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Picologla (1985) VI 1: 23.28 Terapia breve com a familia DANIEL SAMPAIO * 1. INTRODUCAO, O movimento da Terapia Familiar tem inicio nos anos cinquenta nos Estados Unidos, rapidamente se estendendo a muitos outros pafses ¢ possuindo hoje um vasto corpo te6rico e uma rede ampla de procedi- mentos técnicos, fazendo com que esta forma de intervengao seja considerada como um meio eficaz de lidar com a disfungao psicolgica, Na génese deste movimento poderemos identifi car diversos factores: a) A influencia da Psicanslise ¢ dasTerapias de Grupo de orientacao analitica Se bem que Freud tivesse sido particularmente cuidadoso a0 encarar a hipétese de uma intervengiio familiar, psicanalistas posteriores eram posigdes tio radicais, como € 0 caso de Sullivan (1947), que deu uma dimensto social & sua terapia da esquizofrenia e se prcocupou com a interacgzo mie- -ctianga mui contexto mais amplo, A psicanslise dominava nos anos cinquenta as tomadas de posigiio cicntifica e foi lenta a passagem de intervenco orto- doxa dual para outras terapias,como se passoucom as terapias grupanaliticas ¢ com a lealdade que os pri- Meiros terapeutas familiares, quase todos de formagao analitica, mantinham face aos modelos origina (*) Professor Auxiliar de Medicina de Lisboa. Terapeuta Familiar ria da Faculdade de Se querem nascer de novo, poderei ser 0 vosso Obstetra, mas nito serei a vossa mae. CARL WHITAKER b) O desenvolvimento dos Centros de Saiide Mental Infanti A necessidade de resolver complexos problemas familiares, em estreita ligagdo com os sintomas da ctianga que acorria & Consulta, foi também determi- nante de uma evolugo no sentido da importancia de tuma visio global da familia, ©) As novas perspeetivas no tratamento da Esquizofrenia A observagio de muitos Autores da profunda ligagaio_existente entre a evolugdo do doente esquizofrénico ¢ a sua rede complexa de interaccSes familiares, a constatagdo da necessidade de apoiar a familia em muitas situagdes de descompensagiio psicdtica ¢ os pedidos de ajuda psicol6gica de outros familiares, foram alguns dos pontos que motivaram trabalhos pioneiros com familias de esquizotrénios, Bowen (1978) relembra a sua proposta inicial de internar em instituigdo psiquidtrica familias inteiras, com 0 propdsito de melhor compreender ¢ intervir sobrea disfungao familiar; Lidz (1975) descreve com pormenor caracteristicas dessas familias e Whitaker (1981) descreve o scu modelo de Terapia Familiar relatando a forte influéncia do trabalho com psic ticos na sua conceptualizagio actual, d) A evolugao do conceito de familia As ripidas mutagdes sofridas polas familias nos dittimos anos, nomeadamente o aumento do niimero 23 de familias reconstituidas © a altcrago dos papsis familiares, levaram também ao frequente pedido de inter vengio por parte dos prépriosagregados familia- res, O aconselhamento familiar jf ndo constituia a resposta adequada: aconselhar 0 qué? E a que fam{lia? Qual o modelo conceptual que permitiriadar uma resposta &s diividas dos familiares? Pareciam ‘questiies para as quais nio se cncontrava uma res- posta fécil, Adivinha-se ento um salto qualitative no- conhecimento ena prética da intervencao terapéutica que o paradigma sistémico iria sustentar (Gunter, 1982), ¢) A transformacio do pensamento cientifico Nasegunda metade do século XX iria dar-se uma profunda revolugao cientifica que foi talvez o factor mais determinante na génese ¢ evolugao da terapia familiar, A epistemologia mecanicista, 0 equilibrio, (0s ganhos e perdas de energia vio sendo substituidos por novos conceitos e, a pauco e pouco, em diversos campos, passa-se da unidade individual para a relago entre os clementos: ¢ © vasto campo da interacgdo que abre um rico caminho aos investiga- doves A evolugto no campo da Biologia, Fisica ¢ Matemética vai seguir-se a mudanga no campo da Psicologia, talvez comegando com a obra funda- mental de Bateson e Ruesch «Communication, the social matrix of Psychiatry», Mais tarde, 6 a conceptualizagaio de Bertalanfty (1967), como ire- mos ver, que ajuda a definir paradigma sisié- mico, 2.4 TERAPIA FAMILIAR SISTEMICA. Estavam langadas as bases para o nascimento de uma nova forma de intervengo em Satide Mental, a Terapia Familiar Sisiémiea (Sampaio, 1984). Os anos sessenta vdo caracterizarese pela troca de experitncia entre 0s diversos autores ¢ a década de setenta ¢ a fase de grande implantagdo da Terapia Familiar, nos Estados Unidos ¢ na Europa, As contribuigdes originais sistematizam novos con- ceitos e cresce o interesse pela investigagiio ¢ pela acgio terapéutica junto da famflia, Sistematizaremos agora os principais fundamen- tos tedricos da terapia familiar sistémica. 24 a) A Teoria Geral dos Sistemas (TGS) Conceptualizada a partir dos trabalhos de Berta- lanfly (1967) a contribuigio da TGS para a evolugio do pensamento cientifico é de muitaimportincia. No ue diz respeito ao campo em estudo, a TGS permitin conceptualizar a familia como um sistema — con- junto de: elementos figados por um conjunto de relag6es — com um determinado nimero de pro- priedades que permitem tragar linhas onde o processo teraptutico se pode inserever. Deste modo, cada fam ia-sistema teria, de acordocom Walliser (1977), tués caracteristicas essenciais: * 6 um conjunto em relago recfproca com 0 am- biente, possuindo uma certa autonomia assegu- rada pelas trocas com 0 exterior; + tem subsistemas em interacsio, com uma certa coertnciat, + experimenta modificagBes no tempo, mais ou menos profundas, conservando certa perma- néncia; tom ascaracteristicas fundamentais dos sistemas: atotalidade (estar para além dos elementos cue & compdert), a equifinalidade (diferentes sistemas atingirio 0 mesmo fim mesmo com pontos dife- rentes de partida, desde que a suaorganizagioseja id€ntica) © finalmente a capacidade de auto- regulagdo ca tendéncia homeostatica, Posteriores conceptualizagdes permitem afirmar que a familia possui duas caracteristicas funcionais imponantes, justamente a tendéncia para a homeos- tasia (através da qual mantém 9 seu equilibrio) ¢.a tendéncia para a transformagdo, pela qual a farnilia desenvolve processos de adaptago e de mudanca 20 longo da sua existéncia. b) A teoria da Comunicagao Sem detalharmos este ponto, diremos apenas que 6s trabalhas de Ruesch e Bateson, jé citados, ¢ pos- teriormente os de Watzlawicke colaboradores (1967, 1974), salientaramaimportincia dos dois aspectos de ‘comunicagiio—o contetidoc arelagdio—a nogdio de Pontuagdo numa sequéncia de imeracgdo © os padrées de interacgdo, que se repetem muma familia ‘e que permitem determinar ansas de sequénclas com- poriameniais sobre os quais o terapeuta familiar vai estruturar a sua aceSo terapSutica. E a partir destes padrOes interactivos que se determinam as regras familiares (conjunto organizado durante um longo ppetfodo de tempo de interaccdes repetidas que deter- minam os comportamentos familiares ¢ regulam a circulagaio das relagties), ponto de focagem determi- nante na terapia breve com a familia, como iremos ver. ¢) A familia como sistema emocional So os Autores que privilegiam a perspectiva transgeracional que vio salientar a importincia dos faotores emocionaisna génese da disfungao familiar, chamando a atengdo para a lealdade de certos com- portamentos face as geragées anteriores, os mitos ¢ segredos familiares transmitidos de gerago em sgerago, em suma, toda uma cultura que impregna o tecido familiar ao longo dos tempos (Framo e Nagy, 1965). ©) A nogio do cielo de vida da familia Este contributo que se deve essencialmente a Duvall (1977), pressupde que a familia passa por fases ¢ padrdes sucessivosao longo dosanos, vivendo zonasde instabilidade relacionadas muitas vezescom mudangas do seu ciclo vital, no qual se inscrevem, ctises naturais (por exemplo, a saida de casa dos fillios) ¢ acidentes ndio previsfveis (morte sibita por acidente).. ) A nogho de estrutura Deve-sea Minuchin (1974) o8nfase dado aestru- tura familiar ¢ & visio da familia como um conjunto integrado no qual existem Timites, aliangas ¢ bicrar- auias. Estas diversas contribuigoes, se bem que abar- cando pontos muito diversos, possuem de comum. ‘uma mesma visio do problema foco da intervengio, E assim que na terapia familiar sistémica a inter- vengiio se vai centrar predominantemente no con- texto (Familiar e/ou social), observando sobretudo a interacgdo ¢ considerando que 0 comportamento Patol6gico est relacionado com um campo de transac¢ao complexo, onde o que interessa alterar 6a disfungdo do sistema, através da modificagdio dos processos de comunicagio e¢ dos modelos de interacgdo. ‘Aterapia familiar é assim mais precisamente uma terapia com a familia, em que se procura compreen- dec o sintoma no seu significado de comunicago no contexto do sistema relacional. Partindo do modelo sistémico para compreendgr a famflia, a terapia familiar é hoje ela prépria um sistema envolvendo, numa rede complexa de elementos, o individuo-fa- milia e 0 proprio sistema terapsutico. Fala-se assim de morfogénese (padiaio de mudanga), e da neces- séria cooperacdo entre o sistema terapéutico e 0 sistema familiar no sentido de ultrapassar a crise familiar. No que diz respeito aos modelos de intervengao em Terapia Familiar, jé descritos noutro local (Sampaio e Gameiro, 1985), diremos neste momento que clas se podem reduzir esquematicamente a trés: A. Modelo Transgeracional (Bowen, Whitaker) Salientando a importincia da histria familiar, dos mitos ¢ segredos familiares ¢ do crescimento individual no seio do agregado familiar. B, Modelo Estrutural (Minuchin) ‘Sdo relevantes para esta perspectiva os conceitos decstrutura, limite chicrarquia, como dissemos atrés. C. Modelo Estratégico Escola de Palo Alto, Selvini Palazzoli, Haley) Trabalhando a partir da definigao de problemas, descortinando os padres interactivos que os perpe- tuam e visando estratégias para a sua resolugdio, Mas como lucidamente Sluzki (1983) adverte, estes modelos estio embebidos no mesmo para- digma, sendo de notar que os padres interactivos Tepousam numa estrutura ¢ esta est embebida numa cultura, tradigdo e hist6ria familiar. 3. TERAPIA BREVE COM A FAMILIA A terapia breve com a famflia(TBF) nao é uma ‘Terapia Familiar abreviada, mas uma terapia planifi- cada previamente de modo a ser breve. Eno modelo estratégico que a TBF vai encontrar a sua conceptualizago e as estratégias de inter- vengdo. Neste modelo, como j foi aflorado, consi- dera-se que © problema-sintoma esti relacionado 25 com padrées de interacedo na familia, ouseja,auma série de sequéncias alternativas que tendem a repe- tir-se do modo seguinte: ABC nao A (Sluzki; 1983) Quando estes padres interactives se repetem durante um longo perfodo de tempo estardo definidas as regras familiares caracteristicas daquela famitia. O comportamento sintomético esti relacionado com uma sequéncia inevitivel de comporiamentos familiares — por exemplo, a uma crise depressiva da mulher seguc-se um excesso alco6lico do marido, uma discusstio familiar ¢ um mau resultado escolar do filho, numa cadeia circular que pode arrastar-se inde- finidamente ¢ iniciar-se em qualquer ponto, E assim que a intervencdo terapéutica visa jus- tamente destruir a natureza necesséria da sequén- ia, levando a libertagao de comportamentos outrora ligados ao padrao interactivo, mais tarde a novas alternativas familiares ¢ 2 resolugio da crise © do problema, objective da terapia, grupo de Brief Therapy Center, de Palo Alto, pode ser considerado como pioneiro na intervengaio breve familiar e & a partir dos seus tabalhos iniciais (Weakland et al., 1974) que se desenvolvem outros modelos de TBF. Para estes Autores da Califérnia, os problemas que levam as pessoas a tcrapia persistem se so mantidos por comportamentos determinados do paciente identificado e/ou daqueles com quem este interage. Os pressupostos gerais desta perspectiva so os soguintes: a) A orientagdo terapéutica é centrada no problema, porque este significa de facto 0 que a familia quer mudar, é umamanifestagdo concentrada da sua problemdtica e permite uma avaliagdo con- cereta do progresso feito; +b) Os sintomas, como jé fi dito, esto relaciona- dos com padres interactivos espectticos; c) De uma forma geral, os problemas existem porque hé uma avaliagdio incorrecta da situago, quer nosentido de uma sobrestima quer, pelo contririo, de uma subestima; d) A solugdo encontrada agrava muitas vezes 0 problema; 2) A solugio eficaz 6 muitas vezes ilégica ou paradoxal; ‘) Trata-se finalmente, de uma abordagem pre- dominantemente pragmética, 26 Podemos, chegados a este ponto, definir as fases de uma TBF, 18) Definigao do problema Feita em conjunto com a familia, Esta definigaio & pragitica, concreta e propositadamente nao holistica. A partir de uma série de preocupagdes, 0 terapeuta familiar e a familia escolhem um foco de intervengio, um problema que vao solucionar a seguir. 2.9) Detecgiio dos comportamentos familiares associados ao problema Através da observagdo da familia em terapia, 0 tcrapeuta vai obter uma sequéncia de processos inter- activos relacionados com o problema (ver 2b). 3.*) Definie; de objectivos terapéuticos Depois da necesséria avaliaglo, o terapeuta pode agora proceder & definigao de objectivos terapéu- ticos. As mudangas empreendidas nas fascs iniciais, da ‘TBF so em regra de pequena extensio, mas ligadas aos padres interactivos relacionados com 0 comportamento sintomético. 42) Escolha de estratégias terapéuticas Para mais eficdcia, o terapeuta deverd escolher uma estratégia adequada, que passard necessaria- mente pela redefinicdo do problema em termos sistémicos e pelo uso de prescrigées (Sampaio & Gameiro, 1985). 58) Conclusao Uma TBF nao excede em regra doze sessdes, podendo eventualmente ser de menor extensiio, Conclui-se através de uma avaliagdo do progresso feito face aos objectives definidos no inicio da ‘Terapia. 62) Follow-up Torna-se necessério avaliar posteriormente os resultados obtidos, de modo que no contrato inicial com a familia esto previstos novos encontros diferi- dos no tempo. De salientar que se torna fundamental a recolha correcta de informagao nas fases iniciais da terapia, de modo a que se consiga uma delimitagao do problema. E assim que entre nds seguimos frequente- mente as quest6cs sugeridas por Selvini et al, (1980) no seu modelo, que nos permitem rapidamente detec- tar 0s padres interactivos caracteristicos, Assim: + Porgunta-se.a Co que pensa da relagfo entre A. B, o que permite uma metacomunicagio; + Solicita-se informagao em termos de compor- tamentos interactivos especificos: «O que faz 0 pai, quando a mde ralha com o Alberto, por cle comer muito?> + Em termos de diferenga do comportamento: para © Alberto: «Quem come mais, o teu pai ou a tua mie?» + Em termos de escala, de classificagio dos dife- rontes membros da familia face a uma interacgtio particular: «Quem 6 0 mais sujo 1d de casa? Faz uma escala de 1 até 4>, + Emitermosdemudanganarelacao antes ou depois de um acontecimento preciso: «Alberto, desde que a tua avé morreu, a tua mae ¢ 0 teu pai preo- ‘cupam-se mais ou menos com a tua alimen- tao?» + Em termos de diferenga no que diz respeito a circunstincias hipotéticas: «Se 0 pai ¢ a mie

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