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ISEI fgang. O ato da leiturc 0. Tradugao Kretschmer. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999. V. 1, cap. 1, p. 63-79, Johanes | Wolfgang Iser_ O ATO DA LEITURA Uma Teoria do Efeito Estético =Vorrr" Tradugao Johannes Kretschmer editoralll34 INCEPCRO s ICITO “Northrop Frye escreveu certa vez: Ithas been said of Bochme that his books are like 2 picnic to which the author brings the words and the reader the meaning. The remark may have been inten- ded as a sneer at Bochme, but itis an exact description of all works of literary art without exception.10 A tentativa de compreender essa cooperagao se confronta, zo entanto, com algumas dificuldades, pois levanta a pergunta a que nos referimos quando falamos da interacdo entre autor ¢ lei tor. Os criticos conhecem entretanto varios tipos de leitar, que sac inuosados quand se uate da sist sda-sseacio da lisse Homma domed dconbeSiuemn- Eles se diferenciam, por- que alguns enfatizam sua construcio, outros seu substrato que justifica as premissas induzidas. Nessa diferenciacao gradual se encontram premissas que decidem, se devemos evidenciar estru- turas de efeito ou provar efeitos experimentados. Por isso sedestacam tinos camo o leitor ideal eg leitorcon- -temporineo, embora invocados com reserva, porque o primeiro € suspeite de ser mera canstrucio, ¢ o segundo, embara existen- te, dificilmente & concebivel coma constmea suficiente para enuin- ciados abrangentes. Mas quem negaria que o leitor contempord- neo existe, ¢ talvez também o leitor ideal? Em conseqiiéncia, 0 valor desses tipos se funda nos substratos verificdveis a cada vez. portancia do substrato como instancia de verificagdio se corn- prova pelo fato de que recentemente se criou um outro tipo de Northrop Frye, Fearful Symmetry. A Studw of William Blake (3.04), Boston, 1967, p. 472 ss. (© Ato da Leitura - Vol. 1 8 leitor, cujas qualidades ndo so apenas heuristicas; pensamos no tipo de leitor cuja disposigo psiquica se tornou acessivel pelos diagn6sticos psicanaliticos. Os estudos de Simon Lesser e Norman Holland" sao exemplares instrutivos disso; voltaremos a eles de- pois. Mas podemos adiantar aqui que os criticos recorriam a dispo- sigdo psiquica do homem para livrar-se dos limites das categorias em questo; essa disposi¢ao servia como base nara um tipo de leitor no qual se padia observar os efeitos da literatura. Por esse motivo, una teoria do efeito da literatura orientada pela psica- nilise pode ser mais plausivel, pois o leitor por ela descrito pare- ce existir realmente ¢ é livre da suspeita de ser mera construcao. Geralmente, as. ior em questo se diferenciam pelo trata empiicos desse modo se documentam as metas do conheci- ‘mento, assim como a confiabilidade dos enunciados acerca dos cfeitos literdrios. Se focalizames o leito soraneo, pode- determinado piblico ganha entio a primazia. Ao mesmo tempo, no entanto, as avaliacdes das obras refletem certas atitudes e nor- mas do piiblico contemporaneo, de modo que a luz da literatura se manifesta 0 cédigo cultural que orienta tais julzos. Isso vale também para os casos em que z hist6ria da recepcao se interessa pelos testemunhos de leitores que, em épocas diferentes, respon- ‘deram a obra em causa. De qualquer modo, ahistéiia da recep- io revela as normas de av: dos leitores ¢ se torna desse modo um ponto de referéncia para uma hist6ria social do gosto doleitor. A documentacéo dos testemunhos, necessaria para tal hist6ria, no entanto, comega a diminuir consideravelmente a me- dida que nos afastamos do século XVIII, Daf resulta que o leitor dos séculos uitas vezes s6 pode ser captado pelos tex- {0s transmitidos. Cabe pergunter, no entanto, se podemos com- «preender tal reconstrucéo'como @ daquele leitor ou se ela antes 4 CE. a respeito capitulo I, B, 3, pp. 80 ss. “4 Wolfgang Iser nio representa um papel, que se deduz do texto € pelo qual 9 ptiblico deve ser orientado. Em qualquer caso, porém, o leitor, apreendido dessa forma, se funda em “substrato”, ou seja, na estrutura do texto e.nJo no testemunho de um leitor real. Em oposi¢ao quase diametral ao leitor do passado se encon- tra um tipo muito citado: 9 leitor ideal. muito mais dificil f- xxar seu substrato, mesmo que se suspeite que o critico eo filélogo sejam o substrato dessa abstracao. £ certo que os juizos dos crf- ticos € filélogos sao refinados ¢ corrigidos pelo grande ntimero de textos com que eles lidam. Mas isso os torna apenas leitores cultivados, nem tanto porque nao tivessem alcangado a idea- lidade que buscam, mas sim porque o leitor ideal representa uma impossibilidade estrutural da comunicacéo. Pois um Jeitor ideal deveria ter.0 mesma cédigo que o autor. Mas como o autor trans- codifica normalmente os cédigos dominantes nos seus textos, 0 Ieitor ideal deveria ter as mesmas intencSes que se manifestam esse proceso. Se supomos que isso € possfvel, entZo a comuni- cacao se revela como supérflua, pois ela comunica algo que re- sulta da falta de correspondéncia entre os cédigos de emissor € sseeptor. A idéia de que 0 préprio autor é seu letor ideal é contratia- da pelas opinides discursivas de autores a respeito de seus textos. Pois come leitores” de seus préprio textos, os autores normal- mente. no descrevem o.efeita de suas obras, mas falam em uma linguagem referencial sobre intengao, estratégia e organizagao dos textos sob condigdes que também valem para o piiblico que que- rem orientar, Nesse processo, no entanto, 0 autor muda seu c6- digo c se toma o “leitor” de seus textos sob condicées que ele, como autor do texto, acabara de transcodificar. Em conseqiién- cia, ndo € necessério que cle se duplique em autor e leitor ideal, embora fosse 0 tinico que pudesse realizé-lo. Além disso, esse postulado implica que o leitor ideal deve- ria ser capaz de realizar na leinura todo o potencial de sentidado ‘texto ficcional- Mas jé a hist6ria de recep dos textos nos mostre aquie estes se atualizam muitas vezes de maneiras muito diferentes: (© Ato da Leitura - Vol. 1 65 ‘Mas como se pode produzir, em um s6 momento, toda a diversi- dade das possiveis significagGes? Se imaginamos esse caso inve- * rossimil, tal “produgio”, no maximo, daria lugar a confusdes. Pois 6s sentidos diferentes de um mesmo texto s6 podem ser realiza- dos sucessivantente; isso se evidencia tanto na segunda leitura de lum texto, quanto na historia desua recepedo. Por conseguinte, 0 interesse pelas atualizagdes histbricas dos sentidos de um mesmo texto as tora um objeto da anslise; a meta néo é produzir sin- cronicamente todas as formas de sentido. O leitor ideal nao deveria 56 realizar 0 potencial de sentido do texto independentemente de sua prépria situagao histérica, mas também deveria esgoté-lo, Se ele consegue isso, 0 texto € consu- mido nesse ato — o que seria uma idealidade fatidica para a lite- ratura. Mas hé textos que podem ser consumidos dessa maneira, ‘como é comprovado pelo espectro da literatura de consumo. Cabe erguntar, se se pode equiparar tal “leitor ideal” com a sua abs- tragdo to referida. Pois ele é sempre invocado quando a inter- retagdo encontra dificuldades cuja solugdo ele parece prometer. Desse modo, se revela a verdadeira natureza desse postulado. O. Como estes, ele carece de um fendamento real; mas exatamente ai se funda sua utilidade. Pois enquanto ficcdo ele preenche as lacunas da argumentaco, que surgem muitas vezes na anélise do feito e da recepedo da literatura. O cardter de ficgo permite que © leitor ideal se revista de capacidades diversas, conforme o tipo de problema que se procurava solucionar. Essa referéncia, bastante geral, as conseqiléncias metédicas do leitor ideal e do leitor de outrostempos revela certos pressupostos que se manifestam quando efeitos literdrios precisam ser analisa~ dos. Mas, como deterniinacio de efeitos, eles designam apenas seus resultados. E preciso mudar 0 nosso ponto de vista ¢ concentrar 0 interesse mais nos atos estimulados pelos efeitos do que nos resul- tados; isso significa que nos livramos de certas conseqiiéncias me- todolégicas, preestabelecidas pelos tipos de leitor em causa. 66 Wolfgang ter Esse passo se mostra no esforgo de desenvolver tipos dife- renciados de leitor como conceitos heuristicos. Assim, perfilam- se hoje na teoria literéria tipos diferentes para certos campos da discussdo: 9 arquileitor (Riffaterre)!?, 0 leitor informado (Fish)'> ¢ oleitor intencionado (Wolff)"4, para citar apenas alguns, cada tipo trazendo consigo uma terminologia especial. Em principio, esses leitores so concebidos como construgGes, mas todos se refe- rem, de maneira mais ou menos evidente, 2 um substrato empirico. O arquileitor de Riffaterre designa um “grupo de informat.- tes”!5 que sempre se encontram “em pontos cruciais do texto”16, para comprovar por suas reacGes comuns @ existéncia de um “fato estilistico”!7, © arquileitor parece uma varinha magica que per- mite descobrir a densidade no processo de codificacdo do texto. ‘Como conceito coletivo que reine leitores de competéncias diferen- tes, esse leitor serve & apreensdo empirica do potencial de efeitos do texto. Riffaterre espera suspender pela diversidade dos infor- mantes 0 grau de variagZo que resulta do repertério das disposi- ‘Ges subjetivas dos leitores. Ele busca objetivar 0 estilo ou o “fato estilistico” como informagao complementar do primeiro plano da linguagem!8, Pois 0 “fato estilistico” se diferencia de seu ambien- tecontextual por seu alto grau de codificacao. Daf resultam contras- 12 Michael Riffaterre, Sorukturale Siistt, trad. de Wilhelm Bolle, Mtn- chen, 1973, pp. 46 ss. 43 Stanley Fish, “Literature in the Reader: Affective Stylistics", New Literary History 2 (1970), pp. 123 ss. ¥ Erwin Wolff, “Der intendierte Leser", Poetica 4 (1971), pp. 141 58. 4S Riffatere, op. cit p44. % Ibidem, p. 48. 1” Ch, ibidem, entre outras p.29, passim. 4 CE, a respeito também a ertica de Rainer Warning, “Rezeptions- ‘sthetik als literaturwissenschaftiche Pragmatik”, in Rainer Warning (org), Receptionsasthetik (UTB 303), Munique, 1975, pp. 26 s. © Ato da Leitura « Vol. 1 7 tes no interior do texto; sua apreensdo pelo arquileitor supera, num primeiro momento, as dificuldades da estilistica fundada na idéia * de desvio lingtifstico, que precisava sempre postular normas lingiifs- ticas extra-textuais. Esse argumento, no entanto, no constitui a peca decisiva da concepco, mas sim a idéia de que o “fato estilis- tico” s6 pode ser discernido pela percepgao de um sujeito. Daf segue uea falta de formalizacao dos contrastesintra-textuais se manifesta -como efeito que apenas se realiza no leitor. Desse modo, o arqui- leitor de Riffaterre € sem divida um meio de verificagéo para captar 0 “fato estilistico”; mas essa concepeao indica que a falta de refe- rencializacao do “fato estilistico” precisa do leitor para se atualizar. Mas 0 arquileitor, enquanto termo de um grupo de infor- mantes, nao é imune a erros. Pois a verificagao de contrastes intra- textuais pressupSe diversas comperéncias e depende sobretudo da *aproximacao ou da distancia hist6rica do grupo testado quanto a0 texto em questo. O modelo de Riffaterre mostra ao menos que as qualidades estilisticas j4 no podem mais ser captadas ape- nas pelo instrumentério lingiifstico. ‘Um caso semelhante sucede com a concepgao elaborada por Fish do “leitor informado”; ela ao visa tanto a aprender a mé- dia estatistica das reages de leitores, mas pretende descrever pro- ‘cessos em que os textos so atualizados pelo leitor. Certas con digdes sao para isso necessérias. ‘The informed reader is someone who 1.) is acom- petent speaker of the language out of which the text is built up. 2.) is in full possession of “semantic know- ledge that a mature (...] listener brings to his task of comprehension.” This includes the knowledge (that is, the experience, both as a producer and comprehender) ‘of lexical sets, collocation p:obabilites, idioms, profes- sional and other dialects, etc. 3.) has literary compe- tence [...] The reader, of whose responses I speak, then, is this informed reader, neither an abstraction, nor an actual living reader, but a hybrid —a real reader (me) 68 Wolfgang Iser ‘who does everything within his power to make himself informed.!? Tal tipo de leitor precisa ento nao s6 das competéncias ci- tadas como também deve observar suas reagdes no proceso de atualizaco para que sejam elas controléveis. A necessidade dessa auto-observagao se funda, em primeiro lugar, no fato de que Fish desenvolve sua concepcio do letor informado em conexo a gramé- tica transformacional, e, em segundo lugar, em que algumas das conseqiiéncias desse modelo gramatical nao podem ser integradas. Seo leitor estrutura o texto gragas a suas competéncias, entdot isso significa que no fluxo temporal da leitura se forma uma se- aqiiéncia de reages, na qual a significagao do texto é gerada. Fish’ segue até esse ponto o modelo da gramética transformacional, Mas sea seqiiéncia de reagdes deve sempre ser observada”, isso suce* de principalmente porque para Fish nao € possivel aceitar que o modelo transformacional nivele a estrutura da superficie para relacioné-la depois & sua estrutura profunda. Ir should be noted however that my category of response, and especially of meaningful response, in- cludes more than the tranformational grammarians, who believe that comprehension is a function of deep structure perception, would allow. There is a tendency, at least in the writings of some linguists, to downgrade surface structure — the form of actual sentences — to the status of a husk, or covering, or veil; a layer of ex- cerescences that is to be peeled away or penetrated or discarded in favor of the kernel underlying it.4 19 Fish, op cits p. 145. 2 Ibidem, pp. 144-146. 2 Ibidem, p. 143. (© Ato da Leirura - Vol. 1 6° A seqiiéncia de reagdes, estimulada no leitor pela estrutura de superficie, muitas vezes se caracteriza nos textos literdrios pelo fato de que suas estratégias levam o leitor ao err0s dai resultam as diferencas das reagSes dos leitores. A estrutura de superficie, por ‘conseguinte, produz no leitor un acontecimento que desaparece- ria se a tinica funcdo dessa estrutura se restringisse a revelar a es- ‘rutura profunda. Assim, Fish abandona o modelo transformacional em um momento que é decisivo tanto para o modelo, quanto para @ concepgao que ele desenvolve. O modelo se confronta com um limite justamente quando chega a um ponto interessante: eviden- ciar 0s processos de realizacao cos textos, um acontecimento que seria bastante empobrecido se esses processos fossem reduzidos a juma gramitica do texto. A concepgdo do leitor informado perde esse ponto, no entanto, seu quedro de referéncia e se transforma em um postulado, que é plausivel em suas premissas, mas dificil de ser fundado enquanto tal. Fish esta consciente dessa dificulda- dee por isso, no final do ensaio, caracteriza a sua concepgio: , Ina peculiar and unsettling (to theorists) way, it is a method which processes its own user, who is also its only instrument. It is self sharpening and what it sharpens is you, In shore, it does not organize materials, but transforms minds.22 A transformagio aqui ndo se refere mais ao texto, mas a0 leitor. Do ponto de vista da gramética gerativa, essa transforma~ ‘so no é mais do que uma metafora, mas mostra o alcange limi tado do modelo transformacional. Pois a idéia de que um texto efetiva determinadas mudangas no receptor é comprovada pela experiéncia. © problema da concep de Fish é que no inicio ele a desenvolve segundo 0 modelo da gramética, mas o abandona, certamente com razo, em um determinado momento; por fim, 2 Ibidem, pp. 160 ss. 70 Wolfgang Iser invoca uma experiéncia que é incontestavel, mas que parece set inacessivel a uma apreensdo te6rica. Nao obstante essas dificul- dades, a concep¢io do leitorinformado mostra com mais lareza do que a do arquileitor que os processos de realizado do texto necessitam para sua anélise nfo apenas de modelos lingiifsticos. posta de Wolff do “leitor intencionado” a ceconstrusdo da “‘idéia do leitor” que se formou “na mente do autor”?. Essa imagem do leitorintencionado pode manifestar-se de formas di: ferentes no texto: pode ser a c6pia do leitor idealizado*; pode manifestar-se nas antecipagdes macigas de normas ¢ valores dos leitores de outros séculos, na individualizagao do piblico, em exortagdes para o leitor, nas designagies de atitudes, em inten- ‘gBes pedagégicas e na exigéncia de suspender a descrenca no ato da leitura®S. Desse modo, o leitor intencionado, enquanto ficgac de leitor no texto®S, mostra tanto as idéias do piiblico de outros séculos, quanto 0 esforco do autor de ora aproximar-se elas, Ge responder a elas. Wolff esboca a histéria de um processo de mocratizacio da idéia do leitor; sua definigao requer um conhe- cimento bastante profundo do leitor do passado eda histéria social do pablico; sé por meio desse conhecimento pode ser avaliado 0 alcance e a fungio da fiegao do leitor no texto. De qualquer for- ima, a ficgdo apteendida do leitor, discernivel em cada caso, per- mite reconstruir 0 puiblico que o autor queria alcancar. Estd fora de diivida o quanto é itil e necesséria tal apreen- sio. Podemosadmitirtambém que exist uma interagdo entre a for- ma da representagio do texto ¢ leitor intencionado”’s cabe ain- 23 Wolff, op. cit, p. 166. 2 Ibidem, p. 145. 25 Ibidem, pp. 143, 150, 151-154, 156, 158 ¢ 162. 26 Tbidem, p. 160. # tbidem, pp. 159 ss © Ato da Leitura- Vol. 1 7 da perguntar, no entanto, por que os leitores de diferentes épocas, emboram nao intencionados pelo texto, sempre conseguem apreen. der o seu sentido. Em conseqiténcia, vam o autor no momento da produgao de seu texto. Aqui assina- Jamos apenas uma perspectiva importante do texto que se oferece como concep¢ao para a reconstrugdo das intengSes, sem que com isso jé se tenha dito algo sobre a recepeio do texto na consciéncia do leitor. Como ficgao do leitor, leitor intencionado marca po- sigbes no texto que, no entanto, nao sio idénticas ao papel do lei- tor no texto. Isso jé € mostrado pelo fato de que muitas dessas posigdes atribuidas — por exemplo no romance — sio concebi- das de forma irdnica, de modo que o leitor deve antes reagir & po- sigo proposta do que aceité-la. E aconselhavel por isso diferenciar entre a ficeao do leitore o papel co leitor. A ficgao do leitor é mar- cada no texto por um determinado repertério de sinais. Este, no entanto, nao é isolado nem independente de outras perspectivas cestabelecidas pelo texto que se manifesta no romance como 0 narrador, os personagens e a ago. Em conseqiiéncia, a ficcio do leitor é apenas uma das perspectivas do texto que se relacionam e interagem com outras. Ao contrério dessa concepcao, o papel do leitor resulta da interagdo de perspectivas e se desenvolve na ativi- dade orientada da leituras dese modo, a fic¢io do leitor no texto no pode apresentar mais do que um aspecto do papel do leitor. Nessas concepgGes do leitor se evidenciam interesses cog- nitivos diferentes. Q arquileitor apresenta um meio de verificacio Iue serve para captar o fato estilistico pela densidadé de codi- ficacio do texto. Q leitor informado € uma concepgio didatica que.se bascia na auto-observacio da seqiiéncia de reagSes, esti- lo texto, a aumentar o cardter de informagia.e assim a competéncia do leitor. Por fim, o leitor intencionado é um ‘ipo de reconstrucio.que permite revelaz as disposigées hist6ricas o-pitblico, visadas pelo autor. Apesar das diferencas de suas in- tengdes, as trés propostas tém um denominador comum. Elas en- tendem suas concepges como postibilidade de ultrapassar, ao in- cad Wolfgang Iser ‘rodutir a figura do letor, o alcance limitado da esilistca estrutu- ral, da gramética transformacional e da sociologia da literatura. Semaiintroducéa daleiror. uma teoria dotexto literério iéno é:mais possivel. Isso significa que o leitor se converte na “referén- cia de sistema” dos textos, cujo pleno sentido s6 se alcanca pelos processos de atualizagio sobre eles ralizados. Mas o que é 0 lei- tor que aqui se pressupée? £ ele uma pura construgao ou se funda ¢m um substrato apenas empirico? Quando, nos capitulos seguin- tes deste livro, st Jeitor, ra do leitor im- plicito embutida noszextas. A diferenga dos tipos de leitorreferi- dos, oeitor implicito nfo tem existéncia reals pois ele materializa . veamacee naestrutura do texto, Se daf inferimos que os textos sé adquirem sua realidade ao serem lidos, isso significa que as condigbes de atua- lizagao do texto se inscrevem na propria consergso do texto, que permitem constituir o sentido do texto na consciéncia receptiva do Ieitor. A concepgio do leitor implicito designa entéo uma estruty- or. O preenchimento ta.do texto que antecipa.a presenca do receptor dessa forma vazia e estruturada nao se deixa rejudicar quando OS textos afirmam por meio de sua ficg2o do leitor que ndo se interes- ‘sam por um receptor ou mesmo quando, através das estratégiasem- pregadas, buscam excluir seu pablico posstvel. Desse modo, acon” to, cujos atos de apreensio relacionam 0 receptor a ele. Em conseqiiéncia, A -Papéisa seus possiveis receptores. Esses papéis ee cossespeces ‘centrais que, apesar da separacio exigida pela andlise, sfo- mt Tigados entre si: o papeldelleitarse define como estruturada text> e como estrutura do.ato. Quanto a estrutura do texto, é de supor que cada texto literétio representa uma perspectiva do mundo, criada por seu autor. O texto, enquanto al, ndo apresenta uma mera c6pia ‘do mundo dado, mas constitui um mundo do material que lhe é dado. O.Ato da Leitura - Vol. 1 3 Eno modo da constitui¢Zo que s: manifesta a perspectiva do autor. Se pretendemos captar o grau de no-familiaridade desse mundo constituido pelo texto, necessitamos de uma estrutura que possibilite a0 leitor realizar as visdes previamente dadas. Ora, 9 texto literdrio, ndo.apresenta apenas.uma persrectiva do mundo de seu autor, ele r6prio éuma figura de perspectiva que origina tanto a determinacdo dessa visio, quanto a possibilidade de compreendé-le. O romance € paradigmatico na verificacdo cisso, Ele tem uma estrutura pers- pectivista que compée-se dealgumnas perspectivas principais que po- dem ser claramente diferenciadase ‘so constituidas pelo narrador, ‘pelos personagens, pelo enredo (plot) e pela ficgo do leitor. Qualquer ue seja a posigzo dessas perspectivas do texto na hierarquia, nenhu- ma delas se identifica exclusivamente com 0 sentido do texto. Ao contrério, elas marcam em principio diferentes centros de orienta~ ‘so no texto, que devem ser relacionados, para que se concretize 0 quadro comum de referéncias, A tal ponto uma certa estrutura tex- ‘ual éestabelecida para oleitor queele é obrigado a assumir um ponto de vista que permita produzir a integracio das perspectivas textuais. O leitor, porém, ndo pode escolher livremente esse ponto de vista, pois ele resulta da perspectiva interna ao texto. S6 quando todas as erspectivas do texto convergem 20 quadro comum de referéncias © ponto de vista do leitor torna-seadequado. Embora jé ndo sejam eles representados no texto, ponto de vista e quadro de referéncias resultam da construgio perspectivistica do texto. E justamente por esse motivo que o leitor ganha a oportunidade de assumir 0 ponto de vista que é proporcionado pelo texto, para que se constitua o quae dro de referéncias das perspectivas textuais. Daf resulta o esquema elementar do papel do leitor delineado no texto. Esse papel exige decada letor que assuma o ponto de vista previamente dado; s6 as- sim ele conseguiré captar as perspectivas divergentes no texto ejunté las no sistema da perspectividade. Daf se infere o sentido daquilo que € representado em cada uma das perspectivas?8, * Esse argumento é melhor analisado no capitulo Il, B, 4, pp. 78 ss. 74 * ‘Wolfgang Iser Esse esquema também revela que 0 papel do leitor, inscrito no texto, no pode coincidir com a ficgdo do leitor. Pois éatra: vés da ficcio do leitor que o autor expde o mundo do texto 20 leitor imaginado; assim o autor produz uma perspectiva comple- mentar que enfatiza a construgdo perspectivistica do texto. Na ficgao do leitor mostra-se a imagem do leitor em que o autor pen- sava, quando escrevia, e que agora interage com as outras pexs- pectivas do texto; dai se pode deduzir que.o papel do leitor de- signa a atividade de constituicio, proporcionada aos receptores dos textos. Nesse sentido, 1 do leitor éuma estrutura do texto. Mas, como estrutura do texto, 0 pa~ pel do leitor representa sobretudo uma intengo que apenas se realiza através dos atos estimulados no receptor. Assim entendi- dos, a estrutura do texto e o papel do leitor esto intimamente unidos. Se as perspectivas do texto se referem a um quadro de refe- réncias comum, ento este ndo pode manifestar-se verbalmente, (0 que vale para 0 ponto de vista, a partir do qual se capta a in- teragio das perspectivas. As perspectivas do texto visam certamen- te-a um ponto comum de referéncias e assumem assim o cardter de instrugdes; 0 ponto comum de referéncias, no entanto, néo é dado enquanto tal e dev i is que.o papel do leitor, delineado na estrutura do texto, ganha seu cardter efetivo. Esse papel ativa atos de imaginagao que de certa maneira despertam a diversidade referencial das perspectivas da representagio e a reiinem no horizonte do sentido. O sentido do texto € apenas imagindvel, pois ele nao é dado explicitamente; em conseqtiéncia, apenas na consciéncia imaginativa do receptor se atualizaré. No processo da leitura emerge uma seqtiéncia de tais atos de imaginac&o; pois quando as imagens formadas jé nao deixam de permitir a integragao da multiplicidade das perspecti- vvas, devem ser abandonadas. Através dessa corregao das imagens se infere uma modificacdo constante do ponto de vistas isso equi- vale a dizer que o ponto de vista como tal nao é fixo, mas deve ser ajustado pela seqiiéncia das imagens, até que, por fim, ele O Ato da Leitura - Vol. 1 75 coincide com o sentido constituido. Assim o leitor se encontra definitivamente no texto, ou seja, no mundo do texto, A estrutura textual ¢ a estrutura do ato se relacionam da mesma maneira como intencdo e preenchimento. Ambas séo as- sociadas na concepgéo do leitor implicito que, por isso, se dife- rencia da proposta recente de designar a recep¢io programada do texto como “prefiguragao da recepcdo”?%. Esse conceito nao é dindmico, a medida que se refere apenas as estruturas discerniveis, importantes para a recepgao, e deixa de lado a estrutura do ato em que se atualiza ‘0 cardter efetivo das estruturas verbais. Como proposta de papéis do texto, a concepgio do leitor implicito nao é abstragao de um leitor real, mas condiciona sim luma tensio que se cumpre no leitor real quando ele assume 0 papel. Essa tensao resulta no inicio da diferenca between myself as reader and the often very diffe- rent self who goes about paying bills, repairing leaky faucets, and failing in generosity and wisdom. It is only as Iread thar'l become the self whose beliefs must coin- cide with the author's. Regardless of my real beliefs and Practices, I must subordinate my mind and heart to the tk ifLam_to enjoy itto the full. The author creates, in jot, an image of himself and another image of his rea- ders he makes his reader, ashe makes his eeond self and the most successful reading is one in which the created selves, author and reader, can find complete agreement.22 2° CE Manfred Naumann et al., Gesellschaft — Lite L, Gesellschaft — Literatur — Lesen. Li- teraturrezeption in theoretischer Sicht,Berlin/Weimar, 1973, p. 35 passim Ci. a respeito minha critica desse live, “Im Lichte der Kritik*, in Warning, Rezeptionsasthetit, pp. 335-341, asim como a critica Rees de H.R. Jauss, idem, % Wayne C. Booth, The Rhetori 7 pp. 1378. th, The Rhetoric of Fiction (4 ed), Chicago, 1963, 76 Wolfgang Iser £ de perguntar se tal acordo de fato se cummpre; mesmo a “willing suspension of disbelief”, invocada desde Coleridge como algo exigido do leitor para que se aproprie do mundo do texto, € uma exigéncia ideal, de que podemos por em diivida se seria po- sitivo cumpri-la. Os papéis oferecidos pelo texto ainda funciona- riam, se fossem completamente assumidos? Se isso sucede, entdo despareceria 0 repertério histérico de valores e normas, consti- tufdo por leitores reais; desse modo, seria eliminada também a ten- so que representa a condigdo para que o leitor realize os atos de apreensio ou até compreenda aquilo que capta. M. H. Abrams enfatizou esse aspecto: Given a truly impassive reader, all his beliefs sus- pended or anesthetized, (a poet) would be as helpless, in his attempt to endow his work with interest and po- ‘wer, as though he had to write for an audience from Mars.) Qualquer que seja o equilfbrio na leitura entre os papéis ofe- retidos pelo texto e as disposicdes habituais do leitor, nunca os dois se superpdem. Se essa relacdo se caracteriza em principio pelo fato de que os papéis dos textos s¢ sobrepdem as disposigées do leitor, entdo estas nao desaparecem por completo, quando o leitor se apro~ pria do papel preescrito. Ao contrario, as disposigSes formam 0 pano de fundo, diante do qual os atos de apreensao do texto, mo- tivados pelo papel do leitor, se realizam; elas constituem o quadro de referéncia necessério que torna possivel a apreensio de algo que foi captado e, assim, a sua compreensio. Se nés nos transformés- semos por completo nos papéis oferecidos, entdo isso nos tiraria de cena, 0 que significa que nos livrariamos de todas as experién- 31. M.H, Abrams, “Belief and Suspension of Disbelie™, in MH. Abrams (org), Literature and Belief English Institute Essays 1957), New York, 1958, p.l7, (© Ato da Leitura = Vol. 1 7

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