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Crises da Reptiblica: 1954, 1955 e 1961 Jorge Ferreira Professor Adjunto do Departamento de Histéria da Universidade Fe- deral Fluminense ‘Ao longo da década 1930 ena primeira metade da década de 1940, a socie- dade brasileira conheceu politicas pablicas implementadas por um Estado que, repudiando o liberalismo, passou a intervir nas mais diversas dimensbes da vida social. Assim, ideologias politicas de viés autoritério, crescimento & modernizagio da méquina de Estado, formagéo de uma burocracia estatal técnica, industrializacio, legislacio social protetora do trabalho, extensio da educagéo pablica fundamental, valorizagao de uma estética nacional, entre diversos outras experiéncias, atingiram os valores, as crencas, os cédigos comportamentais ¢ a maneira como homens e mulheres organizavam e da- vam sentido a realidade que viviam. Como fim da censura & imprensa ea livre manifestacdo politica nas ruas, nos primeiros meses de 1945, grupos organizados passaram a defender pro- jetos de sociedade, de economia, de organiza¢ao social e de cultura. A questiio central girava em torno do liberalismo. Retomar a tradigdo liberal inter- rompida com a Revolugéo de 1930, particularmente os princfpios de nao interven¢io do Estado na economia ¢ no mercado de trabalho, ou dar con- tinuidade as poltticas piblicas estatais intervencionistas passaram a do- mina os debates, Assim, embora mais de uma dezena de partidos procurassem representar interesses diversificados, dois grandes projetos passaram a dis- putar a preferéncia do cleitorado. Um deles, chamado inicialmente, ainda em 1945, de getulismo, ganharia, pouco tempo depois, 0 escopo de umn pro- ‘grama politico consistente, nomeado de trabalhismo e institucionalizado no PTB, Nacionalismo, industrializacdo com base em bens de capital, proposta de fortalecimento de um capitalismo nacional, criagao de empresas estatais em setores estratégicos, valorizagZo do capital humano com redes de prote- $0 social — a exemplo de leis sociais, restaurantes populares, extensio do 0 BRASIL REPUBLICAN ensino fundamental piblico, fundagio de grandes hospitais etc. — permiti- ram que, na década de 50, os préprios comunistas aderissem s propostas dos trabalhistas. Unidos no plano sindical, trabalhistas e comunistas passa- ram a defender um projeto para a Nago que se contrapunha 20 avango dos interesses econémicos norte-americanos, portanto nacional, mas com base no fortalecimento do Estado ¢ de empresas estatais, ou seja,estatista. Vamos chamé-lo de nacional-estatista Outro projeto, no entanto, seduziu as elites empresariais, politicas ¢ mi- litares, além das classes médias conscrvadoras. Defendendo a abertura irrestrita a investimentos, empresas e capitais estrangeiros; ressaltando as, virtudes das leis de mercado e negando a intervencio estatal na economia € nas rclagdce de trabelho; eapelhando-ce nos Eetados Unidos e procurando alinhar-se incondicionalmente ao grande pafs do Norte; desconfiando dos movimentos sociais e da participacio popular, em especial do movimento operario e do sindicalismo, definidos, via de regra, como “peleguismo”; enfatizando, no dizer de Maria Victéria Benevides (1981), o antigetulismo, o moralismo, 0 elitismo e o anticomunismo, eis alguns fundamentos do pro- jeto defendido pelos liberais brasileiros ainda em 1945. Definido, aqui, como tum projeto liberal-conservador — jé que no Brasil, via de regra, o liberalis- ‘mo é instrumento de conservagio da ordem social — era a UDN 0 grande agrupamento politico que defendia um modelo de organizagio da sociedade nos moldes liberais, embora vérios partidos pequenos, em maior ou menor grau, adotassem programas e procedimentos politicos similares. Durante toda a experiéncia democrética brasileira, entre 1945 ¢ 1964, 0s dois projetos, em concorréncia, disputaram a preferéacia do elcitorado, No entanto, trés momentos resultaram em situagdes de grande conflito, com 1 possibilidade, real, de guerra civil no pais: a crise de agosto de 1954, 0 golpe preventivo liderado pelo general Henrique Teixeira Lott em novem- bro de 1955 ea Campanha da Legalidade em agosto de 1961. Momentos de grande tensfo politica, os dois projetos mediram suas forgas, resultando em graves crises, Crises da Repsibica brasileira, 204 CRISES DA REPO RLICA VARGAS E A CRISE DE AGOSTO DE 1954 ‘Ao assumir a presidéncia da Repiblica, Vargas recebeu de seu antecessor, Enrico Dutra, um quadro de dificuldades econémicas, sobretudo com a re- tomada do processo inflaciondrio ¢ 0 desequilibrio financeiro no setor piiblico." Assim, o projeto politico de Vargas implicava, em um primeiro mo- mento de seu governo, equilibrar as finangas piiblicas, debelando a inflacio; a seguir, retomar o crescimento econémico. Contando inicialmente com a boa-vontade do governo norte-americano, a instalacio da Comissio’ Mista Brasil-Estado Unidos anuncion um vasto programa de investimento em infra- estrutura. A clevacto dos pregos do café no mercado internacional, igual- ‘mente beneficion sen governo. Até 1952, portanto, a politica recessiva den resultados, sobretudo com superdvits no oreamento da Unido. Contudo, no inicio do ano seguinte, Vargas deparou-se com uma série de dificuldades, a comecar pela vit6ria do Partido Republicano nas eleigées presidenciais nor- te-americanas. Eisenhower, com sua politica de combate a0 comunismo e alegando a necessidade de conter gastos publicos, rompeu os acordos da Comissio Mista, enquanto o Banco Mundial passou a cobrar dfvidas de empréstimos vencidos. Com a inflagio em crescimento e a queda nos salé- +ios, em margo de 1953 eclodiu, em Séo Paulo, um grande movimento gre- vista conhecido como a greve dos 300 mil. Uma reforma ministerial foi a resposta de Vargas, destacando-se, no conjunto do novo ministério, Osvaldo Aranha no ministério da Fazenda, ¢ 0 jovem politico Jodo Goulart na pasta do Trabalho. O primeiro levou adiante uma politica econémica ortodoxa; segundo passou a dialogar com sindicalistas, tabalhadores ¢ comunistas. No centanto, a necessidade de investimentos em infra-estrutura € 0 reajuste de 100% no salério-minimo desequilibraram as contas piblicas. O pior, no entanto, foi a campanha desencadeada nos Estados Unidos contra o café bra- sileiro, resultando na queda dos precos internacionais ¢ na redugio das ex- ortagées do principal produto brasileiro, Tudo contribuia para a deterioragio da situagio econdmica? Embora a crise econdmica atingisse o prestigio do governo, nao havia relagio direta com uma outra crise, a politica, Vargas retornou a0 poder pelo Yoto, mas seu governo foi marcado pela intransigéncia das oposigdes em 30s negociar. Os ataques vinham tanto da UDN quanto do PCB. Por mais que 0 presidente procurasse acordos e pactos com os udenistas, estes, & excecio de sua ala fisiol6gica, negavam-se a qualquer possibilidade de compromisso. Da tribuna da Camara de Deputados, a “banda de misica” da UDN, diariamen- te, atacava o governo, Para os liberais-conservadores, era inconcebivel que © ditador do Estado Novo retornasse 20 poder, sobretudo por meio do voto. Somente com o recurso da demagogia e pela manipulacfo de uma massa de cleizores incultos e desinformados um ditador simpstico 20 fascismo pode- ria eleger-se. Atacé-Lo, denuncid-lo c insulté-lo, negando-se a qualquer apro- ximagio, tornou-se a estratégia dos setores mais radicais da UDN. Segundo Maria Celina D’Araujo, no partido “predomina uma postura intransigente € de nao-colaboracionismo, e a UDN passa néo apenas a se alhear das fungoes governamentais, deixando que o governo resolva seus problemas sozinho, como ainda decide dificultar ao méximo e, se possivel, obstruir as possibili- dades do governo” (1992, p. 124-125). Assim, qualquer atitude de Vargas era vista com desconfianca. Seu ministro do Trabalho, Joao Goulart, foi de- nunciado como demagogo, manipulador de sindicatos e fomentador de gre- ves, Um memorial assinado por 42 coroneis e 39 tenentes-coronéis resultou cem crise militar e na demissio de Joao Neves da Fontoura, ministro das Re- lagées Exteriores, que denunciou aassinatura do pacto ABC (Argentina, Brasil, Chile) de resisténcia 8 politica norte-ameriedna para a América do Sul. A. revelacio provocou uma nova crise politica permitindo que a UDN entrasse com processo de fimpeachment contra Vargas. Com praticamente toda a im- prensa hostil, Vargas ajudou Samuel Wainer a fundar o jornal Ultima Hora. A-campanha movida pelos proprietérios dos grandes jornais, tendo a frente Carlos Lacerda, resultou na prisio de Wainer. Os liberais-conservadores nfo se conformavam com Vargasina presidén- cia da Repiblica. Por duas vezes derrotada com seu candidato, o brigadeiro Eduardo Gomes, em 1945 ¢ em 1950, a UDN, mostrando-se incapar de concorrer com a alianca PTB-PSD, escolheu a estratégia de desqualificar ‘Vargas para escamotear seu préprio infortinio politico, Procurar o apoio das Porgas Armadas era uma das alternativas, Em 1945, a estratégia foi vitorio- sa. Em 1950, para impedir a posse do presidente eleito, os udenistas recor- teram a chicana da “maioria absoluta”. Seja atuando nos tribunais, seja, sobretudo, procurando apoio militar, os udenistas mostravam sua inconfor- midade com as seguidas derrotas. Naquele momento, contudo, o conflito entre 0 projeto que Vargas representava, 0 nacional-estatismo, e 0 iberalis- mo dos conservadores atingiria o climax, cindindo toda a sociedade. A op- ssio pelo golpe, diz Maria Celina D’Araujo, vai sendo amadurecida pelos grupos conservadores, tendo a UDN A frente, até tornar-se uma decisio irreversivel a partir de 1953 (1992, p. 124). Assim, nos meses que antecederam a crise, os parlamentares udenistas, bem como a grande imprensa, atuaram como fatores de desestabilizagio do regime, A questdo central era tirar Vargas da presidéncia da Reptblica, 30 importando os custos. Com grande acesso aos meios de comunicagio, a opo- sigdo conservadora a Vargas elaborou e difundiu um conjunto de sfmbolos ue apontava para uma situacéo de impasse politico, Se em seu “primeiro governo”, particularmente entre 1937 1945, Vargas praticamente mono- polizou a produgio de bens simbélicos com fins de legitimagao politica, em seu segundo mandato seus adversérios conseguiram, com grande sucesso, propagar simbologias que, de alguma maneira, paralisaraza a capacidade do poder estatal de apresentar-se como legitimo: “O sr. Gettlio Vargas passou a representar para os brasileiros 0 simbolo do que pode haver de pior em ‘matéria de caudilhismo; 0 corruptor por exceléncie, o ambicioso do poder a qualquer prego, 0 acolitador dos desonestos, dos violentos, dos deformados moralmente”, dizia, na Camara dos Deputados,o st. Herbet Levy.3 Com gran- de espaco em toda a imprensa, a oposigao difundia e manejava imagens que procuravam, ao mesmo tempo, desqualificar 0 governo e indignar e mobi- lizar contra ele a populacio. Caudilho, corrupto, ambieioso, desonesto, vio- lento, imoral, entre outras imagens extremamente negativas, assim os conservadores se esforgavam para desmerecer o presidente. ‘Vargas, no entanto, teve seu destino politico selado quando, a mando de seu ficl chefe da seguranca, Gregério Fortunato, capangas tentaram matar Carlos Lacerda. O presidente, embora nao soubesse das iniciativas crimino- sas de Greg6rio, néo teria como escapar das responsabilidades. Lacerda re- ‘ecbeu um tiro no pé, mas seu guarda-costas, o major da Aeronsutica Rubens ‘Vaz, foi ferido de morte. A partir daf aumentou a intensidade dos ataques 20 presidente. Com habilidad, 0 militar foi transformado, naquele momento, 307 © BRASIL REFUBLICANO 1n0 maior sfmbolo da Iuta contra o “mal”. Na primeira pina de seu jornal, “Fibuna da Tnsprensa, com 0 (ulo “O sangue de um inocente”, Carlos Lacerda Temibrou a medalha de her6i do Correio Aéreo Nacional e os quatro filhos ddo major, manipulando sentimentalmente a imagem dos “6rfos dc guerra”. Sem esperar as investigagbes policiais, ainda declarou: “Mas, perante Deus, acuso um s6 homem como responsavel por esse crime. £ 0 protetor dos la- ddes. Esse homem € Getilio Vargas." ‘Apéso atentado da rua Toneleros, as elites conservadoras nio mais espe rariam a realizagio das eleigSes presidenciais. Nos jomnais, generas, briga- dciros e almirantes eram incitados a derrubarem Vargas da presidéncia da Repdblica, A Aerondutica tomou 2 frente o inquérito para desvendar o cri- sme. O grupo encarregado das investigagbes, pela total liberdade de acdo, fi cou conhecido como “Repiiblica do Gales”, Nesse momento, oficialidade da FAB se encontrava em estado de rebelido contra o presidente, exigindo a sua remincia, A Matinha, arma tradicionalmente hostil a Vargas, encampou a tese, 20 lado de diversos generais do Exército (Wainer, 1988, p. 202). Em reuni6es, militares indignados pregavam o golpe sem rodcios. Em 11 de agos- 10, no Clube da Aeronautica, oficiais superiores e subalternos das trés forcas, discutiram ivremente os rumos a tomar. Centenas de militares, sob a presi- déncia do brigadeiro Eduardo Gomes, ouviram de vérios colegas de farda discursos inflamados de pregagSo do golpe. Nao casualmente, no dia ante- rior, um dos mais renomados politicos da UDN, o st. Otvio Mangabeira declarou: “A Nagfo esté exausta de tanta humilhasio e sofrimento. Somente a3 Forgas Armadas podem acudir o pals. Unamo-nos como um sé homem a seu redor, pondo nelas toda a confianga, obedecendo ao seu comando, como se estivéssemos em guerza.”’ As wopas, de prontidio, passaram a conviver com cenas de insubordinagio e radicalizagdo entre as facgdes golpistas e legalistas. Contudo, os contatos entre civ e militares antigerulistas avanga- ram ¢, em nota do Diretério Nacional, de 12 de agosto, a UDN declarou que aprova a atitade ¢ as manifestagbes das bancadas parlamentares, especial- mente de seus Ifderes, sobre a situagio nacional, bem como a solidariedade por cles dada & agio patritica das Forgas Armadas, que, em consondncia com 0 sentimento do povo, estio vigilantes na defesa das liberdades consti- tucionais dos cidadios e da prtica efetiva do regime democritico”.* 208 ‘Acuado diante da crise, com margem minima de manobra, Vargas encon- trava-se em situacto dificil e delicada. Sem poder defender-se dos ataques, perdendo os bens simbélicos mais caros & legitimidade de sen cargo, pres- sentia 0 golpe que se armava, Quando seu préprio filho foi convocado para depor na “Repiiblica do Galeao”, ele percebeu que scria o préximo. Para um homem de 71 anos, com o passado politico que detinha, tratava-se, nas pa- lavras de Samuel Wainer, “de uma humilhacio insuportével” (1988, p. 204), (O grande trunfo de que dispunha, sua capacidade de mobilizar os trabalha- dores, poderia resultar em luras sangrentas. O tinico érgio de comunicacio que © apoiava, 0 jornal Ultima Hora, apesar do grande esforgo, néo conse- guia dar conta do enorme volume de demincias ¢ acusagées contra o presi- dente, Em 22 de agosto, ele receben um documento assinado por brigadeiros da Aerondutica pedindo sua remtincia. No dia seguinte, oficiais da Marinha manifestaram solidariedade aos colegas da FAB. A noite, um grupo de gene- rais do Exército também sc solidarizou com os brigadeiros, Nas primeiras horas do dia 24, Vargas presidin sua tltima reunio mini terial. O ministro da Guerra, Zenébio da Costa, argumentou que muito di- ficilmente a oficialidade do Exército agiria contra seus colegas da AeronSutica ¢ da Marinha. Certamente haveria muito sangue derramado. Os ministros das forcas de ar € mar defenderam a reniincia do presidente. Amaral Peixo- to, em posigo conciliatéria, propés o licenciamento de Vargas do cargo até que © crime da rua Toneleros fosse devidamente esclarecido. O presidente disse aceitar a proposta. Tancredo Neves escreveu uma nota comunicando 0 licenciamento de Vargas e, pouco antes das 5 horas da manhi, a noticia foi divulgada 20 pais. Contudo, duas horas depois, um grupo de generais che- ou 20 Palicio do Catete exigindo que o licenciamento se transformasse em rentincia, Vargas, na verdade, estava sendo deposto do cargo. Logo ao saber do ukimato que recebia, pouco depois das sete horas da manhi, ele reco- theu-se aos seus aposentos. Suas alternativas eram minimas: renunciava & presidéncia da Repiblica, ao custo de sua desmoralizacio polftica, ou seria, deposto por um golpe militar. Antes de se deitar, entregou um envelope a Joao Goulart, pedindo que, em caso de necessidade, fosse para o Rio Gran- de do Sul e mostrasse o contetido da carta & imprensa gaticha. Se nfo hou- vesse clima politico em Porto Alegre, fizesse 0 mesmo em Buenos Aires. Mais 308 tarde, sua filha Alzira ouvin o estampido de um tiro. Vargas estava morto. Sobre um mével do quarto, Amaral Peixoto encontrou uma carta, logo no- meada de Carta-Testamento. Aquela que estava com Goulart era uma c6pia. Duas horas depois, por volta das nove da manhé, 0 pafs, estarrecido, tomava conhecimento de seu contetido pelos microfones da radio Nacional. Com 0 tiro no peito, Getilio Vargas jogou com sua propria imagem a longo prazo. A vinganga foi meticulosamente planejada: se seus inimigos 0 ‘queriam desmoralizado politicamente, ele foi muito além, jogando seit pr6- prio cadaver nos bracos dos ndenistas que, aténitos, ndo souberam 0 que fazer com ele. A populacZo, no entanto, soube que atitude tomar. Na cidade do Rio de Janeiro, o sentimento de que o presidente sofrera uma imensa injustiga provocou violentos motins populares, apesar da repressio policial. Lideres de varios sindicatos, logo pela manha, tentaram articular uma greve geral em sinal de protesto. Entretanto, a Divisio de Policia Politica e Social, sob o novo governo, rapidamente entrou em acfo: ainda de madrugada, foram. invadidas por agentes policiais as organizagdes de classe dos hoteleiros, por- tuérios, metalirgicos, marceneiros, tecelbes ¢ dos trabalhadores dos cartis turbanos e das indistrias do agtcar e do trigo. Cerca de 50 sindicalistas fo- ram detidos. Duque de Assis, Ker sindical dos portuérios, foi preso pelo Dops, ‘mas, mesmo assim, conseguiu desencadear uma greve que durou dois dias.” Na capital da Repablica, a noticia do muicidio de Vargas detonou na po- pulagio um profundo sentimento de revolta ¢ amargura. Grupos de popula- res, indignados, passaram a percorrer as ruas do centro da cidade com paus e pedras. Dirigiam seu rancor particularmente contra todo e qualquer mate~ tial de propaganda politica da oposicio. Os simbolos politicos mais visados, ce destruidos com firia, eram dos candidatos da UDN.* Grupos percorreram, as ruas do centro da cidade ateando fogo no material de propaganda politica das oposigées. Na avenida Almirante Barroso, o prédio de © Globo foi cer- cado por uma multidio que tentou invadir suas dependéncias, mesmo dian- te do policiamento ostensivo. Apés apedrejarem a fachada, cercaram dois caminhées de distribuigao do jornal e 0s incendiaram. Bombeiros, trés cho- ques da radiopatrulha e forcas do Exército, ao chegarem, impediram a des- ‘ruigio, mas nada puderam fazer para evitar o incéndio dos vefculos e nem a queima de milhares de exemplares do jornal. Outras centenas de pessoas 310 CRISES 94 REPOELICA foram para a Tribuna da Imprensa, mas novamente a invasio foi impedida, agora pela Policia Especial. Mesmo assim, toda a edico do jornal foi quei- ‘mada na rua em frente. Os jornais A Notfcia e O Mundo também sofreram com as investidas da multidio. O tnico a escapar foi Ultima Hora, nfo car sualmente, Sem condigoes de dispersar a multidéo, os policiais passaram a utilizar bombas de efeito moral, gases lactimogéneos e armas de fogo. Varias pessoas safram feridas, sendo trés delas & bala. Outros grupos, porém, ao se ditigirem ao Palacio do Catete, passaram em frente a Embaixada dos Esta- ddos Unidos. Apés apedrejarem as vidracas da Standard Oil, comecaram a vaiar € a jogar pedras e pedagos de pau na fachada da representacdo norte-ameri- cana. Somente no dia seguinte, apés a partida do caixéo com o corpo de Vargas para Sao Borja, os motins diminutram de intensidade, embora a custa de grande repressio. Nas imediagées do aeroporto Santos Dumont, a multidio, que queria ver a partida do avifo, foi atacada por forcas da Aeronéutica, Diante de uma populagéo desarmada, oficiais da FAB dispararam suas me- tralhadoras, lancaram granadas e bombas de gts lacrimogéneo e ainda ataca- ram os populares com golpes de espada. O resultado foi dezenas de feridos, ‘muitos deles gravemente, ¢ um morto.? Em outras capitais, manifestac6es de violencia e de lamento também ocorreram. Em 24 de agosto Porto Alegre amanheceu sob um clima tenso ¢ de expectativas.™ Milhares de pessoas dirigiram-se para o centro politico da cidade, na raa dos Andradas. Ali mesmo surgiram os primeiros oradores ¢ formas de organizagao. Grupos safram pelas ruas empunhando grandes re- tratos de Geedlio Vargas ¢ a bandeira nacional com uma tarja negra: A pri- ‘meira vitima da fitia popular foi a sede da UDN. Do primeiro andar, foram jogados pela janela mesas, cadciras, alto-falantes, material de propaganda, fotografias de suas liderancas etc. Partiram, entio, para 0 prédio do jornal do Partido Libertador, o Estado do Rio Grande, destcogando méveis, méqui- nas e equipamentos. Outros érgios de comunicagio oposicionistas também sofreram com as investidas populares, com invas6es, depredag6es e incén- dios, a exemplo do Didrio de Noticias, érgio dos Diérios Associados, ¢ das dios Farroupilha e Difusora. Sedes de partidos poltticos hostis a Vargas igual- mente sofreram com depredages, como as do Partido Libertador, Partido ait © BRASIL REPUBLICAN Social Democrstico, Partido Socialista Brasileiro, Partido Social Progressis- ta, Partido da Representacéo Popular, além da Frente Democrética e da Frente Popular. As sedes partidérias, arrombadas e invadidas por revoltosos, tive~ ram todos os méveis ¢ materiais de propaganda jogados nas ruas , a seguit, incendiados. ‘Até aquele momento, o governador do Rio Grande do Sul, general Ernesto Dornelles, primo de Gettilio Vargas, nfo havia acionado o dispositivo poli- cial-militar para reprimir 0 povo. A imprensa conservadora, indignada com 0s acontecimentos na capital gaticha, atacava Dornelles. Enquanto as tropas militares nao invadiam as ruas, 05 amotinados continuavam os ataques 20s, opositores de Vargas. Se, num primeiro momento, as agress6es voltaram-se para aqueles considerados pela enltura politica papular como os inimigos “internos” do presidente, como partidos, rédios e jornais, agora a revolta dirigia-se para aqueles vistos como os inimigos “externos”, referidos, inclu~ sive, na carta-testamento: 0 imperialismo e suas representacbes oficiais € comerciais, A primeira vitima foi a representagio diplomética norte-ameri- cana, invadida, saqueada e totalmente destruida. O National City Bank, sim- bolo do capital estrangeiro, foi atacado por outros grupos. O sentimento antinorte-americano da populacio pode ser percebido nao apenas pelas agres- s6es 20 consulado e ao banco, mas também pelo ataque a algumas empresas, como a Importadora Americana S.A., loja de importacio de automéveis dos EUA, ea Importadora de Maquinas Agricolas ¢ Rodoviérias. Até mesmo uma casa norurna, a American Boite, foi tomada a forca pelos manifestantes; cen~ tenas de vitrinas ¢ letreiros luminosos foram quebrados. Somente ao entardecer, quando a insurreigo ameacava toda a cidade, Ernesto Dornelles pediu auxilio ao Exército. Entretanto, é necessério obser~ var que 2 aco dos militares em Porto Alegre em nada se comparou a repres- sio ocorrida no Distrito Federal. Com cartuchos de festim ¢ sem usar de violéncia desnecesséria, as autoridades militares gaiichas evitaram repetir os episédios trAgicos ocorridos na capital da Reptblica, onde o motim se esgo- taria em poncas horas, com o saldo de dois mortos, dezenas de feridos ¢ uma Cidade reduzida a escombros. ‘Na cidade de Sao Paulo, os trabalhadores receberam a noticia da morte de Vargas pela manh bem cedo, ¢ muitos delesjé se encontravam dentro da giz crises Da neroetics fabricas e oficinas. Somente na hora do almogo, com algum tempo livre, operdrios de muitas empresas decidiram decretar greve e saltam em direcio 08 seus sindicatos. Ao meio-dia, as suas organizacées de classe estavam lotadas com manifestantes portando faixas ¢ cartazes & espera do intcio das ativida- des de protesto. A passeata comegou as 13 horas, indo dos sindicatos dos metalirgicos e dos téxteis, além dos diret6rios dstritais do PTB, Na sede do Partido Trabalhista, ponto final da manifestaglo, os operSrios realizaram um comicio."* Varios outros grupos também protestaram em imimeros pontos da cidade, Muitos participaram do ato piblico da Praca da Sé, onde o PTBe ‘PCB promoveram uma manifestacio em conjunto. Enormes faixas que alu- diam ao “imperialisio € aos trusts norte-americanos” eram carregados por trabalhistas ¢ comunistas.” Estes tiltimos, na verdade, foram pegos de sur- presa no epistdio do suicidio de Vargas. Se até a noite anterior faziam pesa~ dos ataques ao presidente, na manha seguinte tentavam reverter mais um de seus “desvios”, para usar 2 linguagem partidaria. ‘A populacdo de Belo Horizonte, a exemplo de outras cidades, também nio ficou indiferente diante do impacto da triste noticia."" Logo pela ma- nha, quando as radios locais informaram a tragédia, milhares de pessoas sairam as ruas, particularmente os trabalhadores, para se certificarem do fato ¢ expressarem sua dor e indignacéo. Na capital mineira, a primeira reacfio dos populares foi a de arrancarem dos postes e marquises faixas cartazes dos candidatos da oposicéo, em particular da UDN, para queimé- Jos em seguida, da mesma maneira que no Rio de Janeiro. Operarios de varias fabticas € da construco civil abandonaram seus postos de trabalho € se concentraram no centro da cidade. Apés acerto entre eles, rumaram para o Instituto Brasil-Estados Unidos, cuja sede ficou totalmente destrufda. Outro grupo invadiu © consulado norte-americano quebrando méveis, ar~ mirios, vidracas ¢ rasgando livros ¢ documentos. © comércio, em sinal de uto medo, fechou ainda pela manha, enquanto os bondes deixaram de circular, Manifestantes revoltados tentaram ainda empastelar o jornal Cor reio da Manha, 6rgio da UDN, mas a policia, chamada a tempo, impedin a invaséo, Belo Horizonte logo foi tomada pela Policia do Exército, forte- ‘mente armada, que se espalhou em pontos estratégicos da cidade e em to- dos os prédios piiblicos. Em virias cidades do nordeste do pafs, a morte do presidente foi recebi- da com grande impacto emocional."* Nas capitais nordestinas, como Recife, Salvador, Natal, Fortaleza, Teresina ¢ Aracaju, as cenas de tristeza popular conjugadas ao fechamento do comércio ¢& suspensio das aulas nos colégios, além dos soldados nos ruas, tornou aquele dia estranho, dificil de ser com- precndido e explicado. Passeatas de homenagem e protesto, invasoes a resi- déncias de politicos de oposigfo, além de uma profunda mégoa estampada no rosto das pessoas foram cenas comuns. O suicidio nao era esperado, surpreendendo ¢ paralisando, por algumas hhoras, 0s grupos consezvadores que apostaram na crise institucional. Com a morte do presidente, a oposicio viu frustrar sua estratégia de acirrar a crise, desmoralizar politicamente Vargas com a rentincia ¢ abrir caminho para a {ntervengo militar. Contudo, mesmo com seu desaparecimento, o golpe pol tico-militar ainda nao estava descartado, No Distrito Federal, 12 mil homens do Exército entraram em alerta maximo, todos sob as ordens do gencral Odflio Denys. As tropas dos fuzileiros navais tomaram a zona portuétia, 05 setores bancério e financeiro da cidade, as estagGes das barcas e cercatam as (Cémaras Municipal e Federal, além do Senado. Todos os quartéis da Mati- aha de Guerra ficaram sob regime de prontidao méxima.!" Na maioria das capitais do pats, os efetivos da Policia do Exército invadiram as ruas. Por cordem dos comandantes do Exército, Marinha ¢ Aetonéutica de varias regi6es nilitares, todos os quartéis ¢ regimentos a eles subordinados entraram em estado de prontidao. Se algum dispositivo militar foi planejado para o golpe politico, na madrugada do dia 24 de agosto ele comecou a ser posto em pré- tica, Restava tio-somente a iniciativa das liderancas civis para a deflagrago do movimento. ‘Ao amanhecer, no entanto, entraram em cena trabalhadores e popula- res, entre chocedos ¢ furiosos, atacando politicos antigetulistas, rédios,jor- nas e sedes de partidos de oposi¢a0, como vimos. Carlos Lacerda, apés confraternizar-se com Café Filho, passou a ser cacado por populares nas ruas do Rio de Janeiro, Temeroso, refugiou-se na embaixada dos BUA ¢, quando esta foi atacada, fugin em um helicptero militar que 0 levou, em seguranga, para bordo do cruzador Barroso, navio de guerra ancorado na bafa de Gua- nabara.* Em Porto Alegre, todos os politicos da oposiglo gaticha safram ra- ata Chises DA RePGstica pidamente da cidade, inclusive o prefeito, Ildo Meneghett, que se escondeu no interior do estado em lugar mantido sob rigoroso sigilo. Segundo noticia do Correio da Manha, em Porto Alegre “a situago dos elementos no per- tencentes as fileiras do trabalhismo € de verdadeiro terror”.”” Em vérias ca- pitais e cidades do Nordeste populares tentaram invadir as residéncias de Lideres locais da UDN, sendo impedidos, porém, por “segurangas privados” daqueles politicos. Porcanto, ¢ 0 suicfdio de Vargas paralisou os golpistas, a reacéo popular 1 fez recuar. Surpresos e atemorizados, perderam a autoridade e, sobretu- do, a legitimidade polttica para justficar como necesséria aintervengio militar. © golpe era im politica, el. O presidente morto inspirava, no minimo, prudéncia ‘A *NOVEMBRADAT: © GENERAL HENRIQUE TEIXEIRA LOTT E 0 GOLPE PREVENTIVO Quase um ano apés o suicidio de Vargas, 0 pafs ainda vivia o trauma politico do 24 de agosto de 1954. A instabilidade politica e-o clima de radicalizacio no pafs eram preocupantes. Embora as liderangas udenistas tivessem defen- dido 0 adiamento das elcigées parlamentares de 3 de outubro de 1954, ale- gando o clima politico tenso que resultou da crise de agosto, elas foram realizadas, Trabalhistas e udenistas, no entanto, nao conscguiram nimeros satisfat6rios. Os primeiros passaram para 56 deputados na Camara, aumen- tando em apenas cinco a sua bancada. Os ndenistas, por sua vez, cafram de 84 para 74. Vargas, mesmo desaparecido, foi o artifice da derrota dos libe- zais, O PSD, finalmente, subiu de 112 para 114. ‘Na presidéncia da Repiiblica, Café Filho organizou um ministério com personalidades antigetulistas, como Eugenio Gudin na Fazenda e 0 udenista Prado Kelly na Justiga. A cépula militar era formada quase integralmente por adversérios do ex-presidente, como o brigadeiro Eduardo Gomes e 0 gene- ral Juarez Tavora. Destacava-se do conjunto o general Henrique B. Dutfles Teixeira Lott, tido como homem de centro ¢ legalista. Seja como for, os udenistas novamente voltavam ao poder, como no governo Dutra, embora sem vit6rias eleitorais. © BRASIL REFUBLICANO A crise politica, no entanto, somente iria aprofundar-se ao longo dos meses. Com a proximidade das eleigdes presidenciais, em outubro de 1955, © PSD langou Juscelino como candidato. Visto como um “getulista” pelos udenistas ¢ “esquerdista” pela faccio mais conservadora de seu préprio par- tido, sua candidarura causou ainda mais polémica ao oficializar a alianga com (PTB, anunciando Joo Goulart como seu candidato a vice-presidente, Se- gundo Thomas Skidmore, “oficiais das Forcas Armadas, que apenas um ano antes comandavam a campanha para forcar Vargas a demitir Goulart, viam agora seu inimigo aspirar a um cargo ainda mais clevado” (1969, p. 184). apoio do lider comunista Luis Carlos Prestes a Juscelino deu ainda mais ar- gumentos aos conservadores. ‘Na UDN havia o receio da competicao eleitoral, pois a alianga PTB-PSD surgia como imbativel, sobretudo por resgatar a obra de Vargas. Apés sofre- rem duas derrotas seguidas com o brigadeiro Eduardo Gomes, os udenistas, recorreram dessa vez a um general, endossando o nome de Juarez Tavora, lider militar antigerulista. Ademar de Barros, pelo PSP, também candidatou- se, O antigo lider integralista, Pinio Salgado, langou-e pelo pequeno PRP Armava-se, portanto, um quadro politico que, até 3 de outubro de 1955, data das eleigdes, somente iria radicalizar. Para os grupos mais conservado- 1e6, no entanto, as eleigées teriam que ser suspensas, Carlos Lacerda, lider de extrema-citeita e da ala golpista da UDN, questionava as razées que leva- ‘vam os chefes militares a permitirem a realizagéo das proximas eleigdes presidenciais, sobretudo porque o eleito seria produto da “fraude”, da “dema- ‘gogia” e de “préticas sujas”. Era preciso, no momento, um “regime de emer- sgéncia” e muitos, alegava, jf “compreenderam a necessidade do contragolpe para criar condig6es de estabelecimento da democracia no Brasil”."* Nao ‘casualmente, em $ de agosto, o general Canrobert Pereira da Costa, presi- dente do Clube Militar ¢ chefe do Estado Maior das Forgas Armadas, em solenidade comemorativa de um ano da morte do major Rubens Vaz, pro- smunciou um discurso preocupante. Na sua visio, o dilema que se apresenta- vva para os militares era o de decidir “entre uma pseudolegalidade, imoral corrompida, ¢ 0 restabelecimento da verdade ¢ da moralidade democritica mediante uma intervengéo aparentemente ilegal”. As declaragées do gene- zal repercutiram com grande impacto na vida politica do pafs. Saudando 0 316 RISES DA REPUBLICA discurso de Canrobert, Carlos Lacerda acusou os defensores das préximas dei fe poten corner oman es pa eyes 05 tolos”.2# Os argumentos de Canrobert sintetizaram as angtistias dos liberais antigetulistas naquele momento. No entanto, a questio central ia além da simples “volta do getulismo” com Juscelino e, sobretudo, Joao Goulart, her- deiro polftico de Vargas. ratava-se, de acordo com Fernando Lattman- Weltman, da maneira como os trabalhadores alcangaram seus direitos de cidadania social ¢ as conseqiiéncias politicas que surgitam do préprio pro- cesso (1997, p. $79). Primeito, os assalariados se beneficiaram com os direi- tos sociais, creditando os ganhos a Getdlio Vargas; agora, exerciam seus direitos politicos, participando do processo eleitoral como cidadios que efe- ‘tuavam suas escolhas. Em outras palavras, a maneira como os trabalhadores manifestavam sua cidadania politica, particularmente com 0 voto, estaria “conspurcada”, “desvirtuada”, “corrompida” pelos direitos sociais. As leis ‘trabalhistas,interpretadas por diversos grupos liberais como fruto da dema- gogia, da conjuntura nazi-fascista e do tréfico de influéncia entre polfticos corruptos ¢ “pelegos”, teriam comprometido a legitimidade da democracia no Brasil. Os trabalhadores, corrompidos em sua consciénciz politica, conti- puariam a vorar nas liderangas demagégicas, caudilhescas e manipuladoras, condenando 0 processo democrético ao fracasso. Quando os conservadores recorriam &s Forgas Armadas falando em “seneamento da politica”, visavam algo muito mais profundo do que a figura de Getilio Vargas. “Sanear” signi- ficava destituir os trabalhadores de seus direitos politicos. As reagées da sociedade as manobras golpistas logo se manifestaram. Setores da imprensa repudiaram as manobras a favor do rompimento institucional. Correio da Manhd, por exemplo, criticou duramente os trés ministros militares por se intrometerem em quest6es politica: os “trés cons- piradores” patrocinaram uma “situagio intolerével”, transformando o Bra- sil “numa republiqueta tratada a pata de cavalo”.** Grupos organizados surgiram para defender a democracia e as eleigées. A Unio Metropolitana dos Estudantes, no estado da Guanabara, langou um manifesto em que de- nunciava a tentativa de golpe.”” Os empresirios, por sua vez, também defen- deram a legalidade, O presidente da Diretoria da Confedera¢ao Nacional do an Comércio fez um apelo para que as forgas politicas conduzissem a campanha leitoral dentro dos limites da ética partidéria, toler&ncia recfproca e respei- 10 a08 princlpios bésicos da democracia.™ Dias depois, presidentes de 16 Federag6es de Indéstrias publicaram uma nota denunciando que o clima politico negativo, de panico e ceticismo, estava diminuindo o ritmo da pro- dugdo ¢ os negécios.* O processo de mobilizagéo de grupos organizados ‘culminou quando o advogado Sobral Pinto langou um movimento pela pre- secvacio do regime e pela legalidade constitucional. A Liga de Defesa da Legalidade visava a unio de trabalhadores, sindicalistas, intelectuais, em- presérios, comerciantes, militares e todos os auténticos democratas para defender as instituigdes ¢ 0 povo. Dias depois, foi a vez dos intelectuais se posicionarem. Publicado na revista Marco, um manifesto de escritores, artis tas e jornalistas repudiava os movimentos destinados a implantar um gover- no discricionério, mas cuja finalidade era “impedir a solugio do problema sucessério por meios pacificos e segundo a vontade do povo”.** Embora diversos setores da sociedade civil se mobilizassem em defesa da legalidade, os grupos civis-militares interessados no rompimento institucional continuaram suas investidas, sobretudo por meio da Thibuna da Imprensa, s ataques, em setembro, voltaram-se fundamentalmente contra Joao Goulart. Noticias sobre contrabando de armas pela fronteira com a Argenti- na e, inclusive, acusagbes de préticas criminosas, como 0 lenoeinio, torna- ram-se comuns.¥ Contudo, em meados deste més, uma deniincia, muito grave, foi anunciada por Carlos Lacerda na TV-Rio. Segundo uma carta enderecada a Goulart —na época em que era ministro do Trabalho — mas interceptada no Hotel Ambassador, o deputado peronista Antonio Brandi, envolvendo os nomes de Perén, do vice-governador de Corrientes, de um advogado brasi- Icio, entre outros, respondia aos supostos interesses do lider trabathista de formar “brigadas de choque obreiras”. Indicava, também, contatos com 0 ‘ministro argentino Borlenghi, que conhecia a experiéncia de luta do movi- mento sindical daquele pats. Mais grave, no entanto, foi a confirmacio da compra que Goulart teria feito na “fébrica militar de Cérdoba”, cujas “mer- cadorias” entrariam clandestinamente no Brasil pela cidade de Uruguaiana.” ‘Nao era a primeira vez. que Carlos Lacerda acusava Jodo Goulart de estocar armas, No entanto, agora, as revelagdes contidas na carta eram muito gra- aie CRISES DA REPOSLICA ves. Afinal, um deputado peronista informava a Goulart a entrada clandesti- na de armas para o Brasil e meios para assessori-lo a formar brigadas de choque operérias. A “carta Brandi", como ficou conhecida, acirrou ainda mais a crise politica no pais. O ministro da Guerra, Henrique Lott, instaurou uma Comissio Militar de Inguérito visando a investigagao das demincias Acampanha pelo adiamento das eleigées continuou sendo defendida por alguns setores da UDN, sobretudo a organizacio lacerdista de extrema-di- reita Clube da Lanterna. No entanto, mesmo com as suspeitas que pairavam sobre Joo Goulart devido a “carta Brandi", em 3 de outubro a populacio escolheu o novo presidente da Repablica. Vitorioso, Juscelino obteve 36 dos votos; Juarez Tévora recebeu 30%; seguidos de Ademar de Barros com 2696 ¢ Plinio Salgado com 8%. No entanto, uma nova campanha iria enme- ‘ar, agora pelo impedimento da posse. A estratégia dos udenistas, defendida por alguns grupos, era a de denunciar © apoio dos comunistas a Juscelino, bem como fraudes eleitorais, motivos para a anulacio das eleigées. Preten- diam, também, recorrer & tese da “maioria absoluta”, impedindo, desse modo, posse do presidente eleito. £ neste contexto que, em meados de outubro, 0 presidente da Comissao Militar de Inquérito, general Maurell Filho, chege a0 resultado final de suas investigagdes sobre a “carta Brandi”. De acordo com 0 perito, os exames comprovavam que a assinatura do deputado Anto- nio Brandi tinha sido falsificada grosseiramente.® A sensagio nos meios po- Iiticos era. de que, mais uma vez, o escndalo em nada resultaria, ninguém seria punido. Enquanto os interessadios na legalidade procuravam denunciar os golpistas 6, assim, garantir a posse dos eletos, os oficiais militares favordveis 20 rom- pimento institucional nas Forgas Armadas, sobretudo na Aerondutica, conti- nuavam a se manifestar publicamente. No entanto, havia amplos sctores legalistas, particularmente no Exército, que, por seu siléncio, impediam que 98 grupos civis em confito avaliassem a correlaglo de forcas entre os milita- +26, Assim, em 17 de outubro, o inspetor geral do Exército, general Euclides Zendbio da Costa, langou uma proclamagio contundente em favor da lega- Jidade democrétiea. Dirigindo-se aos generais, oficiais, sargentos e soldados, afirmou, categérico, que eles nfo tivessem ilusdes: “a legalidade somente serd reservada com o teu sangue © com as armas que © povo te entregou para ae ‘que the defenda a iberdade de trabslhar, de pensar, de votar, de criticar, de protestar”.” A defesa da legalidade pregada pelo general ndo era, naquele ‘momento, uma novidade dentro do Exército, Desde o inicio da década de 1950, diz Maria Celina D'Araujo (1996, p. 115), as idéias que associavam 0 desenvolvimento econémico a0 nacionalismo ¢ & democracia, todos amea- cados pelos interesses econémicos ¢ politicos dos Estados Unidos, estavam na agenda de debates da sociedade brasileira. Os militares néo ficaram omis- sos e, sobretudo nas eleig6es do Clube Militar, a partir de 1952, tais ques- tes incitavam a oficialidade a manifestar suas tendéncias. Zendbio da Costa e outros generais, destacando-se Estillac Leal, tornaram-se liderangas daque- les que aproximavam os temas do nacionalismo democracia e ao legalismo. (© grupo, nomeado por José Murilo de Carvalho (1999) de “nacionalistas de esquerda”, aderiu &s teses que aludiam & soberania nacional, defendidas pe- Jos trabalhistas, , 20 mesmo tempo, no se envolveu com a ideologia do anticomunismo, ou mesmo a recusou. Ele se diferenciava de um outro gru- ‘po, os “nacionalistas direitistas”, a exemplo de Gées Monteiro e Gaspar Dutra, ‘que, embora simpéticos ao nacionelismo, deferdiam uma luta sem trégua a0 comunismo. Um terceiro grupo, por fim, que reunia nomes como os do bri- gadeiro Eduardo Gomes e dos generais Juarez Tévora ¢ Cordeiro de Farias, formava a ala “cosmopolita de direita”, visceralmente anticomunista, anti- trabalhista e adverséria do nacionalismo — defensora, portanto, da abertara ao capital estrangeiro e do alinhamento incondicional aos Bstados Unidos. Desde o segundo governo de Getilio Vargas, estabeleceu-se a alianca entre 0s “nacionalistas dreitistas” com os “cosmopolitas de direita”. Os “naciona- listas de esquerda”, no entanto, nao deixavam de matcar suas posigOes, so- bretudo em momentos de crise politica. Foi nesse contexto que Zendbio ‘da Costa se manifestou. ‘A proclamacéo-do general, direta ¢ contundente, foi a primeira vor dos “nacionalistas de esquerda” que, naquele momento, surgiu nos meios milita- res em defesa da democracia. Henrique Teixeira Lott, no entanto, insistia em enquadrar o Exército nos e6digos disciplinares. Assim, procurando ser coerente com seu estilo de comando, punin o general Zenébio da Costa por sua proclamago. Preocupado com a instabilidade politica e a ordem legal, ministro da Guerra conversou com 0 ministro Galloti, magistrado responsé- 320 CRISES DA REPORLICA vel pelas eleigdes, ouvindo dele que a Constituicdo estava sendo respeitada. A seguir, procurou seus colegas ministros da Marinha e da AeronSutica, a~ ‘gumentando que nao havia motivos legais para o impedimento da posse dos cleitos. No entanto, as alegacées nio convenceram os colegas. Ambos disse- ram ao ministro da Guerra que Juscelino ndo poderia assumir a presidéncia da Repablica. A partir daf, Lote distanciou-se dos outros dois ministros mili- tares e percebeu a divisao nas Forgas Armadas e, mais grave, dentro delas.*° [esse clima de instabilidade politica crescent faleceu o general Canrobert Pereira da Costa. Nos funerais, diante da presenca de autoridades civis e dos ministros militares, 0 coronel Jurandir Mamede pronunciou um diseurso desafiador da hierarquia ¢ da disciplina militar. Sem constar no cerimonial, Jurandir, mum ato de insubordinacéo, tomou a palavra ¢ homenageou 0 ‘general falecido. O coronel repetiu as palavras de Canrobert para definir a democracia no Brasil — “pseudolegalidade imoral e corrompida” —, acres- centando, ainda, que se tratava de uma “mentira”." A primeira reagao de Lott foi a de cassar sua palayra e dar-lhe ordem de prisio. No entanto, sur- preso, viu 0 presidente da Camara dos Deputados, Carlos Luz, cumprimen- ‘tar Mamede com entusiasmo.** insubordinagéo do coronel animoua direita Givil patrocinadora do golpe. Dois dias depois, em 3 de novembro, outro episédio veio agravar a crise politica. Café Filho, sofrendo uma crise cardiovascular, delegou seus pode- esa Catlos Luz, seguindo a linha de sucessio. As atengées, no entanto, vol- taram-se para o general Lott. Nos principais cfrculos politicos do pafé, os Iideres partidarios conheciam sua posigo pela legalidade democrética, De- safiado publicamente por um subordinado de sua prépria forca, o ministro da Guerra tinha consciéncia da diviséo entre as Forgas Armadas, inclusive nas fileiras do préprio Exército. Percebendo a dilaceracio na tropa, sobret- do por razbes politicas, e todos os riscos que isso implicaria para a integrida- de da corporagao, Lott estava determinado a restabelecer e impor o respeito A hierarquia e a disciplina, com a punigao do coronel Mamede, preservando os militares das lutas partidarias e, em conseqtiéncia, garantindo a legalidade democratica. Se fosse derrotado, no entanto, seria a vit6ria dos setores civis militares interessados no golpe, de quem 0 coronel foi 0 porta-vor desa- fiador. Os grapos preocupados com a manutengio da ordem democritica perceberam que a Lott caberia decidir o desenlace da crise institucional. ‘Contudo, a situagéo funcional do coronel Mamede o protegia. Somente 0 presidente da Reptiblica poderia permitir que o ministro da Guerra punisse o coronel. No dia 10 de novembro, Lott foi convocado por Carlos Luz. Em audién- cia, seria decidido o destino do coronel Mamede. O ministro da Guerra che- gou pontualmente as 18:00 horas, horério determinado por Luz, mas s6 foi recebido mais de duas horas depois, esperando, pacientemente, na ante-sala presidencial. A demora foi proposital: o presidente queria ferir a autoridade do ministro da Guerra, humilhando-o. Horas antes, no entanto, o general Mendes de Moraes, com o pretexto de provar a forga de um pequeno ca- hf fabricado no Arsenal de Guerra, convidou cerca de 40 generais para testi nas desertas praias da Barra da Tijuca. O interesse na eficiéncia do canhio foi minimo. O assunto principal era o ministro da Guerra. O general Moraes, habil politico, apelava para o amor-prOprio dos oficiais, alertando- os para os perigos de descrédito de todo o Exército se a demissio de Lott se confirmasse.” O resultado, no entanto, jé era esperado. Carlos Luz disse ao general que se decidira pelo parecer do chefe do EMEA, brigadeiro Ducan, impedindo, assim, a punigio do coronel Mamede. O ministro da Guerra imediatamente comunicow sua exoneracdo do cargo. © grupo favordvel ao rompimento institucional assumira a direco do préprio Exército. O pats tomou conheci- mento da decisio de Carlos Luz pelas emissoras de rédio e televisio com estardalhago. Os locutores destacaram a humilhagao imposta a Lott pela longa espera na ante-sala presidencial, causando grande indignago na ciipula mi- litar. Diversos generais sentitam-se ofendidos pelo procedimento grosseiro do presidente.» Seja como for, a safda de Lort do ministério da Guerra abriu espago para o golpe de Estado. Nesse momento, porém, o general Augusto Frederico Correia Lima, comandante da Artilharia da Costa, articulava a revolta militar. Indignado com a humilhagio imposta ao chefe do Exérci- 10, atitude considerada por ele como uma afronta a todos os generais, tele- fonou para varios deles, inclusive para o general Odilio Denys. Um dos mais cexaltados foi o comandante da Vila Militar, general Azambuja Brilhante, militar de grande prestigio na tropa. Em menos de uma hora, a rebeligo mi- 322 CRISES DA aePOstiCA litar estava combinada e cerca de 30 generais marcaram, para as 22:00 horas daquela noite, reuniao na casa de Denys. Enquanto a rebelido era discutida, na casa 20 lado, separada apenas por ‘um muro, o general Lott, na solidio de seu quarto, refletia sobre os aconte- cimentos.* Ble estava convencido de que as forcas de ar e mar tramavam o Tompimento institucional e sabia quais os objetivos dos conspiradores civis ¢ militares: dissolver 0 Congresso, intervir no Judiciério ¢ impor um militar na presidéncia da Repiiblica — planos, aliés, pregados publicamente pot Carlos Lacerda. A tentativa de golpe era clara e, certamente, pensou, haveria reacdo dos militares legalistas. A guerra civil era uma possibilidade. Deters minado, telefonou para Denys. © comandante do I Exército, por sua vez, comunicou a decisio dos gencrais de intervirem no processn politico, com a lideranca do préprio Lort. Nao se tratava propriamente de uma rebelido, disse Denys, mas sim do que os comandantes definiram como um contragolpe em defesa da Constituigéo. Escolheram, inclusive, o nome para qualificar a rea- ao militar: “Movimento de retorno aos quadros constitucionais vigentes."” Ap6s tragarem estratégias de atuacio, foram para 0 Ministério da Guerra. O contragolpe deveria ser répido, verdadeiramente fulminante e, sobretudo, sem sangue. Comecava a “novembrada”, Com 0 apoio das guarnicées do Exército na capital da Repiiblica, o ge- neral Lott sentiu-se fortalecido para insurgir-se contra Carlos Luz. No Mi- nistério da Guerra, através do rédio, ele se comunicou com comandantes militares de varios estados. As tropas do Rio de Janeiro, Espttito Santo, ‘Minas Gerais e Sao Paulo imediatamente alinharam-se pela legalidade. Mas © ministro da Guerra nfo queria uma solugéo estritamente militar para a ‘rise, Por telefone, convocou o vice-presidente do Senado, Nereu Ramos, €0 lider da maioria na Camara, José Maria Alkmin. No Ministério da Guerra, os tr8s, juntos a outros generais, procuraraim dar uma saida legal ‘40 movimento, com a indicagéo de um outro civil a presidéncia. Lott insis- tu que 0 Gnico desejo do Exército era o de preservar a legalidade ¢ o regi me democrético, Assim, em solucio negociada entre o PSD e os militares, @ Camara dos Deputados, em sessio extraordindria, elegeu, com 0 apoio do PTB, Nereu Ramos para a presidéncia da Repiblica, mas com votos contrétios da UDN. 22a ‘As tropas do Exército na capital federal eram muito superiores em nti- mero ao das outras duss forcas. Assim, soldados tomaram o Arsenal de Ma~ rinha, 0 Campo dos Afonsos, além de cercarem 0 Aeroporto Santos Dumont ea base aérea do Galefo, na Ilha do Governador.™ As estagbes de rédio e 0s jornais foram igualmente cercados. Sentindo perder 0 controle do poder, Carlos Luz seguiu para o Arsenal de Marinhs. Ali, embarcou no cruzador ‘Tamandaré, sob o comando do almirante Penna Botto, junto com 0 coronel ‘Mamede, 0 ministro da Justica Prado Kelly ¢ Carlos Lacerda. O objetivo era seguir para Santos e, em territério paulista,estabelecer 0 governo. As ordens de Lott eram para impedir a safda do cruzador da bafa de Guanabara. As rientagées dadas ao comandante da Artilharia da Costa foram claras: “pri- meiro dé tiros de pélvora seca; depois mais tiros de intimidacto: se ele con- tinuar, entdo tem que atirar na frente do navios finalmente, atirar em cima”. Para Lott, a chegada do cruzador a Santos poderia significar o inicio da guerra civil. No entanto, utilizando um cargueiro que por ali passava como escudo, Penna Botto avancou para a barra e, mesmo sob fogo dos eanhées do forte de Copacabana, avangou para alto-mar. Na verdade, o comandante da Artilha~ ria da Costa nfo obedeceu as ordens de Lott para afundar 0 navio. Seja como for, 0 resto da esquadra no saiu dos atracadouros. Receosos dos tiros de canhio, outros almirantes resolveram nao arriscar. O Tamandaré ficou s6. Sem alternativas para ficar na capital da Repdblica, Eduardo Gomes, If- der militar da insurreigio, partiu de avido para Sio Paulo, Cagas da Forca ‘Aévea também levantaram vo, acompanbando-o. Naqucle estado seria de- Cidido 0 futuro politico do pais. Os planos dos golpistas eram os de instalar ‘0 governo de Carlos Luz em Santos, ganhar 0 apoio do governador Janio Quadros, dispondo, assim, das policias civil e militar do estado, ¢ contar com a insubordinac&o de chefias de regimentos da capital, No entanto, 0 gover- nador, o presidente da Assembléia Legislativa, Franco Montoro, ¢ o presi- dente do Tribunal de Justiga posicionaram-se a favor da ordem legal. Além disso, 0s militares leais 0 ministro da Guerra movimentaram-se rapidamen- te, Tropas de Minas Gerais, Mato Grosso Parana convergiram depressa para a capital paulista, Depois, colunas legalistas ocuparam a Via Anchieta — es- trada estratégica, pois ligava a capital a Santos —e logo tomaram a cidade portudtia, A situagio estava perdida para os golpistas, sobrenudo quando Lott CRISES A REPUBLICA assumiu, ele mesmo, a pasta da Aerongutica e “nomeou” 0 novo ministro da Marinha, um oficial defensor da ordem legal. Do Tamandaré, Carlos Luz enviou mensagens para as liderancas militares golpistas: que cessassem qual- quer resisténcia. Encerrava-se, assim, a tentativa de rompimento constitu- ional com a vit6ria do grupo legalista do Exército. Ao final, ninguém sofreu punigéo. Apenas Carlos Lacerda, por iniciativa propria, se exilou em Cuba, No dia seguinte ao golpe, dia 12 de novembro, virios dirigentes sindi- cais da capital federal reuniram-se na sede do PTB. O presidente do sindica- to dos metalirgicos, Benedito Cerqueira, tomou a palavra ¢, avaliando a atitude do general Lott, disse: “as forges do bem derrubaram as forgas do mal”. Continuando, alegou que “o Exército Brasileiro estendeu a mio a0 ovo, A atuacdo das Forgas Armadas encontrou o mais decidido apoia do ovo. A legalidade foi defendida e mantida, Mas devemos, nés, trabalhado- res, continuar alertados para repelir os golpistas. Estaremos sempre ao lado das Forgas Armadas para a preservaclo da democracia. Lutaremos, em todos 08 sentidos, em defesa da legalidade.”*° Em manifestacdo pblica, dirigentes sindicais do Distrito Federal e de outros estados, trabalhadores organizados em comissées de fabrica ¢ aqueles provenientes dos subfibios e favelas en- contraram-se em frente & Camara dos Deputados para apoiar os parlamen- tares pela manutencao da ordem legal. Faixas pediam a punicSo dos golpistas, logiavam o Exército, bem como o general Lott. Em So Paulo, reunidos em assembléia, diversos lideres sindicais, como os dos metakirgicos, bancérios, aerovidrios, marceneiros, grficos, tecel6es, sapateiros, ferrovidrios ¢ da in- diistria de alimentos, langaram um manifesto para a populacio. Comegava o culto & personalidade de Lott. “Soldado da Lei”, segundo 0 jornal Ultima ‘Hora, foi uma das representagbes que definiam o general. © contragolpe liderado por Henrique Teixeira Lott liberou tendéncias, ‘acionalistas dentro das Forgas Armadas — particularmente no Exército — proximas ao PTB e que, até entdo, atmavam com discriglo politica, Os traba- Ihistas, a partir daf, deram-se conta de que os udenistas nao tinkam o mono- lio dos quartéis e passaram também a dispor de suas “tropas”, concorrendo diretamente com a dircita. Como afirma Maria Celina D’Araujo, “o PTB ganhou uma oportunidade tnica de competir com a UDN no proselitismo dentro das Forgas Arimadas” (1996, p. 116). Assim, em marco do ano se- aas guinte, o coronel Nemo Canabarto Lucas fundou a Frente de Novembro, organizagdo que congregava militares tanto oficiais quanto sargentos —, sin-

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