xenia, Ohio: Aldine, 1892. p. 77. Muteres proisionau: ume tereciro sexo? atividade para conseguir seu sustento, tornando difi- cil sua categorizacao. A muiher profissional era uma éntidade imprecisa, um. ‘un borrio. O TRABALHO PROFISSIONAL Os paradiginas do trabalho histérico profissio- nal consistiam em um foco voltado para a politica na erudicdo, uma metodologia que dava énfase a um experiente observador despersonalizado e um con- junto de praticas baseadas no exame minucioso de documentos estatais e na apresentacdo dos resultan- tes textos histéricos para a adjudicagao de uma co- munidade de especialistas, Essas praticas universal- mente aceitas eram expressas em termos de dimor- fismo de género: uma importante e valorizada esfe- ra masculina dé atividade que gerava historia exis- tia ao lado de uma esfera feminina e familiar histo- ricamenté insignificante- ‘Além disso, os praticantes eram _descritos em termos de uma comunidade de classe_média de especialistas homens cuja_com- reensao e treinamento em ciéncia histérica_eram Gracessivels aos menos aptes — 6 que signilcava as mulheres do Ocidente e os povos nao-ocidentais mo tempo vista como universal, disponivel para to- dos, isenia de qualquer caracteristica e sem genero. A erudigio era dessa forma 0 conduite quesedi se distan- Gava de uma femimilidade degradada rumo ao uni- versal mai: vado. “Fico contente em saber”, uma dessas_mulheres pioneiras escreveu-me, “que seu foco seja na erudi¢ao das mulheres e nado nas mulhe- je escrevem sobre a histéria das mulheres”. res qu 37. Carta de 5 de agosto de 1985. 413 Génera ¢ Hiséria: homens, mulheres ¢ a prética histérica Desde seu ingresso na academia, as mulheres rofissionais trilharam o caminho para a mesma eru- dicdo universalmente verdadeira que os homens vay lorizavam. As americanas faziam as obrigatorias via- ens para a Alemanha e a Franca, a fim de aprende- rem as técnicas de filologia, criticismo de seminarios € pesquisa_em arquivos. As mulheres britanicas — Eleanor Lodge e Eileen Power, por exemplo, - faziam a mesma peregrinagado das que estudavam na Ecole des Chartes, em Paris. Uma_vez estabelecidas em universidades e faculdades apenas para mulheres, es- sas historiadoras dedi o_possive) a pesquisa em arquivos. Para Lucy Maynard Salmon, isso significava ir ao continente com regularidade; Margaret Judson fez diversos programas e viagens de verao a Inglaterra; ' Violet Barbour passava todos os * verdes em arquivos 1 na Holanda." Mary Bateson, Ca- roline Skeel, Eleanor Lodge, Ada Elizabeth Levett, Maude Violet Clarke, Eileen Power e Helen Cam fo- ram outras que fizeram uso extensivo de registros em Monastérios e arquivos locais.’* Os avancos no treina- 38. J. B. Ross, comunicacao pessoal, maio 1985. Sou grata pelas muitas informaées fornecidas por Dr. Ross no decorrer de diversas entrevistas. 39. Agradeso a generosa informacao recebida de Ja- net Sondheimer sobre muitas mulheres historiado- ras, incluindo Helen Maud Cam e Caroline Skeel, durante nossas conversas no ano de 1985. Sobre Skeel, ver Caroline Skeel Papers, Arquivos do West- field College, University of London. Sobre Ada Eli- zabeth Levett, ver CAM, H. M.; COATE, M.; SU- THERLAND, L. S. (Org.). Studies in Manorial History. Oxford: Oxford University Press, 1938, que contém informasao bibliogréfica e também sua palestra inaugural, Ver também Ada Elizabeth Levett Papers, Arquivos do Westfield College, University of Lon- don. Sobre a medievalista Maude Violet Clarke, 4i4 Mutheres profisionaie: um terceire sex0? mento profissional das mulheres também as interes- gavam e elas produziam artigos sobre_as oportunida- des das mulheres em universidades da Europa e dos Estados Unidos.** Para estarem adequadas aos objeti- vos profissionais, publicavam edicdes_competentes sob 0 ponto de vista filolégico e densamente referen- Giadas-de registros e manuscritgs institucionais, pro-_ duzidos il ositivo compativel:com os * especialistas. Bateson, graduada pelo Newnham Col- lege, recebeu 0 maior dos elogios quando Maitland enalteceu-a por nunca ter condescendido em escreve © que quer que fusse para o leitor em geral." Essas profissionais imaginaram seus trabalhoé em termos civicos e socialmente responsaveis, e um que.morreu em 1935 aos quarenta e trés anos, ver CLARKE. M. V, Fourteenth Century Studies. Ed. L. S. Sutherland ¢ M. McKisack. Oxford: Clarendon, 1937, com um esquéte biografico por £. L. Wood- ward. Ver também Maude Violet Clarke Papers, Ar- quivos do Lady Margaret Hall. 40. Ver, por exemplo, ZIMMERN, Alice. Women in European Universities, Forum, p. 187-199, Apr. 1895. Zimmern observou que as universidades ale- mas tinham em geral retrocedido, privando as mu- theres de seu tradicional dircito de assistir 4s pales- tras. Zimmem também narrou sobre liceus france- ses para mulheres, clubes de mulheres, moradia para mulheres € a posicao de governanta. Alguns documentos estéo disponiveis nos atquivos do.Gir- ton College. Os documentos de Lucy Maynard Salmon nos Arquivos do Vassar College contém manuscritos de artigos que Salmon escreveu em universidades eu- ropéias € sobre o estado corrente do aprendizado de histéria. 41. Selected Historical Essays of Frederic William Mai- tland, Ed. Helen Maud Cam. Cambridge: Cambridge University Press, 1957. p. 277-278. Genero ¢ Histria: homens, mulheres ¢ a pritica histrica local importante na comunidade foi a escola femini- na. No final do século 19, as escolas para homens ra- pidamente evoluiram da idéia de uma populagao se- mimonastica de estudiosos e alunos, mas muitas es- colas para mulheres ainda funcionavam segundo. esse modelo. As mulheres eruditas muitas vezes viviam dentro dos limites da escola, assumindo uma persona inteiramente académica. Enquanto a grande maioria de seus colegas homens tinha esposa e familia ¢ mo- rava em casas individuais, as historiadoras mulheres nao tinham uma vida familiar imediata, heterosse- xual, e conservavam wma ligacdo mais firme com as instituigdes da vida colegiada. Uma vez ou Outra uma mulher se rebelava, mas a rebelido resumia-se a uma gn Dier se Fen elavdy Masia Leveled resuibia sea. Variagao na afirmagao do eu auténomo, civico. Lucy Maynard Salmon recusou-se a viver nos aposentos do Vassar College e preferia pegar um bonde para ir de Poughkeepsie até o campus. “Fago parte de uma co- munidade”, ela afirmava, reclamandc _do_desprezo pelo isolamento da intelectual tipica ¢ pela vida do- théstica imitada pelos dormitérios da escola.* O extremo esforco das feministas e outras ati- vistas para conseguir acesso A educagao superior for- neceu um contexto parcial para a erudicéo das mu- Iheres. Muitas acreditavam que o imperfeito mundo publico e privado tornar-se-ia melhor se as mentes femininas fossem bem treinadas. O Westfield Colle- ge, na Universidade de Londres, fora criado parcial- mente com 0 objetivo de oferecer um melhor treina- 42. Enuevista com J. B. Ross, Washington, D. C., maio 1985. Sobre 0 ideal doméstico em dormits- tios de faculdades, ver HOROWITZ, Helen. Alma Mater: Design and Experience in the Women’s Col- leges from their Nineteenth-Century Beginnings t0 the 1930s. New York: Knopf, 1984. 416 _Muaveres profissionais: won terceiro sexo? mento para missiondrias, enquanto as faculdades para mulheres na Universidade de Cambridge desti- navam-se a servir de cunha na modernizacao dos currfculos nas faculdades destinadas a homens." A linguagem da cidadania, a politica de massas ¢ a ré3- ponsabilidade social que acompanhavam a admissao das mulheres & educagio superior levaram muitas delas a articular seu trabalho em termos de reforma. Como complemento a sua erudicdo. Jane Ellen Har- fez palestras ¢ escreveu pecas populares sobre mu- Iheres universitarias e a Primeira Guerra Mundial,” sobre prostituicao, sobre mulheres universitdrias € religiao e sobre as mulheres no mundo pés-guerra. Caroline Skeel deixou anotagoes de palestras sobre as mulheres na Guerra Civil Inglesa e sobre mulheres pregadoras. Helen Maude Cam, comprometida com © Partido Trabalhista, fez palestras sobre o movi- mento pelo voto das mulheres fa Inglaterra, sobre The Wide Wide World (O vasto e imenso mundo), de Su- san Warner, e sobre as condi¢ées sociais nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, onde os movimentos por_reformas afetavam sobremaneira_faculdades como a Wellesley, o corpo docente € as estudantes trabalh r ifismo, € roduzindo textos em éstilo amador sobre muitas dessas cc usas."" A historiadora cultural Caroline Ware 43. SONDHEIMER, Janet. Castle Adamant in Hampstead: A History of Westfield College, 1882- 1982, London: Westfield College, University of London, 1983. p. 10-24. 44. PALMIERI, Patricia. Jn Adamless Eden: The Community of Women Faculty at Wellesley. New Haven: Yale University Press, 1995. passim. a7 Genero e Histéria: komens. nudheres¢ a prévica histérica yecordava-se de ter aprendido em Vassar que 0 co- nhecimento historico era “o prelidio para a aga0 so- cial responsavel”. Lucy Maynard Salmon repreendia os alunos que jogassem lixo no chao, por menor que fosse: jogar lixo no chao era um menosprezo # res- Ponsabilidade civil.** O profissionalismo das mulheres foi, dessa for- ma, gerado dentro de um limite extremamente am- plo, que incluia 0 vocabulério, a trajetoria da erudi- §40, o sentido de tempo e muitos outros impulsos tan- to de homens profissionais quanto de mulheres ama- doras. Algumas escreveram as mais tradicionais das” recendo a historia legal e constitucional do periodo medieval e do inicio do moderno.* Outras ousaram tomar um rumo diferente muito cedo, mostrando seu avangar rumo @ histéria_econémica_e social. Esses ara Mostrar a experiénda profissional das mulheres. Eney Maynard Salmon, por exemplo, comevara cain um livro premiado sobre o poder da presidéncia; sua segunda mai i umn estudo estatistico ¢ quali. tativo do servico doméstico. Nellie Neilson, primeira mulher a presidir a Associacao Historica Americana e rofessora de historia no Mount Holyoke College, pu- blicou seu Economic Conditions on the Manors of Rarmsey ‘Abbey (As ccndicées econdmicas das herdades da Abadia de Ramsey) em 1899. As estudiosas da geragao seguinte contjnuaram a demonstrar interesse na histéria eco- 45, Caroline-Ware, ensaio preparado para a Confe- réncia Evalyn A. Clark, Vassar College, outubro 1985. 46. Ver BENNETT, Judith. Medievalism and Femi- nism. Speculum, 68, p. 309-331, Apr. 1993. 418 ‘Mutletes profsiousis: um trctro sexo? némica medieval. Embora Bertha Putnam mostrasse que os registros da justica de paz eram ricas fontes de informagio sobre a vida econémica cotidiana na Ida- de Média, e Ada Elizabeth Levett continuasse a es- crever sobre os contornos econdmicos da vida rural na Idade Média, Eileen Power entrou em dreas como a producéo ¢ o comércio de 1a.” ‘A antecessora de Power na London School of Economics, Lilian Knowles, ensinou historia econd- mica_a amadoras e profissionais, enquanto seu pré- prio trabalho centrava-se na historia econémica do . inicio do periodo moderno, do moderno e da Gra- Bretanha imperial, No Wellesley College, Katharine Coman escreveu The Industrial History of the United, States (A histéria industrial dos Estados Unidos), um tage balho estatistico ricamente ilustrado, e Economic Bes; ginnings of the Far West (Inicio econémico do Extremo. Oeste; 1912). Uma variedade de impulsos fomentou. essas histérias. “Em vez de provocar 0 choque entre heréi ¢ vildo”, escreveu Mabel C, Buer em uma his; téria econémica e demografica da Revolucao Indus- trial que ela dedicou a Knowles, “apresentamos as asneiras triviais de homens e mulheres comuns. No entanto, o cinza sé é cinza de uma visio distante e imperfeita”, ela continuou, refletindo a visio pano- ramica e de perspectiva da amadora. “Visto mais de perto, € um padrao estranho e confuso de cores niti- damente contrastantes”.* 47. HASTINGS, Margaret; KIMBALL, Elisabeth G. ‘Two Distinguished Medievalists: Nellie Neilson and Bertha Haven Putnam, Journal of British Studies, 18, n. 2, p. 142-159, spring 1979. 48, BUER. Mabel C. Health, Wealth, and Population inn the Early Days of the Industrial Revolution, London: Routledge, 1926. ix. 419 Génerae tise: homens. mullieres¢ a préticalusérea Acompanhar 0 padrao econémico desse traba-, Iho era a orientagio local. Caroline Skeel, do Wes- Uield College, escreveu um livro sobre o comércio de gado, além de um estudo em dois volumes sobre 0 governo local na,regido da fronteira entre Inglaterra € Pais de Gales nos séculos 18 e 19. Eleanor Lodge, que também se interessava por histéria econdmica e que treinou varias historiadoras econémicas impor- antes, escreveu estudos sobre a Gasconha, organi- Zou © livro contébil de uma propriedade de Kent, € criou um estudo sobre o movimento comunal fran- cés para 0 Cambridge Medieval History (A histéria me- dieval de Cambridge). Helen Cam esereveu sobre gran- des homens no mundo juridico ¢ grandes estudiosos da historia juridica, muitas vezes incluindo preciosos dados econémicos. Muitas mulheres historiadoras vi- gham de familias do cleto rural: como carecjam de recursos, a pesquis: elas, referi “enc irar coisas sob seus pés. Dess: bora a esquisa em arquivos fosse fundamental, as profis- exemplo, as_notas_manuscritas de Caroline Skeel ira seus livros e artigos revelam que ela usava nao relatos de viagens, enirevistas com residentes idosos sobre costumes, termos ¢ praticas.** £5 profisionats reeltvam-o-estuda sobre mu Iheres ilustrés €m favor de dados econdmicos e sociais sobre mulheres qué 4s amadoras também se empe- 49. Janet Sondheimer, coniunicacdo pessoal 30 de julho de 1985. 50. Caroline Skeel Papers, Westfield College. Uni- versity of London, arquivo designado “Welsh Cloth-Cattle”: 420 Mutheresprofainats: um tercir 4x0? nhavam para desenvolver. Apés a volta de Power da Franga para a Inglaterra, por exemplo, ela desistiu da tese sobre a Rainha Isabella, que Langlois the havia indicado. Desde o inicio, no entanto, evitar a mulher ilustre servira como indicative da mais distinta € pro- issional erudigao. Afirmar que os valores da histéria clentifica situam-se na hierarquia do género ¢ que a inequivoca difamacgo da mulher ilustre é um tépico inportante tem periodicamente abasteddo 0 profis- sionalismo das mulheres e ajudado na sua busca do poder institucional, Essa nova indicagao de rota to- mou dois caminhos. Em_um, essas novas mulheres cientificas comprometiam-se com a profissio escre- vendo biografias de homens. Na Gra-Bretanha, Bea- trice Lees, do Lady Margaret Hall da Universidade de Oxford, escreveu sobre Alfredo, o Grande e sobre textos biogrdficos em geral; Kate Norgate, que escan- carou o mundo amador e © prolisional escrevendo pata 0 Dictionary of National Biography (Diciondrio de biografia nacional) e auxiliando os decanos de Oxford. em suas pesquisas, editoragéo € redacdo, produziu seus prOprios estudos sobre John Lackland, Henrique III € Ricardo Coragdo de Leio; Cecilia Ady (filha da historiadora amadora Julia Cartwright) escreveu so- bre Lorenzo de Médicis e Pio II e recebeu um Fes tschrift em sua homenagem. Mary Williams, professo- ra do Goucher College, em Maryland, e inflexivel de- fensora dos difeitos das mulheres na profissao, publi- cou pesquisas sobre politica e diplomacia na América Latina, além de uma biografia: Dom Pedro the Magna- nimous, Second Emperor of Brazil (Dom Pedro, 0 Magni niimo, segundo Imperador do Brasil; 1937). Esses temas de estudo - homens poderosos, mas as vezes Viner: veis ~ deram seguimento ao projeto historico de mos- tara supremacia masculina, a auto-suficiéncia ¢ as 421 Genero e Histéria: homens, mulheres ¢ a prévica histérica realizacGes diante de grandes desigualdades. Como os taulher profissional.. Apesar de ignorarem a possibilidade de profis-. sionalizar o estudo sobre a mulher ilustre, muitas das primeiras geragoes de profissionais — mas certamen- te nao todas - usaram as oportunidades da histéria social e econ6mica para comtinuar, de uma forma ou de outra, a explorar o passado coletivo das mulheres. Para a maioria, a inspiracdo era parte de um compro- misso_feminista reconhecido. De acordo com T. F. Tout, a ardente sufragista Mary Bateson tinha uma “tendéncia a dissipar sua energia para debates publi- cos sobre um palafque ou na imprensa”.*! Convendi- da por seu primeiro mentor, Mandell Craighton, de que sua erudi¢ao era mais importante do que seu fe- minismo, ela torndu-se'uma vida pesquisadora e es- pecializou-se na editoragdo de textos e registros lo- cais. Ela também escreveu um estudo pioneiro sobre monastérios mistos, alguns dos quais eram controla- dos nao pelos homens, mas pelas mulheres, que ou- viam as confissdes dos homens e tinham o poder de_ excomungar.* Ela apontou a misoginia na igreja: Sao Columban, segundo seus relatos, “odiava as mulhe- res’. Apesar da evidéncia “insuficiente, fragmenta- da e desconectada”, Bateson afirmava que os monas- térios mistos podiam ser encontrados em grande par- te da Europa e que as casas individuais tinham vida 51. TOUT, Thomas Frederick. Mary Bateson. Dictio- nary of National Biography. London: Smith Elder, 1912. p. 110. Suplemento. 1901-1911. 52. BATESON, Mary. History of the Double Monas- teries. Transactions of the Royal Historical Society, 13, p. 137-198, 1899. (nova série), 422 ‘Mutheres profissionsis; wm trecro 4x0? longa, 0 teor de seu artigo sugerindo o potencial da recém-integrada universidade britanica. Na geracao seguinte de mulheres de Cambrid- Be, Medieval English Nunneries, circa 1275 to 1535 (Con- ventos ingleses medievais aproximadamente 4275 a 1335; 1922), de Bileen Power, foi um modelo de erudicéo Profissional, baseado em registros arquiepiscopais _ €Piscopais, relatos sobre a catalogacdo de casas indi- Viduais, petices, inventérios, registros dos atos dos Soberanos e plantas fisicas das casas. Power inter Tompeu a linha de especulagao de Eckenstein sobre direito materno entre Os pré-cristaos, rituais pagaos* esua relagao com a mariolatria, além de questdes so- bre_a-espiritualidade feminina. Ela, ao contrario. concentrava-se na riqueza dos detalhes encontrados em fontes de arquivo, como livros contabeis monas- * ticos, registros de bispos e testamentos. O resul tado : foi um denso relato sobre as origens sociais das frei- a Tas, a estrutura institucional d as ativi- | dades que geravam renda e os problem: fina- res e econdmicos. Alguns dos detalhes pareciam po- Sitivamente amadores em sua superficialidade: va- rias paginas descreviam os cachorros, macacos, es- quilos, coelhos e outras espécies que as freitas man- tinham como animais de estimacio; ricas descric6es da comida ingerida em cada refeicao em diferentes conventos; hordrios de refeicdes, sessGes de jardina- gem, oracées, leitura e uma abundancia de outras atividades; relatos sobre discussées triviais entre prioresas ¢ freitas por causa de roupas, mobiliério, comida, tarefas, visitas e conduta geral. Medieval Ei glish Nunneris eu_um estudo re jao-romantico e bem documentado. Muitas das frei- ras, como-a obra mostra, eram aristocratas; discu- 423 Genero ¢ Histéria: homens, mulheres € a prévca histrica tiam_sobre quem seriam_as prioresas, ou simples- sea chefe; os conventos eram em grande parte um “depdsito de lixo” de filhas “excedentes”, ilegitimas, indesejadas, deformadas ou mentalmente icien- tés das classes mais altas; na Inglaterra, a ndo ser no Periodo anglo-saxao, eles nao er: tros educacio- Nais nem intelectuais, e nunca produziram uma Hil- degarde von Bingen ou uma Elisabeth von Schoenau; muitas freiras inglesas durante aqueles séculos eram to obscenas, mundanas, freqiientadoras de tabernas ¢ sexualmente ativas quanto 0s homens dos monas- térios.”» A feminista Power achava a freira aristocra- ta tao “real” quanto a mulher da classe trabathadora e, por isso, digna de nota. A estratégia de Power produziu uma espécie de erudicdo burlesca. Havia tantos tipos de peixe e outras comidas-requintadas, taltos cintos de prata, fitas, sedas, peles e jéias de ouro, tantos exemplos de queixas, intrigas e bebedeiras que as autoridades da igreja precisavam, intervir constantemente. na vida dos conventos. Q revisionismo era desenfreado na obra de Power. Ela mostrava que tanto freiras quanto padres — aristocratas, e em geral escrupulo- Sos sobre suas nobres prerrogativas € seus luxos — exerciam o direito a uma variedade de prazeres car- promissos com a vida espiritual e os votos de casti- dade. Mulheres como as que abandonavam marido e filhos para adotar o véu deviam ter sido movida: or uma vocacao religiosa muito forte, ou entao por um enfado extremo. Ela tornou a opsao vivida: al- ym enfado extremo. 53. POWER, Eileen. Medieval English Nunneries, cir- ca 1275 to 1535. Cambridge: Cambridge University Press, 1922. 424 _Mulleres proftsionais: wm terero sexo? gumas mulheres podem ter considerado a vida de casada tao odiosa quanto “lamber mel de espinhos” (40). As freiras ndo eram universalmente magnani- mas: a abadessa tipica ndo era dedicada nem com- prometida com a construgéo de uma grande insti- tuigdo para a gloria de Deus; ela era comum e. como outras, buscava “escapar de algo daquela vida tri- vial, que € tao penosa para o espirito” (94). Power retratou freiras dormindo durante 0 servigo religio- 30, simplesmente nao participando dele ou trazendo fonsigo caes, macacos € passaros para ajuda-las a eral, elas Imaginavam Tormulas para abreviar os oficios. “Suprimiam sflabas no inicio e no fim de pa- lavras; omitiam os dipsalma ou pausacio entre dois versos ...: pulavam frases; murmuravam e resmun- gavam coisas inintelig(veis” (292). Na verdade, 0 resultado mais sério foi uma espécie de anomla me- dieval que atormentava as congregacées: “a acidia, aquela térrivel doenga, metade tédio, metade me- lancolia” (293, 294-297). “Pois a tensdo era dupla: 4 monotonia era acrescentada uma completa falta de privacidade, o desgaste da vida em comum; nao apenas fazendo sempre a mesma coisa a0 mesmo tempo, mas também fazendo-a em conjunto com Power extraiu uma piedade feminina norma- tiva_da historia das mulheres, fazendo da vocagao jigiosa delas “acima de tudo uma carreira respei- tavel” (29) e explicando a atividade sexual em con- ‘Ventos como “compreensivel”. Nos textos de Power, tomou forma um complexo_prototipo da mulher Profissional como um terceiro sexo: “A dificuldade inicial do celibato ideal nao precisa ser forcada”, ela comentou, referindo-se & passagem das freiras da Género e Historia; honrens, mulheres ¢ a prética histiriea castidade a devassiddo (436). Jane Ellen Harrison tambem atacou a teologia (e secretamente a religio- sidade caracteristica das mulheres) em grande par- te de sua obra: “Deus e razao sao tennos contradit tios”, ela afirmou. Essas duas historiadoras, assim como muitas de suas colegas, retrataram uma femi- nilidade que conflitava com a feminilidade devota do ideal de classe média: Toda teologia é apenas um racionalismo sutilmente velado, uma fina rede de claridade irreal langada sobre a vida e suas realida- des”. Contudo, 0 compromisso da profissio com 0 hiper-racionalismo também nao alcangou o objeti- vo: 0 “intelecto” deveria ser “o servo, nao o senhor, da vida”. A histéria, praticada de maneira apro- priada, solapava o género. Um entrelacamento entre sexualidad: ra- cional e o imacionsl TaYacieH7oWs obra das muilhe- Tés profissionais. “Vocé leu as ‘conferéncias de Gif- ford’ de William James?” Harrison perguntou a seus amigos Mary e Gilbert Murray. “As partes sobre misticismo e embriaguez me encantaram e as expe- tiéncias de ‘revelacao sob anestésico’ sdo as minhas proprias”.** A percepcdo de Harrison sobre 0 traba- lho do intelecto podia acompanhar o paradigma de visio, mas dependia de uma tecnologia mais nova do que procedimentos médicos. A grande obra, ela afirmou, “langa um grande holofote em lugares es- curos... As coisas antes nao vistas ou insignificantes brilham na_projegao” fumminosa... Novos caminhos 54. HARRISON, Jane Ellen. Alpha and Omega. Lon- don: Sidgwick and Jackson, 1915. p. 206-207. 55. Jane Ellen Harrison para Gilbert e Mary Murray. 14 de agosto de 1902, Arquivos do Newnham Col- lege, Carnbridge University, Jane Ellen Harrison Pa- pers, caixa 1. 426 Mulheres profissiouais: um terceiro sexo? abrem-se diante de nés”. Harrison via a atividade Embriagada, subconsciente, dionisiaca até do ex profissional. Titar conclusdes no trabalho erudito ti- tha_um_alcance fisico muito grande: “uma subita Sensacao de entusiasmo, um impeto de ardor, com freqiiéncia um rubor quente e, as vezes, lagrimas nos olhos.” O trabalho intelectual era “um processo sensual € emocional”.*” A indeterminagdo de categorias tornou-se muito pronunciada na obra de Harrison, assim como ha apresentacao de seu ew profissional; mas sua sig- nificagdo parece ter escapado 4 maioria das pessoas, ' com excegao talvez de Virginia Woolf. Dizia-se que © personagem Orlando, de Woolf, que possuia dois ou muitos sexos, incluia grande parte de Harrison. Mais indistintas ainda estavam as categorias no livro The” mis, de Harrison, que acabou com a idéia do confit que envolvia herdis reais do mundo antigo em lute pela individualidade. Ao contrétio, Harrison propu®' nha, 0 conflito era um aspecto dos primeiros rituals de fertilidade, que comecavam regularmente cori uma disputa representando uma luta mitica. Apenas mais tarde os intérpretes passaram a ver, na repeti- cdo de rituais agonisticos em pecas antigas, a-luta de individuos verdadeiros. © heréi no era, segundo ela, “um homem real, {mas} apenas um ancestral inven- tado para expressar a unidade de um grupo”.** Con- siderando que todo o movimento de historia realisti- 56. HARRISON, Jane Ellen. Themis: A Study of the Social Origins of Greek Religion. 2nd ed. Cambrid- ge: Cambridge University Press, 1927. xii. publ orig. 1912. 57. Id., Alpha and Omega. London: Jackson, 1915. p. 141. 58. HARRISON, op. dt. 1927, p. 267. idgwick and 427 Genero ¢ Histéria: homens, miuiheres ¢ a préica histérica ca seguia 0 padrio agonistico, era possivel extrapolar que as historiadoras tinham padronizado seu realis- mo sobre ritos de fertilidade - que, longe de render o mito 4 verdade, a histéria meramente perpetuara um mito derivativo. Embora a obra de Harrison ti- vesse enome influéncia entre alguns classicistas ho- mens, outros historiadores cientificos liam o trabalho iconoclastico ¢ erudito de Harrison como frdgil, infe- rior, nao profissignal: “O livro como um todo atraird sobretudo o amador condescendente e nao a pessoa experiente e capaz.”* As mulheres estudiosas eram vistas como destruidoras do profissionalismo, uma yez que tentavam retrabalhar o género. O estudo de Harrison sobre os ritos da fertili- dade e o mito matriarcal como o ponto originério da posterior religido olimpiana confundia igualmente interpretagdes e praticas-padrao. Seu compromisso com o darwinismo, tao populer entre muitos histo- riadores cientificos da época, pode ser considerado mitigador do potencial transgressivo de suas desco- bertas: a mudanca do rito da fertilidade para a dou- trina de principios podia ser vista como coerente com uma mudanga progressiva e ascendente do ma- triarcado para o patriarcado. Embora Harrison forne- cesse mais do que meros indfcios da preciso de tal interpretacdo, ela ao mesmo tempo considerava 0 olimpianismo, assim como as teologias posteriores em geral, mais opressivo do que rituais ctonianos. A teologia codificou em lei o que era meramente uma crenga de grupo, criando um dogma a partir de pra- ticas primitivas que exprimiam alegria, medo e ou- 59. Lewis Parnell, Oxford Magazine (1912), citado em PEACOCK, Sandra. Jane Ellen Harrison: The Mask and the Self. New Haven: Yale University Press, 1988. p. 212. 428 Mutheres profesionai: um tercira sexo? tas emogées, Nas paginas iniciais de Themis, apoian- do-se em teorias recentes de psicologia, Harrison in- sistia que consciente € inconsciente eram funda- mentais e, embora associasse 0 consciente com mas- culinidade e teologia, ela jé conectara finnemente 0 emocional e 0 inconsciente ao intelecto. Por fim, Harrison abriu caminho para trazer a “verdade” de volta a terra, desmistificando-a e associando-a a po- der e pratica de grupo. A maioria das pessoas, ela afirmava, dizia “Penso, logo ajo; a moderna psicolo- gia cientifica diz, ajo (ou reajo ao estimulo externo), por isso passo a pensar”. A tendéncia ao materialis-" mo ea psicologia iria aos poucos orentar mais mem- bros da profissao de histéz7ia. Comparando até certo ponto os impulsos da profiss4o, Harrison apregoava encontrar uma “origem” ou iundamento para a reli- gido na criacdo, pelo corpo, de rituais de suas pré- prias sensagdes. Mas quando as elites suprimiram esse ativismno corpéreo em favor'de um dogma reli- gioso ¢ filoséfico, a histéria tomou um rumo errado, que teve miltiplas ‘repercussdes, a primeira das quais foi a supressio das mulheres. A histéria cientifica avangava e se modificava nas mos dessas profissionals. Fortalecida por seu ex- celente treinamento, Lucy Maynard Salmon afastou- por exemplo, no seu premiado History of the Appointir Power of the President (Historia do poder do presidente; 1886) - e partiu para o amplo campo da investigagao que, a partir de entao, ela exploraria. Seu estudo so- breoservico doméstico, uma mistura de historia, eco- nomia € sociologia, usou_pesquisas elaboradas e res- pondidas por alunas e ex-alunas do Vassar_Colle- 60. HARRISON, Jane Ellen. Alpha and Omega. Lon- don: Sidgwick and Jackson, 1915. p. 152. 429 Género ¢ Histéria: homens, mutheres ¢ a pratica ittérica gS Esses questiondrios pediam dados econémicos so- bre preferéncias € antipatias com relacdo a emprega- dos domésticos. Salmon prefaciou sua andlise dos da-* dos com uma extensa histéria sobre o emprego domé: tico. No entanto, a descrigao desse tipo.de emprexé és tava longe de ser condlusiva. Algumas.emprégadas do- * mésticas detestavam seu trabalho: “Eu largaria o ser- vico doméstico se conseguisse entontrar outro empre-" _ go que me permitisse progredir”; “Quando percebi,o. que estava fazendo, era tarde demais’-Outras adora-° * vain esse tipo de trabalho: “Nao ha t##Balho mais sau-~ davel para as mulheres”, ou “Tenho mais conforto do que em outro trabalho’. Déssa forma, ao contrario das © teformistasfsalmon acreditava que salario nao era o Unico fator a atrair as pessoas para o trabalho domés- tico_nem para afasta-las dele. “O que decide a ques- pre o tratamento pessoal, mas aquela coisa sutil que a mulher chama de vida. ‘Salarios, horarios, satide e mo- ral’ podem pesar na balance a favor do servico domés- * tico, mas a vida pesa mais do que todos os outros fato- res.” Embora Salmon dispusesse de grande quantida- de de detalhes meticulosos e os usasse com tanta ha- bilidade quanto qualquer amadora ou profissional, sua obra recebeu Asperas criticas por seu tema infe- rior; o empreendimento ndo era “digno dela”, decla- rou um critico do The Nation, Empregados domésti- cos representavam um tema apropriado para amado- res, mas nao para profissionais premiados. 61. SALMON, Lucy Maynard. Domestic Service. New York: Macmillan, 1897. 62. Citado em BROWN; Louise Fargo. Apostle of De- mocracy: The Life of Lucy Maynard Salmon. New York: Macmillan, 1943. p. 157. 430 ‘Mutheres profissionais: um terceiro sexo? jalmon fez parte de um grupo de estudiosos que expressou frustracao com a limitacao as fonte: Se Moauvientar as goverad ¢ due comesou feguico rumo amador da descricao social, cultural e estatis- tica. O ambito das fontes estava sendo ampliado pe- los novos campos da antropologia _e arqueologia. Como classicista, Jane Ellen Harrison tinha a sua dis- posicdo uma gama cada vez maior de ceramica, arte, inscriges, textos literdrios e evidéncias arqueolégi- cas. Antes de ingressar na _universidade, ela usara essa série de materiais na elaboracao de conferéncias para platéias populares em Londres. Em Cambridge,” onde foi a primeira mulher a ter permissao para fa- zer palestras yos prédios da universidade, ela usou-. 0s para deseivolver uma interpretacao da origem, dg. mava, néo como uma teoria teolégica que-apenag posteriormente adquiriu a forma de ritual. Gragas 20,, prestigio dos estudos classicos, sua excéntrica obra, foi publicada. Lucy Maynard Salmon, no entanto, ma9_apenas construiu novas teorias, como também ensinou os u: ipo de material de pesquisa virtualmente_ilimit inferior até. Hordrios de trens, listas de lavanderia, pilhas de objetos sem va- lor_utensiios de-cozina. a posicéo-de drvores «2 condicao de prédios nos espa anos tansmi- tiam_informac¢ao_histérica.? lava_acres- centar prestigio cit: o contetido civico desses da- los: “O_saneamento € registrado em nossa lata de 63. Para uma apreciacao das conexdes de Salmon com arquitetura € urbanismo, ver ADAMS, Nicho- las. Lucy Maynard Salmon: A Lost Parent for Archi- tectural History. Journal of the Society of Architectural Historians, 55, n. 1, p. 4-5, 108, Mar. 1996. 431

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