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TE | TEXTOS E DEBATES NUCLEO DE ESTUDOS SOBRE IDENTIDADE 2 Reragoerirmnscn a DESCENDENTES DE AFRICANOS "EM SANTA CATARINA INVISIBILIDADE HISTORICA E SEGREGAGAO TTEXTOS DEBATES slo cderoe denne sintic ‘rodngt e rembo etepequsares, miles de stds © [atte ain Efe pas Nac de Estos sore Heniade © ‘eles nice ds UPSC ‘Cap: Mana Dactngr - Devens tha San Caring, Compose: us res Dae Tempe: Neroede UFSC. TEXTS E DEBATES -NUER/ FPGAS /CFH/UPSC anus Univerat/ UPS Tends - orp SC- Bras, En" ani = Fone (00H 980 Fe (0) D1-97S. lsat meget DESCENDENTES DE AFRICANOS. EM SANTA CATARINA: INVISIBILIDADE HISTORICA E SEGREGAGAO* Ika Boaventura Leite"™ (O EMBRANQUECIMENTO [Bm Santa Catarina, os descendentes de africanos, quando comparados com outros grupos, de outras origens émnicas, tém sido, de um modo geral, considerados como tm grupo minortiio, tanto do ponto de vista demogrifico, quanto do ponto de vista paltico!. O primeiro sentido, 0 demogrific, tem sido reafirmado “Caigso do crcalagd resi Teno publicado em Negras o Sul do Bras Iwuibiidade eTertaralidad, FloianépoliEdtora Leas Contemporieas, 1996, “*Profenors do Doparameno de Anwopoloia e do Programa de Pés- CGradugio ex Antopologn da Univerdade Federal do Santa Carin, Coordesdors do Not 10 concede minora tna instrumental nas Cinsias Soins, sobre ow anos 7, pas exprossr a stwyso do wn grupo enico que em una ‘ciedade nacional penmansceu dutenciad, Po eiios de excuse, pelos times censos, © 0 segundo expressi-se através das Pesquisas historicosociolégicas e dos discursos dos militantes e liderangas negras. (© Estado de Santa Catarina aparece no Censo Demogréfico de 1980 com © menor percentual de negros do pels, Em 1988, por ‘casio das comemorapes do Centenério da Abolig, um jornal de amp circulaggo nacional publicou ¢ comentou exaustivamente esses dads, organizados segundo "A Percentagem de Negros na Populagdo do Brasil" 2. Ai aparecem os cinco Estados de mais baixo percentusl, que seriam: Parané - 2,6%; Santa Catarina - 2,0%; Mato Grosso do Sul - 2,026, Fernando de Noronha - 2.0%; - Amazonas - 1,7%. Se forem considerados estes dados do IBGE, vale lombrar que Santa Catarina é um dos que possui uma maior diversidade dtnica, em se tratando de contingentes espacialmente ‘agrupados, © que nos demais, com excogto do Parand, indigenas ou ‘composigdo étnica inclui maioria de *nativos! inchs, 09 ambos Goffinan, por exemplo, define grupo minorisio como divdios que tn una hs ucla comune (c com Hogan, uma orgca nacional eomum), que tansaitem sun Gags ao longo de Aesendénca auma posgho qi Thes pete exigirsnals de lealdde igus membros © numa pong reatvamentedesanaos na soe Gbe155 2Rangel, R. Casal negro seat peconcito no coiao, alba de S_ Paul, ‘ATT, 9958, Vide tenbén IBGE Como Demogrsen ados-ser ‘icisto. inst, ecudideds, monaade OX Resescaeno- ta do [Baal 1980, Ro de Jane, 1983, p.34-35, 7 escendentes e miscigenados, populago esta que, ‘radicionalmente, tem sido também excluida do conceito © categoria de "branco".Ineressante notar que o mero obtido para Santa Catarina referese a auto-idenificagdo, de onde © Censo ‘pura 91.44% de populagdo que se declara como "branca’ Estes dados, colhidos a parti de uma bem-intencionada mas ‘controvertda metodologia3, se considerados como parimetro para 2 construptio das atuais representagtes © ages politico socias, reyelam uma espéeie de consenso em que Santa Catarina aparece ‘como 0 Estado onde a populagdo considerada “negra” apresenta ‘um dos menores indices no Brasil. A outra parte seria composta por pequena parcela de agorianos, de “Iuso-braileiros fampla maioria de descendentes de europeus, principalmente lems, italianos © poloneses. Este quadro assegurou para Santa Catarina, no cendrio nacional, a imagem nfo apenas de "Estado branco", mas de ‘uma Europa inerustada no Brasil’, de "superioridade racial’, de "desenvolvimento e progresso". A estas ‘imagens soma-se, também, uma de particular importincia, que & 8 de Santa Catarina como 0 "locus" de concretizagio do projeto 30 cnet de sini nc 4 meno tng ana adenine mo tmbringecimento como fom de defese, 14 dca sta questo cm Lee, Ia BO Sertdos da Coren Impure do Nome. Cademos de Cintas ‘Sort. Floiantpali, Depatameato de Ciara Soci, 1988, imigrantista implantado desde meados do século XIX, visendo principalmente o "branqueamento" do pais. Encoberto pelo argumento de que *o pais carecia de uma nacionaidade" (Azevedo, 1987,p.60), este projet, largamente discutido durante @ separagdo politica do Brasil de Portugal, na Jmplantago do regime republicano © sobretudo nas primeiras ‘écadas do século XX, tomou-se imprescindivel na elaboragdo dos signos de “brasilidade” nocessérios & consolidagio da idéia de nagdo brasileira, de um pais *mais branco"4. Verificou-se anos sais tarde que © branqueamento desejado concretizow-se através 4a instalagdo de amplas medias legais para uma imigragdo maciga de europeus em grandes proporgdes e de virias procedéncias entre 1 segunda metade do século passado € a primeira deste, Para tanto, conforme Azevedo (1987, p60), as heterogeneidades foram desconsideradas, ¢ a massa incu e marginalizada, sobretudo de ‘exeseraves, foi tomada pela elite do pais como “inferior, como incapacitada, como representando um entrave Aqusles projetos que pretendiam transformar o pais em uma *verdadeira nago", O tema do negro, segundo esta autora, pastou a ser tratado por faqueles que propunham solugSes ¢ metas, "no no dngulo Iniciaimente proposto ~ 0 da coagdo do ex-escravo © demais ‘4A dolois do branqucamento fi discaida por Skiere1976), Ort(1985) ‘eno context da imlrapio por Azevos( 1987) ° ‘aturats ao trabatho livre mas, sim, no da perspectiva de sua substituigdo pelo imigrante”.Enquanto a autora desereve pare Si0 Paulo nos anos de 1840 um quadro em que grandes propretitios ja fentavam usar os imigrantes nas grandes fazendas e provar que les poderiam, num futuro préximo, subsituir 0 escravo, em Senta Catarina a substituiglo ocorreu por uma via direta, j& que 0 ex- ‘eseravo milo chegou a sequer ingressar no mercado de trabalho welmente na {economia informal. Tudo isto sem contar que as vrias ctapas do assalariado que se abria, mantendo-se inva processo de abolicdo foram concomitantes& implantagéo efetiva da migragdo européia ‘A’ defesa do branqueamento foi undnime, porém diversificads na sua fundamentasdo, Passou por diversas argumentos, mas principalmente pela erenga de que seu sucesso itia ser conseguido pela via do Sul, quer pela presenga irclevante dos negros, quer pela expectativa de intensa mestigagem entre “europeus brancos imigrantes" e “africanos negros ex-eseravos, Uma crenga verdadeiramente romantica, até pelo final feliz para o “branco". Vejamos, por exemplo, 0 que escreveu Silvio Romero (1880, p53) “depots de prestado 0 auilio de que necessita, 0 tipo ‘branco trd tomando a preponderdncia até mostrar-se puro e belo como no vetho mundo. Serd quando jé estiver de todo ‘aclimatado para tal resultado: ~ de um lado a extingao do ndfco afrcano e o desaparecimento constante dos indios, € de outro a imigragdo européia” Prevendo o desspareeimento do indioe também @ do negro pelo cruzamento com o branco, Romero defende o brangueamento ‘como forma de elevar mentalmente © socialmente 0 “tipo brasileiro” pretendido, Seria uma miscigenagto seletva, ja que 0 suposto branco, por uma questio de sobrevivéncia fisica, num cima tio inadequado, previsaria assimilar a forga existente nos habitantes dos trépicos. & explicit o seu empenho neste *slutar* amélgama humane, onde defende uma espécie de vtbria da "raga branca superior” {Hi Rodrigues (apud Leite, 1976) temia que o Sul do pats, colonizado por brancos, se opusesse 20 Norte, dominado por "mesticos indolentes, mas de viva inteligencia”. Para Rodrigues, 10s "povos selvagens", postos em relagio com os "eivilizados", ou se tomavam iguais a estes Gltimos (do que ele no tinha muita cortez) ou se extinguiram. Com maior énfase ou de modo mais disereto, sejam poiadas ou ndo, as feses do branqueemento foram se fortalecendo, quer no plano ideoligico5, quer no plano politcoS, ou no plano ritolégioo”, ‘Apds a Segunda Guerra, a suposia mestigagem © 0 cembranquecimento “racial ¢ social” desejadas por Romero {tomaram-se comprovadamente improcedentes embora seus efeitos sociais j4 fossem visiveis, Menos provavel seria uma separago politica entre o Sul eo Norte, movida por diferengas étnicas, como vislumbrou e temeu Rodrigues, O indio havia sido dizimado pelas expedigtes de aprezamento, o trabalho forgado, as epidemias e auerras8, © © negro até entfo escravizado fora desquaificado culturalmente ¢ encontravase sem qualquer habilitago Profissional, Ambos iro continuar a servir de parimetro na ccomparaco sobre 0 “mérito" das supostas “ragas’. Mais do que isto, servirto para fortalecer as teses que afirmam a superioridade do europeu. © “embranquecimento”, mais do que estatstico, 3 Leite (1976) realiza uma aaiio do supose carte trai, do si8 onstrugioieoigica eo eu eprestanes na itera brass © aan da pra leis ede ages adminsuativas que ido benicar os mints Fxenshegadas, cm detent do nis, nro cabal. “sbeeo“mito das sag, vide Ds Mata 198. 8Vide SANTOS, Sivio Cocth. Indios e braneor no Su! do Brasil — a tama esperincia dos Xotleng. Por Alege, Movinenic, Brasiia, icPrMemoxaTNT, 1987 procedia-se movido pelos pressupostos ideoldgicos que necessitavam negar sua presenga para construlrem 0 "vazi ‘ocupado pelos imigrantes. Festa idéia de brancura, de desenvolvimento e progresso das ragas, foi reforgada, mesmo que indiretamente 20 longo deste séeulo XX, através de muitos textos cientticns, inclusive por alguns deles que se propuseram_a mostrar a *reelidade” dos negros do Sul. Os mitos da superiridade into resist no interior dos ndrodos de pesquisa adotados, através dos tipos de questdes que sero claboradas, nas comparagBes e nos pressupostos tedricos gerais, através dos quais os autores iro inser “0 caso de Santa Catarina’, Procurareidemonstrar como se procedem tais ‘observagbes também responder por que, até os dias atuais, poueo se sabe sobre esta populace, Nio se trata, aqui, de desconhecer a importincia das contribuigSies da historiografia que tnalisa o sistema escravisla em Santa Catarina - contribuigdes estas que foram capazes de ampliar o olhar sobre a sociedade brasileira abrangente, identifieando uma regido ou provesso histérico especifico no contexto das froneiras nacionais. Mas, 0 contririo, de analisar como se construram tais perspectivas ¢ de ‘propor algumas revis6es, & luz de novas questbes que se fazem pertinentes na atualidade. AINVISIBILIDADE, A grande maior das pesquisas que enfocam a contribuigo dos descendentes de atticanos no Sul do Brasil afirma @ sua especifcidade em relagto as outras regides do Brasil, Sobretudo ‘0 examiner 0s Estados do Rio Grande do Sul e Santa Cetarina, cduas especificidades so apantadas: primeira, fundamentada & partir de uma andlise do passado colonial, afirma que o negro teve «tem presenga rar, inexpressiva ou insigniicantee atrbui a isto a aauséncia de um grande sistema escravisia voltado para a cexportaglo, como ocorreu em outras regibes do Brasil Parte do pressuposto de que, de um modo ou de outro, somente 0 passado cexplica o presente. A segunda, menos explicita porém nao menos Jmportante, sugere que em algumas areas © em certes tipos de atividade, existram relagdes mais democriticas © igualitirias [Estas relagdes seria decorrentes sobretudo, do modelo ‘econémico implantado e de um menor contingente de eseravos tal ‘como em anteriores dreas de exploragdo colonial, Essas especifcidades, nem sempre assumidas nos textos, ceonstituem pano de fundo na construgio dos argumentos que into produzr as representagBes sobre o papel desempenhado pelos egros na histria a sua contribuiglo até os dias atuais, Estando fem sua maioria inter-relacionadss, irlo, com maior ou menor Safi, chamar a atengto desta a espcifcdade do Sul, sm contudo sufcientementeexplici-la, contibuindo esim para ume simplfieaglo da histéria do. negro nesta regiio do. Brasil sfinmando tanto 0 particular pelo gerl, como © presente pelo pssado, local peo regional e assim por diate. Ao anlisar esses textos, pude conchir que também ai, na literatura centfia, 0 negro € invisibilizado, sea porque no intencionam revelar a tiv contibuigo destes, sea porque os textos vo se deter na sua auséncia, na eafimaglo de uma suposta inexpessividae. Seus efeitos podem ser observadosnaspriticas plitcasstuis: 0s arguments da “insgnifiincia umsrica® do negro no Sul causam impacto ou imobilzam até os militants da causa negra ‘A invisbildade do negro & um dos suportes da ideologia do branqueamento, podendo ser idntiticad em diferentes tpos de ‘rtiase epresentagdes. A nogdo de invisibilidae, utiliza por ‘ios autores para caracterizar a stuagio do negro, fi ulizada pela primera vez na literatura flcsional americana por Elson (1990) para deseever 0 mecanismo de manifetagdo do racism nos Estados Unidos, sobretudo na entrada dos ex-esravos e seus descendentes no mercado de trabalho asalarado € as rlagdes sociais decorentes de sua nova condo € status. Elson procura ‘demonstrar que 0 mecanismo da invisbiliade se process pela produgdo de um certo olhar que nega sua existéneia como forma de resolver a impossibilidade de bani-lo totalmente da sociedade. (Ou seja, nfo & que o negro nio seja visto, mas sim, que ele é visio ‘como ndo existent B interessante observar que este mecanismo, Postetiormente percebido também no Brasil, ocorre em diferentes regides ¢ contexts, revelando-se como uma das principas formas de 0 racismo se manifestar. Como um dispositivo de negagio do Oui, muitas vezes inconsciente, ¢ produtor e repradutor do racismo, A invisbilidade pode ocorrer no ambito individual, coletivo, nas ages institucionas,ofcias € nos textos cientificos 1Na literatura sobre Santa Catarina, deparei-me com wechos ‘ou pessagens, em sua maioria de inspiragdo positivsta!0, que ‘explicam © sucesso econdmico do Estado sempre alribuindo-o ‘exclusivamente & colonizaglo com europeus, superdimensionando ‘© imigrante, ao invés de se deter pormenorizadamente no conjunto de varveis que © colocaram nessa posigHo privilegiads, soja quanto ao avesso a terra seja quanto aos processos produtivas que indo se implantar ao longo de sua fixaglo no territrio. Ou mesmno, ° const mencionado por FERNANDES Flea. Sipeade do Proves Negra Sho Pio, Cae, 189, HASENBALG, Cane SILVA, Neon Jo Yale. Exar Soto, Mobidde ea Sao PouiRio de ant, VerioslU PERU, 1988's BANDEIRA, Marta de Lowes.» Ter Negras lnvniddeetpopadoa Testor ¢ Debate. Focal, NUER, #801 22, 190, p72 ‘Wapcates pads a oui de Augusto Comte, cada a 0 dsenvineri = popes das Nagdesns paps Ss ete cena desconhecendo 9 outro lado, © dos projetos facassados, incorrendo com esta omissio numa reafimmagio da idéia de superioridade racial flaciosa, “Muitos sto os mitos construidos através destas asertivas. A de que a escravidao ai teria sido mais branda porque o senhor possuia menor nimero de escravos ¢ trabalheva lado a lado com seu eseravo. A de que no Sul houve menos diseriminaglo racial © se construiu um sistema de posigbes sociais mais igualitirias Porque os negros eram raros © no ameagaram os interesses dos ‘rancos. Fsses mitos beiram a ingenuidade, o simplismo, mas rmuitas vezes por tris deles se esconde uma jusiicativa para 0 "esquecimento’, para a aceitaplo da desigualdade, ou para a afirmagao da suposta democracia racial. ABISTORIA Desde os primeiros tempos da colonizago portuguesa, 0 Iitral de Santa Catarina caracterizou-se pela média © pequena propriedade © pela policultura. Este aspecto foi suficente para limitar 0 interesse pelo sistema escravista aqui implantado. As cexplicagses sobre este sistema e a formaglo do Estado invariavelmente pariv das comparag6es com a economia de “plantation, com os ciclos econdmicos voliados para a exportagto, Contaminados pela dtica colonialist, também os viajantes © 08

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