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A Conversa

- Boa tarde, Elisa. – A voz macia da mulher combinava com o ambiente aconchegante. Talvez
nunca tivesse escutado uma voz tão tranquila antes.

- Boa tarde, Esther. Obrigada por me atender de última hora, mas não sei mais o que fazer com
aquela menina...

Era provável que Elisa não tivesse noção de quanto sua filha havia se tornado “aquela
menina”, mas ultimamente conversar com a mais nova era como falar com uma porta, e sem
mais paciência para lidar com a adolescente, a mulher desistiu momentaneamente e decidiu
marcar uma consulta com a terapeuta que sua amiga indicou. Inicialmente ela achou estranho
a psicóloga ter pedido que a primeira sessão da terapia fosse com ela e não com sua filha, que
em sua concepção era a fonte dos problemas. Mas ela não estava em posição de discutir algo,
realmente precisava de ajuda. Portanto, respirou fundo observando a mulher do outro lado da
sala apoiar-se no braço da cadeira acolchoada preta.

- Bom... já conheço um pouco de vocês por aquele formulário que você preencheu, então hoje
quero que se sinta à vontade para dizer o que sente e o que precisa externar. Aqui é um
ambiente seguro e meu papel é te aconselhar, te ajudar a compreender as situações, nunca
será o de julgar suas escolhas. – Por mais que sempre dissesse aquelas palavras, Esther gostava
de ser sincera com seus pacientes a fim de deixá-los mais tranquilos ao falarem de coisas tão
intimas. E se sentiu satisfeita ao ver um pequeno sorriso surgir nos lábios da mulher que
cruzou as pernas antes de começar a falar.

- É difícil, então vou tentar não me perder. – falou sem graça, não sabia por onde começar a
explicar em qual momento sua casa havia se tornado uma guerra fria. – Lara é minha filha mais
velha, antes dela passei anos tentando engravidar e acabei sofrendo com um aborto
espontâneo. Então ter ela foi como um alivio, uma felicidade sem tamanho! E ela sempre foi
tão boazinha, educada... me pediu uma irmã até que me vencesse pelo cansaço, tanto que
hoje tenho a Liana de cinco anos, mas não é dela que quero falar. – A mulher suspirou,
encostando-se na cadeira. – Desde que Lara completou 16 anos, a menina mudou, doutora. Sei
que a adolescência é uma fase difícil, mas ela está estranha. Vive estressada com tudo, chora
quando tira nota baixa na escola, não fica mais com a irmã dela e desde que começou a andar
junto com uma tal de Duda que eu só a vejo sorrindo pro celular mesmo. Não quer nem
conversar comigo... eu não sei o que fazer pra entender ela, sinceramente.

Finalizou, sentindo que não havia falado nem metade do que precisava, mas não queria
parecer uma mãe tão ruim quanto o que já estava se sentindo em silencio.

- Tenho uma pergunta para te fazer. Quando vocês saem de casa, para um restaurante, por
exemplo, se pedirem para a Lara ir pedir a conta, ela vai sem problemas? – A mulher
estranhou a pergunta sem nexo com tudo que havia contado, mas rapidamente negou.

- É quase como uma tortura para ela, eu acho. Ela só vai se for obrigada...

- Certo. Somente mais uma pergunta então. Quando você a leva para uma consulta médica, ela
fala o que está sentindo para o doutor ou você quem explica para ele? – o sorriso calmo no
rosto da psicóloga trazia uma sensação de conforto para as indagações, sendo assim, Elisa logo
respondeu.
- Eu quem falo.

- Te perguntei isso para fortalecer minha teoria, mas somente poderei te dar uma certeza
quando conversar com sua filha. Por hora, posso te dizer que provavelmente estamos lidando
com uma adolescente frustrada. Mas para termos certeza, vou te falar algumas características
e você me diz se elas se encaixam com a Lara, ok? – Continuou quando recebeu um aceno
positivo da outra. – Ela sempre foi silenciosa, calma e um bom exemplo para a irmã dela
seguir? Uma boa menina que agora se tornou mais vergonhosa e explosiva?

- Uau! Tem certeza que não conhece a minha filha? – Perguntou, vendo a psicóloga sorrir de
leve.

- Não..., mas já trabalhei com mais adolescentes que posso contar. Aprendi umas coisinhas.
Mas o que quero destacar aqui é que ela talvez não compreenda o que está deixando-a
frustrada e precisa de direcionamento nesse sentido, porque digamos que ela está “perdida”.
Aquelas perguntas que te fiz servem para explicar melhor isso. O fato de que em momentos da
vida dela, ela precise tomar a frente da situação e se comunicar, como para pedir uma conta.
Mas em outras vezes você tome a frente de algo que ela poderia resolver, como na consulta,
travam ela. – A psicóloga se endireitou onde estava sentada, tomando alguns segundos para
pensar antes de continuar. – Os exemplos são simples, mas o que quero dizer é que não
podemos querer que um adolescente cresça e amadureça, entregando somente metade da
autonomia necessária. E não estou dizendo que você deve soltar sua filha no mundo e deixar
ela se virar, mas você me disse que ela veio depois de uma perda, e a personalidade dela ser
como descrevi antes comprova tudo que estou te dizendo. Lara tem uma dependência em
relação a você e agora que ela está maior e precisa naturalmente aprender a caminhar com as
próprias pernas... não consegue. Não adianta mandar que ela aja diferente do que está
acostumada sem antes ensina-la a lidar com a independência. Ela precisa ser ouvida e guiada.

- Certo... isso faz sentido. – Elisa estava realmente surpresa. – Me sinto péssima por todas as
vezes que perdi a paciência com ela sem nem mesmo tentar entender que ela estava tão
perdida quanto eu. Mas então... a culpa é minha. Eu depositei muita expectativa em cima dela
e não deixei que ela amadurecesse.

A mulher passou as mãos pelo rosto tentando aliviar um pouco da frustração.

- Não faça isso. Você agiu como achou que devia diante das situações que a vida te
apresentou. A Lara é a realização de um desejo seu, portanto é normal que ela tenha sido mais
mimada e cuidada, mas a partir do momento que você projeta seus sonhos e vontades nela,
ela se torna dependente de ti para resolver problemas, expressar opiniões e ser boa o
suficiente. Sabe, eu vejo vocês bastante parecidas em um aspecto. Ambas estão tentando
carregar o mundo nas costas quando poderiam estar servindo de apoio uma para a outra.
Quero deixar uma tarefa para você.

- Pode dizer, Esther.

- Quando chegar em casa, procure ela, abrace-a, diga que a ama e que a vida é cheia de
tristezas e alegrias, mas que você estará ao lado dela em todos os momentos que ela precise
de uma ajudinha. Fale o que vier em seu coração. E esteja disposta a ouvi-la sem julgamentos.
Com o tempo trabalharemos mais sobre como você pode se aproximar dela novamente, mas
esse já será o primeiro passo.
A mãe assentiu, disposta a fazer o que fosse preciso para entender o que sua filha precisava de
si. Mais do que nunca enxergava como Lara era o resultado da criação que lhe fora dada.

Após a conversa esclarecedora com a psicóloga, Elisa sentia como se houvesse tirado um
grande peso de suas costas. Mas a paz de espirito durou somente até o tempo de pisar dentro
de sua casa e perceber a bagunça que sua caçula havia feito na sala de estar que ela havia
arrumado na mesma manhã. Observou a menina que estava deitada na frente da televisão
enquanto comia um bolinho.

- Liana Carvalho da Silva! Já te disse um milhão de vezes que você pode brincar em qualquer
lugar que quiser, com qualquer brinquedo, desde que arrume a bagunça depois. – Falou em
seu tom sério, assustando a mais nova que não havia percebido sua presença. – Vou procurar
a sua irmã e quando eu voltar não quero ver nem mesmo a sombra dessa bagunça na minha
sala!

Se aproximou da menina, beijando seus fios cacheados, recebendo um pedido de desculpas.


Em seguida, seguiu na direção do quarto de sua filha mais velha e qual não foi sua surpresa ao
notar que a menina estava acompanhada. Não sabia que Eduarda viria para sua casa, mas não
se importava com isso.

— Com licença... olá, meninas. – Falou baixo, notando que ambas pararam de pintar as unhas
e lhe encararam. — Lara, posso falar com você rapidinho? – viu que a menina assentiu e seguiu
para o próprio quarto.

— Oi, mãe. O que foi que eu fiz? Eu nem fiz nada dessa vez! Se a Liana disse que eu quebrei a
sua xicara rosa, é mentira. Quem quebrou foi ela e eu quem tentei colar e-...

— Ei! Calma, Lara. Respira. Primeiramente, obrigada por me contar a verdade porque quem
levou a culpa de ter quebrado a xicara foi seu pai. Mas eu queria falar com você sobre algo
importante. Vem aqui. – Sentou-se na cama e esperou a menina fazer o mesmo. – Eu te amo,
minha filha. Te amo mais do que posso expressar em palavras e estou aqui hoje te
prometendo que vou te ajudar, te segurar, te escutar e te abraçar quando você precisar. –
Elisa sentia as lágrimas teimosas querendo descer. – Você pode confiar em mim e eu vou te
mostrar que posso ser sua mãe, mas também posso ser sua amiga.

Assim que terminou, sentiu um corpo colidir contra o seu. Segurou a menina, sentindo um
alivio tão grande que não podia descrever. Não era a solução, mas era um começo.

— Eu não sei o que rolou, mas não tô reclamando. — A menina falou, franzindo o cenho. — Eu
sei que estou sendo chata ultimamente, mas tem muita coisa acontecendo e eu fico com medo
de não saber o que fazer. E bem... — Ela fitou a mãe, aquele olhar cheio de significado só
queria dizer uma coisa.

- Vai... me diz logo o que você quer dizer. Está te deixando toda agitada aí.

- Bom... já que você disse que é minha amiga né... sabe a Duda? A gente meio que, tipo...

- Meu Deus, Lara, para de enrolar! – exasperou já com receio do que estava por vir.

- Tá bem! É que a gente está namorando.

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