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IMMANUEL KANT textos seletos Enigio Birinciz Tradugao do original alemao por: Raimundo Vier (os pretéclos & Critica de Rario Pure) FlorianG de Sousa Fernandes (os demals textos) Introdugao de Emmanuel Carneiro Ledo 2 Edigéo VOZES Petrdépolis 1985 Resposta & Pergunta: Que é «ésclarecimento»? {«Aufklarung») * (5 de dezembro de 1783, p. 516)* de seu enten- ‘Gimento_sem_a_direcio. ‘de outro individuo. O Agmem éo proprio culpado dessa menoridade se a causa dela nao se encontra na falta de entendimento, mas na falta de de- cisio e coragem de servir-se de si mesmo sem a diregaio de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu préprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento (]. Uma_revolugao_podera_talve: izar &_queda_do_despotismo pessoal ou _da_opressao_avida_de lucros ou de dominios, porém nunca produziré a verdadei- Ya_reforma do modo de pensar. Apenas novos preconcei- tos, assim como os velhos, servirao como cintas para con- duzir a grande massa destituida de pensamento. Para este esclarecimento [«Aufklirung>] porém nada mais se exige sendo LiperpapeE. E a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer um uso piiblico de sua razio em todas as questées. Ougo, agora, porém, exclamar de todos os lados: ndo racio- cineis! O oficial diz: nao raciocineis, mas exercitai-vos! O financista exclama: nao raciocineis, mas pagail O sacerdo- te proclama: nao raciocineis, mas crede! (Um unico se- nhor no mundo diz: raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Eis aqui por toda a parte a limitagio da liberdade. Que limitacao, porém, impede o esclarecimento [«Aufklarung»]? Qual nao o im- pede, e até mesmo o favorece? Respondo: o uso ptiblico de sua razao deve ser sempre livre e sé ele pode realizar o esclarecimento {«Aufklarung»] entre os homens. O uso pri- vado da raz&o pode porém muitas vezes ser muito estrei- tamente limitado, sem contudo por isso impedir notavel- mente o progresso do esclarecimento [«Aufklarungs]. En- tendo contudo sob 0 nome de uso publico de sua propria razio aquele que qualquer homem, enquanto sAsio, faz dela diante do grande publico do mundo letrado. Denomino uso privado agnele que o sabio pode fazer de sua razio em um certs cargo puiblico ou funcdo a ele confiado. Ora, pa- Ta muitas profissGes que se exercem nc interesse da co- munidade, € necess4rio um certo mecanismo, em virtude do qual alguns membros da comimidade devem compor- tar-se de modo exclusivamente passivo para serem condu- zidos pelo governo, mediante wma unanimidade artificial, 194 para finalidades publicas, ou pelo menos devem ser con- tidos para no destruir essa finalidade. Em casos tais, nao é sem _duvida aciocinar, mas _deve-se_obedecer. Na medida, porém, em que esta parte da maquina se con- sidera ao mesmo tempo membro de uma comunidade total, chegando até a sociedade constituida pelos cidadaos de to- do o mundo, portanto na qualidade de sdbio que se dirige a um piiblico, por meio de obras escritas de acordo com seu proprio entendimento, pod ciocinar, sem ue por isso sofram os _negécio: icito em parte como membro passivo. Assim, seria muito prejudi- cial se um oficial, a quem seu superior deu uma ordem, quisesse pér-se a raciocinar em voz alta no servigo a res- peito da conveniéncia ou da utilidade dessa ordem. Deve obedecer. Mas, razoavelmente, nfio se Ihe pode impedir, en- quanto homem versado no assunto, fazer observagées so- bre os erros no servico militar, e expor essas observacdes ao seu publico, para que as julgue. O cidadao nao pode se recusar a efetuar o pagamento dos impostos que sobre ele recaem; até mesmo a desaprovacio impertinente dessas obrigagées, se devem ser pagas por ele, pode ser castiga- da como um escandalo (que poderia causar uma desobe- diéncia geral). Exatamente, apesar disso, nao age contra- riamente ao dever de um cidadao se, como homem instrui- do, expe publicamente suas idéias contra a inconvenién- cia ou a injustica dessas imposicdes. Do mesmo modo tam- bém o sacerdote esta obrigado a fazer seu sermfo aos disci- pulos do catecismo ou a comunidade, de conformidade com o credo da Igreja a que serve, pois foi admitido com esta condic&o. Mas, enquanto sabio, tem completa liberdade, e até_mesmo_o dever, de_dar conhecimento ao ptblico de todas as suas idéias, cuidadosamente examinadas e bem intencionadas, sobre o que ha de erréneo naquele credo, ¢ expor suas propostas no sentido da melhor instituigao da esséncia da religido e da Igreja. Nada existe aqui que pos- sa constituir um peso na consciéncia. Pois aquilo que en- sina em decorréncia de seu cargo como funcionario da Igre- ja, expde-no como algo em relacéo ao qual nao tem o livre poder de ensinar como melhor Ihe parega, mas esta obri- gado a expor segundo a prescrigdo de um outro e em nome deste. Podera dizer: nossa igreja ensina isto ou aquilo; 188 estes sdio os fundamentos comprobatérios de que ela se ser- ve. Tira ent&o toda utilidade pratica para sua comunidade de preceitos que ele mesmo nio subscreveria com inteira conviccio, em cuja apresentagéo pode contudo se compro- meter, porque nio é de todo impossivel que em scus enun- ciados a verdade esteja escondida. Em todo caso, porém, pelo menos nada deve ser encontrado ai que seja contra- ditério com a religiio interior. Pois se acreditasse encon- trar esta contradiggo nao poderia em sa consciéncia de- sempenhar sua fungao, teria de renunciar. Por conseguinte, 9 uso que _um professor empregado faz_de_sua_razdo_dian- te de sua comunidade é¥nicamente_um _uso_privade, por- que & sempre um uso doméstico, por grande que seja a assembléia. Com relagio a esse uso ele, enquanto padre, nao é livre nem tem o direito de sé-lo, porque executa uma incumbéncia estranha. Ja como sdbio, ao contrario, que por meio de suas obras fala para o verdadeiro publico, isto é, 0 mundo, 0 sacerdote, no uso pitblico de sua raziio, goza de ilimitada liberdade de fazer uso de sua propria razio e de falar em sen préprio nome. Pois o fato de os tutores do povo (nas coisas espirituais) deverem ser eles préprios me- nores constitui um absurdo que da em resultado a perpe- tuagdo dos absurdos. Mas nao deveria uma sociedade de eclesidsticos, por exemplo, uma assembléia de clérigos, ou uma respeitavel classe (como a si mesma se denomina entre os holandeses) estar autorizada, sob juramento, a comprometer-se com um certo credo invariavel, a fim de por este modo exercer uma incessante supertutela sobre cada um de seus membros e por meio dela sobre 0 povo, e até mesmo a perpetuar essa tutela? Isto é inteiramente impossivel, digo eu. Tal con- trato, que decidiria afastar para sempre todo ulterior es- clarecimento [«Aufklarung»] do género humano, é simples- mente nulo e sem validade, mesmo que fosse confirmado pelo poder supremo, pelos parlamentos e pelos mais sole- nes tratados de paz. Uma época nao pode se aliar e con- jurar para colocar a seguinte em um estado em que se tor- ne impossivel para esta ampliar seus conhecimentos (par- ticularmente os mais imediatos), purificar-se dos erros e avangar mais no caminho do esclorecimento [«Aufklirungs 1. Isto seria um crime contra a natureza humana, cuja de- 168 terminagao original consiste precisamente neste avanco. E a posteridade esta portanto plenamente justificada em Ft- pelir aquelas decisées, tomadas de modo nao autorizado e criminoso. Quanto ao que se possa estabelecer como lei para um povo, a pedra de toque esté na questao de saber se um povo se poderia ter ele proprio submetido a tal lei. Seria certamente possivel, como se a espera de lei melhor, por determinado e curto prazo, e para introduzir certa or- dem. Ao mesmo tempo, se franquearia a qualquer cidadao, especialmente ao de carreira eclesidstica, na qualidade de sdbio, 0 direito de fazer publicamente, isto é, por meio de obras escritas, seus reparos a possiveis defeitos das ins- tituigdes vigentes. Estas ultimas permaneceriam intactas, até que a compreens&o da natureza de tais coisas se tivesse es- tendido e aprofundado, publicamente, a ponto de tornar- se possivel levar & consideracéo do trono, com base em votagéo, ainda que nfo unanime, uma proposta no sentido de proteger comunidades inclinadas, por sincera conviecio, a normas religiosas modificadas, embora sem detrimento dos que preferissem manter-se fiéis 4s antigas. Mas é abso- lutamente proibido unificar-se em uma constituicéo reli- giosa fixa, de que ninguém tenha publicamente o direito de duvidar, mesmo durante o tempo de vida de um ho- mem, e com isso por assim dizer aniquilar um periodo de tempo na marcha da humanidade no caminho do aperfei- goamento, e torné-lo infecundo e prejudicial para a pos- teridade. Um_homem e respeita_a sua Pessoa, e mesmo assim sé por ee tempo, = sagrados O que, porém, nao @ lich to a um povo decidir com relac&o a si mesmo, menos ain- da um monarea poderia decidir sobre ele, pois sua auto- ridade legislativa repousa justamente no fato de reunir a vontade de todo o povo na sua. Quando cuida de que toda melhoria, verdadeira ou presumida, coincida com a ordem civil, pode deixar em tudo o mais que seus stiditos facam por si mesmos o que julguem necessario fazer para a sal- vaciio de suas almas. Isto nao Ihe importa, mas deve ape- nas evitar que um stidito impeca outro por meios violentos 110 de trabalhar, de acordo com toda sua capacidade, na de- terminacio e na promogio de si. Causa mesmo dano a sua majestade quando se imiscui nesses assuntos, quando sub- mete a vigiléncia do seu governo os escritos nos quais seus stiditos procuram deixar claras suas concepcgdes. O mesmo acontece quando procede assim nao s6 por sua prépria con- cepgao superior, com o que se expée a censura: Caesar non est supra grammaticos, mas também, e ainda em muito maior extensio, quando rebaixa tanto seu poder supremo que chega a apoiar o despotismo espiritual de alguns tiranos em seu Estado contra os demais stditos. Se for feita entdo a pergunta: «vivemos agora em uma época esclarecida [aufgeklarten]»?, a resposta sera: «nio, vivemos em_uma época de esclarecimento [

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