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José Luis yr ite Ly IWC Wortht inva! NA ENCRUZILHADA Mb lores tomas is Callegari a Conselho Fattoriat ‘André Luss Callogart Carlos Alberto Molinaro Daniel Francisco Mitidiero Darci Guimaraes Ribeiro Draiton Gonzaga de Souza Ingo Wolfgang Sarlet Jose Luis Bolzan de Morais ‘osé Maria Rosa Tesheiner Leandro Paulsen Lenio Luiz Streck Paulo Antbnio Cal 1d0 Velloso da Silveira Dados Interacionais de Catalogagao na Publicagto (CIP) DS68p Diez Ripollés, José Luis. ‘A politica criminal na encruzilhada / José Luis Diez Risollés; tradugao de André Luis Callegari. ~ Porto Alegre: Livraria do ‘Advogado Editora, 2015. 134p.;23em. ISBN 978-85-7348-995-8 1. Politica criminal. 2. Direito penal. 3. Intervengdo (Diteito penai) 4. Seguranga (Direito penal). 5. Inclusao social. 6. Socie- Gade do risco. I. Callegari, André Luis. Il. Titulo. cpus89 cpp 345 Indice para catslogo sistemstico: 1. Politica criminal 3899 (Bibiotetria espons4ve: Sabrina Leal Araujo - CRB 10/1807) José Luis Diez Ripollés A POLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA Traducao de André Luis Callegari livraria DO ADYOGADO- fedivora Porto Alegre, 2015 tr Como nao poderia deixar de tratar do tema oy | aposicao entre individuo e cidadao no desenhc 34! eng, criminal, fazendo uma abordagem das veloc jo hore tq, até chegar ao Direito Penal do inimigo, AAS do dite | Novamente deixo registrado que se trata de ma] da os temas mais importante de politica criminal m4 °B% gy bre o que esté acontecendo em termos dos novos nz fee Penal. Em todas as aulas em que refletimos sobre se ;™™°8 do p> | . sentimos as mesmas angiistias e duividas sobre a gait®8denyeth Sumario sileira, se é que ela existe, Por tudo isso o livro é de ist ining para quem seriamente quer discutir politica criming Obigae sod : L in a Por fim, agradego & Clara Masiero, Raul M | sea ace ~ OF 364 sels Alar Daniela Scariot, colaboradores na revisao e tradustis® tithny,| Pamela areca a ae sem eles o trabalho nao seria possivel. ‘540 do live, oe seiopaeal gaat ne Melita peal: Porto Alegre, outono de 2015, 2 Omodelo penal resocializadon.. 8 Capitulo I~ O novo modelo penal da separ hada 3 | 1 Protagonisae da delinutnca dacs, aA 2. Prevod do sentiment cole de borguranga ii “2 , 5. Substanividade ds neeses das vines, 2 Prof. Dr. André Luis Callegari 4 Populism epoizago. mee “8 5: Revalorzagho do componenie ative da 28 6 Redeecobrimento da Pilrserener eres 30 7, Ansonia de ecelo ante o poder sanGonador esa. 3 8. Envolvimento da socedade alta coma a dling “3s 8. Transformacto do pensamento ciminolgia ” Capitulo I~ Estatgias para un mado penal de bears. 40 1. Os ros do gatanBtn crs : © 2. Odiscurso da resisténcia...... ad 3. O reconhecimento do terteno. S 4. As explcagiesestruturas.suniesme = 5. Os condicionamentos operativs eestateices 6. A alternativa do modelo penal de Bemestt.. 7 As estratégiasaserem seguidas. Segunda parte ~ A teorizagio do modelo penal dasegorance iad, ‘Capitulo IV -O debate sobre a soiedade doris. . a LImtrodug80 ene . : 2.0 debate poltico criminal sobre odieto penal da sociedade do rise, 59 Capitulo V - A vampirizagi do debate da sociedade do isco pelo modelo penal da seguranga C30... = AsImegracdo do fenémeno da inseguranga cad ao fendmeno pretensamente mats amplo da socedade do rsa. a 2, Tranaformagio da expansio moderizadora do direito penal em uma expansdo secu med ait sna gine ahordayem de a. amicisenteinasene seeantem Sama eXcetaronioe Sov so dovuteit comma A cept ene 2 Po ete er oa 2 Odie Fe oe sa peeslen enone aera : anpaunnne jal como guia da politica dimensao_ inclustofexctusto social ; “Teneeca Pate Ona compaeats ees connie racona lcs criminals a utr nna moun cea : poitieocriial reels ond oi ea v unitiva e inclus&o soci: ratte ac _ ieee io APT Modelo analitico propost®~ : ced crt scionais contrapostos.... as cia omer Sp mk oe Sms ane eel osha seas i 101 13 104 104 a 3. a a 6 ng 0 BEE Introdugao A obra que apresento agora ao leitor tem um titulo convencional ‘Temo, entretanto, que reflita com exatidao a atual realidade da poli tica criminal em todo 0 mundo ocidental, pelo menos. O crepusculo do século XX veio acompanhado de dois fendmenos simultineos, mas provavelmente opostos. Por um lado, a consolidacao de um sistema de exigencia de res- ponsabilidade com altas cotas de precisio e seguranca juridica em ‘um grande nimero de paises pertencentes ao chamado “direito penal continental” Este sistema conseguiu acessar a maioria dos Cédigos Penais e, em certos ordenamentos, incorporou-se, inclusive, & pratica jurisdicional de um modo significative, Por outro, os principios que servem de fundamento a esse siste- ma esto sendo submetidos a uma critica feroz por diversas instancias sociais, as quais néo se sentem obrigadas a manter o delicado equili- rio que 0 citado sistema procura entre as necessidades de protecio social e o respeito das garantias individuais dos cidadaos delinquen- tes, reais ou presumidos. A contundéncia empregada em questionar esses principios esté originando uma situagdo de perplexidade entre muitos tedricos e ope- radores juridicos, aos quis Ines custa compreender quais so 05 mo- tivos profundos que colocam em perigo uma configuracéo de direito ‘penal que, até pouco tempo, se acreditava que avancava em direca0 a uma, embora distante, cada vez mais proxima, razoabilidade jena apli- cagao do controle social penal. ‘As reflexdes contidas nesta monogtafia tentam explicar a situa- gio A qual se chegou, e até desenhar estratégias para supers-la. Seu sentetuto foi sendo desenvolvido ao longo dos ultimos dez anos, & medida que, transitoriamente, afastava minha mente de outro tema {ute me deixou e me debxara muito ocupado, Refiro-me a construir um iibdelo tecrico e pratico de elaboragao racional da legislacdo penal A POLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA w EEE _—=———-——llttit~—‘“‘i—i—s—s—s—s—st~—~—~— intias de éxito, as flutuiacses 35 enfoque analitico que prometa avancos substantivos na construgae do com garantias h aque nos perma conan emporanca se vé submetida. guais a politica can rabalho se aprofunda decididamente, e com esejado modelo penal de bem-estar. A primeira parte do ta remstica politico-criminal: a trang. | Nao queria termina esta breve apresentacio sem agradecer 20 cos predmbules, na 8 BY evolucdo das ideias sociais, os te. meu colegs André Callegari pela iniciativa de publicar este estudono Fee pidas condigdes de Vida, 3 eyo ae ce scrcias de cere, | Brasil, assim como o esforco que fez para verter as minhas rec oes dase exigencias POPUIare®, A vel papel dee para o portugues Isso me dé a oportunidede de chegar a uan puibico Papel dos Einplo, que ja foi tao amavel em prestar atengdo a outros trabalhcs & “Adernais, esta nova colaboracao 6 Outro pra- weitamento pelas elites politicas de Panogritiad que exrevt todo esse conjunto de circunstancias. Através da andlise de um ni. zeroso exemplo da estreita relagao cientifica € amizade pessoal que tee eonsideravel de fatores, identificamos o modelo penal que est Auantenho com um penalista brasileiro t40 distinguido, cujas produc pugnando por estabelecer-se, valoramo-lo negatly ramentee eabiora- (goes Cientificas e trato pessoal tanto me enriquecem. peta modelo altemativo e as estratégias correspondents, | Malaga, 4 de julho de 2014 Na segunda parte do estudo, outorgo 0 devido destaque & re- sexao teorea que acompanka todo esse conjunto de transformagées sociais Mais precisamente, seguimos a pista das diferentes tentati- vas de legitimacdo tedrica desse novo modelo de intervencao penal primeiro, os assuntos que artificiosa- | securitéria. Convém deslindar, mente foram confundidos com ele, como € 0 caso das andlises feitas desde o paradigma da sociedade do risco, para logo nos ocuparmos de descrever e criticar suas diferentes e, com frequéncia, superpostas justficagdes tedricas. Uma adequada énfase de suas insuficiéncias nos pouparé muitos esforgos na hora de fazer chegar ao conjunto da socie- dade a proeminéncia de substituir 0 modelo penal securitdrio por um ‘modelo penal de bem-estar. Na terceira parte, que constitui uma contribuigao nova frente & edicao espanhola, assento os fundamentos do que sert um modelo | penal de bem-estar. Apés uma andlise critica das tendéncias vigentes | nos estudos sobre politica criminal comparada, concluo que, contra a tendéncia dominante, 0 ponto de referéncia fundamental devem ser 8 efeitos socelmenteinclusives ou exclusivos que um determina eae Penal nacional produ, sobre as suspeitos, delinquentes € ctlinguente. Depois de mostrar a coeréncia dessa aproximaga0 Penal @ Sociedade de bem-estar, em detrimento das propostas neoli- Pauls, Proponho um conjunto de indicadores desses efeitos inclusi- u exclusivos. Essa hipdtese, que precisa ser o} izad posteriormente verificada, é acompanh ane ae dors meccads ¢ acompantiada de outra que sugere quais is mais contrapostos desde a dimensio penal inclusao/e Palins 0/erchio Social. Esta parte do trabalho se encerra com ! ‘ages metodologicas sobre a viabilidade de um eae as | —aaa—S a ® [APOLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA 2 Jos Luis Diez Ripollés an ino ‘fe intervencao penal coletives que serao objeto ‘multiplos agentes sociais € 0 apro José Luis Diez Ripollés | Primeira Parte Os novos modelos de intervencao penal Capitulo I - A crise contemporinea dos modelos de intervencao penal Na interpretagio da recente evolugao da politica criminal espa- nhola, tao prédiga em reformas penais, processuais e penitencidrias, os penalistas, na universidade e na jurisdicdo, mostram certo descon- certo no momento de abordar sua anilise critica: como se os aconteci- mentos que estéo sendo produzidos nao fizessem parte do acervo de atuacdes sociais cuja possivel aparicao, & margem de sua plausibilida- de, havia sido antecipada pelos juristas. Isto gera uma atitude genera- lizada de rejeicao depreciativa para o que se qualifica sumariamente como uma politica criminal oportunista. ‘Sem jogar em saco furado este iiltimo qualificativo, convém, en- tretanto, que nos perguntemos as razdes dessa incapacidade que os especialistas da politica criminal tém para analisar, com a necessdria equanimidade, algumas decisdes e atuagbes que, por mais imprevis- tas que sejam, nao se pode negar que gozem de um generalizado res- paldo popular e de um impulso politico de amplo espectro ideolégico. Creio que a explicagao de semelhante perplexidade se deve, em boa medida, ao fato de os penalistas estarem analisando as transforma- Ges juridico-penais em curso a partir de um modelo analitico equivo- cado ou, melhor dizendo, em fase de superacao. Refiro-me ao modelo penal garantista. 1. O modelo penal garantista De fato, conhecido com diferentes denominagées ao longo do passado século XX, este modelo se caracteriza em todo momento por desenvolver uma estrutura de intervengdo penal autolimitada, até o [APOLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA 18 to penal minimo”, giran, fos que, correndorisco de simp iP dmerar como SeBUe: imitada aos seus genuines instr, apa sangao penal: Estes Somente pro. nor sna medida em que 58 enquadrem repute controle social em geral. Somente fem um contexto mals AF Ay coincidir em seus Objetivos cOm os Pre. gon Ge controle social - familia, esco. de trabalho, relagdes sociais, rocamente com eles, existiriam i proprio de “dite pamar-se 2 fe icos princ! rode amare em torno de a mente, poderiam: sjemasiadamente, ‘a, Aatribuicao de intervensi0, a ‘uma eficdcia rrrvinculacdes comunitarias, 2 i iblica.. - ¢ interagir recip! i cer apes cece Eimentos sociais. Por isso que se considerava seu possivel uso como {aon promotor de tranaformagbes nos valores SOC vigentes, * palberada reducho de seu Ambito de atuacdo a tutes dos pressupostos mais essencials para ‘a convivencia. Frente as tendéncias prransivas de outros setores do ordenamento JUP ico, singularmente do direito administrativo, 0 direito penal garantista considera uma do direis e de um sinal iequivoco de uma sociedade Bem integra- ja, que sva drea de intervencao seja a minima imprescindivel. Nessa atitude, tem reproduzido, 1 importante para a ‘usualmente, um papel ae sgodanatareza especiakmente afitiva das sence que he io s) que estima superior @ qual prope \quer outro meio de intervencto Fer que [ustificaria um emprego muito comedido das mesmas? TTormase lugar comum que 0 direito penal somente deve atu: ar frente a0 infragoes mais graves aos bens mais importantes, ¢ isso apenas quando nio existam outros meios sociais mais eficazes, Iso senta rp esquecimento de todo tipo de pretensdes encaminhadas a salvaguardar, por intermédio do direito penal, determinadas op¢oes rmorais ou ideologicas em detrimento de outras. ‘c Profunda desconfianca em relagZo a um equilibrado exercicio do poder sancionador por parte dos poderes ptiblicos. O direito pe nal deste modelo segue declarando-se orgulhosamente herdeiro do liberalismo politico e, em consequéncia, estima como uma de suas principais tarefas a de defender 0 cidadao, delinquente ou nao, dos Posse abusos e arbitrariedades do Estado punitivo. Por isso, co- Jowaa proteio de delinguente, ou do cidado potencial ou presumi- quente, no mesmo plano de tutela destes pressupostos 2 Nota do tradutor: antiga méquina ae ign méiquina mililar usada para ating, destruindo, muralhas e gra” > Sobre o pano de fundo incorret orreto desse racocinio, ver Dez Ripolis (2003): 74, 41-143. oe enamel eG aN TLTENEE 16 José Luts Diez Ripotlés essenciais para a convivéncia que se acabou de mencionar. Iso expli- card as estitas exigéncias qu eodeare ioe ct sic me ae rem os comportamentos delitivose as penas para eles previstas, no momento de venificar a ocorrencia de alguns e a procedéncia de outras no caso concreto e no momerto da execuc20 as sangoes. O temor de um uso indevido do poder punitive confer do ao Estado, que pudesse terminar afetando todos os cidadaes, pet fneia todo 0 quadro coneeitual de direito penal garantista, desde 0 {riterios que identificam os contexidos a serem protegidos, até aqueles Que selecionam as sancdes a serem impostas, passando pelos que se ‘Scupam de estraturar um sistema de exigencia de responsabilidade socialmente convincente. dd. Existéncia de limites transcendentes no emprego de sancies pe- nais. Assim, os efeitos sociopessoais pretendidos com a cominaca0, im- posigio © execusao des penas, por mais necessérios que paregam. em Pes Numa circunstancia devem superar certos limites. Um deles ¢ 0 da rumanidade das sancdes, que vera a expressar que determinadas san- (oes ou determinadas formas de execugao de sancbes, sio incompati- Serecom a dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual nao podem Serimpostas, qualquer que sejaa entidade lesiva do comportamento ou Seintesidade da responsabilidade pessoal. Outro des imites que mao Jovem ser superades € 0 da proporcionalidade, em virtude da qual a pena deve justar-se em sua gravidade ado comportamentodelitivo a0 eal ae conecta, devendo manter uma correspondéncia substancial com ge Finalmente, a pena deve fomentar ou, 20 menos, nao barrar 0 ca- citnho a reintegragao social do delinquente,ideia esta que se configura Soma um dizeito de todo cidadao e se mutre tanto de uma visio inclusi- Sada ordem social, como do reconhecimento da quotz de responsabili- dade da sociedade na aparicto do comportamento delitivo. Pois bem, a tese que gostaria de expor a seguir & a de que este modelo jé nao.nos das chaves para interpretar as recentes mudancas Politico riminais, pela sensvel razdo de que estas chedecers 3 U2 pov forma de configurar e modelar o controle social penal. Por essa aon reriicas feitas, desde o garantismo até recentes decisis legis- leaves ponais, prdem-se no vazio da incompreensdo socal N30 S80) fa por seus promotores, além do mais, objeto de uma réplica cupric: porque 0 novo modelo esta carente, ainda, de nt suficiente estru- turagdo conceitual e principiologica, que terminard chegando, mais lelo antagonista 20 do direito cedo on mais tarde, e, com ela, 0 mod! penal garantista.* Vero conte do Capitulo V> v7 [APOLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA tado iniciou seu surgim, cstasendo ase issotem mui, onovomeneo a icos antes do.gue oda ene em alguns sistemas) wvengao do qual 0 laborags, nal de ° naterodel Pe 60 ¢ 70 do século XX, certos ordena, De fato, durante 08 2°) ecidida orientacto a favor do aoe seni jrtions Oar liar. Este modelo fl implantad con. chamou cde mod ros pales anglo-saxGes, de Mod especial nog tundenterergs e na Gri-Bretanhe, assim como Nos paises escand;, Fa re ciros lugares. Seu estimulo vinha da “ideologia do tra, avon nto eidrava que alegitimasto do direto pera nasi amen capacidade de ressocalizar 0 delinguente, € dit todo 0 instry- seta penal deveria ser reconduzido para essa finalidade. “Trava-se de uma ideia que jé possuia longa tradicio, desde og comregnaisas espanhdis ou positvistasitalianos da segunda me. crie eéculo XD, passando pelas chamadas escolas intermedisrias ‘as teorias de defesa social que flo. italiana e alema dos anos 20 e 30, e resceram na Itélia ena Franca nos anos 40 e 50, todas do ultimo sécu- Jo. Porém, o realmente inovador foi que 0 conjunto de paises citados pretendeu, durante mais de duas décadas, configurar seu modelo de intervencdo penal de acordo com essa ideia de ressocializacao do de- linquente. [sso implicava uma série de decisdes significativas, entre as quais podem ser destacadas as seguintes: 2. Apauta de atuacio 6, de fato, a busca da reintegracao do delin- quente a sociedade, objetivo a0 qual devem se acomodar os demais. Isso significa que os outros efeitos sociopessoais pretendidos tradicio- ralmente pela pena fiquem em segundo plano ou sofram um descré- dito sem paliativos. Este era, sem diivida, 0 caso daqueles dirigidos pata 0 conjunto da populacio, a saber, os encaminhados a aleangar dma prevenaogerl dos delios mediante o aproveitamento dos efe- sashnidaéres, corretr de socializagoes deeituosas, ou reforcador saeieionn is, suscitados nos cidados que percebem a negativa que o delinquente sofre depoi: deli, Porte também ters ofre depois de cometer um de modo deta spear am Bus Obscuecidos efeitos dirigos 2 cometer um deli coms due 0 Slinguente em concreto volasse comportamento futuro, que ele recebe rac neste em face de seu Tecebe mediante a imposigio da pena, 0 sua inocuizacio fa 1 cai 3 peritanéncia na pan’ ou5% danos a sociedade enguanto cue sua 8 José Luis Diez Ripolés b.A obtengio desse objetivo ressocializador exigia desconsiderar certas cautelas préprias do direito penal classico. Assim, abrandam-se {s referéncias ao fato concreto realizado no momento da determinagao da responsabilidade do delinquente, prestando-se especial atencao fem seus condicionamentos pessoais e sociais no momento de come- ter um delito. Promovem-se as penas indeterminadas, cuja duracao € Contetido sao diretamente condicionados pela evolucao registrada no processo de reintegragao do delinquente a sociedade. cA pena de prisao € objeto de uma valoracéo ambivalente. Por um lado, considera-se que proporciona um marco espacial e regimen- tal que facilita as aproximagées reeducadoras aos delinquentes ~ Por igso'se fomenta seu uso desamparado -, na medida do possivel, dos componentes aflitivos e com caracteristicas diversas segundo as ne- Cessidades de tratamento a que deva atender. Por outro, percebe-se {ue se torna dificil evitar as consequiéncias negativas inerentes a todo iitemamento e sao impulsionadas, sobretudo na segunda metade do periodo de vigencia do modelo ressocializador, penas alternativas fe prisdo, com capacidades para conseguir 0 mesmo objetivo resso- Gializador, mas com o delinquente levando uma vida total ou parcial- mente em liberdade. d. A abordagem da delinquéncia se consolida como uma tare- fa de especialistas. Sem dtivida, compete aos profissionais da policia ¢ da jurisdicao, mas, sobremaneira, a um conjunto de profissionais das ciéncias do comportamento que, na busca pelas vias mais eficazes para obter a reintegracao social do delinquente, contribuem massi- Vamente com seus conhecimentos no momento da determinacao da pena e, singularmente, durante sua execugao. Os politicos interferem pouco no que consideram um trabalho técnico, eos cidados em geral nao mostram demasiado interesse, salvo acontecimentos ocasionais, sobre o que € feito com os delinquentes. No entanto, este modelo ressocializador sofre um generalizado ¢ rapido colapso desde meados dos anos 70 do século XX, nos paises que mais haviam se envolvido com ele’ Uma breve exposicao das ra- Z6es que levaram a tal desmoronamento poderia ser a seguinte: jande-se o desanimo entre boa parte de seus defensores a ia das técnicas de tratamento, Estende-se a ideia de em tiltimo caso, oferece a. Exp: respeito da eficéci que foi estruturado um sistema inteiro que, escassos frutos. Jalment istrative em seu momento foie elaborado, em mea 5 Um documento europen e I Eeusho Nacional Sueco de Prevengao a0 Crime (979). «dos dos anon 70, pelo Conselho Nacional [A POLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA 19 enfas ializaga spimpresedo de que a enfase D0 SPOT acs pe puncoese 2 mest Se aa de ag do delinquents const Or sociedad Ce te tole ilidades og ¢ dos prpsios orgies de controle jingu rna definicao do que po- ropries da criminolo- vel a esse respeito, a partir de - vsmientos proprios do modelo garantista rman en a en 1 quesionam 2 [ee HiN'Copre a personalidade do individ dex reas cbr 0 Sones, restabeleimento ds Barats linguente, “Tinculadas a necessidade de que * responsabilidade deri- individu ante do fato concreto sealizado, 67% penas de duragao deren nada, e a redugao do arbitrio judicial e penitencidrio, Ques- deterte por outro lado, as pretensdes ressocializadoras & medida eo Sermo dz norma por parte do vielinguente, mas aspiram a modificar © mente a personalidade do mesm™o- conjunto scial, oa intimidacao.ou inoculz0Gie ao de inguent, rec peram prestigio. A eficacia do primer exigecatsloges de penas que Jejam proporcionais 4 gravidade da ‘conduta realizad, margem das sea Pgticas do delinguente. O desenvalvimente do segundo supde esquecer aexigéncia de ‘proporcionalidade quando estamos diante de ‘cidentes, cujo confronto exige Jongas condenagées delinguentes rein« exige | de prsto, ee boa medida alheias 4 evolucao do interno. «c, Ressuscitam Capitulo II -O novo modelo penal da seguranga cidada ‘Um autor briténico, Garland, tem destacado que todas esas mo- dificagoes nos modelos de intervencio penal em uso se Lin tam 8 1 dicate raga mais profunda das crencas ¢ formas de vida da et jade moderna, a qual estaria transformando a politica criminal. ‘Assim, colocando-se em um nivel de anélise superior, Garland tem tentado identificar um conjunto de recursos que responderiam a ¢s- sas modificagoes nas atitudes sociais e que constituiriam, ao mesmo tempo, umbom compéndio do novo modelo de intervencao penal em curso." Esses caracteristicas foram formuladas a partir das experiér” fer Garland (01): 620 «passim. Heownaa Map » José Luis Diez Ripollés Friern britanica, isto 6, en relagdo aos sistemas Soe te Se oe oe en roe Neat tse Seater es man lcs foe ean eee ab ae rch Pere rma rieceee rer eee pet ae as a ee etna Cee ee eee Ses ela geal aoa ae oe ee re ee Se teens Inspirado, em grande parte, na citada anilise de Garland, expo- ho, a seguir, aquelas que considero ideias motoras do novo modelo Sa eit annaacmoe Se ir tracert 1. Protagonismo da delinguéncia cldssica ‘A delinguéncia clissica, isto é, a que gi:a em tomo dos delitos contra interesses individuais, especialmente da vida e integridade, propriedade e liberdade em suas diversas facetas, que durante dois Féculos tem constituide o grosso dos assuntos abordados na jurisdi- Ga0 penal, tem superado 0 risco de perda de protagonismo que em momento se pensou que iria soirer. De fato, durante as ulti- mas décadas da segunda metade do século XX, parecia estar estabe~ Tecendo-se a ideia de que o direito penal deveria estender seu ambito de aplicacao a criminalidade propria dos poderosos @, certamente, ocorreriam, no Ambito legislativo, avangos muito significativos nesse Sentido, dentre os quais € exemplo singular 0 renovado catilogo de delitos introduzido pelo cédigo penal espankol de 1995. Também tem Sido registrados esforgos por parte de determinades setores judiciais para se lovar a sério as antigas enovas previsoeslegnis que penal23m eomportamentos delitivos habitualmente levados a cabo por setores socialmente privilegiados.” ‘No entanto, somente alguns anos mais tarde predomina, na opi- niao publica, uma atitude ida frente aos obstéculos nos quais fem tropecado o intento de assegurar o funcionamento sein evcesee aarp talogo de delitos do Cédigo Penal. As causas de al Pest so ron a tiiversas: por tim lado, terse a irpressto de que os pode- 7 Nao acredito que a estendidda persecuxdo das delitos relacionados com drogas deva ser inclu- Nao credit gue acs Sum devi ayant sosmenu sa inn seat ques tae a debe eM [POLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA a ntos tecnicos apenas acessiveis a pess, Tespaldo politico, foram capazes de i “Pantias do direito penal e process, abusivos, a5 8°" se, em grande parte, da persee rt imento das sangoes. Em segungy, vralizada a percep¢a0 social de que, em todas essay 2a jiicl evitar 0 aproveitamento sectatig da tes politicos; o fendmeno da judicializacay ido planoa verificagao da reali, sssorame! ex. sido gene! penais, Fe ore dos agentes Pe einando et da plies geravidade ‘das condutas processadas, sepultadas de e a valoraga® © rocas de condutas semelhantes, Tugar, fem: intervensoes assunto por P: or se mal,longe de sex desprezivel, tem sido a ati. Um fator adiiond outrina penal com os obstéculos surges de contemporifagr tipo de delinguéncia: o que comecou sendo uma a persecuct dostt Pyidades conceituais encontradas no moment) preocupasto Peas amas de delinquéncia proprias dos poderosos de encaina a leacrigao legal e de persecucao do direito penal tra- os modelos do lugar a propostas que conduzem a uma diminy oo srgnficativa na intensidade de persecucso dessa criminalidade, eat ca discussao terica sobre a indevida “expansto do [Sinton go verse, como poderiaimaginar um leigo, sobre as aire pe reformas legais enceminhadas a endurecer 0 arsenal puni- can rel contra a delinguénciaclésica, mas que, muito pelo tivo deporte como primordial objeto de reflexdo a conveniéncia Seeeeisar anova cnminaidade uma reacHo penal notavelmente oe ean seus componentes afitivos. Pretende-se legitimar isto se tante acontrapartida de um incremento da efetividade do direito onal nesse ambito, a ser alcancado mediante uma diminuigio das Earantias penais, nunca eficientemente concretizada, tampouco justi- ficada e muito menos acreditdvel.? Ns discussto espanhola e, provavelmente, na curopela em geral, Silva Sanchez (2001) tem for: sriados popes mn Sonds Noss sepund digo da, em contrast com o ques Tula phn de 990 or tem cma se darconta de Que fendmeno da espansio Sterne que peecemor jn gitecm treo Gasnavas formes de deunguenca Soke Soma" poutieaun amo binpldcador masa tedor da elinguencis sic pen dns demande Ge" atdens No ontat,» nec de adie jf desevolvige no prea Sicionticten msemte fends etc expar ds eros et a to entanio, move em bo pars em ders epost como e reopondessem 38 esas {aunse tsnemusengendaeSolgens Reine port a, tchtrnaca modern ae ire pona ort ubstancinente conte emiaidade dos paeroson eo ox 3 demande “tgurn adh ride aptamer wrecia de ne 2 Senda de snug oiaramente contra a elinquéncia apr cross man envoy ryan lade ace, além do mats, quando se pereoe que, passive, que eae [wa da apa d ert pena so precanert as exigencies ce maderisayao” e 80 je "segurana cid En sumo ocebaquea ani se Sve se dicta leet oa! ee memantine ue fanned Sion rtse da um to alee” 22 pianés Diante da confusdo que os parec jue 0s problemas elencados parecem criar sobre a criminalidade dos poderosos” a delinquéncia classica esta mais presente do que nunca no imagindrio coletivo. 2. Prevaléncia do sentimento coletivo de inseguranga cidada A consolidagao da delinquéncia classica encontra apoio inesti- mavel na generalizacao do sentimento coletivo de inseguranga cida- da: como consequéncia de uma diversidade de fatores, alguns dos quais serao aludidos mais adiante," tém sido incrementados, ha al- guns anos, na populacdo, tanto a preocupacéo em geral sobre a de- linquéncia, como 0 medo de ser vitima de um delito." Tais atitudes ‘ocorrem, além disso, em um contexto peculiar, com dois recursos es- pecialmente significativos: Por um lado, a extensa sensacio na sociedade de que as coisas esto cada vez piores em assuntos de prevengao da delinquéncia, sen- Govesbe a expansso do dirito penal como um movimento conta os sendo assim Sue desalortunadamente «nova police ciminal tan como preterido Geo de lsa0, ano ‘Renttonva quanto qualisivamente, ar Gave socas wats defevorecdas ea delinquent ties Sob tudo ios, dedicar nor emoe detahadamente no cpio. * Qoe tl desfoque dos peti deste ipo de delingtcia comeca ate conequénciaspratics & igo evidente se sdo anazadascertar medidas sgalimont ecamisbalas a melhores «eet Ctade de sua persecugao, como ¢o caso da recntmensintroutacbigaio do Minitéto Prblce de colacar em condecmento dos suspeitso conto das ligase investigaao ® les referdas, ova limitagio da durasio de tas diligencas a seis meses salvo proctogacao see hla peo procurador gerade unica ~reforma Etta Orghico de Mitra Public pela £0:11/2085- ou signiativactevasao em termes abwlstos das quatas montis minimas pata que concorram deitssocoscondmico como o abuso de informario priviegiada a Bolsa ives contratios s Tazenda Publica om 8 Sepurdase Soa ~oforea dos ats 268 305,307,308 {bid do codigo penal em vite da 0. 18/2015 Contado, deve-esaudar os efltos pesitivos Sue, para uma sara persecugto da delingncia socoecoimn, overt le a previses cont TEs iS'LO. 7/2008 elasvast ecesara satay daresponcaiidade cil desvada do del parcacessara iverdade condicional ou tersgo gra de execugio da pena de prisdo ars. 50. E5Uigo onal D2 sc oc at Geral Peitencla,enre otto presen 2 Ente os quas nfo pode sec o mais importante oeftivo incremento da axa de criminalidade eae gee ee eo munca podrado, dos limos anes, segue etando abana es paibes de nonso éntomo, Ver Diez Ripoles 20075328. sae ee Peco superar 920% tend sido conaisads como ecera relia as porns De mal eulalent em meats de 2001, 0 medo de sort wk reocupacto mae oe ge pesmas nas importantes menconados por aroximadamen- cette xa um dos ts probleme Pe gato ou Guintolgar no catlogo de problemas pessoas 1 ne econ 2000 ene 120% dx eevistadoscnsieravam ym {res primeiros problemas pessoas ecupeni oT il em na ie de reccicot Hea acs Soclogica C1) Umesti recente sobre aseanters- Fe ee rego Expaafa se encom Media Aza, (2000612, 16-18 fieas do mevdo do delito na Espanha see eee [A POLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA 23 cayio que se projeta em uma escassa confianga na capacidade dos po. Bias publices para afrontar 0 problema. Por outro, tem desaparecidg sManade de compreensao em relagao a criminalidade tradicional, ery ecpecial em relacio a pequena delinquéncia, atitude muito difundida tee anos 7080 que se fundava em uma compreensao do delinguen- teccomo um ser socialmente desfavorecido e marginalizado a quem a sociedade estava obrigada a prestar ajuda; agora, os delinquente sao Yistos, sem que se procedam a distingdes segundo a gravidade ou fre- quéncia de seu comportamento delitivo, como seres que perseguem, Sem escnipulas e em pleno uso de seu livre arbitrio, interesses egois- tas eimorais, em detrimento dos legitimos interesses dos demais. Tém sido apresentadas como tendéncia qualificagoes como as de “preda- dor sexual”, “criminoso incorrigivel”, “assassino em série”, “jovens desalmados”, que refletem acertadamente 0 novo status social, desu- manizado, do delinguente. Além do mais, essa preocupacdo, ou esse medo, pelo delito ja nao se concentra nos ambitos sociais mais conscientes ou temerosos da delinquéncia, mas se estende a setores sociais antes relativamente dis- tantes de tais sentimentos. A preponderancia dos espacos dedicados & crénica criminal nos mais diversos meios de comunicagao, nos quais jd nao é estranho que ocupem as principais manchetes, tém a ver, sem duivida, conquanto nao exclusivamente, com 0 eco que tais informa- ‘goes suscitam em camadas amplas da populagao.* Isto tem permitido que o medo ou a preocupacio pelo delito se estabelecam na agenda social entre os assuntos mais relevantes e, 0 que éainda mais significativo, que a persisténcia e 0 afinco de tais atitudes tenham se tornado um problema social em si mesmo. De fato, é facil notar que um bom ntimero de programas de intervengao penal si0 desenhados nao tanto para reduzir efetivamente o delito, quanto para dimunuir as generalizadas inquietudes sociais sobre a delinquéncia.” 43, Substantividade dos interesses das vitimas samipUrante muito tempo, os interesses das witimas tém sido sub- ios nos interesses publicos. Sua tutela se obteria na medida em Sire convovertide discuss a entre interesse social pela lng rr atengso' et polis Qo) 2927 "Eta pretenso te sou d bs Ho um dos ichos mas fruferos liza 0 direito penal para fins alheios aqueles o cd Ripolies (2003a}; 80 e 5s. ‘eta Ja caus odo qu seein reacto ncn alenos eal mide terns om Dee Iegislacao sibs ia, aquela que wie nentan\ o uso do diseito penal. Ver Diez eee 24 ee Jost Luis Diez Riots que a incidéncia do delito sobre determinados cidados supusesse um prejuizo aos interesses da sociedade em seu conjunto. De fato, este re- Quisito segue fundamentado na caracterizacao do direito penal como um setor do direito publico, diferenciado do direito privado. Tem sido sustentado, inclusive, o principio da neutralizacao da vitima, com 0 qual se quer expressar que as vitimas devem ter uma capacidade de intervencao na reacao penal suficientemente limitada, de forma ando condicionar 0s interesses publicos que estao sendo substancialmente examinados nela. De qualquer forma, parecia evidente que um cor- reto entendimento da utilidade publica impedia contrapor grosseira- mente 05 interesses das vitimas com os interesses dos delinquentes por um juizo justo e por uma execucéo penal atenta a suas necessi- dades de reintegracao social. Nem sequer o recente desenvolvimento da vitimologia, com seu realce de medidas penais reativas atentas a satisfazer os interesses da vitima, questionou a devida consideragao dos interesses do delinquente condenado. No entanto, a plausivel atengao aos interesses das vitimas tem adquirido, nos wltimos tempos, algumas inclinacdes inovadoras: an tes de tudo, sao as demandas das vitimas reais ou potenciais, quando nao de vitimas arquetipicas sem existéncia real nem possivel, as que guiam o debate politico-criminal, rumando a reflexdes mais comple- xas, atentas ao conjunto de necessidades coletivas. Em segundo higar, 6 protagonismo dos interesses e sentimentos das vitimas ndo admite interferéncias, de maneira que a relagio entre delinquente e vitima acabe entrando em um jogo de soma zero: qualquer ambigao por parte do delinquente, por exemplo, em garantias processuais ou em bene- ficios penitenciérios, supde uma perda para a vitima, que 0 vé como: um agravo ou uma forma de evitar as consequéncias da condenagao; ¢, em menor medida, 0 mesmo vale para 0 inverso, todo avango na melhora da atencao as vitimas do delito é bom que se tepercuta em uma deterioracao das condigées existenciais do delinquente. Assim, finalmente, o que se tem produzido é uma inversao de papéis: agora, 6a vitima que subsome, dentro de seus proprios interesses, os inte~ esses da sociedade, sao seus sentimentos, suas experiéncias trauma- ticas, suas exigéncias particulares 0s que assumem a representagao dos interesses publicos; esses devem ser personalizados, individuali- Jados em demandas concretas de vitimas, grupos de vitimas, afetados Ou simpatizantes. O principio da neutralizacéo tem modificado seu curso. atribui-se as vitimas a tarefa de assegurar que argumentagdes complexas e matizadas dos poderes publicos, que pretendam abran- get interesses sociais contrapostos, sejam mantidas suficientemente Ber interesses soriS [A POLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA 25 distanciadas, para que nao interfiram na adequada satisfaca0 dos in. terceses daqueles diretamente afetados pelo delito."* 4. Populismo e politizacio (Os agentes sociais que sto determinantes na adocio eno contet do das decisoes legislativas penais tém sofrido modificagoes de gran- de importancia. ‘Antes de tudo, os conhecimentos e as opinides dos especialistas sio desacreditados. Isso se refere, sem dtivida, as contribuigdes pro- cedentes de uma reflexao teGrica que, paradoxalmente, tem consegui- do, no Ambito da interpretacao e sistematizacao da lei penal, niveis de precisio e rigor conceituais nao alcancados por outros setores do ‘ordenamento juridico; suas consideragdes tém deixado de ser ja ndo apenas compreensiveis, mas dignas de compreensdo para influentes setores sociais. Porém, a reputacao dos especialistas inseridos na pré- fica judicial ou da execugao das penas também se encontra prejudica- da; 0s juizes s4o vistos como um coletivo pouco confiavel, que adota, com frequéncia, decisoes distantes do senso comum e aos funcioné- ios da execucao penal parece somente preocupar 0 bem-estar dos de- linquentes. Somente a pericia policial, em sua dupla faceta preventiva de delitos e perseguidora dos j4 cometidos, segue sendo considerada imprescindivel; neste caso, suas eventuais insuficiéncias nao levam a questionar a utilidade de seus conhecimentos, mas a propor seu aper- feicoamento e sua melhora." Tr ap at dea and pde cna por etna se costa a Somme pectin edu Ss tnt ae morro oe er ee a ee Seen ee caster ler aitmaeiitn suetics Frontier’ hcunes petoeinrsinntanstevorcaiee einem Resttnanetent emf eee canes saree pee rial ef ma stot eee a eee sicolégico de “puro final” (cna), que expresea que os prejucicados pelo assassinate rec Fron Sunol ons rll net a osenetoe sa Sarena Set eons pean Seek 2nd fee pros cst be ase ope ern eat nf ‘porece om Grim lar entra insti ‘meme uigdes istadas na pergunta, no posto de niimero 14. Vee 26 José Luis Diee Ripoliés ~~ Em contrapartida, a experiéncia cotidiana do povo, sua percep- cio imediata da realidade € dos conflitos sociais tem passado a ser {im fator de primeira importancia no momento de configurar as leis penais, ¢ pugna por sé-lo, também, na aplicacdo legal. movador, N° Entanto, nao é que tais experiéncias e percepgaes condicionem a cra {a0 € aplicagao do direito, algo legitimo em toda sociedade democré fica, mas que as demandas sejam atendidas sem intermediarios, sem J interposicdo de nticleos de especialistas para refletirem e avaliarem Se complexas consequéncias que toda decisao penal implica. Os Pot” tadores desses novos conhecimentos so a opiniao publica criada pe- Jos meios populares de comunicacdo social, as vitimas ou grupos de vitimas e, em iltima andlise, a populagao comum. Para que estes tltimos agentes sociais possam estabelecer sua re- levancia, é preciso que os agentes institucionais diretamente vincula- dos com a criagdo do direito outorguem as demandas populares um ‘acesso privilegiado, mediante o qual possam evitar os habituais con troles burocraticos que em toda democracia velam pelo fundamento das iniciativas legislativas. Sao aplicadas nos tltimos tempos a esta tarefa, com extremo cuidado, forcas politicas de todo o espectro ide- ologico. As vias para seu éxito transitam, de forma singular, ainda que nao exclusiva, pela aceleracao do tempo legiferante e 2 irrelevan- Gia, quando nao eliminacao, do debate parlamentar e inclusive do go- Vernamental; trata-se de que os politicos possam justificar a omissao daquelas fases procedimentais nas quais 0 protagonismo é de profis- Sionais especialistas, em virtude da urgéncia ou do cardter indiscuti- vel das decisdes a serem tomadas, que se revistam de tal urgéncia € irrecorribilidade do conceito de alarde social, de urgéncia do proble- ma, de consenso social, ou de qualquer outro recurso retorico. Isto permite as forcas politicas estabelecer uma relacao imediata entre as demandas populares e a configuragao do direito penal, ¢ colher, por meio disto, os importantes resultados politicos que esta pretendida democracia direta® fornece. Esta dinamica populista e politizaca tem uma série de tragos, en- tre os quais talvez convenha destacar dois deles neste momento, ramitagdes urgentes, que busca premeditadamenteintro- coset retorts ao cago penal mo ultos tramitesparlamentares —Jetase Senado Fae ne un is penais ou nor som objetvos mats presios Para aprovar sem permiss3 cence ea Sit ocussho parlimentar se desc evitar, Ver as importantes reformas da TRIMER MAEAe poral cos menores que foram inctoidas nas leis onganicas 9/2002, de ee eee iste pupaisecivil em matéria de rapto de menorese 15/2010, de modificasso Fee see ah regulates proceimentas leilatives que tim acompaniad 3 n- See ey cualige penal is ats sabi, S21 bls e576, relativos 8 convocagio de reerendo Seeere get aragle te anos pata asowiagSese partidos politicos legis, entre outas spo SB Ver tambon, Gonzalez Cussac (2003) 19-21, 32 ‘Demoerasia deta” que abusa da [APOLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA 27 10 dos especialistas tem tanciamento OU incom. cat ydo de proceder tem sido ts tinhada a privarines da mar- fia pericia, gozavam em sa e550 FesPeitO SO- vyno da determinagao da Odo arbitrio judicial no ranga, ou 0 Testo wtrangeiro residente ilegal por pstas a eos na aplcasto do de safda ou os ‘as autorizacoes vespectivamente, nas LLOO, lescrédit sa com facitidade: o manejo exclucente “ee pelos politicos do debate politico-riminal tem con luzido ero eyecare Dante da Fazalidade de pontes de visit jue se poeria esperar da ret in Plicacao desses novos agentes savin na diacussdo sobre 26 Sor é Pemmedios da delinquéncia, 0 ve obreveio fot um debate unorne em refinamento, no qual Se Mrgaqualificam quaisquer posturas de Contenham certa complexidade ie pumentativa ou distanciamento 2) felagao a atualidade mais imedia‘a © afa por satisfazer, antes © mais Go que ooutro, as mais supertcias “emandas populares, conduzittos partidos majoritérios e seus aliado® © vima imprudente corrida por de- Prieta que sao mais duros diante do cine 8 ‘a uma surpreendente proximidade de propostas politco-criminaisy que, Para alguns deles, Supoe a perda de sua identidade ideol6gica." +5, Revalorizagio do componente aftivo da pena 1 obtida pelos interesses das vitimas e © Pept" tabilidade social a certos sentimentos cuja de- ‘outros tempos, era compreendida, mas nao ca, tanto das vitimas e ‘A prepondersnci lismo tém dado respei ‘manda de satisfacéo, em atendida; refiro-me aos sentiments de vingan ‘seus familiares como da populacao em geral. Ye rebriintgomilinCone AEN ee oR ‘José Luis Diez Ripollés A este fator tém sido acresc wots more sk cr fos ove dois que terminaram de significativa do conjunto de objetivos que a pena deve satisfazer. ‘Assim, a ressocializacao do delinquente, ‘constitucional, tem deixado de ter os apoios sociais suficientes Para se cerstituir em um objetivo destacado da execugdo penal. Certament®, ‘uestionamento se iniciou entre os especialistas, como mais ack Me teve uma notavel influéncia na reestruturacao do rt jelo juridico-penal em ordenamentos que haviam apostado vase mowexctusividade no efeto ressocializador da pena, Porém, a fOr Jpeto de tais objecdes foi iniciada ji ha mais de duas décads © des- 180 tbo, tem matizado notavelmente a percepcio expecilista SOb°S oe Sramento dos delinquentes. Agora, predomina uma aproximas20 oe ealista e menos ideologizada aos frutos que as diversas Wenic ‘oponivels podem oferecer, com Ambitos de intervenséo, com © 2 disp desintoxicagioe insergio de delinguentes usuarios de arog Gque tom mostrado amplamente sua efetvidade.” No atual estado das aes tomarse injustificado, entio, colocar a ressocalizacio em) Segundo plano frente a outros efeitos sociopenais 30 FS como a seBeizagho, a prevencio geral ou a reafirmacio de yalores socials. NeoSatanto,a opiniso publica tende a valorar as medidas que, = © No envmpeinser¢ao social do delinquente, flexibilizam 2 execuei? Pe” fete como um conjunto de favores imerecidos concedidos 20° delin- quentes.” roca ideia caminha estreitamente associada a outra, € em VPN de da qual foi destituida, dentro do acervo de explicacoes sociais da Gelinguéncia, aquela que a considerava, em grande parte, uma con- sequéncia das desigualdades sociais, ja 8° ‘momento de interiorizat se rmnas socials, seja no momento de dispor dos meios Patt desen- ae ero plano de vida pessoal. A partic de uma visio marcadamente vencenstial da sociedade, que subestima as diferonsn’ de oportunida- de entre seus membros, somo um preme- ‘a delinguéncia é percebida Gitado e pessoalmente desnecessario ‘enfrentamento do delinquente oCaptlol eo arid pica das tataentos Made Meru emp ee ee SC pense © 8 ere pr re a rnqunes urd oes im came gs WANTS dna do gine ce compen pe 0 29 LHADA apesar de seu suporte seug ma assinalamos; te otimistas em Redondo Mesos "A POLITICA CRIMINAL NA ENCRUZI a 1 Jeuma resposta que preste a devida at 1 gue tn ca tH whos trésfatores tem fomentado uma série de mod tris gtema de penas € stia eXECUGAO GUE, em oe vente, no desejo de fazer mais gravosa p, 's derivadas do cometimento de unt ae das penas de privacao de liberdaae sta pratica se aproxima, contra uma tradicao bissecut oh ha a eclusto por toda 2 vida-" 0 notavel endurecimentg a ree penitenciario mediante estabelecimento de condicdes mais reer je acesso a0 regime de cumprimento em terceiro grau oy 4 restr Mfondicional/* o renascimento das penas infamantes, como ¢ o caco da publicacao de listas de agressores ou delinquentes sexuais 5 oa arahtia de uma efetva persecucao de determinados delinquen. isso de exercicio da aga0 popular por érgaog tes mediante o compromi 0 do poder executivo de comunidades auténomas. coma sociedad 2 futilsdade das Oconiunto ses substanciais 1 cae ce inspira, simplesmen Pjelinquente as consequencias ¢ to. Basta mencionar a introduca0 6. Redescobrimento da prisiio prisdo é uma pena problemética se transfozmou, emum t6pico, no moderno duplo sentido da palavra, que tem estado presente na reflexao politico-criminal hd muitas décadas. Em espe- Gal durante a segunda metade do século XX, tornou-se lugar comum uma série de consideragdes bem fundadas sobre os efeitos negativos do encarceramento sobre os diretamente afetados e sobre a sociedade fem geral. Enquanto as penas longas de privacao de liberdade eram consideradas desumanas, pela destruicao da personalidade do reclu- 50 que tendiam a acarretar, assim como socialmente contraproducen- O fato de que a = Oaisdesumanizado qu o delinquent acquire ne agin sca no €obstcul »o grenade mpi einai dig Eemo gusiqur outro destevow de ueldade de oportunides Vera tespato oie ja meno “amos na segso 2 deste Capitulo, * * ed vera nous rts. 76 78d digo penal aps a redo desvada da 07/2018 Eero gue eon cc a eo ue mas onge, como dra fangunne, exis Pes Spratt de ato prin thao de vemfto depos po tbah asa de cra pracamere suman» im tego qe agora jo € ris Posse. As sitrgs gozecucam to elo pera! ti vasomotor om exe Se Findon, readme de pncs corpora, Vr eecise Carla 01) 9.12 2 Ver refed aia. En ctr “ to pales, tm do relabelecidas as cones de press (pesos sp Senora prota ardor om i Vs aa er 2 Neen am Siva Sines (2001, 17. rm certs odenamentos, ems eur ee lags postarem uniformes infer = Intron Ver Garland (2001) B= 30 José Luis Diez Ripcllés a ee | | | tes, por gerar inadaptacao do recluso a qualquer futuro reingresso na comunidade, as penas curtas de prisao eram consideradas um fator de primeira ordem na consolidagso de pautas comportamentais deli- tivas em delinquentes de pouca relevancia, mediante o contagio com seus pares, exercendo um efeito socializador inverso ao especificado. Isto fomentou, em especial nos paises que mais haviam avancado no modelo ressocializacor, e como ja destacamos, um forte movimento favordvel em busca de penas que pudessem substituir total ou par- ‘Galmente com vantagem a pena de prisao. E o momento de desenvol- Vimento de sistemas efetivos de penas pecunidrias, da aparicao das penas de trabalho em beneficio da comunidade, de prises adversas, Ee liberdades vigiadas ou a prova em suas diversas modalidades, da revalorizagao da reparagao do dano como substituto da pena e dos regimes flexiveis de execucao penitenciéria. £ certo que, na Espanha, 0 ceticismo em relagao a pena de prisio somente foi capaz de superar 0 ambito teérico ou académico quando fe iniciaram 08 trabalhos de elaboracao de um novo Cédigo Penal; porém, embora tardio, o novo Cédigo Penal de 1995 constituiu uma Pitroducao significativa nesse sentido. Junto da transcendente decisa0 snas de prisao inferiores a seis meses e da busca da sistema dias- de eliminar as pe efetividade nas penas pecuniarias mediante a adogao do “multa, foram integradas no sistema das penas novas san¢o de trabalho em beneficio da comunidade ou as prisdes de final de se- mana, diretamente destinadas a evitar, desde o principio ou mediante seu papel como substitutivos, uma pena de prisdo questionada. N3o se esqueceu, tampouco, de potencializar a instituicao da suspensio da execucao da pena de prisio, nem de flexibilizar o regime penitencia- rio, em especial no tocante A obtencao do terceiro grau ou a liberdade condicional, ‘No entanto, uma coisa é a concretizacao, no Codigo Penal, deste Prisao e, outra, sua real colocagko relativo distanciamento da pena de em prética. A maior parte dessas medidas destinadas a ser uma alter- nativa a pena de prisdo nasceram drfas de meios materiais e pessoais necessarios para sua efetiva implementacao. As razoes pelas quais um egislador, genuinamente interessado nesta mudanca de rumo da exe- cuzao penal, pade desatender aspectas tao essenciais em sua decisio Iegislaliva nao sio faceis de compreender: junto a defeituosa técnica lepislativa ustal ern nosso pais, na qual todos os necessdrios estudos sobre a futura implementacdo das leis nao transcendem sua qualida- Se de mero tramite do expediente administrative, deve-se pensar no 3 Ver Capatulol [APOLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA 31 ;,comoa jas do Estado de be das proprias em nedidas Pmodificagoes Propostas, Tes de Fecursos; em rej rerarm. Se! i tribuigoes de elaca, eratavelente ROvES Cer mes judiciais € Penitenciariog ¢ fer somades 08 COE Gpreveio em POUCO tempo, com it 1égica que tinha sido mantiqn 1 openo ideo ims OPS. corientaga0 PFOPOStA NO Novo cg. seosistema dias-multa ndo tem impegj, ‘sendo calculada de modo seme’ tas oi onte a diversa capacidade econémie pape pres pristo de final de semana tenha a. | dos condenadoss 4 2 FY’ vido a fundo suas potencialidades, dada | recido sem ter desetit Yraterial e pessoal; e que © trabalho em | 2 earencia de infraesiny art ec) aplicado deevido 3 falta dos cor beni dacomunin’ ras instuigoes que podem acolher os ra. | (en ymunitarios. | has iidades de um tratamento em liberdade, préprio aa | possblidades fy pena, do terceiro grau ou da Tiberdace con. suspen nao tem sido aproveitadas para além do ambito da depen. icional na i melhora da infraestrutura penitenciaria, é drogas e a inegavel ee cnere pera P pelo aumento de ingressos, tem sido centra- a5ere de naisoes de habitabilidade, descuidando da dotagao de meiog pessoaise materiais para as metas ressocializadoras inerentes a0 regi- me penitencisrio.” Enquanto todo esse frustrante processo sucedia na Espanha, nas nagées de seu entorno cultural, nas quais estava bem assentado 0 sis- tema de penas alternativas a de prisao, estava ocorrendo um acele- rado processo de recuperacao do prestigio das penas privativas de liberdade, o que estava dando lugar as correspondentes reformas le- gais. Sua recuperacao de crédito no tem a ver com a melhora de suas potencialidades reeducadoras, que seguem sendo consideradas escas- 'sa8 ou negativas, mas com sua capacidade de garantir outros efeitos sociopessoais da pena: em primeiro lugar, os intimidatérios e os me- ramente retributivos, os quais, com a aquisicao pelo delinquente do | satus rds Pessoa normale a ascensio dos interesses das vitimas, tém | aon rirtede dos 4 plano; em segundo lugar, os efeitos inocuizado- TReakonda aide dos quais se responde com 0 isolamento social e a re- iinquente ao fracasso da sociedade na ressocializagao de ializagao de oor a liitada apliagso das ae iajo das penas alternativas a prislo no So stud emp coorenade por Cid Moling/ Latta Phos ea ee vere 32 rath trite rte thi seus desviados e, sobretudo, a sua negativa em assumir 0s custos ecO- némicos e sociais vinculados ao controle do desvio em suas origens mediante as correspondentes transformacies sociais. Dada a instével evolugao espanhola, nao é de se estranhar que ‘esse movimento pendular tenha encontrado terreno fértil em nos- s0 pais, quando ocorreram algumas minimas condigoes favoraveis, como um transitorio incremento da criminalidade, e um governo e oposicao majoritaria que pugnam por destacar-se em sua luta contra 0 crime. Os frutos j4 estao em nossas maos: sem nunca ter chegado a testar seriamente as penas alternativas a de prisdo, as reformas de 2003 recuperaram as penas curtas de priso de trés meses em diante, em paralelo a supressao da detengao de final de semana, incrementa- ram a duracao das penas longas de prisao e introduziram importantes rigores no regime penitenciario. 7. Auséncia de receio ante o poder sancionador estatal O direito penal moderno tem sido construido, ha pouco mais do que dois séculos, dentro de um cuidadoso equilibrio entre a devida consideragao do interesse social na protecao de certos bens funda- mentais para a convivencia e a persistente preocupagdo por evitar que essa tentativa implique uma intromissao excessiva dos poderes pui- licos nos direitos e liberdades individuais dos cidadaos. Essa dupla orientagdo acarretou que os modelos de intervencao penal contempo- raneos, quaisquer que fossem, estivessem sempre limitados, em sua tutela dos interesses sociais, por uma nunca ausente desconfianga da cidadania em relacao 4 capacidade dos poderes puiblicos em fazer um uso moderado das amplas possibilidades de atuagao que lhes outor- gavam os instrumentos de persecucio delitiva e execucao das penas. Esta falta de confianca se estabelece, ademais, em uma tradigho poucas vezes interrompida no direito penal moderno. Sem dtivida, 6 © elemento mais caracteristico do modelo de intervengo garantista, mas, também, tem sido um componente destacado do modelo resso- cializador: mais do que uma visdo superficial de seu funcionamento podia mostrar, nele se adotam as mesmas cautelas, quando nao maio- Tes, no momento de se estabelecer o ambito legitimo de atuacao dos poderes ptiblicos encarregados do descobrimento e da persecugao das condutas delitivas. Tem sido, pelo contrario, a presenga de expectati- ‘Ver as releréncias em Gatland (2001): 89, 175-199, 148-150, 154165; Silva Sanchez 2001), Me, A POLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA, 33 radas, na capacidade das ciéncias gerade Guente 0 que tom desenca. faze ga exccusio penal que 4 comentamos, Sedo os excessos 0 CAMPY 82 | experimentando, nestes momen. ides sociais SV ntender, ndo possuii antecedentes onan Inodernas. E certo que determinados pe. nas sciedades democrtt tr politicos autoritirios suscitaram, nas rods historicos com FEBS Tr, eliminados ou silenciados os ven. assis socials 1u€ 08 SUT crédula despreocupasio pelos métodos cides ou discorc ts ¢ liberdades individuais empregados pelos egadores dos dir controlar a delinguéncia, Além disso, 0s regi. ers publicos Pom, demasiadas veres, bemn-sucedidos em isolar ames democratic rinados ambitos delinquenciais, de modo que em e demonizat der ge valer tudo: na Esparha, a5 condutas terrors. ve mtant, 0 que agora esté sucedendo tem n0¥0s matizes: no ra naeteaades cemocrtices, com ts amplo elenco de liber. saat indivicusis legalmente reconhecidas ¢ efetivamente exercidas, cee ndo generalizada a ideia de que se deve renunciar as cautelas cae ane ecarregadas de prevenir 03 abusos dos poderes priblicos deere direitos individuals, em troca de uma maior efetividade na persecugio do delito. E essa disponibilidade nao se limita a Ambitos Pees bom delimitados, mas se estende ao controle da delinquén- Shem sua totalidade, sem que 2 maior visibilidade que, sem duivida, fem a que temos chamado de delinquéncia clissica, deixe fora deste odode proceder a delinquéncia de qualquer tipo. Dito de outra ma- neira, os cidadaos nao delinquentes j4 nao temem os poderes puiblicos no exetcicio de suas fungdes repressivas, nao se sentem diretamente preocupados pelos excessos que com este fim podem ser cometidos. E isso, sim, é uma alarmante novidade nas sociedades democraticas. Essa progressiva falta dereceio em relacio ao uso do instrumental punitivo esté permitindo, em primeiro lugar, reformas que ha pouco tempo eram impensaveis. S40 suficientes, como exemplos: a gradual generalizacao da vigilancia de espacos e vias puiblicas mediante ca- tae Fr tteaies dee controle eieual e auditivo, a simplificagao em civis a faciitagao da prisio preventiva® Kansiares penal emneene iga0 do contro sas. que logo 86 MOstfam” CY Je logo ; portamento Para L227 bent cor ® Como no caso da recente regulacio da ordem contd 1 27/25 de 1 deja. Se % A parts das LLOO 13/2003 15/2003 rotegio das vitimas da violencia doméstie 4 Jox6 Luis Diez Ripollés le judicial dos procedimentos penais mediante os juizos répidos ch peds pie eau prea Meat lane pon 3 gem casos nos quais o devido respeito a0s direitos e liberdades indi- viduais fica em um segundo plano: na policia, superado o distancia- mento popular que arrastava, desde os anos da ditadura, a eficécia e prontiddo demandadas na persecucdo do delito e descobrimento dos culpados, permite-se desculpar facilmente atuacées apressadas que incidem sobre objetos equivocados; o legislader deve mostrar uma clara disposigao para transformar em delito qualquer problema so- cial; os juizes devem ser capazes de vencer 0s obstaculos de direito material e processual que possam surgir, com objetivo de assegurar uma justica adequada em tempo e forma as demandas populares; € a principal missio dos funcionérios da execucao das penas ¢ garantir, a todo 0 momento, que o delinquente nao seja tratado de um modo demasiado generoso. 8. Envolvimento da sociedade na Iuta contra adelinquéncia Durante muito tempo, a epigrafe precedente significava que a comunidade assumia sua responsabilidade na génese da delinquéncia ese dispunha a estimular e desenvolver iniciativas dirigidas a elimi- nar a exclusdo social de certos cidadaos. Tratava-se de fornecer apoio familiar, laboral e assistencial aos delinquentes ou s pessoas a cami- nho de se converter em tais. A meta era antecipar-se & intervengao dos 6rgaos formais de controle social - policia, administracao da justica... ~ mediante o fortalecimento dos vinculos sociais dessas pessoas. Ago- Fa, 08 mesmos termos significa outra coisa, como melhorar a colabo- racdo com a policia na prevencao do delito, identificacao e detengao dos delinquentes. Na Espanha, a pouco se desenvolveu o que em outros paises foi denominado como prevencao comunitaria, relativo & prevencao poli- cial. Certamente, a énfase nos objetivos perseguidos pode variar signi- ficativamente, estando a comunidade mais centrada em seu desejo de eliminar a inseguranga e 0 medo gerados pela delinquéncia no espaco social, no qual ocorre a interagao social, e em assegurar compensa- (Ges satisfatorias pelos danos causados; enquanto, para a policia, a de- linquéncia é, sobretudo, um problema de ordem publica. Porém, em 31 Dado 0 protagonismo adquitido pelo impelo policial do pracedimento, assim como o incre- mento dos confeanidades, Ver LO 8/2002. Segundo dasos frmecisos aimprensa no comeco de 004 pelo Consetno eal do Poser juival, em aproximadamente S0% dos casos tamitados pelo pracedimento de juizor4piio so prolaladas sentencasce procedéncia, A POLITICA CRIMINAL NA ENCRUZILHADA 35

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