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Todos estes usos, sendo na sua multiplicidade de aspectos bastante curiosos, não

atingem, nem de longe, o sabor particularmente ameno da representação plástica


dos usos e costumes da nossa terra, que se observam nos Presépios. E', portanto, e
indiscutivelmente, esta composição, a forma castiça e insubstituível de
emprestarmos a esta época uma feição única de fervor religioso que, muitas das
vezes, atinge aspectos em nada relacionados com o fim em vista, umas que, como
no matizado da Natureza, no fim, tudo se harmoniza.

É sabido que a erudição se afasta para um campo diametralmente oposto ao da


espontaneidade. E, neste caso, mais talvez que em nenhum outro, porquanto a
ignorância do oficio, nesses escultores curiosos, e flagrante mas não desprovida de
virtudes que tornam as suas obras eloquentes, mas duma eloquência simples, como
simples tem .de ser tudo quanto traduza um grande pensamento, uma crença ou
um estado de alma profundamente sensibilizado.

O nosso património — ia a dizer artístico — de ingenuidade popular esta


inesquecivelmente representado nessa galeria de imprevistos, de partículas da alma
em êxtase, quando fazem nascer milagrosamente, e como que de um sonho, o
estabulo com toda a cena que lhe é inerente. Este obreiro, de minguados recursos
técnicos, agiganta-se, toma proporções de visionário hipersensibilidade e abrange,
de um só golpe, toda a expressão contida no tema, bafejando-o duma pureza que
apenas e sentida, mas não compreendida por muitos daqueles que a sua beira
festejam o Natal.

Mas olhemos agora o mesmo panorama realizado pelos mestres. Nota-se, aqui, um
fenómeno singular, único em toda a já longa história das nossas artes : o erudito
pretendendo aproximar-se da feição popular.

Este movimento, contrario ao natural desenvolvimento do artista, não repugnou


aos próprios estatuários do século XVIII, estando em primeiro piano, Machado de
Castro e Ant6nio Ferreira. O escultor de Mafra caracteriza-se por certa garra
anedótica, sendo o segundo mais requintado.

O desenvolvimento artístico do Presépio, entre nós, assinala-se no século de


trezentos, nas esculturas de Alcobaça e, na pintura, segundo documentos, em
painéis desaparecidos.

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