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SADBALS E CALUNDUS ma verdade, 2 almatinha que ficou tanio tempo desconsolada ¢ errante depois que, ainda tio verde e indefesa, se viu obrigada a abando- nar corpo do Alferes Brando Galvio, nfo era originalmente uma alma brasileira, pois ¢ muito dificil que as alms se destinem a nascer -nle numa ncionalidade qualquer, ou venham a apegar-se a alguma.” Joao Ubaldo Ribeiro, Viva 0 Povo Brasileiro © mundo convulionado e agonizante que-se desestruturou a partir do século XIV, buscando novas solugGes para a rearticulagdo de sua vida econémica, politica e social, foi também o que se langou — e por isso mesmo — a procura de novos mercados, deixando-se enredar por um misto de alracdo e panico do desconhecido, ora te- cendo consideragées positivas (edénicas), ora negativas (demoniacas) sobre as terras que se iam desvendando ante seus olhos. A compre- ensio dé yertente negativa que constituiu 0 imaginario do descobri- dor — logo transformado em colonizador de novas terras — é de suma importdncia para melhor entender a maneira como reagiu ante as priticas magicas demoniacas ou 0 modo como se deixou levar por elas O homem europeu do final da Idade Média e inicios da Epoca Moderna acreditava na exisiéncia de humanidades monstruosas que habitavam os confins do mundo entao conhecido. Com a insergao do Novo Mundo no horizonte europeu, verificou-se um deslocamento no universo imagindrio: as humanidades monstruosas se associaram aos habitantes das terras americanas, mas, a diferenca do que acontecia na Europa, passaram a ser demonizadas. Relatos quinhentistas como os de Léry e Thevet buscavam um fio condutor que unisse o sabbat as cerimSnias indigenas. Como observou Certeau, acreditava-se que © explorador/missionério funcionava como um exorcista dos demé- nios americanos. A feiticaria no Brasil colonial se superpés & humanidade invidvel, demonizando-a ainda mais. A relacdo entre uma e outra foi carac- teristica da dimensdo colonial do fendmeno, conferindo-lhe especifi- cidade. Na Europa, costumava-se desde a Idade Média animalizar as classes subalternas. Os “masterless men” eram freqiientemente vistos 371 da sociedade. No Brasil, inicialmente disse respeito aos indios, mas logo passou a qualificar os negros, estendendo-se, por fim, também aos demais colonos. £ verdade que os homens bons eram assim cha- mados em oposicao a outros, maus ¢ integrantes das camadas menos privilegiadas. Entretanto, discursos setecentistas como os de Assumar sugerem que atributos animalescos e demonjacos qualificavam antes a condigao de colono do que determinada camada social. Quando este governante se referia aos colonos como “raga de deménios”, no pensava apenas nos homens maus (escravos e desclassificados), mas também nos grandes potentados que arriscavam o enfrentamento ‘com 0 fisco metropolitano, sempre insuflando a infernal revolta. A infernalizagao da colnia e sua insergdo no conjunto dos mitos edémicos elaborados pelos europeus caminharam juntas. Céu e Inferno se alternavam no horizonte do colonizador, passando paulatinamente a integrar também o universo dos colonos e dando ainda espago para que, entre eles, se imiscuisse o Purgat6rio. Durante todo o processo de colonizacao, desenvolveu-se pois uma justificacdo ideolégica anco- rada na Fé e na sua negacdo, utilizando e reelaborando as imagens do Céu, do Inferno e do Purgatério. Num cronista como Jaboatio, a alternancia entre Bem e Mal é transparente: a histéria da fixagdo do colono a terra e do seu confronto com os indios se utiliza larga- mente das imagens de Céu e Inferno. J4 com Antonil, h4 o recurso & idéia da colénia como Purgatério de penas e do principal produto colonial: 0 agticar, que o esforco humano refina e torna branco, Céu, Inferno ¢ Purgatério alternavam-se portanto na montagem do Sistema Colonial. Na relagéo metrépole-colénia, esta assumia muitas vezes a feigao de elemento purgador das mazelas sociais da primeira: era o ergéstulo de seus delingiientes, o local da reinvengao da escravidao moderna, fortemente contrastante com o trabalho assa- lariado nascente que, na mesma época, se instaurava nos centros metropolitanos. Assim, aqui florescia o escravismo, e sobre ele se assentava a exploraco colonial; 1é, 0 salariato se generalizava como forma de pagamento da forca de trabalho. Parte integrante da cultura de tantos povos, a visio paradisfaca foi, neste momento histérico, instrumentalizada pelas camadas dirigentes, convertendo-se em cha- mariz de gente e em elemento constitutivo da ideologia colonizadora. Povoar a colénia significava, também, purgar a metrdpole: néo ape- nas dos elementos humanos “doentes” mas ainda das formas de exploracéo compulséria do trabalho. A Europa abandonava paulati- namente as gradacGes do trabalho servil — base do sistema feudal — 3572 escravos. A lerra Prometidd, o Eldorado das lendas, o Paraiso Terreal que @ imaginacdo européic, apés longas peregrinagdes imagindrias, transpusera para a América, passava também a abrigar o inferno da escravidao. Desta forma, a reinvengdo da escravidao, ou, para ser mais cor- reta, 0 nascimento da escravidio modema, propiciou a exploragao da paradisfaca terra americana, trazendo imediatamente em seu bojo, € como sua condigao, 0 inferno para os desgragados escravos. Explo- rando até o limite o trabalho compulsério destes seres danados, 0 branco se viu fadado a viver em purgatério, usufruindo as riquezas que ele nao criava e, por isso mesmo, tendo que pagar suas penas, que conviver com o terrivel ser-e-ndoser de ver-se branco numa terra de negros, livre numa tern de cativos, cristio em terra de pagios. © purgatério do branco, tal como surge na formulagdo de Antonil, parece ser este medir-se constante com a terrivel contradigao do coti- diano da colénia. Houve momentos de dominancia de um e de outro tema: o da infernalizagao, 0 da invengio edénica. Sérgio Buarque de Holanda chamou a atengao para o féto de a polémica acerca do Novo Mundo lo de fato no século XVIII, quando se desvanecera a idealidade inicial e comecava a surgir 0 aspecto “danado” das coldnias: terras palidicas, inéspites, habitades por homens e por animais degenerados, portadores dos germes da rebeliao. Ora, entre a visdo paradisiaca ¢ 0 seu contrério haviam-se passado dois séculos: aqueles em que se montov o tréfico, a exploracao desenfreada do negro afticano enquanto mio-de-obra escrava. © escravismo contri- bufra decisivamente para conferir 20 Novo Mundo o seu caréter negativo, danado, infernal: nao s6 pela ma consciéncia do europeu que vivia as expensas da exploracio ultramarina, vendo-se a cada momento compelido a justificar a escravizag&o de seu semelhante — donde o lado negativo da polémicz, a inferioridade das terras ame- ricanas, que aparece tanto nos autores utilizados por Gerbi —, como pelo perigo iminente que o ntimero superior de escravos negros acarretava & ordem estabekcida, & continuidade da dominagdo co- lonial. Do século XVIII sio os textos inflamados de Assumar ne- gando ao colono mestigo ¢ a0 escravo negro a condigao humana; do século XVIII € a Inconfidéncia Mineira, em que a tomada de cons- ciéncia da condigao colonial escamoteia 0 problema do escravismo e como que “salva” 0 status quo escravista: para os insurretos, 0 cerne da questéo é a dependéncia ante a metrépole, e nao o sistema 373 SSMICeiras portuguesas para © brasil: repensava-se, talvez, a fun¢cSo purgadora da colénia, que, mais do que nunca, tomava a feigao de um gigantesco Inferno. No imaginario do homem moderno, Céu e Inferno constitufam-se em elementos bifrontes; na religiosidade popular da colénia, sagrado © profano se entreteciam e se apartavam, como no dragio popular analisado por Le Goff. Era o reino da ambigiiidade, do indistinto, do multifacetado, os sincretismos banhando a vida religiosa e esca- pando por entre as fendas deixadas pelo esforgo catequético dos jesuitas. Neste contexto, as Visitagdes Inquisitoriais e as Devassas constituiram momentos terriveis em que a fissura se fazia funda ¢ expunha os desniveis entre dois mundos inconciliéveis: 0 da Inqui- sigdo e 0 da religiosidade popular. Como poderia a religifo metropo- litana, prisioneira do formalismo da Reforma Cat6lica, calar fundo no cotidiano imprevisto, cadtico e impregnado de ritos indigenas e africanos que era o das populagées coloniais? Como evitar o conflito entre a rigidez religiosa vigilante da Inquisi¢go portuguesa e a reali- dade do catolicismo colonial? © caldo constitutive das crengas populares ¢ da religiosidade especifica, que tio bem transparece na documentagio das Visitagdes coloniais, compunha-se de maior familiaridade com a esfera divi a, de uma naturalidade mais acentuada com o mundo do sexo ¢, j sob © signo da Igreja Reformada, da identificagao entre sexo ¢ diabo, Possivel indicio do corte dissolvedor provocado pela moral crista. Havia grande necessidade em blasfemar, em teorizar livremente — como Mennocchio — sobre as coisas da religiao, procurando, assim, impedir que 0 Deus catélico se tornasse frio, ausente, distante € intangivel. Mai agoitava o crucifixo por ser judeu ou se um outro duvidava do Purgat6rio por ser calvinista, ha pois que compreender as atitudes © reagGes de um e outro a luz de uma religiosidade especifica, multi- facetada, sincrética, e que era a religiosidade da colénia. Para ela, castigar Santo Antonio, colocando-o de cabega para baixo ou detrds da porta, era um procedimento usual, € trazer 0 Purgatério para este mundo, para o toco detrés da ponte nJo era sendo prever, dois séculos antes, 0 discurso de um soldado de Cristo: o jesuita Antonil, Para quem a colénia era inferno de negros, paraiso de mulatos e purgatério de brancos como ele. A este mundo que dessacralizava a religido, reinventava o tra- balho escravo, convivia cotidianamente com as alteridades do negro, do indio e, do ponto de vista destes, com a do branco colonizador; 374 geneizar suas diferencas, atrelava-se a feiticaria colonial. Como 0 imaginério do descobridor europeu, como a religiosi- dade popular, da qual fazia parte, a feiticaria colonial era mul forme ¢ heterogénea, constituida besicamente por duas partes que integravam um mesmo todo: um fundo de préticas magicas caracte- risticas de culturas primitivas (africana e indigena) e um fundo de praticas magicas caracteristicas das populacdes européias, fortemente impregnadas de um pagenismo secular que pulsava sob a cris zagao recente e “‘imperfeita”. Sua natureza também bifronte desfoca a anélise ora para o privilegiamento do que é comum em relagdo as praticas magicss e 2 feiticaria, ora para o que é especifico a realidade colonial. Feiticaria ¢ religiosidde popular apresentavam-se assim extre- mamente multifacetadas, agregando concepgées e crengas diversas. Durante 0 processo de colonizaciio, esta complexidade cresceu, aca- bando por tomar feigao tipicamente colonial. Houve momentos de tolerancia a elas: Femao Cabral e 2 “Santidade”, Antonil ¢ a com- placéncia ante o catolicismo sincrético dos escravos. Mas o tom geral foi dado pela intolerancia e pelo reptidio as praticas mAgico-religiosas especificamente coloniais. Os momentos méximos deste reptidio € desta intolerancia foram as Visitagdes, as Devassas, as perseguigdes encetadas pelos comissérios familiares do Santo Oficio em terras brasileiras. A feiticaria colonial se engastava na vida cotidiana da popu- lacdo, notadamente 2 das camadas mais pobres. Eram os vizinhos que se delatavam mutuamente, espiando o quintal alheio por sobre © varal de roupa ou através da cerca diviséria, colando os ouvidos contra as paredes-meias, colhendo informagdes em conversas didrias na porta das vendas, da igreja, na esquina, na janela. Procuravam-se feiticeiras para filtros de amor, para ensinarem palavras mégicas que mantivessem sempre enamorado o parceiro, para desvendar segredos, prever o futuro, fazer retornar navios desgarrados nos mares da {ndia ou da Africa, curar chagas, fechar feridas, benzer animais viti- mados por bicheiras. Sobre elas, a comunidade despejava seus demé- nios internos, suas angiistias, diividas, inceriezas. Seus depoimentos desvendam parte importante do inconsciente coletivo, dos sonhos de cada um. No delirio erdtico que, sob tortura, o escravo negro José Francisco Pereira desnuda os inquisidores, 0 diabo que 0 possui € € possuido por ele aparece sempre na forma de homem ou mulher branca: jé que se vira compelido a confessar pecados medonhos, que 375 Bil. or aiealliaaal Ce ee a a oe dizia amante do diabo, que a deflorava e lhe aparecia sempre na forma de um homem preto, resgatando-a do desprezo que provavel- mente Ihe votavam os homens de sua condicao. Nas ceriménias escusas a que acorria a populacSo cabocla e indigena do Estado do Grao-Paré, eram as préticas mégicas aut6ctones que buscavam afir- mag&o no seio da comunidade, tentando nao esboroar ante 0 impacto da cultura lusa. No plano concreto, tem-se portanto a insergao da feitigaria na vida diéria. A repressio e o repddio a ela apontam porém para a existéncia de um grande corte ocorrido no final da Idade Média, € que ajuda a esclarecer o comportamento das elites ante estes préticas até ento comuns. Com ele, operava-se um processo de repiidio do universo popular por parte do erudito: foi o contexto em que vicejou @ caca as bruxas. As reformas religiosas européias e a consolidagao dos modernos aparelhos de poder ajudaram a aprofundar esta fissura. Constituiram-se simultaneamente em indicios e desencadeadores do divéreio operado entre cultura hegemSnica e cultura subslterna — Para usar a expressao de Gramsci. Na Idade Média, haviam existido correntes populares extremamente favordveis a tolerdncia religiosa; na Epoca Modema, viram-se soterradas peles guerras de religifo, pelas fogueiras que queimavam feiticeiras, judeus, heréticos. Houvera ruptura violenta, ¢ a feiticeira de aldeia a quem todos acorriam € com a qual conviviam diariamente sem temores tornara-se um ini- migo a exterminar. ‘Com os olhos na ruptura, pode-se cogitar que, entao, o discurso repressivo destacou a figura do deménio do seio das praticas mégi- cas, do folclore, enfim, do interior da cultura das camadas populares, isolando-a e provocando alteracdes no seu significado. Na nova situa- 0, seria como se, do diabo, s6 se tomasse a viruléncia, s6 se ressal- tasse a negatividade. A feiticaria moderna surgitia como um fruto desse desequilibrio, do destaque que o saber erudito passou a dar a0 deménio em detrimento de suas conexdes com o todo constitufdo pelas praticas mégicas. Constatar isto nao é endossar irrestritamente a tese do Mandrou, segundo-a qual a feiticaria se define a partir da camada erudita que a reprime, teoriza sobre sua repressio ou deixa de teorizar sobre ela. E ir além: € aventar a possibilidade de que as profundas alteragdes em curso na abertura da Epoca Moderna desestruturem simultaneamente o saber erudito e 0 popular, fazendo com que esta desestruturacdo interaja nos diferentes niveis de modo simultaneo ¢ intrincado. 376 texto, representando respostas possiveis das camadas superiores ante as convulsdes, das quais também eram protagonistas as classes subs ternas. Para melhor enquadrélas, havia que assombrélas com a ameaca da negacdo da catequese, com o perigo da forga que traba- Ihava surda e ininterrupta para perdé-la. Talvez dai a definigao de feiticaria a partir do pacto demonfaco. Mesmo que se entenda a clivagem no seio das praticas mégicas como inicialmente desencadeads pelas atitudes da camada dominante, ha que nuancar. Primeiramente, considerando-se o século XVI como momento de ruptura entre cultura de elite e cultura popular; levan- do-se mais adiante esta afirmacéo, poder-se-ia dizer que, rompertdo, o saber erudito destacou 0 deménio de seu contexto anterior ¢ distor- ceu-lhe 0 significado, abandonando a antiga conexéo. A seguir, € necessério levar em conta que, se o saber erudito “demoniza” a magia na Epoca Moderna e distorce a dinamica interna até entao inerente ao universo mégico, esta demonizagao acaba determinando a praxis dos que exercem a magia e que comecam a endosar a ideologia difundida pelos repressores. O deménio cotidiano dos colonos tinha varias feces. Em alguns momentos, aparecia com tragos arcaicos, que talvez a condigo colo- nial perpetuasse, enquanto na Europa comecavam a ceder lugar a outros, mais tragicos. Aqui, o diabo tinha ainda os tragos familiares da tradigfo folclérica, a ambigiiidade propria a cultura popular. Diabos podiam ser invocados a cada instante para ajudar no jogo de cartas, para servirem de coniventes amistosos em desabafos verbais. Acoplando-se a reaJidade nova — a colonial —, estes tragos arcaicos e referentes ainda a magia de conjuro ganhavam nova forma: dei- xavam de ser medievais para, no novo contexto, se recombinarem e se tornarem coloniais. Coexistiram com outros, com a passividade moderna ante 0 diabo, que treduzia ecos das formulagdes demono- Iogicas e das teorizagdes acerca do pacto: desta forma, o nivel erudito acabava impregnando o popular. Os piccs da viruléacia demonfaca aparecem justamente no espaco privilegiado dos discursos imbricados: ‘os processos, quando os colonos abandonam a antiga familiaridade com 0 deménio e se mostram sujeitos a ele. O temor da repressdo, 0 contato com os editais do Santo Officio que se liam nas vilas por ocasiao das VisitagSes contribuiram deci- sivamente para que os tragos arcaicos se modernizassem e 0 diabo se tornasse o ser terrivel das bulas papais, do Malleus, de Sprenger e Kramer, da Demonomania, de Bodin. Assim como os jesuitas haviam 377 er tee ee ne ae ae ee ie contribuiu para que o diabo ganhass: dimensao virulenta na vida cotidiana dos colonos. No sé:ulo XVIII, o terrivel moralista que foi Nuno Marques Pereira veria sabbats 10s calundus coloniais. No século XVIII, portanto, o saber erudito tinha concepgio acabada acerca das manifestagdes mégicoreligiosas da colénia. No século XVIII, a populacao colonial fixera formas especificas de magia € feitigaria: as bolsas, os calundus, os catimbés. Dos 20 casos de bolsas de mandinga encontredos no periodo colonial, 19 ocorreram nesse século. A totalidade dos calundus ¢ catimbés que originaram Processos ou ocasionaram dentincias encontra-se também no século XVII. Foi assim, no cruzamento de concepcées e discursos vétios, que se elaborou uma feiticaria colonial. Ela foi simultaneamente objeto de colagem complexa € origem de novas sinteses: hoje, a Maria Pa- dilha das oragdes setecentistas de conjuro é pomba-gira da umbanda. No plano da magia ¢ da religiao, os sincretismos acabariam por se mostrar irreprimiveis e inextinguiveis; sobre elas incidiria sempre a marca ambigua da cultura popular, que misturava sagrado e profano. Deixando pelo caminho mortes e sofrmentos atrozes, o longo pro- cesso de aculturacdo acabou por fundir sabbats, missas ¢ calundus. Em Salvador, no ano de 1983, vi uma mora da Bahiatursa responder da seguinte forma a um turista francés desejoso de saber se a lava- gem do Bonfim era uma festa religion: “£ religiosa, e € também profana”. Nao encontrei mais o turisa, mas posso imaginar sua expresso entre perplexa e deslumbrada com o carnaval ensurdecedor que se desenrolaria ante as escadas do templo mais venerado da Bahia. 378 Se TABELAS CRONOLOGIA Constituizac do aparelho inquisitorial Repressio feitigaria na Europa Constituigao da demonologia 1528 1536 1540 1541 1547 1552 1560 1570 1571 1591 1610 1613 1618 1640 CONSTITUICAO DO APARELHO INQUISITORIAL * — Primeito Auto de Fé no Novo Mundo (México). — Bula “Cum ad nihil magis” esiabelece Inquisigao em Portugal. — Primeiro Auto de Fé em Lisboa. — Primeitas instrugSes da Inquisigio. Funcionam tribunais em Evo- ra, Lisboa, Porto, Coimbra, Tomar e Lamego. — Bula “Meditatio cordis", que confere & Inquisigao portuguesa poderes semelhantes ao da Inguisigéo espanhola (processo sig low, jurisprudéncia particular). — Primeiro Regimento da Inquisiglo. — Criagéo do Tribunal em Goa (nico do mundo colonial). — Santo Oficio instituido no Pers. — Santo Oficio instituido oficianente no México. — Primeira Visitago ao Brasil: Bahia ¢ Pernambuco (Heitor Fur- tado de Mendonca). — Tribunal em Cartagena. — Regimento da Inquisigao. — Segunda Visitaeio a0 Brasil — — Regimento da Inquisigao. ia (Marcos Teixeira). 1763-1768 — Terceira Visitagao ao Brasil — Gréo-Pardé © Maranhio (Geraldo 1821 (1) Fei José de branches). — Extinglo da Inquisigéo Portuguesa. com base em cronologia mais ampla de Francisco Bethencourt, “Campo religioso © Inquisigéo em Portugil no século XVI". 381 REPRESSAO A FEITICARIA NA EUROPA 1450-1700 — 20.000 pessoss queimadas na Europa. 1560-1650 — Pico da represso 2 feiticaria na Europa. 1781 — Ultima execuzao ma Europa. 1400-1700 — 5.417 execugées na Suiga. 1500-1525 — Perseguigdes macigas nos Alpes italianos. 1509-1646 — 366 execucdes na Bélgica. 1537-1683 — 1.365 execugées no Jura, Franga. 1552-1722 — 549 execugées em Veneza, Itéli 1559 — 5 execugdes em Lisboa, Portugal. 1561-1670 — 5.229 execugdes no Sudoeste da Alemanha. 1576-1606 — 2.000/3.000 execugées na Lorena, Franca. 1577 — 400 execugdes no Languedoc, Frangé 1610 — Julgamento de Logrofo, Espanha. 1611 — Possessiio de Aix-enProvence, Franga (Madeleine de La Palud X Gaufridy), 1612 — Julgamento de Lancashire, Inglaterra. 1616-1619 — 300 execugses na Catalunha, Espanhe. 1626 = — 1 execucao em Evora, Portugal. 1634 — Possessiio de Londun, Franca (Joana dos Anjos X Urbsin Gran- dier). 1645-1647 — Pico da repressdo na Inglaterra; atuago de Mattew-Hopkins. 1647 — Possessio de Louviers, Franga (Madeleine Bavent X Thomas Boullé). 1660-1670 — 70 execugdes na Suécia. 1665-1684 — 152 execugdes na Finlindia 1682 — Ordenagdo Real que descriminaliza feitigaria na Franga. 1692 — Processo de Salem, Nova Inglaterra. 1694 | — I execugdo em Lisboa, Portugal. 1701-1750 — Pico da repressio na PolSnia. 1712 — Ultima execugéo na Inglaterr 1755 — 1 execugiio em Lisboa, Portugal. 1744 — 1 execugéo em Lisboa, Portugal 382 1233 1320 1375-1450 1376 +1460 1484 1486 1489 1503 1563 1574 1578 1580 1584 1595 1599 1602 1612 1631 CONSTITUIGAO DA DEMONOLOGIA — Bula de Gregorio IX contra os Stedinger: Vox in Rama; nascimento do sabbat. — Determinagao de Joao XXII contra feitigaria. — Cristaliza-se nova concepsao de sabbat na Suica. — Nicolas Eymérico — Manual do Inquisidor. — Joio Tinctortis — Tractatus de secta vaudensium. — Bula de Inocéncio VIII, Summus desiderantis affectibus. — Sprenger © Kramer — Malleus Maleficarum. — Molitor — Das bruxas ¢ adivinkas. impressio do Manual de Eymeric. — lohan Weyer — De Praestigiis daemonum, et incantationibus. — Lambert-Daneau — Les sorciers. — Edigio do Manual de Eymeric por Francisco Pefia. — Bodin — De ia démonomanie des sorciers. — Reginaldo Escoto — Discovery of Witchcraft. — Nicolau Rémy — Demonolatreiae libri tres. — Martin del Rio — Disguisitionum magicarum libri sex. — Boguet — Discours des sorciers (1591?) — De Lancre — Tableau de Vinconstance des mauvais anges. — Spee — Cautio criminalis. 383 (9) wrard onyuese/preq-oig | SeLt-0sci 61 ‘eBuypueur ep sesjoq Ei ‘oABs9s9-104U8 (@) ward sperm seuTW Oset-szct or sogeuay somyfueg (g) maid sqe99) Seu. 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