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JUSPODIV) ~ atualizagao para 2* ed. ~ 16/03/2023 rob6 e Machine Learning: qual o papel da lei e do juiz na era da inteligéncia artificial? Alexandre Bahia* Diogo Bacha e Silva* ‘Sumario: 1. Introdugao. 2. Principlos da Legalidade @ da Reserva Legal. 3. Competéncla para o Exercicio da Jurisdiea0, Devido Processo Legal e Juiz Natural. 4. Reflexes em tomo do papel do julz no Estado Democratico de Direlto: a interpretagao 6 atividade meramente cognitiva? 41. INTRODUGAO, Iniciamos esse breve texto com a pergunta: o estabelecimento de inteligéncia artificial nos Tribunais que signifique a substituico do juiz por um robé pode ser feito sem lei prévii Vale inicialmente lembrar que a competéncia dos tribunais ¢ definida pela Constituicso (Marbury vs. Madison, 1803), que permite especificacées através da Lei de Organizacao Judi ria (LOJ), Esta pode estabelecer algumas questdes especificas de funcionamento dos Tribunais, mas ndo pode alterar sua competéncia ou delegé-la a outrem Diz a Constituigao que as leis federal (art. 48, IX) e estadual (art. 125, §19) irdo definir a or- ganizaco judiciaria e administrativa das Justigas da Unio e dos Estados, respectivamente, ‘Ademais, é de iniciativa privativa do STF o envio de Projetos de Lei que digam respeito ao “Esta- tuto da Magistratura” ~ atualmente regulamentado pela LC. 35/1979 (LOMAN).. Ha algum tempo que Tribunais como o STJ vém implementando mecanismos de inteligéncia artificial para 0 auxilio na gestao de processos. Um bom exemplo é 0 Sécrates 2.0 do ST), um meio inteligente de triagem de Recursos Especiais®. Outro exemplo, é 0 projeto batizado de VICTOR* — em homenagem a Victor Nunes Leal, o responsdvel pela ideia de criacao de stimulas® e pelo pré- questionamento - no 2mbito do Supremo Tribunal Federal. O Victor é responsdvel pela andlise de todos os Recursos Extraordindrios que sobem ao Supremo Tribunal Federal para identificar quais * outor em Direito (UFMG). Pés-doutor (Universidade do Porto). Bossa de Produtivdade do CNPq, Profesor Associado da UFOP & True no IBMEC BH *Doutorem Dirito (UFR), Pée-doutor[UFMG). Professor da Faculdade de Sto Lourenso, * petps/fyoutube/63)q6r-PORS + hp:/fwor st jus be/portl/ems/vertieiaDetathe.asp7idConteudo=380038. Sobre sua dela orginal, ver: NUNES LEAL, Vitor. Passadoe futuro da Simula do STF Revista da Alunis, Porto Alegre v.25, p 46-67, Jw, In: WAMBIER, Teresa Ards Alvi, MARINON!, Luz Guilherme, MENDES, Auisio Gongaives de Castro (orgs) Ditto jurspro- ‘densa Vo. I, Se Paulo: Editors Revita dos Tribunsis, 2014, BACHA E SILVA, Dogo, BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. O novo (CPC ea sstematica dos precedents: para um vids etco das reformas processuas. Dielto, Estado e Sociedade, n. 4, p. 38-71 Jan jun. 2018. JUSPODIVM ~ atualizagao para 2* ed. ~ 16/03/2023 estariam vinculados a quais temas em repercussdo geral. Na verdade, a inteligéncia artificial, neste caso, é responsdvel pela antecipacao do julzo de admissibilidade. A motivacao para sua implanta- (0, naturalmente, seria a possibilidade de reducao do acervo no numero de processo. Nao é objeto de analise aqui o uso de inteligéncia artificial como um todo ~ embora essa questo surja como questo a ser explorada— vamos nos ater a questo especifica da substitui- 40 de julgadores por robés na prolago de decisdes. Contudo, ha que se pensar se um 6rgao, administrativo poderia dispor sobre a criagio de mecanismos como o citado Sécrates 2.0 ja que se trata de questdo de procedimento sobre a qual incide reserva legal (art. 24, XI— CR/88), nos termos do que sera elaborado no presente. (© que é nos parece problematica é a substituico de um juiz fisico por uma maquina (um ro- bé) se se pretende que isso seja feito também por regulamentacdo administrativa, sem passar pelo legislador, uma vez que, em nome da celeridade e/ou da uniformidade de decisées, podem estar sendo sacrificados principios constitucionais do processo essenciais para a prépria ideia de jurisdigao, Para entendermos melhor a questo é importante retomarmos os princ{pios da legalidade e da reserva legal. 2. PRINCIPIOS DA LEGALIDADE E DA RESERVA LEGAL © principio da legalidade é tratado na Constituicaio como legalidade ampla (art. 58, II) e res- trita (art. 37, caput). Ambos visam proteger o cidadao contra interferéncias indevidas do Esta- do em qualquer de suas fungées. Assim, para o particular, vale a regra segundo a qual a ausén- cia de norma se configura como critério de liberdade de agir e de nao agir. A legalidade desta forma vem consagrada desde as declaragées liberais de direitos dos séculos XVII e XVill, como um contraponto aos Estados Absolutistas e, pois, garantia de nao intervencao do Poder Puiblico sobre a esfera de privacidade dos cidadaos: se nao ha lei, 0 cidado tem seguranca juridica para saber como agir (ou no agir) e prever as consequéncias de tal. De forma complementar, a lega- lidade estrita, aplicavel aos érgdos do Estado ~ notadamente a Administracio Publica, mas tam- bém ao Judiciario— significa que estes esto proibidos de atuar quando no houver lei;® e mais, que, ao mesmo tempo, havendo lei esto obrigados a agir nos termos por ela determinados (po- der-dever). A legalidade € 0 nticleo duro ~ se poderiamos dizer assim ~ da nocao de Estado de Direito. Utilizamos, aqui, 0 termo Estado de Direito em um sentido muito especifico. € conhecido que a origem terminolégica do termo foi empregada por R. von Mohl em 1832 com a publicago do volume inicial de sua obra, Die Poliziewissenschaft den Grundsaetzen des Rechstaates (A ciéncia politica baseada no Estado de Direito).’ Embora em contextos politicos muito diversos, Rule of Law, Rechstaat e Etat légal tém em comum alicercarem uma ideia de juridicidade estatal. Neste ponto, é que se apresenta toda sua complexidade e sua polissemia. O que é juridicidade? © (0) principio da lgalidade tem com finalidade precious limitar 0 poder do Estado impedindo sua utilzagio de forma soins limpedimento do arbivie a pate da norso de legaldade),Nesse sentdo, a Consttulgo estabelece que caberd 20 Poder Legislatvo [orgio de reprecentagso popiir) »funglo precipua de elaborar a lei em nosso ordenament,(.) Com fs, temos segundo 3 ou trina que princinio da legnlidade pode ser observadoe anlsado sob um duploenfoque: «Se apreenta como um garentia ao pert clr contra os possves desmandos do Executive edo proprio Judi; » Se apresenta como base do Estado de Diet, and con formar os comportamentes bs normas jurdicas da quis es li abo maxima expresso” (FERNANDES, Bernardo G. Curso de Direto Constitulona. 9 ed. re., ample atualSalvader.Juspoivm, 2017, p- 562). HORTA, Joré Lue Borges Hstria do Estado de Dri, Sto Paulo: Alameds, 2011 p34. € oportune lambrar, aU que alguns autores cretem a expresio Rechtszustond utiizada por Hegel na Fenomenclogia do Esptite de 1807 como Estado de Dreito (SALGADO, Jo ‘aguim Carles. aparecimente do Estado na "Fenomenclogia do Esplrto” de Hegel. Revista da Faculdade de Diclto, Belo Horizonte, 24,9. 17 out 1976). JUSPODIVM ~ atualizagao para 2* ed. - 16/03/2023 Recorremos a Michel Miaille para explicar a complexidade e ambiguidade da expressiio. 0 termo se refere a Estado e Direito, por isso que essa adic3o complexifica a noc3o empregada, Nesse sentido, até quase ébvio, significa que 0 Estado é definido pela lei e, portanto, vinculado pela lei. Essa postura poderia acomodar, por certo, uma postura positivista que entende que o conjunto de técnicas normativas e o Estado encontra relacao direta com elas, pois seria o pré- prio Estado que institui, organiza e garante o funcionamento das normas juridicas. Naturalmen- te, essa posigdo é insuficiente pois significaria aceitar que qualquer Estado, desde que produrisse direito, seria classificado como Estado de Direito e, ainda, que pudesse existir Direito dentro do Estado. Portanto, se abre a definicdo de uma outra concepgdo de Estado de Direito, que tem relaco no apenas formal, mas substancial na relagio entre Direito e Estado e dai sua complexidade.? A dlassica nogo, empregada dentre outros, por Jacques Chevallier de que 0 objetivo do Es- tado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito'® é uma constante que indica, por um lado, a exigéncia de que a governanca publica pelo Estado seja predicada clareza, consisténcia, estabilidade e prospectividade de suas normas, em um aspecto formal.” Em um emprego subs- tancial, 0 Estado de Direito representa uma abertura a aspectos substanciais nos quais hd uma relacdo intrinseca entre Estado de Direito e Estado Democrético. Dessa forma, o Estado de Direi- to significa uma observancia do Estado pela legalidade e por valores democraticos consubstanci ados nos direitos humanos ou fundamentais. Por isso, se deve falar em um Estado Constitucional Democratico de Direito como expresso para designar o fendmeno moderno de compreenséo de uma relagdo entre a atuacdo do Estado e os limites impostos pela ordem juridica- substancial.”? Nao € nossa intencdo, aqui, fazermos uma reconstrucao de Teoria do Direito para estabe- lecermos o proprio conceito do que é 0 Direito ou 0 que o Direito é. Apenas justificar que a legalidade, aqui entendida a abertura do proprio Direito para as nocées de regras e principios, constitui um aspecto essencial do Estado Democrético de Direito.” Mas a legalidade no se resume apenas ao dado, mas advém como um proceso de legitimidade.™ Por isso, ndo é de- mais falar que legalidade, dentro do Estado Democratico de Direito, é uma regra, principio e procedimento, como manifestaco de um ideal e de um processo que depende do préprio conceito de Direito ou daquilo que se compreende 0 que é 0 Direito."* Essa prépria concepgao da legalidade se abre para além da compreensao de que 0 Direito é Nessa perspective as pesqulsas do movimento do diets alternative implcaram em relevantes cantibulgSes para oentendimento do préprio sentido do iret. Por todos, ver: WOLKMER, Antonio Carles. Pluralism jurideo:fundamentos de uma nova cultura politica {do drsit, 3 ed. So Paulo Alfa Omega, 2001, MAILE, Michel, LEtat de delt comme paradigm. Annuaire de Palique du Nord, tome XK, 1995, CNRS Etions. Disponive em hep:/3an.mmsh.unv-abrvlumes/1995/Pages/AAN-1995-34_46-aspx acesso em 05 de marco de 2021, "© CHEVALIER, Jean Jacques. Etat de doit. Paris: Montchrestion.1992,pL2. "FULLER, Lon. The Morality of tw. Edo revsada, New Haven: Yale University Press, 1964, 5 CANOTILHO, 14. Gomes, Dieto Constitucional e Teoria da Consttulsfo, 72d, Coimbra: medina, 2003 importante salientar um aspecto importante de um tebrico importante do positivism juridico, Joseph Raz, que enfatiza que © proprio dreito eri um arande peigo prs o exerccio abitrrio do poder. O Estado de Direito deve minimiaro perigo crisdo pelo proprio ieito (RAZ, Joseph, The Rule of Law and its Virtue a: The Authority of Law: Essays on Law and Morality. New Yor: Onford University Press, 2009, , 214, 4 uRBERIMAS, Jorgen, Era dae TransgBes, io de Janeiro: Tempo Brasil, 2008, "5 WALDRON, Jeremy. Waldron, Jeremy. The Concept and the Rule of Law. Sibley Lecture Series, 29, 2008, Disponivel em: tps /dgtalcommons la. uge.edu/eg/viewcontent.cearticle-1O288contest-lectures_pre_arch lectures_sibley, acesso em 05 de JUSPODIVM ~ atualizagao para 2* ed. ~ 16/03/2023 aquilo que é estabelecido, positivado, pelo Poder Legislativo, enquanto instituiggo de represen- taco do povo ou da nagao. Essa concep¢do, propria do Estado Liberal de Direito, do Etat Gen- darme, cede lugar a uma nogao substancial de que o direito é o estabelecido a partir de um pro- cedimento de deliberacao e participacao dos seus préprios afetados."* Implicado em seu préprio conceito, a legalidade se manifesta também na chamada reserva legal. € certo que houve mudangas de concepeao e alcance do que se entende por reserva legal desde que esse principio passou a fazer parte do cerne do que é Estado de Direito até hoje. As- sim é que, a partir do momento em que os Direitos Fundamentais, previstos na Constituigao e no Direito Internacional dos Direitos Humanos, so “sindicdveis” perante o Judicidrio, a reserva legal no pode mais significar um poder absoluto dado ao legislador para escolher quando e como ira dar efetividade aqueles através de regulamentacao — por isso a Constituic’o de 1988 dispée que 05 direitos e garantias fundamentais tém aplicacdo imediata (art. 58, §19) e, para tanto, cria o Mandado de Injuncao (art. 52, LXXI) e a Aco Direta de Inconstitucionalidade por Omissao (art. 102), A atividade legislativa, apesar de central, ndo pode, por outro lado, ser empecilho para o pleno usufruto dos direitos fundamentais. Isso vale para a omisséo e também para a aco, isto é, normas que, direta ou indiretamente, restrinjam direitos fundamentais apenas poderdo existir quando a Constituico permita tais limitagdes — ou seja, sobre o legislador incide o que a doutri- nna alema chama de “limites dos limites”, expresso no art. 19, 1 da Lei Fundamental de Bonn..7 ‘Apesar da Constituicdo do Brasil ndo tratar expressamente do tema, ideia similar é decorréncia do préprio sentido do que pretende uma Constitui¢o, sendo reconhecidos tais “limites dos limi- tes” pela doutrina patria.™® Noutro giro, como mostra Bernardo G. Fernandes," o principio da reserva legal é mais restritivo que o da legalidade, isso porque enquanto essa (mais ampla) estabelece apenas que as agdes do Estado devem se pautar em uma norma, dentre quaisquer espécies normativas, 0 principio da reserva legal exige que determinadas questdes apenas possam ser tratadas pelo legislador, isso de forma absoluta ~ isto é, quando a Constituigao estabelece que apenas nor- ma produzida pelo legislador regulamente a matéria- ou relativa- quando a lei deve fixar apenas a orientacao geral, podendo os detalhes serem complementados por ato supralegal. Voltando 4 questéo da possibilidade de restri¢ao dos direitos fundamentais, sobre eles inci- de aquela reserva de lei absoluta, é dizer, apenas poder sofrer contengées naquilo que estiver conforme a Constituicao e desde que advindo de norma em sentido estrito — ato emanado do Legislador ou, eventualmente e de forma limitada, do Executivo na forma de Lei Delegada ou Medida Provisoria.” HABERMAS, Jorgen. Fateidad y Valide: sobre el derecho ye Estado democritce de derecho em términos de teoria del discurso. 6 ‘ed Madrid: Tots, 2010; ver também: HABERMAS, Jrgen Soberania popular como procedimenta: um conceit normative de espago, publica. Novos Estudos Cebrap,n. 26, margo de 1990, p, 100-133, ‘Art 19."(1) Na medida em que, segundo esta Lei Fundamental, um direte fundamental posa ser restringdo porlel ou em vitude de lel ssl tm de ser gendrica eno limitada a um caso particular. Alm isso, all ters de ctr 0 dito fundamental em questo, indicando artigo correspondente’ Ver, €.Se foseererervado 20 legiador 0 poder de concretzar a reserva legaeconforme seu entendimento eavaiagao politica, 08 direitos fundementaisebstratamente garentides poderiam perder qualquer sinifcade peta. A geanti constitucionalretaie, ‘em ditima instncia, nua, abandonando-se, na prtica,o principio da supremacia consttuciona”(DIMOULS, Dimi; MARTINS, Le ‘nerd, Teoria gral dos crits fundamentals SP: Revista dos Tribunals, 2007, 167), % ane Pereira entende que atos de naturer wo podem restringir direitos fundamentals sem que esteom exeeutande ‘omandes legas ou constiucionais PEREIRA, Jane Reis. Interretardo constitucional e dielts fundamentals uma contibugde 20 ‘estudo dos resrigBes os direitos fundamentas na perspective da teovia dos princpios. RU: Renover, 200). JUSPODIVM ~ atualizagao para 2* ed. ~ 16/03/2023 Dessa forma, seré possivel que uma Resolugo (ou ato infralegal similar) do CNJ ou de algum Tribunal possa substituir um juiz no julgamento de um caso por um robé? Entendo que no, pois que mais do que mera questo de legalidade estrita, aqui se tem um problema de reserva legal absoluta, ou, no minimo, relativa — cf. textos constitucionais jé citados (arts. 24, XI, 48, IX e 125, §12), além do art. 22, |: se no caso do legislador se fala em limites dos limites, no caso de atos administrativos hé que se falar em total vedacao, pois que se trata da competéncia de um Poder (lembremos que o art. 22 da Constituicao é um dos Principios Fundamentais) e também porque se trata no minimo de limitar direitos fundamentais como juiz natural, devido processo legal, etc. - no limite, talvez, até se trate de medida “tendente a abolir” nos exatos termos do §42 do art. 60. Falando sobre a Lei Fundamental de Bonn, Luis Greco argumenta que na Alemanha ndo poderia haver a instituic30 do jui principio da reserva da lei que igualmente é previsto na Lei Fundamental (art. 20, III), 0 que impediria tal criago por ato administrativo de um Tribunal ou de érgao similar ao CN”. robé sem lei em sentido estrito. 0 autor também cita 0 Além do argumento de que a instituig0 de um juizo utilize, exclusivamente, de Inteligéncia Artificial para proferir as decisdes jurisdicionais tem um grave problema de legitimidade que, no fundo, também ofende a legalidade. Desde o encontro de Dartmouth em 1956 e 0 esforgo cientifico para a instituicao de uma machine learning, a compreensao da operacionalizagio do aprendizado da maquina parte de instrugdes prévias alocadas por um agente externo. Mesmo admitindo a possibilidade juridica, em tese, da instituigo de que inteligéncias artificiais pudessem desenvolver a atividade jurisdi- cional, deveriamos nos perguntar: qual o melhor modelo? O método & adequado? Os algoritmos so eficazes? Quem determina o melhor modelo? Os pesquisadores? Os juristas? Para além dis- so, qual sera o conceito de Direito empregado pela Inteligéncia Artificial? Um modelo positivis- ta? Nao-positivista? Um jusnaturalista? Como encontrard os principios subjacentes aos casos? Por mais que se possa falar em uma inteligéncia artificial com base em deep learning com enfoque em um aprendizado no supervisionado ou, quando muito, o aprendizado supervisio- nado com parametros basicos definidos — como por exemplo poder-se-ia apenas estabelecer um prévio algoritmo com explicitagio de uma determinada concepgio de Direito~ a questo a ser definida é como relacionar a prépria atividade jurisdicional robética com a legitimidade inerente a esta atividade em um Estado Democrético de Direito. Por dbvio, no que a legitimidade esteja bem definida quando so as mos humanas que exercem a atividade jurisdicional. € que, em se tratando de algoritmos previamente informados, quem seré 0 responsdvel pela informacao? O préprio Tribunal? Pesquisadores da rea de tecnologia nos parecem ser os agentes mais capaci- tados para informar os algoritmos adequados para a atividade deciséria da Inteligéncia Artificial. No entanto, nao deve a ciéncia mesma ser aberta a opinigo publica e a politica? Neste ponto, a critica de Herbert Marcuse parece-nos atual. A légica da racionalidade tecnolégica esconde uma determinada concepedo politica, isto é, um projeto de mundo determinado pelo interesse de classe e pela sua situaco histérica.”” Apenas um agir comunicativo poderia abrandar a domina- “GRECO, Luts Poder de Julgar sem Rasponsabildade de Julgador mpossblldadejurica do jl bd, SP: Marcial Pons, 2020, p. 9. Discordo, no entant, do exemplo dado pelo autor par falar que no Bras a insttugdo do ji-r0b6 podaria acabaracontecendo via Jusisro tend em mira jlgomento, pelo STF, da ADO. n. 26 Ml 4733 sobre a rim ds homotransfobia so poraue 8 ‘analog peca de principio: no exemplo dado pelo autor hd a resolucio de um caso ~ pode-se dscordar da decsto, masse vata de Uma decisfojudcal funded, inclusive, rm ratio decidendifemade mais de 10 anos antes (HC. n- 82424) ¢ que muncssofreu a mes ima critica so ¢ totalmente diferente do CN, em ua funedo administra (no Jursdciona) “legs” sobre jurisdigao riando oj ‘democritic @inclusdo das minorias. Revista da Faculdade de Diteto da UFPR, vol. 60, 2, maio/ago. 2015, p. 177-207. Disponivel ‘em: https: /revstas. ur br] diitofartile/siew/38681, 2 MARCUSE, Herbert. Aideolgia da sciedade industria, Rode nei: Zaher 1973, JUSPODIVM ~ atualizagao para 2* ed. ~ 16/03/2023 ¢A0 pela racionalidade da aco orientada para fins. Neste contexto, a abertura para o médium da interagdo linguisticamente mediada, através do desbloqueio da comunicagdo, permitiria, entdo, a aquisicdo de racionalizacao possivel: A racionalizagao do quadro institucional pode ser operada apenas no médium da interag3o linguisticamente mediada; ou seja, através do desbloqueio da comunicacao. Uma discussao pu- blica, sem entraves e livre de dominagdo acerca da adequacao e desejabilidade dos principios normas que orientam a aco, 3 luz dos efeitos socioculturais dos progressos dos subsistemas de ago racional com respeito a fins — uma comunicagao desse tipo, em todos os ambitos politicos (e repolitizados) dos processos de formagdo da vontade, é 0 unico médium no qual algo como uma racionalizacao é possivel.* Poder-se-ia objetar que a prépria tradicao juridica, coletivamente compartilhada, poderia fornecer os limites linguisticos e, no fim, os cdnones de legitimidade democrética para 0 forne- cimento dos algoritmos pelos pesquisadores da drea de tecnologia que seriam os responséveis por informar a inteligéncia artificial. De outro lado, um outro argumento de obje¢3o também poderia ser feito: deve uma lei, enquanto ato do poder competente pelos discursos de justifi- cago, estabelecer os critérios para a informaco dos algoritmos e, ainda, estabelecer os agen- tes competentes? Seguramente, a legitimidade que estamos aqui referindo é ainda mais profunda. Significa tratar 0 Direito como um empreendimento coletivo que considera os cidadaos como membros de uma comunidade politica de agentes livres e iguais. A prépria nocao de um Direito como em- preendimento humano coletivo seria rompido pela instituicao de um mecanismo decisério de Inteligéncia Artificial. Admitir a existéncia de um juiz-robé significaria inserirmos no abandono de uma concepcao de Direito do Estado Democrético de Direito para entrarmos em um outro para- digma, ainda desconhecido, da prépria concepedo daquilo que o Direito é. Portanto, nao é ape- nas uma questao de forma-legalidade, mas de prépria ilegitimidade da atividade deciséria da Inteligéncia Artificial dentro de um paradigma de Estado Democratico de Direito. 3. COMPETENCIA PARA O EXERCICIO DA JURISDIGAO, DEVIDO PROCESSO LEGAL E JUIZ NATURAL, E muito significativo que o primeiro caso de judicial review, alias, 0 caso através do qual 0 préprio controle de constitucionalidade foi “inventado” tenha sido na discussdo sobre uma lei que modificou competéncia de Tribunal. Em Marbury vs. Madison, julgado pela Suprema Corte dos EUA em 1803, afirmou-se a supremacia da Constituigao e, a0 mesmo tempo, o poder-dever de qualquer juiz como um juiz constitucional e tudo isso pela discussaio de uma lei federal que havia ampliado a competéncia daquela mesma Suprema Corte, 0 que apenas poderia ser feito via Emenda a Constituicgo.”* Ora, se a “mera” ampliagao de competéncias de um Tribunal ndo péde ser feita por lei, o que dizer da retirada do juiz natural de suas fungées para substitui-lo por uma maquina sendo implementada por deciséo administrativa? Tenho duvidas até sobre se isso poderia ser feito sem uma Emenda @ Constituigao que pudesse prever essa novel forma de “prestacao” jurisdicional, pois que importa em modificag3o de competéncia ainda mais grave que a do caso Marbury: nele a mudanga se deu de um grau de jurisdicdo para outro ~ ambos previstos na Constitui¢ao; aqui, a0 contrério, se trata de criar um “juiz” totalmente novo. 2 HABERIWAS, Kirgen.Téeneaecénca como “deolgla.SSo Paulo: Unesp, 2014.12 ara uma revistagzo do caso ver, eg: BAMIA, Alexandre; DINU, Vinicius. Controle de constituionaidade concreto:defese da const {Wigbo e mudengas com oslstema de precedente. Jura Plenum, v.15, n 89, st /out. 2018, p. 45-64, 16/03/2023 JUSPODIVM - atualizagao para 2" ed. Essa discussao se torna mais concreta em nossos termos quando se lembra do que a Consti- tuigdo estabelece acerca do Devido Processo Legal (art. 52, LIV) e da vedagio do Juizo ou Tribu- nal de Exce¢do ou “principio do juiz natural” (art. 5%, XXXVI e Lill).5 © Devido Processo Legal, um principio sendo mais importante, mas certamente basico para se pensar a jurisdicdo desde a Magna Carta de 1215, implica, em sua vertente adjetiva e vertical, que a funco jurisdicional deve ser precedida de lei (Constituicao e lei em sentido estrito) que institua aquele juizo e regule a conduta objeto da aco. Vale lembrar que 0 citado principio da reserva legal se conjuga também com 0 do juizo natu- ral, logo, “[s}endo 0 procedimento estritamente subordinado a reserva legal, todos os atos in- ternos a ele— de sua instauragio ao seu término, com ou sem decisiio de mérito- se mostra dependente de expressa previsio legal”.° Viola, pois, nao sé a reserva legal, mas também o devido proceso legal e o juiz natural, a possibilidade de um robé tomar decisdes (mesmo que seja “apenas” de admissibilidade de re- cursos extraordindrio e especial) sem que isso esteja disciplinado em lei (e acrescento, lei apro- vada apés Emenda & Constitui¢o). © que se teria aqui ¢ muito mais do que um “juiz sem rosto”,2” mas a auséncia mesmo de um magistrado, aderindo ao que argumenta Luis Greco,”* no sentido de que um robé nao pode ser considerado “jui2” para efeito de regularidade de oferta de jurisdigo. A referencia do autor 68 Lei Fundamental de Bonn, cujo art. 101 é em tudo andlogo ao nosso art. 52, XXXVI Concordamos, ademais, & critica de Greco no sentido de que a instituiggo do juiz-robé nada mais € do que uma “reedi¢go do sonho racionalista do juiz como mdquina de subsuncéo"®. Acrescentamos que, na verdade, a quimera de tentar resolver, seja 0 excesso de aces, seja a divergéncia de julgamentos, com o aprisionamento do proceso de conhecimento-interpretacao- aplicagao do direito jé vem sendo tentada no Brasil desde que as reformas processuais do final do século passado comecaram a apostar no (ou melhor numa versio brasileira do) sistema de precedentes: toda uma “Nova Escola da Exegese” surgiu e tem se tornado mainstream no pais, com poucas vozes criticas. Nesse sentido vieram as Sumulas obstativas de recursos, Simulas Vinculantes, Transcendéncia no Recurso de Revista, Repercusséo Geral em Recurso Extraordiné- rio, recursos Extraordinério e Especial Repetitivos, etc. No entanto se trata de uma luta v8, pois que, “do outro lado” esté o ser humano que julga.”” Para uma dlscusio sobre o sentido e 2 funcie dos princpos processual-constitucionals ver: NUNES, Ditle; BAHIA, Alexandre; Pe ‘ron, Flsvio Guinaud, Teoria Geral do Processo. Salvador: huepociam, 2020 % FERNANDES, Bernardo, Curso de Direito Constitucona. cit. 520 © Faxemos referéncia& critica que alguns fatem a respelto da Lei 22.694/2012 que cia figura do juto colegiado para jlgsmento de certs crimes. Sobre sso ver! ROSA, Alexandre M. da; CONOLLY, Rieardo, Democraca e ju2 sem rosto: Problemas da Lel n® 12.694/2012. Revista Libertas UFO, v1, on, 1, fandom. 2013, Disponival om tps Prerodicos flop br:8082/pp/index php /Rbertas/artice/view/251/225, ‘GRECO, Luis. Poder de Julgar sem Responsabildade de Jugadr. cit pdt ss ‘GRECO, Lue. Poder de Jugar sem Responsablidade de Julgador. cit, p. 42. Adela dasce jus “neutra", simples cana plo qua a ei {la, esta presente em autores cassicos come Montesquieu lembrado por Calamandrei: °O ule ndo tem sequer necessidade de ter ‘thes para ver ele é um mecaniame inanimade, uma especie de porta-vat através do qual fala por 3 ‘Bouche dela lo (CALA IMANDREI, Piero, Ees, 0s jules, vistos por um advogado. SP: Martins Fontes, 1997, p. 244) * _TARUFFO, Michele La jursprudencia entre casustica y uniformidad. Revista de Derecho, vo. XXVI n. 2, Dec. 2044, p. 8:19. Disponve ‘er: http: fw silo el pfrevider27n2/ arp, BAHIA, Alexandre, As simula vinclantes © 3 nova Escola da Exegese, Revista de Process, n, 206, ano 37, 9, 359-379, 2012 BAHIA, Alexandre; Sina, Dogo Bache, Transcendantalzarto dos Precedents no Novo CPC ‘eauioeesaceret do efetovneulante, Nemes, v.36, p. 101-118, 2016, Sobre o process de aplicacio do crit come trefe que envolve, ‘20 mesmo tempe, sempre, também a compreensto ea interpreta, ver BAHIA, Alexandre. A Intrpretacloluridica no Estado Democ ico de Direto:contbugio pat da teoia do dscurso de Iurgen Habermas. in: CATON, Marcelo rg} lrsdgfo e Hermenéutica Constituclonal, Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 301-257, Disponivel em: httpr//abre.ai/bx6x JUSPODIVM ~ atualizagao para 2* ed. ~ 16/03/2023 © préximo passo nessa tentativa de estandardizar, a forceps, 0 processo de compreensio- interpretacao-aplicacao do direito é, entdo, eliminar este “outro lado”, substituindo-o por um algoritmo previamente preso programacao. Certamente a utopia de qualquer exegeta: se o homem tem, em si, o “problema” da interpretagdo, elimina-se o homem e, com ele, as garantias constitucionais acima citadas, trocadas pela racionalidade cartesiano-matematica do software. 0 robé néo presta contas de sua decisio, muito menos de suas razdes. Ele no pode olhar nos olhos de quem é afetado pelo seu exerciclo de poder, no pode com ele travar qualquer didlogo humano, ‘nem compreendé-lo (..), mas unicamente simular todas essas atitudes, a black box (..) no é apenas ‘paca, e sim vazia.™* Se é assim, 0 que resta a defesa daquele que teve uma deciséo desfavoravel? Como discutir com uma (pseudo) ciéncia exata? O que se podera argumentar em um eventual recurso? Discutir a programagao do software? Questionar a idoneidade do algoritmo? O que resta do Direito para 0 Tribunais? 4, REFLEXOES EM TORNO DO PAPEL DO JUIZ NO ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO: A INTERPRETAGAO E ATIVIDADE MERAMENTE COGNITIVA? No fundo, discutimos a instituicéo de uma Inteligéncia Artificial que realizaria as atividades decisérias a partir da informacao de algoritmos por uma autoridade administrativa. Por mais que, a longo prazo, pudermos pensar (mero exercicio de utopia) em um deep learning que pu- desse quase abandonar, por completo, a intervencdo humana e pudesse criar inferéncias a partir de dados simples e basicos, hd uma reflexo profunda que deve ser feita em relagao 8 prépria fungi ou ao papel da decisio judicial em um Estado Democréttico de Direito. Se essas utopias so préprias de obras cinematograficas e romances ficcionais, tal como “Eu, Robé” que deu origem & pelicula estrelada por Wiil Smith, podem bem servir como postulados para pensarmos qual a verdadeira atividade humana no processo de compreenséo- interpretacdo-aplicacao do Direito. Como jé dito, a utopia de que a decisao judicial sirva como mera aplicacéo mecdnica- eletrénica-artificial do Direito aos fatos serve mais como uma forma de manuten¢do de um de- terminado modelo de Estado e de Direito. A aplicagao mecénica do Direito, nestes moldes, serviria como cerne para a implantacao do neoliberalismo. Efetivamente, investidores estrangeiros exigem, para sua ldgica econémica, uma espécie de seguranga entendida como o fato de que o Estado nao intervird nas suas relacdes sociais tendentes @ maximizac3o dos lucros. Dessa forma, quanto mais mecénica a aplicacéo do direito, mais poderia criar 0 ambiente favordvel para a liberalizaco dos mercados e a concen- trago na distribuico de renda. Convém lembrarmos, aqui, que essa era a ténica das reformas judiciais que o “Consenso de Washington” impunha aos paises latino-americanos para a conces- so de empréstimos por parte do FMI- Fundo Monetério Internacional.2? 0 que ocorre € a transformacao do Direito em uma andlise metédica quantitativa que mais serve para esconder e GRECO, Luis. Poder de Jlgar sem Responsablidade de Jlgador. ip. 45-46. 0 autor também levanta questo importante quanto & ideiade que apenas pessos (eis) adem cumpriro requisite constiucionel de “uit natural” Economia Scil de Mercado O papel do Estado no desenvolvimento. Cadernos Adenauer, ano X,. 3, 2003, . 37-5, Sus elo com ‘9 Poder luseiro, ver: NUNES, Ore: BAN, Alexandre. Por um nove paredgma processual. Revista da Faculdade Direito do Sul de Minas. 25, p. 7998, janjun 2008; NUNES, Dierle.Prcessojursdcional democratico: uma anise erica das reformas process JUSPODIVM ~ atualizagao para 2* ed. - 16/03/2023 camuflar objetivos que pouco ou nada tém a ver com uma compreenséo democrética.”? Sabe-se que, ao menos desde Kelsen, a interpretacdo-aplicagdo do direito ndo se reduz a uma atividade de mera cognicao. Na Teoria Pura do Direito, em vista de seu propésito tedrico, a solucao encon- trada por Kelsen foi a de reduzir a atividade interpretativa-aplicativa do Direito a um ato de von- tade do julgador e, assim, podemos dizer, um ato de mero de poder do julgador.** No entanto, com as conquistas da psicologia comportamental e a neurociéncia que so, agora, integradas ao Direito,** podemos ver que 0 ato de compreensio- interpretacdo- aplicagao do direito envolve uma complexa dinémica neuronal que nao pode ser reduzido a um ato de mera vontade-liberdade do intérprete. Assim, por exemplo, conforme explica Daniel Kahnemann nossa forma de pensar nao é produto apenas de um raciocinio reflexivo. Ha uma dimensdo neuronal que trabalha em um sistema automatizado de informacdes. Esse sistema automatizado fornece as primeiras impressdes que temos sobre tudo. A partir de intuigdes, de crencas pré-formuladas, o sistema automatizado traduz essas impressdes exteriores para a formulacao de juizos complexos.2® Embora, a decisdo judicial trabalhe especialmente no contexto de justificacdo dada a neces- sidade de fundamentagdo das decisdes, ndo hd duividas de que o contexto da descoberta” é um momento importante para os juizos valorativos préprios da deciséo jurisdicional.>® Assim, no é possivel cindir as duas operagées mentais, do sistema automatizado feita no contexto da desco- berta e do sistema reflexivo no contexto da justificacao, como se fossem operacées auténomas estanques entre si © que é relevante destacar, assim, é que o sistema automatizado joga um papel importan- tissimo para compreendermos 0 papel do julgador em um Estado Democratico de Direito. E a partir dele que as emocdes passam a fazer parte da decisao judicial. No entanto, poder-se-ia objetar que um julgador nao deve julgar com base em emogies, algo extremamente subjetivo e discricionario. A questo, como iremos explicar, é que a emocao nao é o fundamento para a de- ciso, mas ela é capaz de abrir 0 horizonte da empatia, da alteridade, da exterioridade, fazendo com que se possibilite uma compreensao-interpretacao-aplicacao do Direito que esteja para além da dinamica do status quo. E a partir dela que somos levados & fé no Outro ou na palavra do Outro. Em primeiro lugar, Feuerbach, a partir de sua critica a Hegel, afirma que pensar 0 homem como sé razao é esque- cer que o homem é feito a partir de sua carne, de seu ser sensivel, é no se abrir as condices de possibilidade da existéncia. Como a existéncia de algo é apenas percebida e ndo pensada, 0 homem sé existe em comunidade com outro homem.?? PEDRON, Flavio Quinaud, SA, Diogo Bacha; BAHIA, Alexandre. Uma [construc jurldleo-paiftica do drlt processual cl bast lero: Cadiz de Procesto Civ de 2015 coma suparagao de certatraigioautoritara da process. Revita de Process, v. 271, p. 42 % KELSEN, Han. Teoria pura do direito, Bt ed. Séo Paulo; WM Martins Fontes, 2012 % CLLNUNES, Dierle; LUD, Natanael; PEDRON, Fivi. Desconfiando da (im}parialidade dos sujeitos procestuas: um estado sobre os ‘visas cognitives, a mitigarao de seus efeitos eo debasing. Salvador, Juspedivm, 2018 BARTH, Rochelle Cardoso, Neurociéncia eDI- relto:lberdade,raionalidae eresponsablldade, Rl: Lumen lus, 2019, KAHMEMANN, Daniel Répidoe dev 1: dus formas de pensar lo de Janeiro: Objetiva, 2012. Com eit, centistasdizem que ocontento da descobertatrabaha em uma dindmica que extrapole a Kgica: REICHENBACH, Hare The ise of clentific philosophy. Berkeley-Los Angeles, University of California Press, 1968 * ATIENZA, Manuel. As res do dirt. 38 ed. Sio Paulo: Landy, 2003, Conterr também: SHECAIRA, Fabio P.; STRUCHINER, Noel Teoria da argumentacio juries. io de Janeiro: Controponto, 2016. % DUSSEL, Emvque. La analogla de la psabre (el métod anelético yl lesa atinoamericana), Revista de Filosofia, ano X, 1996, 1, 2960. p33. JUSPODIVM ~ atualizagao para 2* ed. ~ 16/03/2023 Giltimo Schelling, o da obra Filosofia da Revelacdo, entende que sé ha revelaco verdadeira enquanto fé, isto é, que a fé na revelacao & condigéo de possibilidade para o conhecimento e é a mais suprema fonte de conhecimento. Contudo, essa revelaco (essa fé) é aquela que nos per- mite ir além da totalidade, tal como nos fala Lévinas em Totalidade e Infinito. € a revelacdio do Outro que se faz no cara-a-cara, isto é, desde sua subjetividade que ndo ¢ a manifestagao dos entes do meu mundo, que nos permite ir além do Iégos, 0 and-légos.*° A analogia verbis é requisito essencial para uma decisao judicial que corresponda a um Direi- to que se pretenda transformador. Quando na epifania da revelaco do outro, no cara a cara, no hd como se inferir um significado preciso. No momento em que o Outro nos interpela e diz: “Tenho fome!” a “fome” teria o mesmo significado no mundo do interpelante e do interpelado? Portanto, nos movemos para entender 0 “mundo” do outro a partir da fé, da “confianca” da palavra do Outro, da analogia fidei.** A partir dessa fé 6 que se abre a fusdo de horizontes no sentido gadameriano. O significado de “fome” vai sendo construido a partir de uma distin¢So e semelhanca analégica do termo nos mundos do interpelante e interpelado. Esse didlogo, certa- mente, acrescentaré e multiplicaré 0 conhecimento do préprio conceito. A interpelacao inicial, “tenho fome”, pode significar, ao final, que “fome” seja uma sede por justi¢a ou por um po, ou até mesmo que o interpelante possa ser desonesto com o interpelado para auferir algum lucro. De qualquer sorte, como nao ha evidéncias ou provas do significado que o interpelante utilizou no momento da abordagem, apenas a fé, a empatia, no Outro como ser humano é que possibili- ta a abertura para a compreensao, interpretacdo e aplicagdo de uma acao."? Ora, entendermos 0 Direito como mecanismo de transformago social é compreender que ele deve ir além da totalidade ontoldgica que nos mantém ligados a uma légica da identida- de/diferenca. O ideal que mantém o Direito preso 8 conservagio do status quo é aquele que propde entender que o Direito é um instrumento para aplicagéo de uma légica formal, mecani- cista entre identidade/diferenca Em um Estado Democratico de Direito onde a Constituicdo coloca como objetivos questées que envolvem a superacdo da légica de dominacao reinante, de forma a se construir uma ordem justa e legitima, somente a revelacdo, a fé, a emocio, a empatia com 0 Outro so capazes de mover o julgador a conhecer do caso por suas especificidades e nuances (a partir do que produ- zido pelas partes em contraditério) e, entéo, julgar. Assim, para além das barreiras “técnicas” expostas quanto & reserva legal, adicionamos: co- mo entra a inteligéncia artificial nessas questées se nao é capaz de sentir? Se nao é capaz de ter 18? Se no é capaz de se emocionar? Sendo resposta negativa para todas, ent&o estamos longe de, legitimamente, substituirmos a came pela maquina na funcao de receber as partes, estudar o caso e “dizer 0 Direito”. © DUSSEL, Enrique Le analog de la palabra. ct ~ atualizagao para 2* ed. ~ 16/03/2023

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