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Peete Professor da Univorsidade Estadual de Campi Educacao na pandemia: a falacia do “ensino” remoto Dermeval Saviani 3 (Unicamp) snail dermeval saviani 2013@gmallcom an EEN te Oe one Ia OTe Um Se E ue LE SU RAP Ro oe SUE eet ecm acn Bees en Tr ee Crs Ana Carolina Galvao Professora da Universidade Fodoral do Esptito Santo (UFES) E-mail: galvao.marsiglia@gmail.cam Oe Oe Cec Pont ete cae Coe) ocr SNOT See uc En envi rare Re eR) das escolas. Concluimos afirmando que, diante da situago grave em que nos encontramos, Peo eteen en Eee Cero Rice Eee Recerca ecu) Palavras-chave: “Enso” Remoto.Inplzazées Pedagéicas. Educaplo Poblia, Introdugao © ano de 2020 sera lembrado mundialmente como aquele em que a pandemia do novo coronavi rus atingiu mais de quarentae trés millées de pesso- as a0 redor do planeta ¢ tirou mais de um milhio ¢ cem mil vidas, No Brasil, a desoladora crise sanitaria 4 acometew mais de quatro milhdes ¢ citocentas mil pessoas, levando a dbito mais de cento ¢ cinguanta ¢ seis mill, No entanto, a histéria brasileira poderia ser diferente, pois, sendo um dos itimos paises a ser atingido e dispondo de um dos maiores sistemas de saide pablica do mundo, o Brasil poderia ter pla nejado reforgo a0 orgamento do Sisitema Unico de Saide (SUS) ~hé muito sucateado -, investide novos recursos em funcio do estado de emergéncia e co ordenado o enfientamento & pandemia, tornando-se ‘um exemplo mundial, Nio foi 0 que ocorreu, O governo Bolsonaro io apenas foi omisso ¢ irresponsivel, como pode ser clasificado como genocida, pois nem mesmo aplicou os recursos aprovados pelo Congresso ‘Nacional destinados ao combate a0 novo coronavirus; desperdigou mais de 1,5 milhio de reais do dinheiro pliblico investindo na ampliasio da produsio de cloroguina pelo Laboratério Farmacéutico do Exér sendo este medicamento sabidamente ineficaz a0 r mento da Covid-19; tratou a pandemia com pouco «aso, desrespeitando normas sanitérias e minimizando a gravidade da doenga: deixou a populagio a prépria sorte para morrer nos hospitais; além de colocar © Brasil como Iider mundial de enfermeiras ¢ cenfermeiros falecidos em decorréncia do SARS-COV-2 (BERALDO, 2020). Nessas circunstincias, nos vimos obrigados a en- ‘rar em isolamento social como medida preventiva ‘para a contensao da pandemia, adotada com mais ou ‘menos seriedade ¢ compromisso, conforme entendi mento de cada governo municipal ou estadual, tendo em vista 0 abandono do governo federal nas provi déncias que precisariam ser tomadas. Comércios, indiistrias e servigos tiveram suas rotinas alteradas e fo foi diferente com as escolas, nas quis, logo apés © inicio do ano letivo, as atividades presenciais foram suspensas. De acordo com 0 DataSenado, em pesqui sa realizada no final de julho, Entze os quase 56 milhGes de alunos matricu Iados na educacia bisica e superior no Brasil, 35% (19,5 milhdes) tiveram as aulas suspensas devido 4 pandemia de Covid-19, enquanto {que 58% (32,4 milhbes) passaram a ter aulas remolas, Na rede piblica, 26% dos alunos que estio tendo aulas online nio possuem acesso & internet (AGENCIA SENADO, 2020). Nos Institutos Federais de Ensino, de quarenta ¢ ‘uma unidades, quarenta jé aderiram as aulas remotas, SN w jareio do 2021 3 alcangando mais de novecentos ¢ vinte e cinco mil sidades Fed todas elas (sessenta ¢ nove unidades) adotaram 0 estudantes. No caso das Un “ensino” remoto, totalizando mais de um milhio ¢ ccem mil estudantes de graduacio’. De inicio, salientamos que conhecemos as milti- plas determinases do “ensina” remoto, entre elas os interesses privatistas colocados para educagio como mercadoria, a exclusio tecnolégica, aauséncia de de moeracia nos procestos decisdrios para adogio desse modelo, a precarizasio ¢ intensificacio do trabalho para docentes e demais servidores das instituigSes. Contudo, nosso objetivo é discutir as implicasSes pedagdgicas do “ensina” remoto e sinalizar que o dis curso de adesio por falta de alternativa ¢ falacioso. Este segundo ponto é importante porque foi criada ‘uma forte narrativa de légica formal em que a opo- sigdo ao “ensino” remoto seria a volta ao presencial, colocando em risco a vida das pessoas. Empurradas para um suposto beco sem saida, comunidades es colares, incluindo familias, se viram sem alternativas «6, devemos admitir, 0 avango do neoprodutivismo suas variantes (SAVIANI, 2010), desde a década de 1990, em muito contribuiu para o esvaziamento da importincia da edueagio escolar ¢ dos contetidos de ensino, Por isso, buscamos demonstrar que a “falta de ‘opsio” nio foi a inexisténcia de possibilidades, mas ‘uma escolha politica, “Ensino” remoto: seus problemas acabaram? © advento da pandemia do novo coronavirus provocou a necessidade de fechamento das escolas', © que levou ao “ensing” remoto em substituisio As aulas presenciais. A expressio ensino remoto passou a ser usada como alternativa a educagio a distancia (EAD). Isso, porque a EAD jé tem existéncia estabelecida, coexistindo com a educagio presencial como ‘uma modalidade distinta, oferecida regularmente. Diferentemente, o“ensino” remoto é posto como um substituto excepcionalmente adotado neste periodo de pandemia, em que a educagio presencial se encontra interditada, 6 No contexto da pandemia, © termo “ensino remoto” se popularizou, O isolamento social, necessério para impedir a expansio da infecgio por Covid-19, fez com que as atividades Presenciais nas instituigSes _educacionais eixastem de ser o “normal”, Por isto, as instituigdes educacionais passaram a utilizar dde forma generalizada estratégias de EaD. O problema € que, para manter as atividades regulares funcionando na “nova normalidade criada pela pandemia de Covid-19, muitas instituigdes, especialmente do setor privado, comegaram a utilizar estratépias que violavam a legisligdo vigente utilizando um eufemisme: 0 ensino remoto, Outros nomes mais pomposos também foram utlizados para ocullar 0 processo de imposicio de arremedos de EaD: Ensino por meio de Tecnologias Digitsis de Informacio e Comunicasio (TDIC), Calenditio Complementar, Estudo Remoto Emergencial etc. (ANDES-SN, 2020, p. 12-13), No entanto, como jé destacamos anteriormente, 0 “ensino” remoto se expandiu e alcangou também a ‘educagdo publica de forma bastante ampliada, fazen- do uso de idénticas “variagdes sobre o mesmo tema’. Mesmo para funcionar como substituto, excep- ional, transitério, emergencial, temporario etc, em ‘que pesem as discordancias que temos com 0 ensino no presencial e que iremos abordar, determinadas condigdes primisias precisariam ser preenchidas para colocar em pritica o “ensino” remoto, tais como ‘acesso ao ambiente virtual propiciado por equipa: ‘mentos adequados (¢ nio apenas celulares);acesso & internet de qualidade; que todos estejam devidamen: te familiarizados com as tecnologias , no caso de do- centes, também preparados para o uso pedagogico de ferramentas virtuas. ‘Tudo isso é extremamente importante em uma realidade em que hi mais de 4,5 milhies de Deasileizos sem acesso A internet banda larga € ais de 50% dos domicilis da érea rural nio postiem acesso & internet. Em uma reaidade fem que 38% das casas no possuem acesso a internet e 58% néo tém computador (ANDES- SN, 2020. p. 14) ‘Mesmo considerando todos esses limites, redes de censino estaduais ¢ municipais, assim como diversas instituigdes publicas de ensino superior, langaram mio do “ensino” remoto para cumprir o calendério escolar e o que se observou de maneira geral foi que as condigdes minimas nao foram preenchidas para a grande maioria dos alunos ¢ também para uma par cela significativa dos professores, que, no mais das ‘vezes, acabaram arcando com os custos ¢ prejuizos de saide fisica e mental decorrentes da intensificagio ¢ precarizagio do trabalho. (© quadto que se anuncia para o periodo pés-pan- ddemia trara consigo pressbes para gencralizagio da educagio a distincia, como se fosse equivalente a0 ensino presencial, em fun¢io dos interesses econd- micos privados envolvidos, mas também como re- sultado da falta de uma verdadeira responsabilidade com a educagio piiblica de qualidade e, ainda, pela apatia de entidades de classe, organizacées populares € movimentos socias ditos progressistas que se ren- dram a0 canto de sercia do ensino virtual, No caso do ensino superior federal, soma-se ainda a falta de firmeza de reitores, em especial aqueles que nao fo- am eleitos por suas comunidades académicas ¢ que atendem aos interesses do governo federal com pou- 4quissima resistencia e compromisso com suas insti tuigdest Aprofunda-se, assim, a tendéncia do processo de conversio da educagio em mercadoria, na esteira da privatizagao que implica sempre a busca da reducio dos custos, visando a0 aumento dos lucros. A do: céncia “uberizada’ terd na experiéncia do “ensino” remoto uma alavanca a servigo dos interesses mer: cadoligicos pés-pandemia ¢ também convirs aos reitores que estiverem buscando uma “sada” para a crise orgamentéria que vivem as insttuigées de ensi- zo superior, cada vez mais estranguladas pelos cortes aplicados pelo governo federal A tecnologia, desde a origem do ser humano, no € outra coisa senio extensio dos bragos humanos, vi sando facilitar seu trabalho. E, hoje, com o advento da automagio, toda a humanidade poderia viver con: f <ério, Uberando o tempo disponivel para o cultivo wvelmente com um minimo de horas de trabalho do espirito, abrindo-se para as formas estéticas, ou seja, para a apreciagao das coisas e das pessoas pelo que clas sio em si mesmas, sem outro objetivo senio 0 de relacionar-se com clas. © avango da tecnologia vem para propiciar a li beragio e, portanto, a possibilidade de que nos en- contremos mais entre as pessoas e no para separar € isolar cada uma no seu computador Agora, o que impede a generalizagio desse es tigio de aumento do tempo livre para usufruto do lazer e 0 cultivo do espirito ¢ a apropriaséo privada dos meios de produgéo e dos produtos do trabalho, fazendo com que, de meios de libertacio dos indivi: duos humanos do trabalho pesado e meio de redu- Gao do tempo de trabalho socialmente necessério, a tecnologia se converta em instrumento de submissi0 da forga de trabalho a'um tempo sem limite, condu- indo o ser humano & exaustio, Foi isso que acontecew na revolucio industrial, com a introdugio da maquinaria, que levou os tra: balhadores a destruirem as méquinas. Mas as mé- quinas viriam a facilitar seu trabalho, portanto, nio exam suas inimigas, Seusinimigos eram os donos das maquinas, que se serviam delas para impor um rit: ‘mo alucinante & atividade dos trabalhadores. F essa situagio que se manifesta agora, com as novas tecno logias expressando-se no fenémeno que vem sendo chamado de “uberizagio” do trabalho. Portanto, com o “ensino” remoto, nossos problemas no acabaram; apenas se enraizaram ainda mais. Implicacées pedagégicas do “ensino” remoto Deve-se ter presente que, pela sua propria natu- reza, a educacio néo pode nio ser presencial. Com cfeito, como uma atividade da ordem da produgio rio material - na modalidade em que o produto €in- separivel do ato de producio -, a educagio se cons- titui necessariamente como uma relacio interpesso- al, implicando, portanto, a presenca simultinea dos dois agentes da atividade educativa: o professor com seus alunos (SAVIANI, 2011). Mas nio basta apenas presenca simultanea, pois isso estaria minimamente dado por meio das atividades sincronas do “ensino” remoto, Para compreender essa insufici cia, preci- samos nos deter nos elementos constitutivos da pri tica pedagégica, ‘Martins (2013, p. 297) afirma que “A triade forma- conteddo-d tinatirio se impde como exigéncia primeira no planejamento de ensino, Como tal, de 2021 nenhum desses elementos, esvaziados das conexdes que os vinculam, pode, de fato, orientar o trabalho pedagogico” Vejamos entio cada um desses componentes, tratedos em separado, apenas para fins de exposigio, uma ver que jé foi alertado que nenhum deles pode ser tomado isoladamente. Comecemos pelo “destinatirio” Esté bastante evidente que este é o elemento ao qual se dirige 0 trabalho educative que tem como finalidade permitir que cada sujeito particular incorpore a humanidade ‘em si, pois o ser humano, por meio de suz atividade vital humana (0 trabalho), nio nasce humanizado, ‘mas humaniza-se a partir da realidade objetiva, Isso exige,por conseguinte, que as méximas possibilidades de desenvolvimento sejam dadas a cada pessoa, para que, se apropriando do conjunto das produces do género humano, a ele se incorpore, Nas palavras de Leontiev (1978, p. 265-266) Cada geragio comesa, portanto, a sua vide ‘num mundo de objetos e de fendmenos criado pelas geragies precedentes. Fla apropria-se das riquezas deste mundo participando no trabalho, na produsio e nas diversas formas de atividade social e desenvolvendo, assim, as aptidoes especificamente humanas que se eristalizaram, encarnaram nesse mundo. |..] Esté fora de questio que a experiéncia individual de um homem, por mais rica que seje, baste para produsir a formacio de um pensamento légico ‘ou matemético abstrato ¢ sistemas conceituais correspondentes, Seria preciso nio uma vida, mas mil De lato, © mesmo pensamento © saber de uma geragio formam-se a partir da apropriagéo dos resultados da. atividade cognitiva das geragées precedentes, Seo ser humano é um ser social, ee é um ser de pulsées ¢ caréncias (MARX, 2010), que se constitu pela apropriacio do patriménio cultural do género humano. Seu enriquecimento, obviamente, néo serd fornecido inteiramente pela escola, pois a educagio se reduz ao ensino. Mas isso néo diminui a im- portincia da educacio escolar, destinada a socializar ‘saber sistematizado (SAVIANI, 2011). ‘Tratamos de situaro “destinatério” (ser humano) ¢, agora, vinculada 4 necessidade de sua humanizagio, chegamos 4 escola e sua funcio de socializacéo dos conhecimentos historicamente acumulados. Porém, * [..] para existir a escola, nfo basta a existéncia ddo saber sistematizado, B necessirio visbilizar as condigbes de sua transmissio ¢ assimilagio, Isso implica dosi-lo e sequencié-lo de modo que a crianga passe gradativamente do seu io dominio a0 seu dominio. Ora, 0 saber dosado © sequenciado para efeitos de sua luansmissio © assimilagio no espago escolar, a0 longo de um tempo determinado, é © que 1nés convencionamos chamar de saber escolar (SAVIANI, 2011, p17) © tema do saber escola, portanto, nos leva a ou tro componente da triade anteriormentecitada, qual seja,0 “conteiido”, A escola precisa selecionar os ele rmentos culturais fandamentais para a humanizagéo os individuos. Chamamos estes elementos de “clés cos’, definidos desse modo pela conteibuicio que oferecem a0 desenvolvimento humano, mesmo que ‘em tempo histérico distinto daquele em que foram claborados, tanto quanto nio se opondo necessaria- ‘mente a0 atual ou moderno, Se pretendemos atingiz © objetivo de colaborar com uma formagio omnila- teral, entio nio nos servo quaisquer contetidos e, dal, a necessidade de sua escolha eriteiosa. Como assinalam Galo, Lavoura e Martins (2019, p. 91, arifos dos autores), todo aluno aleangaré certo de- senvolvimento, pois Seria irreal afirmar que ele nada apreende em seu processo de escolarizagio, Entetanto, qual € esse desenvolvimento © em que graw cle se ‘manifesta? A vida cotidiana nos fornece meios de sobrevivncia, mas sobreviver nas minimas condigdes objetivas ¢ subjetivas ¢ inteiramente diferente de viver plena e maximamente, (Quanto mais aescola se apressa na formagio dos individuos, esfacela os contetdos e desqualifica © papel da educagdo na humanizagao dos seres ‘humanos, mais ela garante o sobreviver e nio 0 Fazemos agui uma observagio a respeito da sele ‘40 dos clissicos, ora compreendida como algo que desconsidera a riqueza das culturas em suas mais va- riadas expressies ¢ ora interpretada como algo que partiria de uma manifestagio burguesa, alienante, que nio auxilia na busca da superagio da socieda- de de classes. No primeiro caso, afirmar que a escola precisa garantir o que é essencial (lissico) para que os individuos se humanizem, ao contrdrio de invia- bilizar, silenciar ov suprimir qualquer expressio cul- tural, destina-se a garantir que essa riqueza esteja na escola, socializada com todas € todos. Na segunda hipotese, como assevera Duarte (2016, p. 64) Ver nestes conhecimentos apenas a alienacéo ndo analisi-los no curso histérico das contradigSes. sociais objetivas ¢ subjetivas. E ninguem melhor que Karl Marx para nos ensinar a analisar dialeticamente uma realidade histérica, Ninguém criticou tio radical e profundamente a sociedade capitaista como Marx, mas isso jamais o impediu de compreender a importincia das conquistas do ‘apitalismo para o pleno desenvolvimento dos seres humanos, Assim, voltemos as implicagGes da escolha de um ou outro conteido para reafirmar que nio sio quais quer contetidos que servem ao objetivo da educagio escolar emancipadora. Para tanto, recortemos 20s ¢s- tudos de Martins (2013), que elucidam a importancia da educagdo escolar para 0 desenvolvimento do hu- mano em termos psicoldgicos autora explica 0 psiquismo humano como “uni- dade material ¢ ideal que comporta a formasio da imagem subjetiva da realidade objetiva’ (MARTT 2013, p. 74). Nés jf citamos anteriormente que os individuos precisam se apropriar do patriménio hu- ‘mano genérico (realidade objetiva) para se humani: zarem (instituigio de uma segunda natureza). Por- tanto, cada individuo precisa subjetivar a realidade, pois € isso que permite torné-la inteligivel. Contudo, a captacio do real pela consciéncia depende do tipo de substrato (contedide) dado 20 funcionamento psiquico, pois as fungdes psicologicas “[..] 6 se de- senvolvem no exercicio de seu funcionamento por meio de atividades que as determinem, Isso significa dizer que nao existe funcio alheia ao ato de funcio. nar e & mancira pela qual funciona’ (idem, p. 276, srifo nosso). Em outras palavras, o desenvolvimento Jhumano em suas méximas possibilidades depende da grandiosidade dos contexidos que sio disponibi- lizados aos individuos, razio pela qual defendemos uma escola que se constitua como “uma rica totali dade de determinagées e relagies diversas” (MARX, 2008, p. 258), Depois de abordar alguns aspectos selativos 20 “destinatério" © também a0 “conteido’, nos resta abordas 0 elemento da “forma” da triade de Martins (2013). Segundo Saviani (2011), € preciso organizar os meios através dos quais se proporcione a cada individuo singular a apropriagio dos conhecimen- Ieee tos produzidos pela humanidade, As formas (pro cedimentos, tempos, espacos etc.) dependem das condigdes objetivas de sua efetivagio ¢ da natureza dos contetidos. No que diz respeito as condigdes, sabemos que as escolas piblicas carecem, hi muito tempo, de materiais pedagégicos, bibliotecas € mo- bilirios, além de infraestrutura adequada, com itens primérios, como abastecimento de gua e rede de es goto’. Isso é bastante iustrativo das impossibilidades, de falarmos em condigdes propicias para adequasSes de forma do processo de ensino e aprendizagem. No tocante & natureza dos contetidos, é importante destacar que 0s recursos pedagégicos para ensinar ¢ aprender matemitica, por exemplo, sio diferentes daqueles que precisamos para ensinar e aprender filosofia. Em entrevista recente, sobre a conscién- SR CSE se CRT ime Cr eR Cera MPR OM ET Se eee Cue eter et ee Ue CCC ae ect de Martins (2013), que elucidam a importancia da Be ene eon a cia floséfica na pedagogia histérico-critica, Saviani explica que “[..] nao hi métodos previamente con. denados e nem métodos previamente consagrados, porque a escolha do método € sempre dependente da finalidade a ser atingida. fo fim a atingir que de- termina a escolha do método ¢ dos procedimentos” (MARTINS; REZENDE, 2020, .20) 'Nio ha, pois, uma forma exclusiva de ensinar ¢ aprender e as formas ficam muito restritas quando estamos diante de um modelo em que a aula virtual — atividade sincrona -, que se desdobra em atividades assincronas, oferece pouca (ou nenhuma) alternativa a0 trabalho pedagégico, Peete) cra Ts ee pe prec Minimizer a CTC oars Rem mT eel Fagamos entio uma reflexdo sobre as seguintes questdes: pode o “ensino” remoto garantir “[..] uma totalidade de manifestagdo humana de vida" (MARX, 2010, p. 112) que colabore com a emancipaséo dos individuos ("destinatirio"), tendo em vista o distan- ciamento entre professores ¢ estudantes? Nao se tra- ta apenas de distancia fisica, o que nos leva 4 outra questio: pode o “ensino” remoto garantir 0 conteido com a qualidade que desejamos? Vejamos a relagio entre essas duas perguntas. 0 “ensino” remoto é empobrecido nao apenas porque ‘h4 uma “frieza” entre os participantes de uma ativida- de sincrona, dificultada pelas questses tecnologicas. Seu esvaziamento se expressa na impossibilidade de sercalizar um trabalho pedagigico sério com 0 apro- fandamento dos contetidos de ensino, uma ver. que essa modalidade néo comporta aulas que se valham de diferentes formas de abordagem e que tenham professorese alunos com os mesmos espacos, tempos ¢ compartilhamentos da educacio presencial. ar See td dizer qu “outro of, pois possui as condigdes de identificar SR ene em quaisquer EEN eRe ey Yomando referéncia na psicologia_histérico cultural, Martins (2013) assinala que o psiquismo € um sistema composto por funsdes psicolégicas interdependentes, que so socialmente qualificadas, sendo algumas delas exctusivamente humanas, dada a interdigdo de seu desenvolvimento na auséncia das relagdes sociais. E sto os comportamentos comple- ‘0s culturalmente formados que nos diferenciam das demas espécies ¢ que possibilitam a razéo humana (tomar a realidade inteligivel). Dai a centralidade do desenvolvimento das fungSes psicoldgicas para 0 processo de humanizasio e o lugar decisive ocupado * pelos contetidos da educasio escolar, como ja desta- ‘camos anteriormente, © funcionamento psicologico se dé no duplo tran. sito entre dois planos. O primeiro, interpsiquico; ¢ 0 segundo, intrapsiquico. Segundo Vigotskii (2010, p. 114, grifos nossos): ‘Todas as fungSes psicointelectuais superiores aparecem Aesenvolvimento da crianga': a primeira vez, nas atividades coletivas, nas atividades sociais, dass veres no decurso do 04 seja, como fungées interpsiquicas; a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento da crianga, ou seja, como fungdes intrapsiquicas Isso significa que o individvo precisa aprender para se desenvolver ¢ que isso se dé em primeiro Iu- gar na relacio com o outro. Vale dizer que esse “ou: tro na escola, 60 professor, pois possui as condigdes de identificar as pendéncias afetivo-cognitivas que precisam ser suplantadas ¢ que podem promover o desenvolvimento. Minimizar a fungio do educador na pritica pedagégica é desqualificar a profissio ea profissionalidade da categoria docente, pois qualquer ‘um e em quaisquer condigSes precisias poderia se ar- vorar a realizar o trabalho educativo escolar, Porém, ‘como salienta Martins (2013, p. 278, grifos nossos): [A instruséo desponta como condicio para 0 desenvolvimento, ou seja, entre esses processos se instala uma relagéo de condicionabilidade reciproce, explicével A luz do preceito ligico dialético da dinimica entre “quantidade © qualidade’, ow seja, 2 “quantidade” de aprendizagens promovidas pelo ensino qualifica o desenvolvimento, & mesma medida que a “quantidade" de desenvolvimento qualifica a8 possibilidades para o ensine. © extofo dessa ideia reside na distingio entre formas anaturais ¢ primitivas de comportamento € as formas instrumentais, produzidas na histéria € albgolutamente dependentes da aprendizagem. No “ensino” remoto, ficamos com pouco ensino, ppouca aprendizagem, pouco contetido, pouca carga horiria, pouco didlogo. Em contrapartida, temos Iuitas tarefas, Do lado dos alunos, estes suposta- ‘mente passam a ser “autnomos” e vio em busca do proprio conhecimento, assoberbados com a multi- plicagio de leituras, videos, podeasts, webindrios ete Porém, em concordincia com o que explicitamos a partir de Vigotskii (2010), assinalam Abrantes e Mar- tins (2007, p. 320-321): [.-] um individuo imerso na realidade imediata, sem apoio de conceitos que sintetizam a experincia histérica do ser humano, corre © isco de se aloger numa imensiddo de informagdes cadticas ou, no melhor dos casos, realizar avangos lentos ¢ insignificantes & custa de muito se debater, como aquele que ndo foi censinado a nadar e 6 atirado na gua, Jédo lado dos docentes, estes estio abarrotados de trabalhos para cortigir, mensagens de e-mails e apli- cativos, foruns de ambientes virtuais e outros para dar conta, Relevante destacar também que esse processo acodado de implementagio do ensino remoto contribui para a intensiticagio do adoecimento docente, Pois, além da pressio e vigilincia impostas que podem se configurar em assédio, ‘© uso constante das tecnologias, com as quais nem todos sio familiarizados, amplia a8 possibilidades de adoecimento fisico ¢ mental. A elevagio da carga de trabalho se dé, ainda, em condigdes subjetivas desfavoriveis, uma vex que muitat © muitos docentes tém que lidar com o teletrabalho em meio a afazeres domésticos e demandas familiares (INFORMANDES, 2029, p. 12), ‘A grande justificativa para adesio ao “ensino” re. moto foj se tratar de uma solugdo emergencial, como afirmou o reitor da Universidade Federal do Espiti to Santo, “que nos tira de uma situagdo de auséncia’ desse tipo de atividade, mas respeitando o isolamen- to social, em obediéncia as regras do Ministério da Saide ¢ do Governo do Estado, que buscam proteger a vida das pessoas e controlar a pandemia de Co vid-19" (UFES, 2020). O que questionamos é: esse modelo tio precarizado e infimo do ponto de vista do cumprimento dos objetivos da educagéo escolar contige realmente essa suposta auséncia ou é apenas ‘um engodo? Com esta pergunta, para a qual procu- ramos trazer contribuiges neste texto, fechamos a trlade contetido-forma-destinatério no “ensino” re- moto nos seguintes termos: contetide esvaziado, for- ma empobrecida e destinatirio excluido a priori ou Iudibriado sobre sua aprendizagem, Proposigdes para realmente nos tirar de uma “situagao de ausénc Conforme anunciamos no inicio deste artigo, 0 ‘ensino” remota foi colocado como nica possibili: dade de substituiséo ao funcionamento das escolas. No entanto, como também procuramos evidenciar, essa suposta alternativa é precarizada e néo atende minimamente a0 que defendemos que seja ofertado pela educagio pablica de nosso pais. Assim, antes de mencionar quaisquer proposigées, ¢ preciso reiterar que fomos atravessados por uma crise canitéria pla netiria, que obviamente tem consequéncias. Tam- bém nio nos esquecamos que a pandemia poderia ler alingido nosso pais em menores proporsdes ¢, pportanto, se hd responsiveis pela situagio de calami dade a que foi submetida a classe trabalhadora bra- sileira, ela nio pode ter seus efeitos minimizados ou ditigidos & “auséncia’ dos trabalhadores, Lembremos que o chamado “novo normal” éuma ideia que busca dar ums aparéncia ordiniria 20 que nio pode e nio deve ser tratado como fato corriqueiro da vida, As- sim, o “ensino” remoto se encontya no bojo de uma adaptabilidade muito desejavel ao capital e& qual de- ‘vemos nos contrapor. een orn En Peete atic condigdes de sobrevivéncia, com manutengao d studantis no ry i ce arn ‘A maioria das proposigbes que pontuamos aqui circulam entre os educadores,coletivos, sindicatos € poderiam ter sido adotadas se, de partida, um pri meio ponto fosse garantido, Trata-se da “Constra- sao democritica de politicas sobre o funcionamento das instituiges durante a pandemia” (ANDES, 2020, P53, gifo nosso). Alids, fossem abertos o didlogo © debate, outras tantas possbilidades poderiam ser ppensadas coletivamente, como destacado por Adufes -S.Sind (2020), Adufmat-S Sind (2020) e ANDES-SN (2020), Em consequéncia dessa construsdo conjunta, buscar as condigdes de trabalho (ADUFES-S SIND, 2020; ANDES, 2020), 0 planejamento e investimen- tos em plataformas virtuais publicas (ADUFES-S. SIND, 2020; ANDES, 2020) e diagnésticos sobre a realidade da comunidade escolar (ANDES, 2020) Em um momento de tamanho apuro da sociedade brasileira, [a escola) pode funcionar apoio, articulando-se a redes de ausistincia & populagio, buscando formas de acompanhamento dos estudante suas familias, especialmente aguelas em situagio de maior -vulnerabilidade (FRANCO et a, 2020, p.2) OU MCCa S foe s dos alunos ou dos auxilios CeCe assegurando programas de renda para Te SCM CRE ce Cnc Cone E preciso prover as residéncias, em primeio lugar, das condigbes de sobrevivéncia, com manutengio de merenda escolar entregue nas casas dos alunos ou dos auxilios estudantis no caso dos estudantes uni versitérios; com os governos assegurando programas de renda para manutensio das familias, acesso a Agua tratada ¢ produtos de higiene Nesse diagnéstico, de busca ativa pelos estudantes, as instituigGes deveriam procurar garantir os meios dle acesso & internet ¢ equipamentos para todos que {ntegram as comunidades escolares (ADUFES-S SIND, 2020; COLEMARX, 2020; FRANCO etal, 2020), * Havendo disponibilizagio de acesso ‘equipamentos, poderiam ser criados “espagos de encontros virtuais nas escolas, redes, objetivando promover debates sobre as crises em curso € 0 papel da educagio” (COLEMARX, 2020, p. 23, grifo nosso), além de outras atividades culturais, cursos livres, seminérios etc, que mantenham os vinculos com a comunidade escolar (ADUFES-S SIND, 2020; ADUFMAT-SSIND, 2020; COLEMARX, 2020; FRANCO et al, 2020; INFORMANDES, 2020). Em relagao 20 calendétio letivo 2020, o mais sensato seria proceder ao seu cancelamento, Néo adianta querer recuperar isso ouaquil. um periodo de pandemia, de excecio, de isolamento e, portanto, io é 0 perfodo regular de atividades educativas. A sugestio de Franco et al. (2020) vai na mesma diregio, assim como assinala o Coletivo de Estudos ‘em Marxismo e Educacio: “Reorganizar ocalendério de 2020 em conjunto com 0 ano letivo de 2021, rio havendo qualquer substituicio de atividades desenvolvidas por EaD ou ensino remoto para integralizagio da carga horéria dos diversos niveis © modalidades” (COLEMARX, 2020, p. 23). Aliés, essa reorganizacio do calendario foi tardiamente estabelecida pela Lei n° 14.040, de 18 de agosto de 2020". Por outro lado, é inegivel que a lei incentiva ‘© “ensino” remoto, da educagio infantil ao ensino superior, Contudo, a Lei n* 14.040/2020 (BRASIL, 2020) néo determina 2 adocio das “atividades pedagogicas no presenciais” ¢ apenas permite que sejam desenvolvidas. Fazer uma selegio de livros que seriam indicados para letra digital nas casas em que isso estivesse dis- ponivele distribuidos na forma impressa nos demais ‘easos. Os professores pediriam que, apés a leitura, os alunos fizessem breves redagaes sobre os contesidos dos livros lidos. Assim, os alunos nio deixariam de ‘estudar, permaneceriam ativos e, quando retomadas as tividades presenciais, os alunos estariam mais en- riquecidos com todo o conjunto cultural e pedagdgi- co que teria sido viabilizado a eles. ‘Uma ver. que essas medidas qualificadoras da edu- cagio em tempos de pandemia nao foram tomadas, do ponto de vista pratico, devemos travar [..] vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminagio ¢ 0 rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar contra a ‘marginalidade [exclusio] por meio da escola significa engajar-se no esforco para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possivel nas condigdet histéricas atuais, O papel de uma teoria critica da educagio & dar substincia concreta a essa bandeira de lta de que ela sea apropriadaearticulada com os interesses dominantes (SAVIANI, 2008, 25-26) modoaevit esse sentido, nio eabe acalar, mesmo que “tem- porariamente” ou “emergencialmente’ nenhum tipo de “ensino” remoto/virtual/nao presencial eafins. Até porque sabemos que o discurso da excepcionalidade serve bem aos interesses de ampliagio da Educagio a Distancia, como jé indicado pelo Parecer n* 15/2020 doc nselho Nacional de Educagio (que aguarda ho mologagéo)'" e como se observa pela instituigao de iniciativas do governo colocadas nas Portayias 433% 434%, ambas de 22 de outubro de 2020. Portanto, diante da grave situagio em que nos en: contramos, dos retrocessos estabelecidos e das con- soquéncias que teremos que enfrentar, precisamas mais do que nunca nos comprometer com aluta pela qualidade da educagio ¢ resistir coletivamente aos ataques que sofremos, sem concessdes e ‘puxadinhos pedagégicos" 1 1. Dador disponiveis em 25 de outubro, htpsd/www.

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